Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Raimundo Floriano - Perfis e Crônicas quinta, 10 de agosto de 2017

SUASSUNA, TEJO E O ORDÁLIO DAS MÃOS POSTAS

SUASSUNA, TEJO E O ORDÁLIO DAS MÃOS POSTAS

(Publicada no dia 11.08.2014)

Raimundo Floriano

 

                        Ordálio, como todos vocês tão cansos de saber, era prova judiciária sem combate, usada na Idade Média. No cenário nordestino, sertanejo, cordelista e armorial, constitui-se em debate de ideias entre atores envolvidos com a criação literária.

 

                        No começo da Década de 1980, eu pertencia a um grupinho em que os ordálios aconteciam diariamente, no Salão do Café da Câmara dos Deputados, antes do início do expediente matinal.

 

                        Havia Maurício Melo Junior, iniciando-se nas letras, que viria mais tarde a ser o escritor mais prolífero da Editora Bagaço, inclusive com o vigoroso Paranã-puca, e o Berço da Pátria; Celestino Alves, cordelista, com sua alentada denúncia O Nordeste e as Secas; Manoel Damasceno, jornalista, autor de O Jerimum de Chico Melão; Esmeraldo Braga, com Danação em Terra Quente; Orlando Tejo, parceiro de Esmeraldo Braga em A Hora e a Vez do Jumento, e Luiz Berto, contando com o recém-lançado A Prisão de São Benedito.

 

    

                        Éramos sete, todos nordestinos, todos dando os primeiros passos nessa coceira que é a arte de escrever, menos Orlando Tejo, Gigante de nossa Literatura, já consagrado em seu brilhante Zé Limeira, Poeta do Absurdo. Tejo era nosso guru, ali perto, ao vivo, extasiando-nos com suas histórias, seus versos, suas invenções, enquanto enchia ou pitava seu inseparável cachimbo. Eu pertencia ao grupo mais como ouvinte atento e extasiado, embora já contasse também com um folhetinho, normativo, lançado em 1977, Regras de Pontuação e Sinais de Revisão.

  

                        Respirávamos o realismo fantástico por todos os poros. Gabriel García Marquez acabara de ganhar, em 1982, o Nobel de Literatura, e esse galardão teve o mérito de trazer à baila duas obras-primas mundiais do gênero que se encontravam um tanto esquecidas: Cem Anos de Solidão, de Gabriel, e O Romance d’A Pedra do Reino de Ariano Suassuna. Altamente influenciado por esses dois monumentos, Luiz Berto que já contabilizava A Prisão de São Benedito, preparava os originais do que viria ser outra obra-prima nordestina e brasileira, O Romance da Besta Fubana.

  

                        Tejo era ouvido com respeito, e suas opiniões, acatadas sem restrições. Em certo dia, surgiu com uma novidade, dizendo haver encontrado um cochilo de Ariano em a Pedra do Reino. Era num episódio, à Página 44, em que o pai decepa o braço do filho, e a vítima, ajoelhada, bradava de mãos postas. Aí Tejo pegava no pé de Ariano, pois uma pessoa não poderia ter as mãos postas, se o braço fora decepado.

 

                        Até que, em evento literário em João Pessoa, esses dois gênios paraibanos, amigos fraternos, ícones da criatividade brasileira, foram personagens do ordálio esclarecedor dos fatos, que procurarei narrar da forma que me contaram.

 

 

                        Ariano abriu o livro na Página 31 e mostrou-lhe o texto adiante por mim escaneado.

  

                        Depois, explicou a Tejo que, assim como o subtítulo do livro era E o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, os episódios iam e voltavam, repetindo-se os já acontecidos nos futuros, com personagens diferentes. Ao escrever o lance evidenciado pelo Tejo, a redação original estava assim:

 

“Em seguida, José Vieira pega um filho de dez anos, coloca-o na Pedra dos Sacrifícios e decepa-lhe o braço do primeiro golpe. Na hora do sacrifício (grifo meu), a vítima, ajoelhando-se, bradava-lhe, de mãos postas...”

 

                        Prossegue Ariano:

 

                        – Um camarada meu ao ler os originais, chamou-me a atenção para esse trecho, no qual a palavra sacrifício tinha uma repetição muito próxima da primeira. Acatando-lhe a sugestão, e tendo em vista a anterioridade descrita na degolação à Página 31, cortei o eco “na hora do sacrifício”, e o resultado ficou como se vê à Página 44:

 

 

                        E continuou:

 

                        – Jamais pensei, Tejo, que algum leitor fosse ter dúvidas, até porque a fala do menino sacrificado, neste caso, dava a entender que acontecera antes do decepamento, em analepse, técnica literária que vocês hoje chamam de flashback.

 

                        Dizem que Tejo, convencido, mas cabreiro, não querendo dar o braço a torcer por completo, tentou esta saída honrosa:

 

                        – Mestre Ariano, depois dessa explicação, tenho de concordar plenamente, com você, mas uma coisa não ficou bem clara: qual foi “o” braço decepado, o direito ou o esquerdo?

 

                        Ao que Ariano respondeu:

 

                        – Sei não, Tejo! Só sei que foi assim!

 


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