Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Maurício Melo Júnior - Canto do Arribado terça, 08 de janeiro de 2019

UMA REPÚBLICA GENERALIZADA

 

 


UMA REPÚBLICA GENERALIZADA

Lembro-me muito bem, era um livro de capa predominantemente amarelo-ocre e marrom, com a foto de seu autor em destaque, publicado pela Nova Fronteira no ano da graça de 1981. Comprei no impulso, na impossibilidade de não ler depoimento tão sincero e pungente, honesto, escrito num tempo distante, 1934, mas que se aproximava do meu tempo de então. A Europa vivia o auge ideológico do Estado Nacional, com o totalitarismo – Mussolini, Hitler, Salazar – florescendo no fértil terreno adubado pelas feridas ainda vivas da Primeira Grande Guerra.

O livro foi escrito neste clima e aqui, em 1981, vivíamos a esperança do fim da ditadura militar, mas ainda lutávamos por mais liberdade e amadurecíamos à fórceps. Aos dezenove anos, oprimido pela gravata e o terno obrigatórios de meu primeiro emprego sério, no calor da secura brasiliense, vi o volume como um alento para todos os meus sonhos: O Mundo Como Vejo – Albert Einstein. Comprei e corri para ler, de um único fôlego, todo texto.

Uma epifania. Cada palavra, cada frase me encantava e adensava meu precário humanismo. Um trecho me marcou de tal forma que até hoje o sei de cor. Claro que nas várias mudanças da vida perdi o nostálgico volume, mas o livro foi reeditado, agora com uma capa azul e em formato de bolso. Comprei de imediato e corri para ver se o trecho correspondia às verdades de minha memória. E lá estava ele, sem trair minha velha companheira:

“A pior das instituições gregárias se intitula exército. Eu o odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar aos sons de música, eu desprezo este homem… Não merece um cérebro humano, já que a medula espinhal o satisfaz. Deveríamos fazer desaparecer o mais depressa possível este câncer da civilização. Detesto com todas as forças o heroísmo obrigatório, a violência gratuita e o nacionalismo débil. A guerra é a coisa mais desprezível que existe. Prefereria deixar-me assassinar a participar desta ignomínia.”

Incontáveis vezes recitei o trecho pelos bares indizíveis de noites inumeráveis… Pode não parecer, mas já fui jovem e livre. E isso era possível, subverter a lógica do regime, mesmo quando já se encontrava em sua agonia final, era a ditadura encurralada, no dizer de Elio Gaspari, mas ainda era a ditadura, ou, no dizer do impagável Barão de Itararé, uma república generalizada.

Não tínhamos medo, ou pelo menos não demonstrávamos medo. E repetíamos o bordão de Juscelino Kubitscheck: “Deus poupou-me do sentimento do medo”, mesmo que muitos de nós não acreditávamos em Deus, mas a igreja, com vozes indomáveis como as de Dom Hélder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Evaristo Arns, defendia nossas crenças.

Medo mesmo, creio, tinham nossos pais. E talvez também tivessem razão, já tinham vivido o suficiente para saber que o ideal pode trazer dores e decepções em seu bojo. E eu fui punido por este medo, que alguns chamavam de prudência. Durante mais de um mês tive que ouvir esporros de meu pai depois que ele descobriu que, no Recife, participei de uma missa celebrada por Dom Hélder em favor da libertação de Cajá, seu assessor que estava preso em local ignorado.

Tentei até contra-argumentar: “Mas até Elis Regina estava na missa!” Isso somente fez aumentar o volume do esbregue que, entre outros fatos terríveis, lembrava-me o rapaz que morava próximo lá de casa. Era noivo e, angustiado, não admitia casar. Tinha ficado impotente pelos efeitos dos intensos choques que sofrera nos testículos durante as sessões de tortura nos porões da ditadura.

Lutamos pelo direito de poder contar todas estas histórias que me vieram à lembrança com as imagens do capitão da reserva Jair Bolsonaro fazendo flexões e distribuindo continências diante das câmaras de televisão. Será que voltamos a ter uma república generalizada? Bom, pelo menos à esfera do medo retornamos. Ontem vi no noticiário o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança, justificar que proibira os jornalistas de conduzir na mão seus celulares por medo que os aparelhos caíssem na cabeça do presidente.

Juro que não ficarei surpreso se o dito presidente voltar a usar capacete militar, afinal, ensinam os especialistas, a história sempre se repete como farsa. Por via das dúvidas, voltarei a ler Albert Einstein, pois é sempre prudente ter o humanismo à flor da pele.


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