Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Raimundo Floriano - Perfis e Crônicas sábado, 19 de agosto de 2017

VELHO FULÔ, UM SINO BADALANDO NO DESERTO

VELHO FULÔ, UM SINO BADALANDO NO DESERTO

(Publicada no dia 21.09.2015)

Raimundo Floriano

 

Terceiridosos moucos

                         Meu isolamento veio acontecendo aos poucos. Começou assim, da forma que adiante lhes conto.

 

                        Em dezembro de 2006, em consulta com um médico otorrinolaringologista, a cada pergunta que ele fazia, eu pedia para repetir. A certa altura, ele já muito agastado, indagou:

 

                        – Seu Raimundo, por que o senhor não usa aparelho auditivo? – ao que respondi:

 

                        – Doutor, ninguém gosta de conversar com velho! – Aí, o doutor, diante de minha teimosia, retrucou gritando, aos berros:

 

                        – ENGANO SEU! NINGUÉM GOSTA DE CONVERSAR É COM SURDO!

 

                        Meti o rabo entre as pernas, saí de lá de fininho, e resisti um bom tempo até que, em fevereiro de 2014, convencido eu mesmo da necessidade de adaptar-me ao mundo e à socialização com meus familiares – há 10 anos, não ouvia a voz de minha mulher, precisando que minhas filhas a retransmitisse em altas vozes – rendi-me à inovação tecnológica e adquiri um par de amplificadores auriculares:

 

 

                        Foi um renascimento! Uma felicidade! Ao sair da Clínica Fonoaudiológica, comecei a ouvir uma sinfonia de pardais e outros avoantes na densa arborização brasiliense. Ao chegar em casa – fizera testes e demais procedimentos em segredo –, nem precisei falar nada. Meu comportamento à mesa, no almoço, já denotava essa minha nova fase de reintegração à vida. E foi uma festa junto aos demais parentes, amigos e até desconhecidos. Isso no sábado. No domingo, na Santa Missa, aconteceu algo inédito há mais de uma década: ouvi, por completo, sem perder uma palavra, a homilia do Frei Lisâneos.

 

                        Meus eternos agradecimentos à Doutora Caroline Daisy Mirhom, da Telex Soluções Auditivas, por ter-me reinserido no Maravilhoso Mundo do Som!

 

                        Mas aí, comecei a dar o troco aos macróbios renitentes, por conta do que até então vivera. Adotei este princípio: perto de meus 80, não mais converso com velho surdo ou que não tenha Internet! Quer dizer, com a totalidade dos terceiridosos, com 101 por cento do universo gagá. Recebendo, em contrapartida, o silêncio dos jovens que, hoje, com esse tal de WhatsApp, já não conversam mais com Seu Ninguém! Ou seja, nem lá nem cá! Por conta disso, virei o que intitula esta matéria: um sino badalando no deserto!

 

 

                        Todos os dias úteis, depois de deixar minha mulher na Faculdade, lá pelas 8 da manhã, dou uma passadinha na Av. W2, onde ficam os fundos e meu Banco. Ali, na escadaria da entrada, ou mesmo na sala das caixas eletrônica, posicionam-se alguns jovens funcionários que pegam cedo no batente, esperando as portas se abrirem para eles. E todos – eu disse todos –, cabisbaixos, digitando no WhatsApp, sem dar sequer uma palavra como colega lado. Comentar o momento político, o capítulo da novela, o jogo de futebol, problemas caseiros, nem pensar.

 

                        O fenômeno mundial é – por que não dizer? – fenomenal.

 

                        E já chegou à culminância de chamar a atenção da revista Veja, que estampou, na Edição 2442, de 9.9.2015, esta matéria:

 

                        A coisa começou no início da Década de 1990, quando demonstrava pertence a status superior a pessoa que possuísse um aparelho celular. Havia muitas que chegavam em restaurante badalado, ocupavam mesa bem visível e ficavam teclando, às vezes para si mesmas, apenas no intuito de mostrar sua prevalência ante a ralé.

 

                        Hoje, status mesmo, no duro, goza quem possui uma linha fixa, o que significa ter residência fixa, endereço certo, local para cair vivo.

 

                        Mas, como eu dizia, a coisa começou na última década do século XX. Para se possuir um aparelho celular era necessário, primeiro, comprar a geringonça, depois, inscrever-se em extensa lista e aguardar ser sorteado. Entrei nessa, adquirindo dois tijolões do modelo abaixo:

  

                        Dois anos depois, fui contemplado com duas linhas no sorteio, mas, quando compareci para a instalação, os dois mostrengos já estavam fora de linha, e eu tive que arcar com nova despesa para adaptar-me à modernidade da tecnologia.

 

                        Eu mesmo nunca quis carregar comigo tal equipamento, nem aprender a manuseá-lo, por motivo que adiante relatarei.

 

                        Voltando aos primórdios do celular, acho interessante este diálogo, constante do livro Número Zero, de Umberto Eco, ocorrido na fictícia redação de um jornal, a 21 de abril de 1992:

 

 

                        Como se enganaram os nobres jornalistas!

 

                        E, agora, vou dizer por que, desde o início, só desejo uma coisa do celular: distância! Fui criado no sistema antigo, quando não se interropia o diálogo de duas pessoas sem pedir licença. Pois o celular, penso eu, é o tipo do menino mal-educado, que se mete inopinadamente nas conversas dos outros, sem ao menos ficar com a cara vermelha de vergonha.

 

                        Ano retrasado, escritor amigo meu convidou-me para o lançamento de livro seu na maravilhosa mansão onde reside, no Setor Park Way. O evento era só uma desculpa para um ágape de primeira, boca-livre de comida e bebida. Compareceu a nata da intelectualidade candanga, inclusive nosso editor, de nacionalidade portuguesa.

 

                        Meu amigo, que cheio de criativas bolações, programara o hasteamento das Bandeiras de Portugal e do Brasil, ao meio-dia, sol a pino, calor saaral. Por deferência especial, a solenidade começou pelo Lábaro Lusitano.

 

                        Estávamos todos em frente aos mastros, e nosso editor deu início ao hasteamento de seu Pavilhão. Já chegara ao meio do processo, quando seu celular tocou. Aí, ele susteve o içamento, para atender. Como a conversa demorava, meu amigo resolveu antecipar-se e hastear nossa Bandeira. Pois não é que, no meio do ato, seu celular também tocou? Tratava-se de um convidado retardatário, pedindo instruções de como chegar até a mansão.

 

                        Foi a maior saia-justa! As Bandeiras a meio-pau, nós no solão de rachar, e os dois hasteantes no telefone a falar!

 

                        Mesmo eu sendo completamente reacionário quanto à nova moda que tomou de assalto todo o planeta, recebi uma Notificação de Trânsito, dia desses, por estar dirigindo falando ao celular.

 

                        E agora, como sair dessa sinuca de bico? A prova afirmativa é a maior moleza. Basta dizer fui eu mesmo, fi-lo porque qui-lo! E pronto! Mas a negativa, meus amigos, é diabólica! Antepõe sua honrada palavra contra a do resto do mundo. E, em se tratando de autoridade oficial, quem leva no fim?

 

                        Embora sabedor dessa circunstância toda, resolvi estrebuchar, espernear, como fazem os enforcados, recorrendo contra o Ato de Infração, que ainda não foi julgado, como segue:

 

                        1 - O Notificado é o único condutor da viatura em tela, eis que suas duas filhas possuem veículo próprio, e sua esposa não dirige, em virtude de jmais ter-se interessado por isso;

 

                        2 - Neste AI, foi reportado que o Notificado, às 3:52, dirigia a viatura utilizando-se de telefone celular;

 

                        3 - O Notificado não porta, nunca portou e jamais portará aparelho celular consigo, simplesmente por não saber usá-lo, recusar-se a aprender a manuseá-lo e não ter dele necessidade, vez que, aposentado, em nada o aparelho contribui para seu viver;

 

                        4 - A bem da verdade, o Notificado já possuiu uma linha celular em seu nome, a 9974-2523, sendo, por nunca usá-la, instado pela VIVO a destivá-la, pagando taxas e emolumentos (Documento 6);

 

                        5 - Diante de sua resistência ao aprendizado/uso do aparelho celular, o Notificado vem sofrendo bullying por parte de familiares, amigos e até desconhecidos, por ser o único brasileiro que, dentre os 282,5 milhões de linhas usadas por seus patrícios, não se adapta a essa modernidade;

 

                        6 - Assim, o Notificado deduz, salvo melhor juízo por parte de Vossa Senhoria, que houve um laposo no que se refere à pessoa e à viatura, no momento da anotação da infração;

 

                        7 - Se, com essa argumentação, tiver comprovado não ter sido ele o infrator, o Notificado requer a Vossa Senhoria que torne o Auto de Infração ora em exame insubsistente, no que estará praticando ato de interira JUSTIÇA.

 

                        Vemos aguardar!

 

                        Outra saia-justa em minha vida, é quando me telefonam – no fixo – em meu aniversário, dão os parabéns e ficam silentes, sem mais assunto! É de torrar o saco!

 

                        Eu, quando vou parabenizar – no fixo, sempre no fixo – alguém, preparo uma pauta antecipada, visando a termos assunto, para não ficarmos ambos com cara de paisagem.

 

                        E foi o que aconteceu no mês passado, ao tentava felicitar pessoa muito querida – com quem só falo nessa ocasião – pela passagem de seu aniversário. Com a pauta em mão, comecei abordando a má educação do celular, o hasteamento interrompido, a solidão que as pessoas a si mesmas impuseram, e já ia me referir à Notificação de Trânsito, quando ela me interrompeu e perguntou: – Você não está escutando?/ – O quê?/– Meu celular tocando? Não está ouvindo? Tenho que atender!

 

                        O jeito foi dar tchau e recolher-me à solidão, neste mundo velho sem porteira!

 

Velho Fulô

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