Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Do Jumento ao Parlamento sábado, 21 de janeiro de 2017

RELEMBRANDO ORLANDO TEJO

RELEMBRANDO ORLANDO TEJO

Raimundo Floriano 

 

         Em 1984, eu respirava cultura na Câmara dos Deputados. Cultura nordestina, da melhor qualidade. Fazia parte de um grupo que se reunia, todos os dias, à hora do almoço, no Restaurante do Anexo III, ou antes do expediente matinal, no Café do Salão Verde, para conversar, trocar ideias, comentar o que ia pelo ambiente literário e musical brasileiro. Era um elenco de intelectuais do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba. Eu, que nasci no Maranhão e estudei no Piauí, mas sem produção bibliográfica alguma, me via aceito naquele seleto bando por uma especial qualidade: ouvia atenta e embevecidamente, fazia perguntas pertinentes e era revisor ortográfico da maioria deles.

 

         Tinha o potiguar Manoel Damasceno, autor de O Jerimum de Chico Melão; o pernambucano Luiz Berto Filho, de A Prisão de São Benedito, A Serenata, A Guerrilha de Palmares e o premiadíssimo O Romance da Besta Fubana; o cordelista potiguar Celestino Alves de O Nordeste e As Secas, Dinarte Mariz, o Menestrel do Seridó e A Morte de Mário Eugênio; o pernambucano Maurício Melo Júnior, de Os Hóspedes de Antanho, O Palhaço que Perdeu o Riso, A Revolta do Cascudo e A Lenda do Vaqueiro Misterioso; o paraibano Esmeraldo Braga, de Danação em Terra Quente e A Hora e a Vez do Jumento, peça teatral em parceria com Orlando Tejo; e tinha o igualmente paraibano Orlando Tejo, criador da obra-prima da literatura regionalista Zé Limeira, o Poeta do Absurdo. Todos, fora o Celestino, servidores do Congresso Nacional.

 

         O Tejo é uma figura ímpar, a quem rendíamos respeito, consideração e todas as honras possíveis. Dono de um papo agradável e fluente, podia ficar horas e horas contando os desafios e cantorias que presenciara, sem perder um mínimo detalhe, pois detinha uma inigualável aptidão para repetir fielmente qualquer peleja de cantadores, tendo em nós plateia garantida.

 

         Correu, naqueles dias, pelas dependências da Casa, o boato – jamais confirmado – de que o funcionário João Canindé Tolentino Ribeiro estava emprestando um dinheirinho com juros subsidiados, muita vez a fundo perdido, coisa de pai para filho. Estando o Tejo desapercebido – desguarnecido de numerário –, procurou Luiz Berto que, também sem grana, e sabedor da notícia alvissareira, encaminhou um pedido de ambos ao Canindé, visando a conseguir trinta mangos para cada um.

 

         O amazonense Canindé, em vez de dar logo a decisão, dizer que não operava no mercado financeiro, que procurassem o Banco do Brasil, preferiu usar da diplomacia, cozinhar em banho-maria, procrastinar. A demora no atendimento estourou a paciência do Tejo. Um dia, já cansado de telefonar, pegou ele do papel e fez os seguintes versos, que Luiz Berto datilografou e remeteu ao protelador:

 

“LOUVAÇÃO A CANINDÉ

 

Estando sem um tostão,
E me encontrando bem perto,
Fui procurar Luiz Berto
Para alguma solução.
Berto disse: ‘Meu irmão,
Eu também queria até
Fazer um querrequequé
Daquele que o diabo pinta
Para ver se arranco trinta
Do bolso de Canindé’.

E toca a telefonar
E Canindé a correr,
Mas não pôde se esconder
E teve que tapear:
‘Pela manhã, não vai dar,
Porque de tarde é que é
Bom para a coisa dar pé.
Aguarde, portanto, amigo’.
Berto ficou de castigo,
Esperando Canindé.

E eu, que necessitava
Também da mesma quantia,
Me fiei nessa franquia
Que Canindé propalava.
Quando menos eu esperava,
O safado, de má-fé,
Filho da puta que é,
Disse que hoje não tem nada.
Ah! Uma foice amolada
No chifre de Canindé!

Eu já podia notar,
E mudar de interesse,
Que um cabra com um nome desse
Não poderia prestar.
Entretanto, vou esperar
Até amanhã com fé
Se ele me deixar a pé,
Juro por Nossa Senhora:
Corto de pau uma tora
E vou matar Canindé.

O cabra fuma e não traga,
Faz  do crime o seu idílio!
Onde está Flávio Marcílio,
Que não demite essa praga?
Ao menos dava-se a vaga
Pra um sujeito de fé,
Já que esse indivíduo é
Um tratante e delinquente,
Haja chumbo grosso e quente
No rabo de Canindé.

Por capricho do destino,
De satanás ou deus Brahma,
O bicho também se chama
Coisa e tal e Tolentino,
Doido, avarento e mofino,
Não conhece a Santa Sé,
Faz da cola o seu rapé,
Vive da desgraça alheia.
Devia estar na cadeia
Esse tal de Canindé.

Não sei como Luiz Berto,
Esse escritor inspirado,
Toma dinheiro emprestado
De um ladrão tão esperto,
Que representa um deserto
De trabalho, amor e fé,
Que anda de marcha à ré
Pela estrada da virtude,
E além de covarde e rude,
Se assina por Canindé.

Antes quero outro ‘pacote’,
Desemprego, moratória,
Ver Delfim contar história,
Comer carne de caçote,
Levar chumbo no cangote,
Me abraçar com jacaré,
Beber caldo de chulé,
Dar o rabo a marinheiro,
Do que tomar um cruzeiro
Emprestado a Canindé.”

 

                  Ao recebê-los, o Canindé tremeu nas bases. Nunca, em sua vida fora alvo de ameaça desse porte. Para que não a visse cumprida, preencheu, imediatamente, um cheque com os trinta solicitados e mandou entregar ao poeta. Era o que o Tejo queria. No mesmo instante, pediu que Luiz Berto se sentasse à máquina e ditou este desagravo:

 

“NOSSO AMIGO CANINDÉ

 

Um sujeito despeitado
Desses de baixa maré,
Inventou que Canindé
É um canalha safado.
Eu fiquei preocupado
Com a informação ralé,
Porém não perdi a fé
Em quem merece louvores.
E haja palmas e haja flores
Na fronte de Canindé.

Tenho dito e sustentado,
Todo mundo sabe disso,
Que na Câmara, esse cortiço,
Há um cidadão honrado,
Pai de família extremado,
Homem de bem e de fé!
O Papa já disse até
Que há no torrão brasileiro
Padre Cícero em Juazeiro
E, em Brasília, Canindé.

Sei que o Papa tem razão,
Mas ninguém quer saber disto.
Se já falaram de Cristo,
Que se dirá de um cristão.
Porém a fofoca não
Atinge um homem de fé
E se eu descobrir quem é,
Meto a mão do pé do ouvido
Do sem-vergonha enxerido
Que falar de Canindé.

Canindé - nome decente!
Tolentino - ô nome macho!
Ribeiro - lindo riacho,
Que mata a sede da gente!
Honrado, amigo e valente,
Subiu da glória o sopé.
A Virgem de Nazaré
Já lhe envolveu com seu manto,
Por isso um caminho santo
Vai trilhando Canindé.

Canindé pra ser beato,
Só falta mesmo a batina.
Pois tem vocação divina
Pureza, fé e recato!
Por isso, ele é o retrato
Mais fiel de São José
E já se comenta até
Que Frei Damião Bozano
Sugeriu ao Vaticano
Canonizar Canindé.

Mas sabe por que razão
Já querem canonizá-lo?
É por causa de um estalo
Que recebeu nosso irmão,
Lá, nas margens do Jordão,
Ao lado de São Tomé,
Quando dava um cafuné
Numa velhinha doente,
E morreu a penitente
Nos braços de Canindé.

Nesse chão, onde ele pisa,
Por ser grande patriota,
Se faz até de agiota,
Pra ajudar a quem precisa.
Mas não comercializa
A sua alma de fé!
Jamais ganhou um café
Pelo dinheiro que empresta.
A caridade é uma festa
Para a alma de Canindé.

Santo Agostinho, dos santos,
Foi o mais puro entre os ermos,
Que consolava os enfermos
E lhes enxugava os prantos,
Obrava milagres tantos,
Pela pureza e fé.
Pois acreditava até
Em fala de passarinho.
Mas, sabem? Santo Agostinho
É pinto pra Canindé.” 

         Canindé leu as rimas laudatórias e, aliviado, reagiu bem-humoradamente, levando tudo na esportiva. 

         E a paz voltou a reinar no Parlamento Brasileiro.

 

 

Orlando Tejo: patrimônio cultural nordestino e

João Canindé: perdão e socorro ao grande poeta

 


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