Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José de Oliveira Ramos - Enxugando Gelo sábado, 26 de dezembro de 2020

SANTA CEIA (CONTO DE JOSÉ DE OLIVEIRA RAMOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

 

O dia é diferente da véspera!

A mesa está posta. Aquela mesma mesa usada todos os dias por Dona Mariazinha para quase todas as coisas. Ali é servido o café da manhã, sem toalha, com xícaras diferentes e algumas até sem alça. Um bule de ágata com a tampa quebrada, e até copos de vidro que antes foram embalagem de massa de tomate. Mas, é a mesa que o trabalho digno e Deus põem.

Aquela mesma mesa que Dona Mariazinha, às vezes, usou para colocar aquela bacia de alumínio com água morna para banhar Pedrinho, quando esse tinha seis meses de nascido. Mas, era a mesa, ué!

Hoje é o dia. Ontem foi a véspera. Naquela casa com portas velhas, janelas fechadas com a ajuda de cabos de vassoura, e com goteiras no telhado – e Dona Mariazinha coloca uma panela de alumínio para aparar os pingos e não enlamear o piso – ninguém é peru. Ninguém comemora véspera.

Hoje é o dia. Ontem foi a véspera. Por isso, Seu Pedro saiu com a espingarda bate-bucha, um bornal com espoletas, pólvora e algumas bolotas de chumbo. Foi à caçada para tentar matar alguma ave para a ceia. Não era dia do caçador. O dia era da caça.

Seu Pedro voltou para casa, sem nada caçado. Triste e pensativo guardou a espingarda num lugar onde Pedrinho não pegasse. Foi para a latada, sentou num cambito que colocava no jumento para transportar tonéis d´água. A tarde estava terminando, e não tinha nada para oferecer para Dona Mariazinha preparar a ceia. Lembrou que, no quintal, duas galinhas ainda ciscavam antes de subirem para o poleiro.

– Não! Uma das galinhas, não! As duas estão pondo ovos, e Mariazinha não vai aceitar matar. Pensava, e concluía Seu Pedro.

Também não tinha pão; panetone, sequer sabia o que era. Seu Pedro lembrou que ainda tinha milho. Podia socar no pilão, fazer o xerém e depois o fubá. Poderia fazer cuscuz, mingau, bolo misturado com meia dúzia de ovos – afinal as duas galinhas eram poedeiras.

Chamou Mariazinha e perguntou:

– Mulé, não cacei nada. Tá difícil a caça nesse tempo. O que vamos fazer para a noite do dia que Jesus Cristo nasceu?

– Num se desespere hômi. Deus é bom e vai nos ajudar! Disse Mariazinha, voltando para a cozinha.

– Mulé, vamos usar o milho. Mas não podemos usar todo. Precisamos deixar pelo menos cinco litros para plantar, e a chuva tá parecendo que vai chegar.

– Hômi, nóis tem aquele frango que pensa que já é galo, veve brigano com o galo, porque quer as galinhas só pra ele. Vamos já arresolver isso.

Foi que Seu Pedro iniciou a socagem do milho no pilão. No mesmo momento viu Mariazinha colocar a panela grande no fogo com água.

– O que qui tu vai fazer quessa panela d´água mulé?!

– Espera só que tu já vai vê. Pois sim!

Incontinenti, Dona Mariazinha foi ao quintal e, quando voltou, já trazia o frango saliente, metido a galo, com o pescoço quebrado.

A partir dali, tudo mudou. A mesa recebeu uma toalha velha de retalhos. Os mesmos pratos diferentes uns dos outros, poucas colheres. Até a panela veio para a mesa, pois não havia travessa bonita, dessas utilizadas nas casas diferentes daquela.

Finalmente a noite disse presente. As lamparinas estavam acesas. Na sala, o farol movido a gás clareava tudo, embora os pirilampos também tivessem chegado, provavelmente atraídos pelo calor da luz.

Mãos dadas e unidas ao redor da mesa, cabisbaixos, Seu Pedro e Dona Mariazinha faziam oração de agradecimento:

– Deus, sei que estás presente, e te convidamos para a ceia que nos destes. Sei, meu único Senhor, que tudo tem seu dia para acontecer. Nada acontece na véspera!


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