CENA 1
– Você está ficando velho, meu velho. Não se preocupe, não. Ninguém lhe dá a idade que, de fato, você tem. Parece ter quinze anos a menos. Continua bonito,
conservado. Mas – como eu – envelheceu.
– Por que diz isso?
– Seus olhos marejam por qualquer coisa. Os meus também marejam à toa. Que importa? Estamos juntos.
* * *
CENA 2
Argemiro (8.6, hipertenso, cardíaco) e Esmeralda (8.7, obesa, diabética) eram casados há sessenta anos. A cada dia, a cumplicidade entre eles aumentava ainda
mais:
– Tudo bem, Argemiro, não vou dizer aos meninos que hoje você tomou hoje uma cachaça escondida e duas latas de cerveja também.
– Você jura por Deus, Esmeralda, que não vai contar aos meninos que bebi? Eles estão loucos pra nos internar…
– Juro. Mas só se você jurar também que não vai contar pra eles que eu bati uma lata de leite condensado.
– Claro que não vou contar nada pra ninguém. Só não podemos exagerar.
– Quer uma balinha de coco?
– Não, obrigado. Vou tomar mais um gole.
* * *
CENA 3
Impossível não ouvir, que bom ouvir! Quase duas horas de viagem. Eles não paravam de conversar conversa deliciosa – os dois sentados nos bancos atrás do meu.
Comentavam a paisagem, as notícias do dia, falavam – lúcidos, serenos, apaixonados – sobre tudo. Tinham, salvo engano desse contador de boteco, 190 anos de
amor.
Melhor tirar os óculos para leitura, fechar o livro e ouvir com atenção.
Hora de aprender.
Lá pelas tantas, ele disse a ela:
– Acordei duas e meia, estava meio ansioso, pensei em lhe chamar… Resolvi não incomodá-la.
E ela, feliz da silva, lhe devolveu:
– Bobagem. Você nunca me incomodou. E continua não me incomodando. Não me incomodará nunca.
* * *
CENA 4
– Cadê meu chinelinho de quarto, meu velho?
– Não sei, não, querida. Vou procurá-lo.