TIO ARTUR, UM DELEGADO MUITO DO PORRETA
Raimundo Floriano
Antônio Carlos Dib de Sousa e Silva, A. C. Dib, autor de Frutuoso & O Velho Monge de Barbas Brancas, é o primogênito de meu primo Bernardino de Sousa e Silva, o Benu, filho de Frutuoso José da Silva, o Tio Fruto, irmão de Rosa Ribeiro, meu saudoso pai.
(Velho Monge de Barbas Brancas é uma referência ao Rio Parnaíba, assim chamado no poema Saudade, de Da Costa e Silva, o maior poeta da Filha do Sol do Equador.)
Tio Fruto era um grande contador de histórias – todas verídicas –, e Benu foi o maior depositário desse maravilhoso repertório, repassado ao filho que, agora, o perpetua, nesse instigante livro, digno de habitar as bibliotecas e estantes de todos os sul-piauienses ávidos por conhecerem um muito de seu passado, de suas origens.
Frutuoso José da Silva
Tio Fruto, quando jovem, era carne e unha com um primo, Artur Passos, o Tio Artur, de sua idade, em companhia do qual viveu grandes aventuras, a principal delas como Soldados da Borracha, na Amazônia, de onde regressaram ao Piauí ricos, com os bolsos atafulhados de libras esterlinas.
Homens viajados e letrados, logo tiveram papel de destaque na Administração Pública do Sul do Piauí. Frutuoso foi um dos fundadores da cidade de Guadalupe, sendo seu primeiro Prefeito.
Artur Passos, por seu turno, intelectual e grande escritor, deixou-nos este tratado sociológico também imprescindível em qualquer biblioteca piauiense que se preze. Lendas e Fatos - Crônicas do Rio Gurgueia está para o Piauí assim como Os Sertões de Euclides da Cunha esta para o Brasil.
Naquele início do século XX, Tio Artur, exercia, na Administração Pública Piauiense, o cargo de Delegado de Polícia de Jeromenha (PI), sua terra natal. E é sobre ele, no exercício de tão alto Cargo Municipal, que Tio Fruto contou a história a seguir, narrada no livro de A. C. Dib, que, por sua hilaridade, passo a transcrever, para regozijo de meus leitores:
“PRIMEIRO DA FILA
Artur Passos era Delegado de Polícia em Jeromenha. Príapo, teve vinte e seis filhos com sua legítima mulher, Dona Mariquinha. De dia, era palmatória dos vidas-tortas do lugar, mas, ao nascer da Lua, metamorfoseava-se em boêmio, namorador e homem da noite.
Certa feita, sua Delegacia se viu tomada por considerável número de queixosos. À frente, uma jovem desonrada, triste, cabisbaixa, mesmo ‘ensimesmada’, como diria Guimarães. Foi o suposto sedutor conduzido sob vara e na mira de bacamartes, para desposar, na marra, e em plena Delegacia de Polícia, a desgraçada moça. O casório na Delegacia não era incomum por aquela época. Os sedutores viam-se obrigados, pela Autoridade Policial, a assumir suas responsabilidades e a cumprir com seus deveres para com as moças enganadas.
Iniciada a disquisição, o jovem Casanova, forçado, se defendeu, dizendo:
– Doutor Delegado, não posso me casar, pois não fui o primeiro homem na vida dela!
Assim dito, o combativo policial se pôs a investigar, inquirindo a moça sobre a identidade do primeiro:
– Minha filha – disse o inquisidor – quem foi o primeiro? Foi Chico Taveira?
A menina, vermelha como um pimentão, arrebentando-se de vergonha, disse com a voz embargada e quase inaudível:
– Foi não, Seu Artur!
– Pois foi Tião Silva? – indagou o combativo policial –, enumerando os mais conhecidos encrenqueiros do lugar.
– Foi não, Seu Artur!
– Foi Zé Quati?
– Foi não, Seu Artur – balbuciou a jovem incauta.
– Foi Silveirinha?
– Foi não, Seu Artur!
– Mas, afinal, diga-nos de uma vez por todas: quem foi o primeiro, minha filha? – Sentenciou o investigador, já impaciente.
A pobre moça, quase a desfalecer, olhos colados ao chão, corada da cabeça aos pés, apenas sussurrou:
– Foi o senhor, Seu Artur!
O Delegado, num primeiro momento, arregalou os olhos, tomado de susto e boquiaberto. Eram tantas as conquistas – tantas e tão banais –, que terminava por se esquecer. Não se lembrava, sequer, se já havia cruzado com a rapariga.
A seguir, colérico e irado, expulsou a todos da Delegacia, aos berros, ameaçando-os de prisão.”
(Meus agradecimentos ao Tio Fruto, por ter repassado essa cômica aventura a seus contemporâneos; ao Tio Artur, por tê-la protagonizado; ao primo Benu, hoje Procurador de Justiça aposentado, pelo resgate do fato; e, finalmente, ao sobrinho A. C. Dib, Procurador concursado da Câmara Legislativa do Distrito Federal, pelo registro em livro, do qual pirateei esta crônica, sem a devida autorização.)
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