Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina sexta, 29 de dezembro de 2017

VINTE ANOS SEM CAPIBA

 

Capiba no Galo da Madrugada

Parece que foi ontem, mas faz vinte anos que o nosso ídolo maior, Capiba, nos deixou na orfandade no último dia do ano de 1997, quando partiu para a eternidade.

Para o Vocabulário Pernambuco, de Francisco Augusto Pereira da Costa¹ , o adjetivo capiba tem o significado de “grande, volumoso, alentado”, podendo ainda ser entendido, também, como “chefe, dunga, mandão”, tal como foi usado pelo dicionarista Antônio Moraes Silva em carta dirigida ao desembargador Castro Falcão (1818): “Referiu-me José Bento Fernandes que um tal ‘Capiba dos Afogados’ tivera ordens de vir prender-me”.

No Recife das nossas vidas, porém, Capiba é algo palpável, real, bem vivo, alegre, que irradiava paz e amor, sendo festejado em qualquer lugar por homem, mulher, moça e, sobretudo, pelas crianças, como parte integrante da paisagem de sua cidade.

Este nosso Capiba, personagem de muitas estórias e alegria da gente pernambucana, herdara o apelido familiar do avô materno, Major Lourenço Xavier da Fonseca, juntamente com todos os seus irmãos – Sebastião, José, Severino, Maria, João, Pedro, Josefa, Antônio, Tereza e Hermann -, sobressaindo-se nacionalmente através de sua produção poética e musical, algumas delas com lugar de destaque no repertório da música erudita e popular brasileira.

Pernambucano de Surubim, onde nascera em 28 de outubro de 1904 e falecido no Recife, em 31 de dezembro de 1997, Lourenço da Fonseca Barbosa iniciou-se na banda musical de Taperoá (PB), onde o seu pai, Severino Atanásio de Souza Barbosa, atuava como regente. Inicialmente tocava trompa e, juntamente com os demais irmãos, passou a fazer parte da Filarmônica Lira da Borborema. Em 1914 a família transferiu-se para Campina Grande, onde o Mestre Severino Atanásio foi dirigir a Charanga Afonso Campos, passando o menino Capiba a dividir o seu tempo entre a música e o futebol.

 

O seu encontro com o piano só veio em 1920.

O instrumento existia em sua casa desde 1918, quando fora comprado pelo irmão Sebastião pela quantia de 200 mil réis, sendo, porém, privilégio dos irmãos mais velhos.

Como nono filho da família, Lourenço pouca atenção dava àquele móvel “com uma enorme dentadura, cheia de dentes pretos e brancos” … O piano era mais usado pela irmã Josefa, que aumentava a renda da família tocando na exibição de antigas produções do tempo do cinema mudo, apresentadas na tela do Cine Fox (Campina Grande – PB), estreladas por Pola Negri, Clara Bow, Charles Chaplin e Eddie Polo.

O jovem Lourenço não tinha grandes responsabilidades, dentro daquela família de músicos, até quando Josefa arranjou um noivo e marcou o casamento para 20 de maio de 1920.

Sem Josefa no Cine Fox, a renda da família iria sofrer uma enorme perda. Para contornar o problema, só restava ao Maestro Severino Atanásio substituir a pianista por um dos seus filhos que, apesar de músicos, não estavam afeitos ao piano.

Reunida a família, foram aparecendo os nomes dos possíveis substitutos. Um a um eram nomeados e, em atitude contínua, o velho maestro ia descartando-os. Assim surgiram os nomes de José Mariano, Severino, João e Pedro que, por trabalharem no comércio durante o dia, foram logo eliminados… Houve quem lembrasse os nomes de Lia e Tereza, mas já participavam da pequena orquestra do cinema tocando flauta…

Antes que fossem ventilados outros nomes, o chefe do clã decidiu: “Vai o Lourenço substituir Zefa no piano do Cinema Fox!”.

Não adiantaram as lágrimas do jovem, nem os apelos da bondosa mãe, a primeira lição começou ali mesmo, no ato de “nomeação” do novo pianista, com o mestre vociferando:

– Você tem de começar pelas escalas! Senão não vai tocar nada em tempo nenhum!

E assim começara o seu dedilhar: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó, si, lá, sol, fá, mi, ré, dó ….
E o mestre continuava a sua lição, com os ares de quem não estava para brincadeiras:

– Quando chegar no terceiro dedo, você passa o polegar por baixo e pega a nota seguinte; a nota fá na escala de dó…

Das escalas vieram às valsas mais fáceis, primeiramente as de José Ribas, seguindo-se as de Alfredo Gama e, por último, as de Nelson Ferreira, que sempre foram as mais difíceis.
Uma, em especial, que tinha o título de Milusinha, perturbou por muitos meses o pianista iniciante que guardou por toda vida os seus acordes.

Em onze dias foram decoradas sete valsas, o bastante para a sua estreia no Cine Fox. A série cinematográfica Herança Fatal, estrelada por Eddie Polo, o galã da época, foi a sua prova de fogo; para isso contou com a ajuda das irmãs flautistas, Lia e Tereza, o que não impediu alguns atropelos durante a exibição.

Assim nasceu o pianista do cinema mudo, Lourenço da Fonseca Barbosa que veio tornar-se um grande amigo do instrumento, seu companheiro até o final dos seus dias, através do qual pôde compor peças antológicas que receberam a assinatura de Capiba.

Pianista de cinema, em Campina Grande e Paraíba (hoje, João Pessoa), transferindo-se em 1930 para o Recife, a fim de assumir um lugar conquistado por concurso no Banco do Brasil, integrou-se à vida artística quando da fundação da Jazz-Band Acadêmica. Logo em seguida vieram os sucessos, executados nos salões da época: Valsa Verde (1931), com versos de Ferreira dos Santos; É de tororó (1932), com letra de Ascenso Ferreira; E, se morrer o nosso amor? (1932), também em parceria com Ferreira dos Santos, seguindo-se de outros.

Em 1933, Capiba que, dez anos antes houvera composto uma música carnavalesca sob o título Vela Branca no frevo (nunca gravada), resolveu concorrer com É de amargar, em concurso promovido pelo Diario de Pernambuco, conquistando assim o primeiro lugar e talvez o seu maior sucesso.

Quando o disco apareceu no comércio, numa gravação de Mário Reis e os “Diabos do Céu”, realizada em 15 de dezembro daquele ano (RCA Victor n.º 33752-A), sua letra e melodia logo caiu no gosto do povo e assim transformou-se em um dos mais cantados frevos do carnaval pernambucano.

Eu bem sabia
Que este amor um dia
Também tinha seu fim
Esta vida é mesmo assim.
Não pense que estou triste,
Nem que vou chorar.
Eu vou cair no frevo,
Que é de amargar.

Começa assim a sua carreira de campeão dos carnavais pernambucanos, consagrando-se o mais importante compositor de frevos-canção de todos os tempos.

Foram mais de uma centena de músicas compostas para a festa maior do povo pernambucano, impulsionadoras da alegria das massas que acompanham as orquestras nas ruas, nos salões ou mesmo através do rádio e onde quer que exista um folião.

Capiba, como afirmou Hermilo Borba Filho (Diário da Noite, 10 de março de 1972), “é uma esplêndida figura humana e um excelente compositor. Na minha vida sentimental – como na de milhões de pernambucanos de várias gerações – sua música marcou diversos instantes com frevos, maracatus, valsas, canções, sambas. Creio que nunca houve um ano, a partir de 1934, em que não localizasse um acontecimento sentimental por uma das suas composições. Capiba é mais do que um músico e um poeta: é o carnaval de Pernambuco de chapéu de sol aberto”.

Para Guerra Peixe era ele “o mais importante e compositor vivo do Norte”, lembrando de tê-lo conhecido no final dos anos quarenta, quando chegou ao Recife para trabalhar no Rádio Jornal do Commercio:

Ele estudou comigo. Aprofundou seus conhecimentos musicais, a ponto de compor obras eruditas para flauta, que foram executadas no Chile e na Argentina. Hoje é um músico completo, mas continua estudando, trabalhando e pesquisando. E Capiba, em minha opinião, não é apenas um músico sumamente importante dentro do panorama da música popular brasileira. Antes de qualquer coisa é um artista que se interessa a por tudo quanto acontece no campo da arte, no Brasil e no mundo. Não é apenas o autor de frevos memoráveis e outros tipos de música que marcaram época. Transcende tudo isso. É um homem culto, humilde, pesquisador incansável, eclético: tanto aprecia um samba-canção, como sabe ouvir música erudita. Beethoven é uma de suas manias. […] Há um fato interessante ligado à vida de Capiba, como mestre de orquestra: foi ele quem lançou, em pleno carnaval carioca, o sistema da orquestra tocar sem parar, sem intervalos que interrompiam o baile de carnaval [1933]. E, por falar em carnaval, Capiba é um compositor tão ligado ao gosto do povo, que é praticamente o campeão dos carnavais pernambucanos dos últimos trinta anos. (In Nova história da música popular brasileira – Capiba e Nelson Ferreira. Rio: Ed. Abril, 1978).

Dentro destas notas de saudade vale recordar alguns dos seus sucessos carnavalescos, editados em disco 78 rotações por minuto, segundo levantamento do pesquisador Renato Phaelante, da Fundação Joaquim Nabuco:

Aguenta o rojão, marcha, Colúmbia n.º 22201, matriz 381465, Breno Ferreira, março 1933; É de amargar, frevo-canção, Victor n.º 33752, matriz 65915, Mário Reis, janeiro 1934; Vou cair no frevo, frevo-canção, Victor n.º 33910, matriz 79830, Almirante e orquestra dos Diabos do Céu, março 1935; Mande embora essa tristeza, frevo-canção, Victor n.º 34019, matriz 80068, Araci de Almeida, janeiro 1936; Quem vai pra Farol é o bonde de Olinda, frevo-canção, Colúmbia, Coro Colúmbia, janeiro 1937; Sim ou não, frevo-canção em parceria com Fernando Lobo, Colúmbia n.º 8267, matriz 1141, Odete Amaral e Mara, fevereiro 1937; Júlia, frevo-canção, Odeon n.º 11581, matriz 5768, fevereiro 1938; Casinha pequenina, frevo-canção, Victor n.º 34410, matriz 80971, Carlos Galhardo, janeiro 1939; Quem tem amor não dorme, frevo-canção, Victor n.º 34412, Coro RCA Victor, fevereiro 1939; Gosto de te ver cantando, frevo-canção, Victor n.º 34557, matriz 33276, Ciro Monteiro, janeiro 1940; Quero essa, frevo-canção, Victor n.º 34557, matriz 33274, Ciro Monteiro, janeiro 1940; Linda flor da madrugada, frevo-canção, Victor n.º 34713, matriz 52091, Ciro Monteiro, fevereiro 1941; Não sei o que fazer, frevo-canção, Victor n.º 34713, matriz 52090, Odete Amaral, fevereiro 1941; Quem me dera, frevo-canção, Victor nº.800543, matriz 052412, Ciro Monteiro, janeiro 1942; Dance comigo, frevo, Victor n.º 34857, matriz 052413, Ciro Monteiro, janeiro 1942; Teus olhos, frevo-canção, Victor n.º D 244, Carlos Galhardo, março 1943; Não aguento mais, frevo-canção, Victor n.º 800234, matriz S078058, Nelson Gonçalves, dezembro 1944; Que bom vai ser, frevo-canção, Victor n.º 800233 , Nelson Gonçalves, dezembro 1944; Quando é noite de lua, frevo-canção, Victor n.º 800352, matriz S 078300, Nelson Gonçalves, dezembro 1945; Segure no meu braço, frevo-canção, Victor n.º 800351, matriz S 078298, Nelson Gonçalves, dezembro 1945; E… nada mais, frevo-canção, Victor n.º 800471, matriz 5078589, Gilberto Milton, dezembro 1946; O tocador de trombone, frevo-canção, Victor n.º 800474, matriz S 078595, Carlos Galhardo, dezembro 1946; Que será de nós, frevo-canção, Victor n.º 800543, matriz S 078767, Nelson Gonçalves, novembro 1947; Morena cor de canela, frevo-canção, Victor n.º 800543, matriz S 078766, Nelson Gonçalves, novembro 1947; Já vi tudo, frevo-canção, Star 76, matriz 76-A, Albertinho Fortuna, janeiro 1949; Quando se vai um amor, frevo-canção, Victor, Carlos Galhardo, janeiro 1950; Você faz que não sabe, frevo-canção, Victor n.º 800708, matriz S 092744, Francisco Carlos, novembro 1950; É frevo meu bem, frevo-canção, Continental n.º 16322, matriz 2426, Carmélia Alves, janeiro 1951; Nos cabelos de Rosinha, frevo-canção, Victor n.º 801029, matriz SBO 93427, Francisco Carlos, novembro 1952; Deixa o homem se virar, frevo-canção, Continental n.º 16493, matriz C- 2768, Carmélia Alves, janeiro 1952; A pisada é essa, frevo-canção, Mocambo, Carmélia Alves, dezembro 1953; Ai se eu tivesse, frevo-canção, Victor n.º 801373, matriz BE4UB-0552, Francisco Carlos, novembro 1954; Ninguém é de ferro, frevo-canção, Todamérica n.º TA 5502, matriz TA 750, Carmélia Alves, novembro 1954; Vamos pra casa de Noca, frevo-canção, Continental n.º 16878, matriz C 3217, Carmélia Alves, fevereiro 1954; O que é que eu vou dizer, frevo-canção, Victor n.º 801515, matriz BE 5VB- 0852, Nelson Gonçalves, novembro 1955; Amanhã eu chego lá, frevo, Copacabana n.º 5529, matriz 1378, Carmélia Alves, fevereiro 1956; Nem que chova canivete, frevo-canção, Copacabana n.º 5699, matriz 1725, Carmélia Alves, janeiro 1957; À procura de alguém, frevo-canção, Victor n.º 802018, matriz 1352 PB-0498, Expedito Baracho, dezembro 1958; Modelos de Verão, frevo-canção, Mocambo n.º 15189, matriz R 897, Expedito Baracho, janeiro 1958; Segure o seu homem, frevo-canção, Mocambo n.º 15252, Mêves Gama, janeiro 1959; A própria natureza, frevo-canção, Victor n.º 802161, matriz 1352-PB-0811, Expedito Baracho, janeiro 1960; Levanta a poeira, frevo, Todamérica n.º TA 5945, matriz TA 100319, Orquestra Leão do Norte, gravado em 8 de novembro de 1960; Frevo dos namorados, frevo-canção, Mocambo n.º 15292, Claudionor Germano, janeiro 1960; Encontro marcado, frevo-canção, Mocambo n.º 15332, matriz R 1183, janeiro 1961; Frevo da saudade, frevo-canção, Mocambo n.º 15394, Joaquim Gonçalves, janeiro 1962; Madeira que cupim não rói, frevo-de-bloco, Mocambo n.º 15474, matriz R 1466, Bloco Mocambinho da Folia, janeiro 1963; É de Maroca, frevo-canção, Mocambo n.º 15478, Carmélia Alves, janeiro 1963.

No reinado do LP, quando os 78 RPM caíram em desuso, Capiba veio brilhar dentro da série da Rozenblit, gravada por Claudionor Germano, orquestra e coro sob a regência de Nelson Ferreira – Capiba – 25 anos de frevo (n.º 60044-1959); Carnaval começa com C (n.º 60106-1961); Frevo alegria da Gente (n.º 6006-1961) -; reeditados em 1974 sob o título Carnaval de Capiba, três volumes reunindo sua produção carnavalesca de 1934 a 1974.

Mas os seus sucessos continuaram presentes no repertório dos foliões, como Cala boca menino (1966), Oh Bela! (1970), De chapéu de sol aberto (1972), Frevo e ciranda (1974), Juventude dourada (1976), Trombone de prata (1979), só para citar alguns dos seus frevos mais cantados.

Onde houver carnaval ele estará presente…

Parece que o vemos contagiando a massa com a simpatia do seu sorriso e as mãos sempre acenando para os foliões mais entusiasmados, como a repetir os seus próprios versos em “É hora de frevo” (1970):

Quem quiser me ver
Me procure aqui mesmo
Quando chega o carnaval} bis
Seja noite ou dia
Aqui tudo é alegria
E alegria não faz mal

É aqui que eu danço
Aqui é que eu canto
Aqui é que eu faço
Com desembaraço
Misérias no passo!
Na quarta-feira,
Quando tudo terminar!
Eu espero mais um ano,
Até o frevo voltar!

____________________________

COSTA, Francisco Augusto Pereira da Costa. Vocabulário Pernambucano. Recife: secretaria de Educação do Estado – Departamento de Cultura, 1976. (Coleção Pernambucana, v. 2)


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