Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Raimundo Floriano - Perfis e Crônicas segunda, 31 de julho de 2017

SARGENTOS CASTELLO BRANCO E AGAPENOR

SARGENTOS CASTELLO BRANCO E AGAPENOR

(Publicada no dia 03.06.2013)

Raimundo Floriano

 

Pelotão da Saudade/2013: Acervo veterano Paulo Irineu

 

                        A foto acima registra o Pelotão da Saudade, formado por veteranos do BPEB - Batalhão de Polícia do Exército de Brasília, do qual sou um dos fundadores, nas comemorações de seu 53º Aniversário, ocorrido a 13 de maio, com a festa antecipada para as 20h00 do dia 9.

 

                        Compareceram veteranos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Triângulo Mineiro, além dos residentes aqui em Brasília e entorno. Formamos um contingente de aproximadamente 150 elementos, oriundos de turmas diferentes, mas irmanados todos no sentimento que nos une, como se todos nos conhecêssemos uns aos outros, dentro do espírito que nos norteia desde quando pela vez primeira pusemos o pé no pátio daquele quartel: Uma vez PE, sempre PE.

 

                        Nas reminiscências, duas figuras notáveis se faziam presentes nas lembranças da maioria, os Sargentos Castello Branco e Agapenor, que não é de meu tempo. Deve ter incorporado ou vindo de outra unidade após minha baixa, ocorrida em 1967. Já o Castello é meu velho conhecido, veio transferido da PE do Rio de Janeiro e hoje faz parte de meu círculo de amizades, não só pessoal, como no Orkut e no Facebook.

 

                        Desde 1967, eu perdera o contato com o Castello Branco, e só a maravilha da Internet nos colocou novamente em sintonia.

 

                        No ano de 2010, quando o Batalhão comemorou o 50º Aniversário, consegui formar um Pelotão de cerca de 50 amigos veteranos, vindos de diversas partes do Brasil, no meio deles, acompanhado de uma filha, o Castello, residente na cidade paraense de Itaituba. E foi então que pude avaliar sua personalidade, pois mal nos cruzávamos no serviço ativo, ele numa Companhia de Polícia, e eu na Companhia de Comando e Serviços.

 

                        É um prefeito cavalheiro, de educação esmerada, fino no trato, uma moça, como se costuma dizer ao elogiarem-se as lhanas qualidades de alguém. Mostrou que, no cumprimento do dever, seguia os regulamentos disciplinares e cumpria as atribuições pertinentes a sua graduação de Sargento do Exército Brasileiro. Por outro lado, como cidadão, exibe no presente a formação que recebeu de seus pais, confirmando aquilo que aprendemos no labutar com os recrutas ao se incorporarem ao Exército Brasileiro: o bom filho sempre será um bom soldado!

                        No dia 20 de maio, publiquei aqui em minha coluna a matéria Veteranos da 6ª Companhia de Guarda, quando fiz menção a três livros escritos alguns deles, dentre os quais este, que volto a focalizar:

 

 

                        Seu autor, Luiz Alberto Rodrigues, goiano de Morrinhos, serviu no BPEB na Incorporação 1969/1970, concluiu o ginasial durante o serviço ativo, foi Cabo e, após a baixa, formou-se em Engenharia, pela Universidade Federal de Uberlândia. Entre as diversas funções públicas e cargos eletivos que exerceu, foi Deputado Federal Constituinte, eleito em 1986. Além disso tudo, traz o BPEB, o Exército e a Nação Brasileira bem incrustados no fundo do coração.

 

                        Nesse livro, além de fazer-nos relembrar os primeiros tempos da rotina da caserna, ele traça dois irretocáveis perfis dos militares que mais povoam as lembranças da maioria dos veteranos, ambos acima citados. Com sua autorização e também a do Castello – não consegui comunicar-me com o Agapenor –, aqui vou transcrevê-los, considerando os textos um primor de homenagem a esses velhos camaradas.

 

Castello Branco: Acervo Facebook

 

SARGENTO CASTELLO BRANCO

 

                        O Sargento Castello Branco, segundo ele proveniente de tronco genealógico diferente dos Casello Branco do general-presidente, era branco, pele alva, cabelos lisos pretos, penteados com apoio de brilhantina. No visual, demonstrava dificuldade para manter o peso. Tinha cintura arredondada e o corpo volumetricamente desproporcional às pernas, que eram voltadas para dentro, daquelas cujos joelhos se roçam quando a pessoa caminha. Era especialmente vaidoso e andava sempre bem arrumado e janotinha. Apresentava elegância formal de pessoa bem-educada... Falavam na Companhia que ele era especialista em explosivos.

 

                        Conversava em voz baixa, em diálogos com interlocutor próximo e, para comandar, elevava a forçava o tom de voz, destacando, então, a clara dificuldade que ele tinha de pronunciar as consoantes, por ser portador de asafia acentuada. Seu comando para o Pelotão assumir a clássica posição de sentido soava exatamente assim: – Elotão... entiiidooo! O comando de meia-volta volver! Saía como se segue: – Elotão... eia olllltaaa... ollveerr...

 

                        Era, deliberadamente, mau, dentro das regras do jogo, e não alisava ninguém. Nunca perdia a chance de fazer ironia com quem marcava bobeira. Tinha agudo senso de observação, sabendo notar quem estava viajando nos fins de semana sem a indispensável Guia de Licença, o documento oficial assinado pelo Comandante do Batalhão, fixando o período e autorizando a viagem. O Sargento Castello cobrava pessoalmente informações desses soldados espertos e, diante de contradições, avisava:

 

                        – Superior não erra. Superior eventualmente se engana. Tome muito cuidado, soldado, pois estou de olho em você!

 

                        Com o Pelotão em forma, na sua maneira característica de emitir os fonemas, dava instruções de como usar o chuveiro, onde os soldados tomavam banho em grupo:

 

                        – Eu filho, e o abonete air no anheiro, uidado ara egar ele no chão. Agacha com a unda unto da arede, se não a truta oadora ode aparecer e... né?

 

                        Nas noites em que estava de Sargento de Dia, gostava de jogar xadrez. Era jogador de nível apenas razoável. O melhor jogador da Companhia, com quem eu de vez em quando disputava e perdia partidas, era o Soldado Godoy, que era muito magro, tinha o rosto levemente encovado, queixo proeminente e apresentava rugas precoces na face. Seu apelido era “Velho”.

 

                        Godoy fez o CFC – Curso de Formação de Cabos –, tendo sido aprovado e, por ser conhecida sua inteligência e habilidade no jogo de xadrez, era convidado como voluntário para jogar com o Sargento Castello Branco. Lembro-me de certa vez em que eu estava assistindo a uma partida entre os dois, na sala do Sargenteante, pouco antes do Pernoite. Godoy, brilhantemente, montou uma situação para dar o xeque-mate, momento a partir do qual começou a mover as peças de maneira bisonha. O Sargento, que tinha percebido a própria dificuldade anterior, não se fez de rogado, ganhando as posições gentilmente oferecidas pelo Godoy, enquanto dizia:

 

                        – Ão é a elhor ogada! As e ocê er assim... udo bem!

 

                        Terminado o jogo, longe, do Sargento, perguntei ao Godoy por que ele tinha entregado a partida. Ele respondeu sorrido:

 

                        – Rodrigues, eu conheço o Sargento Castello Branco. Se eu ganhasse esse jogo, ele ia arranjar uma maneira de me sacanear. E eu não sou bobo. Ele me convida para jogar é para eu perder!

 

Agapenor: Arte de Juarez Leite

 

A FERA: SARGENTO AGAPENOR

 

                                    Na Primeira Companhia de Polícia, o Sargento Agapenor era personalidade marcante e, a seu modo, carismática. Era pardavasco, tinha cabelos crespos e bigode grande descendo pelos lados da boca, quase tipo mexicano, mas aparado embaixo. Sua altura era em torno de um metro e noventa centímetros. Era muito forte. Tinha braços e peitorais estruturados, embora não possuísse corpo modelado de atleta. Estava um pouco para gordo, mas nas instruções demonstrava ótimo preparo físico. Tinha ombros largos, barriga forçando um pouco a jaqueta da farda, levemente alta por inteiro, administrada à custa de muita ginástica abdominal, por um lado, e de vodca com peppermint e ração de tira-gosto por outro. Adorava comer bem e muito. Era exigente com os companheiros de cozinha e garçons. Em operações militares pela Cia Tar no Norte do País, sugeria cardápios aos responsáveis pelo fornecimento da refeição para a Tropa, além de comparecer ao local reservado onde era servida a melhor cachaça disponível em Araguaína, da qual ele bebia dose generosa antes de “avançar rancho”.

 

                        Quando no início da incorporação, na apresentação inicial dos Sargentos feita pelo Capitão aos conscritos, o Sargento Agapenor foi indicado sobriamente como um bom instrutor. Assim que o Capitão lhe passou o comando e se retirou, iniciamos o Período de Adaptação, com a fala introdutória feita no seu vozeirão de barítono, que ecoava longe e impunha respeito. Iniciou sua autoapresentação com uma definição pessoal que foi comprovada ao longo do ano inteiro que se seguiu. Eis o que disse, começando a conversa:

 

                        – Eu sou a fera... Sargento Agapenor! E continuou: – Podem perguntar a meu respeito para aqueles Soldados que ajudei a formar. Eu sou inesquecível!

 

                        O Sargento Agapenor não só era forte: parecia muito forte. Quando comandava Patrulha em Brasília, era uma figura aterradora para os soldados alterados. Parecia ter três metros de altura por dois de largura. Vestia-se no modelo alinhado da PE. Farda bem passada e cortada justa, perna da calça virada acima do coturno, pistola Colt 45, que usava no estilo caubói, deixando o coldre descer ao lado da perna, por colocar o cinto meio folgado, em posição diagonal na cintura, mais alto do lado esquerdo do corpo e mais baixo do lado direito. Na parte final do coldre, duas tiras de couro fino amarravam-no à perna, logo acima do joelho.

 

                        Parecia pronto para um duelo cinematográfico no estilo Velho Oeste norte-americano e usava o capacete com o emblema da PE na testa, seguro justo no queixo pela barbela, dando destaque para o seu olhar de homem mau. Nessas situações, caminhava com os braços meio abertos, levemente afastados do corpo, posição natural das pessoas que fazem muito exercício físico e ficam com as asas das costas bastante definidas, como os halterofilistas. Presenciá-lo liderando uma Patrulha urbana era um acontecimento único; estar com ele numa dessas tarefas, um risco permanente.

 

                        Devo dizer, no entanto, que, com esse jeito meio fanfarrão e ameaçadoramente truculento, o Sargento Agapenor ia aos poucos conquistando a simpatia de alguns soldados, enquanto provocava fúria em outros. Na contagem final, porém, havia mais adeptos que opositores.

 

                        Ele era valente e contava prosa. Instrutor duro, fazia questão de mostrar isso todo dia. Não tinha perdão: exercício comandado por ele era de lascar. Adorava puxar treinamento simulando ataque ao inimigo, com os soldados sendo obrigados a correr pequena distância e em seguida dar um mergulho no chão, independentemente do tipo de vegetação do campo. Chamava esse treino de corre-e-deita. O avanço do treinamento seguia com a repetição do exercício e o Sargento Agapenor comandando:

 

                        – Soldados, de pé, avançar... Deitados, rastejando, rápido... De pé, correndo... Deitados, rastejando, cabeça baixa, bem junto ao chão... De pé, correndo, correndo... Deitados, rastejando...

 

                        Se algum soldado tentava embromar, não se deitando e rastejando direito, logo o Sargento estava por perto e, sem mais nem menos, pisava nos costas do enrolador, colocando no pisão todo o peso do seu corpanzil e gritando:

 

                        – Eu estou dizendo deitadoooo! Assim bem junto ao chão! Tá vendo! Não é agachado, não! É deitadoooo e rastejando... Se for preciso, eu venho te ensinar outra vez! Entendido?

 

                        Quando aplicava o corre-e-deita, o Sargento Agapenor, sem saber, recebia insultos extensivos à Senhora Sua Mãe. Era xingado em voz baixa, muito baixa, quase num sussurro, evidentemente.

 

                        Ao referir-me aqui às mães dos sargentos, quero esclarecer que nós, soldados da PE, sempre consideramos os sargentos idênticos aos juízes de futebol, quando em campo: têm duas progenitoras, a primeira, a santa e respeitável mãe verdadeira, e a outra, uma “mãe de reserva”, para ser xingada. Portanto, não havia nenhuma intenção de ofensa pessoal nos xingamentos, que eram, digamos, institucionais e silenciosos.

 

                        O Soldado Righi, natural de Belo Horizonte, era magro e legítimo descendente de italianos no nome, no tipo físico e no temperamento irritadiço. Bom companheiro, Righi ficava revoltado com esse tipo de treinamento e, como gostava de xingar para desabafar, o fazia entre dentes, sussurrando e cuspindo raiva. Quando eu estava rastejando a seu lado, não conseguia deixar de rir das referências ao Sargento. Certa vez, Agapenor percebeu minha alegria e perguntou alto:

 

                        – Ô Rodrigues, tá rindo de quê? Tem algum palhaço por aqui? Tá achando pouco?

 

                        Fiquei sério e respondi, para não piorar a situação:

 

                        – É que nós caímos de mau jeito, e achei graça, sargento!

 

                        Nas Patrulhas rotineiras, era utilizado o cassetete antidistúrbio, um porrete de setenta e oito centímetros de comprimento e cinco de diâmetro, confeccionado com o cerne maciço da popular madeira de lei chamada jacarandá. O cassetete tinha excelente empunhadura e um laço de corda fina para envolver o pulso e evitar sua queda, aumentando o alcance quando necessário. O giro em velocidade ara feito soltando o cassetete preso ao pulso pela alça e batendo no oponente em fuga. Servia para caçar soldados desordeiros. Nas incertas, o Sargento Agapenor dizia:

 

                        – Cassetete não é santo, mas faz milagres! Se for preciso, senta o jacarandá neles!

 

********************

 

                        Esta matéria será lida por muitos veteranos, o que me leva postar aqui o escudo do BPEB e sua canção. Inicialmente, o escudo:

  

                        A Canção do BPEB foi composta pelo então Tenente Paulo Roberto Yog de Miranda Uchôa, hoje General da Reserva, que participou da Festa do 53º Aniversário, aqui interpretada pela Banda de Música daquele Batalhão:

  

****** 

Depois que esta matéria foi ao ar, em 2013, uma neta do Sargento Agapenor dela tomou conhecimento e nos enviou esta foto de seu avô, quando ainda era Cabo e servindo no 6º BC, verdadeira relíquia:

 

 


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