Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 04 de julho de 2020

UMA DECLAMAÇÃO E UM FOLHETO RARO E PRECIOSO DE PATATIVA DO ASSARÉ

 

UMA DECLAMAÇÃO E UM FOLHETO RARO E PRECIOSO

 

O poeta baiano Chapéu de Couro declamando um poema de sua autoria.

O tema é bem atual:

 

 

* * *

UMA PRECIOSIDADE

 

Cordel escrito pelo saudoso Patativa do Assaré. Foi em 1946, quando então ela tinha 37 anos de idade.

Patativa usou o pseudônimo de Alberto Cipaúba.

O CRIME DE CARIÚS

Eu sou um poeta nato,
Versejar é o meu ofício,
Gosto da sinceridade,
Versejo sem sacrifício,
Sou filho de Pernambuco,
Desta terra de Maurício.

Mas como nunca estudei
E moro na Soledade
Sem nunca dar os meus versos
À luz da publicidade
Ninguém conhece o meu nome
Dentro da sociedade.

Porém a história de um crime
Vou narrar, publicamente,
Passou-se em 42
Da nossa era presente
Na vila de Cariús
Ao Ceará pretendente.

Portanto peço licença
Aos leitores mais sensatos
Que quero contar a todos
Em meus versinhos exatos
Como se deu a morte
De Carlos Gomes de Matos.

Esse ilustre farmacêutico
Que hoje na glória está
Teve como berço o Crato,
Nasceu e criou-se lá,
Descendendo das melhores
Famílias do Ceará.

De Pedro Gomes de Matos
E a senhora Josefina
Nasceu esse bom senhor,
O qual teve a triste sina
De morrer barbaramente
Por uma fera assassina.

No rol da sociedade
Vivia alegre e ditoso
Branco, preto, rico e pobre,
O chamavam de bondoso,
Pois, além de competente
Era muito caridoso.

Dentro de sua farmácia
Trabalhava o dia inteiro,
O seu negócio gozava
De um conceito verdadeiro
Na praça do Ceará,
Recife e Rio de Janeiro.

Era casado; e a esposa,
Dona Emília Mussalem
O amava com o fervor
Que uma santa esposa tem
Porém o diabo não folga
Quando um casal vive bem.

Diz-nos um velho rifão:
Quem é bom não vive em paz,
Quando a fortuna nos chega
A miséria vem atrás,
E não há quem esteja livre
Dos laços de Satanás.

 

O Doutor Nelson Carreira
Paraibano infiel,
Estabeleceu-se no Crato
Com seu destino cruel
E praticou contra Carlos
O mais horrível papel.

Esse orgulhoso Doutor,
Tipo da perversidade,
saiu lá da Paraíba
Por causa de inimizade
E veio então para o Crato
Desacatar a cidade.

Com dois anos que o tal médico
Se achava no Cariri
Já era antipatizado
Por muita gente dali
Segundo as informações
Que em vários jornais eu li.

Sempre onde ele conversava
Seu assunto era questão,
Pelo que logo notamos
Seu perverso coração,
Talvez até tenha sido
Do bando de Lampião.

Gabava-se de valente,
Apesar de muito fraco.
Parece que a natureza
Ocultou naquele saco
O orgulho do peru
E a trapaça do macaco.

Em Crato ele começou
Mostrando grosseiros tratos,
Falando contra a farmácia
De Carlos Gomes de Matos
E surgiu deste motivo
O maior dos desacatos.

Certa vez Nelson Carreira
Receitando um sertanejo
Valeu-se da falsidade
E aproveitou o ensejo
Para assim satisfazer
Seu satânico desejo.

E depois do exame feito
E a receita escriturada
Entregou-a a um cliente
Porém com ordem passada
Pra na farmácia de Carlos
A mesma ser aviada.

Disse mais ao sertanejo
Que, quando se despachasse,
Novamente ao gabinete
Com o remédio voltasse,
Pois, sem o examinar
Não convinha que tomasse.

Foi o matuto à farmácia
Com a receita na mão
E Carlos Gomes de Matos,
Que não pensava em traição,
Despachou a tal receita
Com a devida atenção.

Com o remédio legal
O bom camponês voltou
Chegando ao gabinete
Ao Doutor o entregou
E este pegando o remédio
Falsamente o revistou.

Logo depois de ter feito
A falsa examinação,
Disse ali, publicamente,
Com ares de sabichão
Que Carlos havia errado
Sua manipulação.

E para melhor completar
O papel do traiçoeiro
Ordenou que o cliente
Fosse à farmácia, ligeiro,
Devolvesse o tal remédio
E procurasse o dinheiro.

O matuto admirou-se
Daquele mandado tal,
Porque Carlos sempre foi
Farmacêutico especial,
De nome bem conhecido
Do sertão à capital.

Mas contudo foi depressa
O remédio devolver,
Porém o bom farmacêutico
Se escusou de receber
E saiu com o sertanejo
Para a questão resolver.

Chegando ao consultório
Depois de uma saudação
Disse: Doutor, por favor,
Faça-me uma declaração:
– Em que consiste o meu erro
Nesta manipulação?

Carlos fez a pergunta
Com o sertanejo ao seu lado
O Doutor Nelson ficou
Um tanto sobressaltado
E negou, cinicamente,
O que antes havia afirmado.

Porém o matuto ouvindo
Atalhou, com certo tédio:
Doutor, o senhor me disse
Aqui mesmo neste prédio
Que o Doutor Carlos errara
No despachar do remédio.

Disse Carlos: doutor Nelson,
Isso não lhe fica bem
Rebaixar minha farmácia
Que tanto critério tem
E da qual até o presente
Nunca se queixou ninguém.

Disse o doutor: de hoje em diante
Em fiscal vou me tornar
Para a sua farmácia
Eu mesmo fiscalizar,
Farmacêutico de hoje em diante
Comigo vai se apertar.

Carlos com muita razão
Replicou ao atrevido:
Sendo assim eu também tenho
O meu direito devido
De fiscalizar os erros
Que o senhor tem cometido.

O primeiro destes erros
Causou a pior impressão
O senhor, em minha prima,
Aplicou uma injeção
Contra a receita e a ordem
Do senhor doutor Leão.

Maria Gomes de Matos
A minha prima, a doente,
Morreu depois da injeção
Quase repentinamente
E o doutor querendo eu dou
Do fato a prova evidente.

Sabendo o doutor que Carlos
Justa verdade dizia
Se enfureceu de tal modo
Que o corpo todo tremia
Como cão raivoso sofrendo
O choque da hidrofobia.

Enrubesceu-se de raiva,
Mudou logo de feição,
Pois nunca soube o que fosse
O valor da educação
E vibrou, afoitamente
Em Carlos um bofetão.

Pois aquele astuto médico
Do coração de chacal
Estudou porém não
Obedecer à moral
Nele só reina o instinto
Da natureza brutal.

O farmacêutico tombou
Com a grande bofetada
E saiu do consultório
Sem ao doutor dizer nada
Suportando a dor secreta
Da sua honra ultrajada.

Ocultou consigo a mágoa
Nunca se queixou a ninguém!
Mas nele se lia um quê
De quem não se sente bem,
Demonstrando as qualidades
Que o criterioso tem.

Do que fez o doutor Nelson
Logo se espalhou a notícia
E este, orgulhoso, crescendo
Cada vez mais a malícia
Trazia a casa guardada
Por soldados da Polícia.

E além daqueles soldados
Vigiando o seu abrigo
Arranjou quatro capangas
Que andavam sempre consigo
Como se estivesse exposto
Ao mais tremendo perigo.

Aquilo mais aumentou
Sua grande antipatia
Rodeado por capangas
O pessoal sempre o via,
De cada lado um revólver
O bandoleiro trazia.

E Carlos Gomes de Matos
Nem sequer tinha a lembrança
De procurar o patife
E tomar uma vingança
Pois sempre foi u’a pessoa
Modesta, sensata e mansa.

Mas um dia, por acaso,
Aquele honrado senhor
Numa das ruas do Crato
Encontrando o tal doutor
Sentiu magoar-se a ferida
Dentro do seu pundonor.

De tomar uma vingança
Chegou-lhe um certo desejo
E sacando do revólver
Fez com o mesmo um manejo
Indo uma bala alojar-se
No corpo de malfazejo.

Carlos sustou a arma
Pois matá-lo não queria,
Notando em seu inimigo
O cúmulo da covardia,
Pois nem sequer pegou num
Dos revólveres que trazia.

Vendo o doutor que os capangas
Não vieram lhe valer
Valeu-se das grossas pernas
Pensando que ia morrer
Como quem diz: um Carreira
Pode muito bem correr!

E assim que chegou em casa,
O famoso valentão,
Mandou um carro a Barbalha
Buscar o doutor Leão,
Pois os doutores do Crato
Nenhum lhe dava atenção.

O doutor Leão Sampaio,
Que em medicina é o tal,
Chegando o fez o exame
E terminou, afinal,
Garantindo ao doutor Nelson
Não ser o tiro mortal.

Este sabendo que o tiro
Não lhe causaria a morte
E conhecendo que em Crato
A coisa não dava sorte,
Voltou para sua terra
A Paraíba do Norte.

Voltou; mas deixou em Crato
Lembrança p’ra vida inteira:
Além dos mais desacatos
Deu um bolo de primeira
De umas dezenas de contos
No cofre da padroeira.

Deixemos o doutor Nelson
Em sua terra natal,
Urdindo tramas e tramas
Atrás de fazer o mal,
E vamos falar de Carlos
Sobre o seu crime animal.

Após aquele ocorrido
Carlos sendo interrogado
Disse que no doutor Nelson
Havia mesmo atirado
E conforme manda a lei
Foi o mesmo processado.

Não obstante ele ter
A sua clara razão
Pois baleou o doutor
Em paga do bofetão
Foi condenado a um ano
E dois meses de prisão.

O doutor Nelson Carreira
De tudo teve certeza
Porém sempre o perseguia
Com desmedida fereza
Como o lobo sanguinário
Que anda à procura da presa.

Certa vez Carlos se achava
No Estado de Goiás
E, quando pensou que ali
Estava vivendo em paz,
Notou que um cabra o seguia,
Bem de longe, por detrás.

Aonde fosse o farmacêutico
O cabra sempre o seguia
E Carlos Gomes de Matos
Por sua vez já sabia
Que aquilo era um assassino
Que o doutor lhe remetia.

Saiu então de Goiás,
Mudando assim o seu plano,
Porém sempre perseguido
Do doutor paraibano
Era qual sombra maldita
Na pista do corpo humano.

Mas Carlos que só temia
O grande poder de Deus
Foi com a sua farmácia
Com os bons produtos seus,
Pra vila de Cariús,
Município S. Mateus.

E então, no Ceará,
Seu lindo berço querido,
Na vila de Cariús
Se achava estabelecido
No mesmo lugar onde outrora
Carlos já tinha vivido.

E enquanto ele ia exercendo
Sua honrada profissão,
O Nelson continuava
Na mesma convicção,
Agredindo-o no Iguatu
De arma exposta na mão.

Falava a um e a outro
Oferecendo dinheiro
Pra matar o farmacêutico,
Homem justo e verdadeiro,
Que sempre deu boas provas
De um honrado brasileiro.

Pois o tal doutor Carreira
Da covardia é escravo
Mas para mandar matar,
É astuto, fino, bravo,
Capaz de tirar do cofre
O derradeiro centavo.

Certo dia lembrou-se
De um velho camarada
Celso Holanda Montenegro,
Alma perversa e malvada,
Que para maior defeito
Tem uma perna amputada.

Celso Holanda Montenegro,
Posso ao leitor afirmar,
É um cearense injusto
De falsidade sem par,
Tem as mesmas qualidades
De Domingos Calabar.

Então o doutor Carreira
Encontrando o seu amigo
Disse: Um grande negócio
Eu quero fazer consigo,
Boa soma dar-lhe-ei
Pra matar meu inimigo.

E quando você o matar,
Tomando a minha vingança,
Procure se despistar
Com a maior segurança
De modo que do ocorrido
Não haja desconfiança.

Celso aceitou de bom grado
A proposta do doutor,
Pois é pior do que Judas,
Infiel e traidor
E a fim de arranjar dinheiro
Nega a alma ao Criador.

Este monstro sem critério,
Mentiroso e imprudente,
Tem as manhas do dragão,
A peçonha da serpente;
Se existe o tal cão-coxo
É aquele certamente.

Morando na mesma vila
Que o farmacêutico morava
Com ele todos os dias
Sempre se comunicava
E Carlos, tão inocente,
Té injeções lhe aplicava.

Celso procurava um meio
De executar a traição
E, pra melhor despistar,
Travou esta relação,
Com um sorriso nos lábios
E o diabo no coração.

Mas aquele infame hipócrita
Não dispondo de coragem
Foi um dia a Paraíba,
Oculto numa viagem
À procura de um sujeito
Que oferecesse vantagem.

Foi ver se encontrava uma cabra
Que tomasse o seu lugar,
E o papel de assassino
Pudesse desempenhar,
Pois destes na Paraíba
É fácil de se encontrar.

Chegando a Campina Grande
Teve uma sorte o bandido
De encontrar Antonio Freire
A quem julgou destemido,
Proprietário de carros
E muito seu conhecido.

Disse Celso: Antonio Freire
Tu és disposto, é exato
Portanto eu hoje desejo
Fazer contigo um contrato
Trata-se da execução
De um oculto assassinato.

Respondeu Antonio Freire
Que a tanto não se atrevia
Porém podia arranjar
Um cabra que lhe servia,
Celso aceitou a oferta
E voltou no outro dia.

Domingos Aquino, o cabra
Que com Nelson contratou,
No carro de Antonio Freire
Logo depois viajou,
E chegando a Cariús
Montenegro o ocultou.

Sob a direção de Celso
Ficou a fera escondida,
Atrás de roubar de Carlos
Sua preciosa vida,
Mas não podendo alvejá-lo
Deu a viagem perdida.

Mas contudo Montenegro
Não mudou o plano seu
Procurou Antonio Freire
E enorme vaia lhe deu
Dizendo: ‘‘É fraco o rapaz
Que você me forneceu’’.

Mas você há de dar provas
De um amigo verdadeiro,
Arranjando outro rapaz
Corajoso e escopeteiro,
Porém quero que o segundo
Não faça como o primeiro.

Prometi ao doutor Nelson,
Meu benfeitor e amigo,
De matar o farmacêutico,
O seu maior inimigo,
E venho compartilhar
Este negócio contigo.

Respondeu-lhe Antonio Freire
Que seria pontual,
Arranjando outro sujeito
Para a tarefa fatal,
Traindo desta maneira
A quem nunca lhe fez mal.

Com fim de satisfazer
Do Montenegro a vontade
Foi ao tenente Queiroga,
Com quem mantinha amizade,
E a este pediu um cabra
Para aquela falsidade.

Em vez de o tenente ter
A ele repreendido,
Foi muito franco e correto
Em atender-lhe o pedido,
Prometendo para o crime
Um caboclo destemido.

Ursulino, o tal caboclo,
Forte, disposto e valente;
Residia em ‘‘Bamburral’’
(A fazenda do Tenente)
E vivia trabalhando
Pobre, miseravelmente.

O tenente o retirou
Da fazenda ‘‘Bamburral’’
E meteu em suas mãos
Um revolver especial,
cometendo desta forma
Um crime descomunal.

Este tenente é um membro
Da Força Paraibana
Porém provou desta vez
Com eloquência soberana
Ser um dos entes mais falsos
Que já deu a espécie humana.

Porque, sendo autoridade,
Em vez de ser justiceiro
Reparando alguma falta,
Aconselhando a um terceiro,
Desonrou a sua farda
Na morte de um brasileiro.

O traidor Antonio Freire
Ficou muito satisfeito
Quando o tenente Queiroga
Apresentou-lhe o sujeito
E disse consigo: Este
Faz o serviço direito.

Botou-o dentro do carro
E viajou pressuroso
Pra vila de Cariús,
Conduzindo o criminoso
Pelo qual o Montenegro
Já esperava, ansioso.

Celso Holanda Montenegro
Fitando o cabra Ursulino
Disse consigo: este cabra
Tem jeito de assassino
Talvez não faça o que fez
O tal Domingos Aquino.

E então, particularmente,
Com ele fez o contrato,
Dizendo-lhe: Se você
Fizer o assassinato
Dou-lhe quatro mil cruzeiros
E fico achando barato.

Se quer fazer o negócio
Seja esperto e vigilante,
Tome quinhentos cruzeiros,
Pois não quero ser maçante,
Depois que fizer o crime
Entregarei o restante.

Ursulino respondeu-lhe
Que tal negócio aceitava,
Porque já fazia meses
Que quase nada ganhava
E sua pobre família
Com fome em casa chorava.

Depois que Celso narrou-lhe
tudo, tim-tim por tim-tim,
Foi mostrar-lhe o farmacêutico,
Com um disfarce sem fim,
O qual achava encostado
Em um ficus benjamin.

Disse Celso: O farmacêutico
É aquele cidadão
Olhe bem pro jeito dele
Faça a identificação
E no momento do crime
Segure a arma na mão.

Depois que o cabra Ursulino
De tudo teve a certeza,
Ficou vigiando a vítima
Com a maior sutileza,
Aguardando a hora própria
Pra aniquilar sua presa.

No ano quarenta e dois
Da nossa presente era,
Numa noite de dezembro,
Aquela assassina fera
Por trás de um poste se achava
Acautelada, de espera.

A tal noite estava escura,
Sem alegria e sem graça,
Como que pressagiando
A hora de uma desgraça,
Bem profunda era a tristeza
Reinante naquela praça.

Lá pelo azul do infinito
Nem uma estrela luzia,
Em tudo a gente notava
Um tom de melancolia,
Parece que revoltada
A natureza gemia.

E Ursulino, no seu posto,
Calmo, frio, sanguinário
Esperava, cauteloso,
O momento necessário
De executar brutalmente
Seu papel de mercenário.

O farmacêutico passando
Justo onde estava a serpente
Encontrou ali um homem
Que vinha apressadamente
À procura de um remédio
Para seu filho doente.

A conversa com o mesmo
Um pouco se demorou,
Então, por trás do poste,
Ursulino aproveitou
Essa demora de Carlos
E um tiro lhe desfechou.

Mais dois tiros, em seguida,
Ursulino disparou,
Ferido, sobre a calçada,
O farmacêutico tombou,
E o cara no mesmo instante
Correndo se retirou.

Carlos, apesar de achar-se
Horrivelmente ferido,
Inda pegou seu revólver
Com esforço desmedido
E atirou na direção
Que o cabra tinha saído.

Porém naquele momento
Seus tiros já foram em vão,
Porque, além de ele achar-se
Em triste situação,
Ursulino ia amparado
Pela imensa escuridão.

Logo em socorro de Carlos
O povo todo correu
Dizendo, porém, a um tempo,
Ser mortal o estado seu,
Tanto assim que no outro dia
O farmacêutico morreu.

Faleceu em Iguatu
Operado no hospital,
Aquele moço distinto
Tão amigo e social
Causou a maior impressão
Essa notícia fatal.

Sobre a pessoa de Carlos
Vamos fazer ponto aqui.
Pra falar sobre o bandido,
O qual correndo dali
Saiu no dia seguinte
Na fazenda ‘‘Potengi’’.

João Cardoso em ‘‘Potengí’’,
Que era o sub-delegado,
Da morte do farmacêutico
Já tinha sido avisado
E assim que viu Ursulino
Com o mesmo tomou cuidado.

Por ser muito experiente
O cidadão João Cardoso,
Conheceu que aquele cabra
Era o dito criminoso,
Por ver que o mesmo trazia,
Um revólver precioso.

Com o auxílio de uns paisanos
Que se achavam ali perto
Desarmou o bandoleiro
E de tudo ficou certo,
Pois pelo próprio assassino
Foi o crime descoberto.

Ursulino a São Mateus
Levaram-no com brevidade,
E este contou a história,
Novamente, na cidade,
A mais de duzentas pessoas,
Sem se afastar da verdade.

Citou nome por nome
Dos malfeitores cruéis
E como representaram
Aqueles negros papéis
E também que fez o crime
Por quatro contos de réis.

Disse mais que o Montenegro
Daquela justa quantia
Deu-lhe quinhentos mil réis
Porém sob a garantia
Que depois do assassinato
O resto lhe entregaria.

O senhor Mário Leal,
De nome contraditório,
Isso assistiu e louvou,
Mas logo, tipo do mal,
Negou que tudo sabia,
Desonrando-se afinal.

Ficou o público ciente
De como forjaram os planos
Aqueles cinco traidores
De corações desumanos,
Um filho do Ceará
E quatro, paraibanos.

Mas os quatro coautores,
Por serem bem abastados,
Procuraram logo meios
Que dessem bons resultados
Abarrotando as carteiras
De espertos advogados.

E com trapaça e chicana,
Mentiras de toda sorte,
Afirmavam que o mandante
Daquela bárbara morte
Não era o doutor Carreira
Da Paraíba do Norte.

O Juiz de São Mateus
Conhecendo que os malvados
Estavam todos ali
Por protetores cercados
Pediu que em outra comarca
Os mesmos fossem julgados.

Ao júri de Fortaleza
Foram eles remetidos
E os quatro coautores
Da Polícia protegidos
Por um falso julgamento
Saíram absolvidos.

Foi um julgamento contra
As leis humanas e divina
Ficando assim libertada
Aquela corja assassina
Pois onde não há consciência
O interesse é que domina.

Ursulino, o mercenário
Foi indigno de atenção
Deram-lhe como sentença
Trinta anos de prisão,
Porque quem não tem dinheiro
Também não tem proteção.

O desgraçado Ursulino
Por ser um pobre, o prenderam.
Os outros, por serem ricos,
Penitência não sofreram,
Porque os juízes de fato
Do Ceará se renderam.

O promotor Lourival
Não fez a apelação,
Porque pra ele dinheiro
É a chave da prisão.
Mesmo vinte mil cruzeiros
Já é um gordo pirão.

Este doutor por dinheiro
Tem tão grande cobiça
Que faz tornar o seu jugo
Maneira como cortiça
Os próprios réus defendeu
No plenário de Justiça.

Pisou por cima da lei,
Por ser mui ganancioso,
Mas, depois de praticar
Este ato escandaloso
Ficou também incluído
No tal grupo criminoso.

A história deste crime,
Cheia de horror e traição,
Onde a autoridade falta
Com a sua obrigação,
É tinta negra que mancha
O nome de uma nação.

Se, contra o que escrevi
Alguém pensar o contrário,
De falar com Ursulino
Faça tudo necessário
Que o mesmo lhe contará
O infeliz mercenário.

Agora, caro leitor,
Espero ser desculpado
Em simples e toscos versos
Relatei todo o passado
Daquele crime horroroso
Em Cariús praticado.

Cariús! Lugar sinistro
Que apavora a humanidade
Onde reina o luto e a dor
A tristeza e a saudade
A mulher na viuvez
E a criança na orfandade.

Ali sempre foi um ponto
De assassinos e danos,
Teatro sanguinolento
Dos matadores humanos
Onde vai o assassino
Realizar os seus planos.

De Cariús o passado
Nos causa medonho espanto,
E descrever ninguém pode
Sem ter os olhos em pranto
A série de desatinos
Havidos naquele recanto.

Lugar de agouros malditos,
Fonte funesta do mal
Onde um monstro foi oculto
Cheio de instinto brutal,
Saciar no sangue humano
A sua sede infernal.

Ali, meia noite em ponto,
Quem pela rua se lança
Vê um grupo de assassinos
Que pelas trevas avança
E a alma do farmacêutico
Clamando, a pedir vingança.

 


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