Confesso que meu nível de satisfação existencial, depois da presepada nazista praticada pelo Roberto Alvim, demitido exemplarmente do cargo de Secretário de Cultura do atual Governo Federal, tornou-se de nível mais elevado diante de uma narrativa humoristicamente bem traçada através de um livro de filosofia que me provocou algumas horas de sadio contentamento: Uma Viagem pela Filosofia em 101 casos anedóticos, Nicholas Rescher, São Paulo, Editora Ideias & Letras, 2018, 416 p. O autor, membro da Academia Americana de Artes e Ciências, da Sociedade Leibniz da América do Norte, da Associação Filosófica Católica Americana e da Sociedade Metafísica da América, tornou-se o primeiro pensador a escrever algumas histórias que alguns filósofos contaram para lidar com temas de interesse filosóficos, questões de relacionados com verdade, conhecimento, valor, ação e ética., envolvendo lógica e epistemologia, ampliando compreensões que elucidam melhor complexos temas do pensamento. Segundo o professor de filosofia Robert Audi, Universidade Notre Dame, “o livro de Nicholas Rescher tem um alcance imensamente amplo, é altamente instrutivo e um deleite para qualquer pessoa interessadas em ideias, enigmas intelectuais e na amplitude da imaginação filosófica. O estilo narrativo envolvente convida à leitura pelo prazer; o alcance dá ao livro uma relevância sobre diversos telas filosóficos; e as próprias anedotas contribuem com ideias sobre temas de grande importância.”
O livro é desenvolvido em 5 partes: I – Da antiguidade ao ano 500 D.C.; II. Idade Média, 500-1500; III. Primórdios da modernidade, 1500-1800; IV. O passado recente, 1800-1900; V. A era corrente, de 1900 ao presente. E ele é muito bem desenvolvidos, sob os seguintes blocos temáticos: Epistemologia, Ética e Antropologia filosófica, Lógica e linguagem, Metafilosofia, Metafísica, Filosofia e Religião, e Sociedade e Política.
O autor explicita na Introdução: “Este é um livro de anedotas filosoficamente instrutivas escrito para pensadores filosoficamente sofisticados. Assim como uma prova matemática consiste em uma série de pequenos passos incrementais de argumentação, um percurso de raciocínio e reflexão filosóficos consiste em uma sequência de considerações, cada uma das quais é, em princípio, suficientemente pequena em escopo e escala para admitir ser examinada de uma maneira anedótica. … Uma anedota frequentemente serve para tornar vívido e memorável um ponto cujo desenvolvimento doutrinário de outro modo seria longo e tedioso.”
No capítulo 12, apenas servindo como amostra, intitulado A República de Platão, o autor ressalta que o texto do filósofo grego (428-347 a.C.) não é apenas a primeira obra filosófica realmente substancial, mas também uma das mais grandiosas. E reproduz recomendação do filósofo: “Devemos escolher dentre os guardiões os que observamos serem os mais cuidadosos durante todas suas vidas; que fazem com todo seu coração o que pensam ser vantajoso para a cidade. […] Eles devem ser observados desde a infância; devemos estipular-lhes testes nos quais um homem teria maiores chances de esquecer tal resolução ou ser enganado, e devemos escolher aqueles que têm boa memória e que não facilmente enganados, e rejeitar os outros […]. Então, quem quer que seja testado assim, na infância, na mocidade e na idade madura, e saia imaculado, deve ser estabelecido como governante e guardião da cidade; e devem receber honrarias enquanto vivos, e depois de mortos túmulos públicos e magníficos memoriais. […] Esses governantes devem manter-se vigilantes sobre os inimigos do exterior e sobre os amigos no interior, devem cuidar para que os amigos não desejem causar danos e para que os inimigos sejam incapazes de tal coisa”.
Segundo Platão, ninguém discordaria de boas leis com bons homens é algo muito bom, como más leis com homens maus é algo terrificante. Mas o que aconteceria nos casos mistos? Quem deveria ser prioridade, boas leis ou bons comandantes para operá-las? E os conflitos reais, como deveriam ser resolvidos? E se os Tribunais Superiores forem apodrecidos, o que aconteceria com a sociedade?
Encarecemos ao leitor amigo adentrar nas páginas do livro do Nicholas Rescher. E serenamente chegar ao capítulo 95, onde a filósofa inglês Philippa Foot (1920-2010) apresentou uma charada ética amplamente discutida: “Você está parado ao lado de um trilho, quando vê um bonde desgovernado vindo em sua direção. Claramente o condutor perdeu o controle. À frente há cinco pessoas atadas no trilho. Se você não fizer nada, as cinco serão atropeladas e mortas. Felizmente, você está ao lado de uma alavanca comutadora: girar esse comutador fará com que o veículo fora de controle siga por um trilho lateral, um trilho lateral, um trilho de manobra, logo à sua frente. Mas há uma dificuldade: no trilho de manobra você vê uma pessoa atada ao trilho. Desviar o bonde resultará inevitavelmente na morte dessa pessoa. O que você deveria fazer?”
Reflita demoradamente sobre uma pergunta operante: será que um agente moral é obrigado a assumir a responsabilidade causada por um mau resultado a fim de impedir um resultado que seja ainda pior para o esquema geral das coisas? Ou você sairia de mansinho da situação, cantando bem baixinho: “Se a vida me levar, me leva eu” ?