Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 24 de maio de 2023

PROEMINÊNCIAS JURÍDICAS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PROEMINÊNCIAS JURÍDICAS

Carlos Eduardo Santos

Quando ainda Contínio Inicial do Banco do Brasil, em meados da década de 1950, fui certa feita levar um documento à Inspetoria da Agência Centro, e lá me deparei com cidadão de cara fechada, charutão pendurado nos lábios, face bem avermelhada; um gauchão daqueles da fronteira…. Gente de pouca conversa.

Trabalhava geralmente no expediente da manhã e sozinho, embora tivesse outros dois birôs em sua pequena sala, no 4º andar do Edf. São Paulo, alugado pelo Banco, em frente à Praça Ascenso Ferreira, no bairro do Recife, enquanto era construído o atual Edf. Capiba.

No expediente da tarde, era dono da outra mesa – uma daquelas que se abria por cima, e da tampa saia u’a máquina de escrever, aparafusada – onde tomava acento todas as tardes para lhe prestar assistência jurídica, uma Secretária e outra onde trabalhava Dr. Sátiro Ivo da Silva Jr.

Dr. Ivo era um tipo incomum. Gordo, baixo, cútis avermelhada que só um camarão, advogado, jornalista, professor de Direito, diplomado em Filosofia e com várias premiações como escritor.

Tive a felicidade de publicar uma crônica sobre ele. O fato é que, mesmo dotado de muitos méritos, só que não aprendera a arte de datilografar e escrevia tudo à mão. Sua assinatura chamava a atenção pelos traços bem alinhados. Era mais conhecido como “Dr. Ivo”.

O gaúchão chefe do setor era o Inspetor Rôxo, de quem eu, num certo dia, deveria trazer um documento contendo a imagem de um carimbo, assinatura e data, num daqueles papéis amarelinhos finíssimos, o chamado papel-manteiga”, tipo “par avion”, que usávamos para cópias a carbono.

O cidadão mandou-me esperar e leu o texto, linha por linha, acompanhando-as com um lápis, até que comprimiu o carimbo na almofada de tinta, carimbou a cópia do documento, assinou e datou.

Ao colocar o papel assinado na ponta da mesa, afastando-o com certo desdém, pensei que já estivesse minha missão ali resolvida. Mas aguardei a ordem de liberação. Permaneci de pé, como se um soldado fosse.

Ele nem me olhou e retornou à busca de algum documento com o qual trabalhava atentamente antes de minha chegada. De repente olhou-me, tirou o charuto da boca e indagou:

– Falta alguma coisa pra me entregar?

– Não senhor!

– E está esperando o que?

– A liberação do senhor. Posso ir-me?

Deu uma risada e abanou a mão como quem diz: “Já vai tarde…” Mas, sem dizer coisa alguma. Foi quando pela primeira vez entendi que o homem era “virado”

Procurando saber de quem se tratava fui informado que era o sr. Arthur Augusto Rôxo Pereira, mais conhecido como “Seu Rôxo”, Contador efetivo da Agência do Banco, mas investido no cargo de Inspetor, era uma espécie de Assistente Jurídico. Nunca soube se ele era advogado por jamais ter ouvido alguma referência como “Dr. Rôxo Pereira” e sim apenas “Seu Rôxo”.

Aliás, sabia-se que ele só aceitara a função de Inspetor (uma espécie de Chefe Geral do Contencioso) desde que a Direção Geral lhe garantisse o cargo de Contador Efetivo da Agência Centro do Recife. Uma situação que para muitos era esdrúxula.

Por conta dessa incongruência Cirilo Maia Mousinho, trabalhou até a aposentadoria, assinando os documentos e carimbando embaixo de sua assinatura: “Contador Interino”. Era quase uma humilhação.

“Seu Rôxo” foi um personagem que merece notas mais amplas. Era, me parece, um matutão dos pampas, meio esporrento, mas ao mesmo tempo, brincalhão, querido e respeitado por todos. Estava em fim de carreira.

Certo dia, quando chegou ao prédio e notou que a fila do elevador estava grande, se dirigiu até o colega que estava em primeiro lugar e intimou-o a lhe ceder a vez, de forma pouco usual:

– “Tão” te procurando lá atrás, rapaz! Passa!…

O hábito se tornou engraçado e quando ele apontava no hall do elevador, a fila toda recuava, pois se aproximava o “Engole Fila”.

Meio atônito, certa feita, o “Precário” Manuel Bernardes, que acabara de chegar transferido de Caruaru, reagiu:

– “Oxente” colega!… O lugar é meu, cheguei primeiro, você que vá pro fim da fila!

Foi quando Seu Rôxo pipocou:

– Ora que “pôra” esta, rapaz. Sou o dono da fila!

E o resto da cambada caiu na gargalhada.

Seu Rôxo e sua esposa tiveram um filho que lhe deu muita satisfação: Arthur César Ferreira Pereira, que apelidamos de “Rôxinho”. Um rapaz brilhante, formou-se em Direito, foi Professor Universitário, passou no concurso do Banco e foi trabalhar na Assistência Jurídica, anos mais tarde.

Até 1981 funcionou no BB um sistema de serviços jurídicos ligados administrativamente à agência-sede sob a denominação de ASJUR – Assistência Jurídica, da qual até pouco tempo fora chefiada por Dr. Sátiro Ivo da Silva Jr.

Há personagens que ficam na História – uns por sua inteligência e capacidade de trabalho – outros por suas excentricidades.

Dr. Ivo, por exemplo, ficou como o “Imbatível” porque não sabia “bater” à máquina, palavra que significava a técnica de datilografar. O incrível é que costumava dizer que ao ser contratado pelo Banco nunca houve a exigência de ser datilógrafo. Já seu Rôxo, foi agraciado com o apelido de “Engole Fila”, porque sempre à força tomava o primeiro lugar nas filas do elevador e todos riam quando ele se aproximava da fila.

Manuel Pontual, Dirceu Rabelo, Nílton Maia de Farias e José Humberto derivaram para a literatura em paralelo aos trabalhos no Banco; Fernando Bivar recuperou o Memorial do Sport e todos estes publicaram livros.

Outros membros da ASJUR ficaram apenas na lembrança, inclusive um novato que exercia a advocacia particular e se vangloriava de seus feitos, os quais lia para a gente apreciar.

Numa de suas extravagantes defesas, onde sua cliente era certa dama de fino trato, numa causa de Família, fez constar nos autos que o cidadão da parte contrária era chegado às “falcatruas sexuais”.

Tornou-se famoso por essa “proeminência jurídica”.


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