Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 13 de fevereiro de 2023

TEXTOS DESASNANTES (CRÔNICA D FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

TEXTOS DESASNANTES

Fernando Antônio Gonçalves

Num feriadão anos antes da COVID-19 iniciar seu espalhamento por todo o país, no Portal de Gravatá-PE encontrei um ambiente pra lá de boas conversas e excelente cardápio, também me deleitando com umas leituras desasnadoras, o adjetivo sendo criação do Monteiro Lobato, embora ainda não devidamente inserido no Aurélio. Textos ótimos, daqueles que deixam a gente com os atributos empavonados e com uma peninha danada das vítimas retratadas, algumas tornadas por pura zonzeira, outras por inserção abestada na vida, as demais por puro merecimento.

Na segunda manhã, ao terminar um copão de leite ordenhado por um vaqueiro de mesmo, pressenti a curiosidade de dois jovens, vinte e poucos anos, certamente cursando escola de nível superior. Ou inferior mesmo, como a maioria. Sadiamente enamorados, não externavam animalidades, nem as esfregações típicas dos macaqueiros no cio.

Correspondendo à intenção explicitada através de um “bom dia, amigo”, descompliquei o ambiente, deixando-os aptos para a indagação que portavam: “Que livros eram aqueles que o senhor lia, na rede do alpendre, deixando-o com um ar de incontida satisfação?”. A resposta foi antecipada de duas categóricas condições. A primeira dizia respeito à retirada do termo “senhor”, posto que numa vacaria o ambiente não ensejava tamanha cerimônia, mesmo porque, ali, a autoridade era o ordenhador, talento necessário para o momento. A segunda condição seria consequência da inicial: primeiro, a devoção, a degustação dos copões de leite que ainda estavam à disposição dos chegantes, para depois uma conversa amiga com hora marcada de findamento: o instante de começar a espetacular Paixão de Cristo do Zé Pimentel, transmitida, na Sexta-Feira Santa, pela TV Jornal do Commercio, um verdadeiro presente de Páscoa para milhares que não puderam se deslocar até o Marco Zero. Um presentão de primeiríssima qualidadade, como tudo que fez o Pimentel, esse pernambucano gota serena de arretado. E como otimamente propicia a TV Jornal, emissora que sabe bem curtir as coisas da gente.

A surpresa maior, entretanto, ainda estava para acontecer: os dois jovens eram alunos de um excelente Curso de Administração da capital pernambucana. Estavam concluindo o quinto período e buscavam binoculizar os amanhãs com os que já tinham alguns muitos quilômetros rodados, que nem eu. Três minutos iniciais de papo ofereceram um diagnóstico preciso sobre os dois universitários: antenadíssimos, mentalmente prontos para o bom combate no mercado de trabalho. E que tinham acabado de também saborear o livro Executivos Neuróticos, Empresas Nervosas, do Thomaz Wood Jr, Negócio Editora. Uma coletânea de textos bussolínicos, que servem tal e qual aquelas birutas plantadas nos campos de aviação, que não mostram a direção correta, mas que apontam para as circunstâncias mais favoráveis.

Confesso que me entusiasmou as cucas do jovem casal. Feliz do docente que encontra pela frente alunos calibrados, culturalmente adequados às suas faixas etárias, sem quaisquer menosprezos pelas curtições e os entra-e-sai de uma sexualidade sadia, de comunicação fácil e princípios norteadores capazes de iniciativas e ultrapassagens de excelentes retornos, para si próprios e para o entorno social que deles necessita.

Muito gostaria que inúmeros lessem, assimilando, os textos do Tomaz Wood Jr, talento da Fundação Getúlio Vargas, para quem o Brasil, “aos 500 anos se porta como adolescente esclerosado”. Sintoma preocupante de uma cidadanização mínima e de um corporativismo canhestro, indutores de posturas governamentais desastradamente fascistóides.

Voltei para o Recife satisfeito. Com o Portal, com o Zé Pimentel, com a TV Jornal do Commercio e com os dois talentos encontrados. Senti firmeza em todos, apesar das maquinações eleitoreiras de uma conjuntura nada alvissareira.

Voltei a ler outro livro do rabino Harold Kushner, uma pequena obra-prima de muita beleza espiritual para o Brasil de hoje, ainda tão carente de esperanças.

Nas suas reflexões, excelentes para quem se encontra meio baratinado diante dos agitados tempos pós-modernos, Kushner conta a história de um garoto que chegou da Escola Dominical e narrou para mãe o milagre do Mar Vermelho mais ou menos assim: “Os israelitas saíram do Egito perseguidos pelo Faraó e acamparam às margens do Mar Vermelho. Percebendo a aproximação das milícias inimigas, Moisés usou seu celular, a força aérea israelita foi acionada e os submarinos da marinha, com seus foguetes último modelo, protegeram todos durante a construção de uma gigantesca ponte, que permitiu a travessia de todo o povo, a alimentação ficando por conta de uma empresa especializada em fast-food”. Diante do espanto materno, o pirralho admitiu o garoto: – Não foi bem assim, mãe, mas se eu contasse da maneira que me contaram, você nunca iria acreditar.

A historieta contada pelo rabino Kushner alerta todos aqueles que relatam fatos passados, religiosos ou não, com tamanho grau fantasiador, que impossibilita uma convicção mínima sobre o acontecido, principalmente quando a transmissão é feita para aqueles que estão numa outra circunstância, portando outra mentalidade. Não saber transmitir bem os fatos passados é contribuir para a disseminação de explicações balofas e generalizantes. Quase todas fundamentalistas.

Transcrevo, aqui, a título de exemplo notável, trecho da Oração do Amanhecer do eternizado jornalista pernambucano Andrade Lima Filho, escrito há mais de quarenta anos. De uma beleza simbólica atualizadíssima:

“Tu, Senhor, és um cara legal. Eu sei. Sei e creio. (…) És o olhar do cego, a audição do surdo, a voz do mundo, a muleta do paralítico. És o sol das almas e o sal da vida. O princípio e o fim, o alpha e o ômega, o xis da grande equação na misteriosa e insondável aritmética do ser”.

Uma oração agradável, sedutora, sem babaquices espasmódicas, tampouco lamuriantes. Reler o que permanece atualizado é muito diferente de releituras saudosistas, que apenas martirizam, posto que não mais energizarão. Voltar a ler textos imorredouros é saber eternizar-se com eles, aproximando-se de um Ômega repleto de muita luz. Como, por exemplo, reler sempre o Padre-Nosso, uma oração para gregos e troianos, teístas e sempre aprendizes.


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