SÓ DUAS GOTINHAS, DOUTOR
Diz a música que perdão foi feito pra gente pedir. Todo mundo também sabe que é mais bonito pedir que roubar, muito embora esta pareça ser uma prática mais lucrativa que aquela. Ao menos entre nós. Mas o exagero, sempre ele, e a falta de critérios, sempre ela, costumam por tudo a perder. Como levar a sério um cidadão que vive pedindo desculpas pelos mesmos erros de sempre? Das duas, uma: ou o tipo é leso, ou é despudorado.
Tenho pra mim que quem muito pede nada leva, além de torrar a paciência alheia. Ou seja: chora muito, mama pouco. Conheci um sujeito assim, radialista. Não sei se está vivo ainda. Era um pidão profissional. De nada adiantava alguém lhe dizer:
– Infelizmente, não tenho como ajudá-lo.
A resposta vinha rápida, feito flecha, junto com a lista de pedidos:
– Você é que pensa. Sempre é possível ajudar um amigo.
Era invencível. Certa feita – eu não presenciei a cena, mas não tenho razões para duvidar de que não tenha ocorrido –, ele abordou o secretário de Estado que acabara de dar uma entrevista à rádio em que trabalhava. Pediu de tudo ao homem – emprego para a filha, casa popular para a ex-mulher, bolsa de estudos para o filho do meio… Ante as sucessivas negativas do secretário, partiu para o penúltimo ataque:
– Tudo bem, doutor. Então, me arrume um cigarro.
– Eu não fumo, respondeu sua Excelência.
– E o que o senhor tem no bolso da camisa?
– Colírio.
– Preciso de duas gotas, só duas. Pode ser?