Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura de Cordel quarta, 02 de setembro de 2020

O ANUNCIANTE E A ABELHA (FOLHETO DE WAGNER CORTES)

 

O ANUNCIANTE E A ABELHA

Wagner Cortes

 


Uma das coisas que mais me dá prazer neste Mundo Cordel é receber e publicar contribuições em versos dos que por aqui passam.
 
No finalzinho de 2012, recebi esses versos do leitor que se apresnta como Wagner Cortes, o Palhaço Mingau.
 
Pesquisando no Google, achei algums fotos do Palhaço Mingau, como essa:
 
 
É você mesmo, não, Wagner?
 
Seguem os seus versos...
 
 
O ANUNCIANTE E A ABELHA

Na cidade de Parelhas
Onde tudo aconteceu
No ano dois mil e seis
O teatro apareceu
Para se apresentar
No bendito do lugar
Foi onde tudo ocorreu

Lá na casa de cultura
Rolava a apresentação
Eu tava muito empolgado
Com a alegria e animação
E o público esperava
Daqui a pouco eu estava
Já entrando em ação

Começamos no cortejo
Com bastante energia
A música ia rolando
Logo, logo eu falaria
Eu era o anunciante
Por isso falava antes
Ou depois das cantorias

No início da tal peça
Uma abelha perambulando
Em cima da’minha cabeça
Ficou um tempo voando
Passou perto da plateia
Daí tive uma ideia
De lugar eu fui mudando

Bem lá no meio da peça
Chegou minha vez de falar
Me esqueci daquela abelha
Que queria me picar
Não estava nem lembrando
E continuei falando
Sem se quer me preocupar

Minha cena era curta
Já perto de encerrar
A peste daquela abelha
Não deixou eu terminar
Pela minha boca entrou
Na garganta ela picou
Começando a inflamar

Mas continuei falando
Minha voz já enrolada
Só sentia aquele bolo
Da garganta inflamada
Eu já se aperreando
Sem ar eu tava ficando
Por causa da ferroada

Sem ter mais o que fazer
Eu terminei de falar
Disse ligeiro a Dedé:
-Não dá mais, eu vou parar
Ele perguntou: porquê?
-Digo agora pra você...
...não consigo respirar

Expliquei tudo pra ele
E a peça continuando
Ele todo preocupado
E o meu ar já acabando
Fui bater no hospital
Porque tava muito mal
E aos poucos piorando

Duas injeções na bunda
Pra poder desinflamar
Ainda tirei um sono
Para me recuperar
Dormir ainda uma hora
Depois disso fui embora
Bem lentinho e devagar

Já na casa de cultura
Fui chegando na calçada
Olharam com tom de riso
 Caíram na gargalhada
Mangando daquela cena
Debocharam sem ter pena
Por causa da tal picada

Um causo inusitado
Eu nunca tinha vivido
Pra mim foi um aperreio
Pra galera divertido
De abelha eu tenho medo
Pra ninguém isso é segredo
Desse bicho ando escondido

Literatura de Cordel quarta, 26 de agosto de 2020

O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA (FOLHETO DE MARCOS MAIRTON)

 

 O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA

Marcos Mairton


O CORDEL QUE VIROU RADIONOVELA

 


Meus amigos e amigas
O caso que eu vou contar
Ocorreu em Fortaleza
Na calçada de um bar:
Fingindo ser meu amigo
O diabo bebeu comigo
E depois não quis pagar.

Eu era advogado
E tinha uma mania
De segunda a quinta-feira
Trabalhava noite e dia
Mas não fazia segredo
Sexta parava mais cedo
E uma cerveja bebia

Assim, numa sexta-feira
Estava anoitecendo
Eu saíra do trabalho
E estava no bar bebendo
Quando um sujeito chegou
Da mesa se aproximou
E foi logo me dizendo:

– Boa noite cidadão,
Posso me sentar aqui?
Pra ouvir sua conversa
E você também me ouvir?
Tomarmos uma cerveja
Comer um pouco que seja
Desse feijão com pequi?

Eu disse: – Não lhe conheço,
Mas tenho educação.
Se quer beber, vá bebendo,
Pode comer do feijão,
Mas antes se identifique
Até pra que eu não fique
Pensando que é ladrão.

O cabra disse: – Pois não,
Eu sou muito conhecido
E embora com você
Eu nunca tenha bebido
Se eu contar minha história
E você tiver memória
Vai ver que não sou bandido.


Faz muito tempo que eu ando
Por esse mundo cruel
Viajando sem destino
Vagando sem rumo, ao léu
Desde que, por uma intriga,
Me meti em uma briga
Logo com o dono do céu.

Foram dizer para ele
Que eu havia falado
Que ao povoar a terra
Ele havia se enganado
Pois num mundo tão bacana
Não podia a raça humana
Por aqui ter se espalhado.

E, de fato, eu tinha dito
Mas sem qualquer intenção
Que ao entregar o planeta
A essa população
Ele condenou a Terra
À violência e à guerra
Não havia salvação.

Uma terra tão bonita
A natureza tão bela
Que Ele desse para mim
E eu viveria nela
Se Ele me criou perfeito
Eu saberia o jeito
De cuidar muito bem dela.

Quando Ele soube o que eu disse
Mandou logo me chamar
Perguntou: “É o que desejas?
É lá que queres morar?
Seja feita a tua vontade
Junto com a humanidade
Haverás de habitar”.

Foi grande a humilhação
Que senti nesse momento
Não havia precisão
De tal achincalhamento
Um anjo tão preparado
Não podia ser tratado
Como um cão rabugento.


Desde então vivo na Terra
Com a determinação
De provar que eu tava certo
Em minha avaliação:
Mostrar que a humanidade
Não detém capacidade
De cuidar desse rincão.

É por isso que se diz
Que eu sou o rei do mal
Mas mal mesmo é o homem
Eu sou um anjo, afinal
Eu só faço incentivar
O homem a se enterrar
No seu próprio lamaçal.

Quando ouvi aquela história
Exclamei: – É o diabo!
Só não sei cadê os chifres
Onde escondeu o rabo!
E ele, muito polido,
Perfumado, bem vestido,
Perguntou: – Quer um quiabo?

– Nem quiabo, nem pequi
Não finja ser meu amigo
Eu tão quieto no meu canto,
O que o diabo quer comigo?
Diga sua intenção
Pois tenho a impressão
Que estou correndo perigo!

O diabo disse: – Ta não!
Eu estou aqui em paz
Só quero um advogado
Inteligente e capaz
Que esclareça meu passado
Pois de tão caluniado
Já não agüento mais.

Por isso ao ver o doutor
Sozinho aqui nesse bar
Pensei: essa é a hora
De com ele conversar
Vou contar meu sofrimento
E ele com muito talento
Vai virar esse placar.

Respondi: – Tu não me enganas
Me elogiando assim
Não venha com essa conversa
Logo pra cima de mim
Não vai ser por vaidade
Que vou chamar de bondade
O que tu faz de ruim.

– O que é isso, doutor,
Não rejeite esse cliente
O senhor vai ser bem pago
Vai enricar de repente
Vai ganhar tanto dinheiro
Que até seu perdigueiro
Vai ter banho de água quente.

Vai ter casa com piscina,
Cinco carros na garagem
Passear no estrangeiro
Todo mês uma viagem
E pra ganhar tudo isso
Quero só seu compromisso
De melhorar minha imagem.

Além de ganhar dinheiro
Inda vai ficar famoso
Todo mundo vai falar:
“Que advogado jeitoso
Fez do diabo um inocente
Querido de toda gente
O doutor é poderoso!”

– Essa história, Seu Diabo,
Eu já conheço de perto
Desde quando tu tentaste
O bom Jesus no deserto
Não me prometa mais nada
A conversa tá encerrada
Vá embora que é o certo!

Mas também não se ofenda
Com a minha reação
Só não peça minha ajuda
Para sua pretensão
Não posso ter competência
Se da sua inocência
Não tenho convicção.

Ele ouviu e não gostou
Ficou calado me olhando
Percebi que a cerveja
Já estava terminando
Pedi a conta e falei:
– Seu diabo, é “mei-a-mei”
Minha parte eu tô pagando!

Ele fez uma careta
E falou: – É engraçado!
Você bebeu quase tudo
E quer o custo rachado
Veja com quem tá mexendo
Pois assim você tá sendo
Por demais desaforado!

– Eu sei com quem to mexendo
E não sou desaforado
Mas se você bebeu pouco
Não sou eu que sou culpado
Se não tem como pagar
Também não vamos brigar
Pode ir, ta perdoado.

Quando eu disso isso pra ele
Despertei o animal.
Batendo a mão na mesa
Com força descomunal
Deu um rugido estridente
E falou por entre os dentes
Com uma voz de metal:

– Não diga que me perdoa
Pois nem Deus me perdoou
Desde aquele triste dia
Que do céu me escorraçou
Tu agora me ofendeu
E pra desespero teu
Um inimigo arranjou.

Eu aqui faço uma pausa
Pra explicar pro leitor
Que se não gosto de briga
Também não sou morredor
Desconheço o que é o medo
Durmo tarde, acordo cedo
Não sinto frio nem dor.

Não mexo com Seu Ninguém
Também não mexam comigo
Cumprimento todo mundo
Todo mundo é meu amigo
Mas quem pensa em me enfrentar
É melhor se preparar
Pra agüentar o castigo.

Assim, quando o capeta
Fez aquela cara feia
Olhei bem pra ele e disse:
– Se vier, meto-lhe a peia!
Dou-lhe na “tauba do queixo”
E depois ainda lhe deixo
Trinta dias na cadeia!

Ele não acreditou
Veio pra cima de mim
Eu saltei meio de banda
E dei-lhe um chute no rim
Ele saiu tropeçando
Nas mesas foi esbarrando
Gritei: – Diabo, hoje é teu fim!

Nessa hora ia passando
Um rapaz pela calçada
O diabo se apoderou
Daquela alma penada
E o rapaz dominado
Por aquele cão danado
Me deu logo uma pedrada.

Pra me defender da pedra
De uma mesa fiz escudo
Depois peguei uma cadeira
E saí quebrando tudo
Ao me ver tão irritado
O diabo assustado
Perdeu a voz, ficou mudo.

Aí eu me aproveitei
Daquela situação
E com muita agilidade
Dei outro chute no cão
E o rapaz da pedrada
Eu derrubei na calçada
E dei-lhe um “mata leão”.

Foi nessa hora que ouvi
O diabo dar um gemido
Percebi que ele tava
Ficando todo doído
Mas eu não sou brincadeira
Com um pedaço de madeira
Acertei-lhe o “pé-do-ouvido”.

Eu bati, ele caiu
Eu pensei: ta terminado.
Mas, que nada, a confusão
Só havia começado
Mal ele caiu no chão
Apareceu tanto cão
Vinha de tudo que é lado.

Vinha cão grande e pequeno
Vinha preto e vinha branco
Uns descendo a ladeira
Outros subindo o barranco
Deles, o mais abusado
Era um baixinho, entroncado,
Só de cueca e tamanco.

Vinha nu, vinha vestido
Vinha pelado e peludo
Tinha cão que era mocho
E cão que era chifrudo
Uns armados de tridente
Outros com espeto quente
Vinham espetando tudo.

Enfrentei aquela corja
E a luta foi sangrenta
Do baixinho de tamanco
Quebrei logo o “pau da venta”
Um gritou: – Pega o sujeito
E mete a faca nos peito
Quero ver se ele agüenta!

Naquela briga danada
Eu apanhava e batia
Às vezes eu atacava
Outras eu me defendia
Mas o que preocupava:
Cada um que eu derrubava
Outro logo aparecia.

Sentindo, então, que não dava
Para enfrentar sozinho
A legião de demônios
Que estava em meu caminho
Resolvi pedir ajuda
Gritei: – Meu Deus, me acuda!
Valei-me aqui meu Padinho!

Nessa hora se ouviu
O estrondo de um trovão
E diante dos meus olhos
Fez-se um grande clarão
No meio de tudo isso
Apareceu Pade Ciço
Me entregando seu bastão.

Com a bengala na mão
Que meu padrinho me deu
Criei mais disposição
Minha coragem cresceu
Saí dando bengalada
E logo a diabarada
Fugiu, desapareceu.

Enquanto eles corriam
Eu fiquei parado, vendo
O rapaz que eu derrubei
Foi então se reerguendo
E me dizendo: – Sei moço,
To com uma dor no pescoço
O que está acontecendo?

Eu disse: – Fique tranqüilo
Que o pior já passou
Estava havendo uma briga
Mas agora terminou
Aí toquei o bastão
Na nuca do cidadão
E a dor dele sarou.

Quanto às mesas e cadeiras
Que eu havia quebrado
Calculei o prejuízo
E deixei tudo acertado
Quando paguei a quantia
O dono do bar tremia
Tava um mau cheiro danado.

E fui para minha casa
Sem querer mais pensar nisso
Tentando esquecer um pouco
Todo aquele rebuliço
Mas carregando contente
Em minhas mãos o presente
Que ganhei do Padre Ciço.

Foi assim, caros amigos
Como tudo aconteceu
No dia que o diabo
Me enfrentou e perdeu
Nada disso eu inventei
Simplesmente lhes contei
Da maneira que ocorreu.

Infelizmente o que conto
Já não posso mais provar
Pois pra alargar a rua
Onde funcionava o bar
Demoliram o recinto
E o dono, Seu Zé Felinto,
Não sei onde foi morar.

O rapaz que me atacou
Me jogando uma pedrada
Eu não sei de quem se trata
Desconheço sua morada
Mas será que ajudaria,
Se naquele mesmo dia,
Não se lembrava de nada?

O leitor perguntaria:
– Por que não mostra o cajado?
Que o Padre Ciço lhe deu
Lhe fazendo abençoado?
Presente tão valioso
Que lhe fez tão poderoso
Você deve ter guardado.

Por muito tempo guardei
Como quem guarda dinheiro
Mas no dia em que cheguei
Pra morar no Juazeiro
Ouvi uma voz dizer:
– Já pode me devolver
Pro meu dono verdadeiro.

Ouvindo a voz entendi
Que a hora era chegada
De devolver para o Santo
A bengala encantada
E entre exvotos de madeira
Escondi a companheira
Que no museu foi deixada.

Pro isso do que eu conto
Não faço comprovação
Se o leitor não acredita
E quer ter confirmação
O mundo ta tão moderno
Telefone pro inferno
E vá perguntar pro cão!

Para mim o importante
É ter comigo a certeza
Que amando nosso irmão
Preservando a natureza
Deus está do nosso lado
Pode ficar descansado
Vencer o diabo é moleza.

Literatura de Cordel quarta, 19 de agosto de 2020

O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO (CORDEL DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Cordel e Língua Portuguesa

 
(p
(Peguei a imagem em http://blogdofavre.ig.com.br/2008/09/nova-ortografia-da-lingua-portuguesa/)
 
 
ALGUNS VERSOS SOBRE
O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

 

Semana passada estive em Recife, participando de um curso sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. No final, tinha que fazer um paper sobre o tema. Achei mais interessante fazer uns versos sobre o assunto.

 

O ACORDO ORTOGRÁFICO E AS MUDANÇAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL
Marcos Mairton

Com licença, meus amigos,
Quero falar com vocês
Sobre o que estão fazendo
Com o nosso português.
Eu não sei se é bom ou mau
Mas, Brasil e Portugal
Assinaram um tratado
Pra que em nossa ortografia,
Que é diferente hoje em dia,
Seja tudo unificado.

Moçambique, Cabo Verde,
Angola e Guiné-Bissau
Assinaram o acordo
Com Brasil e Portugal.
O Timor Leste também
Embarcou no mesmo trem
E andaram me dizendo
Que entrou até São Tomé,
Mas este, sendo quem é,
Eu só acredito vendo.

Eu sei é que para nós,
Do português-brasileiro,
O acordo entrou em vigor
A primeiro de janeiro.
E agora não tem jeito,
Reclamando ou satisfeito,
O que é preciso fazer
É estudar a reforma
Para conhecer a forma
Que nós temos que escrever.

Eu já soube, por exemplo,
Que acabaram com o trema
E, aliás, quanto a isso,
Não vejo o menor problema.
Pois pronunciar “frequência”,
“tranquilidade”, “sequência”
e até “ambiguidade”,
A gente foi aprendendo
Ouvindo e depois dizendo
Através da oralidade.

O “k”, o “y” e “w”
Entraram no alfabeto.
E quanto a isso eu achei
Que o acordo foi correto
Pois já tinha muita gente
Com nome bem diferente
No sertão do Ceará:
O Yuri e o Sidney,
Franklyn, Kelly e Helvesley,
Já usam essas letras lá.

Mais complicado é o hífen
Que ora tem, ora não.
Parece que há uma regra
Pra cada situação.
Em muitas ele caiu
Mas em algumas surgiu.
E, como a coisa complica,
Já falam em reunir
Mais gente pra discutir
Quando sai e quando fica.

Mas, parece que os problemas
Que vão incomodar mais
Vêm com a queda dos acentos
Ditos diferenciais.
Pólo, pêra, pêlo e pára
Ficam com a mesma cara
Pra sentidos diferentes.
Mas, de acordo com reforma,
“pôde”, “pôr”, “dêmos” e “forma”
São exceções existentes.

Tem muitas outras mudanças
Que ainda temos que estudar.
Permitam-me um conselho
Que agora quero lhes dar:
É bom ficar bem atentos
Para essa queda de acentos
Na escrita brasileira.
E quando for se sentar
Cuide pra ninguém tirar
O assento da cadeira.

Já chega de falar tanto
Sobre a língua portuguesa.
Vou pegar um avião
E voar pra Fortaleza.
Mas, antes desse percurso
Devo dizer que esse curso
Valeu mais que ouro em pó.
Tomara que o tratado
Seja também adotado
No país de Mossoró.

Literatura de Cordel quarta, 12 de agosto de 2020

PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA E O PRETO LIMÃO (FOLHETO DE JOÃO MARTINS DE ATHAYDE)

 

PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA E O PRETO DO LIMÃO

JOÃO MARTINS DE ATHAYDE 

 

Em Natal já teve um negro

Chamado Preto Limão

Representador de talento

Poeta de profissão

Em toda parte cantava

Chamando o povo atenção

 

Esse tal Preto Limão

Era um negro inteligente

Em toda parte que chega

Já dizia abertamente

Que nunca achou cantador

Que lhe desse no repente

 

Nogueira sabendo disto

Prestava pouca atenção

Dizendo: – eu nunca pensei

Brigar com Preto Limão

Sendo assim da raça dele

Eu não deixo nem pagão

 

O encontro destes homens

Causou admiração

Que abalou o povo em roda

Daquela povoação

Pra ver Bernardo Nogueira

Brigar com Preto Limão

 

B - Eu sou Bernardo Nogueira

Santificado batismo

Força de água corrente

Do tempo do Sacratíssimo

Quando eu queimo as alpercatas

Pareço um magnetismo

 

P - Me chamam Preto Limão

Sou turuna no reconco

Quebro jucá pelo meio

Baraúna pelo tronco

Cantador como Nogueira

Tudo obedece meu ronco

 

B - Seu ronco não obedeço

Você pra mim não falou

Até o diabo tem pena

Das lapadas qu’eu lhe dou

Depois não saia dizendo:

– Santo Antônio me enganou!

 

P - Bernardo eu não me enganei

Agora é que eu pinto a manta

Cantor pra cantar comigo

Teme, gagueja, se espanta

Dou murro em braúna velha

Que o entrecasco alevanta!

 

 

B - Você pra cantar comigo

Precisa fazer estudo

Pisar no chão devagar

Fazer o passo miúdo

Dormir tarde, acordar cedo

Dar definição de tudo…

 

P - Você pra cantar comigo

Tem de cumprir um degredo

Pisar no chão devagar

Bem na pontinha do dedo

Dar definição de tudo

Dormir tarde, acordar cedo…

 

B - Cantor que canta comigo

Estira como borracha

O suor do corpo mina

Os olhos salta da caixa

Quer tomar pé mas não pode

Procura o fôlego e não acha…

 

P - Nogueira, estás enganado

Queira Deus você não rode

Teimar com Preto Limão

Você quer porém não pode

Se cair nas minhas unhas

Hoje aqui nem Deus acode!

 

B - Moleque, se eu te pegar

Me escancho em tuas garupas

Das pernas eu faço gaita

Da cabeça uma cumbuca

Dos queixos um par de tamanco

Da barriga chupa-chupa

 

P - Nogueira se eu te pegar

Até o diabo tem dó!

Desço de goela abaixo

Em cada tripa dou nó

Subo de baixo pra cima

E vou morrer no gogó

 

B - Da forma qu’eu te deixar

Não vale a pena viver

Porque teus próprios amigos

Não hão de te conhecer

Corto-te os beiços de cima

Faço te rir sem querer!

 

P - Você vai ficar pior

Send’eu já estava chorando

Porque de ora em diante

Hás de falar bodejando

Corto-te a ponta da língua

Fica o tronco balançando

 

B - O resto de tua vida

Terás muito o que contar

Dês de perto, abertamente

Se acaso desta escapar

Diga que foste ao inferno

Depois tornaste a voltar

 

P - Tive uma pega com Inácio

Moleque bom na madeira

É negro que não se afronta

Com dez léguas de carreira

Dum açoite que dei nele

Quase larga a cantingueira

 

B - Você cantou com Inácio

Porém só foi uma vez

E faz vergonha contar

O que foi qu’ele te fez

Te pôs doente um ano

Aleijado mais dum mês

 

P - Inácio não me fez nada

Porque vivia cismado

Duma surra qu’eu dei nele

Há vinte do mês passado

De preto ficou cinzento

Quase morre asfixiado

 

B - Moleque tu me conhece

Como cantor afamado

No lugar qu’eu ponho a boca

É triste teu resultado

Tive uma pega com Inácio –

Já vi serviço pesado!

 

 P - É porque você não viu

Preto Limão enfezado

Acendia os horizontes

De um para o outro lado

Rasga as decondências dele

De um negro encondensado

 

B - Tive aperreado um dia

Fiz a terra dar um tombo

No recreio da parcela

O mar é surdo urubombo

Cobri o mundo de fogo

E nada me fez assombro

 

P - Você fazendo tudo isso

Dá prova de homem forte

Eu já o considerava

Pela sua infeliz sorte

Se você chegasse a ir

Ao Rio Grande do Norte

 

B - Se eu for lá ao Rio Grande

Até você desanima

O sol perderá seus raios

A terra, o mundo e o clima

Tapo a boca do rio

Deixo correndo pra cima!

 

P - Se me tapares o rio

Verás como eu sou tirano

Rasgo pela terra a dentro

E vou sair no oceano

Deixo a maré do Brasil

Enchendo uma vez por ano!

 

B - Moleque, o que você tem?

Parece um pinto nuelo?

Contaste tanta façanha

Como estás tão amarelo?

Quanto mais você se visse

Seu Nogueira no martelo

 

P - Se eu cantar o martelo

Você encontra banzeiro

Qu’eu perco a fé em doente

Quando muda o travesseiro

Afinal siga na frente

Qu’eu irei por derradeiro

 

B - Eu me parece

Que estando nele

Pego na goela

O cabra esmorece

A língua desce

Os olhos racha

Salta da caixa

Por despedida

Procura a vida

Porém não acha

 

P - Tenho chumbo e bala

Para seu Nogueira

Cantador goteira

Pra mim não fala

Dentro duma sala

Fica entupido

E amortecido

E sem recurso

Até o pulso

Lhe tem fugido

 

B - É na bebedeira

Que o preto morre

Tropeça e corre

Topa ladeira

Mede porteira

E passadiço

E alagadiço

Se for com trama

Se encontrar lama

Topa serviço

 

P - Duro de fama

Dura bem pouco

Que o pau que é oco

Não bota rama

Chora na cama

Qu’é lugar quente

Quebro-te dente

Furo-te a língua

Faço-te íngua

Cabra insolente

 

B - Vante o perigo

É qu’sou valente

Sou a serpente

Do tempo antigo

Negro comigo

Não tem ação

Boto no chão

Quebro a titela

Arranco a moela

Levo na mão

 

P - Nogueira, tu reparaste

Num sujeito que chegou?

Trouxe um recado urgente

Que minha mulher mandou

Por hoje eu não canto mais

Fique cantando qu’eu vou…

 

B - Não quero articulação

Vá se embora seu caminho

Canário que estala muito

Costuma borrar o ninho

Quem gosta de surrar negro

Não pode cantar sozinho

 

Naquele mesmo momento

Saiu o Preto Limão

Deixou o povo na sala

Tudo em uma confusão

Uns diziam que correu

Outros diziam que não

 

Quando o Preto voltou

Nogueira tinha saído

Preto Limão disse ao povo:

– Vão chamar o atrevido

Venham olhar bem de perto

Como se açoita um bandido

 

Foram chamar o Nogueira

Estando ele descansado

Deitado na sua rede

Quando chegou-lhe o recado

Nogueira com muito gosto

Foi acudir ao chamado

 

Quando Nogueira chegou

Encontrou Preto Limão

Acuado numa sala

Ringia que só leão

Naquele mesmo momento

Começaram a descrição

 

P - Cantador qu’eu pegá-lo de revez

Com o talento qu’eu tenho no meu braço

Dou-lhe tanto que deixo num bagaço

Só de murro, tabefe e pontapés

Só de surras eu dou-lhe mais de dez

E o povo não ouve um só grito

Faz careta e se vale do Maldito

Miserável, tua culpa te condena

Mas quem é que no mundo terá pena

Deste monstro que morre tão aflito?

 

B - Cantador com Nogueira não peleja

Sendo assim como o tal Preto Limão

Só se for pra tomar minhas lição

Ele engole calado e não bodeja

Vai comendo da mesa o que sobeja

Precisa me tratar com muito agrado

No instante fazer o meu mandado

É de pressa, é ligeiro, é sem demora

Qu’eu não gosto de moleque que se escora

Pois assim é qu’eu o quero por criado

 

P - Vale a pena não seres cantador

É melhor trabalhares alugado

Vai cumprir por aí teu negro fado

Vai viver sob o ferro dum feitor

Da senzala já és um morador

Teu trabalho é lá na bagaceira

O que ganhas não dá pra tua feira

Renego tua sorte tão mesquinha

Que te assujeitas às amas da cozinha

E te ofereces pra delas ser chaleira

 

B - Este homem já vive desvalido

É descrente de Deus e da Igreja

Lúcifer o teu nome já festeja

Tu só podes viver é sucumbido

Sois tão ruim que só andas escondido

Para Deus nunca mais serás fiel

Tua raça é descendente de Lusbel

Que do céu já perdeste a preferência

Farás tua eterna convivência

Lá embaixo dos pés de São Miguel

 

P - Tu pareces que vinhas na carreira

Sempre olhando pra frente e para trás

Como quem chega assim veloz de mais

Eu vi bem quatro paus de macaxeira

Uma jaca partida e outra inteira

Também vi dois balaios de algodão

Creio que tu já foste um ladrão

Com o peso fazia andar sereno

Às dez horas da noite, mais ou menos

Encontrei-te com esta arrumação

 

B - Meus senhores de dentro do salão

Este enorme convívio de alegria

Exaltar este homem é covardia

Só lhe falta o nome de ladrão

Para o povo tem sido muito exato

Só o que tem é que peru, galinha e pato

No lugar que ele mora não se cria

Muita gente aqui já desconfia

Que ele passa lição a qualquer rato

 

P - Quiosque fechado não se vende

Cantador sem rimar é desfeitado

Como tu neste banco te alevantas

Não precisa que o povo me encomende

Quem é cego de nada compreende

Vive numa masmorra anzolado

Por que eu já o tenho projetado

Desta tua incivil sorte mesquinha

Eu te deixo no mato sem caminho

Sob as garras dum gancho pendurado

 

B - Cantador capoeira não me aguenta

Inda duro e valente qu’ele seja

Com Bernardo Nogueiras não peleja

Adoece, entisica e se arrebenta

Dou na testa, dou na boca, dou na venta

Desta pisa ele fica amortecido

Endoidece, fica vário do sentido

Eu o boto na roda e no manejo

Ficará satisfeito meu desejo

Pra não seres cantador intrometido

 

P - Te arrepende da hora que nasceste

Seu Nogueira como é tão infeliz

Tua vida no mundo contradiz

Contra mim pelejando não venceste

Na prisão de masmorra já sofreste

Tua vida já perde as esperança

Eu armei uma forca e uma balança

Num minuto hás de ser bem degolado

Ficará todo mundo consolado

Preto Limão só assim terá vingança!

 

B - Eu já tenho um moinho de quebrar osso

Uma prensa ingleza preparada

Qu’inda ontem imprensei um camarada

Qu’era duro, valente e muito moço

Eu já tenho guardado o teu almoço

Qu’é um bolo de ovos com manteiga

Pra cantor malcriado que lá chega

Eu agarro na gola desse cuba

Piso a carne diluída e faço puba

Se eu não matar levo ele para a pega

 

P - Quando eu apareço numa casa

Que me mandam então eu divertir

Quatro, cinco dias vê cair

Relâmpago, trovão, corisco e brasa

Cantador comigo não se atrasa

E quem for valente, já morreu

A tocha de fogo já desceu

Meu martelo é de ferro e aço puro

Cantador comigo está seguro

Nunca houve um martelo como o meu…

 

B - Você diz que no martelo é atrevido

E somente porque não considera

Você nas minhas unhas desespera

Fica louco e quase sem sentido

Numa hora ficarás doido varrido

Teu repente não passa de besteira

As peiadas que eu te dou levanta poeira

Todo o povo já lhe tem é compaixão

Eu te deixo embolando pelo chão

Como porco que bebe manipueira

 

P - Dou-te sufregada

Dou-te tapa-queixo

Com pouco te deixo

Com a boca lascada

A língua puxada

Três palmo de fora

Casco-te as esporas

P’rós teus suvaco

Faço raco-raco

Danado, tu chora!

 

B - Dou-te bofetão

No pé do cangote

Eu vou no pacote

Do Preto Limão

Eu boto no chão

E piso a barriga

Espirra a lombriga

Os pinto comendo

O povo dizendo:

– Aguenta a espiga !


Literatura de Cordel quarta, 05 de agosto de 2020

NAVEGANDO (CORDEL DE MARCOS MAIRTON)

 

Navegando no cordel

 



 

POESIA DE CORDEL EM ALTO MAR

Antes de retomar os estudos sobre a técnica de se fazer um cordel, mais um momento daqueles em que a gente faz um cordel meio de improviso, pra registrar um momento importante, agradável ou os dois.

Era fevereiro de 2006, e eu e minha esposa, Natália, estávamos viajando pelo litoral do Nordeste Brasileiro, no navio Pacific. Toda noite acontecia um show no salão principal do navio. Na última noite, o show era “O Turista é o Artista”, e era feito, obviamente, pelos próprios passageiros.

Quando soube disso, logo pela manhã, fiz imediatamente um cordel, registrando os principais pontos da viagem. À tarde, ensaiei com a banda, pois o mote seria apresentado como um refrãozinho cantado, e à noite apresentei a peça. O pessoal se divertiu um bocado.

Para minha maior alegria, Natália registrou tudo com nossa câmera digital. O clipe está aí em cima; o texto, abaixo:

NAVEGANDO

Por Marcos Mairton

Quando olhei para o navio
Atracado ali no cais
Eu pensei como seria
Muito bom, até demais,
Conhecer os litorais
As praias do meu Brasil
Aquelas que Cabral viu
Quando aqui foi chegando
Navegando, navegando,
No oceano a deslizar
E o Pacific me levando
Sobre as ondas do mar.

Embarquei todo animado
Na maior felicidade
Mais feliz fiquei ainda
Quando vi minha cidade
Já olhando, com saudade,
Para o barco que partia
Dentro dele, eu lhe dizia:
– Logo estaremos voltando
Navegando, navegando,
No oceano a deslizar
E o Pacific me levando
Sobre as ondas do mar.

Daquele dia até hoje
Navegamos um bocado
Do balanço do navio
Nunca fiquei enjoado
Fiquei foi maravilhado
De encontrar tanta beleza
Que Deus ou a Natureza
Por aqui foi espalhando
Navegando, navegando,
No oceano a deslizar
E o Pacific me levando
Sobre as ondas do mar.

Foram tantas belas praias
Que daqui pudemos ver
Que na memória gravamos
Pra nunca mais esquecer
Que nem tento descrever
Com palavras o que vimos
Desde o dia em que partimos
Neste navio embarcando
Navegando, navegando,
No oceano a deslizar
E o Pacific me levando
Sobre as ondas do mar.

Mas como nada acontece
Do jeito que a gente sonha
Não pude desembarcar
Em Fernando de Noronha
Moça, não fique tristonha,
Foi pra nossa segurança
Tenho muita esperança
De voltar, só não sei quando
Navegando, navegando,
No oceano a deslizar
E o Pacific me levando
Sobre as ondas do mar.

Aqui do lado de dentro
Desta bela embarcação
Recebemos o carinho
De toda tripulação
Vou dizer: - Ó capitão!
Comandante Antonio Pata
A vossa equipe me trata
Como um rei, tá me mimando
Navegando, navegando,
No oceano a deslizar
E o Pacific me levando
Sobre as ondas do mar.

É hora da despedida
Já começo a ter saudade
Do navio, das pessoas,
De cada nova amizade
Volto pra minha cidade
No próximo amanhecer
Mas nunca vou esquecer
Deste Salão Carousel
Do Lennon e do Iel,
Nem da Banda Salvatagem
De, durante a viagem,
Andar no Deck Riviera,
Aloha, Lido, quem dera,
Voltar aqui, novamente,
E encontrar toda essa gente
Que estou encontrando
Navegando, navegando,
No oceano a deslizar
E o Pacific me levando
Sobre as ondas do mar.

Literatura de Cordel quarta, 22 de julho de 2020

NO COMBATE AO MUNDO DAS DROGAS (FOLHETO DE ELMO NUNES)

 

De acordo com os dados anotados no folheto, Elmo Nunes nasceu em 21.09.1979, em Buritizal, Poranga-CE, onde vive até hoje. Além do cordel sobre o combate às drogas, já publicou "Preservando para Melhorar" e "Conversando Entre Amigos", dentre outros.
Segue um trecho do cordel de Elmo Nunes, além da bela capa desenvolvida por Audifax Rios.
 
 
 
NO COMBATE AO MUNDO DAS DROGAS 
Elmo Nunes
 

Para combater as drogas 
É preciso seriedade 
De quem eu aqui aponto 
Para se ter na verdade 
Um mundo com esperança 
E saudável sociedade. 

Por isso é que eu envolvo 
Três coisas neste poema: 
Política mídia e justiça 
Na luta contra o problema, 
Ainda organizações 
Não descarto deste tema. 

Com respeito autoridades 
Chamo aqui sua atenção 
Confiante em seus deveres 
Mesmo na legislação. 
Não vou fechar os meus olhos 
Pois também sou cidadão. 

Muitas iniciativas 
Sei que estão sendo tomadas 
Nas políticas de controle 
Mas precisam ser lembradas 
Pra que ORGANIZAÇÕES 
Sejam beneficiadas. 

Para isso é necessário 
Os recursos obter 
Pra organizações que lutam 
Ajudando a combater 
Este caso problemático 
Impedindo-o de crescer. 

São recursos financeiros 
Mesmo governamentais. 
Também no funcionamento 
Dos conselhos estaduais. 
O Legislativo deve 
Ter eficácia demais. 

Não devemos desprezar 
Os que já são usuários 
Porque quem usa é doente 
E apoios são necessários 
Para que a vida renasça 
Basta sermos solidários. 


Literatura de Cordel quarta, 15 de julho de 2020

MINHA CAIXA DE PANDORA (CORDEL DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A imagem pode conter: Dalinha Catunda, close-up e área interna

MINHA CAIXA DE PANDORA

Dalinha Catunda


Foi querendo organizar
Minha vida atribulada
Que peguei uma caixinha
Para dar uma arrumada
Pois chega de desengano
E se não falhar meu plano
Vou ficar mais sossegada.

As coisas sem importância
Eu comecei a juntar
Para acomodar na caixa
E quando encher vou lacrar
Diferente de Pandora
A esperança fica fora
Pois nela vou apostar.

Peguei a farsa e a mentira
Dentro da caixa botei
Mensagem sem sentimento
Bem no fundo acomodei
Sem querer mais me enganar
Comecei a faxinar
Pois assim determinei.

A saudade quis ficar
Mas peguei pelo gogó
Arrastei a descarada
Fiz uma trouxa e dei um nó
Inda disse uma gracinha
Você vai para a caixinha
Eu prefiro ficar só.

Olhei bem para a paixão
Que almejou me encarar
Porém me viu decidida
Nem parou pra argumentar
Era de meia tigela
Pena eu não tive dela
Decidi empacotar.

Eu fiquei encasquetada
Quando a lembrança chegou
Quis me lembrar do abraço
Mas abraço não pintou
Quis me lembrar do beijo
Mas beijo não aconteceu
A lembrança mereceu
O cantinho que ganhou.

Quem sumiu pra vadiar
Tem espaço garantido
Quem achou outra guarida
Na caixa será mantido
Desapegar é legal
A faxina foi geral
Meu tempo não foi perdido.

Na caixa prendi os males
Pra começar nova andança
Apos lacrar enterrei
O que não era bonança
Mas na caixa de Pandora
Pensei bem deixei de fora
Minha guia: A ESPERANÇA!

 


Literatura de Cordel quarta, 08 de julho de 2020

MORTE E TESTAMENTO DE OSAMA BIN LADEN (FOLHETO DE PEDRO PAULINO)

 

Cordel de Pedro Paulino sobre Bin Laden

 
 
MORTE E TESTAMENTO DE OSAMA BIN LADEN
Pedro Paulo Paulino

Neste dia dois de maio,
Logo quando amanheceu,
A notícia estava solta,
O planeta estremeceu,
No rádio e televisão
Corria essa informação:
Que Bin Landen já morreu.

A notícia dava conta
Que o famoso terrorista,
De quem os americanos
Há muito andavam na pista,
Foi executado então
No distante Paquistão,
O refúgio do extremista.

Seu retrato, na internet,
Para o mundo foi mostrado.
Bin Laden mais velho e morto,
O seu rosto ensanguentado.
Segundo corre a notícia,
Ele foi pela milícia
Com um tiro fuzilado.

A milícia americana,
Que depois de o executar,
Não encontrou neste mundo
Quem o quisesse enterrar.
Por falta de cemitério,
Adotaram o critério
De jogá-lo em alto-mar.

O fato causou impacto.
A notícia, num segundo,
Provocou tremendo abalo
E um alvoroço profundo,
Como se os americanos
Acabassem, com seus planos,
Todo o mal que tem no mundo.

Até João Paulo II
Que foi beatificado
- Esse fato, nos jornais,
Ficou meio deslocado…
Do casamento real,
Não mais se fala, afinal,
O Osama é mais cotado.

Lá nos Estados Unidos
O povo comemorou,
Como sendo o maior feito
Que seu país conquistou.
Porém, nesse panorama,
Terá sido mesmo Osama
Que morto no chão tombou?

Essa pergunta intrigante
É feita por muita gente:
Por que pegar o defunto
E dar fim tão de repente?
Depois que correu a nova,
Por que não pegar a prova
E mostrar mundialmente?

O retrato de Bin Laden,
Que na mídia foi mostrado,
Pelo jeito, não convence,
Pois a cara do finado
Parece doutra pessoa
Ou mesmo um defunto à toa
Há muito tempo enterrado.

Eu mesmo fico na minha.
Já vi até um maluco
Dizer que Osama Bin Laden
(Ele diz, eu não retruco)
Não morreu nem foi embora,
Lá em Petrolândia mora,
Cidade de Pernambuco.

Eu não quero entrar no mérito
Dessa questão, no momento.
Mas, de tanto ouvir falar
Em tal acontecimento,
Sonhei enquanto dormia
Que Bin Laden então morria
E deixava um testamento.

Era um sonho muito claro
E eu vi com perfeição
O testamento que Osama
Escreveu de própria mão
Num caderno bem guardado,
E noutro caderno, ao lado,
Se encontrava a tradução:

“O que tenho pra dexar
Para toda a humanidade
É ódio, ira e rancor,
Destruição e maldade,
Muita guerra e assassínio,
Desunião, morticínio,
Tragédia e barbaridade.

Deixo o mundo fabricando
Bomba de destruição,
Mais gente igualmente a mim
Que sabe usar avião,
Sofisticado transporte,
Somente pra causar morte
Mantando de multidão!

Deixo os Estados Unidos
Agirem bem à vontade,
Assaltando o mundo inteiro
Sem ter dó nem piedade;
Deixo esse país injusto
Se apossando a todo o custo
Do resto da humanidade…

Deixo o Oriente Médio
Caindo sempre no abismo,
Mergulhado brutalmente
No seu Fundamentalismo.
A Europa, eu deixo inteira
Consumida na fogueira
Do seu vil Capitalismo.

Pra meu colega Kadafi
Eu vou deixar reunidos
Os meus planos traiçoeiros
E bastante esclarecidos,
Pra num momento feliz
Saber fazer como eu fiz
Contra os Estados Unidos.

Eu deixo o Barack Obama
Fazendo como acontece,
Ou seja, o que Bush fez,
Que o mundo inteiro padece,
Principalmente o Iraque,
Pois de Bush pra Barack
A vingança permanece.

Para o mundo inteiro eu deixo
Meu precioso arsenal,
Muitas armas poderosas
Pra, numa guerra global,
Os povos beligerantes
Extinguirem, em instantes,
A humanidade em geral.

Eu deixo a poluição
Em todo o meio ambiente
Tomando conta da terra
Causando incêndio e enchente;
O mundo sem paciência
Aumentando a violência
E gente matando gente.

Brigando pelo petróleo
Vou deixar o mundo inteiro,
Banhado sempre de sangue
E menos hospitaleiro.
E deixo em cima da terra,
Da fatal terceira guerra
Bem começado o roteiro.

Ao Brasil, onde eu passei,
Eu deixo o povo mais rude
Sem amparo e educação,
Sem trabalho e sem saúde;
Pior do que no Iraque,
Deixo o tráfico do crack
Destruindo a juventude.

Do mundo que me despeço
Só levo um prazer profundo.
Estão todos enganados:
Eu fui mesmo vagabundo,
Terrorista e muito ruim,
Mas não é me dando fim,
Que dão fim ao Mal no mundo.”

Literatura de Cordel quarta, 01 de julho de 2020

AS HERDEIRAS DE MARIA (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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1

Começa assim a história

Do folheto feminino:

A mulher com sua manha,

Território o nordestino,

Com patriarcado vil,

Montou-se então um ardil,

Pra traçar nosso destino.

2

Lá pra mil e novecentos,

E trinta e oito asseguro,

Foi que a mulher editou,

E plantou para o futuro,

O folheto feminino,

Com o nome masculino,

Que hoje aqui emolduro.

3

Quando a mulher resolveu

Escrever o seu cordel,

Ainda meio acanhada...

Não quis botar no papel,

Seu santo nome de pia,

Porém foi uma Maria,

A primeira do painel.

4

Era Altino Alagoano

Que assinava a autoria.

A do primeiro folheto,

Que a mulher se atrevia

A escrever sem assinar

Para o marido alcunhar

Com nome de Fantasia.

5

E foi Maria das Neves,

A Batista Pimentel!

Que teve o afoitamento,

De publicar um cordel,

E mesmo não assumindo

O que estava produzindo

Na lavra do seu vergel.

6

Era Francisco das Chagas,

De sobre nome Batista,

Pai de Maria das Neves,

A primeira cordelista.

Ele foi um pioneiro,

Do folheto brasileiro,

Na arte especialista.

7

“O Violino do Diabo.

Ou o Preço da Honestidade”,

Foi o primeiro folheto,

Tornou-se até raridade,

Pela mulher concebido,

Como troféu exibido,

Prova viva da verdade.

8

Os folhetos que Das Neves,

Naquele tempo editava.

“Corcunda de Notre Dame”

Na sua lista constava,

E outros títulos mais,

Em obras universais,

Ela se fundamentava.

9

“O Amor Nunca Morre” é,

Também sua criação,

Mais um cordel que Maria,

Acresceu a coleção.

Sua rica trajetória

É um marco na história

Nobre contribuição.

10

Maria chega ao cordel,

E com personalidade.

Letrada, bem preparada,

Replena de habilidade.

Disfarçada ocupa espaço,

Dando seu primeiro passo,

Rumo à nova atividade.

11

E a ascensão do cordel,

Das Neves acompanhou.

A Popular Editora,

Foi o seu pai quem criou,

Instalada em João Pessoa,

Aquela ideia tão boa,

Maria testemunhou.

12

Para falar a verdade,

Testemunhou muito mais...

Só o homem editava!

Das mulheres, nem sinais.

Pode parecer incrível,

A mulher era invisível,

Continham seus ideais.

13

Só depois de muito tempo

A mulher entra em ação.

Tira o verso da gaveta

Mostra a sua produção.

Assumindo o seu lugar,

Na cultura popular,

Cumprindo sua missão.

14

Isso só aconteceu,

Entre sessenta e setenta,

A mulher com liberdade,

Depressa se reinventa.

Ela muda de postura,

Garante a assinatura,

No cordel que apresenta.

15

Chega de só propagar,

Saberes e tradição.

Chega de contar histórias,

Fazer adivinhação.

Com tanto conhecimento,

Afinal chega o momento,

De mudar de posição.

16

Já cansada de engolir,

O que tinha na garganta,

Cansada de ser a musa,

Às vezes puta ou santa,

Cansada de ser podada,

Encara nova jornada,

Assume seu verso e canta.

17

Uma luz no fim do túnel,

A mulher chega avistar.

Mas a estrada a seguir,

Ela tem que desbravar.

Porque é pura ilusão,

Sua ampla aceitação,

Não vamos nos enganar.

18

No mundo cordeliano,

Inda mora o preconceito.

Na produção feminina,

Muita gente põe defeito,

E perde a oportunidade,

De conhecer na verdade,

Cordéis com outro Conceito.

19

Do jeito que tem mulher

Escrevendo sem cuidado,

Tem homem que faz cordel

Sem entender do riscado,

Não venham com zombaria,

O dom da sabedoria,

Floresceu assexuado.

20

O mercado é escasso

Para a mulher cordelista.

Com o corporativismo

Nós somos poucas na lista.

Nos bancos de academia

Inda somos minoria,

Mas nos postamos na pista.

21

Corre o cordel feminino

Sem nenhuma timidez.

A mulher fortalecida,

Não espera, faz a vez.

Sabe que é competente,

Se a lacuna é existente

Preenche com vividez.

22

Aborda qualquer temática

Verseja com qualidade.

Se for para glosar, glosa!

Com muita propriedade.

Faz peleja virtual,

O seu mote é atual,

Essa é a realidade.

23

A cordelista zelosa

Que cumprem sua missão,

Sabe que o bom cordel

Em sua composição,

Boa rima deve ter,

A métrica é pra valer,

Ao compor sua oração.

24

Somos muitas escrevendo

Algumas com maestria.

Nosso cordel feminino,

É canto que contagia.

Abram alas pras guerreiras,

Somos poetas herdeiras,

As herdeiras de Maria!

*

Fim

 

Literatura de Cordel quarta, 24 de junho de 2020

PELA VIRTUAL DALINHA CATUNDA X VÂNIA FREITAS (CORDEL DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

A imagem pode conter: 2 pessoas, incluindo Dalinha Catunda

PELEJA VIRTUAL

DALINHA CATUNDA X VANA FREITAS

Dalinha Catunda

 

1

VANIA FREITAS
Dalinha querida
Como nordestina
Tem casaca de ouro
E desde menina
Que lá no sertão
Mostrou o seu chão
Com rima divina.
2
DALINHA CATUNDA
Dona Vânia Freitas
Mulher sorridente
Encara peleja
É boa em repente
Numa cantoria
Encara a porfia
Pois é competente.
3
VÂNIA FREITAS
Acho que se engana
Esta moça bela
Não sou competente
É bondade dela
Eu faço o que faço
Às vezes desfaço
E faço como ela.
4
DALINHA CATUNDA
Você tem roteiro
E tem direção
Entende de rima
Tem boa oração
E nesse universo
Não peca no verso
Falo com razão.
5
VÂNIA FREITAS
Nessa pandemia
Perdi o roteiro
E sem direção
Sem tiro certeiro
Faço minha rima
E sem muito clima
Sai verso fuleiro.
6
DALINHA CATUNDA
Não perco meu rumo
Eu quero cantar
Ocupo meu tempo
Sempre a versejar
Se a coisa está feia
Eu não fico alheia
pois tento mudar.
7
VÂNIA FREITAS
Mudei o meu rumo
Deixei para o lado
Cantar vale a pena
Com saia e babado
Mulher no cordel
E queijo com mel
Em nosso quadrado
8
DALINHA CATUNDA
Sou cordel de saia
Eu sou cirandeira
Cantando ciranda
Sou mulher faceira
Faço meu papel
Cantando cordel
Me dou por inteira.
9
VÂNIA FREITAS
Aqui na ciranda
Eu vou pelejar
E tentar fazer
O meu versejar
Sem ser cirandeira
Mas na brincadeira
Eu vou requebrar.
10
DALINHA CATUNDA
Na minha ciranda
Você já dançou
Como cordelista
Seu verso cantou
Na requebradinha
Junto com Dalinha,
Você arrasou.
11
VÂNIA FREITAS
Dancei sem saber
O cordel que fiz
Meu verso nasceu
Fiquei foi feliz
Com vocês dançar
E no balançar
Eu fui infeliz.
12
DALINHA CATUNDA
Dançando ciranda
Você fez bonito
O seu Pardalzinho
Assistia aflito
Você sorridente
Dançava contente
No maior agito.
13
VÂNIA FREITAS
Dalinha tem fogo
É mulher bonita
Sou vela apagada
E nada me agita
Pardal, o meu bem
Sabe a flor que tem
No laço da fita.
14
DALINHA CATUNDA
Eu sou enxerida
Eu sou atirada
E você não é
A vela apagada
Você é ladina
Uma nordestina
Querida e amada.
15
VÂNIA FREITAS
Somos cristalinas
Nas nossas paradas
Bem verdadeiras
E somos amadas
Vivemos a vida
E bem colorida
Nas nossas Jornadas.
16
DALINHA CATUNDA
Somos artesãs
Somos cordelistas
Subindo no palco
Nós somos artistas
Nas rinhas e lutas
Nós somos astutas
E temos conquistas.
17
VÂNIA FREITAS
Conquistas e sonhos
Não faltam pra gente
Você que é mais forte
Bem mais competente
Faz com perfeição
Martelo e mourão
Sem ser prepotente.
18
DALINHA CATUNDA
O que nos faz fortes
É nossa união
É verso e ciranda
É a mão na mão
Quem junto caminha
Como formiguinha
Só cresce em ação.
19
VÂNIA FREITAS
Nós somos fermento
Da nossa cultura
A nossa amizade
Em vida futura
Será mais frondosa
Com cheiro de rosa
E de fruta madura.
20
DALINHA CATUNDA
Declamando versos
Cantando também
Com flor no cabelo
Nós vamos além
Nessa trajetória
Fazemos história
E como ninguém.
21
VÂNIA FREITAS
Fazemos memória
Com saia rodada
No palco a ciranda
Com roupa estampada
Cantando pra lua
Que logo insinua
Que é boa a noitada
Vânia Freitas
22
DALINHA CATUNDA
Com bico e babado
E seu colorido
Mulheres poetas
Causam alarido
La no picadeiro
Seu canto brejeiro
É canto assumido.
23
VÂNIA FREITAS
Gostei de cantar
Na sua toada
Aprendi a fazer
Poesia trocada
Eu cá você lá
Mas no Ceará
Se sinta abraçada.
24
DALINHA CATUNDA
Obrigada Vânia
Por esse momento.
Confabulação,
Foi nosso intento.
A nossa parcela,
Foi prosa singela,
Nos serve de alento.
*
VERSOS DE DALINHA CATUNDA E VÂNIA FREITAS
Foto do acervo de Dalinha Catunda
FIM
Essa e mais uma peleja virtual. Troca de versos através do facebook.
Interação sugerida e coordenada pela poeta de cordel, Dalinha Catunda que vem atuando há muito tempo nessa modalidade. Veja nos blogs:
https://cantinhodadalinha.blogspot.com/

https://cordeldesaia.blogspot.com/


Literatura de Cordel sábado, 20 de junho de 2020

CONFRONTO DE LAMPIÃO COM ZÉ DO AÇO DA GLÓRIA (FOLHETO DE CÍCERO VIEIRA DA SILVA)

 

O CONFRONTO DE LAMPIÃO COM ZÉ DO AÇO DA GLÓRIA

Cícero Vieira da Silva (O Sabiá da Jurema)

Agora neste folheto
Eu vou pedir atenção
De vocês para contar
O que houve no sertão
Na hora que Zé do aço
Topou-se com Lampião.

O Zé do Aço era cabra
Que do trabalho vivia,
Mas andava preocupado,
Pensando como fazia
Para poder escapar
Daquela seca sombria.

É que aqui no Sertão
As coisas tinham mudado,
O inverno tinha sido
Um pouco desarrumado
Que até na terra boa
Faltava o capim do gado.

Com isso na região
O povo vivia mal,
Os fazendeiros não estavam
Contratando o pessoal
E assim, todos sofriam
Naquela seca brutal.

Nesse tempo, Lampião
Andava pouco por aqui,
Mas vez em quando passava
Pras bandas do Cariri
E as horas do encontro
Você verá a seguir.

Pois como já anunciei
O Zé do Aço corria
Querendo arrumar um canto
Para cuidar da famia
E da filha Juliana,
Moça de grande valia.

 

Juliana era uma jovem
Morena cor de canela
Tinha uma beleza rara
Que não tinha igual a dela
E todos na vizinhança
Gostavam dessa donzela.

Um certo dia essa moça
Viu sua mãe comentar
Que faltaria comida
Pois só tinha mucunzá
Se achassem um serviço
Teriam que viajar.

Mas do que vinha depois
A moça não contaria:
Um bando de cangaceiros
Chegando na moradia
E pedindo de comer
Enquanto o seu pai dormia.

Querendo saber quem vinha
Uma mulher veio fora,
Era a esposa do Zé
No seu papel de senhora,
Mas quando viu os bandidos
Desmaiou na mesma hora.

– Levanta branquela velha!
Um elemento falou.
Mas ela desacordada
O pedido rejeitou,
Foi aí que Cambirão
Do companheiro zombou.

Era o tal de Ferro Velho,
Um cangaceiro malvado,
O bandido Cambirão
Tinha dele caçoado,
Aí o Ferro partiu
Para matá-lo sangrado.

Naquela hora uma briga
No meio deles rolou,
Cambirão deu uma facada
Que o cangaceiro gritou,
Foi aí que Zé do Aço
Ligeiramente acordou.

Zé vendo a mulher no chão
Para a filha perguntou:
– Por que que estás assustada?
A menina respostou:
– Papai foram esses bandidos
Que nos causaram um terror.

O Zé do Aço ia agir,
Um bandido se meteu
E disse: – cheguei aqui,
Mas ninguém me atendeu
Se não aparecer janta
Tu vai saber quem sou eu.

E como se não bastasse
Ainda vem esse sacana
Querendo zombar de mim,
Vou sangrar esse banana,
Depois amasso as panelas
Na cara de Juliana.

No momento o pai da moça
Sentiu o sangue ferver
Gritou: – bandido atrevido
Tu precisas aprender
A respeitar um cidadão
Como devemos fazer.

Naquele mesmo instante
Usou da força brutal,
Tacou-lhe o pé no bandido
Parecendo um animal
Que o cangaceiro caiu
Dando o suspiro final.

Nessa mesma ocasião
Um bandido atirou
Pra matar o Zé do Aço,
Mas a bala não pegou,
Atingiu foi Juliana
Nas pernas que ela virou.

A garota assustada,
Sentiu que foi atingida,
Perdida naquele fogo
Gritou: – Papai tou ferida,
Jamais senti uma dor
Tão grande na minha vida.

O Zé do Aço ali
Teve um desgosto profundo,
Vendo a filha baleada
Atirou nos vagabundos
E mandou mais um bandido
Direto pro outro mundo.

De repente aqueles cabras
Desabavam com tristeza,
Quem chegara assustando
Se tornara uma presa
Porque jamais contaria
Ver tamanha ligeireza.

Ao chegarem na Caatinga
Contaram pro capitão:
– Aquele filho da peste
Atirava feito um cão,
Pois deixou dois cangaceiros
Caídos naquele chão.

Lampião quando ouviu isso
Gritou bastante voraz:
– Esse roceiro atrevido
Nunca viu o Satanás,
Vou sangrá-lo como um porco
E jogar aos animais.

Aqui nunca ninguém viu
Um cabra me provocando
Nenhuma quenga pariu
Se gerou foi abortando
Ou está no cemitério
Bem tranqüilo sossegando.

Dali já foram traçando
Um plano para vingar,
Mas Zé do Aço sabia
Que eles iam voltar
E também que Lampião
Estava perto de lá.

Porém tirou a família
Pra casa de seu irmão,
Sabia que os cangaceiros
Pertenciam a Lampião
E que ele estaria
Rondando na região.

Pois o povo do Sertão
Já tinha dificuldade,
Saber que Lampião vinha
Era outra barbaridade,
Parecia um temporal
Na vida da humanidade.

Porque onde ele pisava
Até os bichos temiam,
Mulher que tava embuchada
Nessas horas padecia,
Cachorro entrava no mato,
Nunca mais aparecia.

Assim num dado momento
Ocorreu o esperado,
Corria o povo gritando,
Todo mundo assustado
E um doido lastimando:
– Agora estamos lascados.

Naquele dia a polícia
Estava em uma feira,
O delegado saiu
Disparado na carreira
E foi escapar debaixo
Da cama d’uma parteira.

Enquanto todos correram
Só Zé do Aço ficou,
Sabia que se corresse
Viraria um perdedor,
Foi aí que Lampião
Na casa dele riscou.

E disse assim, quando viu
Ele ali naquele chão:
– Por que você não correu?
Esqueceu de Lampião?
Disse Zé: – aqui é meu
E não lhe devo um tostão.

Nos meus tempos de menino
Aprendi esta verdade:
Um homem no que é seu
Tem que ter autoridade,
Se morrer, morre um herói,
Se viver é majestade.

Lampião quando ouviu
Disse: – É muito desaforo,
O povo por onde passo
Esperneia e cai no choro
E quando me desafia
Sangro, mato e tiro o couro.

Hoje aqui nesta tapera
Você me desafiou,
Além de negar comida,
Meus amigos tu matou,
Depois de sangrar você,
Eu queimo o teu bangalô.

Ouvindo isso o Zé do Aço
Respondeu pra Lampião:
– Aqueles cabras safados
Mereciam uma lição
Para aprenderem a chegar
Na casa de um cidadão.

Depois disso o cangaceiro
Agiu de forma pesada,
Tacou-lhe um punhal ligeiro
Pra matá-lo na calçada,
Mas só pegou de raspão
Que a roupa ficou rasgada.

Também logo o combatente
Da mesma forma mandou
Falou: – Você hoje topa
Do que nunca encontrou
Também meteu-lhe o punhal,
Mas Lampião se desviou.

O capitão com rapidez
Usou de forma mais dura
E disse: – Esse camponês
Parece ter uma pintura,
Mas eu mato esse infeliz
E mando pra sepultura.

E atacando novamente
Lampião lhe atingiu
Seu punhal passou rasgando
Que chega o sangue subiu
Tristemente o Zé do Aço
Deu um tropeço e caiu.

De repente os cangaceiros
Começaram a gritar
Um dizia: – ele já era
O capitão vai matar
Foi aí que Lampião
Avançou para sangrar.

Mas o Zé mesmo ferido
Escapou daquela ação
E dando um grito mortal
Subiu de punhal na mão
Lampião bateu na terra
Que o punhal cravou no chão.

Irritado o cangaceiro
Tentava achar espaço,
Respondeu para o roceiro:
– Tu desfaz desse cangaço,
Mas agora eu saberei
Se tu é mesmo de aço.

E nisso ligeiramente
De sua arma sacou,
Mirando para o rapaz,
Disse: – Agora acabou
Depois arrochou o dedo,
Mas o revolver engasgou.

Abismado, o Zé do Aço
Olhando aquilo sorriu
Sabia que na verdade
A Mão Divina interviu,
Pois nem sequer uma bala
Daquela arma saiu.

Enquanto isso Lampião
De raiva quase morreu
Falou: – Essa munição
Nunca fez vergonha a eu,
Se não foi coisa do cão,
Foi bala que se venceu.

Pois de novo apontou
Outra arma para o Zé
Sofrendo aquilo de novo
O homem ficou de pé
E o bicho novamente,
Só batendo o catolé.

Lampião naquele instante
Disse: – Tu não me escapa,
Político tiro na tora,
Macaco mato é de tapa
E bruxo eu levo comigo
Na ponta da minha faca.

Já que passaste no teste,
Tu darás um cangaceiro,
Um macumbeiro valente
Vale mais do que dinheiro,
Depois, serás um bandido
Falado no mundo inteiro.

Zé do Aço respondeu
Sua idéia é ruim,
Além da pouca bondade
Também ofende a mim,
Pois nunca fui vagabundo
Para seguir gente assim.

O capitão retrucou:
Só tendo tomado pinga
Por causa da teimosia
Vou torar tua mandinga
E arrastar nesse cavalo
Até chegar na caatinga.

Ele porém respondeu:
Nunca bebi nem licor
O fato é que na verdade
Você não sabe quem sou
Lampião disse: – É o diabo
Que Satanás enviou.

Zé de repente falou:
– Meu nome trás um poder,
Sou Zé do Aço da Glória,
Osso duro de roer
Trago uma força divina
Que ninguém pode vencer.

Pois assim continuou
Traduzindo com beleza
A glória vem do Senhor,
O aço da Natureza
E Zé do pai de Jesus
Que tem a maior riqueza.

O cangaceiro valente
Diante dele parou,
Reconheceu no momento
Que algo errado topou,
Pois vendo o que nunca viu
Tristemente recuou.

Dali tratou de fugir
Correndo muito veloz
Se sumiu dentro do mato
Que nem um bicho feroz
Porque daquele sujeito
Odiava até a voz.

Enquanto isso Zé do Aço,
Ali, ficava contente
Foi um cidadão criado
Num regime inteligente,
Pois nunca abriu sua boca
Pra dizer que era valente.

Dos tempos de Lampião
Lembro um passado real
Ainda tem cangaceiros
Em quase todo local
E muitos estão desfilando
Nas barbas do pessoal.

Assim termino o confronto
Duma história de ficção,
Envolvendo dois gigantes:
Zé do Aço e Lampião,
Um, cangaceiro real,
Outro, da imaginação.

 


Literatura de Cordel quarta, 17 de junho de 2020

A SAGA DO SABUGO (CORDEL DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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A SAGA DO SABUGO

Dalinha Catunda

 

 

Meu caro amigo quem acha,
Que o sabugo é o vilão.
Nunca correu paro o mato,
Bem cheio de precisão.
Depois do serviço feito
É que da fé o sujeito
Que faltou papel a mão.
.
Um sabuguinho perdido,
No meio do milharal,
É a salvação da lavoura
E até que não pega mal.
Quem é que vai recusar,
De com ele se limpar
Sem outra escolha afinal?
.
Não fiquem de boca aberta.
Nem pensem que é novidade.
Pois ele era apreciado,
Nos campos e na cidade.
Passou na bunda de gente
Que posava de decente,
Da alta sociedade.
.
O sabugo, meu amigo
Já foi de grande valia.
Bunda de ricos e pobres,
Muitas vezes acudia.
Mas o povo é bem cruel
Agora que tem papel,
O sabugo repudia.
.
Nos velhos tempos foi tido
Como a melhor solução.
E limpa, coça e penteia,
Dizia a população.
Que nos tempos das refregas
Já andou limpando as pregas,
Sabugo era a salvação
*
Versos de Dalinha Catunda
Foto da página enquanto isso em Goias


Literatura de Cordel quarta, 10 de junho de 2020

MINISTRO SEM MINISTÉRIO (CORDEL DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

Cordel e atualidades

 
Foto: FolhaOnLine
 

DEPOIS DA PREFEITURA SEM PREFEITO, O MINISTRO SEM MINISTÉRIO
Macos Mairton

 

Vejam como são as coincidências da vida. Mal acabei de postar a poesia PREFEITURA SEM PREFEITO, de Patativa do Assaré, logo me aparece um ministro sem Ministério. O jeito foi transformar isso em verso:

 

MINISTRO SEM MINISTÉRIO

Patativa um dia viu,
Mas não ficou satisfeito,
Prefeitura sem prefeito,
E seu protesto emitiu.
Mas, hoje, em nosso Brasil,
Acontece outro mistério,
Que talvez seja mais sério,
Ou talvez até mais triste,
Descobri que agora existe
Ministro sem ministério.

“Por não ter literatura”,
Patativa já dizia,
Não saber se existia
Prefeito sem prefeitura.
Nem eu, com minha cultura,
E anos de magistério
Conheci tal despautério
Que agora fiquei sabendo,
De em Brasília estar havendo
Ministro sem ministério.

O Ministério, em verdade,
Era uma Secretaria
Mas o Senado iria,
Mudar a realidade:
Extinguiu a entidade
Mandou para o cemitério.
Como efeito deletério
Pro Secretário-Ministro
Esse título sinistro:
Ministro sem ministério.

Assim como Patativa
Não vou mais me admirar
Se acaso eu encontrar
Alguma defunta viva,
Uma boca sem gengiva,
Satanás num monastério,
Carnaval no necrotério,
Macaco guiando trem,
Pois no Brasil sei que tem
Ministro sem Ministério.
 
 

 comentários:

  1. mo faço pra postar um cordel neste site???obg.
    michelleassistente@hotmail.com

    Responder
     
     
  2. Foi com Mairton e Patativa
    Que eu comecei a acreditar
    Prefeito pode roubar
    Padre com filho na vida
    Presidente faz quadrilha
    Professor sem magistério
    Quem goste de necrotério
    Ladrão não se recupera
    Cirurgião que pouco opera
    Ministro sem Ministério.

 

Literatura de Cordel segunda, 08 de junho de 2020

O GALO DA DALINHA (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

APRESENTAÇÃO
*
Este trabalho foi feito
Com sutileza e magia
A inclusão graciosa
Da brincadeira sadia
Cumprimos todas as metas
Deus só permite aos poetas
Brincar com a poesia.
*
Parabenizo a Dalinha
Pela iniciativa
E a todos que fizeram
Parte desta comitiva
Com o astral lá em cima
Brincamos com métrica e rima
Ficou bela a narrativa.
Luciano Carneiro
(Da Academia dos Cordelistas do Crato)
*
O GALO DE DALINHA
1
Lá em casa tinha um galo
Que era a figura do cão
Por ser um galo tarado
Não faltava animação
Bagunçou o galinheiro
Provocou grande salseiro
Fez a maior confusão
Dalinha Catunda.
2
Eu me criei no sertão
Vendo mãe deitar galinha
Galo subir no poleiro
Todo dia à tardezinha
Vi muito macho danado
Mas não vi galo tarado
Como o galo de Dalinha
(Aldemá de Morais)
3
Aldemá este meu galo
É galo de estimação
Foi presente do meu pai,
Que arrematou num leilão
Mas já fez tanta marmota,
Deixou galinha cambota
Não dispensou nem capão.
(Dalinha Catunda)
4
No terreiro de vovó
Lembro era só o que tinha
Pedrês, suru, indiano
Pato peru e galinha
Até frango delicado
Só não vi galo tarado
Feito o galo de Dalinha
(Josenir Lacerda)
5
Josenir se esse meu galo
Visse toda esta fartura
Sua querida vovó
Certamente ia a loucura
Pois meu galo esfomeado
Para não deixar de lado
Papou até saracura.
(Dalinha Catunda)
6
Sou da família dos Pinto
Onde reina só pintinha,
Não tem galo sem vergonha
Correndo atrás de galinha
Nem arruaçando os Pinto
Nesta peleja não minto
Como o galo da Dalinha
(Rosário Pinto)
7
Meu galo você não come,
E nem dele faz pirão.
Seu pinto pode socar
Ou levar pro maranhão.
Mas deixe suas pintinhas
E se puder as galinhas
Para meu galo pimpão.
Dalinha Catunda
8
Em minha casa apareceu
Um galo muito catito
Minha galinha comeu
E papou meu periquito
E ele falou: Bastinha
Sou o galo de Dalinha
como tudo cru ou frito!
Bastinha Job
9
Ô Bastinha, este meu galo
Só tendo pauta com cão,
Papar o seu periquito!
Que desconsideração,
Mas eu soube que a galinha
Se rebolava todinha
Querendo repetição.
Dalinha Catunda
10
Eu tinha uma pinta sura
que mandava no terreiro
a bicha tinha esporão
que assustava o galinheiro
deu tanta surra em galinha
que o galo de Dalinha
baixou a crista ligeiro.
Anilda Figueiredo
11
Meu galo baixou a crista,
Quando viu o esporão,
Porque a sura de Anilda
Deve ter até culhão!
E tirou o seu da reta
E dando uma de atleta,
Correu mais do que ladrão.
Dalinha Catunda
12
Galo que é galo não voa
Pra não perder a festinha
Papando lá no terreiro
Galinha e franga novinha
O dono da casa aposta
Não há galinha composta
Vendo o galo de Dalinha.
Gildemar Ponte.
13
Gildemar este meu galo,
É cheio de presepada,
Pegou a galinha pedrês
Debaixo de uma latada
E uma galinha amarela
Teve que ir pra panela,
Pois ficou escambichada
Dalinha Catunda
14
De grão em grão o meu galo
Visita cada poleiro
Come quieto de mansinho
É um Dom Juan fuleiro
Feito o galo de Dalinha
Ele sempre perde a linha
Quando o assunto é galinheiro
(Ulisses Germano)
15
Este teu galo quietinho
Este teu Dom Juan fuleiro
Que anda comendo calado
O que vê no galinheiro
Digo sem medo de errar
Tu mandaste encomendar
No triângulo mineiro.
(Dalinha Catunda)
16
Eu tinha um frango bonito
Foi presente da vizinha,
Competia com o galo
namorando a Pintadinha,
mas meu frango arrupiado
nunca foi assim tarado
como o galo da Dalinha.
(Nezite Alencar)
17
No terreiro do meu galo
Não tinha competição
O bicho nunca cansava
E nem perdia o tesão
Confesso que vi, Nezite,
Ele cheio de apetite
Traçando um belo pavão.
(Dalinha Catunda)
18
A minha vó tinha um galo
pior que galo guerrinha;
traçava perua e pata,
capota e até rolinha,
nada pôde lhe parar
só não conseguiu traçar
foi o galo da Dalinha.
(Raul Poeta)
19
Este teu galo Raul,
Que gosta d’uma rolinha
Me deixou preocupada.
Acho que ele é mariquinha
Lamento ser tão cruel,
Mas ele queima o anel
E não encara uma rinha.
Dalinha Catunda
20
Ouvi dizer duma franga
Pedrês, toda arrumadinha,
Que não quer se transformar
Jamais em uma galinha
Com ela só vai casando.
Diz que tá quase noivando
Com o galo de Dalinha.
( Williana Brito Matos)
21
Esta franguinha romântica,
Que vive em vão a sonhar
Vai ficar no caritó
E nunca vai se casar
Pois meu galo é vacinado
Não casa nem amarrado
Eu posso lhe assegurar
(Dalinha Catunda)
22
Também vou contar um "causo"
lá dos fundos da cozinha
de um galo do meu terreiro
com ciúme da galinha
tarado e muito valente
que corria atrás da gente
parecendo o de Dalinha
(Rosário Lustosa)
23
Querida amiga Rosário
Este galo ciumento
Pra você deve ter sido
Causa de grande tormento
Com o meu galo tarado
Eu já tenho é rebolado
Para ter discernimento.
Dalinha Catunda
24
Este galo de Dalinha
Come tudo que tem pena
Pato, capote, galinha
E periquita pequena
É um grande “pegador”
Come até espanador
Se entrar no seu esquema
João Nicodemos
25
Este galo aprontou tanto
Aprontou mesmo de fato
Aprendeu até nadar
Só para papar um pato
Andou afogando o ganso
Ao peru não deu descanso
Mas o meu galo não mato.
Dalinha Catunda
26
A Dalinha tem um galo
Ele é fogoso e matreiro
Fica sempre na espreita
Bem de baixo do poleiro
É, as galinhas descendo
E o bicho lhe vencendo
Na vara do marmeleiro.
(Ivamberto Albuquerque)
27
Ivamberto este meu galo,
Desce a ripa nas galinhas.
Tanto pega as bem cevadas
Como pega as bem magrinhas
Gosta de vadiação
Jamais perde seu tesão
E dispensa as camisinhas.
(Dalinha Catunda)
28
Amigos esse meu galo
Sempre bem fora da linha
Juntou todos meus amigos
E todos na mesma rinha
Achei que a briga foi boa
Cada um com sua loa,
Para o galo da Dalinha.
Dalinha Catunda


Literatura de Cordel quarta, 03 de junho de 2020

MIGALHAS EM CORDEL (FOLHETO DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 
 
MIGALHAS EM CORDEL
Marcos Mairton


No dicionário está dito
que “migalhas” são apenas
uns pedacinhos de nada,
umas porções bem pequenas,
de biscoito, bolo ou pão
que às vezes caem no chão
e até no prato da gente,
Mas, é bom não esquecer
que a palavra pode ter
sentido bem diferente.

Pois “Migalhas” pode ser
um nome próprio também.
Assim, como “M” maiúsculo
já se sabe muito bem,
que “Migalhas” tem a forma
de um clipping, que informa
as novidades jurídicas,
doutrina, jurisprudência,
novas leis da previdência,
e até questões políticas.

Já deu para perceber,
que agora estou falando
do Migalhas que está sempre
Na Internet circulando,
divulgando informações,
eventos, opiniões
e fatos relacionados
à Justiça e ao Direito,
pois o Migalhas foi feito
para e por advogados.

No tempo em que o Migalhas
começou a circular,
era apenas um e-mail
que visava aglutinar
assuntos selecionados
por alguns advogados,
como temas principais
sobre a advocacia,
questões do seu dia-a-dia,
uma ou outra coisa mais.

Era um grupo bem pequeno
que então participava,
colhendo as informações
que depois compartilhava.
Mas, logo o grupo crescia,
e, assim, a cada dia,
Migalhas foi se tornando
mais e mais reconhecido,
sendo cada vez mais lido,
também se aperfeiçoando.

Aqueles poucos amigos
de repente eram milhares,
e estavam localizados
nos mais diversos lugares.
Mas, mantendo a sintonia
que desde o começo havia
entre aqueles companheiros,
quando se comunicavam
entre si já se chamavam
de colegas Migalheiros.

E, com tantos Migalheiros,
nessa união virtual,
foi tomada a decisão
de se criar um portal.
A decisão arrojada
foi depressa implementada,
sem se deixar pra depois,
com tudo bem planejado,
o Portal era criado
no ano 2002.

Um ponto muito importante
a favor do Migalheiro
é que, para ter Migalhas,
não é preciso dinheiro.
Porque os Fomentadores
e os seus Apoiadores
trabalham com o intuito
de a todos proporcionar
o Migalhas circular
como sempre foi: gratuito.

Hoje em dia, o Migalhas
tomou uma proporção
que nem mesmo o Migalheiro
de mais imaginação
chegaria a prever
que poderia crescer
a ponto de se tornar
tão rico e tão variado
que é raro o advogado
que não quer participar.

No Portal se oferecem
Migalhas Amanhecidas,
As Migalhas dos Leitores,
e as questões mais debatidas.
As Migalhas nacionais
e as internacionais,
Direito e Economia,
mudanças nos Tribunais,
e as decisões principais
prolatadas em um dia.

Um capítulo à parte,
as colunas do Migalhas:
Lauda Legal, Porandubas
Migalaw, Civilizalhas,
Espanhol e Latinório,
Os legais do escritório,
ABC do CDC.
Na real, as Marizalhas
e também Gramatigalhas,
só não gosta quem não lê.

Tem o dr. Pintassilgo
voando pelo Brasil,
pra mostrar aos Migalheiros
as coisas que ele já viu.
Tem muitas Migalhas Quentes,
busca de correspondentes
e mercado de trabalho
eventos e promoções,
tantas outras atrações
que eu quase me atrapalho.

Apesar do crescimento,
Migalhas nunca deixou
o atributo inicial
que o popularizou:
de os assuntos abordados
serem sempre apresentados
em trechos curtos, pequenos,
dando informações reais,
e evitando falar mais
se é possível falar menos.

Foi esse jeito, aliás,
peculiar de escrever,
bem sucinto, bem direto
naquilo que quer dizer,
e em trechos bem curtinhos,
falando aos pedacinhos,
sem acúmulo de tralhas,
que serviu de inspiração
para a publicação
ter o nome de Migalhas.

Talvez o Migalhas tenha
tanta popularidade,
exatamente por causa
da sua simplicidade.
Direto e objetivo,
tornou-se um informativo
dos mais lidos que se viu.
E, pelo que vem fazendo,
vai continuar cescendo
dentro e fora do Brasil.


Literatura de Cordel quarta, 27 de maio de 2020

MEU VESTIDO DE SÃO JOÃO (CORDEL DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

MEU VESTIDO DE SÃO JOÃO

Dalinha Catunda

 

Foi Mexendo em meus guardados

E fazendo arrumação

Que encontrei embrulhado

Meu vestido de São João

Um vestidinho singelo.

Mas eu considero belo

E logo voltei ao sertão.

*

Eu sinto tanta saudade,

Das velhas festas juninas

Onde eu era bem feliz

Junto com outras meninas

Ensaiando nossas danças

Organizando as festanças

Tipicamente nordestinas.

*

Vestia-me de matuta,

Com meu vestido de chita

Nos cabelos duas tranças

Nas tranças laço de fita.

De palha era meu chapéu

E eu me sentia no céu,

Não conhecia desdita.

*

O fogo unia famílias

Fogueira era tradição

O casamento matuto

Não faltava no são João

E o bom forró que rolava

Quando a gente rebolava

Era do rei do Baião.

*

Hoje tudo esta mudado

Veio a modernização,

Acabando com os costumes

Do nosso agreste sertão.

Acabando com a folia,

E com a nossa alegria

Enterrando a tradição.

 


Literatura de Cordel quarta, 20 de maio de 2020

GRAVIDEZ PRECOCE (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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1
Que tudo tem o seu tempo
Eu não posso discordar
As vezes nós temos pressa
Mas só por ignorar
Que sofremos consequência
Quando na adolescência
Não paramos pra pensar.
2
O certo é que precisamos
Ter uma orientação
Porém jovem não aceita
De pai de mãe o sermão
Por não querer escutar
Acaba enfim por pagar
O preço da transgressão.
3
Nós somos donas do mundo
No auge da mocidade
Audazes e corajosas
Com a força da pouca idade
Voamos sem ter noção
Sem consultar a razão
Pois é nossa a liberdade.
4
E é nessa ingenuidade
Ignorância talvez
Que inadvertidamente
Chegamos a gravidez
Onde a vida se complica
O corpo se modifica
Perdemos a solidez.
5
Uma gravidez precoce
Com certeza altera a vida
E quando a barriga cresce
Você se sente perdida
E nem sempre é apoiada
Achando-se desprezada
Chora então desiludida.
6
As vezes quem faz o filho
Não toma a paternidade
Muitas vezes por ser jovem
Sem responsabilidade
Faz um filho sem querer
Numa transa por prazer
Só pra matar a vontade.
7
Se não pensamos em nós
Imagine no inocente
Esse chegará ao mundo
Por uma ação imprudente
Qual será nossa esperança
Se apenas somos criança
Brincando de fazer gente.
8
A família estruturada
Resolve a situação
Acaba dando seu jeito
Achando uma solução
E mesmo contrariada
Começa nova jornada
E a filha oferece a mão.
9
Mas quem vive na pobreza
O que poderá fazer?
Vendo o dinheiro minguado
Vendo a família crescer
Sendo sobrecarregada
Gravidez indesejada
Faz muita gente sofrer.
10
E por falta de noção,
Comete-se desatino
Então escolhe abortar
Para mudar o destino
Morre a menina-mulher
Que faz em lugar qualquer
Um aborto clandestino.
11
E quando é pouca a idade
É bem menor a noção
Dos perigos que se corre
Vivendo uma relação
Prevenir-se, nem pensar
A pedida é se entregar
Inteiramente a paixão.
12
É bem claro que a mulher
Filhos sozinha não faz
Entretanto ao conceber
A cria no ventre traz
São nove meses de luta
Para encarar a labuta
A adolescente é capaz?
13
Se a gente pensasse bem
E tivesse consciência
Se não pulasse as etapas
E tivesse paciência
Usando de sensatez
Evitava a gravidez
Pra viver a adolescência.
14
hoje em dia penso assim
Porque falo no presente
Entretanto quando jovem
Pensava bem diferente
A minha vida mudou
Quando a gravidez chegou
No meu mundo adolescente.
15
Minha mãe sempre dizia
E eu custei acreditar
Quando a cabeça não pensa
O corpo é quem vai pagar
E a ela só dei razão
Quando me senti no chão
Tentando me levantar.
16
Eu que era dona do mundo
Perdi família e meu lar.
No colégio eu estudava
Lá não pude mais ficar
E não vi ninguém ter dó
No fundo eu fiquei foi só
Foi difícil encarar.
17
Meu pai me expulsou de casa
Era um pai conservador
Do filho que acabei tendo
Ele foi o protetor
Registrou na certidão
Como sendo meu irmão
Sem que eu pudesse me opor.
18
Menina do interior
Fiquei logo mal falada
No colégio o diretor
Proibiu a minha entrada
Ovelha negra eu era
Mau exemplo pra galera
Por todos fui detonada.
19
Sem jeito virei vidraça
E foi nessa ocasião
Que deixei minha cidade
Pois era grande a pressão
Ouvindo o povo dizer
Que eu iria me perder
Distante do meu sertão.
20
Vim pro Rio de Janeiro
Só pensando em trabalhar
Morei em vaga, em quarto,
Não cheguei fome passar
Porém não passava bem
Mas consegui ir além
Sem ter que me desgraçar.
21
Hoje já não precisamos
Repetir a situação
Nas mídias atualmente
Nós temos informação
Para nos orientar
Conseguimos dialogar
Com os pais sem restrição.
22
A tal liberdade agora
É maior que antigamente
O jovem tem seus direitos
E disso ele está ciente
Mas pra falar a verdade
Só ganha maturidade
Com tempo naturalmente.
23
Por isso digo e repito
Que é preciso orientar
O sexo na adolescência
Fica difícil evitar
E a responsabilidade
Independente de idade
Sempre se deve adotar.
24
Se eu soubesse o que hoje sei
Diria sem timidez
Que tudo tem o seu tempo
E que tudo tem sua vez
Diria com consciência
Primeiro a adolescência
Só depois a gravidez.


Literatura de Cordel quarta, 13 de maio de 2020

ME LASQUEI COM CHICO CUNHA (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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ME LASQUEI COM CHICO CUNHA

Peleja de Dalinha Catunda e Hélio Crisanto

 

1
HÉLIO CRISANTO
Esse tal de chico cunha
Me deixou todo biqueiro
A boca sem paladar
Amarga que só pereiro
No corpo uma comichão
Parece até meu irmão
Que dormi num formigueiro.
2
DALINHA CATUNDA
O meu fastio foi grande
Confesso perdi a fome
A virose que eu tive
Não me disseram o nome
Só sei que eu me maldizia
A dor no corpo explodia
Dor grande que nunca some.
3
HÉLIO CRISSANTO
Não tem remédio que dome
A dor dessa quebradeira
Essa tal de dipirona
Já tomei de mamadeira
Minha amiga eu tenho dito
O ferrão desse mosquito
Vem me dando uma canseira.
4
DALINHA CATUNDA
Parece uma brincadeira
Mas não tem quem aguente
Evite essa picadura
Para não ficar doente
O ferrão desse mosquito
È de fato esquisito
Pode até matar a gente.
5
HÉLIO CRISANTO
A gente fica impotente
Sem animação pra nada
O mocotó fica inchado
Nossa unha avermelhada
Amiga é grande a seqüela
Parece a febre amarela
Maltratando na calada.
6
DALINHA CATUNDA
Eu fiquei foi acamada
Com um peso na corcunda
A dor se alastrou no corpo
Nunca vi dor mais profunda
Era uma dor infeliz
Subindo pelos quadris
Pegando o rego da bunda.
7
HÉLIO CRISANTO
A cada dia me afunda
Comadre é grande o castigo
Fazer esforço eu não posso
Se sair corro perigo
Já tive doença ruim
Mas o diabo do “chiquim”
Com essa peste eu me intrigo.
8
DALINHA CATUNDA
Uma coisa digo amigo
Foi bem grande a desgraceira
Deu vômito e febre alta
Me acabei na Caganeira
Foi pior do que supunha,
Se foi mesmo Chico Cunha
Não gostei da brincadeira.
9
HÉLIO CRISANTO
Já vive muita tranqueira...
Enxaqueca e bucho inchado
Arroto choco e sarampo
Já fiquei empanzinado
Já me lasquei na manguaça
Mas perante essa desgraça
Nada disso é comparado
10
DALINHA CATUNDA
Eu pensei num resfriado
Quando a virose chegou
Tomei chá de tanto pau
Nem picão roxo curou
Fiz chá de folha e raiz
Tomava e pedia bis
Mas a peste me arriou.
11
HÉLIO CRISANTO
Minha perna fraquejou
No caminho do banheiro
Bateu-me um suor no rosto
Me atacou um banzeiro
Quando me vi no espelho
Meu olho estava vermelho
Parecendo um maconheiro
12
DALINHA CATUNDA
Meu poeta companheiro
Debaixo do meu sovaco
Termômetro de plantão
Já fazia até buraco
Pra destapar meu nariz
Tive a ideia infeliz
Que foi de cheirar tabaco.
13
HÉLIO CRISANTO
Quase eu ia pro buraco
Poetisa me acredite
As juntas todas doidas
Me deu até faringite
Pra me livrar desse tédio
Se tiver algum remédio
Me dê ai um palpite.
14
DALINHA CATUNDA
Se o colega permite!
Pegue caneta e papel
Pegue veneno de cobra,
Jararaca ou cascavel
Pegue abelha italiana
Misture tudo com cana
E bote um pouco de mel.
15
HELIO CRISANTO
É vitamina a granel
“brigado” por sentir dó
Roguei por todos os santos
Pra desmanchar esse nó
Se não servir como arma
Pra me livrar desse carma
Vou fazer um catimbó.
16
DALINHA CATUNDA
Eu já fiz chá de jiló
Já fiz despacho em macumba
E já fui orar num culto
Com medo de ir pra tumba
Só falta fazer vodu
E rezar o sobrecu
Pra sair desta quizumba.
17
HÉLIO CRISANTO
Já tomei chá de zabumba
Mas nada de resultado
Chá de limão, alcachofra
Tomei anil estrelado
Se me dirijo pra mesa
Me ataca aquela fraqueza
Com o corpo debilitado
18
DALINHA CATUNDA
*
Poeta meu estado
É de mulher abatida
Minha calça anda folgada
A bunda ficou batida
A roupa está toda frouxa
Se eu tivesse uma trouxa
A bicha tava caída.
19
HÉLIO CRISANTO
Dessa doença bandida
Nunca mais quero provar
Não desejo pra ninguém
Essa mazela pegar
A mulher é testemunha
Que esse tal de Chico Cunha
Veio pra me arrebentar.
20
DALINHA CATUNDA
Eu só sei lhe reportar
Que sofri com essa doença
Dos trabalhos que eu fazia
Tive que pedir licença
Foi grande a agonia
Que eu passei a cada dia
Cumprindo essa sentença.
21
HÉLIO CRISANTO
Me vali de toda crença
Pra me livrar dessa inhaca
Sem poder dormir direito
Me levanto de ressaca
Tremendo o queixo de frio
Penso que estou por um fio
Nas mãos dessa urucubaca.
22
DALINHA CATUNDA
Eu fiquei com a macaca
Desmaiei mas não morri
Vela na mão eu levei
Me disseram mas não vi
Um Chico Cunha qualquer
Nunca mata essa mulher
Da boca do padre ouvi.
23
HÉLIO CRISANTO
Mas valente eu resisti
Depois da grande perrela
Me sinto revigorado
Mesmo ficando seqüela
Pra recuperar os danos
Daqui pra setenta anos
Não desejo essa mazela
24
DALINHA CATUNDA
*
Dois poetas sem tramela
Abusaram da mumunha
Pra falar duma virose
Que até já ganhou alcunha
Chikungunya é seu nome
Seu popular codinome
No nordeste é Chico Cunha.
*
Peleja virtual sobre a tal Chikungunya (Chico Cunha)
Com Dalinha Catunda e Hélio Crisanto


Literatura de Cordel quarta, 06 de maio de 2020

UM CANTO PARA MORAES MOREIRA (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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UM CANTO PARA MORAES MOREIRA

Dalinha Catunda

 

Lembro quando ele chegou

Trazendo sua alegria

Num canto guardou seu canto

Para mostrar neste dia

Não a voz de um cantor

Os versos do cantador

Do interior da Bahia.

*

O seu sucesso na música

Todos ouviram falar

Um cantor bem sucedido

Compositor popular

Com suas belas canções

Embalou os corações

E fez o Brasil cantar.

*

Inovador como sempre

Esse genial artista

Burilando cada verso

Tornou-se então cordelista

Na ABLC Moreira

Ocupou uma cadeira

E fez jus a essa conquista.

*

O grande Moraes Moreira

Escreveu bonita história

É de fato um imortal

Confirma sua trajetória

Sem tempo para um adeus

Foi para o reino de Deus

Mas ficará na memória.


Literatura de Cordel domingo, 03 de maio de 2020

QUANDO EU IA ELE VOLTAVA, QUANDO EU VOLTAVA ELE IA (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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Quando eu ia ele voltava,
Quando eu voltava ele ia
1
Invejando Luciano,
O Carneiro do cordel.
Peguei firme no pincel,
Também fui pondo no plano
Um rojão pernambucano
Do jeitinho que eu queria.
O verso simples surgia
E com ele eu me encantava
Quando eu ia ele voltava,
Quando eu voltava ele ia.
2
Eu conto neste rojão
Uma história singular
De quem gosta de dançar
Mas em certa ocasião
Quase que caiu no chão
Servindo de zombaria,
Pois dançar bem não sabia
Aquele que me arrastava
Quando eu ia ele voltava,
Quando eu voltava ele ia.
3
Quando grudei no sujeito
Ô sujeitinho atrevido!
Além de muito enxerido
Não rebolava direito.
Vi que não era perfeito
O jeito que se movia
Sua bunda remexia
E o passo não acertava
Quando eu ia ele voltava
Quando eu voltava ele ia.
4
Ouvindo um belo xaxado
O sujeito se animou
Olha que ele xaxou!
E no tal sapateado,
Mas parecia um viado,
Inventando estripulia,
Quase dei uma agonia
Pois enraivecida estava.
Quando eu ia ele voltava
Quando eu voltava ele ia.
5
Quando tocaram um xote,
Eu fiquei bem animada
Dei logo uma requebrada
E fui dançar no pinote,
Mas fungar em meu cangote
Era o que o macho queria
Cansada da putaria
Nos pés dele eu pisava
Quando eu ia ele voltava
Quando eu voltava ele ia.
6
Resolveu dançar bolero,
E bolero eu sei dançar,
O rosto em mim quis colar
Porém eu disse: não quero!
Afastei, pois não tolero,
Esta falsa fantasia
Ele nem me conhecia
E pra chincha me chamava
Quando eu ia ele voltava,
Quando eu voltava ele ia.
7
Assim foi a noite inteira
Nesse chamego sem graça
E quase acaba em desgraça
Pois não sou de brincadeira.
Ele caiu na besteira,
E tirar sarro queria,
Sua perna ele metia
Mas a minha eu tirava
Quando eu ia ele voltava
Quando eu voltava ele ia.
8
Ele tentou me beijar
Mas ficou na intenção.
Na cara meti-lhe a mão
Ele não quis retrucar.
Do tapa tentou escapar,
Mas fugir não conseguia,
Porque quando ele corria
Novamente eu atacava
Quando eu ia ele voltava
Quando eu voltava ele ia.
9
Assim foi a noite inteira
Nesta besta arrumação
Eu sempre dizendo não
E ele fazendo besteira,
Me cansei da brincadeira
Mas ele ainda queria
Tentei uma pontaria
Porém meu joelho errava
Quando eu ia ele voltava
Quando eu voltava ele ia.
10
Eu acerto este sujeito,
Ou não me chamo Dalinha!
Ele vai dançar na linha,
Vai ter que dançar direito,
Nele vou dar o meu jeito
Porém nada me ocorria
Sorrindo com ironia
O danado se esbaldava
Quando eu ia ele voltava
Quando eu voltava ele ia.
11
Atacado de loucura
O cabra apressou o passo
Eu fui perdendo o compasso
E também a compostura,
Eu já sentia tontura
E tudo rodando eu via
O meu vestido subia
Eu tonta já nem ligava
Quando eu ia ele voltava,
Quando eu voltava ele ia.
12
Paquerando distraiu,
E escorregou de verdade
Pra minha felicidade
Foi só ele quem caiu
Gritei: puta que pariu!
Mas ele não reagia
O povo todo acudia
E ele em mim se escorava
Quando eu ia ele voltava
Quando eu voltava ele ia.
13
A noite não se acabava
Eu disse o pau vai comer
Homem pare de beber,
Mas ele não me escutava,
E dançando bagunçava
Surra ele mesmo pedia,
Mas enquanto o pau comia
Do recinto eu escapava
Quando eu ia ele voltava,
Quando eu voltava ele ia.
14
Ele apanhou de montão
Mas não apanhou calado
Xingou muito o delegado,
Valeu-se do palavrão
Mesmo amarrado no chão
Mostrava sua valentia
Vingança ele prometia,
E eu com medo me afastava
Quando eu ia ele voltava,
Quando eu voltava ele ia.
15
Este episódio que conto,
Nos moldes da cantoria
É canto só de Maria,
Que não implora desconto,
E vai aumentando um ponto
No canto da poesia
Tocar viola eu queria!
Mas a mão não me ajudava
Quando eu ia ele voltava,
Quando eu voltava ele ia.
16
Diante deste combate
Não vou dizer que ganhei,
Acho mesmo que dancei
Neste tal bate e rebate.
Mas se tratando de arte,
Eu não renego a magia
Vendo o rojão que explodia
Bem feliz eu me encantava
Quando eu ia ele voltava,
Quando eu voltava ele ia.


Literatura de Cordel quarta, 29 de abril de 2020

CUSCUZ (FOLHETO DE DE JOÃO ARAÚJO - DECLAMAÇÃO)

 

 


Literatura de Cordel sexta, 24 de abril de 2020

A MULHER NA LINHA DO CORDEL (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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A MULHER NA LINHA DO CORDEL

Dalinha Catunda

 

1
Ao puxar pela lembrança
E recorrendo a memória
Pego o novelo do tempo
Desenrolo minha história
Sem temer fuso que fere
Adormecendo a vitória.
2
Minha tia me ensinou,
Gostar de literatura
E com isso adquiri
Bastante desenvoltura,
Hoje coso pinto e bordo,
Quando se fala em cultura.
3
Minha avó não foi mulher
De viver só em borralho
Com jeito e com paciência
Tramava belo trabalho,
Do pedaço e da emenda,
Fez a colcha de retalho.
4
Minha mãe foi costureira
E poeta popular,
Feito ela faço versos
E gosto de pontear
Nos versos ou na agulha
Não sou de me atrapalhar.
5
Herdeira deste legado
Não quero desperdiçar,
Seguindo o mesmo modelo
Arte faço ao tracejar,
Ao medir cada detalhe
Na hora de projetar.
6
Já peguei linha e agulha
Pro meu cordel costurar.
E num enredo envolvente
Eu pretendo me embrenhar
Não vou dar ponto sem nó
Pois gosto de arrematar
7
Vou trazer nesta montagem
Um colorido diverso.
Na hora de alinhavar
Vou pegar verso por verso
De retalho em retalho
Montarei este universo.
8
Por trabalhar com fartura
Eu tenho pano pra manga,
Se sobrar um pedacinho,
Aproveito e faço tanga,
Boto dois laços de lado
E os enfeito com miçanga.
9
Aprendi a fazer casa,
Também sei pregar botão,
Eu faço barra de calça,
De saia e combinação,
Na emenda e na costura
Sei fazer Maquinação
10
Se faço verso e fuxico
Não é por necessidade,
São duas tramas diversas
Pra quem tem habilidade
E eu gosto de exercitar
A minha capacidade.
11
Eu Já costurei caipira
Pros festejos de são João,
Para dançar em quadrilha
No meu saudoso sertão,
E tudo era alinhavado
Como manda a tradição.
12
Pra fazer a fantasia
Comprava um corte de chita,
E para enfeitar a roupa,
Era renda, bico e fita,
Na estampa e no babado
Dançava a moça bonita.
13
No pedal da minha máquina,
No balanço do meu pé.
Fiz traje de são Francisco
Pra gente que tinha fé
Sair pagando promessa
Pras bandas do Canindé.
14
Pegando a linha do tempo,
Nos tempos da punição,
Quem vivia em pecado
Pra de Deus ter o perdão
O castigo era mortalha,
Pajra ter sua remissão.
15
E só para não perder
O fio desta meada
Quando a pessoa morria
Era pra ser enterrada
Vestida numa mortalha
Uma veste encomendada.
16
Quando morria a criança,
De anjo era nomeada.
O caixãozinho era azul,
E a vestimenta azulada
Tudo era da cor do céu,
Da cor da nova morada.
17
E no maquinar da vida
As cores tinham função,
Em fantasias e mantos
Davam tom a tradição,
Remontando este passado,
Registro a informação.
18
A minha mãe me contava
Do seu passado animado
Que tinha lá dois partidos:
Era azul e o encarnado
E no tempo das quermesses,
O debate era animado.
19
Cada grupo se vestia
Com cores do seu partido,
Era um combate ferrenho
Porém muito divertido
E o dinheiro arrecadado
Na igreja era investido.
20
E por falar em Igreja,
Em rezas e ladainha,
Cada padre que chegava
Em minha santa terrinha
Em pouco tempo perdia,
A vocação que ele tinha.
21
Eu não sei se era o calor
Da tal terra nordestina
Ou tão-só o velho fogo
Por debaixo da batina
Alterando nos vigários
A sua santa rotina.
22
Casou um e casou dois,
Casou três e casou mais,
Uns apenas namoraram
Só provocando alguns ais,
Já outros tiveram filhos
Sem registro nos anais.
23
Entre as pregas da cortina,
E o franzido do babado
No levantar da batina
O fato era consumado
Era o mesmo que pecava
Dizendo: tá perdoado!
24
Católica e pecadora,
Na igreja fui batizada.
Fiz primeira comunhão
Finalmente fui crismada,
Cada rito uma batinha
Branca, bela e bem bordada.
25
No ziguezague da vida,
Eu já cresci moça arteira,
Esqueci os mandamentos
Logo virei mãe solteira,
Levando sermão do padre
Que pecou e fez besteira.
26
A moral e os bons costumes,
Daquela gente fingida
Que precisava de emenda
E tinha a vida puída
Foi o motivo maior
Da minha triste partida
27
E nos moldes dessa história,
Sagrado e também profano
Dividem a mesma linha
Disputando o mesmo pano
Vão saudando a hipocrisia
A companheira do engano.
28
No recorte das palavras
Fui vestida de poesia
Entrelacei alguns temas
Que devia e não devia
Cada laçada que eu dava
Verdades apreendia.
29
Cada ponto desta história
É conto do meu lugar
Não aumento nem invento,
Não venha me contestar!
O que contei nestes versos
Você cansou de escutar.
30
Andei furando meu dedo
Por não gostar de dedal.
Eu já lambi muita linha,
Garanto que não faz mal
E seguindo o passo a passo
Cheguei ao ponto final
31
Aqui só não costurei
A boca grande do sapo,
Por não querer ser chamada
Língua ferina de trapo,
Quer você goste ou não goste
É verdadeiro meu papo.
32
Esta é mais uma história,
Nos trilhos da minha Linha
Fruto da minha linhagem,
Com meu passado se alinha
E quem assina estes versos,
É simplesmente: DALINHA!
FIM


Literatura de Cordel quarta, 22 de abril de 2020

MEU CHÃO (CORDEL DE JOSÉ HEITOR FONSECA)

 

 

400

POESIA GAUCHESCA

Depois de uns dias parado, Mundo Cordel apresenta hoje poesia popular gaúcha de autoria do visitante JOSÉ HEITOR FONSECA, de Caçapava do Sul-RS. Obrigado, Heitor, sua contribuição é sempre bem vinda.

MEU CHÃO

José Heitor Fonseca

 

 
Sou filho desta querência,
E entre nuvens - Céu azul;
'Ta Caçapava do Sul,
Um pago por excelência,
E a Divina Providência,
Providenciou sem abismo,
Área boa de turismo,
E as paisagens tão bonitas,
O rochedo das Guaritas,
Que serve pra montanhismo.
 

 

Tem a Pedra do Segredo,
Que Deus entregou pra nós,
Onde retumba tua voz,
E até te provoca medo.
Visite de manhã cedo,
Para ver o sol que nasce,
Será Deus beijando a face,
Desta pedra tão gigante?
Senão for, é importante;
Que a linda pedra falasse...
 

 

E com tamanha beleza,
Não existe algum poeta,
Que numa frase correta,
Descreva a mãe natureza.
E assim desculpe a pobreza
Dos versos desse gaudério,
Que sem qualquer revertério,
Faz da rima o próprio lema,
E nela procura um tema,
Que vá desvendar mistério.
 

 

E diante da natureza,
Contemplo um belo cenário,
E sem fazer comentário,
Desfruto desta riqueza;
O ruído da correnteza,
Ali próximo da mata,
É o som que vem da Cascata,
Percorrendo a ribanceira,
E o Forte - nossa trincheira,
Erguido por longa data.
 

 

Forte D. Pedro II,
Assim que foi batizado,
E o batismo confirmado,
Com sentimento profundo,
E talvez não saiba o mundo,
Que sem custar um centavo,
Foi feito por mão de escravo,
Que deram ali sua cota,
Numa época remota,
Por ser nosso povo bravo.
 
E para findar, parceiro,
Quero falar com afã,
Das Minas do Camaquã,
E a Fonte do Conselheiro,
Por ser um bom brasileiro,
Tenho que amar meu torrão,
E trazer no coração,
Esse sentimento nato,
Ó, velha Fonte do Mato,
Água pura do meu chão.

Literatura de Cordel quarta, 15 de abril de 2020

METAS DE FAMÍLIA (FOLHETO DE MARCONI PEREIRA DE ARAÚJO)

 

 





METAS DE FAMÍLIA
Marconi Pereira de Araújo
 

  
Em tempos assim tão modernos
Prevalece o virtual
Aquele mundo distante
Que mais parece irreal
Onde gente não se encontra
Muitas vezes se confronta
E seu tempero é só sal!


(I)

Não sou contra a internet
Nem do atraso defensor
Porém o contato humano
Defenderei com ardor
Vivenciando emoção
Derreto até coração
Ah, isto sim é calor!


(II)

Calor humano, família
É o que me fará refletir
Espero com humildade
Poder tão bem traduzir
Com muita simplicidade
E a mais pura verdade
O meu e o nosso sentir!


(III)

Vou traçar agora metas
Da família com qual sonho
Só não vou falar demais
Pra não ficar enfadonho
A hora é de comunhão
Porém a reflexão
Não fará mal, eu suponho!


(IV)

A Meta 1 é PRESENÇA
No momento precisado
Aquela que mal chega
No seu dia angustiado
Família merece visita
E sei que também se atrita
Falei aqui, tá falado!


(V)


A Meta 2 – MATURIDADE
Compreender diferenças
E perceber que na vida
Preponderam várias crenças
Nem eu nem você se ilude
Bom mesmo é ter atitude
Saber vencer desavenças!


(VI)

Meta 3: COMPARTILHAR
Palavra de fé, de verdade
Que une e que fortalece
Sinônimo: Cumplicidade
Família pra ser feliz
Corta o mal pela raiz
Faz do bem realidade!


(VII)

Meta 4 é AMIZADE
Somente assim faz sentido
Quero sentir realmente
O amor fortalecido
Paz e bem pra todos nós
É coro de uma só voz
É o mundo enfim bem vivido!


(VIII)

A Meta 5, ATENÇÃO
Daquela que só satisfaz
Família assim contagia
E harmoniza muito mais
Torna-se muito envolvente
O sonho que vem em mente
Não é impossível jamais!


(IX)


A Meta 6 é ALEGRIA
Felicidade é só dose
Olhos firmes no horizonte
Mas se beber dá cirrose
Marta Suplicy que o diga
Sem querer causar intriga
Viva, relaxe e goze!


(X)


Meta 7 é DOAÇÃO
Pensar no outro também
Ajudar a quem precisa
Não se trata de vintém
É família dando as mãos
Até amigos irmãos
Que os anjos digam amém!


(XI)

A Meta 8 é CARINHO
Entre cada um de nós
Sogros, filhos, namorados
Cunhados, pais e avós
Sobrinho, neto, bisneto
Amigo nosso de afeto
Terá também vez e voz!


(XII)

A Meta 9, UNIÃO
Laços a serem traçados
Iniciativas e gestos
Firmes, jamais rebuscados
Eu proclamo a comunhão
E falo com os pés no chão
Só assim seremos amados


(XIII)

A Meta 10 é AMOR
Aquele que irradia
Que alimenta nossa alma
Sem traduzir fantasia
Tão somente o mais verdadeiro
Sentimento assim, derradeiro
Que eu jamais esqueceria


(XIV)

Finalizo esta mensagem
Recorrendo ao meu Senhor
Ao Mestre de todo mestre
Eu ofereço uma flor
Que o grande Deus nos perdoe
Que sempre nos abençoe
Que resplandeça o amor!


(XV)

./../...

 O presente cordel objetiva retratar, em 15 estrofes, 10 Metas de Família para 2011, o que faço com muita honra e, sobretudo, humildade.

Literatura de Cordel domingo, 12 de abril de 2020

VIVA A LEITURA (FOLHETO DE JOSENIR LACERDA E DALINHA CATUNDA)

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1.
Vinde musa inspiradora
Pois é chegado o momento
De relatar nesses versos
O que dita o pensamento
E demonstrar gratidão
Lembrando cada lição
Da fonte do ensinamento.
2.
Uma fonte cristalina
Feita de letra e papel
Que tem diversos formatos
Comporta assunto à granel
É suporte no estudo
Pois oferta conteúdo
Quer seja livro ou cordel.
3.
Pois antes das grandes mídias
Entre as quais, televisão
O livro se destacava
Repassando informação
Cada página virada
Era uma história contada
Suprindo a imaginação.
4.
O encanto continua
E não há como negar
Ler um livro na internet
Não é como folhear
Sentir o mesmo na mão
Traz à tona a emoção
No contato singular.
5.
E desde as primeiras letras
O livro é bom timoneiro
Para quem visa crescer
É sinal alvissareiro
Pois ele com sua luz
Para o melhor nos conduz
É trilha, rumo e luzeiro.
6.
Na infância, uma cartilha
Nos ajuda a desbravar
O vasto mundo das letras
Para a mente clarear
E de letrinha em letrinha
Toda criança engatinha
Aprendendo a soletrar.
7.
E assim brota a palavra
Que gera frase e oração
Abre as portas da leitura
E amplia a nossa visão
Quer seja em prosa ou em verso
Clareia o nosso universo
Nos tira da escuridão.
8.
Quem tem um livro na mão
Tem a chave do saber
Cada lição repassada
É um mundo a conhecer
Do doutor ao aprendiz
Quando lê sabe o que diz
E o que se deve fazer.
9.
Nas mãos d'uma professora
O livro serve de guia
Definindo regiões
Se a aula é geografia
Mostrando rios e mares
E os mais diversos lugares
Em lição que contagia.
10.
No momento da pesquisa
O livro vem ajudar
A ele nós recorremos
Para informes encontrar
Seja qual for a temática
De maneira firme e prática
Ele vem assessorar.
11.
Seja na prosa ou no verso
Viajamos na história
Lendo fatos relevantes
Que guardamos na memória
Temas do nosso passado
Que no livro é registrado
Lutas de fracasso e glória.
12.
O livro é bom professor
Pois ensina conjugar
Verbos em todos os tempos
Pra conversa aprimorar
Hoje, passado e futuro
Quem captar com apuro
Aprende a dialogar.
13.
Quem se dedica à leitura
Garante a facilidade
Na hora de escrever
Não sente dificuldade
Quem é assíduo leitor
De ser um bom escritor
Cria a possibilidade.
14.
A leitura rasga o véu
Do olhar retira a venda
Quem tem costume de ler
Abraça encantada lenda
Sendo o livro boa fonte
A leitura vira a ponte
Que um novo mundo desvenda.
15.
E nada como voar
Nessa mágica aventura
Chegar até *Avalon
Sobre as asas da leitura
E com os deuses e fadas
Fazer lúdicas jornadas
Sobrevoando a cultura.
16.
A leitura nos eleva
Ao mais alto patamar
E nos mostra o universo
Sem sairmos do lugar
O livro faz o roteiro
Mesmo com pouco dinheiro
Conseguimos viajar.
17.
A criança deve ser
Logo cedo incentivada
As histórias infantis
Atraem a meninada
Que vendo tanta magia
Mergulham com alegria
Nesta lagoa encantada.
18.
Quem não guardou na lembrança
Histórias de antigamente
Do tempo que os animais
Conversavam feito gente
Sempre tinha alguém que lia
E a criançada sorria
Divertindo-se contente.
19.
O folheto de cordel
É opção de leitura
Pois ele igualmente um livro
É informação e cultura
Singelo na aparência
Porém rico na essência
Oferta a mesma estrutura.
20.
Ele que já foi leitura
Importante no sertão
Rimado e metrificado
Era a maior atração
Em terreiros e calçadas
Histórias lidas, contadas
E ouvidas com atenção.
21.
Hoje o cordel aparece
Com uma nova roupagem
Cada leitura repassa
Uma oportuna mensagem
Nas escolas é chamado
Para levar seu recado
De literária bagagem.
22.
O bom livro quando surge
Já traz sagrada missão
De passar conhecimento
E a luz da compreensão
Na cabeceira ou estante
Os seus préstimos garante
Qual bom guerreiro em ação.
23.
Tudo que a gente quiser
Um bom livro pode ser
Talentoso professor
Para quem quer aprender
Guru, mestre e confidente
Amigo, sócio, parente
Fonte de paz e prazer.
24.
O livro é pois, grande amigo
Sincero, bom, competente
É certo na hora incerta
Traduz o que a gente sente
É mesmo um bom companheiro
Cativante, verdadeiro
Discreto, doce e silente.
25.
Quem deseja competência
E busca sabedoria
Põe no livro de leitura
Seu dever de cada dia
Faz dele um novo horizonte
E busca a sagrada fonte
Que em cada folha se cria.
26.
O livro em silêncio fala
Sem jamais pedir segredo
Porque tudo que ele diz
Transpõe a cerca do medo
Pois vem da inspiração
Da mente e do coração
De quem pensou o enredo.
27.
Na história da cultura
O livro é protagonista
Desempenha o seu papel
Como faz o bom artista
Do cântaro do talento
Derrama o doce alimento
E o leitor assim conquista.
28.
Por mais que a gente fale
Sobre o livro, inda não basta
Seu valor é infinito
Valorosa é sua casta
O livro é aura divina
Que sobre o leitor se inclina
E sutilmente lhe arrasta.
29.
O livro é um grande exemplo
De modéstia e humildade
Embora tão poderoso
Investe em simplicidade
Doa-se no conteúdo
Supre pesquisa e estudo
Sobra em generosidade.
30.
Vamos exaltar o livro
Abraçar forte a leitura
Voar nas plumas douradas
Que envolve a literatura
Mergulhar nesse universo
De ensino, prosa e verso
Pois ler é grande aventura.
31
Assim sendo, nestes versos
Querido livro, obrigada
Por ser seta, foco e luz
Nessa cultural jornada
Clarão no nosso arrebol
Lanterna, lume e farol
No curso da caminhada.
32
Ao livro amigo devemos
Declarar o nosso amor
Cuidar dele com carinho
Ser guardião, seguidor
Divulgar sua nobreza
Seu valor, sua beleza
Ser mesmo um fiel leitor.


Crato, maio 2017


Literatura de Cordel quinta, 09 de abril de 2020

O CANTADOR MALAMADO (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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O CANTADOR MAL AMADO


1
Conheci um cantador
Que se exibia na feira
Das bandas do Ceará
Comedor de macaxeira
Era bem chato o sujeito
Em todos via defeito
Metia mesmo a madeira.
2
Um dia ele me pegou
E deu o maior sermão
Querendo discutir rima
Também metrificação
Escutei a ladainha
Mas a vontade que eu tinha
Era de sentar-lhe a mão.
3
Só ele tinha valor,
Só ele era preparado
Dele era a melhor rima
Em verso metrificado
Gostava de criticar
E chegou mesmo a rasgar
Um cordel lá no mercado,
4
Um vate principiante
Foi lhe mostrar um cordel
Ele rasgou o folheto
Numa atitude cruel
E depois no chão jogou
O cidadão humilhou
Fazendo feio papel
5
Qualquer um aceita crítica
Aceita uma correção
Não se aceita é grosseria
Nem falta de educação
Isso não é competência
Eu chamo incoerência
Essa é minha opinião
6
Descrevo aqui o sujeito
Que parece um caburé
Se sentado é pequeno
Parece menor de pé
A orelha do fulano
É daquelas de abano
Ficam fora do boné.
7
Voz de taquara rachada
Tem o dito repentista
E fanhoso que nem ele
Nunca vi nenhum artista
Pois a voz do infeliz
Sai mesmo é pelo nariz
Mas ele não baixa a crista.
8
Quando está na cantoria
Bota a bandeja no chão
Cada pessoa que chega
Ele faz apelação
E vai pedindo dinheiro
Junto com um companheiro
Cada qual o mais pidão.
9
E o pior de tudo isso
É que ele faz chacota
De quem para pra ouvir
E na bandeja não bota
Dinheiro pro cantador
Que dá o maior valor
Cantar olhando pra nota.
10
Se de mestre a gente chama
Um poeta especial
Ele fica aborrecido
E diz que não é legal
Porque sem ser graduado
Mestre é só apelidado
Sem aval oficial.
11
Sua palavra é arma
Mirando seu semelhante
A língua sempre afiada
Jorra veneno constante
Por isso ele é taxado
De jumento batizado
Por ser muito ignorante.
12
Aqui eu digo e repito
Escutei num bate- papo
Que o birrento cantador
Anda longe de ser guapo
Quando chega num lugar
Diz o povo a cochichar
Lá vem o língua de trapo.
13
O nome do repentista
Para falar a verdade
Eu não sei qual é direito
Com toda sinceridade
Mas chamam Mané Garrote
E foi tocador de xote
Nos tempos da mocidade.
14
O vate Mané Garrote
Antes de ser cantador
Cuidava duma boiada
Era bom aboiador
Vivia tangendo gado
Para um velho potentado
Lá no seu interior.
15
Dizem que Mané Garrote
Era um cara bonachão
Gostava de vaquejada
De festa de apartação
Mas caiu na esparrela
De gostar duma donzela
Que riu da sua paixão.
16
A rapariga era filha
Do famoso fazendeiro
Patrão de Mané Garrote
Pé rapado sem dinheiro
A filha do “coroné”
Nem olhava pra Mané
Que era apenas vaqueiro.
17
E foi daí por diante
Que Mané ficou mudado
Perdeu do rosto o sorriso
Tinha semblante fechado
Largou trabalho e paixão
Ganhou mundo, correu chão
E ficou desaforado
18
Mané queria ser grande
Queria ser cantador
Queria fazer bonito
O sonho era tentador
Deixou de ser boiadeiro
Foi pro Rio de Janeiro
Já sendo improvisador.
19
Aprendeu alguns acordes
Domesticou sua mão
Começou a fazer versos
Na batida do baião
Amaciou a viola
Preparou sua cachola
E abraçou a profissão.
20
Na realidade Mané
Era cabra inteligente
Mesmo com a voz fanhosa
Fez seu nome no repente
Com sua língua afiada
Viola bem afinada
Tocou a vida pra frente
21
Era amado e odiado
O polêmico artista
Que deixou de ser vaqueiro
Resolveu ser repentista
Que abandonou o sertão
Por causa duma paixão
Por uma jovem trocista.
22
Daí vem sua amargura
Daí vem sua rebeldia
A paixão mal resolvida
Tirou dele a alegria
E na voz do cantador
Ouve-se moda de dor
Nas noites de cantoria.
23
É certo que ele cresceu
Até foi reconhecido
Mas se tornou antipático
Pedante e intrometido
Ele tem a pretensão
De ser dono da razão
Isso é notório e sabido
24
Ele quer que o mundo pague
Pela sua desventura
Porém sua ignorância
É pouca gente que atura
Pra com Mané conviver
Certo mesmo é aprender
A ter Jogo de cintura
25
Desse cantador birrento
Essa é a trajetória
Aqui estou repassando
O que guardei na memória
Se é verdadeira ou não
Não tenho confirmação
Mas repassei a história.


Literatura de Cordel quarta, 08 de abril de 2020

MENTIRAS QUE O POVO GOSTA EM ÉPOCA DE ELEIÇÃO (FOLHETO DE ANTONIO BARRETO)

 

 



 
O poeta Antonio Barreto, natural de Santa Bárbara/BA, residente em Salvador, presenteou os leitores do seu blog "A voz do cordel" com um belo cordel sobre eleições. O que é bom a gente tem que espalhar por este Mundo Cordel.
 
MENTIRAS QUE O POVO GOSTA
EM ÉPOCA DE ELEIÇÃO
 

O discurso é sempre igual
Em período de eleição.
O povo segue enganado,
Não esboça reação.
E os políticos brasileiros
Com a mesma falação:
 
— Se você quiser na Câmara
Um político honrado,
Vote certo para mim:
Estarei sempre ao seu lado.
Provarei ao eleitor
Ser um grande Deputado.
 
— Representarei você,
Meu querido eleitor.
No Congresso a minha voz
Será de grande valor.
Não esqueça de honrar
Seu voto pra Senador.
 
— Ninguém melhor do que eu
Para governar o país,
Eu farei do brasileiro
Um povo mais que feliz.
Todos erros do passado
Cortarei pela raiz.
 
— Eu garanto, meus amigos,
Acabar com a pobreza;
No meu governo as pessoas
Vão ter uma farta mesa,
Transformarei o Brasil
Numa pátria de riqueza.”
 
— Se você é um cristão,
Sempre fiel a Jesus,
Confie na minha palavra,
Ao seu voto farei jus;
No meu governo eu garanto:
Acabo a fila do SUS.
 
— Quanto ao Salário Mínimo,
Vocês não vão reclamar,
Brigarei lá no Congresso
Com qualquer parlamentar
Para assegurar a todos
Um aumento exemplar.
 
—Vou lutar pra conseguir
Igualdade social;
Agora a Reforma Agrária
Será um sonho real:
Darei terras para os pobres
De toda zona rural.
 
— Caixa Dois, Grampo, Propina,
Panetone, Mensalão,
Nepotismo, intransparência:
Nada de corrupção.
Vou dar fim nessas mazelas
Durante minha gestão.
 
— No meu governo, eleitor,
Vou construir hospitais;
Doentes terão remédio,
Cirurgia e tudo mais.
Vote certo para mim,
Que não falharei jamais.
 
— Apoiarei os pedidos
Ligados à cassação
Para punir os corruptos
Desta querida Nação.
Eu farei o impossível
Pra prender qualquer ladrão.
 
— A minha gestão será
De progresso e melhorias.
Eu vou ajudar os pobres,
Construindo moradias,
Pois meu governo será
Dedicado às minorias.
 
— Lutarei para cortar
Gastos, gratificações
E os aumentos abusivos
Para os grandes “escalões”.
Quem acreditar em mim
Não terá decepções.
 
— Meu programa de governo
Define com precisão
De como governarei,
Dando total atenção
À saúde, ao desemprego,
À cultura e à educação.
 
— Eleitor do meu Brasil,
Este aqui você conhece,
Sou político benfeitor
Que o povo nunca esquece.
Pra toda dificuldade,
Este bravo se oferece.
 
— Vou apresentar projetos
Úteis aos educadores;
Eu darei prioridade
Aos sofridos professores:
Cumprirei essa promessa
Aos meus fiéis eleitores.
 
— Durante minha gestão,
Fique despreocupado;
Saiba, meu caro eleitor,
Que sou bem intencionado;
Governarei para o pobre,
Que vive desamparado.
 
— Eu vou extinguir a fome,
Corrupção, violência;
Mostrarei aos eleitores
Toda a minha competência
Porque tudo que nos falta
É vontade e consciência.
 
— Vou investir, meus amigos,
Na sofrida Educação,
Abrirei muitas escolas
Na capital, no sertão:
Jamais analfabetismo
Haverá nesta Nação.
 
— Vou cumprir com altivez
As promessas de campanha;
Fazendo um governo sério
Sem permitir artimanha,
Pois comigo não tem “pizza”
“panetone ou “lazanha”!
 
— Honrarei o meu mandato
Em prol da democracia;
A imprensa será livre,
Pois ela nos auxilia,
Denunciando as mazelas
Presentes à luz do dia.
 
— As estradas do Brasil
Serão todas restauradas;
Ferrovias esquecidas:
Logo, logo reativadas;
As ruas cheias de lama
De pronto, serão calçadas.
 
— Ética, moralidade,
Transparência e justiça
São lemas do meu governo,
Pois odeio gente omissa.
Quem não “comungar” comigo,
Vai “rezar em outra missa”.
 
— Minha virtude maior
É possuir humildade,
Nunca fui um arrogante,
Nunca fiz perversidade,
Pelos meus cabelos brancos:
Já demonstro honestidade!
 
— Quando chegar em Brasília,
Não esquecerei vocês;
Voltarei à minha terra
Com alegria e honradez,
Provando a meus eleitores:
Pobre não vira burguês!
 
Brasileiro, brasileira,
Acorde pra realidade.
Reconheça que o Brasil
Requer mais seriedade.
Escolha bem o seu “gado”
Tendo em vista o seu passado
Ou então: adeus, saudade!!!
 
FIM

Literatura de Cordel sábado, 04 de abril de 2020

FACES DO CORDEL (VERSOS DA CORDELISTA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

A imagem pode conter: 5 pessoas, incluindo Dalinha Catunda, chapéu e área interna

FACES DO CORDEL

Dalinha Catunda

 

Dona de si bem segura
A mulher segue o cordel,
E faz bonito papel,
Respeita a literatura.
Preconceito não atura,
Entra na roda com gosto
Assume de vez seu posto!
Demonstra capacidade
E com criatividade
Ao cordel dá novo rosto.
.
Eu hoje sem embaraço,
Com muita dedicação,
Trago minha tradição,
E vou mostrando meu traço.
Aqui no Ciberespaço,
Digitando cada linha,
Meu verso não desalinha!
Pois sou mulher de vanguarda,
Que a nova mídia resguarda,
E ao progresso DA LINHA.
.
Cordel é reconhecido
É bem imaterial
Com certeza cultural
No Brasil é bem regido
Na escola faz sentido
Agora ser adotado
Em sala de aula aplicado
Vai firmar a nossa arte
Eu já faço a minha parte
E tenho me dedicado.
.
Já é hora de aprender
Que o cordel não é simplório
Impõe-se em cada auditório
Na peleja do saber
Para melhor entender
A literatura em verso
Desvende esse universo
Aprenda o regulamento
Pois só o conhecimento
Protege-nos do adverso.


Literatura de Cordel sexta, 03 de abril de 2020

COISAS DIFÍCEIS DE SE VER (CORDEL DE JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

COISAS DIFÍCEIS DE SE VER

O sujeito não peidar
Depois de uma buchada
Gente rica aperreada
Pinto em merda não ciscar.
Um doido não endoidar
Se lhe disserem o apelido
Um velho não ter vivido
Seus dias de mocidade
Mentiroso amar verdade
E um poeta não rimar.

Um cantor pra não cantar
Um soldado não prender
E se o bandido recorrer
A Justiça não soltar.
Novela pra não passar
Sofrimento do mocinho
Amor grande sem carinho
Pedinte sem ter sacola
Futebol sem trave e bola
Estrada sem ser caminho.

Batizado sem padrinho
Lua cheia sem beleza
Cabaré sem safadeza
Xique xique sem espinho.
Homem rico andar sozinho
Um forró sem sanfoneiro
Porco limpo num chiqueiro
Banguelo roendo osso
Girafa sem ter pescoço
Compra à vista sem dinheiro.

Um filho de bodegueiro
Que não valorize o pai
Sofrimento sem ter ai
Segundo sem ter primeiro.
Vaquejada sem vaqueiro
E vaqueiro sem gibão
Fogueira sem ter tição
Guerrilheiro sem guerrilha
E político em Brasília
Cheio de boa intenção.

Crente que não seja irmão
Escola sem professor
UFC sem lutador
Jiu-jitsu sem ter chão.
Problema sem solução
Embolador sem repente
Um dentista sem ter dente
Pobre sem verme e lombriga
Gente falsa sem intriga
E careca andar com pente.

Um Natal sem ter presente
Uma Páscoa sem coelho
Sol se pondo sem vermelho
Um sinal sem um carente.
Alegria sem contente
Um morto que não viveu
Rapariga que não deu
Em troca de algum tostão
O Irã em união
Com todo o povo judeu.

Vencedor que não venceu
Orquestra sem instrumento
Um instante sem momento
Um bebo que não bebeu.
Injeção que não doeu
Trovão sem relampejar
Professor não ensinar
Mãe sem amor por seu filho
Dente de ouro sem brilho
Idoso não resmungar.

Gato novo não miar
Sertanejo preguiçoso
Menino não buliçoso
Curandeiro não rezar.
Bebo andando não tombar
Um bocado sem um tanto
Um milagre sem um santo
Um inferno sem ter cão
Banheiro sem ter sabão
E uma sala sem ter canto.

Uma santa sem um manto
Um toureiro sem espada
Uma rua sem calçada
Um choro pra não ser pranto.
Ocultismo sem quebranto
Pai-de-santo sem terreiro
Obra grande sem pedreiro
Cinema sem uma tela
Um pintor sem aquarela
Um açude sem barreiro.

Inverno sem aguaceiro
Verão sem nenhum calor
Outono com muita flor
Primavera sem ter cheiro.
Quem viaja ao estrangeiro
Não postar fotografia
A noite não virar dia
Um fogo que não aqueça
Prego novo sem cabeça
Neve que não seja fria.

Confusão sem arrelia
Junto que não seja perto
Um besta sem um esperto
Um corrupto que sabia.
Medo que não arrepia
Uma prisão sem bandido
Achado sem ser perdido
Time bom não ter ataque
Carioca sem sotaque
Um tiro sem estampido.

Uma ovelha sem balido
Vinte e nove em fevereiro
Jangada sem jangadeiro
Dono de banco falido.
Corno depois de traído
Não ficar desconfiado
Um baiano arretado
Não gostar de capoeira
E uma mulher chifreira
Sem um amigo viado.

Um bebim aterrissado
Na porta de uma igreja
Repentistas em peleja
Sem um verso malcriado.
LP todo arranhado
Na agulha não enganchar
A solidão não criar
Uma saudade danada
Uma noite enluarada
O poeta não inspirar.

Fofoqueira não passar
Um boato para frente
Lava que não seja quente
Fogo alto não queimar.
Quem gosta de estudar
Ser preguiçoso pra ler
Benzedeira não benzer
Quem lhe chega adoentado
E um brega bem cantado
Não fazer alguém sofrer.

 


Literatura de Cordel quarta, 01 de abril de 2020

QUEM NASCEU LAMPIÃO, JAMAIS SERÁ LAMPARINA (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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QUEM NASCEU PRA LAMPIÃO, JAMAIS SERÁ LAMPARINA

Dalinha Catunda

 

1
Amigo vou lhe dizer
Preste bastante atenção,
Cada um tem o seu gosto
E toma sua decisão
Há coisa que não aceito
Mexer no cu do sujeito
Que está debaixo do chão.
2
Eu não tenho preconceito
E nem sou ruim da bola
Tô contestando um boato
Que não entra na cachola
Por tudo que ouvi falar
Não posso acreditar
Que Lampião foi boiola.
3
Valei-me meu São Francisco
E “Padim Ciço” Romão
Mexeram com Virgulino
Que foi terror no sertão
Querem mudar sua ficha
Dizer que o cabra era bicha?
Cabimento não tem não!
4
Quando eu inda morava
No meu rincão nordestino
Nas conversas das calçadas
Citava-se Virgulino
O capitão cangaceiro
O temido bandoleiro
Causador de desatino.
5
Carregou Maria Deia
Dela fez sua companheira,
Com ela cantou, dançou
Ao som da mulher rendeira
Tiveram a mesma sorte
Viveram até a morte
Uma paixão verdadeira.
6
E nem venham me dizer
Que Maria era infiel
E que o Rei do Cangaço
Andou queimando o anel
Isso é pura fantasia
Pra não dizer heresia
De mente suja e cruel
7
Com ela teve uma filha
Batizada de Expedita
Que não viveu no cangaço
Pra não provar da desdita
Lampião deixou herdeira
Fez filho na companheira
Não fugiu da periquita.
8
O Virgulino Ferreira
Gostava de artesanato
E por ser bom artesão
Vestia-se com aparato
Tinha lá o seu costume
De usar um bom perfume
Mas com pica não fez trato.
9
Nos dedos muitos anéis
Enfeitavam sua mão
No pescoço medalhinhas
Penduradas no cordão
O lenço em vez da gravata
Tinha ouro e tinha prata
Enfeitando lampião.
10
Usava lenço de seda
Porque tinha algum requinte
Amava a fotografia
Não era nenhum acinte
A vaidade era normal
Ajudava o visual
No bom gosto possuinte.
11
Quem espalha este boato
Sensacionalismo quer
Lampião era chegado
A racha duma mulher
Isso é fato e não é fita
Amou Maria bonita
E não foi paixão qualquer.
12
Lampião foi cabra macho
Famoso fora da lei
Agora querem dizer
Que Virgulino era Gay
Ele pintava e bordava
Mas a rosca não queimava
Pelas histórias que sei.
13
Foi líder dos cangaceiros
E valente pra chuchu
Agora depois de morto
Querem difamar seu cu
Ele não virou baitola
E só entrava na rola
Quando comia nambu.
14
Querem derrubar o mito
Desconstruir lampião
O cangaceiro perverso
Que assombrou o sertão
E fez tanta crueldade
Por toda sua maldade
Fora comparado ao cão
15
Sujeito igual lampião
Jamais será lamparina
A saga do cangaceiro
Não se fez com vaselina
E sim com dedo treinado
No gatilho colocado
Na mira da carabina.
16
Meu caro vou lhe dizer
Segredo não peço não
É fácil falar de quem
Hoje é só pó no caixão
Isso é pura sacanagem
Queria ver ter coragem
Diante de Lampião.
17
Se lampião fosse vivo
O falador penaria
E no pipocar das balas
A dançar aprenderia
Pra deixar de esculacho
E respeitar cu de macho
Que o anel não queimaria.
18
Do punhal do Capitão
Seria mira certeira
E sentiria a pontada
Furando a saboneteira
Além de morrer à míngua
Inda perderia a língua
Quem dele falou besteira.
19
Bem antes tenho certeza
Que comeria sal puro
Viraria uma peneira
Diante de tanto furo
Pois Virgulino Ferreira
Não pouparia a peixeira
Num falador sem futuro.
20
Tem coisa que não aceito,
Não creio, não dou, ouvido
Lampião, rei do cangaço
Não perderia o franzido
Ele não escamoteia
Na rosca não botou peia
Por pau não foi seduzido.
21
Essa história é sem sentido
Ninguém acredita nela
Pois bunda de bandoleiro
Não foi porta sem tramela
Era saída e mais nada
Não consta que foi entrada
Não azeitou a arruela.
22
Eu posso estar enganada
Mas acho que esta lambança
Foi criada por alguém
Com desejo de vingança
Lampião não foi veado
Foi apenas difamado
Botaram seu cu na dança.
23
Com esta fofoca toda
E com essa falação
O rei do cangaço acaba
Virando é assombração
Capaz de sair da cova
Pra dar uma boa sova
Em quem faz difamação.
24
Este cordel chega ao fim
Chega ao fim minha defesa
Vou bater o meu martelo
A verdade está na mesa
Minha tese não afunda
Nunca fez farra na bunda
Quem foi rei da Malvadeza.


Literatura de Cordel quarta, 25 de março de 2020

ME ENGANEI COM MINHA NOIVA (FOLHETO DE LUIZ CAMPOS)

 

ME ENGANEI COM MINHA NOIVA

Luiz Campos

 

Quando solteiro eu vivia
Era o maior aperreio,
Devido ser muito feio
As moça não me queria.
Quando pr’um forró eu ia
Com qualquer colega meu,
Eles confiava neu
Ia beber e brincar
No fim da festa ia arengar
Quem ia preso era eu.

E pra arranjar namoro
Eu toda via fui mole.
Eu cantei samba, eu puxei fole,
Usei um cabelo louro,
A boca cheia de ouro,
Chega brilhava de dia.
Quando pr’um forró eu ia
Cheirava que nem uma rosa,
Mas, se eu caçava umas prosa,
As moça não me queria.

Aí eu dizia: “É catimbó
Que alguém botou, mas não sai,
Que mamãe casou com papai,
Vovô casou com vovó,
Inté meu irmão Chicó,
Que é muito mais feio que eu,
Namorou, casou, viveu
Com duas mulher, inté,
Só eu não acho muié
Que queira se esfregar neu.

Um dia Deus descuidou-se,
O satanás se esqueceu,
Que Vicença olhou pra eu
Com uns oião de bico dôce,
Nossos ói se amisturou-se
Como feijão com arroz,
Se abufelemo nós dois
Num amor tão violento
Que marquemo o casamento
Pra quatro dias depois.

No dia de se amarrar,
Se arrumou, eu e ela.
Dei de garra na mão dela
E fui pra igreja casar.
Cheguei no pés do altar,
Recebi a santa bença,
Jurei não ter desavença
Entre eu e minha estposa,
O padre disse umas côsa
E fui viver com Vicença.

Cheguei em casa mais ela,
Fui logo me agasalhando
Que mermo que eu ia pensando
Que ia dormir na costela.
Vicença fez a novela
Por dentro da camarinha,
Quebrou uns troçim que eu tinha,
Me ameaçou na bala.
Ela foi dormir na sala
Eu fui dormir nca cozinha.

Da vida perdi o gosto
Porque Vicença fez isso.
De manhã fui pro serviço,
Mas pra morrer de desgosto.
Cheguei em casa, o sol posto,
Vicença me arrecebeu,
Inté um café freveu,
Botou pra nós dois cear,
Mas, quando foi se deitar,
Nem sequer olhou pra eu.

De Deus perdi a crença,
De nome chamei uns trinta,
Botei uma faca na cinta,
E fui conversar com Vicença.
Vicença deu uma doença
Quando falei em amor,
Aí ela me perguntou:
“Cê pensa que eu sou o que?
Eu me casei com você
Pra lhe fazer um favor”.

Bati com ela no chão,
Puxei a lapa de faca,
Cortei o cóis da casaca
E o elástico do calção.
Vicença tinha razão
De não querer bem a eu.
Não era com nojo deu,
Ou porque não fosse séria,
Sabe Vicença quem era,
Era macho que nem eu.

Eu muito me arrependi
Porque me casei com ela.
Falei logo com o pai dela
E de manhã devolvi.
Muito desgosto eu senti,
Que quase morri inté,
Homem trajo de muié
Tem muito de mundo afora,
Só caso com outra agora
Logo sabendo quem é.


Literatura de Cordel quinta, 19 de março de 2020

UM JUMENTO E DUAS DOIDAS (FOLHETO DE BASTINHA JOB E DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A imagem pode conter: texto que diz "Um Jumento e Duas Doidas Peleja de Bastinha Job e Dalinha Catunda"

 

BASTINHA JOB E DALINHA CATUNDA
*
UM JUMENTO E DUAS DOIDAS

 



1-DALINHA CATUNDA
Eu sou nordestina
da cabeça chata
raiva não me mata
e nem me azucrina
olhando sua crina
pensei em montar
se me derrubar
não tem nem talvez
eu monto outra vez
até lhe amansar.
*
2-BASTINHA JOB
também sei montar
cedinho aprendi
jamais esqueci
achei bom trepar
melhor é gozar
de tanto prazer
corpo e alma gemer
sentir alegria
que até contagia
quem meu verso ler!
*
3-DALINHA CATUNDA
Querida Bastinha,
você não me afronta
nem trepa, nem monta
melhor que Dalinha,
você coitadinha
se der um gemido
é corpo doído
eu tenho certeza!
De sua destreza
Não faça alarido!
*
4-BASTINHA JOB
Querida Dalinha
eu não lhe afronto
mas dizer que monto
não é mentirinha
é Arte só minha
trepo igual vaqueira
e nem bebedeira
derruba meu quengo
porque meu FLAMENGO
É minha bandeira!
*
5-DALINHA CATUNDA
Pois minha vaqueira,
eu vou lhe dizer
meu maior prazer
é ser estradeira
na minha ribeira
com meu alazão
eu saio do chão
a galope ou trote
e trepo em serrote
com satisfação.
*
6-BASTINHA JOB
Não tenho alazão
monto em meu jumento
em nenhum momento
eu caio no chão;
com satisfação
nós dois no xaxado
trote ritmado
no verso guerreiro
janeiro a janeiro
no meu jegue alado!
*
7-DALINHA CATUNDA
Pois tome cuidado
com o seu jumento
qualquer movimento
é muito arriscado!
O bicho é tarado,
e muito sabido,
além de enxerido
também imoral
é descomunal
seu porte exibido.
*
8-BASTINHA JOB
não corro perigo
meu jegue é capado
e sendo castrado
é manso e amigo
não mexe comigo
é muito legal
meu manso animal
sem o documento
em nenhum momento
vai me fazer mal.
*
9-DALINHA CATUNDA
Bastinha maldigo,
sua ingratidão
essa castração
merece castigo
não sei se consigo
nem lhe perdoar
o jegue capar
pra trepar sem medo
você fez segredo
mas vou espalhar.
*
10-BASTINHA JOB
Pois pode espalhar
jamais senti medo
não tenho segredo
sei me revelar
na rima explicar
que não sou pudica
gosto de futrica
pulo até cancela
galopo em parcela
só o verso me pica!
*
11-DALINHA CATUNDA
E você me explica
sua atuação
na vadiação
você vai e fica
me pede uma dica
pra mula picar
e o bredo pegar
tirando a tramela
pulando a janela
quando quer viçar.
*
12-BASTINHA JOB
Mas eu só vadio
no meu universo
tramela é o verso
cordel é meu cio
você é desvio
por isso tortura
e dá uma dura
pra aprender comigo
mas nada lhe digo
nem com picadura!
*
13-DALINHA CATUNDA
Pobre criatura
cheia de razão
minha inspiração
tenho com fartura
a minha figura
é bem popular
consigo cantar
no seu território
é fato notório
posso comprovar.
*
14-BASTINHA JOB
Também sei cantar
em seu território
enterro, casório.
sei carretilhar
sou ímpar sem par
pura fantasia;
É minha alegria
Glosar com Dalinha
Dalinha e Bastinha
juntas na poesia!
*
15-DALINHA CATUNDA
Glosar é magia
que encanta e seduz
é facho de luz
que a mente alumia
a sua poesia
é farta e profunda
enleva e abunda
ao ser cutucada
estou encantada!
Dalinha Catunda.
*
16-BASTINHA JOB
Fizemos as pazes
foi-se o desafio
no Crato ou no Rio
nós somos capazes
mulheres tenazes
que entende de glosa.
mas também na prosa
fazemos direito
e temos respeito
pois ninguém nos goza!
Fim


Literatura de Cordel quarta, 18 de março de 2020

LUIZ GONZAGA - MUITO ALÉM DE UM SANFONEIRO (FOLHETO DE DIDEUS SALES)

 

 
LUIZ GONZAGA
MUITO ALÉM DE UM SANFONEIRO
Dideus Sales
 

Dia treze de dezembro
O mais extraordinário
Cantador e sanfoneiro
Que se tornara lendário
Por seu dom e sua saga,
O gênio Luiz Gonzaga,
Se tornara centenário.

Expoente da sanfona,
Arauto da alegria,
Mensageiro do Nordeste,
Apóstolo da melodia.
Nasceu o guri peralta
No dia em que se exalta
A virgem Santa Luzia.

Luiz Gonzaga nasceu
Na fazenda Caiçara
Em Exu, no Pernambuco,
De cor parda e mente clara,
Saiu de lá muito novo
Pra poder brindar o povo
Com sua criação rara.

Desde a infância mostrou
Para música vocação,
Aos oito anos fez sua
Primeira apresentação,
Com elegância e ternura
Mostrando desenvoltura
Pra futura profissão.

Na fazenda onde nasceu,
Na terra pernambucana,
Estreou feito um artista
Que se exibe e se ufana,
Perante muitos matutos
Sob os olhares argutos
De Januário e Santana.

Com brilhantismo tocou
E cantou a noite inteira,
Com permissão de Santana
Envaidecida e fagueira.
Vinte mil réis o cachê,
Suficiente pra que
Deixasse a mãe prazenteira.

E Luiz de Januário
Cada vez mais se apaixona
Pelo som da concertina
Confiando que a matrona
Conceda-lhe permissão
Pra fazer aquisição
Da tão sonhada sanfona.

O desenvolto Luiz
Gonzaga do Nascimento,
Com treze anos comprou
O seu primeiro instrumento,
E cheio de esperteza
Espalhou na redondeza
Seu carisma e seu talento.

No albor da adolescência
Peregrinou sem fadigas,
As cercanias do Exu
Levando suas cantigas
Adornadas de harmonia,
Derramando simpatia
Às camponesas amigas.

Por Nazarena Alencar
Gonzaga se enamora,
A família dela, contra,
Santana se apavora,
Dá em Luiz uma pisa,
E veloz que nem a brisa
Luiz decide ir embora.

Com decepção tamanha
Por essa paixão frustrada,
Com apenas dezessete
Anos pôs os pés na estrada.
Com pensamentos errantes,
Conquistou muitas amantes
E não quis mais namorada.

Mil novecentos e trinta,
Gonzaga sem avisar,
Deixa a casa dos seus pais
E a pé põe-se a viajar,
Vende o fole, com tristeza,
E se alista em Fortaleza
Pra o serviço militar.

Foi soldado por dez anos
Do Exército Brasileiro,
Chamado “Bico de Aço”
Por ser um bom corneteiro.
Serviu do Sul ao Pará,
Passou pelo Ceará,
Minas, Rio de Janeiro.

O soldado Nascimento
A liberdade proclama!
Planeja voltar pra casa,
Mas a vocação o chama
Pra da arte fazer parte,
E ganha através da arte
Prestígio, dinheiro e fama.

De volta à vida paisana
Decide então ser artista,
Toca em cabarés e bares,
Nesse tempo, instrumentista.
Quando resolve cantar
Aí começa a brilhar,
Logo sucesso conquista.

Entra no Rio tocando
Música internacional,
Usando terno e gravata,
Porém, com artesanal
Indumentária de couro,
Sanfona e gogó de ouro
Constroi fama nacional.

Pedro Raimundo lhe dera
Excelente sugestão:
Para usar seus paramentos
Simbolizando o sertão.
E o brilhante sanfoneiro,
Traja-se de cangaceiro,
Inspirado em Lampião.

Sofre muito antes da fama
Mas não desiste da luta,
Toca na Lapa e no Mangue
Pra boêmio e prostituta.
Só veio fama alcançar
Quando decidiu cantar
Autêntica canção matuta.

Após solar Vira e mexe,
Obra de sua autoria,
No programa Ary Barroso,
Com carisma e simpatia
Exibe talento inato,
Para gravar faz contrato
E o povo o reverencia.

E foi a RCA,
Gravadora conhecida,
Que ao nosso Luiz Gonzaga
Distinguiu e deu guarida.
E em retribuição,
Nela o Rei do Baião
Gravou quase toda a vida.

Apesar dos empecilhos
Gonzaga não desanima
E vai construindo o nome
Quando dele se aproxima
Um cidadão otimista,
O seu primeiro letrista,
Chamado de Miguel Lima.

No ano quarenta e cinco,
Dia onze de abril,
Gonzaga como cantor
Mostra voz forte e viril,
E foi Dança, Mariquinha!
Sua primeira modinha
Lançada para o Brasil.

Mulherengo incorrigível,
Luiz Lua não detinha
A libido, e vivia
Andando fora da linha.
Ao conhecer Odaleia,
Brotara-lhe a ideia
De ser pai do Gonzaguinha.

Pra bailarina Odaleia
Desenhara lindos planos,
Mas percebendo existir
Entre os dois muitos enganos
Entre atrito e dissabor,
Rompem o laço do amor
Ao completar cinco anos.

No ano quarenta e oito
Luiz um astro brilhante,
Com seus trinta e cinco anos,
Mais prudente e triunfante,
Já com fama nacional
Faz enlace conjugal
Com Helena Cavalcanti.

O sanfoneiro fiota
Gostava de fazer fita,
De despejar galanteios
Pra toda moça bonita.
Não resistindo o apelo,
Edelzuita Rabelo
Virou a sua “Zuíta”.

Com Odaleia viveu
Loucuras e fantasias,
Helena, porto seguro,
Deu-lhe algumas alegrias,
Com a doce Edelzuita,
Bem mais nova e mais bonita,
Viveu os seus últimos dias.

No ano quarenta e seis
A estrela se descerra,
Humberto e Luiz compõem
Xote No meu pé de serra,
Uma romântica mensagem
Rendendo bela homenagem
À sua querida terra.

A sorte se descortina,
Luiz desfralda a bandeira
Do baião, com um poeta
Chamado Humberto Teixeira,
Em ascensão muito franca,
Compuseram Asa branca,
Sucesso da vida inteira.

E Luiz não para mais
De cantar nosso sertão:
Hora do adeus, Maribondo,
Aí tem, Pássaro carão,
Xote ecológico, Pão duro,
Piriri, Forró no escuro,
Só xote e Faça isso não.

Apologia ao jumento
Do nosso Zé Clementino,
Fazenda Cacimba Nova,
Assum preto, Cantarino,
Sanfoneiro Zé Tatu,
Feira de Caruaru,
E Sangue de Nordestino.

Dezessete légua e meia,
Pau de arara, Sabiá,
Dezessete e setecentos,
Imbalança, Quero chá,
A letra I, Xanduzinha,
Juca, Beata Mocinha
Ovo azul e Boi bumbá.

Cantou Acácia amarela,
Adeus Rio de Janeiro,
Morena cor de canela,
A mulher do sanfoneiro,
Tropeiros da Borburema,
Mazurca, Adeus Iracema
E Vou te matar de cheiro.

Quer ir mais eu, Sou do banco,
O cheiro da Carolina,
Vem morena,Vira e mexe,
Lá vai pitomba, Juvina,
A Dança do Capilé,
Estrada de Canindé,
Xaxado e Cintura fina.

A Moda da mula preta,
Festa, Fole gemedor,
Baião Treze de dezembro
Compôs com muito fervor.
Forró no escuro solado,
Piauí, Feira de gado
E Xote machucador.

Cantou Xote das meninas,
Vaca estrela e boi fubá,
O Xote dos cabeludos,
Mamulengo, Macapá,
Minha fulô, Paraíba
Orélia, Mangaratiba
Cirandeiro e Mangangá.

Cantou Jesus sertanejo
De Janduhy Finizola,
Viu num campo imaginário
Dois Siri jogando bola,
E o baião foi criação
Inspirada no baião
Do cantador de viola.

As mazelas e encantos
Do Nordeste brasileiro
Luiz Gonzaga cantou
Em: A morte do vaqueiro,
Olha pro céu, Pé de serra,
Retratos de sua terra,
Paulo Afonso e Boiadeiro.

O seu repertório tem
Dos fãs, verdadeiro aprovo:
A vida do viajante,
Óia eu aqui de novo,
A noite é de São João,
A mulher do meu patrão,
Cantei e Canto do povo.

Manoelito cidadão,
Cabeça inchada, Café,
Aquarela nordestina,
Ai amor, Meu Chevrolet,
Conversa de boiadeiro,
De olho no candeeiro,
Xengo e Galo garnizé.

Não vendo nem troco, Nos
Cafundó de Bodocó,
Cortando pano, Juazeiro,
Caxangá, Qui nem jiló,
O Forró de cabo a rabo
Lá na casa do Zé Nabo,
Algodão e Siridó.

Légua tirana, Sangrando,
Fogueira de São João,
Sertão de aço, Vassouras
Erva rasteira, Erosão,
A Samarica parteira,
Sanfoninha choradeira
Pau de arara e Procissão.

Pra onde tu vai, baião?
Casamento improvisado,
Pra não morrer de tristeza,
Tambaú, Fole danado,
Flor do lírio, Acauã,
Menino de Braçanã,
Rosinha e Feira de gado.

Gravou xote Só se rindo
De Alvarenga e Ranchinho;
Clássico, Súplica cearense
De Gordurinha e Nelinho;
Do folclore, Boi bumbá,
E ainda Mané Gambá
Do grande Jorge de Altinho.

Seiscentas e vinte e cinco
Canções estão registradas,
Em compactos, LPs
E CDs todas gravadas
Com requintada harmonia,
Recheadas de poesia,
E muitas, bem divulgadas.

Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira fizeram escola.
Do baião, xote e xaxado
Foram propulsora mola.
Luiz em suas conquistas,
Deu vez a muitos artistas
Da sanfona e da viola.

Gonzaga ficou na história
Como o maior cantador,
Inigualável intérprete,
Excelente tocador,
Grande contador de histórias,
Músico que acumulou glórias,
Cantor e compositor.

Aos amigos, à família
E às origens foi fiel,
Gravou nossos cantadores
E poetas do cordel.
Por tudo mereceu louro,
Conquistou discos de ouro,
De platina e o prêmio Shell.

Da substantiva obra
Composta ao longo da vida,
Asa branca se tornara
Sua canção preferida,
E Respeita Januário
É do mesmo relicário
Junto d’ A triste partida.

Gonzaga foi um artista
Que sofreu, mas foi feliz,
Cantou no Brasil inteiro,
Fez shows também em Paris.
Com talento e competência,
Tornou-se uma referência
Musical deste país.

Um evento fulgurante
Desse artista tão fecundo,
E talvez, o que lhe tenha
Dado o prazer mais profundo,
Foi em oitenta, cantar,
Saudar e homenagear
O Papa João Paulo II.

Apesar da enorme fama,
Gonzaga guardou recato:
Zelava os colegas simples,
Não gostava de aparato.
Do Padre Cícero romeiro,
Ia sempre ao Juazeiro,
Mas gostava mais do Crato.

Luiz é um grande exemplo
De quem vai à luta e vence,
Tinha tática no percalço,
Sabia fazer suspense
E arquitetar todo plano.
Artista pernambucano
Do coração cearense.

Com sua sanfona branca
E a voz de espantar tristeza
Cantou da seca as agruras,
Do inverno a boniteza,
Cantou a fauna e a flora,
Por isso a menção aflora:
Cantador da natureza.

Na trajetória profícua
Desse artista nordestino,
Humberto Teixeira foi
Verdadeiro paladino;
Zé Dantas, de alto nível,
João Silva, imprescindível,
Fulgente, Zé Marcolino.

Zé Clementino sabia
Da poesia o segredo,
Muitos sucessos brotaram
Da inspiração desse aedo,
Patativa foi brilhante,
Onildo Almeida, importante,
Notável, Téo Azevedo.

Gravou Venâncio, Cecéu,
Julinho, Orlando Silveira,
Caymmi, Vandré, Caetano,
Luiz e Pedro Bandeira.
Luiz Ramalho, obra imensa...
Capiba, Nelson Valença,
Gil e Jurandir da Feira.

Grandes cantores famosos
Que fizeram gravação
Nos anos oitenta têm
Do Rei participação,
Fagner, um dos mais ariscos,
Único a gravar dois discos
Com nosso rei Gonzagão.

Em seu trajeto pisou
Muitas flores e espinhos,
Vários e grandes colegas
Adornaram seus caminhos
De emoções e alegrias,
Como Osvaldinho, Abdias
Marinez e Dominguinhos.

O grande Pedro Raimundo,
Zé Calixto, uma bandeira!
Dois ícones incontestáveis
Da sanfona brasileira.
Sivuca, Hermeto Paschoal,
Waldonys que é magistral,
Borghetti e Luiz Vieira.

Noca, Pedro Sertanejo,
Zé Ramalho, Gonzaguinha,
Anastácia, Alceu Valença,
Ary Lobo, Gordurinha,
Benito, Nelson Gonçalves,
Zé do X, Carmélia Alves,
Do baião nossa raínha.

Desde menino Luiz
Não foi covarde ou servil,
Com habilidade e arte
Conquistou todo o Brasil,
Dentre seus fãs de talento,
Elba, Milton Nascimento,
João Cláudio, Caetano e Gil.

Fora ídolo dos ídolos
Por sua grande expressão,
Semeador de concórdia,
Embaixador do sertão,
Músico de estro fecundo
Que deu mais beleza ao mundo
Com as cores do baião.

Em meio século de arte,
Só tendo sido prodígio,
Luiz fez algumas pausas
Mas nunca perdeu prestígio.
Em tantas léguas de glória,
Não se acha em sua história,
De mácula, menor vestígio.

Em Recife, dois de agosto
De oitenta e nove, o ano,
O nosso Luiz Gonzaga
Despediu-se deste plano,
E sem gibão nem chapéu
Foi cantar baião no céu
Na mansão do Soberano.

Soube ornamentar de glória
Sua vida e seu roteiro,
Com virtude e maestria,
Do baião foi pioneiro.
Pelo que deu ao País
Posso afirmar que Luiz
Foi além de um sanfoneiro.


Literatura de Cordel quarta, 11 de março de 2020

LEITURA É DIVERSÃO E APRENDIZADO (FOLHETO DE PAULO BARJA)

 

 

 
 
LEITURA É DIVERSÃO E APRENDIZADO
Paulo Barja
 
 
 
 
Eu leio o que estiver à minha frente:
cartaz, bula, HQ, cordel, jornal,
revista, placa, livro... isso é normal
- leitura é coisa boa, minha gente!
Quem lê fica melhor, inteligente,
e eu fui, desde pequeno, incentivado;
cresci como leitor apaixonado
e a vida me ensinou mais de uma vez
(escutem bem o que eu digo a vocês):
Leitura é diversão e aprendizado.
 
Criança pode ler desde pequena:
um livro também fala por figura
e, folheando com desenvoltura,
sozinha ela vai lendo, assim, serena...
Também gosto demais de ver a cena
da mãe lendo pro filho ali deitado,
na hora de dormir, tão fascinado
com uma história boa que se conta.
Aí vejo a verdade que desponta:
Leitura é diversão e aprendizado.
 
Agora, uma pergunta eu vou fazer
e quero ver quem sabe me contar:
como é que um cego pode se expressar
em texto escrito? Quem sabe dizer?
Um jovem lá na França fez valer
seu raciocínio privilegiado
e ”Braille” foi o código inventado
- foi mesmo uma conquista muito boa.
Por isso digo pra qualquer pessoa:
Leitura é diversão e aprendizado.
 
Às vezes, é legal ler em voz alta
um texto que se adora... sabe quando?
Em roda ou num sarau, compartilhando
poesia como o solo de uma flauta.
A música, aliás, tem uma pauta:
é onde o canto fica registrado
e, se o compositor for inspirado,
pra sempre cantarão a sua escrita.
Partindo disso, pense bem, reflita:
Leitura é diversão e aprendizado.

Literatura de Cordel quarta, 04 de março de 2020

A TENTAÇÃO DO CANDIDATO E O MATUTO DESENROLADO (FOLHETO DE CARLOS AIRES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A TENTAÇÃO DO CANDIDATO E O MATUTO DESENROLADO

 

Eu sou um matuto broco
Sem instrução, sem leitura,
Criei-me arrancando toco
Com chibanca em terra dura,
Tirando ração pra o gado,
Cuidando do meu roçado
Pois aqui me sinto bem!
Vivo colhendo o que planto
Bem quietinho no meu canto
Sem dever nada a ninguém.

Levo a vida sossegada
Do nascer ao pôr-do-sol,
No final da madrugada
Contemplando o arrebol
E escutando a serenata
Que vem da orquestra nata
Do palco da natureza,
Agradeço orando a Deus
Por poder nos dias meus
Desfrutar dessa riqueza.

Eu vivo alegre demais
Morando no meu ranchinho,
No meio dos carrascais
Escutando os passarinhos
Cantando as modas nativas,
Olhando pras cores vivas
Do campo com seu matiz,
Aqui é o meu paraíso
Pois tem tudo que preciso
Pra que viva bem feliz.

Aqui não se justifica
Transtorno, aperreação,
Porque nessa terra rica
Não tem inquietação,
A tranquilidade é tanta
Que até quando o galo canta
Na madrugada serena
A gente sente prazer,
Dá gosto de se viver
Em felicidade plena.

Mas, mesmo nesse sossego,
Que a paz de Deus apresenta,
Logo o “demo” pega arrego
Nessa calma, e nos atenta!
Vem chegando sorrateiro
Parece um bom cavalheiro
Repleto de boa ação,
Porém, tudo é falsidade,
Pois a fingida bondade
Só são laços de traição.

 

E essa história inteirinha
Eu vou contar pra vocês!
Um dia, de manhãzinha,
Quase no final do mês,
Eu estava todo ancho
Bem pertinho do meu rancho
Na sombra de um juazeiro,
Quando chegou um “carrão”
E parou bem no oitão
No aceiro do terreiro.

Desceu um homem decente
Bem vestido, bem tratado,
Com aparência excelente
Dirigiu-se pra o meu lado,
E com muita educação
Apertou a minha mão
E disse assim: por favor,
Caso esteja disponível,
Eu queria se possível
Conversar com o senhor.

Eu lhe respondi: pois não,
Pode dizer o que quer!
Pois estou de prontidão
Pra lhe ajudar se puder,
Mas, fiquei “com um pé atrás”!
Pois vi naquele rapaz
Um “lobo em pele de ovelha”,
E por ser desconfiado
Fiquei alerta, antenado,
Com “a pulga atrás da orelha”.

Ele então olhou pra mim
Deu um suspiro profundo
E foi me dizendo assim:
Isso aqui é o fim do mundo!
Como consegue viver
Sem escola, sem lazer,
Sem nenhuma diversão?
No desprezo, no maltrato,
Igual a um bicho do mato,
Nessa intensa isolação?

Eu vim pra lhe auxiliar
A sair dessa “enxovia”,
E já passo a planejar
Uma ampla melhoria,
A começar pela casa
Cuja ideia se embasa
Numa construção moderna,
Também se inclui nesse plano
Um bom poço artesiano
A luz elétrica e a cisterna.

Um campo de futebol
Pra moçada jogar bola,
E penso em agir em prol
Pra que se erga uma escola,
E vou tomar providência
Para em regime de urgência
Ser construída uma estrada,
Incluso nessa atitude
Está um posto de saúde
Pra atender a matutada.

Para colocar em prática
Cada ideia em expansão,
E vou lhe explicar a tática
Por favor, preste atenção!
É que eu estou candidato
Pra ser prefeito, e de fato,
Se acaso eu eleito for,
Assumo esse compromisso
De construir tudo isso
Que prometi pra o senhor.

Meu nome é “José Pinheiro”,
Vou ser franco ao lhe avisar
Não penso em ganhar dinheiro
Pois meu lema é trabalhar!
E logo que passe o pleito
Se eu conseguir ser eleito
Já pode contar comigo
No avanço, no progresso!
É por isso que lhe peço
Vote em mim meu grande amigo!

O diabo pode não vir
Mas, envia um secretário,
Para enganar, iludir,
Fazer o povo de otário
Se esse matuto aloprado
Não fosse desenrolado
Ou mesmo astuto o bastante
Muito esperto e destemido
Decerto tinha caído
Na lábia do meliante.

Essa conversa ilusória
Não convenceu o campônio
Que viu em toda essa história
A tentação do demônio
E respondeu: candidato!
O senhor é o retrato
Fiel da deslealdade,
Eu posso está sendo crítico
Mas vejo em cada político
A cara da falsidade.

É bom pensar desde já
Pra que em cada eleição,
Não caia no “blá, blá, blá”,
De político fanfarrão,
Tem que ser bastante astuto
Assim como esse matuto
Que não caiu na cilada
De um candidato vilão
Cheio de “boa intenção”,
Mas, que não valia nada.


Literatura de Cordel quarta, 26 de fevereiro de 2020

MBA EM PODER JUDICIÁRIO DE FORTALEZA (FOLHETO VALDIR SOARES FERNANDO E MARCOS MAIRTON

 

MBA em Poder Judiciário e Versatilidade do Cordel

 

 

FORTALEZA, 15 DE SETEMBRO: ENCERRAMENTO DO MBA EM PODER JUDICIÁRIO

 

Não me canso de dizer o quanto o cordel é uma forma de expressão capaz de se adaptar a todo e qualquer tema. Com ele fazem-se desafios, saudações e homenagens. Narram-se aventuras e histórias de amor.

 

Sábado, por exemplo, era o último dia de aula de um MBA sobre Poder udiciário do qual participei, com a felicidade de ter como colega de classe o poeta VALDIR SOARES FERNANDO, que brevemente há de lançar um livro só de cordéis jurídicos, resultado de vários trabalhos que apresentou durante o Curso de Direito, sempre para a surpresa e admiração de colegas e professores.

 

No final da última aula do MBA, Valdir pediu a palavra e nos rpesenteou com o seguinte:

 

APRESENTAÇÃO

Valdir Soares Fernando
Eis o meu nome de pia...
Perdoem-me a cantoria
Como estou me apresentando;
Mas ora estou chegando
De Pernambuco, a Seção,
Que envolveu meu coração
Num pulsar de prata e ouro,
Mas pra vocês meu tesouro,
É esta simples canção!...

E a canção, de início, pequenina,
Em terras cearenses aportou,
Aqui novos amigos encontrou,
Foi deixando de ser uma menina...
Inspirada em lira tão Divina,
Ao crescer em minha mente e no papel,
Fez uma virgem de lábios só de mel
Transmudar-se na sombra de Iracema,
E assim foi surgindo este poema
Nesta hora cantado em cordel!


MBA EM PODER JUDICIÁRIO

A Deus ora eu agradeço
Por me dar esta benção,
Poder cantar esta loa
Dando a minha opinião,
Neste grupo de amigos
Que reunidos estão!

Mas que não se abra a mão
Pois se impõe nominar:
Margarida Cantarelli
Que fez tudo iniciar;
Uma mulher sonhadora,
Nobre desembargadora,
Devemos ora aclamar!

Em 22 de novembro,
2005 o ano,
Margarida Cantarelli
Na mesa pôs o seu plano,
E da apresentação
Esta capacitação
Começou sem desengano.

Margarida Cantarelli,
Da ESMAFE dirigente,
No Tribunal reuniu-se
Com o então Presidente,
E o Francisco Queiroz,
Assentiu com sua voz,
E o plano foi pra frente.

Logo convida, a ESMAFE,
Com sua mão atuante,
A Fundação Getúlio Vargas,
Que mandou representante,
Sendo que desse projeto,
Não havendo nenhum veto,
Deu seu passo adiante.

Assinado o Convênio
Veio a Escola de Direito
Lá do Rio de Janeiro
Demonstrar que leva jeito;
Pois neste pós-graduar,
Todos ficam a afirmar
Que não houve um defeito!

E na bela Fortaleza,
No ano 2006,
Iniciava em março,
Na data de dezesseis,
Esta especialização,
Primeira turma em ação,
Começava de uma vez.

Excelente acolhida
Da Seção do Ceará,
Que nos recebeu alegre
Durante todo o cursar;
Até a virgem Iracema
Vinha para a nossa cena
Com licença de Alencar!...

Margarida Cantarelli
Abre a aula inicial,
Professor Joaquim de Arruda
Do Conselho Nacional
De Justiça, é convidado
Para dar o seu recado
Em uma aula inaugural!

E quem é e o que pensa
Todo e qualquer magistrado,
Foi o tema da palestra
Do jurista renomado;
Refletiu sobre os problemas,
Do juiz trouxe os dilemas,
Como era esperado.

E começado o curso
Veio Administração,
Economia e Direito
Entraram na relação;
Posto tudo a preparar,
No contexto do julgar,
Pra uma melhor gestão.

De início, Antônio Carlos,
Com a Macroeconomia;
O pensador Zé Ricardo,
Pôs a Ética em dia;
Em Gestão e Orçamento
Armando Cunha fez tento,
Com a sua alegria.

O Roberto Bevilacqua
Também deu tal disciplina;
Pois Gestão e Orçamento
Há muito que ele ensina;
Mas para a Inovação
Jurisdicional a mão
Seguiu uma regência trina.

De um lado Carlos Affonso
De outro, o Sérgio Guerra,
Depois Leonardo Marques
Também pisou nesta terra;
Em seguida, a atenção
Dirigiu-se à gestão
Que a qualidade encerra.

Pra gestão da Qualidade
Veio Mauriti Maranhão;
E pra pôr Planejamento
Estratégico em ação,
Paulo Motta atuou,
Sobre a trinca bem falou:
Visão, valores e missão!

Reinou o Jean Menezes
Com a Metodologia;
Bem explanou Mello Serra,
A Gestão de Serventia;
Para um líder bem formar
Muito foi nos ensinar,
Paulo Motta em novo dia.

Para os estudos de caso
Com um novo praticar,
A Elisa Macieira
Também veio nos ensinar;
De tão empolgante o tema,
Inspirou até poema
Que fez a mestra chorar!

Tânia Almeida trouxe idéias
Sobre a Mediação,
No bojo desse estudo
Vimos Conciliação;
Por último, surge Yan,
Trazendo todo o afã
Da boa negociação.

Fazendo MBA
Ou então Eme Bi Ei,
MBA no Brasil,
Eme Bi Ei no inglês,
São quarenta e cinco alunos
5ª Região se fez.

Do total quarenta e cinco
Temos trinta magistrados,
Os demais são servidores
Vindo de vários estados,
Como colegas buscando
Novos e bons resultados.

Agora nome a nome
Eu vou depressa falar,
Começo com os colegas
Do Estado do Ceará;
De início, os juízes,
Os servidores vêm já!

Desculpem-me os juízes
Se não os chamo de doutor,
A minha pena atrevida
Da minha mão se soltou;
E ao escrever sozinha
Muita coisa aprontou!

Ó Danilo Fontenele
Ex-diretor da Seção;
Alcides Saldanha Lima
E Jorge Luiz Girão
Com a Karla de Almeida,
Todos titulares são!

Elise Avesque Frota,
Francisco Beto Machado,
Gisele Chaves Sampaio
Com André Dias ao lado;
O Júlio Rodrigues Coelho
Complementa este traçado.

Continuando a cantiga
Com Zé Parente Pinheiro,
Glêdison Marques Fernandes
Com o Ricardo Ribeiro;
Chegando Maria Júlia,
Cada qual é mais ligeiro!

Nagibe de Melo Jorge,
Marcus Vinícius Parente,
Leopoldo Fontenele,
Aguardem que tem mais gente;
O George Marmelstein
Com sua calma de sempre.

Sérgio Fiúza Tahim
No Juazeiro do Norte,
Com o Bruno Leonardo
A JF tem sorte,
Pois cada dia que nasce
Traz sol mais quente e mais forte.

Do Limoeiro do Norte
Chegou o Francisco Luiz,
O Zé Maximiliano
Fazendo Sobral feliz;
Essas foram as conclusões
Pela pesquisa que fiz!

Após listar os juízes,
Servidores vou listar,
Continuando os nomes
Da lista do Ceará;
Pois abram bem seus ouvidos
Que ora eu vou começar!

Agnor da Silva Carmo
Lotado na Capital;
E ora eu digo o nome
De Adriana Leal;
Tem a Maria Tereza
Na cidade de Sobral.

Tem Marianne Pacheco,
Luciana Barcelar,
A Francisca Cristiane
E Lauro Nogueira Sá;
Com Raquel Rolim Pereira
Finalizo o Ceará!

Do Rio Grande do Norte
Manuel Maia não está só,
Pois Mário Azevedo Jambo
Foi pra lá desatar nó;
Porém o Marcos Mairton
Tem versos de ouro em pó.

Integrando essa equipe
Veio a Diana Maria
Espelhando a 5.ª Vara
E sua Secretaria;
O Rio Grande do Norte
Eu fecho com alegria.

Raimundo Alves de Campos
Da Seção das Alagoas,
O Leonardo Resende
Com suas conversas boas;
Junto de Cíntia Menezes
Desculpem por estas loas.

César Arthur Cavalcanti
De Pernambuco, a Seção;
Aparecida Gonçalves
E Arthur Napoleão,
Da Vara de Petrolina
Que é um quente sertão.

Vem também de Pernambuco
O Valdir, que canta mal,
Veio também Marcus Vinícius
Da Vara só virtual;
Por último, Lúcia Amélia,
Bem-vinda, do Tribunal.

Agora eu digo os amigos
Da Justiça Sergipana;
O Ronivon de Aragão
Com sua grande pestana;
E a Valéria Vieira
Completou a caravana.

Do Estado de Sergipe
Houve uma desistência,
A Lidiane Vieira
Não pôde marcar presença;
Também temos Zé Donato:
Do Ceará, uma ausência.

Da Seção da Paraíba
Foi a Cristina Garcez,
Que hoje já não está
Estudando com vocês;
Por relevantes motivos
Teve que dar sua vez!

Da Seção Paraibana
Eu digo neste instante
Que o Marconi Pereira
É o seu representante;
Ele também é poeta
Que faz cordel empolgante.

E assim eu nominei
Toda essa gentil moçada,
Pois 45 alunos
Concluíram a jornada;
MBA em ação,
É a 5.ª Região
Sendo aqui representada!

O Poder Judiciário,
No modelo brasileiro,
É todo administrado
Por quem está no braseiro;
Este curso, então, garante
Que o juiz, ora em diante,
Possa atuar, por inteiro.

Pois multidisciplinar
Oferece formação,
Na jurídica seara
E também na de gestão;
Visando aperfeiçoamento,
Com grande aprofundamento
Do Tribunal é a visão!

A todos meus parabéns
Por esta iniciativa;
E agradeço aos amigos
Pela presença tão viva;
No trocar conhecimento,
Resplandece o sentimento
Que a todos emotiva!

E que nós não esqueçamos,
Ó colegas, ó professores,
Que o sucesso do curso
Também está nos bastidores;
Pra cada um nosso abraço,
Sabemos que cada passo
Traz em si os seus valores!...

Um voto de gratidão
De todo especial
Para a Gisele Peixoto
Com eficiência total;
Todo o curso acompanhou,
Com correção se portou:
Nosso abraço fraternal!

E neste encerramento,
O destino pôs sua Mão;
Com certeza o Bom Jesus
De novo dá Sua Benção,
Pois Dra. Margarida
Dá o ar de sua vida
Nesta última sessão!

 

Diante de tal manifestação poética, não podia eu permanecer inerte. E respondi ao colega de curso e de poesia com os seguintes decassílabos:

 

Meu amigo, Valdir, como é que pode?
De onde é que vem tanta inspiração?
Os teus versos transmitem emoção
Meu coração balança e se sacode.
Eu espero que ninguém se incomode
Se em versos também eu for falando,
Mas é que um poeta escutando
Tanta arte e tanta poesia
Sente logo uma carga de energia
Que os versos na boca vão brotando.

O Valdir, com a sua cantoria,
Já falou de alunos, professores
E também de quem lá dos bastidores
Tudo fez para a nossa alegria
De aqui reunidos, neste dia,
Nós dizermos, com a cabeça erguida
Para a Desembargadora Margarida,
Que aqui na Seção do Ceará
Terminamos o nosso MBA
Essa parte da missão está cumprida.

Outras partes virão, é bem verdade,
E a próxima é a monografia
Que, se fosse permitido, eu faria
Toda em versos, pois, na realidade,
Fazer versos não é dificuldade,
É um dom que Deus dá, e dá de graça
Mais difícil é ver um homem na praça
Com as mãos estendidas, esmolando,
e as pessoas ali que vão passando,
Passa gente, passa gente, passa e passa.

Não se pense que o homem que esmola
Nada tenha a ver com nosso tema
Pois sabemos que vivemos num sistema
Onde falta segurança e escola.
A Justiça também não se descola
Dos problemas sociais que o povo enfrenta
Nessa sociedade violenta
É preciso que a Justiça se imponha
Pra que a gente não morra de vergonha
Quando alguém vem e diz: - Ô coisa lenta!

É por isso que a parte principal
Que acontece neste nosso Eme Bi Ei
É levar, como um dia já falei,
Para as varas e para o tribunal
Tudo aquilo de mais fundamental
Que aqui nesses encontros aprendemos.
Pois se há uma missão que hoje temos
É lutar por uma Justiça eficiente
Não apenas por julgar rapidamente
Julgar bem, na verdade, é o que queremos.

Fecho, assim, minha participação
Já sentindo em meu peito a saudade
E usando essa oportunidade
Pra expressar toda minha gratidão
Aos que fazem a coordenação,
E aos que fazem o lanche e a limpeza.
E aos mestres que fizeram a gentileza
De enfrentar a aventura que é voar
No Brasil, atualmente, para dar
Nossas aulas aqui em Fortaleza.

Literatura de Cordel quarta, 19 de fevereiro de 2020

A HISTÓRIA DA RAINHA ESTER (FOLHETO DE SÍRLIA LIMA)

 

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A HISTÓRIA DA RAINHA ESTER

Sírlia Lima

 

O Rei de Assuero
Em três anos de reinado
Ofereceu um banquete
Mostrou ter prosperado
Foi uma festa de luxo
Ouro e prata por todo lado

Num desses banquetes
O Rei em estado de euforia
Mandou chamar Vasti
E a rainha não queria
Ser ele por constrangida
Mandou dizer que não iria

Xerxes era governador
De um grande império
Conquistou a Babilônia
Era um homem sério
E a Rainha Vasti
Cometeu despautério

Ela ousara dizer não
Para exibir sua beleza
Aos convidados do Rei
Num banquete da realeza
Ela caiu em desgraça
Eu lhe digo com franqueza

Os ministros sugeriram
Muitas moças convidar
A que o Rei escolhesse
Ocuparia o lugar
Uma nova rainha
Para o Rei se encantar

Mordecai era judeu
Que habitava a Babilônia
Tinha uma linda prima
Tão bela de dar insônia
Seus cabelos tão negros
Como as índias da Amazônia

Mordecai por sua prima
Tinha grande afeição
Desde pequenina
Criou-a em adoção
E a moça tinha chances
De vencer a seleção

Em direção ao palácio
Ester fez o percurso
Com um grupo de moças
Que fariam o concurso
Apenas desfilavam
Sem fazer nenhum discurso

No reinado havia sessões
De embelezamento
Do corpo e cabelo
Faziam tratamento
Por um ano se preparavam
Para o grande momento

Ao ver a linda Ester
O Rei disse radiante
Ela será minha  rainha
Decidiu naquele instante
Impressionado com a beleza
Em estado ofegante

Ester ficou feliz
Em ter sido escolhida
Ela sabia que agora
Mudaria sua vida
Tinha que ser compreensiva
Nunca ser tão atrevida

Mordecai  foi trabalhar
Na casa da realeza
Para se comunicar
Com muita sutileza
Manter Ester Informada
Com muito mais presteza

Mordecai ficou sabendo
De uma conspiração
Contra a vida do Rei
E fez a comunicação
Ester avisou ao marido
Que aos réus deu condenação

Em todos os reinados
Tem sempre um ser sinistro
Nesta história é Hamã
Que era primeiro ministro
Um ser ganancioso
Foi o que li registro

Quando Hamã passava
Ele logo percebeu
Que todos se ajoelhavam
Menos o povo judeu
Não gostava de Mordecai
Com ele nunca se deu


Hamã bem furioso
Ao Rei foi reclamar
Existe uma raça
Que não quer se dobrar
É a raça judia
Que as Leis vêm afrontar

Por isto majestade
Quero lhe aconselhar
Emita um decreto
Para poder exterminar
Esse povo insolente
Um a um vamos matar

O pedido de Hamã
O Rei logo atendeu
Quis logo exterminar
A maldade então se deu
Províncias se corresponderam
Para massacrar o povo judeu

Influenciado por Hamã
O Rei mandou aniquilar
Homem, mulher e criança
E os seus bens saquear
Foi tanta humilhação
Que é difícil narrar
Hamã lançou o PUR
Que quer dizer sortes
Exterminando os judeus
E tramando suas mortes
Os judeus em sua fé
Sempre foram muito fortes

Susã ficou perplexa
Não queria acreditar
Que seu Rei fosse cruel
E que fosse atacar
Só por causa da fé
Ver um povo se acabar



Se assim o fizer
Ouro e prata eu vou dar
Os judeus horrorizados
Começaram a orar
Clamando a Deus com fé
Que não costuma falhar

Preocupado Mordecai
Comunicou a rainha
Falou sobre o decreto
Com a discrição que tinha
Mordecai foi claro
Não falou em entrelinha

Ester era a esperança
Do humilde  povo judeu
Também corria riscos
Assim como o povo seu
Mesmo estando assustada
Por seu povo intercedeu

Ester ficou pensativa
Com tristeza no olhar
Há dias o Rei não me procura
Não estou a lhe agradar?
Tomara que me receba
Eu não quero lhe afrontar

A Rainha Ester
Estava decidida
Resolveu enfrentar o Rei
Com sua cabeça erguida
Ele estava bem humorado
E Ester foi atendida

O Rei levantou os olhos
E ao ver tanta beleza
Como pude esquecê-la
Minha flor da realeza?
Sua bondade me encanta
E realça a natureza

Qual é o seu pedido
Disse o Rei a indagar
Venha jantar comigo!
E a Hamã quero convidar
No jantar da noite seguinte
É que vou anunciar

Hamã com o convite
Sentiu-se vaidoso
Comentou com sua mulher
Esse homem invejoso
Queria ver Mordecai morto
Que homem mais tenebroso

A mulher de Hamã
Veio logo aconselhar
Construa uma forca
Que você vai precisar
Enforcar Mordecai
Sua vida exterminar

Hamã não perdeu tempo
Começou a construir
Uma forca para matar
E  Mordecai não existir
Que arma perigosa
Quero ver nela cair!

Os súditos leram para o Rei
Os registros reais
Mordecai os avisou
Das intenções ilegais
Mostrou quem era Hamã
E seus gestos imorais

O Rei chamou Hamã
E em seguida perguntou
O que devo fazer
Com quem me considerou?
Como posso compensá-lo?
O Rei logo indagou

Pensando que era ele
O grande Homenageado
Sugeriu uma procissão
Com gente de todo lado
No cavalo do Rei
Para ficar mais requintado

O Rei gostou da sugestão
E logo anunciou
Procure Mordecai
Que você tanto invejou
Anuncie pelas ruas
Que o Rei o recompensou

Hamã ficou furioso
Tinha que ficar calado
Contou tudo para a mulher
O que havia se passado
A mulher percebeu
Que a sorte tinha mudado

No Segundo banquete
Como havia preferido
O Rei perguntou a Ester
Qual é o seu pedido?
Livre a mim e ao meu povo
Da maldade de um pevertido

Quem ousou fazer tal coisa?
Disse o Rei indignado
Foi Hamã esse infiel
Que senta ao teu lado
Hamã pediu piedade
Mas não fora perdoado

Um empregado disse ao Rei
Que Hamã construiu
Uma forca para Mordecai
E o Rei logo decidiu
Mate-o nessa forca
Já que ele quem pediu


Mordecai passou a ser
O novo primeiro ministro
Graças a Rainha Ester
Tivemos outro registro
Mordecai anunciou
Sou eu quem administro


Ester pediu ao Rei
Para revogar o decreto
De exterminar os judeus
De uma vez por completo
Deixar o povo livre
Deste julgo incorreto

Os judeus foram autorizados
A enfrentar os inimigos
Estabelecer a paz
E livrar-se dos perigos
Eles foram vencedores
Comemoraram entre amigos

Os judeus comemoraram
Na Festa Purim
Vencendo os inimigos
E lhes deram triste fim
Sentiram muita alegria
Morreu muita gente ruim

Ester foi corajosa
Uma mulher discreta
Com muito orgulho daremos
Este nome a minha neta
Que ela seja abençoada
Uma alma boa e reta


Literatura de Cordel quarta, 12 de fevereiro de 2020

ABC DO CASAMENTO ( FOLHETO DE ANTONIO SENA ALENCAR, GENTILEZA DE PEDRO FERNANDO MALTA)

 

ABC DO CASAMENTO

 Antonio Sena Alencar

A – Amor é um sentimento
Que nasce no coração
E quando um casal o tem
Com firmeza e devoção
Não existe falsidade
Que fira a fidelidade
De sua doce união.

B – Bela e bacana é a vida
De um casal que se ama,
Porque em qualquer evento
Nenhum do outro reclama;
E de maneira geral
Na vivência conjugal
Não há lugar para trama.

C – Casamento eclesiástico
Ou civil é cerimônia
Que deve ser respeitada
Por qualquer pessoa idônea,
Mas no foro conjugal
O que mais pesa afinal
É um casal de vergonha.

 

D – Divórcio há sem razão,
Porque na realidade
Quando dois jovens se amam
E juram fidelidade
Devem tomar consciência
De que sua convivência
É o “dou fé” da verdade.

E – Em qualquer plano da vida
Deve haver sinceridade,
Respeito, compreensão,
Amor e fidelidade:
São estes bons sentimentos
Que abrem nossos momentos
De maior felicidade.

F – Família é o princípio
E o fim de um casal,
Dentro do conceito humano,
Cristão e material;
E a sua formação
Parte da consagração
Da união conjugal.

G – Galã é sempre um herói
Na hora de cortejar
Uma jovem favorita
A seu modo de amar;
Mas importante é saber
Se a pode converter
Numa senhora exemplar.

H – Homens de bom sentimento,
De caráter, de critério,
Procuram sempre levar
este assunto muito a sério,
pois não existe um evento
mais triste num casamento
que o de um adultério…

I – Importante nesse plano
É que moças e rapazes
Busquem saber de antemão
Quais as pessoas capazes
Na pretensão desse sonho,
Prevenindo um matrimônio
Dentro das melhores bases.

J – Jovens de ambos os sexos
Simulando honra e brio
Há hoje por toda parte,
Porém ante o desafio
Do fardo familiar
Enchem de filhos um lar,
Deixando o mesmo vazio.

L – Lua-de-mel é o ponto
De partida de um casal,
Mas nem sempre é bom augúrio
Para a vida conjugal,
Porque certos casamentos
Perdem-se nesses momentos
De ilusão sensual.

M – Marido e mulher convêm
Unir-se de coração,
Depois dum namoro sério,
Com justa consagração;
E antes do casamento
Confrontar seu sentimento
Moral, humano e cristão.

N – noivado é assunto sério,
Que deve ser meditado
Por ambos os pretendentes
Antes de ser programado.
Um plano de vida a dois
Deve antes – não depois-
Do enlace ser traçado.

O – Ódio é um sentimento
Que nunca deve existir
Entre marido e mulher,
Pois qualquer um que nutrir
Esse pensamento atroz
Não pode, de viva voz,
Um lar feliz construir.

P – Paz e Amor são os dois
Elementos principais
Que devem manter de cedo
Uma moça e um rapaz,
Logo que o casamento
Aflora em seu sentimento,
Para um futuro eficaz.

Q – Queima é um casamento
Bastante precipitado,
Conhecido no Nordeste,
Feito sem ser programado;
E nunca inspira um futuro
Feliz, sadio e seguro
Como o que é planejado…

R – Realmente um matrimônio
Contraído de repente
Nunca pode assegurar
Um futuro eficiente.
Um desajuste entre os dois
Pode acontecer depois
Por questão de antecedente…

S – Seguro morreu de velho:
Este é um provérbio antigo
Que deve ser respeitado
Ante um possível perigo…
E as moças e rapazes
Devem ser mais perspicazes
Quando em busca desse abrigo.

T – Toda moça que se preza
Não se entrega a um rapaz
Antes de tornar-se sua,
Por atos sacramentais,
Pois se assim proceder
Já passa a comprometer
Seus predicados morais.

U – Unir-se conjugalmente,
Sem conscientização,
É algo muito arriscado
Dentro do dever cristão…
Como tudo, o casamento
Deve ter o planejamento
Equilíbrio e decisão.

V – Virgindade é a virtude
Maior que a moça detém,
No plano do matrimônio,
Coisa que muitas não têm..
E muitas separações,
Intrigas e frustrações,
Desse infortúnio provêm.

X – Xodó é uma palavra
Do nosso vocabulário
Aplicada ao namoro
Ou namorado primário;
Mas pode naturalmente
Ter um elo consistente
De valor prioritário.

Z – Zelo, afeto e devoção,
No plano familiar,
São finalmente a divisa
E a pedra basilar
Que implicam no sucesso,
Na grandeza e no progresso
De um casal exemplar.


Literatura de Cordel quarta, 05 de fevereiro de 2020

O IMPOSTO DE HONRA (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS)

 

O IMPOSTO DE HONRA – Leandro Gomes de Barros

O velho mundo vai mal
E o governo danado
Cobrando imposto de honra
Sem haver ninguém honrado
E como se paga imposto
Do que não tem no mercado?

Procurar honra hoje em dia
É escolher sal na areia
Granito de pólvora em brasa
Inocência na cadeia
Agua doce na maré
Escuro na lua cheia.

Agora se querem ver
O cofre público estufado
E ver no Rio de Janeiro
O dinheiro armazenado
Mande que o governo cobre
Imposto de desonrado.

Porém imposto de honra
É falar sem ver alguém
Dar remédio a quem morreu
Tirar de onde não tem
Eu sou capaz de jurar
Que esse não rende um vintém.

Com os incêndios da alfândega
Como sempre tem se dado
Dinheiro que sai do cofre
Sem alguém ter o tirado
Mas o empregado é rico
Faz isso e diz: — Sou honrado.

Dizia Venceslau Brás
Com cara bastante feia
Diabo leve a pessoa
Que compra na venda alheia
O resultado daí
É o freguês na cadeia.

 

Ora o Brasil deve à França
Mas a dívida não foi minha
Agora chega Paris
Tira o facão da bainha
E diz: — Quero meu dinheiro
Inda que seja em galinha.

Seu fulano dos anzóis
Entrou e meteu o pau
Pensou que tripa era carne
E gaita era berimbau
Vão cobrar desse, ele diz,
Quem paga é seu Venceslau.

Disse Hermes da Fonseca
Eu não tinha nem um x.
Mas achei quem emprestasse
Tomei tudo quanto quis
Embora tivesse feito
A derrota do país.

Disse Pandiá Calógeras:
— Há um jeito de salvar
Cobre-se imposto de honra
Que ver dinheiro abrejar.
Disse o Brás: — Ninguém tem honra,
Como se pode cobrar?

Apareceu uma parte
Do Rivadávia Correia:
Não tem aqui entre nós
Devido à cousa está feia
Não acha-se no senado
Procura-se na cadeia.

O major Deocleciano
Disse da forma seguinte:
— Na cadeia do Recife
Eu tive um constituinte
Entre ele e outros mais
Inda se pode achar vinte.

Disse o Dr. Rivadávia:
— Eu fiz doutor de 60
Dei carta aqui a quadrado
Que não escreve pimenta
Tem médico que receitando
Procura o pulso na venta.

Porém na minha algibeira
Sessenta fachos ficaram
Embora tenha saído
Mais burro do que entraram
Dei diploma a criaturas
Que nem o nome assinaram.

E este imposto de honra
Está nas mesmas condições
Tira-se bom resultado
Onde houver muitos ladrões
Até mesmo a meretriz
Levará seus dez tostões.

Ela pagando imposto
Pode provar que é honrada
Tendo uns oito ou nove erros
Isso não quer dizer nada
Passa por viúva alegre
Ou uma meia casada.

Qualquer ladrão de cavalo
Paga o que for exigido
Porque dessa data cru diante
Não rouba mais escondido
Com o talão do imposto
Não o prendem é garantido.

Pelo menos eu conheço
Um tal Chico Galinheiro
Que disse: — Eu pago imposto
Também quem tiver poleiro
Nunca mais há de criar-se
Nem um pinto no terreiro.

Disse Marocas de todos:
— Oh! cousa boa danada
Eu compro um vestido preto
E grito: — Rapaziada
Meu marido não morreu
Mas eu? sou viúva honrada.

Pago o imposto de honra
Boto no bolso o talão
E grito no meio da rua
Se aparecer um ladrão
Que diga: — Não és honrada
Veja se eu provo ou não.

Esses diabos que hoje
Me chamam Marocas tinha
Quando eu pagar o imposto
Me tratam por sinhazinha
Se for de tenente acima
Chamam dona Maroquinha.

Disse um zelador da noite:
— O imposto não é mau
Foi uma lembrança ótima
Aquela do Venceslau
O diabo é se o talão
Não livrar ninguém do pau.

Se a cousa for como eu penso
E não tiver seus conformes
Nós operários noturnos
Teremos lucros enormes
Cada corador por noite
Nos rende dous uniformes.

Dormindo o dono da casa
Dar-se a busca no quintal
Inda a polícia chegando
Não pode nos fazer mal
Pois nós pagamos imposto
Ao governo federal.

Disse um passador de cédula:
— Ai eu não sei o que faça
Se quem pagar o imposto
Puder passar cédula falsa
Com uma eu pago o imposto
Sai-me a receita de graça.

Disse Zé Frango: — Esse imposto
Chegando eu tenho que pagá-lo
O pago com sacrifício
Mas também tenho o regalo
Quem me chamava Zé Frango
Há de chamar Zeca-Galo.

Dizia João caloteiro:
— Está muito bem isso assim
Benza-te Deus, Venceslau
Deus te ajude até o fim
Eu hei de ver se o comércio
Ainda cobra de mim.

Tem dia que lá em casa
Eu desespero da fé
Ouço baterem na porta
Vou abrir e ver quem é
Acho na porta escorado
O caixeiro do café.

Antes de desenganá-lo
Chega o danado da venda
O sapateiro de um lado
E o turco da fazenda
O recado do açougue
A velha cobrando a renda.

Nisso chega outro diabo
Com um recibo na mão
Antes de chegar, pergunta
Se eu tenho dinheiro ou não.
Ou o dinheiro ou a chave
Manda dizer o patrão.

Eu pagando esse imposto
Fico disso descansado
Quando um bater-me na porta
Digo puxe desgraçado
Eu pago imposto de honra
Não sou desmoralizado.

Embora roube de alguém
O imposto hei de pagar
Mas todo mundo já sabe
Na bodega que eu chegar
Nem pergunto pelo preço
É só mandar embrulhar.


Literatura de Cordel quarta, 29 de janeiro de 2020

ANTONIO SILVINO, O REI DOS CANGACEIROS (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS, GENTILEZA DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ANTONIO SILVINO, O REI DOS CANGACEIROS – Leandro Gomes de Barros

Antonio Silvino (1875 – 1944)

O povo me chama grande
E como de fato eu sou
Nunca governo venceu-me
Nunca civil me ganhou
Atrás de minha existência
Não foi um só que cansou.

Já fazem 18 anos
Que não posso descansar
Tenho por profissão o crime
Lucro aquilo que tomar,
O governo às vezes dana-se
Porém que jeito há de dar?!

O governo diz que paga
Ao homem que me der fim,
Porém por todo dinheiro
Quem se atreve a vir a mim?
Não há um só que se atreva
A ganhar dinheiro assim.

Há homens na nossa terra
Mais ligeiros do que gato,
Porém conhece meu rifle
E sabe como eu me bato,
Puxa uma onça da furna,
Mas não me tira do mato.

Telegrafei ao governo
E ele lá recebeu,
Mandei-lhe dizer: doutor,
Cuide lá no que for seu,
A capital lhe pertence
Porém o estado é meu.

O padre José Paulino
Sabe o que ele agora fez?
Prendeu-me dois cangaceiros,
Tinha outro preso fez três,
O governo precisou
Matou tudo de uma vez.

Porém deixe estar o padre,
Eu hei de lhe perguntar
Ele nunca cortou cana
Onde aprendeu a amarrar?
Os cangaceiros morreram
Mas ele tem que os pagar.

Depois ele não se queixe,
Dizendo que eu lhe fiz mal,
Eu chego na casa dele,
Levo-lhe até o missal,
Faço da batina dele
Três mochilas para sal.

 

Um dos cabras que mataram,
Valia três Ferrabrás
Eu não dava-o por cem papas,
Nem quinhentos cardeais
Não dava-o por dez mil padres,
Pois ele valia mais.

Mas mestre padre entendeu
Que ia acertadamente
Em pegar meus cangaceiros
E fazer deles presente,
Quem tiver pena que chore
Quem gostar fique contente.

Meus cangaceiros morreram
Mas ele morre também,
Eu queimando os pés aqui
Nem mesmo o diabo vem,
Eu não vou criar galinhas
Para dar capões a ninguém.

Tudo aqui já me conhece
Algum tolo inda peleja,
Eu sou bichão no governo
E sou trunfo na igreja.
Porque no lugar que passo
Todo mundo me festeja.

No norte tem quatro estados
À minha disposição,
Pernambuco e Paraíba
Dão-me toda distinção,
Rio-Grande e o Ceará
Me conhecem por patrão.

No Pilar da Paraíba
Eu fui juiz de direito,
No povoado – Sapé,
Fui intendente e prefeito,
E o pessoal dali
Ficou todo satisfeito.

Ali no entroncamento
Eu fui Vigário-Gral,
Em Santa Rita fui bispo,
Bem perto da capital,
Só não fui nada em Monteiro,
Devido a ser federal.

Porém tirando o Monteiro,
O resto mais todo é meu,
Aquilo eu faço de conta
Que foi meu pai que me deu
O governo mesmo diz:
Zele porque tudo é seu.

Na vila de Batalhão,
Eu servi de advogado,
Lá desmanchei um processo
Que estava bem enrascado,
Livrei três ou quatro presos
Sem responderem jurado.

Só não pude fazer nada
Foi na tal Santa Luzia.
Perdi lá uma eleição,
A cousa que eu não queria,
Mas o velho rifão diz:
Roma não se fez n’um dia.

O padre José Paulino
Pensa que angu é mingau
Entende que sapo é peixe
E barata é bacurau
Pegue com chove e não molha,
Depois não se meta em pau.

Eu já encontrei um padre,
Recomendado de papa,
Tinha o pescoço de um touro,
Bom cupim para uma tapa,
Fomos às unhas e dentes,
Foi ver aquela garapa.

Quando o rechonchudo viu
Que tinha se desgraçado,
Porque meu facão é forte,
Meu baço é muito pesado,
Disse: vôte, miserável,
Abancou logo veado.

Eu gritei-lhe: padre-mestre,
Me ouça de confissão.
Ele respondeu-me: dane-se
Eu lhe deixo a maldição,
Em mim só tinha uma coroa,
Você fez outra a facão.

Eu inda o deixei correr
Por ele ser sacerdote,
Para cobra só faltava
Enroscar-se e dar o bote,
Aonde ele foi vigário,
Quatro levaram chicote.

Foi tanto qu’eu disse a ele:
Padre não seja atrevido
Tire a peneira dos olhos,
Veja que está iludido,
Eu lhe respeito a coroa,
Porém não o pé do ouvido.

O velho padre Custódio,
Usurário, interesseiro,
Amaldiçoava quem desse
Rancho a qualquer cangaceiro,
Enterrou uma fortuna,
E eu sonhei com o dinheiro!…

Então fui na casa dele,
Disse, padre eu quero entrar,
Sonhei com dinheiro aqui!…
E preciso o arrancar,
Quero levá-lo na frente
Para o senhor me ensinar.

O padre fez uma cara,
Que só um touro agastado,
Jurou por tudo que havia,
Não ter dinheiro enterrado,
Eu lhe disse, padre-mestre,
Eu cá também sou passado.

Lance mão do cavador,
E vamos ver logo os cobres,
Esse dinheiro enterrado
Está fazendo falta aos pobres,
Usemos de caridade
Que são sentimentos nobres.

Dez contos de réis em ouro
Achemos lá n’um surrão,
Três contos de réis em prata
Achou-se n’outro caixão,
Eu disse: padre não chore,
Isso é produto do chão.

O padre ficou chorando
Eu disse a ele afinal
Padre mestre este dinheiro
Podia lhe fazer mal
Quando criasse ferrugem
Lhe desgraçava o quintal.

Ajuntei todos os pobres
Que tinham necessidade
Troquei ouro por papel
Haja esmola em quantidade
Não ficou pobre com fome
Ali naquela cidade.

O padre José Paulino
Acha que estou descansado
Queria fazer presente
Ao governo do Estado
Deu três cangaceiros meus
Sem nada lhe ter custado.

Um desses ditos rapazes,
Estava até tuberculoso,
O segundo era um asmático,
O terceiro era um leproso,
O urubu que o comeu
Deve estar bem receios.

Tive nos meus cangaceiros
Um prejuízo danado,
Primeiro foi Rio-Preto,
Segundo Pilão-Deitado,
Os homens mais destemidos
Que tinham me acompanhado.

Eu juro pelo meu rifle,
Que o Padre José Paulino
Cai sempre na ratoeira
E paga o grosso e o fino,
Não há de casar mais homem,
Nem batizar mais menino.

Eu sempre gostei de padre
Tenho agora desgostado
Padre querer intervir
Em negócio do Estado?!…
Viaja sem o missal,
Mas leva o rifle encostado.

Em vez de estudar o meio
Para nos aconselhar,
Só quer saber com acerto,
Armar rifle e atirar,
Lá onde ele ordenou-se,
Só lhe ensinaram a brigar.

Depois ele não se queixe,
Nem diga que sou malvado,
Ele nunca assentou praça
Como pode ser soldado?
Não tem razão de queixar-se,
Se tiver mau resultado.

Quatro estados reunidos
Tratam de me perseguir,
Julgam que não devo ter
O direito de existir,
Porém enquanto houver mato,
Eu posso me escapulir.

Eu ganhando essas serras,
Não temo alguém me pegar
Ainda sendo um que pegue,
Uma piaba no mar,
Um veado em mata virgem
E uma mosca no ar.

Eu já sei como se passa
Cinco dias sem comer,
Quatro noites sem dormir,
Um mês sem água beber,
Conheço as furnas onde durmo
Uma noite se chover.

Uma semana de fome,
Não me faz precipitar,
Mato cinco ou seis calangos
Boto no sol a secar,
Quatro ou cinco lagartixas,
Dão muito bem um jantar.

Eu passei mais de um mês
Numa montanha escondido,
Um rapaz meu companheiro
Foi pela onça comido,
Por essa também
Eu fui muito perseguido.

Era um lugar esquisito,
Nem passarinho cantava!…
Apenas à meia noite
Uma coruja piava,
Então uma grande onça,
De mim não se descuidava.

Havia muito mocós,
Eu não podia os matar,
Andava tropa na serra
Dia e noite a me caçar,
No estampido do tiro
Era fácil alguém me achar.

Passava-se uma semana
Que nada ali eu comia,
Eu matava algum calango
Que por perto aparecia
Botava-os na pedra quente
Quando secava eu comia.

Quando apertava-me a sede
Pegava a croa de frade
Tirava o miolo dela
Chupava aquela umidade
Lá eu conheci o peso
Da mão da necessidade.

Um dia que a tropa andava
Na serra me procurando
Viram que um grande tigre,
Estava em frente os emboscando
Um dos oficiais disse:
Estamos nos arriscando.

E o Antonio Silvino
Não anda neste lugar,
Se ele andassem, aquela onça
Havia de se espantar,
Eu estava perto deles,
Ouvindo tudo falar.

Ali desceu toda a tropa,
Não demoraram um momento,
Um soldado que trazia
Um saco de mantimento,
Por minha felicidade
Deixou-o por esquecimento.

Eu estava dentro do mato,
Vi quando a tropa desceu
O tigre soltou um urro,
Que o tenente estremeceu
Até a borracha d’água
Uma das praças perdeu.

Quando eu vi que a tropa ia
Já n’uma grande lonjura,
Fui, apanhei a mochila,
Achei carne e rapadura,
Farinha queijo e café,
Aí chegou-me a fartura.

Achei a borracha d’água
Matei a sede que tinha,
A carne já estava assada,
Fiz um pirão de farinha
Enchi a barriga e disse:
Deus te dê fortuna, oncinha.

Porque a tua presença,
Fez toda a força ir embora,
O ronco que tu soltasses,
encheu-me a barriga agora,
Eu com a sede que estava,
Não durava meia hora.

E é agora o que faço,
Havendo perseguição,
Procuro uma gruta assim
E lá faço habitação,
Só levo lá, um, dous rifles
E o saco de munição.

Me mudo para uma furna
Que ninguém sabe onde é,
A furna tem meia légua
Marcando de vante a ré,
A onça chega na boca
Mas dentro não põe o pé.

A onça conhece a furna,
Desde a entrada à saída
Porém qual é essa fera
Que não tem amor à vida?
Uma onça parte assim,
Se vendo quase perdida!…

Quando eu deixar de existir
Ninguém fica em meu lugar,
Ainda que eu deixe filho,
Ele não pode ficar,
Porque a um pai como eu
Filho não pode puxar.

Pode ter muita coragem
Ser bem ligeiro e valente,
Mas vamos ver suporta
Passar três dias doente,
Com sede de estalar beiço
E fome de serrar dente.

Se não tiver natureza
De comer calango cru,
Passe um mês sem beber água
Chupando mandacaru,
Dormir em furna de pedra
Onde só veja tatu.

Não podendo fazer isso,
Nem pense em ser cangaceiro,
Que é como um cavalo magro
Quando cai no atoleiro,
Ou um boi estropiado
Perseguido do vaqueiro.

Há de ouvir como cachorro,
Ter faro como veado,
Ser mais sutil do que onça,
Maldoso e desconfiado,
Respeitar bem as famílias,
Comer com muito cuidado.

Andar em qualquer lugar
Como quem está no perigo,
Se for chefe de algum grupo
Ninguém dormirá consigo,
O próprio irmão que tiver,
O tenha como inimigo.

O cangaceiro sagaz
Não se confia em ninguém,
Não diz para onde vai,
Nem ao próprio pai se tem,
Se exercitar bem nas armas,
Pular muito e correr bem.

Em meu grupo tem entrado
Cabra de muita coragem,
Mas acha logo o perigo
E encontra a desvantagem
Foge do meio do caminho,
Não bota o meio da viagem.

Porque andar vinte léguas
Isso não é brincadeira,
E romper mato fechado,
Subir por pedra e ladeira,
Como eu já tenho feito,
Não é lá cousa maneira.

Pegar cobra como eu pego
Quando ela quer me morder,
Cascavel com sete palmos,
Só se Deus o proteger,
Mas eu pego quatro ou cinco
E solto-a, deixo-a viver.

Que é para ela saber,
Que só eu posso ser duro,
Eu já conheço o passado,
Nele ficarei seguro,
Penso depois no presente
Previno logo o futuro.


Literatura de Cordel quarta, 22 de janeiro de 2020

FLOR MULHER (FOLHETO DE MANOEL MESSIAS BELIZÁRIO NETO)

 

 

 

FLOR MULHER

Manoel Messias Belizario Neto

 


O senhor da criação,
No auge de seu amor,
Visita o jardim terrestre
E cria a mais linda flor
Cuja beleza é sempre
Celebrada com louvor.

Refiro-me à flor mulher
Que em toda situação
(se ela nasce na relva
Ou nas brenhas do sertão)
O amor é a lei maior
Que rege seu coração.

Como mãe ela exala
Amor incondicional
Sendo ou não correspondida
Pelo lado filial.
Dá a vida pela prole
Num momento crucial.

Como esposa se entrega
De corpo e alma ao marido.
Renuncia muita coisa
Em função do seu querido.
Colore a vida dele
Dando a esta mais sentido.

Conduz a sua família
Com mão de sabedoria.
Organização é arte
Que sempre lhe auxilia.
O seu estandarte é
Uma constante alegria.

Pergunto-te flor mulher:
Onde achas tanta ternura?
Como tu consegues ser
A mais bela criatura?
O que seria do homem
Se faltasse esta figura?

Como manter uma estrela
No céu claro escondida?
A flor mulher se destaca
Em todo o jardim da vida.
É a bondade divina
Na humanidade esculpida.

Houvera tantas batalhas
À conquista do jardim
Em busca de igualdade
Em relação ao capim.
A flor mulher não desiste
Resiste até o fim.

E assim vai conquistando
Espaço na sociedade.
“Uma flor mais que escândalo”!
“Respeite por caridade”!
Esta flor há muito tempo
Batalha por igualdade.

Diz-me amigo por que
Alguns homens sem valor
Vem agir com desrespeito
Com a nossa linda flor?
Porque um jardim sem rosas
É um deserto de dor.

Como pode haver no mundo
Alguém com tanta frieza
Para maltratar o ser
Mais lindo da natureza.
Querer através do mal
Ofuscar sua beleza?

Homem honre esta mãe,
Esta esposa, esta amiga.
Seus conselhos são a voz
De Deus por isso os siga.
Ela sempre quer livrá-lo
De toda e qualquer intriga.

Homem respeite esta mãe
Esta esposa, esta mulher.
Ame-a com todas as forças,
Pois sabes que ela é
Aquele ser que fará
Por ti tudo o que puder.

Literatura de Cordel quarta, 15 de janeiro de 2020

FIM DE MISSA (FOLHETO DO POETA FELIPE JÚNIOR)
 
 

FIM DE MISSA
Poeta Felipe Júnior
(Do livro “Relicário” e CD “Na boléia da rima e do Riso”)

Fica no templo somente
O sacristão zelador
Endireitando o andor
Pra usá-lo novamente;
Fica um cego no batente
Tocando uma concertina,
Se uma moeda retina
Ele diz: Deus abençoe!
Mesmo sem saber quem foi
Depois que missa termina.

Uns dois ou três batizados;
As portas entre abertas;
Duas meninas espertas
Arrumando seus trocados.
O padre faz simulados
E com o sacristão combina,
Pra mostrar como se ensina
Pedir trocado em Igreja,
E o padre rindo, festeja
Depois que a missa termina.

O zelador atrasado
Limpa a Igreja ligeiro,
Deposita no lixeiro
Papel, chiclete mascado, ...
Depois põe tudo ensacado
Todo o lixo da faxina
Põe o saco na esquina
Pro carro depois levar
E só volta a arrumar
Depois que a missa termina.

Menino na escadaria
Sacristão correndo atrás;
Um candeeiro de gás
Que bem pouco alumia.
Com a Igreja vazia
O padre tira a batina.
Chega uma irmã vicentina
Querendo se confessar,
Vendo a porta se fechar
Depois que a missa termina.

A noite chega de vez
E envolve com sua sombra;
Um pinto novo se assombra
Com uma galinha pedrês;
Um casal de camponês;
Um cheiro se dissemina,
É a ceia nordestina
Saborosa com certeza,
Porém só é posta a mesa
Depois que a missa termina.

A dupla de cantadores
Canta num pé-de-parede;
Um velho arma uma rede,
Reclama de suas dores;
Um grupo de rezadores
Uma novena combina;
Alguém discerra a cortina
Da porta da sacristia,
Fica a igreja vazia
Depois que a missa termina.

O grupo de jovem sai
E casais em saudação;
O padre leva sermão
De um amigo do seu pai;
Uma velhinha que vai
Fazer sua reza divina,
Com o rosto e a pele fina
Quase revelando o osso,
Mas tira a nota do bolso
Depois que a missa termina.

O padre leva o dinheiro
Pra casa paroquial
E um coroinha mal
Pega uma moeda ligeiro.
Vai correndo pro oiteiro
Em direção da cantina
Compra rapadura fina
Pra comer com pão bem cedo,
E tudo fica em segredo
Depois que a missa termina.

Um homem bem elegante
Faz a sua doação,
O padre dá gratidão
Pelo seu gesto operante.
E ele todo falante
A uma pobre se destina,
Era a dona Severina
Que passou de sua hora
E bota a pobre pra fora
Depois que a missa termina.

E reina um silêncio orante
Na velha Igreja barroca;
Na porta uma velha moca
Quer confessar neste instante;
Alguém no auto-falante
Faz a prece vespertina;
Na calçada uma menina
Risca com caco de telha;
O sol apaga a centelha
Depois que a missa termina.

Um casal de namorados
Felizes e sorridentes,
Namorando nos batentes
Conversam de braços dados.
Dois homens embriagados
Falam alto na esquina;
Cai uma rala neblina
De uma nuvem passageira
Para apagar a poeira
Depois que a missa termina.

O sino não faz abalo
Como uma prece propondo
E um casal de maribondo
Pousa em cima do badalo;
O travão dá um estalo
Que estremece a campina;
Por trás da verde colina
O sol esconde seu rosto
E a lua assume seu posto
Depois que a missa termina.

O padre na sacristia
Recolhe seus paramentos;
No oitão quatro jumentos
Que servem de montaria;
Reza uma Ave-Maria
Uma velha bem franzina,
Depois de rezar se inclina
Fazendo o sinal da cruz
Beija o santo e apaga a luz
Depois que a missa termina.

Os morcegos esvoaçam
Fazendo belas manobras;
Entre as linhas duas cobras
No cio se entrelaçam;
Duas lagartixas passam
Por cima da ripa fina;
Debaixo da sarafina
Sai uma “briba” cinzenta,
Pois ela só se apresenta
Depois que a missa termina.

Num canto do santuário
Um presépio de natal;
Duas velhas falam mal
Da pregação do vigário.
Outra recita o rosário
Que aprendeu quando menina.
O sacristão diz: Firmina,
Deixe pra rezar depois!
Ficam discutindo os dois
Depois que a missa termina.

O padre soma a quantia
Da coleta do domingo;
Aquele velho mendigo
Recolhe sua bacia.
Um silêncio contagia
A cidade pequenina,
Reina uma paz divina
E uma santa solidão.
Isso se vê no sertão
Depois que a missa termina.
 

Literatura de Cordel quarta, 08 de janeiro de 2020

A CASA DO ÉBRIO (FOLHETO DE CANCÃO, GENTILEZA DE PEDRO FERNANDO MALTA)

 

 

UM FOLHETO DE JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA, O CANCÃO

A CASA DO ÉBRIO

Era um casebre tristonho
De cujas paredes tortas
Vinha um rangido enfadonho
Dos gonzos de duas portas
As telhas já nodoadas
Duas roletas deitadas
Numa camarinha escura
O vento, quando passava
Parecia que falava
Nas frinchas das fechaduras.

Na parede do nascente
Um banco desmantelado
Um garrafão de aguardente
Que ainda havia sobrado
Junto ao quarto de dormida
Cera que foi derretida
Do resto de algumas velas
No chão, marcas de escarros
Cacos de vidros, cigarros
Rolavam por cima delas.

Uma rede remendada,
Outra parte descosida
Em um torno pendurada
Pela fumaça tingida
De um lado havia um cambito
Onde um couro de um cabrito
Sobre um arame pendia
Mais adiante, um jirau
Junto à travessa de um pau
Onde um morcego vivia.

Uma corda, uma rodilha
Bem acima de um caixão
Um pote, numa forquilha
Vazava junto ao fogão
Um gato cego e doente
Deitado sobre um batente
Por certo sentia sono
De fora, um jumento olhava
O seu olhar revelava
A malvadez do seu dono.

Uma vara de ferrão
A banda de uma tigela
Meio quilo de sabão
Embrulhado dentro dela
A banda de um cobertor
Atada em um armador
Onde havia um candeeiro
Uma camisa de saco
Mostrava por um buraco
A tampa dum tabaqueiro.

 

Uma cadeira quebrada
As pernas de um tamborete
Uma foice enferrujada
Encabada num cacete
Ao lado de uma cangalha
Havia um chapéu de palha
Com um remendo de pano
Um tronco de mandioca
Um anzol numa taboca
Pra pesca do fim de ano.

Havia armado um quixô
Encostado a um baú
Costurado com cipó
Todo feito a couro cru
Num recanto separado
Conservava-se embrulhado
O braço de uma viola
Zelava por tradição
Que seu pai foi campeão
De cantar pedindo esmola.

Uma calça de azulão
Perto da porta do meio
A bainha de um facão
Balançava em um esteio
Numa mesinha na sala
Havia cascas de bala
Um bisaco e uma garrucha,
A manga de um paletó
E um galho de mororó
Guardado pra tirar bucha.

Cinco ovos de galinha,
Um punhado de limão
Uma cuia com farinha
Sobre a boca de um pilão
Uma rolinha pelada
Numa gaiola quebrada
Junto à porta dormia
Em frente, um cão cochilava
Com certeza decorava
Sua cruel profecia.

Um pedaço de perneira
Um serrote e uma enxó
Tudo dentro duma esteira
Amarrada em um cipó
Um candeeiro sem asa
E num recanto da casa
Quatro cartas de baralho
Em um barbante, num prego
Atada por um nó cego
Estava preso um chocalho

A canela de um veado
Uma ponta de carneiro
Em um gibão amarrado
Um facho de marmeleiro
Em frente havia um baú
Bem apoiado no chão
Sobre sua tampa aberta
Mostrava uma prova certa
Donde guardava o carvão.

Abaixo de um travesseiro
Um pouco de sola em dobra
Dada por um curandeiro
Pra mordedura de cobra
Ais um cachimbo de barro
Que o mau cheiro de sarro
Chegava até o cozinho
Em um recanto, num banco
Um sapato preto e branco
Que recebeu de um padrinho.

Muitas formigas pequenas
Umas vinhas, outras iam
E assim muitas centenas
Entre os torrões se escondiam
Duas varas emendadas
Numa parede pregadas
Quase na forma de uma “vê”
Se o vento balançava, vinha
Do terreiro ou da cozinha
Um cheiro não sei de quê.

Uma criança chorava
Juntinho da mãe doente
Que com esforço lhe olhava
Mas já com ar diferente
O rosto banhado em pranto,
Deitado sobre um recanto
Numa parece encostada
A face triste e sóbria
Que durante aquele dia
Não tinha comida nada.

Depois, um homem barbado
Entrava cambaleando
Num andar lento e pesado
Exasperado falando
Um ferimento num braço
Se ia aumentar o passo
Botava a mão na parede
Sorria e depois chorava
Pelos seus traços mostrava
Sinais de quem tinha sede.


Literatura de Cordel quarta, 01 de janeiro de 2020

EU TENHO PENA DE MIM (FOLHETO DE ISMAEL GALVÃO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

 
 
 
 
EU TENHO PENA DE MIM
Ismael Gaião
 
 
 
Por ter sido um sonhador,
Por lutar por nosso povo
Que ainda é tão sofredor,
Por ter sempre batalhado
Por justiça, com pudor.

Por sempre compactuar
Com a honra e a honestidade…
Por querer que nosso povo
Primasse pela verdade
E por vê-lo enveredar
Pela desonestidade.

Eu tenho pena de mim…
Por ter feito parte um dia
De uma era que lutou
Em prol da democracia.
Por sonhar com a liberdade
Que pra seus filhos queria.

Eu tenho pena de mim…
Por entregar, simplesmente,
A derrota das virtudes
Nas mãos dos filhos da gente,
Pra se julgar a verdade
Com insensatez, somente.

Por permitir que a família,
Seja negligenciada
Pensando apenas no “eu”
De forma demasiada
E na tal “felicidade”
A qualquer custo, buscada.

Buscada pelos caminhos
Eivados de desrespeito
Para com o nosso próximo
E ainda “encher o peito”…
Esquecendo que existe
Essa palavra: respeito.

Eu tenho pena de mim…
Por tanta passividade.
Por não despejar meu verbo,
Indo em busca da verdade,
A tantas desculpas dadas
Pelo orgulho e vaidade.

Eu tenho pena de mim…
Por fingir não escutar
A tantos “floreios” feitos
Para se justificar,
Tantos atos criminosos
Que costumam praticar.

A falta de humildade
Para se reconhecer
Um erro já cometido
Fingindo desconhecer
Que aquele erro brutal
Tenha feito outro sofrer.

E também a relutância
Em não querer mais lembrar
Da antiga posição
Insistente em “contestar”,
Sem querer voltar atrás,
Para o futuro mudar.

Eu tenho pena de mim…
E isso me faz sofrer,
Pois faço parte de um povo
Que estou sem reconhecer,
E o vejo ir por caminhos
Que eu nunca quis percorrer…

Eu tenho pena de mim…
Por ver a minha impotência,
A minha falta de garra,
O meu cansaço e demência…
E as minhas desilusões
Para viver com decência.

Não tenho para onde ir
Porque amo esse meu chão
E vibro ao ouvir seu Hino
Que é meu de coração
E representa essa terra
Que eu tenho como Nação.

Mas jamais minha Bandeira
Eu usei para enxugar
As lágrimas desse meu rosto,
Quando tive que chorar,
Por ver as futilidades
No meu país avançar.

E ao lado dessa tristeza
Que me deixa tão ordeiro,
E dessa pena de mim
Que enrubesce o corpo inteiro…
Eu tenho pena de ti,
Nobre povo brasileiro.

Que só vê as nulidades
Sem virtude, triunfar…
Que sempre vê a desonra,
Dentre os homens, prosperar
E também a injustiça
Cada vez mais aumentar.

E por ver nas mãos dos maus,
Em detrimento do resto,
O Poder agigantar-se
Sem haver nenhum protesto,
Rir-se da honra e ter
Vergonha de ser honesto!

Literatura de Cordel quarta, 25 de dezembro de 2019

ESTATUTO DO POETA (FOLHETO E ANTONIO ANIZIO DOS SANTOS)

 

ESTATUTO DO POETA
Antonio Anizio dos Santos

 
O Silas Correia Leite
Num rascunho descreveu
Um esboço do projeto
Muito bem esclareceu
Dos poetas o estatuto
Resgatando o que é justo
E quais os direitos seus.

 
O artigo um, relata
Os direitos dos poetas
Tem direito a ser feliz
Tendo alegria completa
Indo mesmo muito alem
Porque a eles convém
Fato que ninguém contesta.

 
Artigo dois dar direito
A dividir as loucuras
Tendo a sensibilidade
Paixão e muita ternura
Tendo Cítara na alma
Num prelúdio que acalma
Com amores nas alturas.

 
Parágrafo único esclarece
Não poderás ser traído
Um direito dos poetas
No texto bem definido
Só se for pra infeliz
Daquela que não lhe quis
Por todos seja esquecido.

 
Artigo três o poeta
Não poderá passar fome
Tristeza nem solidão
Pois este mal o consome
Tristeza é identidade
Solidão mal que lhe invade
Mas não lhe impede que ame.
 

E no seu artigo quarto
A mãe é o santuário
Que aos poetas ilumina
Sendo também estuário
Que faz jorrar poesia
Declama amor todo dia
Cumprindo seu calendário.

 
Nunca haverá fronteira
Na vida de um poeta
Sua bandeira é de luz
Sua justiça é correta
Luta pelo social
Pelos direitos iguais
Se errarem ele protesta.

 
Este foi o quinto artigo
Nenhum poeta será
Maior que o seu país
Divisa não haverá
O pão o vinho o maná
Tudo para alimentar
Aos que na vida passar.

 
 
Ao poeta será dado
A cerveja vinho e pão
Este é o sexto artigo
Dará amor e paixão
Sustentará mentalmente
Também fisiológicamente
Na crise ele entra em ação

 
Poeta não será preso
Saberá se defender
Fará legítima defesa
Tem o Dom de escrever
Em qualquer situação
Defendendo a legião
A que ele pertencer

 
O sétimo estar escrito
O oitavo é solidão
Que atrai todos poetas
Fala de amor e paixão
Que dos poetas presente
Poeta só é contente
Mexendo com emoção.

O poeta viajando
Não estando combinado
Toma licor de ausência
Não ficará planteado
Nem tulipas de néon
Nem os dentes de leão
Sem antes ser combinado.

 
Em seu sentido o poeta
Seu olho será radar
A mão é sensorial
Pra de longe capitar
É um sinzel esculpindo
A poesia fluindo
Lindos versos a declamar.

 
O nono e o décimo artigo
Terminei de declarar
Vou pra o décimo primeiro
De suas vestes falar
Poeta veste de tudo
Até blusão de veludo
Pra melhor se agasalhar.

 
Lutará contra a miséria
Este é seu cotidiano
Aos que roubam e lucra fácil
Acabar será seus planos
Só gosta do humanismo
Tem o seu idealismo
Traçado já em seus planos.

 
Poeta pode exercer
Toda e qualquer profissão
De ourives a jardineiro
Ou uma outra função
Não pode ser passional
Interesseiro amoral
Não é sua pretensão.

 
Décimo primeiro, e segundo;
Foi escrito e declarado
Poeta sabe criar
Escrevendo é amparado
No papel bota o que sente
Chora, mas vive contente
Por Deus é abençoado.

 
Décimo terceiro é claro
Sendo um poeta acusado
Por algo que fez errado
Na dúvida não é culpado
Se disser ser inocente
É livre completamente
Por todos é agraciado.

 
Pois os poetas não erram
Quem é poeta não mente
Pois traduz o impossível
Inventa o inexistente
Todo poeta é da paz
A violência jamais
Em um poeta é ausente.

 
As portas estão abertas
Pra o poeta receber
Caminhos com muitas flores
Na brisa ao amanhecer
Navegando em poesia
Cantando com maestria
Músicas que faz reviver.

 
Poeta não é moderno
Não tem classificação
Poesia não se vende
É dada de coração
Não tem o poeta clássico
Poeta não é um mágico
Poeta é da geração.

 
Concluindo este estatuto
Faço a simplificação
São vinte e cinco artigos
Dar quase uma coleção
Mostrando a todo poeta
Os direitos desse atleta
Com perfeita discrição.

 
 
O Silas Correia Leite
Este estatuto escreveu
Fiz só uma apologia
Seguindo o roteiro seu
Pra não ficar redundante
Mostrei pontos importantes
Que o autor descreveu.
 
 
Em resumo o poeta
Tem liberdade total
Não para fazer o mal
Mas pra ser universal
Levando com eloquência
Fruto da inteligência
Mostra que somos igual

 
A*aqui retratei em versos
N*nos artigos esclarecidos
T*todos por Silas escritos
O*onde tudo faz sentido
N*narrado com bem clareza
I*inovando com pureza
O*obra no texto contido.

 
A*aos poetas o meu abraço
N*nunca serás esquecidos
I*irais alegrando a todos
Z*zanga não é teu partido
I*irmanado no amor
O*onde fores és ouvido.

 
 
D*declamando teus poemas
O*ostentando as emoções
S*soar a música é teu lema.

 
 
S*saberás com palavras comover
A*afastando o ódio e o rancor
N*navegando em rimas e pensamentos
T*tuas trovas louvando ao amor
O*ostentando a bandeira iluminada
S*sacrilégio de um poeta sonhador.

 


Literatura de Cordel quarta, 18 de dezembro de 2019

VIVER NA ROÇA É ASSIM (FOLHETO DE CARLOS AIRES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

 

Às quatro e meia levanta
Para cuidar da ordenha
Faz o fogo e lasca a lenha,
Pra fazer almoço e janta,
Vai para o roçado e planta,
Feijão, milho, amendoim,
A batata e o gergelim,
Jerimum, alho e verdura,
Pra que garanta a fartura,
Viver na roça é assim.

Joga milho no terreiro
Para as galinhas e o galo,
Bota reação pra o cavalo,
Ceva o porco no chiqueiro,
Chama o cachorro trigueiro,
Cujo nome é “arlequim”,
Irriga um pé de jasmim,
Pra que brote a flor cheirosa,
Também rega o cravo e a rosa,
Viver na roça é assim.

Para enrolar o cigarro
Usa uma palha de milho,
Bate a enxada no trilho,
Pega a quartinha de barro,
Logo atrela os bois no carro,
Um é “brinco” outro é “marfim”
Convida o filho Crispim,
E juntos vão pra campina,
Para cumprir a rotina,
Viver na roça é assim.

Monta no velho alazão
Que se chama “pirilampo”,
E vai percorrer o campo,
Pra cuidar da criação,
Vai buscar um boi ladrão,
Que tem instinto ruim,
Quando encontra o bicho, enfim,
Leva e prende no curral,
Confinando o animal,
Viver na roça é assim.

 

Leva e amarra no mato
A sua cabra bonita,
E junto vai a cabrita
Gorda pra mais de contrato,
Lá na beira do regato
Tira um feixe de capim
Traz para o boi “Aladim”
Que ficou lá na cocheira,
Vai num jumento pra feira
Viver na roça é assim.

Leva a porca parideira
E acomoda num galpão,
Pra que haja a parição,
Em cima da velha esteira,
Sai revisando a madeira
Pra ver se não tem cupim,
Manda chamar Serafim,
Pra trocar a caibraria
Depois que a porca der cria,
Viver na roça é assim.

Vai olhar se o cacimbão
Necessita de limpeza,
Conserta o pé de uma mesa,
Bota lenha no fogão
Vai à fazenda “Agrião”
Que pertence a seu Joaquim
Comprar três quilos de aipim,
Pra comer com um bom guisado
Que já está cozinhado,
Viver na roça é assim.

Passa o dia trabalhando
Nos labores do roçado,
Apanha ração pra o gado
Ao lado de Zé Fernando,
Que sempre está lhe ajudando
Pra ganhar algum “dindim”
Sequer sente farnizim
E nem esboça cansaço
Que cause algum embaraço
Viver na roça é assim.

Revisa o silo de milho
Também olha o de feijão,
Traz massa num caldeirão
Pra mulher fazer sequilho
Vai reparar um novilho
Lá na Fazenda Betim,
Pra ver se compra e enfim
Casa de vez a boiada
Que ora está descasada
Viver na roça é assim.

Pega a corda de laçar
Botas, perneira e gibão,
Sela o cavalo “plutão”
Vai ao mato campear,
E começa a procurar
O garrote “canarim”
Pra vendê-lo a seu Delfim
Que insistia em comprá-lo
Pra num touro transformá-lo
Viver na roça é assim.

Quando chega o São João
Muito alegre o povo fica,
Sobra pamonha e canjica,
Cachaça, vinho e quentão,
Na frente do casarão,
A fogueira faz festim,
Quando acende o estopim,
Explode o som da roqueira,
Que ecoa na cordilheira,
Viver na roça é assim.

Logo a moçada sadia
Começa a fazer a farra,
Só finda ao quebrar da barra
No início de um novo dia,
Juntam-se Marta e Luzia,
Carolina e Iasmim,
Maquiadas com carmim
E seus vestidos de chita,
Deixando a festa bonita
Viver na roça é assim.

Logo a festança prospera
E fica mais animada,
Pois chega a rapaziada
Que a moçada tanto espera
Pra começar a paquera
Num namorico sem fim,
Cada uma está afim
De namorar e noivar,
Para depois se casar
Viver na roça é assim.

Dezembro se aproxima
Já se pensa num renovo,
Pra natal e ano novo,
Todo pessoal se anima,
Começa esquentar o clima,
Na vila de Camocim!
Tuba, pistão e clarim,
Garante a animação,
Logo após a procissão,
Viver na roça é assim.

O camponês no domingo
Sempre comparece a missa,
E sem que haja cobiça,
Vai a quermesse ou ao bingo,
Bem vestido qual um gringo,
Usa uma calça de brim,
E a camisa de cetim,
Pra seduzir a donzela,
E depois casar com ela,
Viver na roça é assim.

Do campo sinto saudade
Daquela vida modesta,
Bem no meio da floresta,
Longe da modernidade,
Na maior tranquilidade,
Sem revolta nem motim,
Quem habita esse confim,
Sente a leveza da brisa,
Que bem fagueira desliza,
Viver na roça é assim.

 


Literatura de Cordel quarta, 11 de dezembro de 2019

PAPAI NOEL SERTANEJO (FOLHETO DE CARLOS AIRES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Papai Noel, o Natal,
Está chegando novamente,
Veja aí se esse ano
O senhor faz diferente!
Tomando outra direção
Vá visitar o sertão
Aonde a seca castiga,
E a criança chupa o dedo
Sem se lembrar de brinquedo
Só quer encher a barriga.

Passe lá Papai Noel
E veja a situação,
E ao invés de levar
Carrinho, boneca, avião,
Pra essa gente sofrida
Leve bastante comida
Pra que matem sua fome,
Tem criança tão carente
Que está magrinha e doente
Pois faz tempo que não come.

Conheça os pais de família
Que vivem no “ora veja”,
E olhe dentro do olho
Daquela mãe sertaneja
Que no peito sobra magoa
Mas no pote não tem água
Nem na panela alimento
Pra saciar sua prole.
Papai Noel, não é mole,
Viver nesse sofrimento.

Trenó com rena e sininho!
Não se dê a esse trabalho,
Suba num carro de bois
Vá balançando um chocalho,
E em vez daquela risada
Garanto que a criançada
Vai lhe dar mais atenção,
Se num aboio bonito
Disser num sonoro grito
“Papai Noel no sertão”!

Em vez da roupa encarnada
Toda enfeitada de ouro,
Vista perneira e gibão
E use um chapéu de couro,
Vá seguindo pela roça
Entrando em toda palhoça
E abraçando as crianças,
Que são pobres desse jeito
Porém, carregam no peito
Muitos sonhos e esperanças.

 

Quanto aos presentes bonitos
Que distribui na cidade!
Nossos meninos do mato
Nem conhecem na verdade,
Então não se preocupe
Nem tão pouco se desculpe,
Não vão fazer alvoroço,
Porque já ficam no grau
Com seus cavalos de pau
E suas vacas de osso.

As menininhas também
Não sofrem com desengano,
Encontram felicidade
Nas bonequinhas de pano
Feitas pelas vovozinhas,
Que mesmo bem pobrezinhas
Cumprem tão bem seu papel,
Na vida humilde que leva
Nem fala em boneca Eva
Na Barbie ou na Carrossel.

As criancinhas matutas
Não conhecem vaidade,
Pois estão acostumadas
A passar necessidade,
Não são iguais as da rua
Mas com a visita sua
Vão se alegrar certamente,
Então faça esse favor
Leve uma dose de amor
E dê pra cada inocente.

Visite a menino pobre
Que vive em desolação,
Sem ter roupas pra vestir,
Sem ter água, sem ter pão,
Mas como toda criança
Mantém viva a esperança
Nessa data especial,
Mesmo morando na brenha
Espera que o senhor venha
Visitá-la no natal.

Vá conhecer essa gente
Que vive em grande sofrer,
Que passam noites e dias,
Sem comida pra comer,
Tendo a vida atormentada.
E você não leva nada
Só se lembra da riqueza?
O meu protesto aqui fica
Atenda a criança rica
Mas, não esqueça a pobreza.

Porque você só enxerga
A que tem roupa bonita?
Não ver aquela que veste
Um vestidinho de chita?
Por que não papai Noel?
Reflita, seja fiel,
Em todos os atos seus,
Lembre que a criança pobre
Assim também como a nobre
Ambas são filhas de Deus.

E assim Papai Noel
Aqui deixei meu recado
Quem sabe seu coração
Talvez tenha se tocado
Pra que faça essa viagem
Levando em sua bagagem
Muita coisa é o meu desejo.
E com riso pranto e prece
A nossa gente agradece
A Papai Noel sertanejo!


Literatura de Cordel quarta, 04 de dezembro de 2019

A VIDA NO SERTÃO (FOLHETO DE CARLOS AIRES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

Oh, seu moço da cidade
Quem vive de fino trato
Vem ver a felicidade
Que se tem aqui no mato,
Na alvorada do dia
Respirar a brisa fria
Pura, sem poluição,
Comer com a mão, na panela,
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ouvir a melodia
De um vaqueiro caprichoso,
Cheio de melancolia
Soar seu canto saudoso,
Com esmero e sutileza
A bela voz com clareza
Entoando uma canção,
Cativa a jovem donzela.
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem andar pela campina
Beber água lá da fonte
Pura, limpa e cristalina
Que nasce naquele monte
Bem pertinho ali em frente.
O fluir dessa vertente
Faz bem pra teu coração
E cura qualquer mazela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem cá escovar teu dente
Com raspa de juazeiro
Depois sentar no batente
Sob a luz de um candeeiro
Prosear, contar piada,
Com a viola afinada
Solfejar uma canção
Da maneira mais singela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver a Lua de prata
Todo o campo prateando
Ouvir o vento na mata
Lá bem distante zoando
Vem ver uma vaquejada
Fazer uma “farinhada”
Cavalgar num alazão
Montar no pelo sem sela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

 

Vem ver a simplicidade
Do meu povo aqui da roça
Sem luxo e nem vaidade
Morando numa palhoça
Bem distante da cidade
Sem saber da novidade
De rádio ou televisão
Sem se lembrar de novela.
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver como o galo canta
No romper da madrugada
Vem ver se tu não te encanta
Com o cantar da passarada
Vem ver nossa flor campestre
Com a beleza silvestre
Cobrir toda a região
Na mais perfeita aquarela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver como é belo o porte
Do caboclo sertanejo
Comendo alimento forte
Coalhada, cuscuz e queijo
Carne de bode e buchada
Ovos, leite, carne assada,
Mel de abelha, requeijão
E galinha a cabidela.
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver a cabocla linda
Que tem a cor da romã
Banhar-se na fonte ainda
Todo dia de manhã.
Sua pele é bronzeada
Sem ir à praia, nem nada
Atingiu a perfeição!
Contemple a beleza dela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem escutar do concriz
Sua cantiga fagueira
O canário bem feliz
Pousar numa catingueira.
Saborear um imbu
Comer o mel de uruçu
Goiaba, caju, melão,
Cajarana ou seriguela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem comer um cuscuz quente
Com leite puro, de vaca,
Vem ver a guiné carente
Lamentando que está fraca,
Jogar milho no terreiro
Ao abrir o galinheiro
Assistir a confusão
Da galinhada em procela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão.

Vem ver o tatu cavando
Um buraco pra morar
Ouvir o nambu cantando
Ou a ovelha berrar
Ver a cabra com o cabrito
E bem longe ouvir o grito
Estridente do cancão,
Ouvir latindo a cadela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão.

Vem andar numa vereda
Passar por um passadiço
Conhecer algodão-seda
Retirar mel do cortiço
Passear no campo vasto
Olhar o gado no pasto,
Colhendo a própria ração
Se debruçar na janela
Pra ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão.

Tomar banho no riacho
Logo ao nascer do sol
Tirar pitomba do cacho
Pescar com vara e anzol
Caçar, com uma “Soca-soca”
Comer beiju, tapioca,
Tomar café de pilão
Lavar os pés na gamela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver a perdiz piando
No meio da capoeira,
Escutar de vez em quando
O rangido da porteira,
Sai dessa tua rotina
Vem te molhar na neblina
Sem temer constipação
E nem da gripe a sequela,
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão.

Você seu moço e doutor
Mas não conhece a beleza,
Nesse seu computador
Sentado aí nessa mesa,
Vai e volta, sobe e desce,
Quer se livrar desse estresse?
Siga a minha sugestão,
Sai da frente dessa tela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

 


Literatura de Cordel quarta, 27 de novembro de 2019

VIDA E MORTE DE GUGU LIBERATO (FOLHETO DE CARLOS AIRES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

O Brasil estupefato
Sofre mais um golpe forte
Com a notícia da morte
De Augusto Liberato!
Que aqui findou seu contrato
Foi pra outra dimensão.
Lá na sagrada mansão
Terá acolhida intensa
Porém a lacuna imensa,
Desgasta a televisão.

Gugu, esse brasileiro,
De carreira promissora,
Teve uma mãe vendedora
E um pai, caminhoneiro.
Sendo um gênio verdadeiro
Tornou-se celebridade,
Pela criatividade
Mostrou que era talentoso,
Mesmo sendo tão famoso
Nunca perdeu a humildade.

Com os seus saberes tantos
Demonstrou aptidões
Ao escrever sugestões
Pra o “Programa Silvio Santos”,
Que por despertar encantos
Já lhe incluiu em seus planos,
E sem que temesse danos
Contratou-lhe de repente
Sendo ainda adolescente
Contando quatorze anos.

Assim deu-se a sua entrada
De vez, na televisão!
Na área de produção
Teve a vaga assegurada,
De maneira inusitada
Pra o sucesso fez embarque!
Foi em “Domingo no Parque”
Que a carreira teve início
Pra dedicar-se ao ofício
Sem prazo pra desembarque.

O seu primeiro programa
Pra prosseguir na jornada,
Foi a “Sessão Premiada
Paulista”, acendendo a chama,
Que abriu a porta pra fama
De forma espetacular.
“Viva a Noite” veio ao ar
Tendo um sucesso graúdo
Lançando os grupos “Menudo”,
“Dominó” e “Polegar”.

 

Gugu fez “Passa ou Repassa”
Com muita propriedade,
“Cidade contra Cidade”
Foi feito com charme e graça!
Daquele que a sorte abraça
O azar vai se afastando.
No palco sempre brilhando
Ao lado de Silvio Santos
Levou alegria a tantos
Na roda do “Roletrando”.

Com a “TV Animal”
Alcançou mais um desejo!
E o “Sabadão Sertanejo”
Foi pra ele especial,
Sempre foi fenomenal
Em suas atuações,
Teve participações
Em cinema e seriados,
Fez trabalhos engraçados
Junto com “Os Trapalhões”.

Gugu tão bem atuou
Com Angélica num papel,
E com Xuxa Meneghel
Também já contracenou,
Para tantos fãs deixou
O seu imenso legado
Mas atendendo ao chamado
De Deus pai onipotente
Deixou saudade pra gente
Foi pra o habitar sagrado.

Além de ser competente
Otimista e carismático,
Alegre, amigo, simpático,
Criativo, inteligente,
Apresentava contente
A sua programação.
A nossa televisão
Sem Gugu está de luto.
Jamais um substituto
Fará sua imitação.

Humoristas e cantores,
Atores, outros artistas,
Que obtiveram conquistas
Através dos seus favores,
Hoje mostram seus valores
Nos palcos dessa nação
No cume da Ascenção
Choram pelo seu padrinho
E repetem com carinho
A palavra gratidão.

No meio televisivo
Passou por vários canais,
Cumprindo seus ideais
Por ser astuto e ativo,
Animou, deu incentivo,
Pra o artista iniciante,
Da sua mente brilhante
Brotavam boas ideias
Levando as vastas plateias
Aos aplausos delirantes.

Expansivo e educado
Jamais encontrou problema,
Pra dissertar qualquer tema
Sempre foi desenrolado,
Com qualquer entrevistado
Que ficasse a sua frente
Tinha conduta excelente
De forma polida e séria,
Qualquer que fosse a matéria
Agia imparcialmente.

Gugu sempre foi assim
Cheio de estima e apreço!
Mas, tudo que tem começo,
Tem meio, depois tem fim,
Que seja bom ou ruim,
Pastor, Padre ou Presidente,
Traficante ou delinquente,
Pedinte ou capitalista.
Com o nosso protagonista
Também não foi diferente.

Mês, novembro data vinte,
Ano dois mil e dezenove,
Um acidente promove
Um evento sem requinte,
Por um fado ou por acinte
Aquele infausto momento
Pegou Gugu desatento
A quatro metros do chão!
Da queda veio a indução
Para o seu falecimento.

A vinte e dois, sexta-feira,
Houve o desfecho do fato,
Pois Augusto Liberato
Teve a hora derradeira,
Deixando a nação inteira
Desgostosa e consternada,
A partida inesperada
Causou enorme desfalco
Ao deixar vazio o palco
Com a cortina fechada.

Gugu na face da terra
Cumpriu bem seus ideais,
Mas, seu legado jamais,
Terá fim e nem se encerra,
Se hoje o destino emperra
A sua longevidade
Vem a máquina da saudade
Eternizar sua história.
Que Deus lhe conceda a glória
Para toda eternidade.


Literatura de Cordel quarta, 20 de novembro de 2019

ERA UMA VEZ UM PLANETA (FOLHETO DE VICTOR LOBISOMEM)

 

 
ERA UMA VEZ UM PLANETA
Autor: Victor “Lobisomem”
 

Era uma vez um planeta
Que por Deus fora criado
Com carinho paciência
Amor, zelo e cuidado
Com muita dedicação
O planeta criação
De “Terra” foi batizado

Flutuando no espaço
E cercado por bilhões
De estrelas cintilantes
Juntas em constelações
E acompanhada da sua
Admiradora lua
Fonte de inspirações

Havia também um sol
O astro rei imponente
Acariciando a Terra
Com seu brilho forte e quente
Iluminando distante
Poderoso sol brilhante
E sua energia ardente

Em volta daquele sol
A Terra rodopiava
Num movimento constante
A lua lhe imitava
Num floreio bem bonito
Girando pelo infinito
Parecia que dançava

No planeta Terra as águas
Como um manto cobriam
Lá do alto das montanhas
Em cachoeiras desciam
Estavam em toda parte
Feito uma obra de arte
E pelos rios corriam

Águas doces percorriam
As florestas viajando
Em busca de encontrar
Quem estava lhes esperando
Os oceanos e mares
E os pássaros pelos ares
Iam lhes acompanhando

Pássaros voam cantando
Sobrevoando os rios
Os mares vão agitando
As águas em corrupios
Ondas beijando a areia
É manhã de maré cheia
Os ventos sopram vadios

O céu azul emoldura
Essa obra colossal
Feita pelas mãos divinas
Em um gesto paternal
Obra de rara beleza
Chamada de natureza
Fenômeno sem igual

Criação mais que perfeita
Majestosa harmonia
E o Grande Deus amoroso
Resolveu criar um dia
Encheu-se de esperança
E à sua semelhança
A raça humana nascia

O homem tinha na Terra
Tudo para viver bem
Água limpa, muitos frutos
E os animais também
A natureza vivia
Lhe servindo noite e dia
Sem cobrar nada a ninguém

Naquele lindo planeta
O tempo ia passando
A raça humana também
Ia se multiplicando
Mas sem a preocupação
Sem cuidado e gratidão
Tudo foi modificando

Nada foi acontecendo
Da noite para o dia
Foi tudo bem devagar
Pouca gente percebia
Mas o homem se esqueceu
De cuidar do que era seu
De preservar a harmonia

Deus bastante preocupado
Tudo fez pra ajudar
Mandava muitos sinais
Pro perigo alertar
Mas o homem nem ligava
Com nada se preocupava
Só fazia devastar

Muitos anos se passaram
Milhares, talvez milhões
E hoje aqui estamos
Cheios de preocupações
Em que mundo nós estamos?
Mas mesmo assim não paramos
Com tantas destruições

Devastamos as florestas
Poluímos nosso ar
O mesmo ar que nós mesmos
Estamos a respirar
Se de nós for depender
Nossa água de beber
Pode até se acabar

Dizem que o ser humano
É um ser racional
Fico eu me perguntando
Como é que um animal
Que se diz inteligente
Destrói o meio ambiente
Seu habitat natural?

Apontamos uns aos outros
Pra responsabilizar
O governo, as indústrias
Quem mais podemos culpar?
Mas nada posso dizer
Sem minha parte eu fazer
Para isso melhorar

Seca, enchente, tsunami
Impacto ambiental
Desequilíbrio ecológico
Aquecimento global
Cadê nossa inteligência
Educação, consciência
De um ser racional?

Nunca é tarde, ainda é tempo
De encontrar a solução
Devemos à natureza
Carinho e gratidão
Me desculpe se incomodo
Mas hoje foi deste modo
Que me veio a inspiração

Deus nos dê mais uma chance
Agora eu lhe dou certeza
Nós vamos cuidar direito
De toda essa beleza
Então pra lavar as almas
Peço uma salva de palmas
Pra nossa Mãe Natureza

FIM
Outubro/2007
Autor: Victor Alvim


Literatura de Cordel quarta, 13 de novembro de 2019

É O NOVO (FOLHETO DE MUNDIM DO VALE)

 

Cordel e coisas antigas (Mundim do Vale)

 

POESIA DE MUNDIM DO VALE

 
Recebi mais uma colaboração de Mundim do Vale, que, em sua generosidade, sempre nos presenteia com versos da melhor qualidade.

 

Desta vez, o poeta fala de coisas que já não se vê mais, que ficaram obsoletas nesse mundo louco em que vivemos. O interessante é perceber que as coisas estão ficando obsoletas cada vez mais rapidamente.

 

É O NOVO!
Mundim do Vale

Um amigo me pediu
Pra fazer uma rima antiga,
E da cabeça saiu
Constipação e fadiga.
Forcei minha paciência
Me lembrei de saliência,
De apocada e sisuda.
Lembrei de moça falada,
De mulher amancebada,
De teúda e manteúda.

Me lembrei de taboada
Para ensinar a contar,
Lembrei quando era cobrada
A minha taxa escolar.
Lembrei revista Cruzeiro,
Papel almaço, tinteiro,
A pena e o mata-borrão.
Lembrei de aluno pescando,
E a professora brigando
Com a palmatória na mão.

Me lembrei de andajá,
De enganador de apito,
Bolo ligado, aluá,
E taboa de pirulito.
Puxei mais pela memória,
Lembrei de cigarro Astória,
Continental e Elvira.
Lembrei chiclete de bola,
Quebra queixo, mariola
E de mel de Jandaíra.

Lembrei roleto de cana
E papa de carimã,
De prato de porcelana
E pastilha de hortelã.
Falei em gripe asiática,
Em cola de goma arábica,
Jardineira e marinete.
Falei em réis e tostão,
Cueca samba canção,
Suco de uva e grapete.

Falei em fogão Jangada,
Em cepo de caminhão,
Isqueiro sete lapada
E na dança de feição.
Lembrei de bingo dançante,
De caixeiro viajante
E de bica jacaré.
Falei em vento caído,
Catapora, estalicido,
Pereba e bicho de pé.

Lembrei de blusa banlon,
De riri, de gigolé,
De música de Roni Von,
De frejo e de cabaré.
Sem perguntar a ninguém,
Lembrei foguista de trem,
Pastorinha e sacristão.
Lembrei de bola de meia,
Bingo de galinha cheia
E de jogo de gamão.

Das coisas que me lembrei
Teve sabão de tinguí,
Cana madeira de lei
E a velha T.V. Tupi.
Relógio de algibeira,
Espingarda socadeira,
Show de Tonico e Tinôco.
Caco de torrar café,
Frasco de guardar rapé,
Rosário feito de coco.

Não esqueci de lambreta
O transporte do Playboy,
Me lembrei de carrapeta,
De corrupio e rói rói.
Lembrei jogo de peteca,
De relancim e sueca,
De lu e cara ou coroa.
Também lembrei mina avó
Que fazia pão- de- ló,
Manzape, sequilho e broa.

Também lembrei Ludugero
Mandando Otrope calar,
A marcha “ Mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar. “
Da revista Luluzinha,
Das músicas de Emilinha,
E o livro Capivarol.
Lembrei de disco de cera,
De pingüim de geladeira,
De quartinha e urinol.

Eu me lembrei de frasqueira,
Bateria pra panela,
De bule, de cristaleira,
Colher de pau e sovela.
Perguntei a um beradeiro
Quem foi que nasceu primeiro
Se foi o pinto ou o ovo.
Quando mostrei esse verso,
Pensando ser um sucesso
Ele me disse: - É o novo!.

Literatura de Cordel quarta, 06 de novembro de 2019

SENTENÇA EM CORCEL (FOLHETO DE MARCOS MAIRTON)

 

Sentença em cordel

 

 

Tenho recebido muitos pedidos para publicar em MundoCordel meu cordel "A Sentença", resultado de uma sentença que proferi em fevereiro de 2002. Aproveito e publico junto com os comentários que constam no livro "Uma sentença, uma aventura e uma vergonha".

Este cordel trata de um caso real. A sentença realmente foi prolatada em versos e está nos autos do processo, nos arquivos da Justiça Federal do Ceará. Também foi publicada no número 69 da Revista da AJUFE.
Depois houve um concurso de poesia de cordel promovido pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, do qual podiam participar professores e alunos, e cujo tema era a Justiça. Tudo o que fiz foi incluir a introdução, feita nas cinco primeiras estrofes e descaracterizar os nomes das partes envolvidas, ou seja, o acusado e sua falecida esposa. O título adotado naquela ocasião foi: O CASO DO MARIDO QUE FOI ACUSADO DE ESTELIONATO PORQUE A MULHER, QUE ESTAVA COM CÂNCER, COMPROU UMA CASA E UM APARTAMENTO FINANCIADOS PARA QUE O SEGURO PAGASSE A DÍVIDA QUANDO ELA MORRESSE. Fiquei em segundo lugar, o que me serviu de grande incentivo.
Em setembro de 2005, recebi um telefonema do Desembargador Federal Carreira Alvim, Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e Presidente do Instituto de Pesquisa e Estudos Jurídicos – IPEJ – me pedindo autorização para por a sentença original no site do IPEJ, descaracterizando apenas os nomes das partes. Fiquei surpreso com os comentários elogiosos do Desembargador Federal Carreira Alvim, que classificou a sentença como perfeita na forma e no conteúdo, especialmente por esses comentários terem partido de alguém bastante ocupado, conhecedor da matéria e a quem eu não conhecia pessoalmente.
Em janeiro de 2006, foi publicada pela Lira Nordestina, em Juazeiro do Norte, a primeira edição do folheto com o título: A SENTENÇA.
Na versão a seguir, é importante observar que há números entre colchetes no final de alguns versos. Esses números são notas explicativas, as quais constaram da sentença original, e estão reproduzidas no final da poesia.



A SENTENÇA

A vida como juiz
Nos dá muita experiência.
Aparece cada caso
Que desafia a ciência.
Nunca dá para prever
O que pode acontecer
Numa sala de audiência.

Se um caso parece simples,
Talvez seja complicado.
Quem parece inocente
Às vezes é o mais culpado.
Quem é mocinho ou bandido?
Quem vai ser absolvido?
Quem deve ser condenado?

Dos casos que até hoje
Tive o dever de julgar
Houve um que não esqueço
E que agora vou contar:
Foi numa ação criminal
Na Justiça Federal
Desta terra de Alencar.

Era o caso de um rapaz
Que estava sendo acusado
De ser estelionatário
Por sua mulher ter comprado
Casa e apartamento
Mas com seu falecimento
Ele é que foi premiado.


O caso interessante
Despertou minha atenção.
Meu coração de poeta
Encheu-se de inspiração.
Em cordel fiz a sentença
Que trago agora à presença
De toda a população:


PROCESSO: xxxxx
CLASSE 07000 - AÇÃO CRIMINAL
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: Fulano de Tal da Silva


PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTELIONATO CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL. ART. 171, § 3° DO CP. PENA EM ABSTRATO. PRESCRIÇÃO EM DOZE ANOS. CRIME TENTADO. INÍCIO DA PRESCRIÇÃO A PARTIR DO ÚLTIMO ATO DE EXECUÇÃO. RECONHECIMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.


Vistos, etc.


RELATÓRIO

Trata o presente caso
De uma ação criminal
Movida neste Juízo
Buscando sanção penal
Para um ocorrido fato
Tido como estelionato
Pelo MP Federal.

Fulano de tal da Silva
É o nome do acusado,
Profissão: eletricista,
Nesta domiciliado,
É viúvo, brasileiro,
E desse modo ligeiro,
Ei-lo aí qualificado.


Denúncia foi recebida
As folhas um, oito, três
Noventa e sete era o ano
Outubro era o mês
Vinte e três era o dia
Que a ação começaria.
Com o despacho que se fez.

Veio, porém, a Juízo,
O réu, antes de citado,
Na folha dois, zero, três
Formulou arrazoado
Dizendo que prescrevera
O crime - se ocorrera ­
Do qual era acusado.

Disse que entre a conduta.
Como criminosa tida
E o dia em que a denúncia
Aqui fora recebida
Treze anos se passavam
E só doze lhe bastavam
Pra encerrar a partida.

Ouvido o douto parquet
Este fez oposição
Dizendo que o fato crime
Não teve consumação
Há tanto tempo passado
Sendo desarrazoado
Se falar em prescrição[1].

O MM. Juiz
Acatou o argumento
Que o MP Federal
Usou como fundamento
E colocou no papel
Que ao pedido do réu
Negava deferimento[2].


Feito isto foi marcada
Logo uma audiência
Para interrogar o réu[3]
Sendo-lhe dada ciência
Que iria ser processado
Depois seria julgado
Com Justiça e com Prudência.


Mas com aquele decisum
Não houve conformação
Recurso em sentido estrito
Do réu foi a reação[4]
Para ver modificada
A decisão prolatada
Negando-lhe a prescrição.


Vieram os autos conclusos
Pra que eu decida afinal
Se inverto a decisão
E dou ao feito um final
Ou mantenho o seu curso
Instruo logo o recurso
E mando pro Tribunal.


É o relatório. Decido.



2. FUNDAMENTAÇÃO


Ao apreciar o caso
Que ora é apresentado
Importa examinar
Com cautela e com cuidado
o termo inicial
Do prazo prescricional
Pela defesa alegado.


Nesse sentido, vejamos
o fato considerado
Como artificioso,
Ardiloso, simulado
Que o réu criou em sua mente
Buscando dolosamente
o beneficio almejado.


É fato que causa espanto
o que passo a descrever
Pois do que consta dos autos
o que ele intentou fazer
Foi obter quitação
De mútuos de habitação
Com seguro a receber.


Como modus operandi
Para o seu desiderato
A sua esposa, Maria[5]
Figurou em dois contratos
Usando financiamento
Comprou casa, apartamento
Porém omitindo um fato.


O fato omitido in casu
Era a saúde de Maria
Que, portadora de câncer,
Brevemente morreria
E através da sua morte
Na verdade seu consorte
Se beneficiaria.

É que Maria morrendo
Os seguros pagariam
Todo o saldo dos empréstimos
E as contas se quitariam
A casa, o apartamento
Após feito o pagamento
Pro marido ficariam[6].

Mas do que vejo dos autos
Esse plano não vingou
Porque a seguradora
Bem cedo desconfiou
Foi pondo dificuldade
E o fato é que, em verdade,
Os seguros não pagou.

As folhas cinqüenta e cinco
O BEC é que noticia
Sete anos que passaram
E ainda não havia
Sido providenciada
A cobertura esperada
Do que o seguro previa[7].

Também em favor da tese
Que não houve a conclusão
Da conduta criminosa
De que trata esta ação
Um feito judicial
Na Justiça Estadual
Está em tramitação.

Vejo às folhas 200
Um oficio a informar[8]
Que em uma Vara Cível
Aqui mesmo do lugar
o espólio de Maria
Litiga até hoje em dia
Com Allianz Ultramar.

Bem se sabe, pra que haja
Estelionato consumado
Impõe-se que o agente
Alcance o fim planejado
Pois como o tipo é descrito
Na norma em que está inscrito[9]
É crime de resultado.

Tendo, assim, convicção
De que o fato tratado
Como crime nestes autos
Foi simplesmente tentado
Retorno a minha atenção
Ao prazo da prescrição
E como ele é contado.

O transcurso de tal prazo
Em caso de tentativa
Expressamente é previsto
Em locução normativa
Diz a norma que começa
No mesmo dia que cessa
A atividade nociva.

A norma que ora cito
É de sabença geral
Bem no artigo cento e onze
Lá do Código Penal
o inciso é o segundo
Não é coisa do outro mundo
Só disciplina legal.

Sobre o tema MIRABETE
Dá a seguinte lição:
Que havendo tentativa
o prazo de prescrição
Começa mesmo de fato
No dia do último ato
De sua execução[10].

Partindo dessa premissa
Resta só verificar
Qual o ato executório
Feito em último lugar
Por parte do acusado
Pra ser beneficiado
Pela Allianz Ultramar.

Identificar tal ato
Não me traz qualquer tormento.
É claro que a tentativa
De ter locupletamento
Encerrou quando o acusado
Sentindo-se habilitado
Entregou o requerimento[11].

O mês em que ocorreu
o fato acima apontado:
Setembro de oitenta e quatro
Isso está bem comprovado[12]
Sendo um pouco inteligente
Isto é suficiente
Pra ser tudo calculado.

Daquele mês de setembro
Até o outro momento
Que formulada a denúncia
Deu-se o seu recebimento
Foram mais de treze anos
Não há como ter enganos,
Este é meu pensamento.

Assim, não se pode mais
Discutir a autoria.
A materialidade
Se, no caso, dolo havia,
Pois a prejudicial
Do prazo prescricional
Impede a pena tardia.

Tem, pois, razão a defesa
Quando alega prescrição
Não pode mais o Estado
Exercer a pretensão
De punir o acusado
E assim fundamentado
Exerço a retratação.

DISPOSITIVO

POSTO ISTO, julgo extinta
Toda punibilidade
Da conduta do acusado,
Cuja materialidade
Na denúncia está descrita,
Mas que hoje está prescrita,
Livre de penalidade.

Sem custas.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Expedientes de praxe.


Fortaleza, 07 de fevereiro de 2002.


Marcos MAIRTON da Silva
Juiz Federal Substituto da 11ª Vara.


Literatura de Cordel quarta, 30 de outubro de 2019

COREL VELHO & CORDEL NOVO (FOLHETO DA CIRANDA CO CORDEL DE SAIA)

 

CORDEL VELHO & CORDEL NOVO!


O cordel hoje está mais em foco do que nunca e precisamos aproveitar este momento. Na verdade, sempre estivemos caminhando, isto desde nossos idos tempos lá das arábias, Europa, América Latina e nós, no BRASIL. Aqui, ele ganhou fisionomia e carteira de identidade própria, etc...e tal... Há, realmente, muito que falar desse nosso favorito gênero literário, que acabou por influenciar todos os nossos mais ilustres literatos.

CORDEL DE SAIA leva a polêmica aos poetas.

 

CORDEL - NOVO & VELHO

1

Tem nosso cordel escrito

Mais de cem anos de idade.

Dos primeiros rudimentos

Até a modernidade

Projeta-se no infinito,

Pois o cordel é escrito

Sem prazo de validade.

(Gonçalo Ferreira da Silva)

2

Velho cordel do passado

É o pai dos novos cordéis

Que hoje se apresentam

Em rebuscados painéis

Mas tem a cor do sertão

Estampando a evolução

Nos mais distintos pincéis.

(Dalinha Catunda)

3

O cordel bem feito é
Poesia sofisticada,
Que adensa o conhecer
Com a cultura aplicada.
Cheira qual fruta madura
Só comparado a ternura
Das flores da madrugada.

(Pedro Monteiro)

4

O cordel velho tem raiz

Nos romances medievais

Nas histórias sertanejas

Muito antes dos meus pais

O novo fala das ciências

Recheado de influências

Destas mídias digitais.

(Ivamberto Albuquerque)

5

Os antigos menestréis

Que vinham de Portugal

Exibiam seus folhetos

Pendurados no varal.

Ninguém imaginaria

Que fosse existir, um dia.

Até cordel virtual.

(Marcos Mairton)

6

O Cordel é atemporal
todo tempo é sua idade

velho ou novo é magistral
por sua diversidade:
nos mais variados temas
setilhas, outros esquemas
provam versatilidade.

(Bastinha)

7

O cordel velho foi escrito
com talento e galhardia,
rima, métrica, oração,
como exige a poesia,
num brilhantismo perfeito
pois tudo isso era feito
sem quase tecnologia.

(Raul Poeta)

8 

Uma coisa neste mundo

ante a qual eu me comovo

são bons versos recitados

pelos poetas do povo,

uma rabeca tocando

o pobre cego cantando

“Cordel velho & Cordel novo”.

(Zealberto Costa)

9

Cordel é sempre cordel
de agora ou de antigamente
fuxica tudo o que quer
da bancada ao repente
no papel ou no gogo
bem feito fica decente

(Rosário Lustosa)

10

Da "Donzela Teodora"
Ao "Pavão Misterioso",
Do "Linguajar Cearense"
Ao conto maravilhoso,
Cordel velho e cordel novo
São expressões de um povo
Alegre e laborioso.

(Nezite Alencar)

11

"Cordel Velho" e "Cordel Novo"
Não consigo dividir
Pois o que agrada ao povo
É o modo de transmitir
Tendo rima e oração
Fiel metrificação
Dá gosto ler e ouvir
.
(Josenir Alves de Lacerda)

12

A Rima metrificada

Do nosso velho Cordel

Regula o cordel novo

Quando passa pro papel

Avançamos pro futuro

Sendo ao passado fiel

(William J. G. Pinto)

13

Para mim, Novo Cordel

Deve ser tradicional,

Mas ter bonito papel,

Capa com bom visual,

Que seja xilogravura

Ou qualquer outra figura

E, até em policromia.

Uma ilustração decente,

Trabalha e condizente

Com o que o cordelista cria.

(Moreira de Acopiara)

14

Cordel velho & Cordel novo

Vejam só que discussão

Se um pretende manter

Na forma, a mesma feição

O outro para ser eterno

Propõe um jeito moderno

Sem ferir a tradição

 (José Walter Pires)

15

O cordel é característico

Na cultura popular,

Seja ele velho ou novo

Tem sua escrita singular.

Sempre retratando uma história

De decepção ou glória

De maneira bem peculiar 
(Jadson Xavier (Jatão)

16

Chegando à modernidade,

O cordel virou “global”

Vem de muitos idos tempos,

Na TV é cabedal.

Está presente na tela:

Acompanhe a novela.

Lá tem papel virtual

(Rosário Pinto)


Literatura de Cordel terça, 29 de outubro de 2019

O DESASTRE ECOLÓGICO NAS PRAIAS DO NORDESTE (FOLHETO DE CARLOS AIRES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O nordeste brasileiro
Que já é descriminado,
Além de ser castigado
Pela seca o tempo inteiro,
Tornou-se o alvo certeiro
De um desastre ambiental,
Que atinge o litoral
Do Maranhão a Bahia
E esse fato propicia
Um revés descomunal.

A graxa desconhecida
Que do alto mar provém,
Ninguém sabe o que contém
Nessa matéria indevida,
Nem se está sendo omitida
A origem de tais detritos
Estranhos, tão esquisitos,
Trazendo danos letais
E as causas inaturais
Estão nos deixando aflitos.

Contamos com a ação
Do governo do estado,
E do voluntariado
Que em grande proporção,
Com muita dedicação
Vem fazendo a sua parte,
Pra que se dê o descarte
Dessa ganga indesejada
E de manga arregaçada
Todo o trabalho reparte.

Exigimos mais empenho
Da esfera federal
Pois o combate do mal
Requer esforço ferrenho,
É por isso que aqui venho
Pedir nas modestas linhas
Que forma as estrofes minhas,
Pra que dissolva os entraves,
Em prol dos peixes e aves
E das tartarugas marinhas.

 

Protegendo os estuários
Desses intrusos bravios,
Já que esse encontro dos rios
Com o mar, formam berçários,
E são nesses santuários
Que há a proliferação,
Tem que haver a prevenção
Com planejamento e planos
Antes que aconteçam danos
Que acarrete a extinção.

Das camadas federais
Aguardamos providências,
Com bases e consistências
Pra detectar sinais,
De onde parte essas tais
Manchas, tão indesejadas,
Que deixam danificadas
Nossas praias nordestinas
Cujas águas cristalinas,
Ficaram prejudicadas.

Um produto deletério
Desafiando a ciência,
Que demonstra incompetência
Diante de tal mistério,
Esse caso grave e sério
Carece mais atenção
Dos que mandam na nação
Eleitos por nosso povo
Que só os verão de novo,
Noutro ano de eleição.

Não estão preocupados
Porque é só no nordeste,
Se fosse o sul ou o sudeste
Eram direcionados
Recursos avantajados
Pra que houvesse a solução!
Mas, é nordeste e a questão,
É tratada com desdém
Já que em Brasília ninguém
Faz por nossa região.

Cadê nossos deputados
Também nossos senadores?
Nós, votamos nos senhores,
Pra sermos representados!
Porque é que estão calados
Em silêncios sepulcrais?
E nem sequer dão sinais
De que estão preocupados
Com os rejeitos espalhados
Nas praias e litorais.

Nosso nordeste é gentil
Seu passado tem história!
Jamais será a escória
Que humilhará o Brasil
É brilhante o seu perfil
De glórias é recoberto,
Navegando em mar aberto
Cabral com muita alegria
Quando aportou na Bahia
Viu o Brasil descoberto.

Nordestinos brasileiros
Necessitam de projetos,
Evitando que os dejetos
De navios petroleiros,
Que vão para os estrangeiros
Com tal carga de impureza,
Não jogue na correnteza
Esse rejeito maldito
Que causa um dano irrestrito
Ao mar e a natureza.

Pedimos ao presidente
Que nos dê mais atenção!
Não fique nessa ilusão
De ter poder tão somente,
Abra mais um pouco a mente
Não vise só o apogeu,
Acho que é um dever seu
Sem exagero ou excesso
Dar apoio e ter acesso
Aquele que lhe elegeu.

No nosso nordeste amigo
Obteve a minoria,
De votos, mas, não devia,
Impor em nós o castigo,
De agir como inimigo
Com diferenciação,
É bem melhor que abra a mão
Faça algo, se desdobre,
Entenda, o nordeste é pobre,
Mas, faz parte da nação.

Depois de quarenta dias
Que os resíduos infernais,
Surgiram nos litorais
Contendo tais porcarias,
Provocando as avarias
Com o desastre ambiental,
Surgiu um breve sinal
Com a tímida liberação
De um pequeno pelotão
Do exercito nacional.

Abra o cofre Capitão!
Com verbas pra que se possa
Limpar essa imensa fossa
Que abrangeu a região,
Porque discriminação
De forma ordinária e vil?
Esse tratamento hostil
É desumano e inconteste
Já que o amado nordeste
Faz parte do meu Brasil.

A chegada intempestiva
Do produto indesejado,
Deixa o povo desolado
Mas de forma criativa,
Organiza e incentiva
Para o combate do mal.
Pra tragédia ambiental
Onde o “trigo” virou “joio”
Necessitamos de apoio
Do governo federal.


Literatura de Cordel quarta, 23 de outubro de 2019

CORDEL NO EMBALO DAS REDES (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)

 

 

 

CORDEL NO EMBALO DAS REDES 
 
1
Meu cordelzinho matuto
Das feiras do meu sertão
Hoje reina absoluto
Tem farta divulgação
Com seu jeitão enxerido
Agora todo exibido
Brilha na televisão.


2
Aparece ledo e belo,
Nos mais diversos canais.
Sem deixar de ser singelo
Vai estampando jornais
Com sua xilogravura
Mostrando sua cultura,
Que nunca será demais.


3
Um programa inteirinho
No “Globo Rural” ganhou.
E o “Salto Pro Futuro”,
O seu valor realçou.
No “History Channel”,
Detalhes do cordel
A história revelou.


4
Hoje é tema de novela,
Este cordel encantado,
De rainhas e princesas,
E do cangaço falado.
No reino da poesia
Um passado de magia
Será então resgatado.


5
Como fico orgulhosa
Em ver meu matutinho,
Sendo bem reconhecido
Mesmo fora do seu ninho.
Está fazendo bonito,
No cordel eu acredito
Pois ele é meu caminho.


6
Escutei cordel em feiras
E rodas de cantoria.
Em encontros com poeta
Onde reinava alegria.
Agora mais abrangente
Continua imponente
Disseminando magia


7
A internet chegando,
Vestiu de asas o cordel,
Que voou pra todo canto,
Como um alado corcel,
Com toda desenvoltura,
Aproveitou a abertura
Para firmar seu papel.


8
Um dia virou folheto
O que era apenas oral.
Chegou à televisão,
A revista, ao jornal.
E na internet brilha
Seguindo a nova trilha
Neste mundo virtual.


9
Na internet impera,
A real democracia,
Lê-se o contemporâneo,
E o antigo se aprecia
Com a multiplicidade
O cordel vira verdade
Que na rede contagia.


10
O cordel de trajes simples
Ou vestido a rigor
Sempre será respeitado
Sempre terá seu valor
Trazendo erudição,
Ou apenas inspiração
Traz na rima seu calor.


11
O cordel de trajes simples
Reside no interior.
Nas emissoras de rádio
Na boca do locutor.
No sorriso e na alegria
Que de fato contagia
Quem lá no campo ficou.


12
O cordel vestido a rigor
Usa terno e gravata
Não é de fazer bravata,
Seu espaço conquistou
Traz no seu falar polido
Um linguajar tão sabido
Que a escola adotou.


13
Este cordel que desponta,
E chegou para ficar.
Inserido nas escolas
E ajudando a ensinar
Traz na bagagem magia
É o novo que contagia,
Ajudando a educar.


14
Quais as faces do cordel?
Quem poderá me dizer?
Não diga que é só matuto
Nisso eu não posso crer!
Não diga que é erudito
Pois também não acredito.
Mas tudo poderá ser.


15
O Cordel é um alento
Para o forte Nordestino.
Cultivador de saudade
Um eterno peregrino.
Que leva no coração
As histórias do sertão,
A saga do seu destino.


16
É a gritante saudade 
Da farinha no surrão.
É a saudade da paçoca
Bem pisada no pilão
Da pamonha, da canjica
Do amor a terra que fica,
Grudado no coração.


17
É a cantilena brejeira
De quem viveu no sertão.
Tudo que passou um dia
Vivendo em seu torrão
Morando na capital
O cordel vira jornal,
A fonte de informação.


18
O cordel é identidade
Do homem do interior
Que veio para cidade
Estudou pra ser doutor
Mas apesar de formado
Recorda bem o passado
E as raízes dá valor.


19
Preso com os pregadores
Pendurado em cordão.
Avistava-se o cordel
Nas feiras do sertão.
Agora bem editado,
Ricamente ilustrado
Não falta divulgação.


21
O cordel é oração,
É reza é ladainha.
É a história de um povo
Que incansável caminha
Registrando sua história
Para guardar na memória
Que oralmente retinha.


22
A internet chegou
Para o cordel socorrer
E zombar de quem dizia
Que o cordel ia morrer.
Acompanhando o progresso
Um cordel sem retrocesso
É o que de fato se ver.


22
Eu sou Dalinha Catunda,
Também me assino Aragão.
Amante da poesia
Que germinou no sertão
Em Ipueiras nascida
Ao cordel dou guarida 
Pois ele é minha paixão.

Literatura de Cordel quarta, 16 de outubro de 2019

CORDEL NA INTERNET (CIRANDA DE VÁRIOS AUTORES)

 


 
CIRANDA DO CORDEL NA INTERNET
 
Nossas amigas Dalinha Catunda e Rosário Pinto, autoras do blog "Cordel de Saia", tiveram a feliz ideia de reunir versos de vários cordelistas para falar do tema "Cordel na Internet". O resultado ficou simplesmente fantástico, como vocês podem ver:



*
Filho amado da mente nordestina,
Sempre teve o cordel grande sucesso.
Cavalgando no dorso do progresso,
Mas fiel à escola leandrina
Muitas vezes saiu da oficina,
Em notícia de impacto social.
Foi aí que o cordel se fez jornal,
Na linguagem padrão e não matuta,
Sendo a modernidade absoluta
Pode e deve o cordel ser virtual.
(Gonçalo Ferreira - Ipu/CE)

*
A internet chegou
Como grande aliada
Pro cordel abriu estrada,
E o cordelista gostou
No virtual apostou
E com tecnologia
Espalhou sua poesia
Por este mundo global
Onde o cordel tem aval
Nesta metodologia.
(Dalinha Catunda – Ipueiras/CE)

*
O cordel hoje é manchete.
Está na mídia virtual.
Antes, ele foi oral.
Passou pelo ofsete.
Namora com a internet.
Hoje, com tranquilidade,
Mostra versatilidade,
Dela tira seu proveito,
Tem com ela laço estreito.
Brinca, qual marionete.
(Rosário Pinto – Bacabal/MA)

*
O cordel tem esse jeito
De caminhar sem cair
E também de exibir
Seu talento e respeito
Mostrando com muito jeito
O saber da paciência
Alertando a consciência
Da grandeza cultural
Agora também virtual
Mantém sua coerência.
(Chico Salles – Souza/PB)

*
Pra quem procura por perto
Morada pra poesia,
Pode dizer com alegria
Que encontrou lugar certo:
A net é espaço aberto
Pra o poeta versejar
E em verso desafiar
Os quatro cantos do mundo,
Numa fração de segundo,
Sem sair do seu lugar.
(Nezite Alencar – Crato/CE)

*
O cordel na internet
Ganhou vez, voz e espaço
Internautas num abraço
Fizeram dele, vedete
Nos sites virou manchete
Nos blogs ganhou mais fama
Feliz, não mais se reclama
Nem teme o anonimato
Reconhecido de fato
Toda a rede lhe proclama.
(Josenir Lacerda-Crato/CE)

*
Graças à tecnologia
Tudo tem novo valor
Abra o seu computador
E poste a sua poesia
Aquela... que ninguém lia
E nesse mundo virtual
Com linguagem digital
O mundo vai percorrer
E você vai agradecer
A esse espaço genial.
(Nelcimá de Morais – Santa Luzia/PB)

*
O cordel na internet
É uma necessidade
Pela dificuldade
De expor nosso trabalho
Uma vaca sem chocalho
Ninguém sabe onde está
Precisamos propagar
Costumes e tradição
Deixe o corisco e o trovão
Explodir no meio do mar.
(Ivamberto Albuquerque-Alagoa-Grande/PB)

*
Está na universidade
Aqui e em outras nações,
Falando das tradições
Pra gente de toda idade;
Invadiu sertão, cidade
Cresceu e virou manchete
Qualquer assunto reflete
De forma mais verdadeira
Ultrapassou a fronteira
E brilha na internet  !
(Bastinha Job – Santo Amaro Assaré/CE)

*
Quem pensa que folhetos de papel
E impressão com rasteira qualidade
É a forma, com exclusividade,
De se ver publicado o cordel
Não percebe que o grande carrossel
Deste mundo não pára de girar.
O cordel, para se modernizar,
A mudança do mundo ele reflete,
Foi assim que o cordel na internet
Começou, de repente, a se espalhar.
(Marcos Mairton – Fortaleza /CE)

*
Para mim que sou do tempo antigo
INTERNET parece coisa estranha,
Porém, sei com ela o cordel ganha
Asas pra voar e, sem perigo,
Se nas feiras ontem tinha abrigo
Hoje tem por cliente o mundo inteiro,
Professor, estudante, oficineiro
Podem ler o cordel a qualquer hora
Por isso o cordel se faz agora
Acessível a todo brasileiro.
(Manoel Monteiro da Silva – Bezerros/PE)

*
Os versos de artistas tão tradicionais
Aderaldo, Patativa e também Azulão
Botado em livreto, pendurado em cordão
Prática que fez dos cordéis os jornais
Mais lidos nas feiras e também nos quintais
Hoje, esse costume ficou rarefeito
E apesar do verso se manter perfeito
É mais lido na tela de um computador
Na tal da internet veio com clamor
Adeus ao papel! Danou-se! Tá feito
(Ricardo Aragão – Ipu/CE)

*
Com o cordel na internet
Vislumbro a oportunidade
De quem faz e não promete
Viver na modernidade
E com personalidade
Mostrar a nova feição
Sem fugir à tradição
Dessa fonte cultural
Com a forma original
Para a sua criação
(Zé Walter [José Walter Pires] – Brumado/BA)

*
Publicar virtualmente
Um cordel, hoje é possível
A tecnologia é incrível
E está dando patente
A quem antes era ausente
Da cintilância da fama,
A internet é a cama
Pra o poeta deleitar
Conhecer e publicar
Essa arte que o Brasil ama.
(Raul Poeta – Juazeiro do Norte/CE)

*


Com a chegada da Internet
O cordel ganhou mais vida.
Agora não tem saída
Nós vamos pintar o sete
Na TV, rádio, manchete
Em qualquer lugar fecundo
Nosso versejar profundo
Estará mais que presente
Alegrando a toda gente
No Brasil e além mundo.
(Antonio Barreto - BA)

*
Gostaria de opinar sobre o tema
A respeito do cordel na Internet
Acho que a cada cordelista compete
Divulgar beira-mar, mourão poema
Afinal, dos versos, todo o sistema
Entendo que o cordel é soberano
Mostremos para o mundo novo plano
Se se afastar muito do passado
Lembremos cada vate renomado
Nos dez pés do martelo alagoano
(Antônio de Araújo Campinense - Campina Grande/PB)

*
O livreto pendurado
Em cordão numa barraca
Já é visão meio fraca
Que faz lembrar o passado.
Hoje muito divulgado
Em diferentes canais,
Nos saraus, em recitais
Recebe aplausos, confete
O cordel na internet
Cresce cada dia mais.
(Creusa Meira – BA)


*
Quando vi em plena feira
um cabra se esgoelando
bonitos versos cantando
fiquei ali de bobeira.
Ele desceu da cadeira
e ficou a me olhar
parecendo advinhar:
"Menino, você promete,  
o Cordel na internet
sua vida vai mudar".
(José Alberto Costa – Maceió/AL)

*
Com a inclusão digital,
Um novo leque se abriu
E dentro dele surgiu
O poeta virtual.
Acessando esse portal,
O poeta usa um teclado.
Que corrige o verso errado,
Lapida, cola e copia.
Salve a tecnologia
E o Cordel modernizado!
 (Damião Metamorfose)

*
Antes do computador
Tínhamos fragilidades,
Hoje nas comunidades
O cordel tem mais valor.
Cordelista ou cantador
Quando um cordel escrevia,
Era só ele quem lia,
O caderno amofumbava.
Uma parte o mofo dava,
A outra, a traça comia.
(Eduardo Viana)


Literatura de Cordel quarta, 09 de outubro de 2019

COREL HOMEOPÁTICO (FOLHETO DE EDMILSON GARCIA)

 

Cordel de Edmilson Garcia

 
 
CORDEL  HOMEOPÁTICO
(alguns remédios caseiros)
Edmilson Garcia
 
1

VOU RECEITAR PRA VOCES
COM UM LINGUAJAR MUITO PRÁTICO
FALANDO  DE UM MODO  SIMPLES
SEM SER MUITO ENIGMÁTICO
PRA TODOS OS BRASILEIROS
ALGUNS REMÉDIOS  CASEIROS
NUM CORDEL HOMEOPÁTICO

2

NÃO ESTUDEI MEDICINA
SO SEI DAS PLANTAS DO MATO
MEU CONHECIMENTO É PRÓPRIO
DE UM SERTANEJO NATO
COM FÉ E  SABEDORIA
AS VEZES UMA SIMPATIA
FAZ EFEITO IMEDIATO

3

AQUI VOU PROCURAR SER
BASTANTE  BEM-HUMORADO
FALANDO SÉRIO E BRINCANDO
MAS MANDANDO O MEU RECADO
ACREDITE QUEM QUISER
CONSELHO,TOMA QUEM QUER
OBSERVE O FRASEADO....

4

SE TA COM DOR DE GOELA
USE A BANHA DE TEIÚ
PRA SARAR FERIDA BRABA
É A FOLHA DO MULUNGÚ
E SE SENTIR DOR DE DENTE
BEBA UM CHA FORTE E BEM QUENTE
DA CASCA DO CUMARÚ

5

PRA QUEM TA EMPANZINADO
BATATA DE PURGA CURA
PRA VISTA- FRACA  ACONSELHO
A BUNDA DA TANAJURA
E PRA QUEM SENTE FRAQUESA
O REMÉDIO COM CERTEZA
É FEIJAO COM RAPADURA

6

QUEM SOFRE DE TOSSE-BRABA
PODE TOMAR LAMBEDOR
PRA GASTRITE É LEITE FRIO
PARA ALIVIAR A DOR
JÁ ARNICA PICADINHA
ESSA É A MELHOR MEISINHA
PRA CURAR QUALQUER TUMOR

7

TA COM A HEMORRÓDIA INFLAMADA?
VAMOS CURAR ISSO AGORA!
É UM POUCO DOLORIDO
SE O CABRA FOR FRACO, CHORA..
PREPARE BEM O LOCAL
LAVE COM ÁGUA DE SAL
QUE SARA NA MESMA HORA

8

PARA GRIPE MAL-CURADA
SO MESMO CHA DE PICÃO
SE TEM CATARRO NO PEITO
É PINGA, MEL E LIMÃO
ESSE REMÉDIO É TAO FORTE
QUE ESPANTA ATÉ A MORTE
E DEFUNTO SAI DO CAIXÃO

9

PARA DENTE CARIADO
TEM REMÉDIO,EU DOU A PISTA
ESFREGUE BEM NA GENGIVA
A FRUTA DA CANAFISTA
FAÇA A APLICAÇÃO DIREITO
AGORA;SE NÃO DER JEITO,
SO O MOTORSINHO DO DENTISTA

10

PARA A TAL  LABIRINTITE
TAMBEM CHAMADA TONTURA
O CERTO É FICAR NO CHÃO
NUNCA SUBIR EM ALTURA
OUÇAM OS  CONSELHOS  MEUS
PRA SARAR,SOMENTE DEUS
DO CONTRARIO NÃO TEM CURA

11

PRA PRESSÃO ARTERIAL
HÁ ALGO QUE ALIVIA
XUXU DE MOLHO NA ÁGUA
TOME ISSO TODO DIA
É O QUE SE PODE FAZER
CONTROLAR PRA SE VIVER
JÁ É DE GRANDE VALÍA

12

SE BEBEU UMAS E OUTRAS
E O FÍGADO FICOU DOENDO
TOME JÁ UM CHA DE BOLDO
NÃO DEIXE O “”BIXIM””SOFRENDO
NA PROXIMA, PRESTE ATENÇÃO
BEBA COM MODERAÇÃO
OUÇA O QUE ESTOU LHE DIZENDO

13

PRA QUEM TEM UNHA ENCRAVADA
E QUER MELHORAR RAPIDINHO
USE A CASCA DO  MUFUMBO
TODO DIA BEM CEDINHO
SE ISSO NÃO RESOLVER
SINTO MUITO EM LHE DIZER
COM ALICATE, É LIGEIRINHO

14

TEM MAIS DE QUARENTA ANOS?
É HORA DE SE  CUIDAR
VÁ DEPRESSA NO DOUTOR
MANDE ELE LHE EXAMINAR
TU VAI VER QUE NÃO É NADA
É APENAS UMA DEDADA
QUEM SABE, TU VAI GOSTAR

15

QUANDO LEVAR UMA TOPADA
E QUEBRAR O DEDÃO DO PÉ
MIJE EM CIMA, AMARRE UM PANO
OU BOTE PÓ DE CAFÉ
E SE A DOR NÃO PASSAR,
O ÚNICO JEITO É  CHORAR
OU  REZAR COM MUITA FÉ

16

E PRA PARAR A DIARRÉIA,.;;
CHAMADA DE CAGANEIRA,
NÃO CONHEÇO NADA IGUAL
AO OLHO DA GOIABEIRA
PONHA C`ÁGUA N`MA LATA
FERVA E BEBA,,,QUE É “BATATA”.
É  REMÉDIO DE PRIMEIRA

17

E PRA MATAR AS LOMBRIGAS
DE QUEM TEM BUCHO QUEBRADO,.;
AÍ SIM. “OLEO DE RÍZINO”
DEIXA O SUJEITO CURADO
MATA AS BICHAS E PÔE PRA FORA
E O CABRA NA MESMA HORA
JÁ SE SENTE ALIVIADO

18

UMA SIMPLES DOR DE CABEÇA
ENCOMODA QUALQUER UM
MAS A CURA É MUITO FÁCIL
É A FLOR DO JERIMUM.
JÁ PRA INTESTINO PRESO
E SE O CABRA FOR OBESO
PROCURE FAZER JEJUM

19

AGORA; TEM UMA COISA
QUE EU PRECISO ESCLARECER
SE O CABRA TA DEVAGAR
E DE SEXO NÃO QUER SABER
SE CUIDA LOGO, MEU “CABA”
APELE PRA CATUABA
SENÃO TU VAI SE PERDER

20

ESTÁ COM FALTA DE AR;;
QUASE SEM RESPIRAÇÃO,
A RAIZ DA QUINA-QUINA
É MUITO BOM PRA O PULMÃO
MAS SE FUMA HÁ MUITOS ANOS
PROCURE NÃO FAZER PLANOS
VER QUANTO CUSTA O CAIXÃO

21

SE TA SE SENTINDO  MOUCO
NEM OUVE MÚSICA DIREITO
LAVE OS OUVIDOS COM MIJO
E  ESPERE QUE FAZ EFEITO
MAS SE TU NÃO FICAR BOM
TRATE DE AUMENTAR O SOM
QUE ESSE É O ÚLTIMO JEITO

22

PRA VOCE QUE TEM GAGUEIRA
USE A PENA DO VEM-VEM
MASTIGUE E ENGULA COM ÁGUA
REMÉDIO MELHOR NÃO TEM
MAS SE NÃO DER RESULTADO
NÃO FALE,,FIQUE CALADO,
PRA NÃO IRRITAR NINGUEM

23

REUMATISMO QUANDO ATACA
É RUIM E DOI PRA DANADO
ESQUENTE UM POUCO DE SEBO
DE UM CARNEIRO CAPADO
DÊ UM BOM GRAU DE CALOR
E PASSE EM CIMA DA DOR.
ESSE É O REMÉDIO INDICADO.

24

PROBLEMAS SENTIMENTAIS?
PRA ISSO TAMBEM TEM JEITO
É SO SEGUIR A RECEITA
QUE TU VAI TER BOM PROVEITO
SE ELA TE DEIXOU DE LADO
E TU TA APAIXONADO
EMPURRE PINGA NO PEITO

25

SE A MULHER LHE BOTAR CHIFRE
AÍ É DOSE,,MEU CHAPA!
MANDE ESSA FULANA EMBORA
MAS NÃO LHE DÊ NEM  UM TAPA
SE DECIDA NUM SEGUNDO
MANDE ELA GANHAR O MUNDO
E DESAPARECER DO MAPA

26

 A MULHER NÃO LHE QUER MAIS?
NÃO SE DESESPERE NÃO
SE DIVIRTA,ARRANJE OUTRA
AGRADE O SEU CORAÇÃO
A PRIMEIRA QUE TU VER
BOTE LOGO PRA VALER
DÊ UMA DE RICARDÃO

27

SE TIVER DESCONFIADO
QUE ELA TA TE CHIFRANDO
DIGA QUE VAI VIAJAR
OU QUE ESTA TRABALHANDO
PREPARE BEM O SEU LAÇO
DÊ UMA DE JOAO SEM BRAÇO
QUE TU ACABA PEGANDO

28

VOLTANDO À PATOLOGIA
DO FÍSICO DO CIDADÃO!!
SE TU TEM BAFO-DE-ONÇA
BOM É ESPUMA DE SABÃO
GARGAREGE  BEM CEDINHO
PODE ENGOLIR UM POUQUINHO
BOM ATÉ PRA ROUQUIDÃO.

29

PRA O CABOCLO QUE BUFA
FICA SONSO,,, E  SORRATEIRO,
NÃO ASSUME QUE FOI ELE
NEGA,E RECLAMA DO CHEIRO
O REMEDIO,EU DIGO AGORA
SAIA,VA BUFAR  LA FORA
OU ENTAO VA NO  BANHEIRO

30

ACABE COM A COCEIRA
COM A SARNA E A  CORUBA
ESPALHE POR TODO O CORPO
O OLEO DA CARNAUBA
PODE USAR SOSSEGADO
ISSO É MAIS SOFISTICADO
QUE A MEDICINA DE CUBA

31

CABRA QUE SE ASSUSTA ATÔA
TEM MEDO ATE DE BARATA
SO GOSTA DE DANONINHO
E PURESINHO DE BATATA
NÃO DISCRIMINO NINGUEM
MAS AÍ TEM UM POREM,,
PRA HOMEM É UMA COISA CHATA!

Literatura de Cordel sábado, 05 de outubro de 2019

O VOO DA RETIRANTE (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)

 

O VOO DA RETIRANTE!

 

1
Eu sou mulher sertaneja!
Feminina e singular
O agreste me batizou
Mas fiz do mundo meu lar
Açoites patriarcais
Não me podaram jamais
Lutei pra me libertar.

2
Nunca fui igual a tantas
Aceitando imposição
Tinha o olhar aguçado
Tinha rumo e direção
Do meu jeito nordestino
Sem drama sem desatino
Segui cheia de razão.

3
Não fui mulher de ficar
Debruçada na janela
Eu queria muito mais
Vi que a vida dava trela
Na janela não fiquei
A porta eu escancarei
E joguei fora a tramela.

4
Uma estrada desenhei
Do jeitinho que eu queria
Nela pisei com firmeza
Distribuindo alegria
As veredas da tristeza
Enfrentei sem ter moleza
Recorrendo a rebeldia

5
Receio de ser feliz
Não provei no meu caminho
Fui ave de ribaçã
Trocando às vezes de ninho
longe do velho rincão
Eu desbravei novo chão
Sem sumir no torvelinho.

6
As pragas que me jogaram
Voltaram pra quem jogou
Eram tantas profecias
Nenhuma se confirmou
E hoje vou lhes dizer
Não parti pra me perder
Quem me viu depois notou.

 

7
Nunca fui desatinada
Era desobediente
A cruel hipocrisia
Era discurso presente
Mas fugi dessa verdade
Da podre sociedade
Jamais quis herdar corrente.

8
Eu nunca tive medo
De casar ou não casar
Sempre tive minha luz
Que acendi pra me guiar
Munida de inteligência
Não quis viver de aparência
Tive peito pra encarar.

9
A luxúria dos senhores
Fez filho no cabaré
O santo padre endeusado
Profanou a sua fé
Mas tudo era encoberto
O pecador era o certo
Na vida como ela é.

10
Eu vi a mulher do próximo
Nos braços do seu amante
Vi o próximo noutros braços
Situação semelhante
Mas tudo era abafado
O tal do patriarcado
Tinha o grito retumbante!

11
Vi esposas recebendo
No lar putas do marido
O homem podia tudo
Sempre era obedecido
E a mulher subjugada
Não podia falar nada
Seu orgulho era engolido.

12
Eu vi telhado de vidro
Querendo pedra atirar
Presenciei falsas virgens
Casando em frente ao altar
Noivo ganhando boiada
Pra assumir a desonrada
E o nome dela salvar.

13
O homem tinha direitos
Mas não os tinha mulher
Se deixasse de ser casta
Viraria uma qualquer
De sua casa era expulsa
Sobrava-lhe só repulsa
E compaixão nem sequer.

14
Eu escrevi outra história
E fiz o sertão ferver
Fiz um filho sem casar
Começou meu padecer
E para meu desencanto
Não era do espírito santo
Foi difícil resolver.

15
A cidade jogou pedra
No meu lar não me cabia
Todos lavaram as mãos
Enquanto eu me despedia
Aceitei a minha cruz
Apeguei-me com Jesus
E com a Virgem Maria.

16
Não vou dizer que foi fácil
Porém não me entreguei.
O sangue de nordestina
Comigo eu carreguei
Trabalhei como ninguém
Pra consegui ir além
Eu nunca me desgracei.

17
Não tive pena de mim
Não chorei a pouca sorte
Resolvi virar o jogo
Meu orgulho me fez forte
Empinei bem o nariz
Vivo do jeito que quis
Eu mesma fui meu suporte.

18
Tangida ganhei o mundo
Sem esquecer minha aldeia
Lá voltei mais de mil vezes
Sem medo de cara feia
Não saí do meu lugar
Sem aprender a nadar
Para não morrer na areia.

19
E cada vez que eu voltava
Pra minha satisfação
Tinha nova mãe solteira
Em meu querido rincão
Eu vi que servi de exemplo
Só me falta agora um templo
Pra minha coroação.

20
Sou mãe de dois meninos
Que ao meu lado vi crescer
Dei casa, comida e estudo.
Criar bem foi meu dever
Os dois já estão formados
Todos dois bem colocados
Esse é meu maior prazer.

21
Sempre volto a Ipueiras
Onde vou veranear
Hoje me chamam Senhora
Chego quase a gargalhar
Mesmo tendo eira e beira
Continuo mãe solteira
Apesar de ter meu par.

22
Escorregando e caindo
Aprendi a levantar
Eu nunca deixei barato
Quando ousaram me afrontar
Sempre tomei atitude
Se muitas vezes fui rude
Foi pra ninguém me pisar.

23
Sou filha da intolerância
Conheci o preconceito
Guerreira que não se dobra
E pra flecha abri meu peito
De cada dardo escapei
Criei minha própria lei
Pois nutri esse direito

24
Agora sou poetisa
Não acho o mundo perverso
Eu dei a volta por cima
Essa história conto em verso
E digo com alegria
Eu sou mais uma Maria
Coragem nesse universo.


Literatura de Cordel quarta, 02 de outubro de 2019

CORDEL DO SOFTWARE LIVRE (FOLHETO DE CÁRLISSON GALDINO - BARDO)

 

 



CORDEL DO SOFTWARE LIVRE


De Cárlisson Galdino (Bardo)
Obtido em http://www.dicas-l.com.br/dicas-l/20071223.php

 

Caro amigo que acompanha
 
Essas linhas que ora escrevo
Sobre um assunto importante
Que até pode causar medo
Mas não é tão complicado
Você vai ficar espantado
Não ter entendido mais cedo

Aqui falo de uma luta
Da mais justa que se viu
Por democratização
Nesse espaço tão hostil
Que é dos computadores
Falo dos novos valores
Que estão tomando o Brasil.

Apresento um movimento
De uma luta deste instante
Que mexe com muita gente
Por isso não se espante
Se noutro canto encontrar
Alguém a disso falar
Mal e de modo alarmante

Faço apelo à Inteligência
Se encontrar quem diga: "é não!"
Não tome nem um, nem outro
Por verdadeira versão
Leia os dois, mas com cautela
Que a verdade pura e bela
Surgirá à sua visão

Pois eu trago nesses versos
Quem buscar pode encontrar
A verdade, puros fatos
Que podem se sustentar
Já é dito em muitos cantos
Mas como já falei tanto
Vamos logo começar

Computador e internet
Vivem no nosso Presente
Mesmo sendo tão ligados
Cada um é diferente
Mas toda coisa criada
Não serviria pra nada
Se não fosse para gente

Como uma calculadora
Um bocado mais sabida
Nasceu o computador
Pra fazer conta e medida
Mas foi se modernizando
Seu poder acrescentando
E o "programa" ganhou vida
 
O computador não pensa
Precisa alguém dizer
O "programa" é o passo-a-passo
Diz como é pra fazer
Cada passo do roteiro
O computador, ligeiro
Faz logo acontecer

Cada programa é escrito
Por um sábio escritor
Que escreve o passo-a-passo
Como quem está a compor
E escreve totalmente
Como só ele entende
Esse é o programador

O programa assim escrito
Nessa forma diferente
Não é logo percebido
Pela máquina da gente
Um tal de "compilador"
Traduz pro computador
Numa versão que ele entende

E é assim que um programa
Tem duas formas sagradas
Uma pro programador
Outra que à máquina agrada
Sempre que alguém solicita
É a primeira que se edita
E a segunda é recriada

Isso parece confuso
Mas não é confuso não!
É como ter um projeto
Pra ter a realização
É como a gente precisa
Tela pra pintar camisa
Como planta e construção

A primeira forma tida
"Código-fonte" se chama
E o programador entende
Essa forma do programa
Mas só é aproveitável
Só no modo "executável"
Computador não reclama

Para o programador
O código é usado
Para o computador
O programa é transformado
O "executável" é feito
Traduzindo, e desse jeito
Temos o segundo estado

E por muito tempo foi
Que todo programador
Toda vez que precisava
De algo que outro já criou
Esse outro prontamente
Passava logo pra frente
O programa salvador

O código aproveitado
Poupava trabalho e tempo
O amigo aproveitava
E se estava falho e lento
O programa original
Era mudado, e afinal
Funcionava como o vento

E o programador primeiro
Como forma de "Obrigado!"
Recebia essa versão
Corrigida do outro lado
Graças ao que foi cedido
Com a mudança de um amigo
Dois programas, melhorados

Veja, amigo leitor
Como tudo funcionava
Por que ter que criar de novo
Se isso feito já estava?
Em uma grande amizade
Viveu tal comunidade
Enquanto a Vida deixava

O mundo programador
Nessa vida se seguia
Mas tudo se complicou
Quando em um certo dia
Um programador brigão
Quis arrumar confusão
"Copiar não mais podia"

Esse tal programador
Uma empresa havia criado
Queria vender caixinhas
Com um programa lacrado
Cada caixa adorável
Apenas o executável
Trazia ali guardado

E o pior é que a caixinha
Não dava nem permissão
De instalar em outro canto
O programa em questão
Mesmo pagando a quantia
A caixinha só servia
Para uma instalação

Assim veja, meu amigo
Cada programa comprado
Não traz código consigo
Só o que será executado
Não dá mais para alterar
Nem mexer, nem estudar
Esse programa comprado

Veja bem que, além disso
Apresenta restrição
O programa não permite
Uma outra instalação
"Se há outro computador,
Outra caixa, por favor"
É o que eles lhe dirão

Desse jeito que tem sido
Nesse mundo digital
Os programas mais famosos
Funcionam tal e qual
Agora lhe foi mostrado
São os "programas fechados"
Como Windows, Word ou Draw

Outra coisa que acontece
Com os programas fechados
É que quem for fazer outro
Terá todo o retrabalho
Haja quinhentos já feitos
Fará de novo, que jeito?
Pois o código é negado

E quem já tem algo pronto
Mais e mais se fortalece
Quem começa hoje sem nada
Não tem chance e já padece
Com poucos fortes então
Há bem pouca inovação
Só o monopólio cresce
 
Foi desse jeito que um mundo
Tão saudável e integrado
Foi trocado por um outro
Egoísta e isolado
Que lucra um absurdo
E esmaga quase tudo
Que se oponha a seu reinado

Todos estávamos tristes
Com nosso triste Presente
Um mundo de egoísmo
Era esperado, somente
Um mundo de ferro e açoite
Mas depois da fria noite
O Sol nasceu novamente

Contra esse mundo cruel
Que tudo quer acabar
Pra dinheiro a qualquer preço
Fazer tudo pra ganhar
Apareceu boa alma
Era o Richard Stallman
Que vinha tudo mudar

Aos poucos foi se formando
Uma grande multidão
De grandes programadores
Para ao mundo dar lição
E aos mais céticos mostrar
Que vale mais cooperar
Que a dura competição

Começaram a escrever
Programas de um novo jeito
E aquele código-fonte
De novo é nosso direito
Permitindo qualquer uso
E toda forma de estudo
Tudo que queira ser feito

Mais e mais programadores
Essa idéia apoiaram
E o resultado disso
É maior do que esperavam
Tantos programas perfeitos
São por tanta gente feitos
De todo canto ajudaram

Programas feitos assim
Que nos deixam os mudar
Se chamam Softwares Livres
Mas há algo a acrescentar
Eles deixam ter mudança
Mas exigem por herança
Tais direitos repassar

Assim se eu uso um programa
Que me é interessante
Posso copiar pra você
Eles deixam, não se espante!
Eu posso modificar
E você, se desejar.
Podemos passar adiante

Pra nossa felicidade,
Há tanto programa assim
Que nem dá pra ver direito
Onde é o começo e o fim
Da lista de Softwares Livres
E há muita gente que vive
Com Software Livre sim

É Firefox, é Linux
É OpenOffice, é Apache
Pra programação, pra rede
Pra o que se procure, ache
Pra desenho, escritório
Para jogos, relatório
Pro que for, há um que se encaixe
E você, se não conhece
Não sabe o que tá perdendo
A chance de viver livre
Ouça o que estou lhe dizendo
Software Livre é forte
No Brasil, já é um Norte
Basta olhar, já estamos vendo

Maior evento do mundo
Desse tema é no Brasil
NASA, MEC, Banrisul
Caixa, Banco do Brasil
Em Sergipe, em João Pessoa
Em Arapiraca e POA
Software Livre roda a mil

E se a imprensa não fala
É porque tem propaganda
De quem não quer ver o mundo
Ir para onde livre anda
E nada contra a corrente
No Brasil, infelizmente
Na mídia o dinheiro manda

Se você quer saber mais
Disso tudo que hoje eu teço
Procure na Internet
Veja agora uns endereços
softwarelivre.org
br-linux.org
E a atenção agradeço
 
 

Literatura de Cordel quarta, 25 de setembro de 2019

O BANQUEIRO E O MATUTO (FOLHETO DE CARLOS AIRES)

 

Na cidade eu vou pra feira,
Pra missa ou pra passear,
Ou mesmo pagar as contas,
Pra o médico me receitar!
Mas o campo me fascina
Pois a vida campesina
Traz-me encanto com certeza,
De nada tenho receio
Adoro habitar no seio
Da sagrada natureza.

Ali sou muito feliz
Vivendo por entre os montes,
Comendo os frutos da mata,
Bebendo água nas fontes,
Tomando banho nos rios.
As belas noites de estios
Induzindo a inspiração,
E sob o luar de prata
Faço a minha serenata
Ao som do meu violão.

Nada tenho a censurar
Do que mora na cidade,
Que leva um viver moderno
Com bem mais comodidade,
Praia, shopping, bons colégios,
Além de outros privilégios
Que na brenha não contém!
Podem me chamar de rudo
Porque dispenso isso tudo
Mas aqui me sinto bem.

Nos passeios matinais
Aprecio a alvorada,
Sinto meus pés encharcados
Pela campina orvalhada.
O ar chega com a pureza!
E o aroma que a devesa
Vem oferecer de graça,
Que seja inverno ou verão,
Sem conter poluição
Sem sujeira e sem fumaça.

 

Numa manhã acordei
Cedo, igual a todo dia,
Saí para olhar o gado
A pastar na pradaria,
Estando junto ao rebanho
Ouvi um barulho estranho
Vindo das bandas da estrada,
Onde um carro novo e lindo
Estava se dirigindo
Lá para a minha morada.

Era um homem da cidade
Guiando o belo carrão,
De paletó e gravata
Com uma pasta na mão,
Bem-educado, bacana,
Perguntou: essa choupana
Lá na encosta da serra
É a sua moradia?
Também saber eu queria,
Quem é dono dessa terra.

Ali vi umas vaquinhas
Lá no cercado pastando,
São suas? Ou o senhor,
Está só delas cuidando
Pra ganhar algum “dindim”?
E aquele açude enfim,
Também pertence ao senhor?
Por favor, fale a verdade,
É sua a propriedade
Ou é só trabalhador?

Quantos hectares têm
A pequena fazendola?
Cultiva alguma lavoura,
Milho, feijão, acerola,
Batata, aipim ou laranja,
Cria galinhas de granja
Ou só produz da caipira?
E ali naquela represa
Deve criar com certeza
Piau, tilápia e traíra.

O senhor tem quantos filhos?
E a esposa, é do lar?
Ou será que é empregada
Trabalha noutro lugar?
No café almoço e janta
O senhor come o que planta
No canteiro ou no roçado,
Ou não dá para o sustento
Tem que comprar suprimento
Em algum supermercado?

Eu só estava escutando
Toda aquela indagação,
Mas perdi a paciência
E com muita educação
Disse-lhe assim: por favor,
Diga o que quer meu senhor?
Antes que eu tenha um chilique,
Pois sei que não é daqui!
Quem lhe mandou vir aqui?
Por favor, se identifique!

Eu estava sossegado
Cuidando da minha lida,
Aí me vem esse moço
Aporrinhar minha vida,
Querendo saber demais,
Pois eu sou daqueles tais
Que zela tudo que tem,
Sempre é farta a minha mesa,
Assumo qualquer despesa
Sem dever nada a ninguém.

Não tenho qualquer motivo
Pra lhe dar explicações,
Se nada estou lhe devendo
Então não vejo razões
Pra tanto me interrogar,
Porém resolvi lhe dar
Só uma chance restrita
E de modo decisivo,
Diga qual foi o motivo
Da sua infausta visita?

O rapaz olhou pra mim
Um pouco meio sem graça
Respondeu: eu sou do banco,
Mais forte que tem na praça,
E resolvi visitá-lo
No intuito de cadastrá-lo
Pra lhe deixar preparado
E com total competência
Pra ir lá à nossa agencia
Pegar dinheiro emprestado.

O nosso juro é barato
E cabe bem no seu plano,
Pense bem, é tão somente,
Cinquenta por cento ao ano,
Se quiser ir é agora!
A gente faz a penhora
Da sua terra e seu gado,
Paga uma taxa e talvez
Lá pelo final do mês
Seu dinheiro é liberado.

O campônio olhou pra ele
Com um olhar de ironia,
E disse assim, meu amigo,
Baixe noutra freguesia,
Eu sou um matuto pobre
“Mas, enjeito esse seu cobre”,
E pra ser bastante franco
Vivo só dos meus labores
Dispensando esses “favores”
Ofertados por seu banco.

Vivo do pouco que tenho
Pois dá bem pra o meu sustento!
E nem estou interessado
Em fazer investimento!
Sou bastante forte e bravo
Pra que não me torne escravo
Da sua instituição,
Com ela eu não me assemelho
Pois estou ficando velho,
Porém besta! Ainda não!


Literatura de Cordel terça, 24 de setembro de 2019

MEU CACHORRO CAÇADOR (FOLHETO DE CARLOS AIRES)

 

 

Eu morei no tabuleiro
Bem no aceiro da mata!
Possuí um vira-lata
Mestiço com perdigueiro
O seu pelo era trigueiro
Belo, macio e brilhante,
Era um cachorro elegante,
Daqueles que tudo come
Na escolha do seu nome
Optei por “vigilante”.

Cresceu sem ter regalia
Porém nunca fez protesto,
Seu alimento era o resto
Do que a gente consumia,
Só tinha nessa iguaria
Feijão, cuscuz ou coalhada,
Nunca viu ração comprada
Daquelas dos cães da praça,
Carne, só de alguma caça,
Por ele mesmo caçada.

Mesmo assim era nutrido
Forte, bravo e corajoso,
Sem se mostrar preguiçoso
Nem tão pouco esmorecido,
Pois sempre foi destemido
Audacioso e ousado,
Dava conta do recado
De maneira triunfante
Na luta intensa e constante
Quando campeava o gado.

Cercava a vaca malhada,
A vermelha ele atalhava,
Se a branca ali não estava,
Ia caçar a danada!
A preta desconfiada
Saía do lamaçal,
Pensando que era o “tal”
O touro até se atrevia
A enfrentá-lo, desistia,
Ia parar no curral.

Meu cachorro caçador!
De nada sentia medo
Acordava muito cedo
Pois não era dormidor,
Era muito corredor
Em mata, ou campo pelado,
Era desembaraçado
Quando pra caçar saia
Pegava peba e cutia,
Preá, coelho e veado.

Logo de longe espreitava
A raposa quando vinha,
Perseguir uma galinha,
Que pelo mato pastava.
Com a carreira que dava
Ligeiro ela era alcançada,
E sem poder fazer nada
Morria quase de graça,
Ao invés de pegar a caça
Ela é quem era caçada.

 

Em casa era atento a tudo
Uma forte sentinela,
Se alguém abrisse a cancela,
Soltava um latido agudo,
Era o mais fiel escudo
Sem cobrar nada por isso,
Cumprindo seu compromisso
Sempre foi uma atalaia,
Que nunca fugiu da raia
E nem brincou em serviço.

Sem nunca temer sol quente,
Mormaço nem chuva fria,
Fosse de noite ou de dia
Estava sempre contente,
Era um cão obediente
Sem atalho e sem desvio,
Zelou sempre por seu brio,
Sem jamais perder a classe
E se eu dele precisasse,
Bastava dá um assobio.

Nunca lhe faltou coragem
Pra trabalhar ou caçar,
Ia pra qualquer lugar,
Não importava a paragem,
E em qualquer abordagem
Agia com precisão,
Sabia qual decisão
Deveria ser tomada
Sem agir de forma errada
Em qualquer ocasião.

Vigilante era um cão forte
Defendendo o dono seu
E jamais se esqueceu
De dar-lhe apoio e suporte,
Caçar era o seu esporte,
Cuidar da lida também,
Nunca deixou ao desdém
Ao relento, ao abandono,
Sua dona nem seu dono
A quem tanto ele quis bem.

E, se alguém me insultasse,
Com ousadia atrevida?
O cãozinho dava a vida,
Por mim, se necessitasse!
Nem calculava o impasse
Que essa atitude causava,
Agindo de forma brava
Era quase uma loucura
Porém naquela aventura
Morria, mas me salvava.

Não me deixava por nada!
No lazer nem no perigo
Ia pra festa comigo,
Pra casa da namorada,
Deitava lá na calçada
Esperando paciente,
Ficava muito contente
Ao ver que eu já ia embora
Podia ser qualquer hora
Ele estava ali presente.

Quem tem um cão como àquele
Cordial, leal, amigo,
Não teme qualquer perigo
Estando por perto dele,
Pois pode confiar nele
Em qualquer situação
Seja vantajosa ou não
Ele vai lhe proteger
E lhe ajudar resolver
Qualquer que seja a questão.

Tudo tem seu tempo certo
Conforme manda o destino,
O meu cãozinho ladino
Valente, capaz, esperto,
Também não estava liberto
Dos males que o tempo traz
A doença contumaz
Chegou sorrateiramente
Mostrando que brevemente
Daria seu golpe audaz.

Lentamente definhando
Vi meu cachorrinho lindo,
O mal só lhe consumindo
E a vida desmoronando,
Ele tristonho me olhando
Como quem quis me dizer,
Foi imenso o meu prazer
Por ter eu vivenciado
A lhe servir do seu lado
Valeu a pena viver.

Numa manhã parda e fria
Que só retrata a tristeza,
Aquela vida indefesa
Lentamente se esvaia,
O corpo se contraía
Perdendo a mobilidade
A morte sem piedade
Esse caipora inimigo
Levou meu cãozinho amigo
Deixou somente a saudade.

 


Literatura de Cordel quarta, 18 de setembro de 2019

SÃO JOÃO NA ROÇA (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)
 

1
Hoje acordei com saudades
Das festas do meu sertão
De matuta me trajava
E cheia de animação
Com meu vestido de chita
Chapéu e laço de fita
Feliz dançava o São João.

2
Enxerida e dançadeira
Nunca me faltava par
Pra dançar numa quadrilha
Nas festas do meu lugar
Tudo hoje é diferente
Até o São João da gente
Acharam por bem mudar.

3
No São João de Antigamente
Tudo era especial
O noivo e a noiva vinham
No lombo dum animal
Ou então numa carroça
Assim era lá na roça
No São João tradicional!

4
No casamento matuto
Era um Deus nos acuda
Noivo querendo fugir
Da noiva já barriguda
De espingarda na mão
Fazia o pai confusão
E ao juiz pedia ajuda.

5
O vigário embriagado
Cambaleava no altar
O pai que não sossegava
Gritava vou já matar
Ou casa ou eu não dou trégua
Nesse filho d’uma égua
Eu atiro é sem mirar.

6
O delegado chegava
E acabava a confusão
O noivo então se casava
Pra não mofar na prisão
Com barulho de foguete
Principiava o banquete
Assim era a tradição.

7
Quem comandava a quadrilha
Lá no meu interior
Era só gente da gente
E eu dava o maior valor
No momento de ensaiar
Do nosso bom linguajar
Valia-se o gritador.

8
Foi a caminho da roça
Transbordando de alegria
Que passei com meu amor
Num túnel de fantasia
Mas na primeira manobra
Quando eu ouvi, Olha a cobra!
Eu gritei: Ave Maria!

 

9
Olha a cobra, olha a chuva
Tudo era encenação
A cobra não assustava
Chuva não caía não
No giro que a roda dava
Eu fui dama coroada
Em cada apresentação.

10
No cumprimento das damas
Rapaz tirava o chapéu
A dama se derretia
Sentindo-se lá no céu
Quando a dança terminava
A folia começava
Era grande o escarcéu.

11
A mulherada corria
Para fazer simpatia
Um corre-corre danado
Para ver se descobria
Com quem ia se casar
Tentava enxergar o par
Na água duma bacia.

12
Já outros passavam fogo
Naquele dado momento
Era em nome dos três santos
Que faziam juramento
Você vai ser meu compadre
E você minha comadre
Era assim, eu não invento.

13
E nesse costume antigo
Arrumava-se afilhado
Era assim que sucedia
Depois do fogo passado
Quem jurava na fogueira
Levava pra vida inteira
O que fora confirmado.

14
Eu jamais vou esquecer
Do São João no Ceará
O bolo feito de milho
Um pote com aluá
Pamonha também canjica
Aqui a lembrança fica
Remetendo-me pra lá.

15
Nos braseiros das fogueiras
Se agitava a meninada
Se danando a assar milho
E a fazer batata assada
A fogueira faiscava
Milho cozido cheirava
Era uma festa animada.

16
As musicas que se ouvia
No bom São João Nordestino
Era só Luiz Gonzaga
Com seu canto genuíno
Repleno de animação
Incendiava o sertão
Sem cometer desatino.

17
Era uma festa bonita
Que tinha sua candura
Feita com nossos costumes
Com base em nossa cultura
Tudo agora está mudado
Até o sapato é dourado
Viramos caricatura.

18
Tanto luxo, tanto brilho,
Largaram chita e chitão
Não tem mais nada de roça
Pois é só ostentação
Parece a festa da uva
Até princesa com luva
Vejo na apresentação.

19
Parece escola de samba
Na hora de desfilar
E tem comissão de frente
Antes do grupo dançar
É um tal de se exibir
Dançam para competir
E não para festejar.

20
Até a música usada
Não é como antigamente
Falta sanfona e zabumba
E um triângulo estridente
Falta um forró animado
Com cara de nossa gente.

21
Cadê o chapéu de palha
E o bigode desenhado
A camisa de xadrez
Ou de tecido estampado
Cadê o nosso matuto
Que dançava absoluto
No sertão o seu reinado.

22
Cadê a moça bonita
Que guardo em minha lembrança
Com pintas pretas na face
De cada lado uma trança
Cadê a festa junina
Tão nossa tão nordestina
Dos bons tempos de bonança.

23
Eu ainda quero ouvir
Na voz de um cantador
O que eu ouvi num São João
Numa noite de esplendor
A mais linda melodia
Onde Gonzagão dizia:
Olha pro céu meu amor…

24
Não vamos interromper
Os passos de nossa história
Devemos vivenciar
Não só guardar na memória
Defender e resguardar
Sem deixar de praticar
Feitos dessa trajetória.


Literatura de Cordel quarta, 11 de setembro de 2019

O CURUPIRA, A MULA SEM CABEÇA E A BESTA FERA (FOLHETO DE HELIODORO MORAIS)

 

O CURUPIRA, A MULA SEM CABEÇA E A BESTA FERA

HELIODORO MORAIS

O folclore brasileiro
Grande por sua riqueza
Permeia a mente do povo
Por sua imensa beleza
Em defesa da moral
Do homem, do animal
Da vida e da natureza

Muita gente com certeza
Teve chance de ouvir
A lenda do Curupira
Vinda da nação Tupi
Protetor do animais
De florestas tropicais
Progenitor do Saci

Para o povo Guarani
Não era figura rara
Conhecido por Anhanga
Caipora ou caiçara,
Caapora, Pai-do-mato
Existe muito boato
Da ira da sua cara

A sua lenda declara
Que Curupira era anão
Tinha cabelos vermelhos
Como brasa de fogão
Dente e pelo esverdeados
Era perverso e malvado
Ao aplicar punição

 

Tinha como proteção
Os pés voltados pra trás
Por suas falsas pegadas
Não ficou preso jamais
Muito poderoso e forte
Ressuscitava da morte
Os queridos animais

Os índios querendo paz
Deixavam pelas clareiras
Penas pra lhe agradar
Cobertores e esteiras
Pra lhe servir de consolo
Quem leva fumo de rolo
Escapa dessa fogueira

Ele andava na carreira
Montando um porco do mato
Seu cachorro Papa-mel
Não pegava carrapato
O índio que ele pegava
Com um chicote surrava
Ferindo e dando maltrato

O caçador mau de fato
Que a um bicho ameaça
Tem a mulher e os filhos
Transformados numa caça
E soltos na sua trilha
Sem saber mata a família
Descobre e cai em desgraça

É melhor não achar graça
Pensando que é mentira
Não mate bicho do mato
Pra não causar sua ira
Escute bem meu recado
Se for pro mato fechado
Cuidado com o Curupira

O folclore nos inspira
E deve ser cultivado
Transporta para o presente
As crendices do passado
Ao longo dessa viagem
Nos tornamos personagem
De novo mundo encantado

Nossa mente tem guardado
Muita coisa interessante
Como a mula sem cabeça
Um bicho exuberante
Pele negro-acinzentada
Com a cruz branca marcada
No seu pelo cintilante

A mulher que for amante
For mulher ou namorada
Do vigário da igreja
Vai ser muito castigada
Vira burrinha de padre
Sai assombrando cidades
Feito uma alma penada

Fica numa encruzilhada
De quinta pra sexta-feira
Se transforma nessa besta
Desembesta na carreira
Para pagar seu pecados
Corre em sete povoados
Durante a noite inteira

Nessa corrida não queira
Com a mula se encontrar
Seus olhos, unhas e dedos
Ela vai querer chupar
E segue pela estrada
Contrita, amaldiçoada
Até a noite acabar

Vai no galope a chorar
Gemendo no seu degredo
Pra ela não lhe atacar
Só existe um segredo
Ao ouvir o seu soluço
Deite e esconda de bruços
As unhas, olhos e dedos

É forte de meter medo
Sua ira não é pouca
Lançando bolas de fogo
Pela narina e a boca
Onde tem freio de ferro
Que faz a mula dar berro
Ao ponto de ficar rouca

Para anular essa louca
E quebrar o seu encanto
Retire o freio da boca
Tente vencer o espanto
Pois se não tiver coragem
Ela prossegue viagem
Correndo pra todo canto

Se o padre no entanto
Resolver excomungar
A sua infeliz amante
Antes da missa rezar
Sem receber comunhão
Vai fazer a maldição
Para sempre se acabar

Também basta lhe furar
Não precisa ser demais
É só o sangue jorrar
Que esse mal se desfaz
Vai se livrar da burrinha
Mas passa a vida todinha
Sem nunca mais sentir a paz

A mulher que for capaz
Desse pecado lendário
Achando que é piada
Que vem do imaginário
Se quiser é só tentar
Porque vai se transformar
Na burrinha do vigário

Se você não é otário
E sai de quinta pra sexta
É melhor ficar ligado
Se mantendo na espreita
Pode ser que apareça
Uma mula-sem-cabeça
Fazendo papel de besta

Como se fosse uma cesta
De produtos à espera
Que a sede do saber
Aflore na primavera
Como banho de cultura
Tiramos das escrituras
A lenda da Besta Fera

O mito sobre essa fera
Diz que tem duas metades
De homem e de cavalo
Carregadas de maldade
Que num galope danado
Invade os povoados
As vilas e as cidades

Em toda velocidade
Encoberta de mistério
Deixa pessoas malucas
Num estado muito sério
No galope que dispara
A Besta Fera só para
No portão do cemitério

Depois de tal impropério
O seu vulto se desfaz
Se dissipa no espaço
Igual a balão de gás
Porém por onde ele passa
Fica fazendo arruaça
Entre gente e animais

Solta os bichos dos currais
Ao longo do seu caminho
Numa louca correria
Faz o maior burburinho
Dizem que tal algazarra
É o cão fazendo farra
Se divertindo sozinho

Existe um bom jeitinho
De expulsá-lo pra mata
Basta você conduzir
Consigo um punhal de prata
Que ele não lhe ataca
Corre com medo da faca
Como mulher de barata

Tem muita gente sensata
Mas tem quem não se tolera
Mulher que é assombrada
Macho que se desespera
Não pode girar direito
Homem e mulher desse jeito
São iguais à Besta Fera.


Literatura de Cordel quarta, 04 de setembro de 2019

CORDEL DESENCANTADO (FOLHETO DE ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA BARRETO)

 

 

 
 
 
 
I

Todos nós aqui sabemos
Que a cultura anda pra trás...
O governo é incapaz
De ofertar o que merecemos
E assim nós padecemos
Nessa onda da exclusão.
Na literatura, então,
Só tem vez o elitizado.
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




II


Patativa, lá no céu,
Certamente está chorando
E prossegue reclamando
Sem poder tirar o chapéu
Ao ver tanto malandréu
Mergulhado na ambição
Botar dinheiro na mão
Mesmo sendo afortunado.
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  III


Tem vez o parlamentar
O juiz, o advogado...
O produtor aloprado
Com seu dom de enganar
E quem merece ganhar
Fica de cuia na mão
Trabalhando sempre em vão
E não é remunerado.
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  IV


O mundo precisa, sim,
De amor e poesia
De saúde, de harmonia
De justiça, de festim
De um anjo querubim
Que tenha bom coração
Mas é sempre o bom ladrão
De todos o mais lembrado.
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  V


Na ponga do carnaval
Tem cachê pra pagodeiro.
Da imprensa ao marqueteiro,
Ganhar dinheiro é normal;
Do axé ao escambal,
Haja grana de montão...
E em Salvador, então,
Tem setor que é explorado...
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  VI


Tem barba patrocinada
Conforme fez a Gillete !
É dinheiro feito a peste
Uma eterna marmelada.
2 milhões, meu camarada,
Me causa decepção.
Mas, no mundo da ilusão,
Estarei sempre acordado:
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  VII


Tem até Um Ponto Trê$
Para criação de Blog ...
Já estou ficando “groque”
Com tudo que Ela fez
Aliás a  insensatez
Tá no sangue, cidadão !
Mas as “deusas” têm razão,
O Barreto está errado !
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  VIII


De norte a sul do Brasil,
Quem menos precisa ganha;
Prevalece a artimanha
Da cultura varonil
De passar pelo funil,
Por meio de proteção,
Aquele que é grandão
E o resto fica lascado !
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  IX


A grana toda investida
Em projetos musicais
É pomposa de reais
Sem nunca ser dividida
E como não há saída
Nós vamos ao paredão
A cumprir nossa missão
De vate descriminado:
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  X


Toda a elite cultural
Ganha tudo que deseja
E recebe de bandeja
Apoio incondicional
Nesse Brasil desigual
De “Maria” e “Pai João”
Que prima pela exclusão
Deixando o cordel de lado...
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  XI


Precisamos atentar
Aos ruídos da TV...
Tem coisas que a gente vê
Mas não pode revelar,
Então vamos acordar
Para a flecha da exclusão.
Encantado ou falação,
O Cordel será louvado...
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  XII


Nesse espírito mercantil
Tem gente de A à Z  !!!
Vocês têm fome de quê,
Estrelas, do meu Brasil?
Joguem tudo no canil
Deem adeus a ambição
Vamos dividir o pão
Nesse jogo mal jogado.
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  XIII


Muito mais que indiferença
Aos poetas populares,
Que perdem nos seus falares
Nesse mundo de descrença.
Peço então a nossa imprensa
Que nos dê mais atenção.
E que o brado do sertão
Seja assim sacramentado...
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  XIV


A grana que é da gente
Está indo para o ralo
E muitos vão neste embalo
Sem perceber que a Serpente
Lucra muito facilmente,
Na cultura e educação,
Levando todo tostão
Desse país aloprado.
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




  XV


Eu não sei se é descaso
Com a cultura popular.
Quero então acreditar
Que Dilma resolva o caso.
Se à vista ou a prazo,
Ela arranja a solução
E põe fim nessa questão
Do cordelista isolado.
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não.




   XVI


Cordelistas, repentistas,
Legião de emboladores,
Xilógrafos, cantadores,
Meus griôs africanistas
Nós somos fiéis artistas
Sem perder nosso rojão
Vamos cantar o sertão
De coração orgulhado...
Todo artista é respeitado
Porém o poeta não !




XVII


A Globo nos enganou
Com a novela do cordel
Foi deveras infiel
E em nada retratou
A cultura que encantou
O povo dessa Nação
Causando decepção
Nesse “cordel encantado”...
Todo artista é respeitado
Mas o cordelista não !!!

Literatura de Cordel quarta, 28 de agosto de 2019

CORDEL DA MULHER ATREVIDA (FOLHETO DE GORETTI ALBUQUERQUE)

CORDEL DA MULHER ATREVIDA

Goretti Albuquerque

 

Não sou Mulher que se diga
ETA! Que “Dona Patroa!
Também o pior não diga,
Se eu não sou tão a “Boa,”
Chamem-me de Atrevida
Um pouco de Pervertida,
Porém jamais fui atoa.

Nunca fui de ganhar Temas,
Mas me visto de Poema
Sou meu próprio Diadema.
Chamem-me Pedra Noventa
Vou pra casa dos Sessenta
Meio a reverso e Dilema.
Enfim, sou meu próprio lema.

Eu nasci bem desprovida
Dos atributos reais.
Era triste e inibida,
Com silhueta normal.
Ás vezes desengonçada
Em outras, um pouco ousada,
Mas sem trejeitos Fatais.

Aos poucos fui me encarando
Aceitando-me como eu era...
Não era a Bela Encantada
Mas, eu vivia essa espera.
De um dia transformar-me
Na mais formosa Donzela
E ser de fato a Fera.

Abri porteira no “Mundo”
Por onde eu nem caberia,
Pisei abismo profundo
Submergi com “Valia”
Comi poeira da estrada
Atravessei a invernada
Estampei-me com Ousadia.

Só não Roubei nem Matei
Nem em vícios fui parar.
Lombo de Touro eu montei.
Pulei muro a me arrastar
Para poder escapar
Saltei por cima do Mar
Tentando me equilibrar.

Quem conhece a Face Dura
Do chão que pisa a Pobreza,
Colhe a “Provisão Madura
E trás no rosto a Beleza
Planta capim no asfalto
Produz seu grande roçado
Sem cansaço e sem Moleza.

Porém quem não compreender
É que não viveu no Fio,
Da Navalha a entender,
Que na voz de um arredio
Existe um gritar latente
Não se tem vida decente
Com a barriga vazia.

Senti dor e desalento
Sem poder dar nem um pio.
Assemelhei-me ao jumento,
Quando lhe falta alimento
Inclina pra baixo a crina
Faz de seus passos, sua Sina
Relincha buscando alento.

Para encurtar essa história,
Guarde-me em sua memória.
Sou filha da “Persistência”
Tenho irmãos com Sapiência
Doutor em Sabedoria.
Penso com muita Ousadia
Sou a Mãe Da Valentia.


Literatura de Cordel quarta, 21 de agosto de 2019

UM DIA DE ELEIÇÃO NO REINO DA BICHARADA (FOLHETO DE ARIEVALDO VIANA E GONZAGA VIEIRA)

 

 

UM DIA DE ELEIÇÃO NO PAÍS DA BICHARADA

Arievaldo Viana e Gonzaga Vieira

A festa da bicharada! |

 

O comendador Cachorro
Era um amigo dileto
Da velha Rita Mingonga
De quem sou tataraneto
Quando os bichos escreviam
Os dois se correspondiam
Com ternura e com afeto

Depois que a velha morreu
Ficou a correspondência
Com sua neta Raimunda
Que deixou pra tia Vicência
Titia deixou pra mim
E foi justamente assim
Que aprendi cantar ciência

Morava o comendador
Na Vila da Cachorrada
Município da Rabugem
Distrito Tábua Lascada
Na corte do Rei Leão
Era um grande figurão
Porém não fazia nada

O elefante e o urso
Eram grandes generais
Tramaram uma revolta
No reino dos animais
E depois em praça pública
Proclamaram a República
Tornando-se os maiorais

 

Deportaram o velho rei
Para uma selva africana
Leão terminou seus dias
Já velho, numa savana
Levou somente o macaco
Viviam de vender tabaco
Cachaça, ovo e banana

O general elefante
Implantou a ditadura
Mandou prender o cachorro
Numa sala muito escura
De lá cachorro escreveu
Tudo que aconteceu
Falou até de tortura

Nesse tempo apareceu
Um tucano oportunista
Galego, do olho azul
Se dizendo progressista
Aliou-se a um pavão
Que enganava a nação
Com papo socialista

No tempo da ditadura
Do general elefante
O pavão foi deportado
Por ser um bicho pedante
Doutor em sociologia
Depois, com a democracia
Ele voltou triunfante

Candidatou-se o tucano
Tornou-se governador
O pavão por sua vez
Elegeu-se senador
Com o poder foi transformado
Renegou todo o passado
Tornando-se um traidor

Chegando a presidência
Tendo como vice o galo
Tornou-se um lesa-pátria
Este pavão de quem falo
Cachorro disse bem franco:
“ – Da águia do ninho branco
Ele tornou-se um vassalo…”

Aliou-se com o urso
Um grande da ditadura
Amigo dos generais
Político da linha dura
Fez grande carnificina
Privatizou toda usina
De fabricar rapadura

Tornou-se um vendilhão
No reino dos animais
Entregou seu patrimônio
Pois vendeu as estatais
Vendeu, subornou, mentiu
Coisa que nunca se viu
No tempo dos generais

Nesse tempo existia
Um sapo muito falante
Porta voz dos proletários
Desde o tempo do elefante
Candidatou-se também
Como não tinha um vintém
Jamais saiu triunfante

Porque política é assim
Só dá pra quem tem dinheiro
Sapo tinha um aliado
Um tal de dr. carneiro
Sujeito honrado e bondoso
Mas por ser muito teimoso
Tinha fama de encrenqueiro

Por ser um trabalhador
O sapo era rejeitado
Além do mais o pavão
Era um sujeito escovado
Apoiado por tucano
( Que era rico e tirano )
Trazia o povo enganado

Toda imprensa do reino
Falava bem do pavão
A águia financiava
As despesas da eleição
Pavão muito vaidoso
Viajava orgulhoso
Com o seu alto escalão

O sapo com tudo isso
Perdia a calma e o sossego
Dizendo que o pavão
Aumentara o desemprego
O pavão dizia ao povo:
“ – Este fato não é novo,
Não dêem ouvido a este nêgo!”

Cachorro na sua carta
Culpava sempre o povão
Que não sabia votar
No dia da eleição
Lembro que ele dizia
Que o sapo sempre perdia
Quem ganhava era o pavão

Cachorro denunciava
Tudo isso com ardor
Porém dizia que os bichos
À pátria não tinham amor
Um burro desempregado
Apesar de ser coitado
Do pavão era eleitor

Não sei como terminou
A história aqui narrada
Pois a carta do cachorro
Já está velha e rasgada
Mas garanto que o leitor
Se for observador
Vê que não está errada

Porque esta velha história
Do tempo da bicharia
Que eu encontrei nesta carta
Que recebi da titia
Parece bem atual
Garanto que este mal
Inda acontece hoje em dia

Por isso, caros leitores
Façam uma reflexão
Que essa carta do cachorro
Sirva agora de lição
Pense no que foi narrado
Para não votar errado
Nessa próxima eleição

Não se deixem iludir
Por uma falsa aparência
Pois existe muito lobo
Que só demonstra inocência
Porém é devorador
Perverso, mal, traidor
Discípulo da violência

Sou amigo da verdade
Por ela mato e até morro
Confio em Nossa Senhora
A do Perpétuo Socorro
Porém se você duvida
Não arrisque a sua vida
Com história de cachorro.

 

 


Literatura de Cordel quarta, 14 de agosto de 2019

CONSOLO DE PERDEDOR (FOLHETO DE SÁVIO PINHEIRO)

 

 

 



CONSOLO DE PERDEDOR
Autor: Sávio Pinheiro


Cidadão desesperado
Que perdeu a eleição
Procure se sossegar
Dentro da nova gestão,
Pois o que aconteceu
Não é pra desilusão.

Durante o pleito acontece
As intrigas de rotina,
Discussões desnecessárias
Que maltrata e desatina,
Já que a indústria de fuxicos
Surge por trás da cortina.

Um eleitor consciente
Quase a gente nunca vê.
O político prometendo
Aparece na TV
E organizando o curral
Vai manobrando você.

A população presente
Ouve aquela citação
E acredita que vai ter
Grande valorização
Confiando com vigor
Num discurso sem ação.

O cidadão derrotado
E humilhado a sofrer
Tem medo da represália
Que derrotará o ser
E sofrendo de dá pena
Sente até que vai morrer.

Todavia, meu amigo
Procure ficar ciente.
Vou dizer para você
A situação dolente:
Quanto o poder oferece
Para a nossa pobre gente.

A maior parte da grana,
A qual chega à prefeitura
Dá pra dois, no máximo três,
Detentores da fartura,
Pois o esquema organizado
Vem da velha ditadura.

Outro time que se acha
E não pisa sobre o chão
Tem uns trinta componentes
Com postura de barão:
Este, não perde um churrasco
E tem nome de babão.

Este grupo é que conduz
E valoriza a disputa
Já que está na dependência
Da sobra da trinca astuta,
Pois os trinta não ganhando
Vão penar em sua labuta.

Um carro terceirizado
Uma venda pro poder
Um cargo de nome longo
Um momento de lazer
E a prestação de serviços
O faz se submeter.

Este tem a obrigação
De bajular em voz alta:
- O churrasco tinha a carne
Mais gostosa da ribalta
E a mulher do deputado
Boniteza não lhe falta.

Para o grupo que perdeu
E que tinha a intenção
De fazer parte dos trinta,
Ser do segundo escalão,
Sobra só o bom consolo
De escapar de ser babão.

Resta agora analisar
Com bastante coerência
Pra onde irão os demais,
Que detêm a paciência
E que tentam adquirir
Um grau de benevolência?

A população carente
De afeto e de ação
Comporá o grande grupo
Sem direito a um quinhão:
Parte tendo de acatar
E aplaudir a falação.

Mas o grupo tem dois lados:
O que perdeu e o que ganhou.
O primeiro gritará
Que o seu prefeito roubou
E o segundo, coitadinho
Ficará sempre mansinho
Sem admitir, que sobrou.

Literatura de Cordel quarta, 07 de agosto de 2019

COMO JUDAS ME AJUDOU A CORDELIZAR (FOLHETO DE MARCOS MAIRTON)

 

 

 
 
 
COMO JUDAS ME AJUDOU A CORDELIZAR
Marcos Mairton
 
Para mim, Semana Santa,
bem mais que religião,
Foi sempre como um costume,
uma grande tradição.
Ir à missa e à vigília
era encontro de família,
nunca foi obrigação.
 
Na quinta-feira maior,
tinha missa e romaria,
a minha avó jejuava
nesse dia não comia.
À noite era o “Lava-pés”.
Mais tarde, depois das dez,
a vigília se inicia.
 
Já a Sexta-Feira Santa,
era um dia de recato,
sem menino jogar bola
e sem mulher lavar prato.
Acredite quem quiser,
o marido e a mulher
não tinham qualquer contato.
 
À noite, perto da igreja,
na hora da encenação
da peça “Paixão de Cristo”,
se ajuntava a multidão.
Ali os jovens atores,
apesar de amadores,
nos enchiam de emoção.
 
Mas o Sábado de Aleluia
era do que eu mais gostava,
e o testamento do Judas
com meus tios preparava.
desde os  dez anos de idade
Eu mostrava habilidade,
Nos versos que elaborava.
 
O testamento era todo
Rimado e metrificado,
E o patrimônio de Judas
Assim era destinado
A todos ali presentes
Que recebiam contentes
a herança do finado.
 
Para um ficava a corda,
Para outro o dinheiro,
Para alguém suas sandálias,
O manto para um terceiro.
O povo se divertia
Enquanto se dividia
O seu patrimônio inteiro.
 
E a gente ainda usava 
sempre aquela ocasião
para fazer com os vizinhos
uma grande gozação,
relembrando apelidos
e fatos acontecidos
com os amigos de então.
 
Para o homem preguiçoso,
o Judas deixava a rede.
Para a mocinha faceira
um espelho na parede.
Se o cabra era cachaceiro,
cachaça pro ano inteiro,
para não morrer de sede.
 
E foi nesses testamentos
De Judas que fui fazendo
Que da métrica e da rima
Mais e mais fui aprendendo
A popular poesia
Dos cordéis que, hoje em dia,
Sigo em frente escrevendo.

 


Literatura de Cordel quarta, 31 de julho de 2019

CARTA DE PERO VAZ, SEGUNDO ZÉ LIMEIRA (FOLHETO DE MUNDIM DO VALE)

 

 

 

POESIA LIMEIRIANA

 

 

 

Meu generoso amigo Mundim do Vale me enviou mais uma de suas obras. Dessa vez o tema é a carta escrita por Pero Vaz, quando do descobrimento do Brasil. Só que em uma versão limeiriana, que todo mundo sabe que era fantástico em rima e métrica, mas deixava a desejar na fidelidade aos fatos históricos. Afinal é de Zé Limeira a glosa que diz:

 

 

 

Pedro Álvares Cabral
Inventor do telefone
Começou tocar trombone
Na banda do Zé Leal.
Mas como tocava mal
Injeitou três instrumento
Jesus saiu lá de dento
Correndo atrás duma lebre
Quem for podre que se quebre
Diz o novo testamento.

 

 

 

Vejamos como ficou a carta limeiriana de Mundim do Vale. E obrigado, Mundim, por mais essa colaboração!

 

 

 

Carta de Pero Vaz segundo Zé Limeira
Mundim do Vale
 


Certa vez lá em Natal
Limeira tava cantando
Todo tempo misturando
Mossoró com Portugal.
Falava de carnaval
Numa casa de farinha,
Até que Zé de Ritinha
Perguntou: - Tu é perito?
Pois rime o que tava escrito
Na missiva de Caminha.

A carta:

Senhor rei de Portugal
Aos vinte e nove de abril
De um tronco de pau Brasil
Escrevo a carta real.
A viagem foi normal
Com as graças de Jesus
Que nos mostrou uma luz
Para uma ação pioneira.
Onde ergui sua bandeira
Na terra de Vera Cruz.

A terra aqui é tão boa
Que até já me acostumei
Confesso para o meu rei
Que já esqueci Lisboa.
A nativa sobe à toa
Na árvore pra chupar manga
Vestida só com uma tanga
Com o peito descoberto.
E a gente olha bem de perto
E a danada nem se zanga.

Não vou mais voltar aí
Pra não ter que trabalhar
Pois levo o tempo em pescar
E comer Índia tupy.
Vou ficar mesmo é aqui
Porque não sou abestado
Me esqueça no seu reinado
Que aqui tudo é maravilha.
Já comi até a filha
Do chefe Touro Deitado.

Tou fazendo um relatório
De tudo que acontece,
Dos índios fazendo prece
Na frente do oratório.
Já montei meu escritório
Na taba do feiticeiro,
Mas mande pena e tinteiro
E também papel paltado,
Que estou comprando fiado
A um cigano estradeiro.

Os índios querem adotar
O costume português.
O vício da embriagues
E a mania de trocar.
Não tenho como evitar
Essa permuta ilegal
Porque o próprio Cabral
Vive trocando arruela.
E até a índia mais bela
Já foi trocada por sal.

Quero também avisar
Pra meu rei tomar ciência
Que precisa providência
Urgente nesse lugar.
Os europeus vão chegar
Mudando a religião.
Vai chegar também ladrão
Para furtar à vontade,
Daí nasce a impunidade
Para a futura nação.

 

Chegou aqui um francês
Que é metido a bichinha
Ele esculhamba a rainha
E tudo quanto é português.
Aconteceu certa vez
Aqui no Monte Pascoal
Que ele assediou Cabral
Oferecendo o caneco.
Cabral quase teve um treco
Lá dentro do matagal.

Aqui já apareceu
O tal do esquentamento
Precisa medicamento
Que muita gente morreu.
Escute esse servo seu
Pra coisa não desandar,
A corte tem que mandar
Um médico para esse povo.
Eu mesmo já tou com um ovo
Em tempo de cozinhar.

Aqui já tem confusão
De índio com português
Já é a terceira vez
Que eu faço intervenção.
O nativo faz questão
De uma vida reservada,
Sem calçar nem vestir nada
E meu rei tem que entender
Que faz gosto a gente ver
Uma nativa pelada.

Prepare um navio cargueiro
Pra trazer equipamento,
Mande birô e acento
Pra seu fiel cavalheiro.
Eu passo um mês inteiro
Vivendo nesse sufoco
Recebendo muito pouco
Nessa minha sub-vida.
Já tou com a bunda doída
De viver sentado em toco.

O meu rei deve lembrar
Que a terra foi Deus que deu,
Depois vem o europeu
Querendo se apossar.
Os índios não vão gostar
Dessa perversa invasão
E vão entrar em questão
Mas não vão levar vantagem,
Porque somente a coragem
Não pode vencer canhão.

Não é bom meu rei mandar
Jogadores nem detentos
Pois esses maus elementos
Só servem para furtar.
É bom a corte cortar
O mal cheiro pela essência,
Pra não gerar descendência,
Dessa raça malfazeja.
Evitando que um esteja
Um dia na presidência.

Sei que vossa majestade
É o nosso rei soberano
Mas desenvolvi um plano
Pra essa comunidade.
Mostre a vossa autoridade
Agindo com inteligência,
Munido de coerência
E coragem de pra reinar,
Na hora de decretar
O ato da independência.

Se um dia meu rei vier
É melhor que venha só
Aqui se arranja xodó
Porque não falta mulher.
Índia não sabe o que quer
Nem manda botar baralho.
E pra findar meu trabalho
Assino na última linha.
Seu Pero Vaz de Caminha
Sarney Magalhães Barbalho.

Literatura de Cordel quarta, 24 de julho de 2019

AQUELA DOSE DE AMOR (FOLHETO DE ANTONIO FRANCISCO)

AQUELA DOSE DE AMOR

Antonio Francisco


Um certo dia eu estava
Ao redor da minha aldeia
Atirando nas rolinhas,
Caçando rastros na areia,
Atrás de me divertir
Brincando com a vida alheia.

Eu andava mais na sombra
Devido ao sol muito quente,
Quando vi uma juriti
Bebendo numa vertente.
Atirei, ela voou.
Mas foi cair lá na frente.

Carreguei a espingarda,
Saí olhando pro chão,
Procurando a juriti
Nos troncos do algodão,
Quando surgiu um velhinho
Com um taco de pão na mão.

O velho disse: - “Senhor,
Não quero lhe ofender,
Mas se está com tanta fome
E não tem o que comer,
Mate a fome com este pão,
Deixe este pássaro viver.”

Eu disse: - Muito obrigado,
Pode guardar o seu pão...
Eu gasto mais do que isso
Com a minha munição.
Eu mato só por prazer,
Eu caço por diversão.

O velho disse: -“É normal
Esse orgulho do senhor
E todo esse egoísmo
Que tem no interior.
É porque falta no peito
Aquela dose de amor.

Se eu tivesse botado
Ela no seu coração,
Você jamais mataria
Um pardal sem precisão,
Nem dava um tiro num pato
Apenas por diversão.”

Eu fiquei muito confuso
Com as frases do ancião.
Aquelas suas palavras
Tocaram meu coração
Derrubando meu orgulho
E a vaidade no chão.

Me vali da humildade
E disse: - Perdão, senhor,
Desculpe a minha arrogância,
Mas lhe peço um favor,
Que me conte essa história
Sobre essa dose de amor.

O velho disse: - “Pois não.
Vou explicar ao senhor
Porque mesmo sem querer
Sou o maior causador
De hoje em dia o ser humano
Ser tão carente de amor.

Isso tudo aconteceu
Há muitos séculos atrás
Quando meu Pai fez o mundo
Terra, mares, vegetais.
Me pediu pra lhe ajudar
No último dos animais.

Pai me disse: - ‘Filho, eu fiz
Da formiga ao pelicano;
Botei veneno na cobra,
Bico grande no tucano,
Agora estou terminando
Este animal ser humano.

Mas ficou meio sem graça
Este animal predador...
O couro não deu pra nada,
A carne não tem sabor,
Na cabeça tem juízo,
Mas, no peito, pouco amor.

Por isso que eu lhe chamei
Pra você lhe consertar,
Botar mais amor no peito,
Lhe ensinar a amar
E tirar dessa cabeça
O desejo de matar’.

Depois disse: - ‘Filho, vá
Amanhã lá no quintal,
No casa dos sentimentos,
Perto do pote do mal...
Traga a dose de amor
E bote nesse animal’.

De manhã eu fui buscar
Aquela dose sozinho,
Mas na volta me entreti
Brincando com um passarinho
Perdi a dose do amor
Numa curva do caminho.

Quando eu notei que perdi,
Voltei correndo pra trás,
Procurei em todo canto,
Mas cadê eu achar mais.
Aí eu fiz a loucura
Que toda criança faz.

Voltei, peguei outra dose
Igualzinha a do amor,
O vidro da mesma altura,
O rótulo da mesma cor...
Cheguei em casa e botei
No peito do predador.

Mas logo no outro dia
Meu pai sem querer deu fé
Do animal ser humano
Chutando o sapo com o pé
E no outro ele mangando
Dos olhos do caboré.

Vendo aquilo pai chorou,
Ficou triste, passou mal,
Me chamou e disse: - ‘Filho,
O bicho não tá normal.
O que foi que você fez
No peito desse animal?’

Quando eu contei a verdade
De tudo aquilo que eu fiz
Pai disse tremendo a voz:
- ‘Eu sei que você não quis,
Mas você botou foi ódio
No peito desse infeliz.

Esse bicho inteligente
Com esse ódio profundo,
Com pouco amor nesse peito
Não vai parar um segundo
Enquanto não destruir
A última célula do mundo.

Depois daquelas palavras,
Chorei como um santo chora.
Quando foi à meia-noite
Eu saí de porta afora
E nunca mais eu pisei
Na casa que meu pai mora.

Daquele dia pra cá
É esta a minha pisada,
Procurando aquela dose
Em todo canto da estrada,
Pois, sem ela, o ser humano
Pra meu pai não vale nada.

Sem ela, vocês humanos
Não sabem dar sem pedir,
Viver sem hipocrisia,
Ficar por trás sem trair
Nem distante do poder
Nem discursar sem mentir.

Sem ela, vocês trucidam
E batizam os crimes seus.
Na era medieval
Queimaram bruxas e ateus
E perseguiram os hereges
Usando o nome de Deus.

Sem ela, foram pra África
E fizeram a escravidão...
Com os grilhões do preconceito
Escravizaram o irmão
Com a espada na cintura
E uma bíblia na mão’.

O velho disse: - “Perdoe
Ter tomado o tempo seu.
Consertar vocês, humanos,
É um problema só meu.”
Aí o velho sumiu
Do jeito que apareceu.

E eu fiquei ali em pé
Coçando o queixo com a mão,
Pensando se era verdade
As frases do ancião
Ou se era tudo fruto
Da minha imaginação.

E naquele mesmo instante
Vi passando na estrada
A juriti que eu chumbei
Com uma asa quebrada,
Mas não tive mais coragem
De atirar na coitada.

Joguei fora a espingarda,
Voltei olhando pro chão
Procurando aquela dose
Nos troncos do algodão
Pra guardá-la com carinho
Dentro do meu coração.

Se acaso algum de vocês
Tiver a felicidade
De encontrar aquela dose,
Eu peço por caridade
Derrame todo o sabor
Daquela dose de amor
No peito da humanidade.


Literatura de Cordel quarta, 17 de julho de 2019

A SOGRA ENGANANDO O DIABO (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS)

A SOGRA ENGANANDO O DIAO

Leandro Gomes de Barros

Dizem, não sei se é ditado,
Que ao diabo ninguém logra;
Porém vou contar o caso
Que se deu com minha sogra.
As testemunhas são eu,
Meu sogro, que já morreu,
E a velha, que é falecida.
Esse caso foi passado
Na rua do Pé Quebrado
Da vila Corpo Sem Vida.
 
Chamava-se Quebra-Quengo
A mãe de minha mulher,
Que se chamava Aluada
Da Silva Quebra-Colher,
Filha do Zé Cabeludo.
Irmã de Vítor Cascudo
E de Marcelino Brabo,
Pai de Corisco Estupor;
Mas ouça agora o senhor
Que fez a velha ao diabo.
 
Minha sogra era uma velha
Bem carola e rezadeira,
Tinha seu quengo lixado,
Era audaz e feiticeira;
Para ela tudo era tolo,
Porque ela dava bolo
No tipo mais estradeiro.
Era assim o seu serviço:
Ela virava o feitiço
Por cima do feiticeiro!
 
Disse o demo: — Quebra-Quengo,
Qual é a tua virtude?
Dizem que és azucrinada
E que a ti ninguém ilude?
Disse a velha: — Inda mais esta!
Você parece que é besta!
Que tem você c’o que faço?
Disse ele: — Tudo desmancho,
Nem Santo Antônio com gancho
Te livra hoje do meu laço!
 
Ela indagou: — Quem és tu?
Respondeu: — Sou o demônio,
Nem me espanto com milagre,
Nem com reza a Santo Antônio!
Pretendo entrar no teu couro!
E nisto ouviu-se um estouro!
Gritou a velha: — Jesus!
Ligeira se ajoelhou
E, depois, se persignou
E rezou o Credo em cruz!
 
Nisto, o diabo fugiu.
E, quando a velha se ergueu,
Ele chegou de mansinho,
Dizendo logo: — Sou eu!
Agora sou teu amigo
Quero andar junto contigo,
Mostrar-te que sou fiel.
Minha carta, queres ver?
A velha pediu pra ler
E apossou-se do papel.
 
— Dê-me isto! grita o diabo,
Em tom de quem sofre agravo.
Diz a velha: — Não dou mais!
Tu, agora, és o meu escravo!
Disse o diabo: — Danada!
Meteu-me numa quengada!
Sou agora escravo dela!
E disse com humildade:
— Dê-me a minha liberdade,
Que esticarei a canela!
 
Disse a velha: — Pé de pato,
Farás o que te mandar?
Respondeu: — Pois sim, senhora,
Pode me determinar,
Porque estou no seu cabresto
Carregarei água em cesto,
Transformarei terra em massa,
Que para isso tenho estudo;
Afinal, eu farei tudo
Que a senhora disser — faça!
 
Disse a velha: — Vá na igreja,
Traga a imagem de Jesus.
Respondeu: — Posso trazê-la,
Mas ela vem sem a cruz,
Porque desta tenho medo!
Disse a velha: — Volte cedo!
Ele seguiu a viagem
E ao sacristão iludiu:
Uma estampa lhe pediu
Que só tivesse uma imagem.
 
A velha, então, conheceu
Do cão o quengo moderno,
E, receando que um dia
A levasse para o inferno,
Para algum canto o mandou
E em sua ausência traçou
Com giz uma cruz na porta.
Voltou o cão sem demora,
Viu a cruz, ficou de fora,
Gritando com a cara torta.
 
Gritou o cão no terreiro:
— Aqui não posso passar!
Venha me dar minha carta,
Quero pro inferno voltar!
Disse a velha que não dava,
Mas ele continuava
A rinchar como uma besta.
— Pois fecha os olhos! ela diz.
Ele fechou e, com giz,
Fez-lhe outra cruz bem na testa!
 
Aí entregou-lhe a carta
E o demo pôs-se na estrada,
Dizendo com seus botões:
— Não quero mais caçoada
Com velha que seja sogra,
Porque ela sempre nos logra!
Foi, assim, a murmurar.
Quando no inferno chegou,
O maioral lhe gritou:
— Aqui não podes entrar!
 
— Então, já não me conhece?
Perguntou ao maioral.
— Conheço, porém, aqui
Não entras com tal sinal:
Estás com uma cruz na testa!
Disse ele: — Que história é esta?
Que é que estás aí dizendo?
Mirou-se dum espelho à luz:
Quando distinguiu a cruz,
Saiu danado, correndo!
 
E, na carreira em que ia,
Precipitou-se no abismo,
Perdeu o ser diabólico,
Virou-se no caiporismo,
Pela terra se espalhou,
Em todo lugar se achou,
Ao caipora encaiporando,
Embaraçando seus passos
E com traiçoeiros laços
As sogras auxiliando…
 
Deste fato as testemunhas
Já disse todas quais são.
Agora, quer o senhor
Saber se é exato ou não?
Invoque no espiritismo
Ou pergunte ao caiporismo,
Este que sempre nos logra,
Se sua origem não veio
Do diabo imundo e feio
E do quengo duma sogra!

Literatura de Cordel quarta, 10 de julho de 2019

SENTENÇA EM CORDEL (FOLHETO DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Sentença em cordel

 

 

Tenho recebido muitos pedidos para publicar em MundoCordel meu cordel "A Sentença", resultado de uma sentença que proferi em fevereiro de 2002. Aproveito e publico junto com os comentários que constam no livro "Uma sentença, uma aventura e uma vergonha".


A SENTENÇA


Este cordel trata de um caso real. A sentença realmente foi prolatada em versos e está nos autos do processo, nos arquivos da Justiça Federal do Ceará. Também foi publicada no número 69 da Revista da AJUFE.
Depois houve um concurso de poesia de cordel promovido pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, do qual podiam participar professores e alunos, e cujo tema era a Justiça. Tudo o que fiz foi incluir a introdução, feita nas cinco primeiras estrofes e descaracterizar os nomes das partes envolvidas, ou seja, o acusado e sua falecida esposa. O título adotado naquela ocasião foi: O CASO DO MARIDO QUE FOI ACUSADO DE ESTELIONATO PORQUE A MULHER, QUE ESTAVA COM CÂNCER, COMPROU UMA CASA E UM APARTAMENTO FINANCIADOS PARA QUE O SEGURO PAGASSE A DÍVIDA QUANDO ELA MORRESSE. Fiquei em segundo lugar, o que me serviu de grande incentivo.
Em setembro de 2005, recebi um telefonema do Desembargador Federal Carreira Alvim, Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e Presidente do Instituto de Pesquisa e Estudos Jurídicos – IPEJ – me pedindo autorização para por a sentença original no site do IPEJ, descaracterizando apenas os nomes das partes. Fiquei surpreso com os comentários elogiosos do Desembargador Federal Carreira Alvim, que classificou a sentença como perfeita na forma e no conteúdo, especialmente por esses comentários terem partido de alguém bastante ocupado, conhecedor da matéria e a quem eu não conhecia pessoalmente.
Em janeiro de 2006, foi publicada pela Lira Nordestina, em Juazeiro do Norte, a primeira edição do folheto com o título: A SENTENÇA.
Na versão a seguir, é importante observar que há números entre colchetes no final de alguns versos. Esses números são notas explicativas, as quais constaram da sentença original, e estão reproduzidas no final da poesia.



A SENTENÇA

A vida como juiz
Nos dá muita experiência.
Aparece cada caso
Que desafia a ciência.
Nunca dá para prever
O que pode acontecer
Numa sala de audiência.

Se um caso parece simples,
Talvez seja complicado.
Quem parece inocente
Às vezes é o mais culpado.
Quem é mocinho ou bandido?
Quem vai ser absolvido?
Quem deve ser condenado?

Dos casos que até hoje
Tive o dever de julgar
Houve um que não esqueço
E que agora vou contar:
Foi numa ação criminal
Na Justiça Federal
Desta terra de Alencar.

Era o caso de um rapaz
Que estava sendo acusado
De ser estelionatário
Por sua mulher ter comprado
Casa e apartamento
Mas com seu falecimento
Ele é que foi premiado.


O caso interessante
Despertou minha atenção.
Meu coração de poeta
Encheu-se de inspiração.
Em cordel fiz a sentença
Que trago agora à presença
De toda a população:


PROCESSO: xxxxx
CLASSE 07000 - AÇÃO CRIMINAL
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: Fulano de Tal da Silva


PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTELIONATO CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL. ART. 171, § 3° DO CP. PENA EM ABSTRATO. PRESCRIÇÃO EM DOZE ANOS. CRIME TENTADO. INÍCIO DA PRESCRIÇÃO A PARTIR DO ÚLTIMO ATO DE EXECUÇÃO. RECONHECIMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.


Vistos, etc.


1. RELATÓRIO

Trata o presente caso
De uma ação criminal
Movida neste Juízo
Buscando sanção penal
Para um ocorrido fato
Tido como estelionato
Pelo MP Federal.

Fulano de tal da Silva
É o nome do acusado,
Profissão: eletricista,
Nesta domiciliado,
É viúvo, brasileiro,
E desse modo ligeiro,
Ei-lo aí qualificado.


Denúncia foi recebida
As folhas um, oito, três
Noventa e sete era o ano
Outubro era o mês
Vinte e três era o dia
Que a ação começaria.
Com o despacho que se fez.

Veio, porém, a Juízo,
O réu, antes de citado,
Na folha dois, zero, três
Formulou arrazoado
Dizendo que prescrevera
O crime - se ocorrera ­
Do qual era acusado.

Disse que entre a conduta.
Como criminosa tida
E o dia em que a denúncia
Aqui fora recebida
Treze anos se passavam
E só doze lhe bastavam
Pra encerrar a partida.

Ouvido o douto parquet
Este fez oposição
Dizendo que o fato crime
Não teve consumação
Há tanto tempo passado
Sendo desarrazoado
Se falar em prescrição[1].

O MM. Juiz
Acatou o argumento
Que o MP Federal
Usou como fundamento
E colocou no papel
Que ao pedido do réu
Negava deferimento[2].


Feito isto foi marcada
Logo uma audiência
Para interrogar o réu[3]
Sendo-lhe dada ciência
Que iria ser processado
Depois seria julgado
Com Justiça e com Prudência.


Mas com aquele decisum
Não houve conformação
Recurso em sentido estrito
Do réu foi a reação[4]
Para ver modificada
A decisão prolatada
Negando-lhe a prescrição.


Vieram os autos conclusos
Pra que eu decida afinal
Se inverto a decisão
E dou ao feito um final
Ou mantenho o seu curso
Instruo logo o recurso
E mando pro Tribunal.


É o relatório. Decido.



2. FUNDAMENTAÇÃO


Ao apreciar o caso
Que ora é apresentado
Importa examinar
Com cautela e com cuidado
o termo inicial
Do prazo prescricional
Pela defesa alegado.


Nesse sentido, vejamos
o fato considerado
Como artificioso,
Ardiloso, simulado
Que o réu criou em sua mente
Buscando dolosamente
o beneficio almejado.


É fato que causa espanto
o que passo a descrever
Pois do que consta dos autos
o que ele intentou fazer
Foi obter quitação
De mútuos de habitação
Com seguro a receber.


Como modus operandi
Para o seu desiderato
A sua esposa, Maria[5]
Figurou em dois contratos
Usando financiamento
Comprou casa, apartamento
Porém omitindo um fato.


O fato omitido in casu
Era a saúde de Maria
Que, portadora de câncer,
Brevemente morreria
E através da sua morte
Na verdade seu consorte
Se beneficiaria.

É que Maria morrendo
Os seguros pagariam
Todo o saldo dos empréstimos
E as contas se quitariam
A casa, o apartamento
Após feito o pagamento
Pro marido ficariam[6].

Mas do que vejo dos autos
Esse plano não vingou
Porque a seguradora
Bem cedo desconfiou
Foi pondo dificuldade
E o fato é que, em verdade,
Os seguros não pagou.

As folhas cinqüenta e cinco
O BEC é que noticia
Sete anos que passaram
E ainda não havia
Sido providenciada
A cobertura esperada
Do que o seguro previa[7].

Também em favor da tese
Que não houve a conclusão
Da conduta criminosa
De que trata esta ação
Um feito judicial
Na Justiça Estadual
Está em tramitação.

Vejo às folhas 200
Um oficio a informar[8]
Que em uma Vara Cível
Aqui mesmo do lugar
o espólio de Maria
Litiga até hoje em dia
Com Allianz Ultramar.

Bem se sabe, pra que haja
Estelionato consumado
Impõe-se que o agente
Alcance o fim planejado
Pois como o tipo é descrito
Na norma em que está inscrito[9]
É crime de resultado.

Tendo, assim, convicção
De que o fato tratado
Como crime nestes autos
Foi simplesmente tentado
Retorno a minha atenção
Ao prazo da prescrição
E como ele é contado.

O transcurso de tal prazo
Em caso de tentativa
Expressamente é previsto
Em locução normativa
Diz a norma que começa
No mesmo dia que cessa
A atividade nociva.

A norma que ora cito
É de sabença geral
Bem no artigo cento e onze
Lá do Código Penal
o inciso é o segundo
Não é coisa do outro mundo
Só disciplina legal.

Sobre o tema MIRABETE
Dá a seguinte lição:
Que havendo tentativa
o prazo de prescrição
Começa mesmo de fato
No dia do último ato
De sua execução[10].

Partindo dessa premissa
Resta só verificar
Qual o ato executório
Feito em último lugar
Por parte do acusado
Pra ser beneficiado
Pela Allianz Ultramar.

Identificar tal ato
Não me traz qualquer tormento.
É claro que a tentativa
De ter locupletamento
Encerrou quando o acusado
Sentindo-se habilitado
Entregou o requerimento[11].

O mês em que ocorreu
o fato acima apontado:
Setembro de oitenta e quatro
Isso está bem comprovado[12]
Sendo um pouco inteligente
Isto é suficiente
Pra ser tudo calculado.

Daquele mês de setembro
Até o outro momento
Que formulada a denúncia
Deu-se o seu recebimento
Foram mais de treze anos
Não há como ter enganos,
Este é meu pensamento.

Assim, não se pode mais
Discutir a autoria.
A materialidade
Se, no caso, dolo havia,
Pois a prejudicial
Do prazo prescricional
Impede a pena tardia.

Tem, pois, razão a defesa
Quando alega prescrição
Não pode mais o Estado
Exercer a pretensão
De punir o acusado
E assim fundamentado
Exerço a retratação.

3. DISPOSITIVO

POSTO ISTO, julgo extinta
Toda punibilidade
Da conduta do acusado,
Cuja materialidade
Na denúncia está descrita,
Mas que hoje está prescrita,
Livre de penalidade.

Sem custas.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Expedientes de praxe.


Fortaleza, 07 de fevereiro de 2002.


Marcos MAIRTON da Silva
Juiz Federal Substituto da 11ª Vara.


Literatura de Cordel domingo, 07 de julho de 2019

UM BOM CALDO DE PRIQUITO (CORDEL DE JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

 

UMA GLOSA

Mote:

No caldeirão do desejo
Um bom caldo de priquito!

Há muito tempo não vejo
Comida tão atraente
Queimando em fogo ardente
No caldeirão do desejo.
E como bom sertanejo,
Caboclo macho e bendito,
O meu prato favorito
Eu como e nunca me farto
E com ninguém eu reparto
Um bom caldo de priquito!


Literatura de Cordel quarta, 03 de julho de 2019

A SAGA DO ÍNDIO BRASILEIRO (FOLHETO DE WILLIAM BRITO)

 

A SAGA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS

William Brito

 

 

OS ÍNDIOS BRASILEIROS NO CORDEL DE WILLIAM BRITO

Um amigo perguntou se eu tinha algum cordel sobre índios brasileiros. Fui buscar em meu pequeno acervo e achei três: TRATADO DE PAZ (entre os reis Ca nindé e de Portugal), de Gerardo Carvalho, o Pardal; IRACEMA (a virgem dos lábios de mel), de João Martins de Athayde; e A SAGA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS, de William Brito, o homem que ocupa a cadeira número um da Academia dos Cordelistas do Crato, que escolhi para transcrever neste post.
O folheto, de 2002, que atendeu a um pedido do Ministério Público Federal no Ceará, e contou com o apoio do IPHAN, FUNAI, CNBB, Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Governo do Ceará e dos Índios Cearenses, começa com uma apresentação, de Josenir Alves de Lacerda, que traduz bem o sentimento que nos invade, quando o lemos. Diz Lacerda:

“Neste trabalho: A Saga dos Índios Brasileiros, o poeta William Brito faz do Cordel um portal e o abre com a chave mágica da inspiração, deixando que o leitor veja e vivencie o desenrolar dos fatos. Apesar do enredo ser entremeado de luta, traição, injustiça, exploração, perseguição e desamor aos nossos irmãos indígenas, devemos ler como quem sorve bebida de apurado sabor e que no lugar de embriagar, desperta e aguça sentimentos de brasilidade e compromisso para com os nossos ancestrais, cujo sangue quente, forte e guerreiro carregamos nas veias e teimamos em esquecer ou ignorar. Mais uma vez o poeta não poupa talento e mostra as diversas facetas e propostas do cordel como veículo de denúncia, didática, esclarecimento, conscientização. Enquanto houver mente aberta e consciente como a do poeta William, com coragem de expor páginas tão cruéis e injustas, haverá a certeza dde que alguma luz ainda brilha no horizonte da nossa história acenando com uma réstia de esperança”.


A SAGA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS


Sonhei com Tupã pedindo
Pra minha arte dispor
A serviço dos indígenas
E um folheto compor
Mostrando ao longo da história
A penosa trajetória
De humilhação e dor.

Me dispus porque carrego
Herança dos Kariri,
Sou mestiço como muitos
Que adoram roer piqui,
Acham a natureza jóia,
Se esbaldam num tipóia
Babam por mel de jati.

Me ensinaram no ginásio
Que somente há 10.000 anos
Quando o planeta esfriou
Os mongóis tomaram o plano
Do mar congelado usar
E da Ásia se mudar
Pro espaço americano.

E da América do Norte
Desceram para a Central,
Continuaram pro Sul
Fugindo do frio austral
E aqui se deram bem
Que era terra de ninguém
Rica em planta e animal.

Mas a arqueologia
Desmentiu esta versão,
Nas terras do Piauí,
No miolo do sertão,
Em São Raimundo Nonato
Tem vestígio de artefato
Que ensina outra lição.

Há mais de 30.000 anos
Já vivia no Brasil,
Um povo forte, trigueiro,
Gregário, simples, viril,
Adaptado à natura,
Desenvolvendo cultura
Debaixo do céu anil.

Em muitos pontos se encontra
Do nosso vasto Nordeste,
Vestígios dos ancestrais,
Na mata, sertão, agreste,
Eles não se aquietavam,
No território migravam
Fugindo de fome e peste.

Com muito esforço esse povo
Que era esperto e curioso,
Pesquisou a flora e a fauna
Com um resultado assombroso
Separando o que convinha
A comida e a “meizinha”
Do que era venenoso.

Ao longo do tempo o povo
No Brasil foi se espalhando
E em razão do ambiente
Aos poucos se transformando
Formando várias culturas,
Esquecendo a essa altura
O parentesco e brigando.

Lutava-se por comida,
Por coisas essenciais,
Não por ouro, pedrarias,
Ou por outros vis metais;
Se brigava, isso é notório,
Pelo santo território,
Como brigam os animais.

Pois bem, no século XV,
Em pleno mercantilismo,
Os europeus expandiram
O seu colonialismo.
Colombo, Pinzón, Cabral,
Tornaram a aldeia “global”
Fomentaram o consumismo.

Espanhóis e Lusitanos,
Bem antes da invasão,
Dividiram as Américas,
Depois de grande questão;
Pra guerra faltou um triz
E quem serviu de juiz
Foi o papado cristão.

Os nativos receberam
O povo vindo do mar,
Com boa disposição
Foram confraternizar
Depois se viram traídos,
Explorados, perseguidos,
Obrigados a arribar.

Cerca de 5 milhões
De índios tinha o Brasil,
E etnias, sabe Deus,
Talvez passasse de mil,
O terrível, o que eu lamento,
É não restar 10%
Dessa gente varonil.

Martins Soares Moreno,
Chegando no Ceará,
22 povos achou;
e hoje, quantos haverá?
Segundo doutor Pinheiro,
Só tem 11 companheiro,
Até onde a ciosa irá?

Os europeus cá vieram
Somente atrás da riqueza
Carregaram o pau-brasil,
Depredaram a natureza
Com fogo, foice e machado,
Trouxeram a cana e o gado,
Comprometeram a beleza.

Trouxeram ainda ao Brasil
A mancha da escravidão,
Africanos e ameríndios
Padeceram de aflição
De virar mercadoria.
Haverá selvageria
Acaso igual, cidadão?

Os tupis do litoral
Sofreram primeiramente
E os tapuias do sertão
Padeceram mais na frente,
Espanhóis ou Holandeses,
Lusitanos ou Franceses
Não agiam diferente.

Pra eles índios e negros,
Não tinham dignidade,
Se pareciam com gente
Mas não eram, de verdade.
Eram simples animais
Como o gado dos currais,
Sem direito nem piedade.

O tal Marquês de Pombal
Proibiu língua nativa,
Todos tinham de falar
Aquela língua aflitiva
Do malsinado invasor,
Muitos inda tem pavor
Da língua coercitiva.

E a medicina da terra,
Conhecida do pajé,
Foi vetada para os índios
Como também sua fé;
Quem não virasse cristão
Comprava grande questão
Com a forte Santa Sé.

As terras foram tomadas
Pelo gado e pela cana
E os índios missionados
Em Caucaia e Messejana,
Viçosa, Almofala, Crato
E Parangaba é o relato
De uma sina desumana.

À custa de muito sangue,
Deu-se a colonização,
Os nativos se uniram
Numa Confederação
Para enfrentar o invasor,
Mas, mesmo com seu penhor
Perderam a conflagração.

E quem ganhou a contenda
Fez a versão da história,
Fez-se o mocinho do filme,
Cobriu-se de honra e glória,
E o perdedor sem direito
Ficou cheio de defeito
E privado de memória.

Guerra química e biológica
Para os índios foi fatal,
Eles não tinham defesa
Contra vírus, coisa e tal;
E até bem pouco uns ladinos
Queimaram o índio Galdino
No Distrito Federal.

Na festa em Porto Seguro
Que lembrou a invasão,
Os índios foram excluídos
Sem direito a expressão
E todos que protestaram
Dos polícias apanharam
Sem dó e nem compaixão.

Mas pega a coisa a mudar
Na nossa sociedade
Os índios já se organizam
Reforçando a identidade,
E sua luta é tamanha
Que foi tema de campanha
Dita da fraternidade.

Somos um povo mestiço
Não temos o que negar,
Mas a discriminação
Teima em nos acompanhar,
Deixemos de preconceito,
Vamos todos dar um jeito
De nos unir, nos amar.

Vamos vencer o apartheid
Econômico e social,
Acabar com a exclusão
Criminosa e imoral
Ultrapassar a mazela
Que separa a favela
Condomínio colossal.

Honremos no Ceará
Kariris e Cariús,
Calabaças, Potiguares,
Quixelôs e Pacajús,
Kanindés e Tabajaras,
Tremembés, Jaguaribaras,
Jucases, Tacarijús.

Que as novas gerações
Protejam os Tremembés,
Pitaguarys e Tapebas,
Jenipapos, Kanindés,
E que nunca falte abrigo
Pra memória dos antigos
Como os grandes Anacés.

Que o Brasil respeito o índio
Como etnia ancestral.
Genética e culturalmente
Basilar, essencial,
Respeite a diversidade
Que faz nossa identidade
Ser mais rica, mais plural.

Literatura de Cordel quarta, 26 de junho de 2019

A OBRA DE ARTE DO SERTÃO (FOLHETO DE JÉFFERSON DESOUZA)jJÉFERSON DESOUSA)

A OBRA DE ARTE DO SERTÃO

Jéfferson Desouza

 

Peguei paleta de tinta e pincel
Preparei bela moldura
Pra fazer uma pintura
Da minha terrinha amada
Pintei a terra rachada
O sol de imenso clarão
Pinto novo ciscando o chão
Carro de boi e arado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Brincadeira de ‘tõiom’
Banguela escovando a chapa
Carrinho feito de lata
Guri mexendo com um ‘imbuá’
Imponência do carcará
Novena santa e procissão
Doce de leite e mamão
Vaqueiro tangendo o gado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Pedra em U de amolar foice
Cocheira, mata-burra, Porteira
Pra dor chá de casca de aroeira
Forquilha, ‘cangáia’ e ‘fuero’
Galinha indo pro ‘pulero’
Algazarra de um pifão
Moça que em bananeira faz coração
Com o nome do pretendido a amado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Minino levando ‘peia’
Reformista de foto
Saco de chapa pra comprar Voto
Lambu cantando no ‘mei’ mato
Criação de guiné e pato
Pinico caso haja precisão
Forró a luz de lampião
Com pimenta ‘acanaiado’
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Bejú, goma de tapioca
Lavar roupa em lajedo
O cantar do galo bem cedo
Manga manteiga de vez
Camisa de linho xadrez
Arapuca, arataca, ‘assaprão’
Político rodeado de babão
Ganhando com voto comprado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Lagartixa na parede
Um Cachorro bom de caça
Remendo no joelho da ‘carça’
Do sangue de porco o ‘churisco’
Devoção a ‘padim’ ‘pade’ 'Cíço'
Fé em Frei Damião
Virgulino lampião
Cangaceiro respeitado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Casa de farinha, broca queimando
Bingo de uma garrota na praça
Dois ‘bebu’ tomando cachaça
Depois se 'travando na briga
Rapadura, 'alfinim' e batida
Tiro alto de um mosquetão
Time de bola num caminhão
Fazendo folia se tiver ganhado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Treze filho, trinta neto
Água boa de cacimba
Uma jega com um jegue em cima
Se procriando num desmantelo
‘Muié’ varrendo o terreiro
Lenha queima no Fogão
Na mesa de refeição
Um banco de madeira alongado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Fazer roçado no baixio
Uma panela bem areada
A disputa da vaquejada
Comprar no dia da feira
Um cochilo numa esteira
‘Três homem’ a bater feijão
Da lida com a plantação
O cabra chegando enfadado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

A mata sem folha e cinzenta
Pela seca maltratada
Vaca morta na estrada
Milho sem querer brotar
E o sertão vindo a mudar
Ao cair uma gota no chão
E no som do primeiro trovão
O sertanejo Esperançado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão


Literatura de Cordel quarta, 19 de junho de 2019

A NATUREZA E O HOMEM (CORDEL DE ANIZÃO)

 

 

 

 
Na falta de foto de Anizão, fui buscar essa de Campina Grande-PB

 

 

 

A NATUREZA E O HOMEM

"A verdade que ninguém quer ver"

 

Natureza é o nome
Em geral mais conhecido
Mas pra nova geração
Já foi substituído
Chama-se meio ambiente
Todos já estão ciente
Desse fato ocorrido

 
Toda esta evolução
Que vem no mundo ocorrendo
Para o homem é natural
Nada demais está havendo
Veja quanta malvadeza
Eles não sabem a grandeza
Do mal que estão fazendo

 
Os mares estão poluídos
Rios cheios de venenos
O homem contaminando
Eles mesmos estão morrendo
Estar dentro do perigo
Sofrendo este castigo
Mas não estão percebendo

 
Inventou o automóvel
Toda nação aprovou
Mas o pior não pensou
Muitos milhões já matou
Com tanta inteligência
Só não descobre a ciência
Pra gerar paz e amor

 
Nossas matas estão sumindo
As florestas dizimadas
Nossos índios primitivos
São enganados por nada
Eles já foram os donos
Hoje estão no abandono
Nas tribos abandonadas

 
Os pássaros cantavam alegres
Hoje cantam de tristeza
O pomar não é lugar
Com frutas da natureza
Os mangues estão poluídos
Só tem um cheiro fedido
O ar não tem mais pureza

 
O aroma das campinas
Tinha um suave odor
As ramagens balançavam
Nos galhos cheios de flor
Hoje só tem os gravetos
Tudo virou esqueletos
Só resta tristeza e dor

 
As moças de antigamente
Os seios eram uns cones
Por obra da natureza
Sem precisar silicone
Hoje são todos caídos
As mamas não tem sentido
Parece até que deu pane

 
Às mulheres do passado
Tinham saúde e beleza
Pariam um monte de filhos
Mesmo sendo na pobreza
Tinham pernas torneadas
Não tinham veias quebradas
Bonitas por natureza

 
Nossa fauna era tranqüila
No seu habitar normal
Tinham espaço garantido
Toda espécie de animal
Mais o homem sem escrúpulo
Só quer vantagem e ter lucro
Destruiu causando mal

 
Doença nos animais
Por nome de zoonose
Só lá no mato existia
Sem perigo para nós
Hoje tem febre amarela
A Dengue dar na canela
Que perdemos até a voz

 
Na extração do minério
Grandes crateras é formada
A terra é mesmo um vulcão
Toda ela é transformada
No fabrico do carvão
Ferro para as construções
Toda terra é dizimada

 
A natureza faz coisa
Que nos faz admirar
São coisas bem pequeninas
Mas não sabemos explicar
É a barata Ter brilho
A galinha comer milho
Beber água e não mijar

 
O mar tem um movimento
Que vai pra lá, e pra car.
Isto é o tempo todo
Não tem hora pra parar
É o movimento da terra
Nunca para nem emperra
Mesmo sem lubrificar

 
O gato é um animal
Que nunca se ensinou
Fazer as necessidade
Porque nunca precisou
Mas ele quando apertado
Sai de casa vai cagar
Depois enterra o cocô

 
Na terra o homem ainda
É o maior predador
Destrói matas e campinas
É mesmo um destruidor
Sabendo que os animais
Sofre com o que ele faz
Mas ele não tem pudor

 
Se o homem entendesse
A língua dos animais
Tomaria uma lição
Não esquecia jamais
Aprenderiam a viver
Saudáveis com mais prazer
E só procurava a paz

 
O homem colhe da terra
Alimento em abundância
Mas do mesmo solo tira
Toda sua substância
Acaba a fertilidade
Veja só quanta maldade
Que tamanha ignorância

 
Segundo a bíblia sagrada
Deus quando o mundo criou
Fez o homem e a mulher
No paraíso botou
Pra viver só de beleza
No pomar da natureza
Mais Adão não suportou

 
Adão sozinho vivia
Sem nada para fazer
Eva nova e bonitona
Mas não sentia prazer
Os jovens obediente
Tentado pela serpente
Foram na maçã mexer

 
Aprenderam a brincadeira
Jamais pensaram em parar
Formaram uma geração
Para na terra habitar
Expulso do paraíso
Veja só o prejuízo
Que na terra foi causar

 
Deste primeiro casal
Formou-se uma geração
Povoou a terra toda
Formando toda nação
A vida era saudável
O problema hoje é grave
Com tanta poluição

 
O homem vive na terra
Causando destruição
Poluem o meio ambiente
Guerra virou diversão
A terra estar destruída
Não se dar valor a vida
Nem as crianças tem pão

 
Água o líquido precioso
Ta suja e contaminada
Nossa reserva na terra
É pouca não dar pra nada
Acabou-se a água boa
Parece que as pessoas
Vai beber água salgada

 
A luta neste planeta
É pela sobrevivência
O homem invade o espaço
Não usa a inteligência
O nosso ecossistema
Passou a ser um dilema
Por falta de competência

 
A terra estar ferida
Cheia de escavação
Na extração do minério
Formam cratera no chão
Não estando satisfeito
Dos rios aterram os leitos
Sem nenhuma precaução

 
Nossas fruteiras botavam
Seus frutos bem saborosos
Hoje estão contaminados
Com veneno e desgostosos
A onda agora é trnsgênico (a)
É mesmo um caso polêmico
Talvez até perigosos

 
O homem mexe com tudo
Até na reprodução
Já se fala em cronar gente
Mesmo sem ter relação
Existe animais cronados
Isto é fato consumado
Vamos ver a reação

 
Ó terra mãe gloriosa
És parte desta grandeza
Onde passamos a vida
Admirando a beleza
As vezes te ofendendo
Quando não reconhecemos
A tua grande nobreza

 
A beleza de seus mares
Eram cheios de pureza
Faz com que valorizamos
A nossa mãe natureza
Sendo ferida aos poucos
Perdoa aos homens loucos
Ó que imensa grandeza

 
Teus filhos são imaturos
Aqui fica o meu recado
Cuidado que no futuro
Todos serão castigados
O homem bagunça a terra
Mas nela mesmo se enterra
Para pagar seus pecados

 
Das crianças eu ouço o choro
Da terra ouço o gemido
Das bombas que estão soltando
Pêlos Estados Unidos
Testando a máquina de guerra
Querendo mandar na terra
Trazendo só prejuízo

 
Esses versos aqui retrata
A devastação da terra
Feita pela humanidade
Um mal que nunca se encerra
Já passou a ser cultura
Para as gerações futuras
Estudar como matéria

 
Essa cultura do homem
Não dar a terra valor
Mexe com todo vivente
Não importa onde for
Mexe no ecossistema
Que já virou até tema
E dúvida do criador

 
Tudo que foi relatado
Um dia será revisto
Por pessoas conscientes
Iluminadas por Cristo
Que tenha um coração
Que ame a preservação
Porque o fim é previsto

 
Calado eu fico pensando,
Jamais eu vou me conformar!
Levo comigo esta mágoa,
Calado não vou ficar!
Nem quero ser reprimido,
Pois nem tudo estar perdido,
Indo aos poucos chego lá.

 
Amigos, aqui retratei
Na linguagem popular
Imagens do que nós vemos
Zunindo aqui acolá
Isto é mesmo castigo
Preste atenção no que digo
Mãe Terra é pra respeitar

 
Sei bem que este recado
Alguém irá escutar
Nada será impossível
Talvez perto já estar
Ouvindo estes lamentos
Fará o seu julgamento
Sabe Deus o que fará

 
Aqui fica esta mensagem
Faça uma reflexão
Ame mais a natureza
Preserve com atenção
Não destrua quem lhe cria
Olhe mais com simpatia
Tenha mais compreensão.
 

Evite fazer queimadas
Não faça poluição
Colha da terra alimento
Sem fazer destruição
O planeta lhe agradece
Vai conservar as espécies
Pra futura geração.

 
Os terremotos começam
Os vendavais começou
Castigando esta nação
Que muito a terra explorou
É a resposta da terra
Matando mais que as guerras
Só num vento que soprou.

 
Se você não acredita
Se prepare seu doutor
A ciência sabe tudo
Mas a ninguém avisou
Pegou todos de sopesa
Pois é a mãe natureza
Obra do Deus criador.

 
Se você ler estes versos
Faça a crítica por favor
Que incentiva o poeta
Ao trabalho dar valor
É minha satisfação
Leia com muita atenção
Se esta obra aprovou

Literatura de Cordel quarta, 12 de junho de 2019

A MORTE E O LENHADOR (FOLHETO DE MARCOS MAIRTON)

 

 

Fábula em Cordel

 
(Ilustração de Gustave Doré)


A MORTE E O LENHADOR
Marcos Mairton
(adaptado da fábula de La Fontaine)


Foi o francês La Fontaine
Quem, certa vez, me contou
A história de um homem
Que pela morte chamou,
Mas depois se arrependeu,
Quando ela apareceu
E perto dele chegou.


Era um velho lenhador
Que andava muito cansado
Do fardo que, até então,
Ele havia carregado.
Um fardo que parecia
Sempre e sempre, a cada dia,
Mais incômodo e pesado.


Estava velho e doente,
Sentia o corpo doído.
Maltratado pelo tempo,
Seu semblante era sofrido.
Seguia, assim, seu caminho,
Atormentado e sozinho,
Sempre sujo e mal vestido.


Certa vez, ao fim do dia,
Quando ia pela estrada,
Para a choupana que então
Lhe servia de morada,
Foi obrigado a parar
Um pouco pra descansar
Da extensa caminhada.


Trazia um feixe de lenha
Que foi buscar na floresta.
Largou a lenha no chão,
Passou a mão pela testa,
Maldizendo-se da sorte,
Pensou: – É melhor a morte,
Que uma vida que não presta.


– Não consigo carregar
Essa lenha tão pesada.
Já não tenho mais saúde,
Meu ganho não dá pra nada,
Perseguido por credores,
Meu corpo cheio de dores,
Ai que vida desgraçada!


– Ó, Morte, onde é que andas,
Que não ouve o meu lamento?
Que não vem pra me tirar
Desse brejo lamacento?
Dona Morte, eu te rogo,
Venha acabar, venha logo,
Com meu grande sofrimento!


Aí, ela apareceu,
Com sua foice na mão.
Aproximou-se do velho
E disse logo: – Pois não.
Estavas a me chamar?
Em que posso te ajudar,
Querido filho de Adão?


O velho sentiu um frio
Lhe correr pelo espinhaço,
Quando a voz rouca da morte
Ecoou naquele espaço.
E pensou, na mesma hora:
“O que é que eu faço agora?
E agora o que é que eu faço?”

Então disse: – Essa honra,
Não acredito que eu tenha,
Que atendendo meu chamado
A senhora aqui me venha.
Mas, se posso pedir tanto,
Me ajude, por enquanto,
A carregar essa lenha!


A morte saiu dali
Um tanto desapontada,
E o velho foi embora
Cantarolando na estrada,
Porque, “mesmo padecendo,
Melhor é seguir vivendo
Que morrer sem sofrer nada”.


É essa a moral da história
Que La Fontaine nos deu,
Nessa fábula que ele,
Entre muitas, escreveu.
Eu, apenas transformei
Em cordel e dediquei
A você, que agora leu.
 

Literatura de Cordel quarta, 05 de junho de 2019

A INVASÃO NO ALEMÃO (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)

 

A INVASÃO NO ALEMÃO

Dalinha Catunda

 

A INVASÃO NO ALEMÃO
Dalinha Catunda
(Cordel citado no Globo Rural de 02.01.2011, no aniversário de 31 anos do programa)


1

Foi notícia nos jornais,
Mostrou a televisão
A desordem na cidade
A tamanha confusão
O ataque de bandidos
E o terror no Alemão. 


2


Ó meu São Sebastião,
Mártir Santo Padroeiro,
Proteja a população
Deste Rio de Janeiro
Que sofre com a violência,
Dum grupo de bandoleiro.


3


É polícia pra todo lado
É bandido e caveirão.
Com essa violência toda
Quem sofre é a população
Que fica presa em casa
Com medo da situação.


4


É todo mundo botando
Em suas portas tramelas.
É bala comendo solto,
No asfalto e nas favelas.
Sofre pobre, sofre rico,
Fugindo destas Mazelas.


5


Por falta de segurança.
Escolas foram fechadas.
O terror é bem visível
Nas imagens propagadas.
Com tanta barbaridade,
Só com as forças armadas!


6


Até a igreja da Penha
Recinto de oração 
Nesta guerrilha urbana
Foi vítima de invasão
Pelo espaço sagrado
Faltou consideração


7


Ônibus incendiados,
Motos, carros, também.
Com a revolta do povo,
A resposta logo vem.
Autoridades unidas,
Traçam planos que convem


8


Sofreu a Vila Cruzeiro,
E tremeu o Alemão.
Ao ver as autoridades
Tomando a decisão
De invadir a favela...
E houve a invasão!


9


Exército compareceu
Com seu verde esperança.
E mostrando sua força
A todos deu e confiança
Anunciando enfim
Que chegaria a bonança.


10


Bandido foi transferido,
Pra outra jurisdição.
Alguns foram mortos,
Com a polícia em ação.
E outros se entregaram
Indo parar na prisão.


11


O reboliço foi feio,
O bicho de fato pegou.
Teve até mãe de bandido
Que seu filho entregou
Querendo salvar a cria
Que um dia ela gerou.


12


Policiais e políticos,
E toda sociedade,
O povo todo unido,
Teve, sim, autoridade
Para colocar um fim
Na cruel barbaridade.


13


Eu não sei se realmente,
Mudará a situação,
E todo esse processo
Sem a continuação
Não ajudará em nada
O morro do Alemão.


14


Que essa comunidade,
Seja então pacificada.
Que crianças corram livres
Sem temer sua estrada.
E que os trabalhadores
Voltem a sua jornada.


15


Espero que os políticos
Cumpram a obrigação
De dar estudo, trabalho
A carente população,
Das pobres comunidades
Sedentas de solução.


16


Na favela tem bandido,
Isso é uma verdade.
Mas também tem gente boa,
Com sua dignidade.
Que merece nova vida
Com menos dificuldade.


17


Aonde o poder público,
Firme, não se manifesta,
E a tropa do mal chega
Fazendo a sua festa
No comando do lugar
Aparece sempre um testa.


18


Tanto pode ser bandido
Como algum miliciano.
Que lá na comunidade
Acaba então mandando.
E quem mora na favela
Sofre com este comando.


19


Mais uma vez eu convoco
Ao meu Santo padroeiro,
Que proteja a cidade
Que é o Rio de Janeiro.
Ó meu São Sebastião,
Livrai-nos deste salseiro.


20


Neste cordel eu registro.
Um caso que se passou
No fim de dois mil e dez.
E a todos apavorou, 
Mas o Rio de Janeiro
Bem alegre ressuscitou. 

Literatura de Cordel quarta, 29 de maio de 2019

MARIA SEM VÉU (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)

 

MARIA SEM VÉU

 

1
Eu de Maria sou filha
Neta e bisneta também
Herdei da prole esse nome
Que da sucessão provém
Portanto, eu sou Maria
Guerreira do dia a dia
Que na luta se mantém.

2
Eu sou Maria de Lourdes,
Sou Aragão e Catunda.
É na gleba nordestina
Minha raiz mais profunda
Minha alma não fraqueja
Sou Dalinha sertaneja
Do Ceará, oriunda.

3
Quantas Marias eu fui
A quantas me comparei
Nas linhas desse cordel
Em versos discorrerei
Quem nasceu pra ser Maria,
Jamais se acovardaria
Para viver me alistei.

4
Fui Maria-sem-vergonha
Nos jardins daquele chão
A tal Maria teimosa
Em era de reinação
Tempos de felicidade
Bem na flor da mocidade
Das primícias e emoção.

5
Como Maria das graças
Eu esbanjei alegria
Faceira desaforada
Replena de rebeldia
Uma flor a ser colhida
Que multiplicou na vida
Sem ser a Virgem Maria.

6
Assim então me tornei
A tal Maria das Dores
Em tempos de pouca idade
Acreditei em amores
E saí no prejuízo
Pois perdi meu paraíso
Provei dos velhos rigores

7

Em Maria Madalena,
Eu logo fui transformada
A torpe sociedade
Não se esqueceu da pedrada
Sem lembrar que era vidraça
Quase que me despedaça
Então fui expatriada.

8
Ser Maria do Rosário
Desfiando amargura
Não estava em meus planos
Depois dessa ruptura
Daí eu tomei coragem
Para seguir a viagem
Sabendo da lida dura.

 

9
Não vim ao mundo pra ser
Uma Maria qualquer
Olhei bem para o espelho
E avistei uma mulher
Não um pedaço de gente
Que não sabe ir pra frente
Alguém que sabe o que quer.

10
Com a cara e a coragem
Eu me tornei retirante
No momento da partida
Inda franzi meu semblante
Porém pensei decidida:
A rota da minha vida
Será minha doravante!

11
Botei o pé na estrada
Dei adeus ao preconceito
Maria vai com as outras
Jamais foi o meu defeito
A volta sei que vou dar
Um dia inda vou voltar
Por pirraça e por direito.

12
Pois sou Maria da Penha
Na luta pela mulher
Combatendo a violência
Respeitando seu mister
Persistente o tempo inteiro
Seguindo o mesmo roteiro
Que a teimosia requer.

13
E como Maria Moura
Aguerrida eu arrisquei
Livre da submissão
Feito homem atuei
E contra o patriarcado
Eu usei chumbo trocado
Da luta não desertei

14
Deixei meu rastro no chão
Para ninguém esquecer
E saí de venta acesa
Na certeza de vencer
Nos meandros da história
Virei Maria da Glória
Para quem quiser saber.

15
Maria Quitéria fui
Na guerra da independência
Foi buscando liberdade
Que adquiri consciência
De batalha em batalha
Eu puxei minha navalha
E vazei a prepotência.

16
Tal qual Maria da Luz
Acendi meu Lampião
A estrela que reluz
Norteou-me o coração
Sem ligar para rumores
Nas veredas dos amores
Achei Dom Sebastião.

17
Já fui Maria Padilha
No espelho do meu rei
Beijos da cor de carmim
No espelho eu espalhei
Esse rei enfeitiçado
Vive até hoje ao meu lado
Na magia não errei.

18
Vivo bem acompanhada
Hoje tenho eira e beira
Tenho filhos tenho neto
Honra-me ser companheira
Adoro ser concubina
Não quero mudar a sina
Que fez de mim mãe solteira!

19
Nunca fui mulher padrão
Tenho meu modo de agir
Quebrei todas as amarras
Não quero me redimir
Construí novo universo
Que canto e decanto em versos
Quando quero me exibir.

20
Eu sou Maria Bonita
Sou Cabocla do sertão
Fibra de Maria Déa
Maria do capitão
Quando assumi meu chapéu
Não fiquei vagando ao léu
Eu fiz a revolução.

21
Sou senhora do meu rancho
Na minha terra natal
Para ocupar esse espaço
Entro e saio sem aval
Sou Maria Aparecida
Sou das cinzas renascida
De maneira especial.

22
Sou Maria dos Prazeres
Alegre a regozijar
Sou Maria do Socorro
Tentando sempre ajudar
Eu sou Maria da paz
E falar muito me apraz
Não sou mulher de calar.

23
Sou Maria de Jesus
Também Maria José
Eu sou Maria Betânia
Jamais perdi minha fé
Sou Senhora do Engenho
Algum poder eu detenho
Para prosseguir de pé.

24
Eu sou Maria Coragem
Eu sou Maria temente
Sou Maria dos Remédios
Sou fruto, flor, sou semente
Eu sou Maria do céu
Às vezes rasgando o véu
Para abrolhar diferente.


Literatura de Cordel quarta, 22 de maio de 2019

A IMPORTÂNCIA DO CORDEL (FOLHETO DE MUNDIM DO VALE)

A IMPORTÂNCIA DO CORDEL

Mundim do Vale

 


Meu caro leitor amigo
Veja um relato fiel,
Eu já rimei a viola
Que faz bem o seu papel.
Agora passo a rimar,
Na cultura popular
A importância do cordel.

No sertão antigamente
Não tinha televisão
O sertanejo vivia
Carente de informação.
O rádio lá não chegava,
E o cordel é quem levava
Notícias para o sertão.

Quando pego num folheto
Me vem a grande lembrança,
Da ligação com cordel
Desde o tempo de criança.
Só sabia soletrar.
Mas consegui decorar
Os Doze Pares de França.

O cordel tem seu valor
Por ser de fácil leitura.
Tem muita arte na capa
Feita em xilogravura.
A métrica faz a grandeza,
A rima gera beleza
Para elevar a cultura.

Foi o cordel que falou
Dos crimes de Lampião
Foi também um seguidor
Do santo Frei Damião.
Fez morada em Juazeiro,
E deu apoio ao romeiro
Do Padim Ciço Romão.

Alfabetizou o pobre
Que não tinha condição
De freqüentar a escola
Pra receber a lição.
Foi o grande mensageiro,
De Antônio Conselheiro
O profeta do sertão.

O cordel já fez campanha
Em tempos de eleição.
Na seca de trinta e dois
Falou da destruição.
Fez festa em dia de feira,
Para o povo da ribeira
Pendurado num cordão.

O cordel tem união
Também com o repentista
Um exemplo do que falo
É Lucas Evangelista.
E falando em qualidade,
Eu lembro a capacidade
Da trindade irmãos Batista.

Eu fico muito feliz
Vendo o cordel resgatado,
Sabendo que hoje é feito
Com o papel resgatado.
Eu acho muito importante,
Não deixar o cordel distante
Como um valor do passado.

O cordel noticiou
Para o povo nordestino,
O suicídio de Vargas
E a prisão de Antônio Silvino.
Deu notícia da chacina,
No Largo da Catarina
Quando morreu Virgulino.

Falou daquela promessa
Do carregador da cruz,
Escreveu nas suas páginas
Que logo chegava a luz.
Rimou com muito talento,
A história do jumento
E o menino Jesus.

Se o leitor duvidar
Não acreditando em mim,
Saiba que o cordel já foi
Leitura até de jardim.
No nordeste brasileiro,
O cordel foi o primeiro
A falar do meu Padim.

Hoje em dia essa cultura
Foge um pouco do normal,
Pois os novos cordelistas
Procuram tema atual.
Falam da gíria da rua,
De mulher andando nua
E de briga de casal.

Tem aí a jovem guarda
Que ainda tá resistindo,
Mas de vez em quando eu vejo
Alguns deles desistindo.
Mas como tem resistente,
Como o vate Zé Vicente
O folheto vai fluindo.

A Cícero Modesto Gomes
O cordel me apresentou,
Poeta do Maranhão
Que no Ceará ficou.
Já rimou o Ceará,
De Sobral a Quixadá,
Pacajus e Quixelou.

Numa banca eu conheci
Edson Neto e Elizeu,
J. B. Num terminal
E um cordel ele me deu.
O poeta Zé Maria,
Conheci em cantoria
Divulgando um mote meu.

Outro poeta famoso
Criado aqui no sertão,
É o bom Arievaldo
Que do Klevison é irmão.
Avançou como um corcel,
Quando implantou o cordel
No setor da educação.

O doutor Sávio Pinheiro
Bom poeta e gente fina,
Já rimou o pé da serra
E a bodega da esquina.
Agora com mais virtude,
Botou cordel na saúde
Para o bem da medicina.

No Rio Grande do Norte
Onde a rima é atração,
Tem o local do poeta
Fazer a divulgação.
Já usei aquele espaço,
E daqui mando um abraço
Pra Mairton e Anizão.

Mas foi lá na Paraíba
Que o cordel chegou primeiro,
Era a grande novidade
Chegada do estrangeiro.
Posso dizer sem engano,
No sertão paraibano
O cordel foi pioneiro.

Quem também foi cordelista
Foi o bom Rogaciano
Foi repórter em Fortaleza
Mas era pernambucano.
Fez muita falta a cultura,
Com a morte prematura
Foi rimar no outro plano.

No Ceará o melhor
Com ele tomei café,
Aguarde só um instante
Que digo já já quem é.
Cantou lá e cantou cá
O Pássaro do Ceará
Patativa do Assaré.

Chegando agora ao final
Já faltando inspiração,
Peço desculpa aos colegas
Se houve alguma omissão.
Fiz esse verso bebendo,
Todo tempo defendendo
O cordel como atração.

Mandei mensagem bregeira
Unida com a poesia,
Negando ter intenção
De fazer apologia.
Inseri no Blogspot
Mundo Cordel avalia.


Literatura de Cordel quarta, 15 de maio de 2019

A FANTÁSTICA E VERDADEIRA HISTÓRIA DO CÃO DE ITAOCA (FOLHETO DE AUDIFAX RIOS)

A FANTÁSTICA E VERDADEIRA HISTÓRIA DO CÃO DE ITAOCA

Audifax Rios

 


I
A história que eu vou contar agora
Se é verdade ou mentira eu não sei
Pois o fato nunca presenciei
Mas tem gente que jura a toda hora
Na noite ou no romper da aurora
É a história medonha de um cão
Que assombrava com sua aparição
Sob o rouco tinir da sua espora

II
Este fato se deu na Itaoca
Já faz mais de três décadas passadas
E mexeu com pessoas alarmadas
Derrubou muita pose de dondoca
Apanhadas nos laços da fofoca
Meteu medo em menino e ancião
E valentes de toda uma geração
Sucedido que hoje ainda choca

III
Como Deus, tem diabo em toda parte
Não há como do tinhoso se livrar
Cão daqui, cão dali, cão dacolá
Cada um malinando sua arte
Presepeiro tal Pedro Malazarte
Pois vejamos aqui outra faceta
Caprichosa e sagaz deste capeta
Antes que pro inferno nos arraste

IV
Mas primeiro eu quero situar
O cenário de todo esse sucesso
E pra isso munido do meu verso
Itaoca eu passo a tracejar
Se o diabo não me atrapalhar
Por ali passa trem, passa avião
Bicicleta, motoca e caminhão
animal e vivente a caminhar

V
Situado no miolo da cidade
Tem Montese e Pici bem mais ao norte
Nos confins da Avenida da Morte
Que lhe dá um padrão de qualidade
Apegado à antiga Piedade
Para o leste vamos ter o Parreão
Encostado na Vila União
Região com lagoa em quantidade

VI
Pelo sul a famosa Parangaba
Onde fica o asilo dos dementes
Doidos mansos e outros pacientes
A oeste onde Damas se acaba
Sobradões e casebres de rebarba
Sudoeste o bairro da Serrinha
Onde dizem que cão inda caminha
Ampliando os confins de sua taba

VII
A Itaoca de tempos atrás
Começava nos muros do Colégio
Instalado em suntuoso prédio
Com capela e dependências mais
Onve haviam ritos sacramentais
Ensino pra internos e também
Estudantes naquele vai-e-vem
Sob as barbas do cruel satanás

VIII
Do Juvenal Carvalho em diante
Só se via dos Dummar a verde mata
Ainda virgem até aquela data
Ladeando o curral e a vazante
Do riacho pequeno e arrogante
Ia até a Lagoa do Opaia
Onde o verde dos teus olhos se espalha
Sobre a água límpida e brilhante

IX
Por ali passa o Beco do Segundo
Refúgio do cronista Cirolares
Cantor do passaredo e dos pomares
Que por tudo devota amor profundo
Transformando-o em poeta fecundo
Na viela porém deu-se o destroço
Desembesto do cão um alvoroço
A marmota mais cruel deste mundo

X
Feito isto passamos a narrar
A história que é bem interessante
Peripécias de um cafute errante
Que por anos deu muito o que falar
Nestas plagas e em outro lugar
Sua fama como rei da safadeza
Se expandiu pela grande Fortaleza
Se espalhou do sertão até o mar

XI
Lá no Beco escuro casarão
Paredões carcomidos pelo tempo
Pela fúria da água e do vento
Habitava um velho ermitão
Que diziam ter parte com o cão
O seu rosto nunca ninguém via
Da sua vida então ninguém sabia
Sua idade uma interrogação

XII
E por via dessa circunstância
O povão recriou a sua imagem
Carregando demais na maquiagem
Dando ao velho tamanha importância
Enfatizando a brutal deselegância
Aumentando com exagero o corpanzil
A idade lá foi pra mais de mil
Lá bem longe da sua pobre infância

XIII
Os cabelos batiam na cintura
E brilhavam de tanta seborréia
Amarelos da cor de diarréia
Moldurando a triste criatura
Acentuando inda mais sua feiúra
Amarrados feito rabo de cavalo
Eriçados como um rabo de galo
Aprimorando a caricatura

XIV
Grosso chifre enfeitava sua testa
Enrolado como o de um pai-de-chiqueiro
Exalando pelo ar o seu mau cheiro
De bode velho quando desembesta
Odor que logo todo canto empesta
E nas orelhas dois brincos em brasa
Que já faíscam quando sai de casa
No intuito de acabar com a festa

XV
Veste gibão de couro fedorento
Que atrai mosca dentro de um instante
Nunca se viu na terra tal displante
E enche o ar de um cheiro enjoento
Que se propaga levado pelo vento
Sapeca flores e frutos dos roçados
Com seu rastro negro fumacento

XVI
Só tem um olho grande esbugalhado
Sobre o nariz adunco de condor
Pupila diletada incolor
Com íris de um roxo amarelado
Jorra sangue no rosto opilado
Os cílios espetados bem azuis
Sobrancelhas em formato de cruz
Traduzem a imagem do pecado

XVII
A boca escancarada num esgar
De lábios grossos cheios de sapinho
Exibem a dentadura em desalinho
Incisivos de forma irregular
Presas de ouro puro a brilhar
Caninos com coroa reluzente
O beiço inferior constantemente
Saliva de porréia a babar

XVIII
O pescoço grosso atarracado
Assentado num imenso peitoral
De peso e medida anormal
Modela o seu tronco encalcado
De porte muscular avantajado
Os braços envergados pelo peso
Seguram pela mão um facho aceso
Clareando o rosto desalmado

XIX
Grandes pés arrastando pelo chão
Sustentavam um corpo de gigante
Parecia um enorme elefante
Bem maior do que qualquer cristão
Perto dele qualquer um era anão
Ao sair punha o povo em polvorosa
Com a sua estampa horrorosa
A cidade ficava em aflição

XX
As mulheres para ver o brucutu
Se escondiam por detrás das moitas
E ganhavam por terem sido afoitas
Viam o bruto completamente nu
E o enorme pau do belzebu
Mais crescido por causa do tesão
Dava em todas a maior sensação
E saiam para dar que nem xuxu

XXI
Toda essa horrenda descrição
Que fizemos do capiroto agora
Com perdões da Mãe Nossa Senhora
Não passa da mais pura invenção
De um repórter de imaginação
Que vendo a hora perder o emprego
Padeceu de um tal desassossego
E maquinou toda essa confusão

XXII
Mandou fazer pras bandas do Juazeiro
Xilogravura por Mestre Abraão
Com as fantásticas imagens do cão
Pôs logo em prática seu plano matreiro
Que provocou aqui maior salseiro
Saiu manchete em letras garrafais
E chegou a vender todos os jornais
Com as proezas deste cão faceiro

XXIII
Com a notícia até hoje me comovo
Provocou alvoroço na Itaoca
A negrada pulava que nem pipoca
Vibrando com o mexerico novo
E se unindo pra expulsar o estorvo
Juntou homem, mulher, velho e menino
Cada qual indicando seu destino
Nunca mais houve paz entre este povo

XXIV
Antes porém do desfecho final
Houve muita e tanta estrepolia
Marmota acontecendo noite e dia
Itaoca de vida infernal
Parecia uma grande bacanal
Brutalidade e espancamento
Violência e defloramento
Itaoca - Sodoma colossal

XXV
Na verdade a história começou
Com um fato nunca visto igual
Fenômeno dito paranormal
E a mão à palmatória eu dou
Lá no quarto a cama rodopiou
Na cozinha os pratos revoavam
No tanque sabonetes espumavam
Escangalho chegou ali parou

XXVI
A orgia todo o ambiente abala
Entre as pedras saiam mil lagartos
E cobras tantas pelos vãos dos quartos
Os urubus voavam pela sala
Escorpiões livravam-se da mala
Morcegos pendurados numa rede
Ratos no poço matando a sede
O papagaio mudo perde a fala

XXVII
Pela chaminé do velho fogão
Em lugar de fumaça labaredas
Que era a mesma saída pelas bredas
Das narinas fedorentas do cão
Incandescentes com um tição
E o fogo propagado pelo céu
Sapecava tudo que era tetéu
Que caiam assados pelo chão

XXVIII
Lá no quintal a fossa estourou
Foi merda para tudo quanto é lado
O tinhoso ficou todo cagado
Não se fez de rogado e acalmou
e de todo o desastre aproveitou
Passou a voraz língua pelo beiço
A meleca escorria pelo queixo
Com prazer a catinga aspirou

XXIX
Quando a coisa ficava só em casa
Sem a vida dos outros perturbar
Nada havia para se preocupar
Porém quando a marmota criou asa
E toda a sua fúria extravasa
Itaoca virou um pandemônio
Parecia até um manicômio
Onde nada avança e tudo atraza

XXX
Então o malfeito que surgia
Todo roubo ou furto efetuado
Notícia de cabaço deflorado
Tinha logo exata autoria
Qualquer mazela que aparecia
Catapora, sarampo ou sezão
Era praga ia pra conta do cão
Toda sorte de mal ali cabia

XXXI
Foi preciso bolar uma arapuca
Pra pegar o tinhoso de surpresa
Mas quem era capaz de tal proeza?
Só o João Grilo teria grande cuca
Pra aviar esta idéia maluca
Pôs em prática plano genial
Pra pegar o tinhoso no local
E deixá-lo em tremenda sinuca

XXXII
Escavaram um poço bem profundo
Estenderam uma malha de corrente
Pra deste modo apanhar o ente
Na esquina do Beco do Segundo
Chega aquele monstro nauseabundo
Que pensando pisar numa folhagem
Fica atado pela engrenagem
E desaba da beira lá pro fundo

XXXIII
Chegou guindaste para resgatar
Pois julgaram o bicho bem pesado
Porém todos estavam enganados
A verdade não deu pra acreditar
Tava o povo pasmado a admirar
O corpinho enrolado em pano preto
E aí começou o desacerto
O diabo era o padre do lugar

XXXIV
O vigário virava lobisomem
E só tinha uma pessoa que sabia
Escondido na sua sacristia
Sacristão que não quis dizer o nome
Pois o medo do inferno lhe consome
Garante que era em noite de luar
Numa sexta qualquer na hora-agá
A virada em bicho o que era homem

XXXVI
E a mulher que era tida como santa
Na alcova fazia qualquer negócio
Na igreja, cristã, devota e fiel
Mas na cama a virtude desencanta
Tão sacana que até o cão se espanta
Satisfaz sua fúria sensual
No comum, felação e coito anal
Com mil gritos saindo da garganta

XXXVII
Tava ali o padre paramentado
A imagem do cão desmascarada
E quem acreditou na fé sagrada
Excomunga agora o desgraçado
Que enganou todo tempo o povoado
E em nome de Cristo abençoava
E por trás o perjúrio praticava
Confundindo a virtude com o pecado

XXXVIII
E assim como se deu com Jesus
O padre também foi crudificado
E depois pelo povo fuzilado
Padeceu e morreu em negra cruz
Em lugar da coroa um capuz
Lhe serviu de sepulcro um formigueiro
Sem uma placa, sem nenhum letreiro
Sem uma vela, sem alguma luz

XXXIX
Pouca gente acompanhava o caixão
Em que foi transportado o satanás
Quatro gatos pingados nada mais
La na cova se ouviu pouca oração
O Zé Mário fez a declamação
Necrológio em forma de poesia
Relatando a dor e agonia
Que o povo sofreu na mão do cão

XL
Caminhando pra última morada
Cada amigo com dor no coração
Mário Gomes, Gervásio, Saraivão,
Mapurunga e o resto da cambada
E seguindo o cortejo na rabada
O Furtado, o Queiroz e o Marco Abreu
Lamentando o que aconteceu
Constatando que a vida não é nada

XLI
A moçada em estado deplorável
Rastejava em lenta procissão
Compungida como um bom cristão
O Alberto ainda inconsolável
Com a sua derrota lamentável
Luciano Barreira em oração
e o Klévisson com sua pena à mão
Faz da cena comédia impagável

XLII
Nesta hora toda a terra escureceu
E saíram urubus do formigueiro
De onde exalava forte cheiro
Todo galho de planta emurcheceu
A boiada assustada escafedeu
O relógio parou de trabalhar
A coruja no céu pôs-se a piar
Pra dizer que o demônio faleceu

XLIII
Itaoca então ficou famosa
Como a terra do espírito do mal
Deu no rádio, tv e no jornal
Sua fama saiu em verso e prosa
Puxando da poesia cavernosa
Zé Biquara escreveu longo cordel
Onde conta as proezas do revel
Cantilena picante e dolorosa

XLIV
O cão da Itaoca vai ficar
Na galeria das grandes figuras
Que outrora eram vidas obscuras
Cabeludo, Pena Branca e ZéTatá
Burra Preta, Negrinho do mar
Chupa-Cabra, Corta-Bunda, Tobogã
Bode-Ioiô, Tarado da Aquidabã
Entidades da crendice popular

XLV
E aqui terminando nossa história
Do diacho e sua aparição
Que causou verdadeira confusão
E que teve os seus dias de glória
Até quando decretou a moratória
Na tarde em que se escafedeu
A Itaoca toda agradeceu
Fim do caso que não sai da memória

Agora está tudo terminado
Uma coisa a gente não esquece
Desta pecha que o povo não merece
Itaoca do cão endiabrado
Felizmente esta noite foi embora
Acabou a companhia do de-espora
Xeretando nossa vida no passado

Refugamos essa presença maldita
Itaoca do cão e do tisnado
Oramos com fervor prece bendita
Soterramos o capeta excomungado


Literatura de Cordel quarta, 08 de maio de 2019

A CASA QUE A FOME MORA (FOLHETO DE ANTÔNIO FRANCISCO)

 

  
A CASA QUE A FOME MORA
 


Eu de tanto ouvir falar
Dos danos que a fome faz,
Um dia eu sai atrás
Da casa que ela mora.
Passei mais de uma hora
Rodando numa favela
Por gueto, beco e viela,
Mas voltei desanimado,
Aborrecido e cansado.
Sem ter visto o rosto dela.

Vi a cara da miséria
Zombando da humildade,
Vi a mão da caridade
Num gesto de um mendigo
Que dividiu o abrigo,
A cama e o travesseiro,
Com um velho companheiro
Que estava desempregado,
Vi da fome o resultado,
Mas dela nem o roteiro.

Vi o orgulho ferido
Nos braços da ilusão
Vi pedaços de perdão
Pelos iníquos quebrados,
Vi sonhos despedaçados
Partidos antes da hora,
Vi o amor indo embora,
Vi o tridente da dor,
Mas nem de longe via a cor
Da casa que a fome mora.

Vi num barraco de lona
Um fio de esperança,
Nos olhos de uma criança,
De um pai abandonado,
Primo carnal do pecado,
Irmão dos raios da lua,
Com as costas seminuas
Tatuadas de caliça,
Pedindo um pão de justiça
Do outro lado da rua.

Vi a gula pendurada
No peito da precisão,
Vi a preguiça no chão
Sem ter força de vontade,
Vi o caldo da verdade
Fervendo numa panela
Dizendo: aqui ninguém come!
Ouvi os gritos da fome,
Mas não vi a boca dela.

Passei a noite acordado
Sem saber o que fazer,
Louco, louco pra saber
Onde a fome residia
E por que naquele dia
Ela não foi na favela
E qual o segredo dela,
Quando queria pisava,
Amolecia e Matava
E ninguém matava ela?

No outro dia eu saio
De novo a procura dela,
Mas não naquela favela,
Fui procurar num sobrado
Que tinha do outro lado
Onde morava um sultão.
Quando eu pulei o portão
Eu vi a fome deitada
Em uma rede estirada
No alpendre da mansão.

Eu pensava que a fome
Fosse magricela e feia,
Mas era uma sereia
De corpo espetacular
E quem iria culpar
Aquela linda princesa
De tirar o pão da mesa
Dos subúrbios da cidade
Ou pisar sem piedade
Numa criança indefesa?

Engoli três vezes nada
E perguntei o seu nome
Respondeu-me: sou a fome
Que assola a humanidade,
Ataco vila e cidade,
Deixo o campo moribundo,
Eu não descanso um segundo
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Dos governantes do mundo.

Me alimento das obras
Que são superfaturadas,
Das verbas que são guiadas
Pro bolsos dos marajás
E me escondo por trás
Da fumaça do canhão,
Dos supérfluos da mansão,
Da soma dos desperdícios,
Da queima dos artifícios
Que cega a população

Tenho pavor da justiça
E medo da igualdade,
Me banho na vaidade
Da modelo desnutrida
Da renda mal dividida
Na mão do cheque sem fundo,
Sou pesadelo profundo
Do sonho do bóia fria
E almoço todo dia
Nos cinco estrelas do mundo.

Se vocês continuarem
Me caçando nas favelas,
Nos lamaçais das vielas,
Nunca vão me encontar,
Eu vou continuar
Usando o terno Xadrez,
Metendo a bola da vez,
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Da burrice de vocês.

Literatura de Cordel quarta, 01 de maio de 2019

A AMAZÔNIA É NOSSA (FOLHETO DE MARCUS LUCENNA)

 

Vou falar da Amazônia
A terra da promissão
Que hoje o mundo cobiça
Pela sua imensidão
A biodiversidade
E a riqueza do seu chão.

A sua maior porção
Pertence a nós brasileiros
Porém, Peru e Colômbia
Tem ela nos seus terreiros
Venezuela e Bolívia
Dela também são parceiros.

Lá também vivem os primeiros
Donos deste novo mundo
Os índios a quem devemos
O respeito mais profundo
E o brasileiro cabôclo
Povo mestiço e fecundo.

Precisamos ir bem fundo
Ao tratar dessa questão
Que mexe com nossa vida
Com a nossa imaginação
Com a história e o futuro
Da nossa grande nação.

Amazônia é equação
Que temos que resolver
Se será fácil ou difícil
O tempo é quem vai dizer
É nosso dever de casa
E vamos ter que fazer.

Nós precisamos dizer
Ao mundo com galhardia
Que os povos da Amazônia
Da sua rica bacia
São os seus únicos donos
Têm dela a soberania.

Dia e noite, noite e dia
Precisamos combater
Com idéias, com ações
Senão é fácil prever
Toda essa nossa riqueza
Haveremos de perder.

Todos precisam saber
Dessa grande orquestração
Que os poderosos do mundo
Vêm movendo desde então
Pra tomarem a Amazônia
Movidos pela ambição.

Debaixo daquele chão
Tem prata,tem gipsita
Tem diamantes, titânio
Ferro, ágata, malaquita
Citrinos, molibidênio
Tem tungstênio e bauxita.

Veios de ouro e pepitas
Urânio, gás, manganês
Tem petróleo, alumínio
Potássio e digo a vocês
Onde tem tanta riqueza
O gringo nunca é cortês.

Gringo não quer ser freguês
E também não quer ser sócio
Quer meter a mão em tudo
Ser o dono do negócio
Acham que somos otários
Que o nosso povo é beócio.

Mas o sol em equinócio
Na linha do equador
Ilumina o nosso povo
Com tanta luz e esplendor
Que um povo com esse brilho
Não pode ser perdedor.

Precisamos dar valor
As forças que a gente tem
Novo colonizador
Aqui não vai se dar bem
Nós não queremos ser mais
Escravos de mais ninguém.

Na Amazônia ainda tem
Tântalo, topázio e linhito
Fluor, zinco, tório, cromo
Um território bonito
Nióbio, ítrio e as águas
Do Amazonas bendito.

Porém tem muitos conflitos
Com grileiro, com posseiro
Tem também falsos pastores
À serviço do estrangeiro
Queimadas pra criar gado
Fazendeiro e madeireiro.

Mas cabe a nós brasileiros
Puxar o mote, o refrão
Chamar os nossos vizinhos
Com bom senso e união
Pra defender nossas pátrias
Patrimônio e rico chão.

Hoje com a concentração
Das furtunas pela terra
Com a riqueza em poucas mãos
Ou a gente grita e berra
Ou pra ter a Amazônia
Teremos que entrar em guerra.

O ronco da motoserra
Fumaça e poluição
As pastagens para o gado
Matando a vegetação
Mostra que estamos errando
Na forma de ocupação.

Damos ao gringo a visão
que não sabemos cuidar
Do que eles chamam pulmão
Do mundo a fábrica de ar
É com essa conversa mole
Que eles querem nos lezar.

Precisamos implantar
A auto-sustentação
Respeitando a natureza
Porém com convicção
Que a Amazônia é nossa
E gringo não põe a mão.

No futuro a geração
Que virá depois de nós
Vai poder se orgulhar
E dizer: nossos avós
Fizeram um grande país
Não nos deixaram a sós.

Então solto minha voz
Nesse momento presente
Em nome desse futuro
Onde estará nossa gente
Se a gente fortalecer
Os elos dessa corrente.

Do peão ao presidente
Chico, Mané e Antônia
Do Oiapoque ao Chuí
De Mossoró à Rondônia
Precisamos nos unir
Pra salvar a Amazônia.

Mas se o gringo é nossa insônia
Agiremos dando duro
Rumando na caminhada
Com ninguém deixando furo
Unidos pela Amazônia
Senão, adeus bom futuro.

Lutemos até no escuro
Unidos em harmonia
Com garra, força e coragem
Enfrentando a vilania
Não daremos o que é nosso
Não queiram o que não é vosso
A nossa soberania.×


Literatura de Cordel quarta, 24 de abril de 2019

HISTÓRIA DE UM VALENTE (FOLHETO DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

HISTÓRIA DE UM VALENTE

Ferreira Gullar

 

Ao estilo de cordel, Ferreira Gullar conta a história de um valente. A história de Gregório Bezerra, um brasileiro feito de ferro e flor.

 

História de um valente

Valentes, conheci muitos,
E valentões, muitos mais.
Uns só Valente no nome
uns outros só de cartaz,
uns valentes pela fome,
outros por comer demais,
sem falar dos que são homem
só com capangas atrás.

Conheci na minha terra
um sujeito valentão
que topava qualquer briga
fosse de foice ou facão
e alugava a valentia
pros coronéis do sertão.
Valente sem serventia
foi esse Zé Valentão.

Conheci outro valente
que a ninguém se alugou.
Com tanta fome e miséria,
um dia se revoltou.
Pegou do rifle e, danado,
meia dezena matou
sem perguntar pelo nome
da mãe, do pai, do avô.

E assim, matando gente,
a vida inteira passou.
Valentão inconsequente,
foi esse Zé da Fulô!

Mas existe nesta terra
muito homem de valor
que é bravo sem matar gente
mas não teme matador,
que gosta de sua gente
e que luta a seu favor,
como Gregório Bezerra,
feito de ferro e de flor.

Gregório, que hoje em dia
é um sexagenário,
foi preso pelo Governo
dito "revolucionário",
espancado e torturado,
mais que Cristo no Calvário,
só porque dedica a vida
ao movimento operário
e à luta dos camponeses
contra o latifundiário.

Filho de pais camponeses,
seu rumo estava traçado:
bem pequeno já sofria
nos serviços do roçado.
Com doze anos de idade
foi pra capital do estado,
mas no Recife só pôde
ser moleque de recado.
Voltou pra roça e o jeito
foi ser assalariado.
Até que entrou pro Exército
e decidiu ser soldado.

Sentando praça, Gregório
foi um soldado exemplar.
Tratou de aprender a ler
e as armas manejar.
Em breve tornou-se cabo
mas não parou de estudar.
Chegou até a sargento
na carreira militar.
Sua vida melhorou
mas não parou de pensar
na sorte de sua gente
entregue a duro penar.
Um dia aquela miséria
havia de se acabar.

Foi pensando e conversando,
trocando pontos de vista,
que Gregório terminou
por se tornar comunista
e no Partido aprendeu
toda a doutrina marxista.
Convenceu-se de que o homem,
no mundo capitalista
é o próprio lobo do homem,
torna-se mau e egoísta.

Da luta de 35,
Gregório participou.
Derrotado o movimento,
muito caro ele pagou.
O Tribunal Militar
do Exército o expulsou,
e o meteu na cadeia
onde Gregório ficou
até em 45
quando a anistia chegou.

Mas todo esse sofrimento
valeu-lhe muito respeito.
Candidato a deputado
foi gloriosamente eleito
pra Câmara Federal
sendo o segundo do pleito.
Seu trabalho no Congresso
só lhe aumentou o conceito.

Mas eleito deputado,
um problema ia surgir:
Gregório não tinha roupas
para o mandato assumir.
Foi preciso a gente humilde
que o elegeu se unir
e fazer uma "vaquinha"
pras roupas adquirir.
Assim, vestido elegante,
Gregório pôde partir.

A força dos comunistas
assustou a reação.
Viram o apoio que o povo
dera a eles na eleição.
Armaram rapidamente
uma bruta traição.
Contra o PCB votou-se
a total proibição
e contra os seus deputados
engendrou-se a cassação.
Fizeram o que fez agora
a falsa "revolução".

Gregório pronunciou
a oração derradeira
apresentando o projeto
em favor da mãe solteira.
Projeto feito com amor
à mãe pobre brasileira,
a essa mulher do povo
que só conhece canseira.
Projeto que mostra a alma,
alma pura e verdadeira,
desse homem contra quem
já se inventou tanta asneira.

Usurpado no mandato
que o povo lhe confiara,
a reação novo bote
contra ele já armara:
um quartel que pegou fogo
em Pernambuco, inventaram
que Gregório o incendiara,
e o meteram na cadeia
sem que a culpa se provara.
Mas ao final do processo
a verdade brilhou clara.

Assim, posto em liberdade,
Gregório não descansou.
Em Pernambuco e Goiás,
dia e noite trabalhou,
organizou camponeses,
a muita gente ensinou.
No Paraná e em São Paulo
sua ajuda dedicou.
Um dia com um revólver
por azar se acidentou.

Veio a Polícia e, ferido,
para a cadeia o levou.
Solto de novo, Gregório
para Pernambuco voltou.
E é em Pernambuco mesmo
que o vamos encontrar
em abril de 64
quando o golpe militar
se abateu sobre o País
derrubando João Goulart,
prendendo os que encarnavam
a vontade popular,
os que com o povo lutavam
para a Nação libertar.

Gregório então foi detido
no interior do estado.
Mas só se entregou depois
de ter identificado
o capitão que o prendia.
Tivera esse cuidado
pois sabia que um bando
de facínoras mandado
pelo usineiro Zé Lopes
buscava-o naqueles lados.
Pouco adiante, no entanto,
no cruzmento da estrada,
surge um destacamento.
Era uma tropa embalada
do Vigésimo RI
e à sua frente postada
a figura de Zé Lopes
com toda sua capangada.

Foram chegando e dizendo
que o preso lhes entregassem
para que naquele instante
com sua vida acabassem.
O capitão, no entanto,
pediu-lhe que se acalmassem,
pois as ordens do Recife
não era pra que o matassem.
Queriam ouvir Gregório
e depois o fuzilassem.

Zé Lopes e seus capangas
não queriam obedecer.
Gritavam que comunista
não tem direito a viver.
Mas o capitão foi firme,
não se deixou abater.
A coisa então foi deixada
pro comando resolver.
Rumaram pra Ribeirão
onde o comando foi ter.

Zé Lopes, chegando lá,
insistiu com o comandante,
que lhe entregasse Gregório
pra "julgar" a seu talante.
Não conseguiu e Gregório
foi, de maneira ultrajante,
amarrado como um bicho,
jogado num basculante
que o levou pro Recife
às ordens do comandante.

Levado então à presença
do General Alves Bastos,
Gregório, os pulsos sangrando,
nem assim se pôs de rastos.
Quando este lhe perguntou
onde as armas escondera,
respondeu: "se armas tivesse,
não era desta maneira
que eu estaria agora,
mas com as armas na mão,
junto com o povo lá fora".

Pro Forte das Cinco Pontas
foi conduzido, então,
e de lá para o quartel
de Motomecanização,
onde começa a mais negra
cena da "revolução"
que tanta vergonha e crime
derramou sobre a Nação.
Darci Villocq Viana,
eis o nome do vilão.

Esse coronel do Exército
mal viu Gregório chegar
partiu pra cima dele
e o começou a espancar.
Bateu com um cano de ferro
na cabeça até sangrar.
Chamou outros subalternos
para o preso massacrar.
Gritando: "Bate na fera!
Bate, bate, até matar!"
Dava pulos e babava
como se fosse endoidar.

Despois despiram Gregório
e já dentro do xadrez
com a mesma fúria voltaram
a espancá-lo outra vez.
Com 70 anos de idade
e outros tantos de altivez,
nenhum gesto de clemência
ao seu algoz ele fez.
O sangue agora o cobria
da cabeça até os pés.

No chão derramaram ácido
e fizeram ele pisar.
A planta dos pés queimava,
mal podia suportar.
Vestiram-lhe um calção
para depois o amarrar
com três cordas no pescoço
e para a rua o levar
preso à traseira de um jipe
e para ao povo mostrar
o "bandido comunista"
que se devia linchar.
Estava certo Villocq
que o povo o ia apoiar
para em plena praça pública
o comunista enforcar...

Mas para seu desespero
o povo não o apoiou.
Aos seus apelos de "enforca!"
nenhuma voz se juntou.
Um silêncio insuportável
sua histeria cercou.
Via era ódio nos olhos
e se ninguém protestou
é que os soldados em volta
ao povo impunham terror.
Muitas mulheres choravam.
Uma freira desmaiou
no Largo da Casa Forte
onde o cortejo parou.

"Meus pés eram duas chagas
- Gregório mesmo contou -
e no meu pescoço a corda
ainda mais apertou.
O sangue que me banhava
minha vista sombreou.
Senti que a força faltava
mas minha boca falou:
"Meu povo inda será livre!"
E muita gente chorou
no Largo da Casa Forte
onde o cortejo parou.

A freira que desmaiara
o arcebispo procurou
e este ao Genral Justino
nervosamente apelou
para impedir o homicídio
que quase se perpetrou.
A solidariedade humana
como uma flor despontou
no Largo da Casa Forte
onde o cortejo parou.

Quase morto mas de pé,
Gregório foi encarcerado.
Por dias e noites a fio
ele foi interrogado.
Já faz três anos que ele
continua aprisionado
sem ordem legal pra isso
e sem ter sido julgado.
E até um habeas-corpus
pedido lhe foi negado.

Mas nada disso arrefece
o valor desse homem bravo
que luta pra que seu povo
deixe enfim de ser escravo
e a cada nova tortura,
a cada cruel agravo,
mais força tem pra lutar
esse homem sincero e bravo.

E donde vem essa força
que anula a crueldade?
Vem da certeza que tem
numa histórica verdade:
o homem vem caminhando
para a plena liberdade;
tem que se livrar da fome
para atingir a igualdade;
o comunismo é o futuro
risonha da humanidade.

Gregório Bezerra é exemplo
para todo comunista.
É generoso e valente,
não teme a fúria fascista.
À barbárie do inimigo
opõe o amor humanista.

Gregório está na cadeia.
Não basta apenas louvá-lo.
O que a ditadura espera
é a hora de eliminá-lo.
Juntemos nossos esforços
para poder libertá-lo,
que o povo precisa dele
pra em sua luta ajudá-lo.

Literatura de Cordel sábado, 20 de abril de 2019

OS SOFRIMENTOS DE JESUS CRISTO (FOLHETO DE JOSÉ PACHECO)

COM AGRADECIMENTOS A PEDRO FERNANDO MALTA

 

Oh Jesus meu Redentor
dos altos Céus infinitos
abençoai meus escritos
por vosso divino amor
leciona um trovador
com divina inspiração
para que vossa paixão
seja descrita em clamores
desde o princípio das dores
até a ressurreição.

Dentro do Livro Sagrado
São Marco com perfeição
nos faz a revelação
de Jesus crucificado
foi preso e foi arrastado
cuspido pelos judeus
por um apóstolo dos seus
covardemente vendido
viu-se amarrado e ferido
nas cordas dos fariseus.

Dantes predisse o Senhor
meus discípulos me rodeiam
e todos comigo ceiam
mas um me é traidor
só a mão do pecador
meu corpo ao suplicio vai
porém vos digo que vai
do homem que por dinheiro
transforma-se traiçoeiro
contra o Filho de Deus Pai.

Todos na mesa consigo
clamavam em alta voz
Senhor, Senhor qual de nós
vos trai dos que estão contigo
disse Cristo: é quem comigo
juntamente molha o pão
e todos me deixarão
mas São Pedro respondeu
mestre garanto que eu
não vos deixarei de mão.

Em verdade deixarás
nesta noite sem tardar
antes do galo cantar
três vezes me negarás
Pedro com gestos leais
disse em voz compadecida
eis-me a morte preferida
mas não serei teu contrário
ainda que necessário
me seja perder a vida.

Estava tudo benquisto
com Pedro dizendo igual
até na hora fatal
da prisão de Jesus Cristo
então quando se deu isto
Pedro a espada puxou
num fariseu despejou
um golpe tão destemido
que destampou-lhe o ouvido
quando a orelha voou.

 

Ouviu a voz sublimada
de Cristo em reclamação
dizendo em repreensão
Pedro guarde a tua espada
deixa não promovas nada
porque tudo é permitido
não sejas enfurecido
não tentes e nem te alteres
pois se com o ferro feres
com ele serás ferido.

Jesus na frente seguia
na hora que lhe prenderam
todos discípulos correram
mas Pedro atrás sempre ia
de longe coitado via
Jesus de queda e de trote
sobre as mãos do grande lote
cada bordoada um passo
até chegar no terraço
da casa do sacerdote.

Depois da tropa chegada
Jesus foi interrogado
bastantemente acusado
e Pedro viu da calçada
quando veio uma criada
perguntando com rigor
– Tu és acompanhador
do que está preso aqui?
Pedro disse: eu nunca vi
nem conheço esse Senhor.

E assim continuou
de quando em vez a negar
antes do galo cantar
3 vezes Pedro negou
depois então se lembrou
do que Jesus tinha dito
amargo e bastante aflito
derramou pranto no chão
porque fez a transgressão
do que disse a Jesus Cristo.

Jesus além da prisão
bofetes e pontapés
ainda diziam: tu és
réu da crucificação
e procuravam razão
para o tal cruel transporte
uma testemunha forte
com legalidade pura
que lhe desse a desventura
passando a pena de morte.

O sacerdote indagou
perante os fariseus
tu és o Filho de Deus
disse Jesus Cristo: eu sou
em breve verão que vou
pra meu pai Celestial
eis a voz sacerdotal
pra que testemunha mais
do que as blasfêmias tais
da boca do mesmo tal.

E rasgando-lhe o vestido
cuspiram as faces divinas
logo das mãos assassinas
foi espancado e ferido
nas cordas foi envolvido
atado de braço e mão
no outro dia então
ordenou Poncio Pilatos
dizendo aos insensatos
dai-lhe crucificação.

Pilatos bem que sabia
quase com realidade
que por inveja ou maldade
deu-se essa algozaria
mas Jesus nada dizia
Pilatos quis revogar
mas não podia falar
tantos que lhe cercavam
que lhe pedindo gritavam:
mandai-o crucificar.

Sob o poder dos ingratos
escribas e fariseus
Jesus o Filho de Deus
foi entregue por Pilatos
os mais horrendos maltratos
cada um deles fazia
Jesus a cruz conduzia
golpe de sangue lançava
do peso que carregava
quando topava caía.

Do seu vestido brilhante
brutamente lhe despiram
depois noutro lhe vestiram
de púrpura agonizante
uma corôa infamante
de espinhos tecida a mão
pra fazerem mangação
na cabeça lhe botando
todos gritavam zombando
viva o rei da nação.

Um algoz lhe espancou
com uma cana pesada
que com esta bordoada
sua cabeça sangrou
seu sangue se derramou
lavando-lhes os ombros nus
e marchando em passo truz
para em Gólgota chegar
aonde ia se findar
morto e pregado na cruz.

Jesus depois de cravado
ouviu-se os gemidos seus
clamando Deus oh! Meu Deus
porque fui abandonado
e viu-se o astro nublado
trevas pelo mundo inteiro
um centurião fronteiro
disse verdadeiramente
este homem é inocente
filho de Deus verdadeiro.

E um algoz suspendeu
uma esponja flocada
numa cana enfiada
botou vinagre e lhe deu
logo ali Jesus morreu
com seu gesto divinal
que tormento sem igual
daquela tão vil derrota
foi Judas Escariota
o sacerdote fatal.

Que profano traidor
equiparado a Lusbel
da morte fria e cruel
foi êle o traidor
que fez nosso Salvador
na cruz de prego cravado
pelo corpo retalhado
fitas de sangue corriam
dos pregos que lhe feriam
cada qual mais aguçado.

Veio José de Arimatéia
pediu seu corpo e foi dado
pareceu sendo tocado
por uma divina ideia
tirou no meio da plateia
inda pregado na cruz
afastou-se dos tafus
antes do morrer do sol
envolvido num lençol
deu sepultura a Jesus.

Numa pedra natural
que tinha grande abertura
ele deu a sepultura
ao seu corpo divinal
felizmente este local
muito fácil ele encontrou
ali o depositou
a rocha era rachada
revolveu outra pesada
cobriu com ela e deixou.

Perto estava Madalena
que sempre a Jesus seguia
ela com outra Maria
ali chorava com pena
depois dessa triste cena
seguiram na noite escura
compraram essência pura
num vaso branco trouxeram
logo de manhã vieram
incensar-lhe a sepultura.

Porém um anjo sentado
em verdade lhe dizia
eis a rocha que jazia
Jesus o crucificado
mas já foi ressuscitado
para o alto tribunal
está na graça real
na corte santa e perfeita
da parte da mão direita
de Deus Pai Celestial


Literatura de Cordel quarta, 17 de abril de 2019

PELEJA DE ZÉ MOLESTA COM TIO SAM (FOLHETO DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

PELEJA DE ZÉ MOLESTA COM TIO SAM

Ferreira Gullar

 

Esta é a história fiel

da luta que Zé Molesta

pelejou com Tio Sam,

que começando de noite

foi acabar de manhã

numa disputa infernal

que estremeceu céus e terra:

quase o Brasil vai à guerra

e o mundo inteiro à terceira

conflagração mundial.

 

Zé Molesta é um Zé franzino

nascido no Ceará

mas cantador como ele

no mundo inteiro não há.

Com seis anos sua fama

corria pelo Pará;

com oito ganhava um prêmio

de cantador no Amapá;

com nove ensinava grilo

a cantar dó-ré-mi-fá;

com dez fazia um baiano

desconhecer vatapá.

 

Assim fez sua carreira

de cantador sem rival

vencendo poeta de feira

de renome nacional.

Venceu Otacílio e Dimas,

Apolônio e Pascoal

rindo e brincando com as rimas

numa tal exibição,

cavalgando no “galope”

da beira-mar ao sertão,

soletrando o abecedário,

montando no adversário

quadrando quadra e quadrão.

 

Foi então que ouviu falar

desse tal de Tio Sam.

‘Tio de quem?” perguntou –

“Só se for de tua irmã!

O único tio que eu tive

salguei como jaçanã.”

Mas lhe disseram que o velho

era pior que Satã.

“Vamo nos topar pra ver

quem rompe vivo a manhã.”

 

Assim falou Zé Molesta

e mandou logo avisar

a Tio Sam que ficasse

preparado pra apanhar.

“Marque lugar, marque hora,

que eu canto em qualquer lugar.

Só quero que o mundo inteiro

possa a luta acompanhar

por rádio e televisão

e através do Telstar.”

 

Lançado o seu desafio

Zé Molesta se cuidou.

Correu depressa pro Rio

e aqui se preparou.

Falou com Vieira Pinto,

Nelson Werneck escutou

e nos Cadernos do Povo

durante um mês estudou.

“O resto sei por mim mesmo

que a miséria me ensinou.”

 

Enfim foi chegado o dia

da disputa mundial.

Na cidade de New York

fazia um frio infernal.

No edifício da ONU

foi preparado o local.

Zé Molesta entrou em cena

foi saudando o pessoal:

“Viva a amizade dos povos,

Viva a paz universal!”

 

Tio Sam também chegou

todo de fraque e cartola.

Virou-se pra Zé Molesta

e lhe disse: “Tome um dólar,

que brasileiro só presta

para receber esmola.

Está acabada a disputa,

meta no saco a viola”.

 

Zé Molesta olhou pra ele,

lhe disse: “Não quero não.

Não vim lhe pedir dinheiro

mas lhe dar uma lição.

Não pense que com seu dólar

compra minha opinião,

que eu não me chamo Lacerda

nem vivo de exploração”.

 

Tio Sam ficou sem jeito,

guardou o dólar outra vez.

Respondeu: “Esse sujeito

já se mostra descortês.

Já me faltou com o respeito

logo na primeira vez.

Vê-se logo que ele é filho

de negro e de português”.

 

“Não venha com essa conversa

de preconceito racial

- lhe respondeu Zé Molesta –

que isso é conversa boçal.

Na minha terra se sabe

que todo homem é igual,

seja preto seja branco,

da França ou do Senegal.

Antes um preto distinto

do que um rico sem moral.”

 

Tio Sam ficou danado

com a resposta de Molesta:

“Me dá dois dedos de uísque

que eu vou acabar com a festa.

Quem nasce naquelas bandas

já se sabe que não presta,

se não se vende pra nós

morre de fome e moléstia.

Se esse caboclo se atreve

meto-lhe um tiro na testa.

Não gosto de discutir

com negro metido a besta”.

 

“Mas não se zangue, meu velho

- respondeu-lhe Zé Molesta –

que agora que eu comecei.

Não vim pra brigar de tiro

mas pra dizer o que sei.

Na minha terra de fato

morre-se muito de fome

mas o arroz que plantamos

é você mesmo quem come,

a riqueza que criamos

você mesmo é quem consome.”

 

Tio Sam disse: “Esta é boa!

Vocês são ingratalhões.

Vivo ajudando a vocês,

emprestando-lhes milhões,

e me vem você agora

dizer que somos ladrões.

Felizmente ainda existem

alguns brasileiros bons

como o Eugênio Gudin

e o Gouveia de Bulhões”.

 

Molesta deu uma risada:

“Discuta de boa fé.

Se você é tio deles,

meu tio você não é.

Explique então direitinho

o negócio do café”.

 

Tio Sam desconversou

mas Zé Molesta insistiu:

“Por que é que nosso café

de preço diminuiu?

Quanto mais café mandamos

recebemos menos dólar

e ainda vem você dizer

que vive nos dando esmola!

Você empresta uma parte

do que é nosso e a outra parte

você guarda na sacola”.

 

“Não fale assim – disse o velho –

que eu sempre fui seu amigo.

Mando a vocês todo ano

mil toneladas de trigo

e em troca nada lhes peço.

Criei os Corpos da Paz

e a Aliança para o Progresso.”

 

“Sei de tudo muito bem

mas você não nos engana.

Não pense que sou macaco

pra me entreter com banana.

O trigo que você fala

é o que fica armazenado

para que não baixe o preço

do seu trigo no mercado.

Você diz que dá de graça

mas nós pagamos dobrado.

É com ele que você paga

despesas do consulado

e da embaixada, enquanto

seu dólar fica guardado.

 

“É com ele que você compra

a opinião dos jornais

pra que eles enganem o povo

com notícias imorais,

pra que não digam a verdade

sobre esses Corpos da Paz

que na frente nos sorriem

e nos enganam por trás.”

 

Tio Sam disse a Molesta:

“Chega de conversação.

A moléstia que te ataca

já matou muito ladrão.

Você quer roubar meu ouro

e dividir meu milhão.

Comunista em minha terra

eu mando é para a prisão”.

 

“Ora veja, minha gente,

como esse velho é safado!

Apela pra ignorância

quando se vê derrotado.

Não quer que eu diga a verdade

sobre meu povo explorado.

Quer me mandar pra cadeia

quando ele é o culpado.”

 

“Vocês são todos bandidos,

chefiados por Fidel

- disse Tio Sam bufando,

da boca vertendo fel -

Querem transformar o mundo

num gigantesco quartel,

pondo os povos sob as botas

da ditadura cruel.”

 

“Essa conversa velhaca

não me faz baixar a crista

- disse Molesta – Me diga

quem foi que apoiou Batista?

Você deu arma e dinheiro

a esse ditador cruel

que assassinava, roubava

e torturava a granel.

Por que era amigo dele

e agora é contra Fidel?

 

“Você diz que é contra Cuba

porque é contra ditadura.

Será que na Nicarágua

há democracia pura?

Se você luta no mundo

pra a liberdade instalar

por que é amigo de Franco,

de Stroessner e de Salazar?

A verdade é muito simples

e eu vou logo lhe contar.

Você não quer liberdade,

você deseja é lucrar.

Você faz qualquer negócio

desde que possa ganhar:

vende canhões a Somoza,

aviões a Salazar,

arma a Alemanha e Formosa

pro mercado assegurar.”

 

Nessa altura Tio Sam

já perdera o rebolado.

Gritou: “Chega de conversa,

que estou desmoralizado!

Desliguem a televisão,

deixem o circuito cortado.

Mobilizem os fuzileiros,

quero esse ‘cabra’ amarrado.

Vamos lhe cortar a língua

pra ele ficar calado”.

 

“Eta que a coisa tá preta!

- disse pra si Zé Molesta –

Como estou na casa dele,

é ele o dono da festa.

Tenho que agir com cuidado

pra ver se me escapo desta.”

 

E foi um deus-nos-acuda,

barafunda, corre-corre.

Molesta pulou de lado.

“Quem não for ligeiro morre.

Pra me entregar pra polícia

só mesmo estando de porre.”

Pulou por cima das mesas,

por debaixo das cadeiras.

Deu de frente com dois guardas,

passou-lhes duas rasteiras.

Gritou: “Abre, minha gente,

que eu vou jogar capoeira!”

 

Abriu-se um claro na sala,

dividiu-se a multidão.

Rolou gente, rolou mesa,

rolou guarda pelo chão.

Em dois tempos Zé Molesta

sumira na confusão.


Literatura de Cordel quarta, 10 de abril de 2019

QUEM MATOU APARECIDA (FOLHETO DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

QUEM MATOU APARECIDA

Ferreira Gullar

 


História de uma favelada
que ateou fogo às vestes

Aparecida, esta moça
cuja história vou contar,
não teve glória nem fama
de que se possa falar.
Não teve nome distinto:
criança brincou na lama,
fez-se moça sem ter cama,
nasceu na Praia do Pinto,
morreu no mesmo lugar.

Praia do Pinto é favela
que fica atrás do Leblon.
O povo que mora nela
é tão pobre quanto bom:
cozinha sem ter panela,
namora sem ter janela,
tem por escola a miséria
e a paciência por dom.

No dia que a paciência
do favelado acabar,
que ele ganhar consciência
para se unir e lutar,
seu filho terá comida
e escola para estudar.
Terá água, terá roupa,
terá casa pra morar.
No dia que o favelado
resolver se libertar.

Mas a nossa Aparecida
chegou cedo por demais,
por isso perdeu a vida
que ninguém lhe dará mais.
É sua história esquecida
de poucos meses atrás,
e essa vida perdida
de uma moça sem cartaz
que está aqui pra ser lida
porque nela está contida
a lição que aprenderás.

Já bem cedo Aparecida
trabalhava pra comer:
vendia os bolos que a mãe
fazia pra ela vender;
carregava baldes d'água
para banhar e beber.
Comida pouca e água suja
que até dá raiva dizer.

Da porta de seu barraco,
de zinco e madeira velha,
olhava o mundo dos ricos
com suas casas de telha.
Os blocos de apartamento
quase tocando no céu
dos quais nem em pensamento
um deles seria seu.

Daquele chão de monturo,
via o mundo dividido:
Do lado de cá, escuro,
e do lado de lá, colorido.
À sua volta a pobreza,
a fome, a doença, a morte;
e ali adiante a riqueza
dos que tinham melhor sorte.
Nossa Aparecida achava
que tinha era dado azar
porque ela ignorava
que o mundo pode mudar.

Já conhecia a cidade
da gente limpa e bonita,
meninas de sua idade
de seda e laço de fita.
Gente que anda de carro,
vive em boate e cinema,
que nunca pisou no barro,
que não conhece problema,
que pensa que o Rio é mesmo
Copacabana e Ipanema.

Que pensa ou finge pensar.
Porque se chega à janela,
se dá um giro, vê logo
o casario da favela,
a marca mais evidente
desta sociedade ingrata,
que a terça parte do Rio
mora em barracos de lata.

E assim foi que Aparecida
se tornou uma mocinha.
Falou pra mãe que queria
ganhar uma criancinha.
Já que boneca era caro
e dinheiro ela não tinha,
ter um filho era mais fácil
dela conseguir sozinha.

"Sozinha ninguém consegue!",
disse-lhe a mãe já com medo.
"Tira isso da cabeça,
ter filho não é brinquedo.
Favelada que tem filho
acaba a vida mais cedo".

Não podia Aparecida
entender essa verdade.
Queria ter um bebê
para cuidar com bondade,
para vestir bonitinho
como os que viu na cidade.

Tanto falou no desejo
de ter uma criancinha
que um dia uma lavadeira
que era sua vizinha
prometeu falar na casa
de um tal de dr. Vinhas,
casado com dona Rosa,
que ganhara uma filhinha.

Foi assim que Aparecida
mudou-se para Ipanema.
O ordenado era pouco
mas resolvia o problema.
Deixou a Praia do Pinto
e venceu o seu dilema:
ganhou um bebê bonito
cheirando a talco e alfazema.
Quando saiu com o embrulho
(dois vestidos e um espelho
redondo, de propaganda)
a mãe lhe deu um conselho:
"Veja lá por onde anda.
Cuidado com homem velho
e português de quiranda.
Pra rico é fácil ter filho;
pra pobre, a vida desanda".

Mas Aparecida estava
entregue a sua alegria.
Só pensava na menina
de que ela cuidaria,
a boneca de verdade
que ela enfim ganharia.
E assim passou cantando
aquele primeiro dia.

Foi muito bem recebida
pela patroa e o patrão.
Ganhou um quarto pequeno
e uma cama de colchão.
Quarto escuro, colchão duro,
mas como querer melhor
quem sempre dormiu no chão?

A vida de Aparecida
corria tranquila e bela.
Ainda por cima seu Vinhas
simpatizava com ela,
indagava de sua vida
e das coisas da favela.

Um dia pegou-lhe o braço
e puxou-a para si.
Lhe disse: "Me dá um abraço,
que eu gosto muito de ti".
Largou-a ao ouvir os passos
de alguém que vinha pra ali.

Mas de noite ele voltou.
Deitou-se ao lado dela
e ela não se incomodou.
Passou a mão nos seus peitos,
e Aparecida gostou.
Deitou-se por cima dela
e suas calças tirou.
Aparecida nem lembra
o que depois se passou.
E tanto se repetiu
que ela até se habituou.

Mas lá um dia a patroa
abriu a porta e os pegou.
Já era de manhã cedo,
Vinhas quase desmaiou.
A mulher fez que não viu,
tranuilamente falou:
"Compre-me um litro de leite,
pois o leiteiro atrasou".

Aparecida saiu
sem saber o que fazer.
Quando voltou, no seu quarto
tinha coisa pra se ver:
a patroa já chamara
um guarda para a prender.
"Ela roubou estas jóias,
que nem bem soube esconder" -
disse mentindo a patroa.
Aparecida foi presa
sem nada poder dizer.

Para o SAM foi conduzida
depois de muito apanhar.
Um dia ali esquecida
começou a reparar
que em sua entranha uma vida
começara a despertar.
Quando o guarda da prisão
descobriu-lhe a gravidez,
foi dizer à Direção,
que a retirou do xadrez
para evitar complicação.
"Vá se embora, sua puta,
chega de aporrinhação".

Aparecida voltou
pro barraco da favela.
A mãe estava doente
sem saber notícia dela.
Cuidou da mãe como pôde
e conseguiu se empregar.
Trabalhou até que um dia
numa fila de feijão
perdeu as forças, caiu,
e teve o filho no chão.
Da casa onde trabalhava
logo foi mandada embora.
"Empregada que tem filho
não serve, que filho chora".

Em outras casas bateu
mas de nada adiantou.
Depois de muito vagar,
pra casa da mãe voltou.
Mas o problema da fome
assim não solucionou.
Não teve outra saída:
na prostituição entrou.

Ficava noites inteiras
rodando pelo Leblon
para apanhar rapazinhos
que sempre pagavam algum
e que não tinham o bastante
pra frequentar o bas-fond.

Até que um dia encontrou
um rapaz que gostou dela
que se chamava Simão
e morava na favela.
Decidiram viver juntos
e a vida ficou mais bela.

Bela como pode ser
a vida de um favelado
morando em cima da lama
num barraco esburacado
trabalhando noite e dia
por um mísero ordenado.

Mas Simão e Aparecida
um ao outro se ampararam.
Com as durezas da favela
de há muito se habituaram:
uniram suas duas vidas
e depressa se gostaram.

Ela lavava pra fora
e cuidava do filhinho
que, de mal alimentado,
era magro e doentinho
mas que dela merecia
todo desvelo e carinho.

Simão, que era operário,
trabalhava numa usina.
Gastava sua mocidade
numa soturna oficina
onde o serviço é pesado
e o dia nunca termina.
Mas o amor de Aparecida
viera abrandar-lhe a sina.

Simão ganhava tão pouco
que mal dava pra comer,
menos que o salário mínimo
que está na lei pra inglês ver...
Nem sempre tinha jantar
nem o que dar de beber
ao menino que chorava
sem poder adormecer.

Aparecida e Simão
deitados ali do lado
ouviam o choro do filho
fraquinho e desesperado
que já no berço sentia
o peso cruel e injusto
desse mundo desgraçado.

E eis que um dia Simão
participou de uma greve.
Veio a noite e Aparecida
dele notícia não teve.
Os companheiros disseram
que a policia o deteve.
Ela correu à polícia
mas ali nada obteve.

Voltou chorando pra casa
sem saber o que fazer.
Debruçada na janela
viu o dia amanhecer:
um dia claro mas triste
como se fosse chover.

Sentia-se desemparada
naquela casa vazia.
Por que duravam tão pouco
suas horas de alegria?
Se Simão não mais voltasse
o que é que ela faria?

Esperou que ele voltasse.
Os dias passaram em vão.
O menino já chorava
sem ter alimentação.
Ela já nem escutava
tamanha a sua aflição.

Quase imóvel, dia e noite,
ficou assim na janela
à espera de que Simão
voltasse outra vez pra ela
fazendo o seu coração
sentir que a vida era bela,
por pouco que fosse o pão,
triste que fosse a favela.

Quanto tempo se passara?
Quanto dia se apagou?
Até o menino calara,
até o vento parou.
Aparecida repara
que alguma coisa acabou.

Era uma coisa tão clara
que ela própria se assustou.
Por que calara o menino?
Que mão nova o afagou?
E sobre o corpinho inerte
chorando ela se atirou...

Chamava-se Aparecida
e chorava ali sozinha.
Mal chegara aos 15 anos
a idade que ela tinha.
Chorava o seu filho morto
e a sua vida mesquinha.
Uma criança chorando
sobre outra criancinha.

Fpi assim que Aparecida
sem pensar e sem saber
derramou álcool na roupa
pra logo o fogo acender.
E feito uma tocha humana
foi pela rua a correr
gritando de dor e medo
para adiante morrer.

Acaba aqui a história
dessa moça sem cartaz
que ficaria esquecida
como todas as demais
histórias de gente humilde
que noticiam os jornais.
Pra concluir te pergunto:
Quem matou Aparecida?
Quem foi que armou seu braço
pra dar cabo da vida?
Foi ela que escolheu isso
ou a isso foi conduzida?
Se a vida a conduziu
quem conduziu sua vida?

Por que existem favelas?
Por que há ricos e pobres?
Por que uns moram na lama
e outros vivem como nobres?
Só te pergunto estas coisas
para ver se tu descobres.

Se não descobres te digo
para que possas saber:
o mundo assim dividido
não pode permanecer.
Foi esse mundo que mata
uma criança ao nascer,
que negou à Aparecida
o direito de viver.
Quem ateou fogo às vestes
dessa menina infeliz
foi esse mundo sinistro
que ela nem fez nem quis
- que deve ser destruído
pro povo viver feliz.
História de uma favelada
que ateou fogo às vestes

Aparecida, esta moça
cuja história vou contar,
não teve glória nem fama
de que se possa falar.
Não teve nome distinto:
criança brincou na lama,
fez-se moça sem ter cama,
nasceu na Praia do Pinto,
morreu no mesmo lugar.

Praia do Pinto é favela
que fica atrás do Leblon.
O povo que mora nela
é tão pobre quanto bom:
cozinha sem ter panela,
namora sem ter janela,
tem por escola a miséria
e a paciência por dom.

No dia que a paciência
do favelado acabar,
que ele ganhar consciência
para se unir e lutar,
seu filho terá comida
e escola para estudar.
Terá água, terá roupa,
terá casa pra morar.
No dia que o favelado
resolver se libertar.

Mas a nossa Aparecida
chegou cedo por demais,
por isso perdeu a vida
que ninguém lhe dará mais.
É sua história esquecida
de poucos meses atrás,
e essa vida perdida
de uma moça sem cartaz
que está aqui pra ser lida
porque nela está contida
a lição que aprenderás.

Já bem cedo Aparecida
trabalhava pra comer:
vendia os bolos que a mãe
fazia pra ela vender;
carregava baldes d'água
para banhar e beber.
Comida pouca e água suja
que até dá raiva dizer.

Da porta de seu barraco,
de zinco e madeira velha,
olhava o mundo dos ricos
com suas casas de telha.
Os blocos de apartamento
quase tocando no céu
dos quais nem em pensamento
um deles seria seu.

Daquele chão de monturo,
via o mundo dividido:
Do lado de cá, escuro,
e do lado de lá, colorido.
À sua volta a pobreza,
a fome, a doença, a morte;
e ali adiante a riqueza
dos que tinham melhor sorte.
Nossa Aparecida achava
que tinha era dado azar
porque ela ignorava
que o mundo pode mudar.

Já conhecia a cidade
da gente limpa e bonita,
meninas de sua idade
de seda e laço de fita.
Gente que anda de carro,
vive em boate e cinema,
que nunca pisou no barro,
que não conhece problema,
que pensa que o Rio é mesmo
Copacabana e Ipanema.

Que pensa ou finge pensar.
Porque se chega à janela,
se dá um giro, vê logo
o casario da favela,
a marca mais evidente
desta sociedade ingrata,
que a terça parte do Rio
mora em barracos de lata.

E assim foi que Aparecida
se tornou uma mocinha.
Falou pra mãe que queria
ganhar uma criancinha.
Já que boneca era caro
e dinheiro ela não tinha,
ter um filho era mais fácil
dela conseguir sozinha.

"Sozinha ninguém consegue!",
disse-lhe a mãe já com medo.
"Tira isso da cabeça,
ter filho não é brinquedo.
Favelada que tem filho
acaba a vida mais cedo".

Não podia Aparecida
entender essa verdade.
Queria ter um bebê
para cuidar com bondade,
para vestir bonitinho
como os que viu na cidade.

Tanto falou no desejo
de ter uma criancinha
que um dia uma lavadeira
que era sua vizinha
prometeu falar na casa
de um tal de dr. Vinhas,
casado com dona Rosa,
que ganhara uma filhinha.

Foi assim que Aparecida
mudou-se para Ipanema.
O ordenado era pouco
mas resolvia o problema.
Deixou a Praia do Pinto
e venceu o seu dilema:
ganhou um bebê bonito
cheirando a talco e alfazema.
Quando saiu com o embrulho
(dois vestidos e um espelho
redondo, de propaganda)
a mãe lhe deu um conselho:
"Veja lá por onde anda.
Cuidado com homem velho
e português de quiranda.
Pra rico é fácil ter filho;
pra pobre, a vida desanda".

Mas Aparecida estava
entregue a sua alegria.
Só pensava na menina
de que ela cuidaria,
a boneca de verdade
que ela enfim ganharia.
E assim passou cantando
aquele primeiro dia.

Foi muito bem recebida
pela patroa e o patrão.
Ganhou um quarto pequeno
e uma cama de colchão.
Quarto escuro, colchão duro,
mas como querer melhor
quem sempre dormiu no chão?

A vida de Aparecida
corria tranquila e bela.
Ainda por cima seu Vinhas
simpatizava com ela,
indagava de sua vida
e das coisas da favela.

Um dia pegou-lhe o braço
e puxou-a para si.
Lhe disse: "Me dá um abraço,
que eu gosto muito de ti".
Largou-a ao ouvir os passos
de alguém que vinha pra ali.

Mas de noite ele voltou.
Deitou-se ao lado dela
e ela não se incomodou.
Passou a mão nos seus peitos,
e Aparecida gostou.
Deitou-se por cima dela
e suas calças tirou.
Aparecida nem lembra
o que depois se passou.
E tanto se repetiu
que ela até se habituou.

Mas lá um dia a patroa
abriu a porta e os pegou.
Já era de manhã cedo,
Vinhas quase desmaiou.
A mulher fez que não viu,
tranuilamente falou:
"Compre-me um litro de leite,
pois o leiteiro atrasou".

Aparecida saiu
sem saber o que fazer.
Quando voltou, no seu quarto
tinha coisa pra se ver:
a patroa já chamara
um guarda para a prender.
"Ela roubou estas jóias,
que nem bem soube esconder" -
disse mentindo a patroa.
Aparecida foi presa
sem nada poder dizer.

Para o SAM foi conduzida
depois de muito apanhar.
Um dia ali esquecida
começou a reparar
que em sua entranha uma vida
começara a despertar.
Quando o guarda da prisão
descobriu-lhe a gravidez,
foi dizer à Direção,
que a retirou do xadrez
para evitar complicação.
"Vá se embora, sua puta,
chega de aporrinhação".

Aparecida voltou
pro barraco da favela.
A mãe estava doente
sem saber notícia dela.
Cuidou da mãe como pôde
e conseguiu se empregar.
Trabalhou até que um dia
numa fila de feijão
perdeu as forças, caiu,
e teve o filho no chão.
Da casa onde trabalhava
logo foi mandada embora.
"Empregada que tem filho
não serve, que filho chora".

Em outras casas bateu
mas de nada adiantou.
Depois de muito vagar,
pra casa da mãe voltou.
Mas o problema da fome
assim não solucionou.
Não teve outra saída:
na prostituição entrou.

Ficava noites inteiras
rodando pelo Leblon
para apanhar rapazinhos
que sempre pagavam algum
e que não tinham o bastante
pra frequentar o bas-fond.

Até que um dia encontrou
um rapaz que gostou dela
que se chamava Simão
e morava na favela.
Decidiram viver juntos
e a vida ficou mais bela.

Bela como pode ser
a vida de um favelado
morando em cima da lama
num barraco esburacado
trabalhando noite e dia
por um mísero ordenado.

Mas Simão e Aparecida
um ao outro se ampararam.
Com as durezas da favela
de há muito se habituaram:
uniram suas duas vidas
e depressa se gostaram.

Ela lavava pra fora
e cuidava do filhinho
que, de mal alimentado,
era magro e doentinho
mas que dela merecia
todo desvelo e carinho.

Simão, que era operário,
trabalhava numa usina.
Gastava sua mocidade
numa soturna oficina
onde o serviço é pesado
e o dia nunca termina.
Mas o amor de Aparecida
viera abrandar-lhe a sina.

Simão ganhava tão pouco
que mal dava pra comer,
menos que o salário mínimo
que está na lei pra inglês ver...
Nem sempre tinha jantar
nem o que dar de beber
ao menino que chorava
sem poder adormecer.

Aparecida e Simão
deitados ali do lado
ouviam o choro do filho
fraquinho e desesperado
que já no berço sentia
o peso cruel e injusto
desse mundo desgraçado.

E eis que um dia Simão
participou de uma greve.
Veio a noite e Aparecida
dele notícia não teve.
Os companheiros disseram
que a policia o deteve.
Ela correu à polícia
mas ali nada obteve.

Voltou chorando pra casa
sem saber o que fazer.
Debruçada na janela
viu o dia amanhecer:
um dia claro mas triste
como se fosse chover.

Sentia-se desemparada
naquela casa vazia.
Por que duravam tão pouco
suas horas de alegria?
Se Simão não mais voltasse
o que é que ela faria?

Esperou que ele voltasse.
Os dias passaram em vão.
O menino já chorava
sem ter alimentação.
Ela já nem escutava
tamanha a sua aflição.

Quase imóvel, dia e noite,
ficou assim na janela
à espera de que Simão
voltasse outra vez pra ela
fazendo o seu coração
sentir que a vida era bela,
por pouco que fosse o pão,
triste que fosse a favela.

Quanto tempo se passara?
Quanto dia se apagou?
Até o menino calara,
até o vento parou.
Aparecida repara
que alguma coisa acabou.

Era uma coisa tão clara
que ela própria se assustou.
Por que calara o menino?
Que mão nova o afagou?
E sobre o corpinho inerte
chorando ela se atirou...

Chamava-se Aparecida
e chorava ali sozinha.
Mal chegara aos 15 anos
a idade que ela tinha.
Chorava o seu filho morto
e a sua vida mesquinha.
Uma criança chorando
sobre outra criancinha.

Fpi assim que Aparecida
sem pensar e sem saber
derramou álcool na roupa
pra logo o fogo acender.
E feito uma tocha humana
foi pela rua a correr
gritando de dor e medo
para adiante morrer.

Acaba aqui a história
dessa moça sem cartaz
que ficaria esquecida
como todas as demais
histórias de gente humilde
que noticiam os jornais.
Pra concluir te pergunto:
Quem matou Aparecida?
Quem foi que armou seu braço
pra dar cabo da vida?
Foi ela que escolheu isso
ou a isso foi conduzida?
Se a vida a conduziu
quem conduziu sua vida?

Por que existem favelas?
Por que há ricos e pobres?
Por que uns moram na lama
e outros vivem como nobres?
Só te pergunto estas coisas
para ver se tu descobres.

Se não descobres te digo
para que possas saber:
o mundo assim dividido
não pode permanecer.
Foi esse mundo que mata
uma criança ao nascer,
que negou à Aparecida
o direito de viver.
Quem ateou fogo às vestes
dessa menina infeliz
foi esse mundo sinistro
que ela nem fez nem quis
- que deve ser destruído
pro povo viver feliz.


Literatura de Cordel quarta, 03 de abril de 2019

JOÃO BOA-MORTE. CABRA MARCADO PARA MORRER (FOLHETO DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

JOÃO BOA-MORTE

CABRA MARCADO PARA MORRER

Ferreira Gullar

 

 

Vou contar para vocês
um caso que sucedeu
na Paraíba do Norte
com um homem que chamava
Pedro João Boa-Morte
lavrador da Chapadinha:
talvez tenha boa morte
porque vida ele não tinha.

Sucedeu na Paraíba
mas é uma historia banal
em todo aquele Nordeste.
Podia ser no Sergipe,
Pernambuco ou Maranhão,
que todo cabra-da-peste
ali se chama João
Boa-Morte, vida não.

Morava João nas terras
de um coronel muito rico,
tinha mulher e seis filhos,
um cão que chamava “Chico”,
um facão de cortar mato,
um chapéu e um tico-tico.

Trabalhava noite e dia
nas terras do fazendeiro,
mal dormia, mal comia,
mal recebia dinheiro;
se não recebia não dava
para acender o candeeiro.
João não sabia como
fugir desse cativeiro.

Olhava pra’s crianças
de olhos cavados de fome,
já consumindo a infância
na dura faina da roça.
Sentia um nó na garganta.
Quando uma delas almoçava
as outras não, a que janta
no outro dia não almoça.

Olhava para Maria,
sua mulher, que a tristeza
na luta de todo o dia
tão depressa envelheceu.
Perdera toda a alegria
perdera toda a beleza
e era tão bela no dia
que João a conheceu.

Que diabo tem nesta terra,
neste Nordeste maldito,
que mata como uma guerra
tudo que é bom e bonito?
Assim João perguntava
para si mesmo e lembrava
que a tal guerra não matava
o coronel Benedito!

Essa guerra do Nordeste
não mata quem é doutor
não mata quem é dono de engenho,
só mata cabra-da-peste
só mata o trabalhador.
O dono do engenho engorda,
vira logo senador.

Não faz um ano que os homens
que trabalham na fazenda
do coronel Benedito
tiveram com ele um atrito
devido ao preço da venda.
O preço do ano passado
já era tão baixo e no entanto
o coronel não quis dar
o novo preço ajustado.

João e seus companheiros
não gostaram da proeza:
se o novo preço não dava
para garantir a mesa,
aceitar preço mais baixo
já era muita fraqueza.
“Não vamos voltar atrás.
Prescisamos de dinheiro,
se o coronel não dá mais
vendemos nosso produto
para outro fazendeiro”.

Com o coronel foram ter
mas quando comunicaram
que a outro iam vender
o cereal que plantaram,
o coronel respondeu:
“Ainda está para nascer
um cabra pra fazer isso.
Aquele que se atrever
pode rezar, vai morrer,
vai tomar chá de sumiço.”
O pessoal se assustou.
Sabiam que o fazendeiro
não brinca com lavrador.
Se quem obedece morre
de fome e desespero,
quem não obedece corre
ou vira “cabra morredor.”

Só um deles se atreveu
a vender seu cereal.
Noutra fazenda vendeu
mas vendeu e se deu mal.
Dormiu mas não amanheceu.
Foram encontrá-lo enforcado
de manhã num pé de pau.
Debaixo do morto estava
um cabra do Benedito
que dizia a quem passava:

“Esse moleque maldito
pensou que desrespeitava
o que o patrão tinha dito.
Toda planta que aqui nasce
é planta do coronel,
ele manda nesta terra
como Deus manda no céu.
Quem estiver descontente
acho melhor não falar
ou fale e depois se agüente
que eu mesmo venho enforcar.”

João ficou revoltado
com aquele crime sem nome.
Maria disse: “Cuidado,
não te mete com esse homem.”
João respondeu zangado:
“Antes morrer enforcado
do que sucumbir de fome.”

Nisso pensando, João
falou com seus companheiros:
“Lavradores, meus irmãos,
esta nossa escravidão
tem que ter um paradeiro.
Não temos terra, nem pão,
vivemos em um cativeiro.
Livremos nosso sertão
do jugo do fazendeiro.”

O coronel Beneditino
quando soube que João
tais coisas havia dito
ficou bravo como o cão.
Armou dois “cabras” e disse:
– “João Boa-Morte não presta,
não quero na minhas terras
caboclo metido a besta.”

“Vou Lhe dar uma lição.
Ele quer terra, não é?
Pois vai ganhar o sertão.
Vai ter de andar a pé
desde aqui ao Maranhão.
Quando virar vagabundo
vai ter de baixara a crista.
Vou avisar todo mundo
que esse cabra é comunista.
Quem mexe com o Benedito
bem caro tem de pagar.
Ninguém lhe dará um palmo
de terra pra trabalhar.”

Se assim disse, assim fez.
João foi mandado embora
de seu casebre pacato.
Disse a Maria: ” – Não Chora,
todo patrão é ingrato.”
E saíram mundo afora,
ele, Maria, os seis filhos
e o facão de cortar mato.

Andaram o resto do dia
e quando a noite caía
chegaram numa fazenda:
“- Seu doutor, tenho família,
sou homem trabalhador.
Me ceda um palmo de terra
pra eu trabalhar pro senhor.”

Ao que o doutor respondeu:
“Terra aqui tenho sobrando,
todo este baixão é meu.
Se planta e colhe num dia,
pode ficar trabalhando.”
“- Seu coronel, me desculpe,
mas eu não sei fazer isso.
Quem planta e colhe num dia,
não planta, faz feitiço.”
“- Neste caso, não discuta,
acho melhor ir andando.”

E lá se foi Boa-Morte
com a mulher e os seis meninos.
Talvez eu tenha mais sorte
na fazenda dos Quintinos.”
Andaram rumo do Norte,
para além da Várzea dos Sinos:
“- Coronel, morro de fome
com seis filhos e a mulher.
Me dê trabalho, sou homem
para o que der e vier.”

E o coronel respondeu:
“- Trabalho tenho de sobra.
E se é homem como diz
quero que me faça agora
esta raiz virar cobra
e depois virar raiz.
Se isso não faz, vá-se embora.”

João saiu com a família
num desespero sem nome.
Ele, os filhos e Maria
estavam mortos de fome.
Que destino tomaria?
Onde iria trabalhar?
E à sua volta ele via
terra e mais terra vazia,
milho e cana a verdejar.

O sol do sertão ardia
sobre os oito a caminhar.
Sem esperança de um dia
ter um canto pra ficar,
à sua volta ele via
terra e mais terra vazia
milho e cana a verdejar.

E assim, dia após dia,
andaram os oito a vagar,
com uma fome que doía
fazendo os filhos chorar,
mas o que mais lhe doía
era, com fome e sem lar,
ver tanta terra vazia
tanta cana a verdejar.

Era ver terra e ver gente
daquele mesmo lugar,
amigos, quase parentes,
que não podiam ajudar,
que se lhe dessem pousada
caro tinha que pagar.
O que o coronel ordena
é bom não contrariar.

A muitas fazendas foram,
sempre o mesmo resultado.
Mundico, o filho mais moço,
parecia condenado.
Pra respirar era um esforço,
só andava carregado.
“- Mundico, tu ta me ouvindo?”
Mundico estava calado.

Mundico estava morrendo,
coração quase parado.
Deitaram o pobre no chão,
no chão com todo cuidado.
Deitaram e ficaram vendo
morrer o pobre coitado.

“- Meu filho”, gritou João,
se abraçando com o menino.
Mas de Mundico restava
somente o corpo franzino.
Corpo que não precisava
nem de pai nem de pão,
que precisava de chão
que dele não precisava.

Enquanto isso ali perto
detrás de uma ribanceira,
três cabras com tiro certo
matavam Pedro Teixeira,
homem de dedicação
que lutara a vida inteira
contra aquela exploração.
Pedro Teixeira lutara
ao lado de Julião
falando aos caboclos para
dar melhor compreensão
e uma Liga organizara
pra lutar contra o patrão,
pra acabar com o cativeiro
que exista na região,
que conduz ao desespero
toda uma população
onde só o fazendeiro
tem dinheiro e opinião.

Essa não foi a primeira
morte de encomenda
contra um líder camponês.
Outros foram assassinados
pelos donos da fazenda.
Mas cada Pedro Teixeira
que morre, logo aparece
mais um, mais quatro, mais seis
– que a luta não esmorece
agora que o camponês,
cansado de fazer prece
e de votar em burguês,
se ergue contra a pobreza
e outra voz já não escuta,
só a voz que chama pra luta
– voz da Liga Camponesa.

Mas João nada sabia
no desespero em que estava,
andando aquele caminho
onde ninguém o queria.
João Boa-Morte pensava
que se encontrava sozinho
e que sozinho morreria.

Sozinho com cinco filhos
e sua pobre Maria
em cujos olhos o brilho
da morte se refletia.
Já não havia esperança,
iam sucumbir de fome
ele, Maria e as crianças.
Naquela terra querida,
que era sua e não era,
onde sonhara com a vida
mas nunca viver pudera,
ia morrer sem comida
aquele de cuja lida
tanta comida nascera.

Aquele de cuja mão
tanta semente brotara,
que filho daquele chão,
aquele chão fecundara;
e assim se fizera homem
para agora, como um cão,
morrer, com os filhos, de fome.

E assim foi que Boa-Morte
quando chegou a Sapé,
desiludido da sorte,
certo que ia morrer,
decidiu que aquele dia
antes da aurora nascer
os cinco filhos mataria
e mataria a mulher
depois se suicidaria
para acabar de sofrer.

Tomada essa decisão
sentiu que uma paz sofrida
brotava em seu coração.
Era uma planta perdida,
uma flor de maldição
nascendo de sua mão
que sempre plantara a vida.

Seus olhos se encheram d’água.
Nada podia fazer.
Pra quem vive na mágoa,
mágoa menor é morrer.
Que sentido tem a vida
pra quem não pode viver?
Pra quem plantando e colhendo
não tem direito a comer?
Pra que ter filhos, se os filhos
na miséria vão morrer?
É preferível matá-los
aqueles que os fez nascer.

Chegando a um lugar deserto
pararam para dormir.
Deitaram todos no chão
sem nada para se cobrir.
Quando dormiam João
levantou-se devagar
pegando logo o facão
com que os ia degolar.

João se julgava sozinho
perdido na escuridão
sem ter ninguém para ajudá-lo
naquela situação.
Sem amigo e sem carinho
amolava o seu facão
pra matar a família
e varar seu coração.

Mas como um louco atrás dele
andava Chico Vaqueiro,
um lavrador como ele
como ele sem dinheiro
para levá-lo para a Liga
e lhe dar um paradeiro
para que assim ele siga
o caminho verdadeiro.
Pra dizer-lhe que a luta
só agora vai começar,
que ele não estava sozinho
não devia se matar.
Devia se unir aos outros
para com os outros lutar.
Em vez de matar os filhos
devia era os libertar
do jugo do fazendeiro
que já começa a findar.

E antes que Boa-Morte,
levado pela aflição,
em seis peitos diferentes
varasse o seu coração,
Chico Vaqueiro chegou:
“- Compadre, não faça isso
não mate quem é inocente.
O inimigo da gente
– lhe disse Chico Vaqueiro –
não são os nossos parentes,
o inimigo da gente
é o coronel fazendeiro.

O inimigo da gente
é o latifundiário
que submete a nós todos
a esse cruel calvário.
Pense um pouco meu amigo
não vá seus filhos matar.
É contra aquele inimigo
que nós devemos lutar.
Que culpa tem seus filhos?
Culpa de tanto penar?
– Vamos mudar o sertão
pra vida deles mudar.”
Enquanto Chico falava
no rosto magro de João
uma nova luz chegava.
E já a aurora, do chão,
de Sapé, se levantava.

E assim se acaba uma parte
da história de João.
A outra parte da história
vai tendo continuação
não neste palco de rua,
mas no palco do sertão.
os personagens são muitos
e muita a sua aflição.
Já vão compreendendo
como compreendeu João,
que o camponês vencerá
pela força da união.
Que é entrando para as Ligas
que lê derrota o patrão,
que o caminho da vitória
está na Revolução!


Literatura de Cordel quarta, 27 de março de 2019

E TUDO VEM A SER NADA (FOLHETO DE SILVINO PIRAUÁ)

E TUDO VEM A SER NADA

Silvino Pirauá

Tanta riqueza inserida
Por tanta gente orgulhosa
Se julgando poderosa
No curto espaço da vida
Oh! que idéia perdida
Oh! que mente tão errada
Dessa gente que enlevada
Nessa fingida grandeza
Junta montões de riqueza
E tudo vem a ser nada

Vemos um rico pomposo
Afetando gravidade
Ali só reina bondade
Nesse mortal orgulhoso
Quer se fazer caprichoso
Vive de venta inchada
Sua cara empantufada
Só apresenta denodos
Tem esses inchaços todos
E tudo vem a ser nada

Trabalha o homem, peleja
Mesmo a ponto de morrer
É somente para ter
Que ele se esmoreja
Às vezes chove troveja
E ele nessa enredada
Alguns se põem na estrada
À lama, ao sol ao chuveiro
Ajuntam muito dinheiro
E tudo vem a ser nada

Temos palácios pomposos
Dos grandes imperadores
Ministros e senadores
E mais vultos majestosos
Temos papas virtuosos
De uma vida regrada
Temos também a espada
De soberbos generais
Comandantes, marechais
E tudo vem a ser nada

Honra, grandeza, brazões
Entusiasmos, bondades
São completas vaidades
São perfeitas ilusões
Argumentos, discussões
Algazarra, palavrada
Sinagoga, caçoada
Murmúrios, tricas, censura
Muito tem a criatura
E tudo vem a ser nada

Vai tudo numa carreira
Envelhece a mocidade
A avareza e a vaidade
E quer queira ou não queira
Tudo se torna em poeira
Cá nesta vida cansada
É uma lei promulgada
Que vem pela mão divina
O dever assim destina
E tudo vem a ser nada

Formosuras e ilusões
Passatempos e prazeres
Mandatos, altos poderes
De distintos figurões
Cantilenas de salões
E festa engalanada
Virgem donzela enfeitada
No goso de namorar
Mancebos a flautear
E tudo vem a ser nada

Lascivas, depravações
Na imoral petulância
São enlevos da infância
São infames corrupções
São fingidas seduções
Que faz a dama enfeitada
Influi-se a rapaziada
Velhos também de permeio
E vivem nesse paleio
E tudo vem a ser nada

Bailes, teatros, festins
Comédia, drama, assembléia
Clube, liceu, epopéia
Todos aguardam seus fins
Flores, relvas e jardins
Festas com grande zuada
Oiteiro e campinada
Frondam copam e florescem
Brilha, luzem, resplandecem
E tudo vem a ser nada

O homem se julga honrado
Repleto de garantia
De brasões e fidalguia
É ele considerado
Mas quanto está enganado
Nesta ilusória pousada
Cá nesta breve morada
Não vemos nada imortal
Temos um ponto final
E tudo vem a ser nada

Tudo quanto se divisa
Neste cruento torrão
As árvores, a criação
Tudo enfim se finaliza
Até mesmo a própria brisa
Soprando a terra escarpada
Com força descompassada
Se transformando em tufão
Deita pau rola no chão
E tudo vem a ser nada

Infindo só temos Deus
Senhor de toda grandeza
Dos céus e da natureza
De todos os mundos seus
Do Brasil, dos Europeus
Da terra toda englobada
Até mesmo da manada
Que vemos no arrebol
Nuvem, lua estrela e sol
Tudo mais vem a ser nada.


Literatura de Cordel quarta, 20 de março de 2019

HISTÓRIA DE ZEZINHO E MARIQUINHA (FOLHETO DE SILVINO PIRAUÁ) DECLAMAÇÃO


Literatura de Cordel quarta, 13 de março de 2019

CAMISINHAS PARA TODOS (FOLHETO DE JOSÉ JOÃO DOS SANTOS, O MESTRE AZULÃO)

CAMISINHAS PARA TODOS

José João dos Santos, o Mestre Azulão

AIDS é uma moléstia
De temeridade imensa
Você vê televisão?
Ouve rádio, lê imprensa?
Não fique aí de joelhos
Tome logo meus conselhos
Para evitar a doença

AIDS não pega no beijo
Nem num aperto de mão
É transmitida no sangue
Através da transfusão
Ou na extração de dente
Se usar de um doente
A agulha da injeção

Criança também tem AIDS
Transmitida pelos pais
Vítimas duma transfusão
Ou farras e bacanais
Mata, avião, trem e carro
Apesar que o cigarro
Está matando muito mais

Você tem uma mulher
Formosa igualmente Lua
Porém não se satisfaz
Ainda quer mulher da rua
Ou transa com a vizinha
Use uma camisinha
Pra não transmitir pra sua

Amantes e namorados
Ouçam bem o que lhes digo
Podem beijar, abraçar,
Chupar da cara ao umbigo
Seja fêmea, seja macho
Só do umbigo pra baixo
É que começa o perigo

Até mesmo os astronautas
Que conheceram grande parte
do Cosmo, em viagem a lua
Mostrando façanha e arte
Viram planetas pequenos,
Usam camisa de Vênus
Antes de chegarem à Marte

Um fazendeiro baiano
Que mora em Alagoinhas
Quando leu pelos jornais
Comprou dez mil camisinhas
Até pra bois e cavalos
Principalmente pros galos
Que transam com mil galinhas

Esse também tem um jegue
Reprodutor violento
E está preocupado
Com a vida do jumento
Vai fazer o jegue usar
Camisa, pra não pegar
AIDS a qualquer momento

Uma garota me disse
Porém me pediu um segredo
Que apesar de donzela
Da AIDS tem muito medo
Vai comprar a camisinha
Pra quando ficar sozinha
Usar na ponta do dedo

Se não criarem uma droga
Que salva a humanidade
A AIDS vai provocar
Uma grande mortandade
Pior que a segunda guerra
De todos os povos da terra
Vai morrer mais da metade

Quando aproximar-se o fim
Diz a sagrada escritura
Vem a desobediência
Guerra, nudez e loucura
O povo em Deus perde a crença
E aparecerá a doença
Que a medicina não cura

O povo está corrompido
No tóxico, sexo, no vício
Ódio, maldade e ganância
Gerando guerra e suplício
O mundo está num vulcão
Com toda população
Na beira do precipício

Satanás plantou no mundo
Sua semente do mal
Inventando toda espécie
de vício sexual
Vem aí por recompensa
Desconhecida doença
Pra destruição total

Não adianta conselho
De pastor, Papo de Roma
Essa geração perdida
Ouve o conselho e não toma
Essa gente corrompida
Vai ser toda destruída
Como o povo de Sodoma

Somente imoralidade
Toma corpo e continua
Mulher de bunda de fora
Na televisão, na rua,
Não existe mais pudor
Pra esses só tem valor
Pederasta e mulher nua

Os nossos filhos não podem
Assistir televisão
Porque em todos canais
Só tem esculhambação
Casal nu e cena louca
Chupando a língua e a boca
Ensinando a perdição

A televisão foi feita
Pra nos mostrar coisa pura
Ensinar aos nossos filhos
Patriotismo e cultura
Porém da roça e a cidade
Só mostra imoralidade
Livre de toda censura

Devassidão, crime e roubo
Televisão tudo tem
Trazidas pelas imagens
Que pros nosso lares vêm
Violência em todo estilo
A criança vê aquilo
Depois vai fazer também

Ensina moça andar nua
Mulher trair o marido
Garota aprender o sexo
Garoto virar bandido
Nessa transação imensa
De crime, tóxico e doença
Deixou o mundo perdido

Deus lá de cima está vendo
Na terra tanta maldade
Permite que aconteça
Uma grande mortandade
Pra esse povo perdido
Devassado e corrompido
Se acabar mais da metade

Está aí o exemplo
Da AIDS com seu efeito
Se espalhando no mundo
Matando a torto e a direito
Diz o rádio e a imprensa
Que essa infernal doença
Não há médico que dê jeito

Os maiores cientistas
Estão tentando descobrir
Um remédio para a AIDS
Parar ou diminuir
Mil esforços estão fazendo
E cada estão vendo
A doença progredir

Testes com milhões de plantas
Fazem nos laboratórios
Sangue e peles de animais
Mas são testes provisórios
Depois de analisados
Não acharam resultados
De cunhos satisfatórios

Estão firmes no propósito
De descobrir num segundo
Uma droga positiva
Que tenha efeito profundo
Enquanto não acontece
A AIDS se estende e cresce
Por toda parte do mundo

E o número de doentes
Todo o dia está crescendo
Uns andando pela rua
Uns em coma, outros morrendo
Por aí tem muita gente
Que está em casa doente
De AIDS e nem está sabendo

Quem é rico gasta muito
Pra mais uns dias viver
Tomando remédios caros
Mas o pobre sem poder
Fica gemendo e chorando
Lá numa cama esperando
Só a hora de morrer

Se descobrirem um remédio
Que cure com resultado
Quem compra é capitalista
Milionário e potentado
Só cura o doente nobre
E o miserável do pobre
Tem é que morrer lascado

É como diz a piada
Do humorista jocoso
Na terra vale quem tem
Por ser rico e poderoso
E diz quando se sacode
Rico vive porque pode
Pobre vive de teimoso

Já dei minha opinião
Ao leitor que me entender
Zombar de ninguém não quero
Uma coisa eu quis dizer
Lembre meu leitor amado
Aquele velho ditado
O pobre vem pra sofrer


Literatura de Cordel quarta, 06 de março de 2019

O SABIDO SEM ESTUDO (FOLHETO DE MANOEL CAMILO DOS SANTOS)

 

O SABIDO SEM ESTUDO

Manoel Camilo dos Santos

 

Deus escreve em linhas tortas
Tão certo chega faz gosto
E fez tudo abaixo dele
Nada lhe será oposto
Um do outro desigual
Por isto o mundo é composto

Vejamos que diferença
Nos seres do Criador
A águia um pássaro tão grande
Tão pequeno um beija-flor
A ema tão corredeira
E o urubu tão voador

Vê-se a lua tão formosa
E o sol tão carrancudo
Vê-se um lajedo tão grande
E um seixinho tão miúdo
O muçu tão mole e liso
O jacaré tão cascudo

Vê-se um homem tão calado
Já outro tão divertido
Um mole, fraco e mofino
Outro valente e atrevido
Às vezes um rico tão tolo
E um pobre tão sabido

É o caso que me refiro
De quem pretendo contar
A vida d’um homem pobre
Que mesmo sem estudar
Ganhou o nome de sábio
E por fim veio a enricar

Esse homem nunca achou
Nada que o enrascasse
Problema por mais difícil
Nem cilada que o pegasse
Quenguista que o iludisse
Questão qu’ele não ganhasse

Era um tipo baixo e grosso
Musculoso e carrancudo
Não conhecia uma letra
Porém sabia de tudo
O povo o denominou
O Sabido Sem Estudo…

Um dia chegou-lhe um moço
Já em tempo de chorar
Dizendo que tinha dado
Cem contos para guardar
Num hotel e o hoteleiro
Não quis mais o entregar

O Sabido Sem Estudo
Disse: – isto é novidade?
Se quer me gratificar
Vamos lá hoje d etarde
Se ele entregar disse o moço:
– Dou ao senhor a metade

O Sabido Sem Estudo
Disse: – você vá na frente
Que depois eu vou atrás
Quando eu chegar se apresente
Faça que não me conhece
Aí peça novamente

O Sabido Sem Estudo
Logo assim que lá chegou
Falou com o hoteleiro
Este alegre o abraçou
O rapaz nesse momento
Também se apresentou

O Sabido Sem Estudo
Disse: – Eu quero me hospedar
Me diga se a casa é séria
Pois eu preciso guardar
Quinhentos contos de réis
Pra depois vir procurar

Respondeu o hoteleiro:
– Pois não, a casa é capaz
Agora mesmo eu já ia
Entregar a este rapaz
Cem contos que guardei dele
Há pouco dias atrás

Nisto o dono do hotel
Entrou e saiu ligeiro
Com um pacote, disse ao moço:
– Pronto amigo, seu dinheiro
Confira que está certo
Pois sou homem verdadeiro

Aí o Sabido disse:
– Ladrão se pega é assim
Você enganou o tolo
Mas foi lesado por mim
Vou metê-lo na polícia
Ladrão, safado, ruim

O hoteleiro caiu
Nos pés dele lhe rogando:
– Ó meu senhor não descubra
Disse ele: – só me dando
A metade do dinheiro
Que você ia roubando

O hoteleiro prevendo
A derrota em que caía
Além de ir pra cadeia
Perder toda freguesia
Teve que gratificar-lhe
Se não ele descobria

Foi ver os cinqüenta contos
No mesmo instante lhe deu
Outros cinqüenta do moço
Ele também recebeu
E disse: – nestas questões
Quem ganha sempre sou eu

E assim correu a fama
Do Sabido Sem Estudo
Quando ele possuía
Um cabedal bem graúdo
O rei logo indignou-se
Quando lhe contaram tudo

Disse o rei: – e esse homem
Sem nada ter estudado
Vive de vencer questão?
Isso é pra advogado
Vou botá-lo num enrasque
Depois o mato enforcado

O rei mandou o chamar
E disse: – eu quero saber
Se o senhor é sabido
Como ouço alguém dizer
Vou decidir sua sorte
Ou enricar ou morrer

Você agora vai ser
O médico do hospital
E dentro de quatro dias
Tem que curar afinal
Os doentes que lá estão
De qualquer que seja o mal

Se você nos quatro dias
Deixar-me tudo curado
De forma que fique mesmo
O prédio desocupado
Ganhará cinco mil contos
Se não será degolado

Está certo disse ele
E saiu dizendo assim:
– O rei com essa asneira
Pensa que vai dar-me fim
Pois eu vou mostrar a ele
Se isto é nada pra mim

E chegando no hospital
Disse à turma de enfermeiros:
– Vocês podem ir embora
Eu sou médico verdadeiro
De amanhã em diante aqui
Vocês não ganham dinheiro

Porque amanhã eu chego
Bem cedo aqui neste canto
Mato um destes doentes
E cozinho um tanto ou quanto
Com o caldo faço remédio
E curar os outros eu garanto

Foram embora os enfermeiros
E ele saiu calado
Os doentes cada um
Ficou dizendo cismado
– Qual será o que ele mata?
Será eu? Isto é danado!…

Outro dizia consigo:
– Será eu o caipora?
Mais tarde um disse: – E eu
Estou sentindo melhora
Outro levantou e disse:
– Estou melhor, vou embora

Um amarelo que estava
Batendo o papo e inchado
Lavantou-se e disse: – Eu
Estou até melhorado
Pois já estou me achando
Mais forte, gordo e corado

Já estou sentindo calor
De vez em quando um suor
Um doente disse: – Tu
Estás é muito peior
Disse o amarelo: – Não
Vou embora, estou melhor

E assim foram saindo
Cada qual para o seu lado
Quando chegava na porta
Dizia: – Vôte danado!
O diavo é quem fica aqui
Pra amanhã ser cozinhado

Um moço disse que ouviu
Um mudo e surdo dizer
Que um cego tinha visto
Um aleijado correr
Sozinho de madrugada
Já com medo de morrer

De fato um aleijado
Que tinha as pernas pegadas
Foi dormir, quando acordou
Não achou os camaradas
A casa estava deserta
E as camas desocupadas

Com medo pulou da cama
E as pernas desencolheu
Rasgou a “péia” no meio
E assombrado correu
Dizendo: – Fiquei dormindo
E nem acordaram eu!…

No outro dia bem cedo
O Sabido Sem estudo
Chegando no hospital
Achou-o deserto de tudo
Sorriu e disse consigo:
– Passei no rei um canudo

O Sabido Sem Estudo
Chegou no prazo marcado
Na corte e disse ao rei:
– Pronto já fiz seu mandado
Os doentes do hospital
Já saiu tudo curado

O rei foi pessoalmente
Percorrer o hospital
Não achando um só doente
Disse consigo afinal:
– Aquele ou é satanás
Ou um ente divinal

Deu-lhe o dinheiro e lhe disse:
– Retire-se do meu reinado
O Sabido Sem Estudo
Lhe disse: – Muito obrigado
Pra ganhar dinheiro assim
Tem às ordens um seu criado


Campina Grande, PB, 21/11/1955


Literatura de Cordel quarta, 27 de fevereiro de 2019

SAUDAÇÃO AO JUAZEIRO DO NORTE (FOLHETO DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

SAUDAÇÃO AO JUAZEIRO DO NORTE

Patativa do Assaré

 

Mesmo sem eu ter estudo
sem ter do colégio o bafejo,
Juazeiro, eu te saúdo
com o meu verso sertanejo
Cidade de grande sorte,
de Juazeiro do Norte
tens a denominação,
mas teu nome verdadeiro
será sempre Juazeiro
do Padre Cícero Romão.

O Padre Cícero Romão
que, vocação celeste
foi, com direito e razão
o Apóstolo do Nordeste.
Foi ele o teu protetor
trabalhou com grande amor,
lutando sempre de pé
quando vigário daqui,
ele semeou em ti
a sementeira da fé.

E com milagre estupendo
a sementeira nasceu,
foi crescendo, foi crescendo
Muito ao longe se estendeu
com a virtude regada
foi mais tarde transformada
em árvore frondosa e rica.
E com luz medianeira
inda hoje a sementeira
cresce, flora e frutifica.

Juazeiro, Juazeiro
jamais a adversidade
extinguirá o luzeiro
da tua comunidade.
morreu o teu protetor,
porém a crença e o amor
vive em cada coração
e é com razão que me expresso
tu deves o teu progresso
ao Padre Cícero Romão

Aquele ministro amado
que tanto favor nos fez,
conselheiro consagrado
e o doutor do camponês.
contradizer não podemos
E jamais descobriremos
O prodígio que ele tinha:
Segundo a popular crença,
curava qualquer doença,
com malva branca e jarrinha.

Juazeiro, Juazeiro
tua vida e tua história
para o teu povo romeiro
merece um padrão de glória.
De alegria tu palpitas,
ao receber as visitas
de longe, de muito além,
Grande glória tu viveste!
Do nosso caro Nordeste
tu és a Jerusalém.

Sempre me lembro e relembro,
não hei de me deslembrar:
O dia 2 de Novembro,
tua festa espetacular
pois vem de muitos Estados
os carros superlotados
conduzindo os passageiros
e jamais será feliz
aquele que contradiz
a devoção dos romeiros.

No lugar onde se achar
um fervoroso romeiro,
ai daquele que falar,
contra ou mal, do Juazeiro.
Pois entre os devotos crentes,
velhos, moços e inocentes,
a piedade é comum,
porque o santo reverendo
se encontra ainda vivendo
no peito de cada um.

Tu, Juazeiro, és o abrigo
da devoção e da piedade.
Eu te louvo e te bendigo
por tua felicidade,
me sinto bem, quando vejo
que tu és do sertanejo
a cidade predileta.
Por tudo quanto tu tens
recebe estes parabéns
do coração de um poeta.


Literatura de Cordel quarta, 20 de fevereiro de 2019

LEANDRO GOMES, O REI DO CORDEL (FOLHETO DE MANOEL MONTEIRO)

 

 

LEANDRO GOMES, O REI DO CORDEL

Manoel Monteiro

 

 

Leandro Gomes de Barros

Nosso amado menestrel

Que em vez de alaúde

Usou caneta e papel,

Tipo, tinta, impressora

Na construção precursora

Do folheto, ou do cordel.

 

– O cordel, este livrinho,

Escrito em versos rimados

Obedecendo um “tamanho”

Porque são metrificados

Conforme o que se comenta,

Da forma que se apresenta,

Teve aqui os seus primados.

 

– Trinta e cinco anos antes

De chegar mil novecentos,

Em Pombal, nasceu Leandro

Um dos maiores talentos

Que a poesia já deu,

Diz-se que ele escreveu

De cordéis, mais de quinhentos.

 

Leandro é da velha cepa,

De Inácio da Catingueira

De Romano da Mãe D’Água

Dos poetas do Teixeira,

De cangaceiro e polícia

Dos quais se deu a notícia

Pelos folhetos de feira.

 

 

– Nasceu no tempo que carro

De boi era condução,

Luz era de lamparina,

Cuscuz de milho era pão,

“Pinto” pequeno era bimba

Água era de cacimba ,

Busca-pé era mijão.

 

– Estava um novembro quente,

19 na folhinha,

Na fazenda Melancia

Veio ao mundo a criancinha

Mas como o pão lhe faltou

Um tio padre “ajudou”

A criar o poetinha.

 

– Esse seu tio materno

Chamado padre Vicente

Xavier de Farias que

Maltratava o inocente

De forma tão vil e rasa

Que ele fugiu de casa

Com 11 anos somente.

 

– Imagine o sofrimento

Do poeta tão pequeno

Vagando pelas estradas

Sob sol quente e sereno,

Um viajor tão menino,

Sem lar, sem pão, sem destino,

Sem conhecer o terreno.

 

– Parece que tem um Deus

Que faz poeta sofrer

Apaga a luz do seu mundo

Pra fantasma aparecer,

Inferniza seus instantes

Com gemidos lancinantes

Que penetram fundo o ser.

 

– Lembrem Castro Alves jovem

Com a tísica no pulmão,

Cassimiro no exílio

Gonçalves Dias, então,

Foi um desafortunado

Porque morreu afogado

Nas costas do Maranhão.

 

– Pois bem, Leandro na fuga,

Saiu vencendo a poeira

Pedindo abrigo a estranhos

Por rancho, fazenda e feira,

Nesse andar de peregrino

Os pés levaram o menino

À cidade do Teixeira.

 

– Dos 11 aos 15 viveu

Por Teixeira e arredores

Já então Teixeira era

Enseada dos maiores

Cantadores de repente

Tidos até o presente

Como a nata dos melhores.

 

– Enquanto o jovem Leandro

Trabalhava de alugado,

Fazia serviço avulso

Para ganhar um trocado

Ao mesmo tempo queria

Dominar a poesia

Por quem foi contaminado.

 

– Ao ouvir as cantorias

Se imaginava fazendo

Versos da mesma maneira,

Foi tentando e aprendendo,

Como não tinha instrumento

Pegava um verso no vento

E o gravava escrevendo.

 

– Como José de Anchieta

Riscava os versos no chão,

Decorava e repetia

Mas sentia precisão

De passa-los ao papel

Eis aí como o cordel

Ganhou vida no Sertão.

 

– Cordel hoje, porque ontem

Era folheto ou estória,

Romance, se fosse longo,

Isso é que tenho em memória

Mas, vamos mais adiante,

Falar do folheto infante,

Seu começo e trajetória.

 

– Papel jornal no “miolo”

Por ser o mais acessível,

Na capa, ,manilha em cor

De embrulhar pão, é incrível;

Papel manilha e jornal

Mais impressão manual

Tornaram o cordel possível.

 

– As letras eram pescadas

Nas caixetas, uma a uma,

O tamanho do folheto

Era pra não ter nenhuma

Sobra, apara ou desperdício

Assim lá pelo início

Cordel foi feito de ruma.

 

– A capa ganhou desenho

Depois da xilogravura

Que é um bloco entalhado

Onde aparece a figura,

Que estiver em relevo,

Registrem como descrevo

Por ser a verdade pura.

 

– Vamos voltar pra Leandro

Quando arribou do Sertão

Levando toda fortuna

Na alma e no matulão

(Partiu e fez muito bem)

E reencontrá-lo em

Vitória de Santo Antão.

 

– Saiu em definitivo

Da terra paraibana

Até encalhar na Zona da

Mata pernambucana,

Vitória, cidade bela,

Que a gente avista dela

A “Nassau Veneziana”.

 

– Vitória de Santo Antão

É perto do litoral

E é plantada entre verde

De extenso canavial,

Cheira a mel e aguardente

E dela também se sente

O cheiro da Capital.

 

– Quando o poeta já tinha

Uns 23 de idade

O amor chegou puxando

Pela mão uma deidade,

Cupido cantou hosana

Por ver Venustiniana

Trazendo a felicidade.

 

– Em pouco tempo o casal

O sim ao padre dizia

E o poeta foi ter

Duma esposa a companhia

Já ganhando alguns mil réis

Com os primeiros cordéis

Que publicava e vendia.

 

– Casou-se e foi residir

Na bela Jaboatão

Coberta por águas fartas

No meio da plantação

Com tanta pitomba e jambo

Que deixaram o vate bambo

De tanta admiração.

 

– Agora nos Guararapes

de Jaboatão que fica

Parede e meia ao Recife

Com quem se identifica

Pela hospitaleira gente,

Pelo ar úmido e quente

E pela paisagem rica…

 

– O poeta ainda estava

A acomodar-se, e fez,

Lá por mil e oitocentos

e oitenta e oito de vez

A cruzada da fronteira

Pra Veneza Brasileira

Cidade de mais jaez.

 

– Foi residir em Areia

Bairro junto à Cavaleiro

Enquanto a pena incansável

Fazia o cancioneiro

Mais fértil dia após dia

Tanto assim que já vivia

Do mister de folheteiro.

 

– Da filharada que teve

Nenhum ganhou permissão

De carregar pela vida

O dom de poeta e não

Vejo nada de anormal

Pois filho de marginal

Não precisa ser ladrão.

 

– Leandro deixou Areia

Não porque fosse ruim

É que Mocotolombó

Era mais perto e assim

Mudou-se mais uma vez

E outra mudança fez

Pra Rua do Alecrim.

 

– Ali sim, estava perto

Do Mercado São José

Lugar de feira diária

Como ainda hoje é,

Um formigueiro perfeito

Com gente de todo jeito

De bacanaço à ralé.

 

– A essa altura o poeta

Já tinha economizado

Dinheiro para comprar

Um prelo, fértil roçado,

Para quem planta a semente

Da cultura que nascente

Triplica o que foi plantado.

 

– Já bastante experiente

Pelo convívio diário

Com as rimas concordantes

E com o vocabulário

Que dia-a-dia aumentava;

A sua obra tomava

Um vulto extraordinário.

 

– Escrevia sobre tudo

Que fosse notícia e desse

Uma estorinha atrativa

Dessas que o povo quisesse

Ouvindo, comprar e ler

Porque é para vender

Que o artista “borda e tece”.

 

– Num Brasil de poucas letras

Sobreviveu de escrever,

Tenho dito que Leandro

Ensinou o povo a ler,

Fez porque gostava e quis,

Infelizmente, o país

Não lembra de agradecer.

 

– Leandro foi dos primeiros

Que a Musa acariciou

Com os folhetos impressos

Tais quais fazendo inda estou;

Cascudo foi seu devoto

E um dia “tirou-lhe” a foto

Que abaixo me mostrou.

 

– “Seu tipo era baixo e grosso,

Na postura, corcovado,

Os olhos claros, o crânio

De formato arredondado,

O bigodão muito espesso,

Assim está o começo

Do seu “perfil” desenhado.

 

– Tinha como nordestino

A fala lenta, cantada,

O andar era sem pressa

Passada sobre passada,

Um terno com pouco trato;

Cascudo fez tal retrato

Do vate, seu camarada.

 

– Câmara Cascudo acrescenta

Que o grande cordelista

Pelo porte bonachão

Parecia um ruralista,

Mas se no verso agradava

No papo deliciava

Pela verve de humorista.”

 

– Não cantava ao som do pinho

Pois nunca foi cantador

Mas tem-se notícia farta

De que foi bom glosador,

Um exercício ideal

Para o profissional

Do ofício de escritor.

 

– Os poetas se juntavam

Em torno duma cachaça,

Haja mote e haja rima,

Haja improviso e chalaça,

Haja versos de verdade

Espirituosidade,

E haja festa na praça.

 

– Era dessas brincadeiras

Que as fantasias surgiam,

Duendes, príncipes, princesas

Tomavam forma e caiam

Na brancura do papel

Para encenar no cordel

Estórias que divertiam:

 

– Como O BOI MISTERIOSO,

O BALÃO, O BEIJA-FLOR,

A BATALHA DE OLlVEIROS…,

A FILHA DO PESCADOR,

Um SONHO DE ILUSÃO,

VILA NOVA NA PRISÃO,

O SOLDADO JOGADOR.

 

– AS MANHAS DE UMA VIÚVA,

O SORTEIO MILITAR,

A RESSURREIÇÃO DOS BICHOS,

… ROSA E LlNO DE ALENCAR,

O COMETA, A CAGANEIRA

A CURA DA QUEBRADEIRA

E mais contos de embalar.

 

– O CAÇADOR E A VIRGEM,

CASAMENTO A PRESTAÇÃO,

O HOMEM QUE COME VIDRO,

UNS OLHOS, LAMENTAÇÃO

Ainda O PRINCIPE E A FADA

E mais A MULHER ROUBADA,

JUVENAL E O DRAGÃO.

 

– AS PROMESSAS DO GOVERNO,

O TEMPO DE HOJE EM DIA,

ÉCOS DA PÁTRIA, DITAMES,

Depois, EU BEM QUE DIZIA,

SUSPIROS DE UM SERTANEJO;

MOSCA, PULGA E PERCEVEJO

Malfadada trilogia.

 

– E O CACHORRO DOS MORTOS,

A GUERRA, ALONSO E MARINA,

A VERDADE NUA E CRUA

Crítica acerba e ferina,

PRODIGIOS DA NATUREZA,

A HISTÓRIA DA PRINCESA

DO REINO DA PEDRA FINA.

 

– A VIDA DE PEDRO CEM,

A INTRIGA DA AGUARDENTE,

UMA VIAGEM AO CÉU

Sonho de todo vivente

E o INFERNO DA VIDA,

A ALEMANHA VENCIDA

Deixava o mundo contente.

 

– COMO SE AMANSA UMA SOGRA,

E O MARCO BRASILEIRO

CRISE PRA BURRO; O AZAR .

NA CASA DO FUNILEIRO,

Outro de que sempre falo,

A HISTÓRIA DO CAVALO

QUE DEFECAVA DINHEIRO.

 

– HISTÓRIAS de : MADALENA

Que você ouvindo chora,

DE JOÃO DA CRUZ e DA

ÍNDIA NECI onde aflora

Do amor o sentimento;

DE UM RICO AVARENTO,

DA DONZELA TEODORA.

 

– PADRE NOSSO DO IMPOSTO,

UM ALMOÇO NO INFERNO…,

O SONHO DE UM PORTUGUÊS,

E O BATACLÃ MODERNO,

O FISCAL E A LAGARTA

É essa obra tão farta

Que deixou Leandro eterno.

 

– Imaginou mil PELEJAS

Daquelas de noite inteira

Como a de JOSÉ PATRÍClO

COM INÁCIO DA CATINGUEIRA;

ZÉ DUDA E CEGO SABINO

E DE ANTÔNIO SILVINO

COM MANOEL CABECEIRA.

 

– Por diversas vezes “fez”

A DEFESA DA AGUARDENTE

Falou n’A URUCUBACA

Que persegue muita gente,

Deu rédeas soltas à lira

N’OS SOFRIMENTOS DE ALZIRA

Uma história comovente.

 

– Foi genial n’AS PROEZAS

DE UM NAMORADO MOFINO,

Por 25 folhetos

Falou de ANTÔNIO SILVINO;

Se quer pesquisar cangaço

Faça do jeito que faço

Leia os cordéis do “menino”.

 

– Falei da vida e da obra

Que o bardo viveu e fez

Mas para mostrá-la inteiro

Gastaria mais de mês;

Como falei do começo

É meu dever, reconheço,

Falar do fim pra vocês.

 

– 53 anos foram

Os que o poeta viveu

E a mesma poesia

Que tanto prazer lhe deu

Também foi a “responsável”

Por um fato lamentável

Que cedo o surpreendeu.

 

– Vejam meus caros amigos

O desfecho dessa história:

Um dia um senhor de engenho

De malfadada memória

Na falha dum operário.

Além do expurgo sumário

O surrou de palmatória.

 

– Achando pouco o castigo

Ainda teve a “bondade”

De dar mau informação

Dele na comunidade,

O homem não vacilou

E com um punhal vingou

Tamanha perversidade.

 

– Leandro, em favor do homem

Duplamente injustiçado

Fez um folheto de época

Defendendo o desgraçado,

Num rasgo bastante honesto

O seu cordel de protesto

Começa com este brado.

 

– NÓS TEMOS CINCO GOVERNOS

O PRIMEIRO O FEDERAL

O SEGUNDO O DO ESTADO,

TERCEIRO O MUNICIPAL

(Aí conclui a história)

O QUARTO É A PALMATÓRIA

E O QUINTO O VELHO PUNHAL…”

 

– Isso bastou para o Chefe

De Polícia, um maganão,

Mandar prender o poeta

E jogá-lo na prisão;

Leandro então ficaria

No porão duma enxovia

Igual a qualquer ladrão.

 

– Esse castigo terrível

Ao nosso poeta imposto

Feriu seu peito tão fundo

Que o ferimento exposto

Suas forças consumiu

E ele submergiu

Nas ondas desse desgosto.


Literatura de Cordel quarta, 13 de fevereiro de 2019

MULHER NA PANELA DO REPENTE (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)

 

 

MULHER NA PANELA DO REPENTE

Dalinha Catunda

 

 

1

Eu gosto de cantoria

Gosto muito de repente

Uma peleja das boas

Me deixa muito contente

Gosto de ver um combate

Aquele bate e rebate

Briga de mente com mente.

2

Sei que não sou repentista

Mas bem que eu queria ser

Pra insultar cantador

Da noite ao amanhecer

Chamar o cabra pra briga

Fazer a maior intriga

E os aplausos receber.

3

Já cheguei até sonhar

Com cantador enxerido

Que comigo pelejava

Dum jeito bem atrevido

Eu respondia a altura

Com meu jogo de cintura

Num embate divertido.

4

O sonho que tive um dia

Parecia verdadeiro

A peleja acontecia

No meio do meu terreiro

Eu nunca vi tanta gente

Querendo ver um repente.

Eu prontinha pro salseiro.

5

Em cima dum tamborete

Foi colocada a bandeja

O povo bem animado

Só aguardando a peleja

Foi quando um cabra gritou:

_A peleja começou!

Dando um gole na cerveja.

6

Um friozinho na barriga

Eu senti na ocasião

Sentindo a testa suada

Eu logo passei a mão

Mas como trato é trato

Pra não romper o contrato

Eu criei disposição.

7

A coisa começou morna

Até com certo respeito

Ele mandava um verso

Eu respondia com jeito

Mas se é pra desafiar

O bom mesmo é pelejar

Fiz valer o meu direito.

8

A sua toada é fraca

Honorável cidadão

Taque a mão nesta viola

Solte a voz com precisão

Ou então faça o favor

Se não é bom cantador

Troque já de profissão

9

Conheço bom violeiro

Pelo toque da viola

Conheço bom cantador

Pelo que tem na cachola

Com este canto sem graça

Vá cantar em outra praça

Ou vá mendigar esmola.

10

Ele logo respondeu

Com quatro pedras na mão

Querendo ser o maior

Naquela competição

Porém não morri à míngua

Fui soltando minha língua

Do medo perdi noção.

11

Para meu contentamento

No auge da cantoria

Eu calava o cantador

Que resmungando dizia

Preciso me concentrar

Esta mulher encarar

Para evitar ironia.

12

Eu vendo o cabra nervoso

Resolvi aproveitar

E dizer umas gracinhas

Para o público agradar

Sem gostar da brincadeira

Levantou-se da cadeira

Começou a me xingar.

13

Vi a briga ficar feia

E lasquei um palavrão

Ele me chamou de quenga

Aumentando a confusão

Porém no meu replicado

Chamei de corno e viado

Enfezando o cidadão

14

Eu pensei em recuar

Para amenizar a luta

Porém ele enraivecido

Chamou-me filha da puta

Até pensei numa trégua

Mas com o filho da égua

Continuei a disputa.

15

O povo todo gostando

Daquela esculhambação

E o filho de rapariga

Eu chamei de cafetão

Cheia de petulância

Abusei da ignorância

Quase levo um safanão.

16

Peguei com gosto a viola

Temperei o meu gogó

E do meu opositor

Confesso não tive dó

Estava mesmo inspirada

Com língua bem afiada

Ferina como ela só.

17

Quando eu me preparava

Pra mais um atrevimento

Vi a rede balançar

E quase que me arrebento

Taquei o rabo no chão

Acordei de supetão

Me esparramei no cimento.

18

Acordei contrariada,

Bem Triste e desiludida

Pois parecia verdade

Minha aventura vivida

Sonhei sendo repentista

Reconhecida e bem-quista

Pelo povão aplaudida.

20

Eu logo me recompus

Num instante me refiz

Sonhar não é proibido

E no sonho fui feliz

Mas faço melhor papel

Escrevendo meu cordel

É o que meu bom senso diz.

21

Por eu ser só poetisa,

Respeito muito repente,

Porque sei que nesta área

Tem gente bem competente,

Mas se alguém desafiar

Pego o mote até glosar

Do meu jeito Irreverente.

22

Já que não sou repentista

Mas gosto da cantoria.

Quero, portanto exaltar,

Quem bem canta e contagia,

São mulheres repentistas

As verdadeiras artistas

Que propagam alegria.

23

Meu respeito, meu carinho,

E minha admiração

As mulheres dedicadas

Em constante evolução

As valentes cantadeiras

Que vencendo as barreiras

Se sagram na profissão.

24

Eu louvo Vovó Pangula

Que deixou bonita história

A rainha do repente

Duma carreira notória

Repentista sertaneja

Na poesia e na peleja

Teve seus dias de Glória

25

Salve Maria Tebana,

Zefinha do Chabocão.

Salve Chiquinha Barroso,

Cantou com Preto Limão.

Salve Toinha Araújo

Pois falar dela não fujo

Par de Luzia Falcão.

26

É Mocinha de Passira

Repentista de verdade.

E salve Neuma da Silva,

E Maria Soledade.

Salve também Minervina,

Salve a mulher nordestina

As divas da oralidade.

27

Exalto Luzia Dias

E Lucas Evangelista

Os dois que pelejam juntos

Fazem bonito na pista

E não é um par qualquer

Por ser homem e mulher

Coisa que pouco se avista.

28

E louvo Zefinha Anselmo

Filha de Anselmo Vieira

Cantou mais do que cigarra

Era mulher estradeira

Herdou do pai o repente

E cantava prontamente

A competente herdeira.

29

Saúdo quem cantou ontem,

E quem canta no presente,

Encarando a cantoria

Sem se esquivar do batente

Louvada seja a mulher

Que meteu sua colher

Na panela do repente.

30

A mulher que é repentista,

E repassa a tradição,

Pra cultura popular

Dá sua contribuição,

Pois reaviva a memória

No construir da história

A cada apresentação.

*

Cordel de Dalinha Catunda

Capa de Maércio Lopes

 


Literatura de Cordel quarta, 06 de fevereiro de 2019

A BELA HISTÓRIA DE JACI, A PROSTITUTA VIRGEM E SANTA (FOLHETO DE FRANKLIN XAXADO)

 

A BELA HISTÓRIA DE JACI ,  A PROSTITUTA VIRGEM E SANTA

Franklin Xaxado

 

 

 

Nossa vida, minha gente

É cheia de contradições

As vezes, o que se vê

Em muitas situações

Não é a realidade

São apenas ilusões

 

Aqui conto um caso desses

Como enganam as aparências

Uma moça que ninguém diz

Olhando suas vivencias

Seja virgem e muito santa

Apesar de experiências

 

Jaci era uma dessas

Mulheres fáceis da vida

Adotou a profissão

Passando-se por perdida

Para poder sobreviver

Sem depender de acolhida

 

Feita esta explicação

Vamos contar sua estória

Feita com muito amor

Da derrota fez vitória

E nisso está seu louvor

Na conduta meritória

 

 

Morava sua família

No distante Piauí

Um casebre de sopapo

Era morada de Jaci

Quase não tinha comida

Vivia mais de piqui

 

Seus pais eram bem pobres

Viviam como agregados

O fazendeiro não deixava

Eles fazerem roçados

Pois as terras de caatinga

Eram só para os seus gados

 

Os dois caboclos seus pais

Eram bastante doentes

Só tiveram essa filha

Isolados dos parentes

Davam a ela afeição

Compensando os bens carentes

 

Jaci cresceu sempre assim

Já tinha onze anos

Quando uma seca danada

Torrou todos aqueles planos

Acabando os mantimentos

E trazendo desenganos

 

O seu pai não resistiu

E morreu sem decomer

A viúva então ficou

Num perrengue de doer

E para se sair dele

Pensou a filha vender

 

Não tanto para comer

Mas pelo futuro dela

Pois já era crescidinha

Breve seria donzela

Naquela situação

Ia apanhar como concela

 

Como diz que”a precisão

É quem obriga ladrão”

Sua mãe então decide

Ir vendê-la ao mangangão

Coronel Zeca Tadeu

Da Fazenda Cansansão

 

Esse coronel era rico

E dono de tudo ali

Se quisesse então podia

Muito bem criar Jaci

Mas o que ele queria

Eu vou já dizer aqui

 

Sua mãe não disse nada

Quase até não chorou

No enterro do marido

Depois dele arrumou

Os seus troços numa trouxa

E para a vila rumou

 

Só disse a Jaci que ia

Embora desse lugar

Iria para a cidade

E lá iam trabalhar

Não queria nem mais ver

Ou da casinha falar

 

Jaci como boa filha

Foi na sua companhia

Inocente do destino

Feito à sua revelia

Caminharam esfomeadas

Tendo a sede como guia

 

Dormiram pelo relento

Ouvindo onças urrarem

Vendo as corujas da noite

Cruzando na frente a piarem

Como que se estivessem

O seu futuro a agourarem

 

Até que então chegaram

A varanda da mansão

Do seo coronel Tadeu

Que estava no oitão

Deitado em sua rede

Bebendo suco de limão

 

A mãe nem se descansou

E mal colocou o volume

Humildemente lhe pediu

Num tom de voz de queixume

Pra falar particular

Dum assunto que veio a lume

 

Seo Tadeu esbravejou

Foi dizendo que”se era

Comida, ele não tinha

Pois estava na espera

Das chuvas para salvar

O seu gado da tapera”

 

A mãe lhe tranquilizou

Que não era isso não

Queria vender a filha

Pra sair da aflição

O coronel então mandou

Dar-lhe um saco de feijão

 

Aí se voltou pra filha

Mas não disse que a vendeu

Apenas que ela iria

Morar com o seo Tadeu

Respeitasse as suas ordens

E Jaci compreendeu

 

Logo que a entregou

Retirou-se comovida

Deu-lhe a dor do remorso

Se lamentando da vida

Lhe veio uma tal pontada

Que caiu desfalecida

 

Quando ela caiu, a saca

De feijão caiu por cima

Jaci soube da verdade

E logo se desanima

E com o feijão pagou

O enterro por estima

 

Ficou Jaci só no mundo

Vivendo na casa grande

Com o passadio melhor

Mesmo tendo quem lhe mande

Foi-lhe chegando as carnes

Vestidas em traje dande

 

Jaci cresceu mais um pouco

Se tornou uma mocinha

De corpo muito bem feita

Uma cara bonitinha

Todos ali a notavam

Era uma belezinha

 

Os homens e os rapazes

Lhe desejavam amor

Mas ela se respeitava

E guardava o seu pudor

Por isso não declaravam

Temiam pelo senhor

 

O coronel começou

A lhe olhar indecente

A lhe comer com os olhos

Como em bote de serpente

Olhava as suas formas

Passava a língua no dente

 

Até quando aproveitou

A esposa ter saído

Foi de noite ao seu quarto

Já quase todo despido

Mandou que Jaci abrisse

A porta pra ser servido

 

Jaci perguntou o que era

Ele lhe disse que queria

Lhe dar umas lições

Com bastante calmaria

Porem falava nervoso

E Jaci já desconfia

 

Jaci já acostumada

Com o seu sofrimento

Se vestiu e abriu a porta

Mas teve um pressentimento

Deixou a janela aberta

Se vendo o firmamento

 

O coronel a agarrou

Pelo braço e cintura

Encostou seu corpo ao dela

E lhe disse com grossura:

-Se você não aceitar

Verá o que é vida dura

 

Jaci disse: Está bem!

Deixe fechar a janela

Pois pode alguém nos ver

E sem cair na esparrela

O coronel no seu fogo

Confiou no dizer dela

 

Ela mais do que depressa

Pulou ligeiro e fugiu

Correu tanto como louca

Virou trevas e sumiu

Na noite afora e adentro

E assim escapuliu

 

Vamos deixar a Jaci

Correndo esbaforida

Vamos tratar do patrão

Que ficou fulo da vida

Pensou logo em se vestir

E ir atrás da perdida

 

Mas tinha que ir pegar

Animal no meio do pasto

Para alcançar a moça

Ou ir atrás no seu rastro

Assim pensou duas vezes

Antes de fazer o gasto:

 

-Ela vai ter que voltar

E se não voltar jamais

Mando um cabra dos meus

Na confiança ir atrás

Trazer na marra ou então

Não a deixar viver mais

 

-Pois não fica bem pra mim

Ir atrás de meninota

O povo vai falar muito

Eu entro numa patota

Ela vai ter de voltar

Pois a comprei pela cota

 

Vamos deixar o seo Zeca

Na espera do resultado

Pois mandou um jagunço

Nesse caso encarregado

Vamos ver o que se deu

E de Jaci o estado

 

Ruão era esse jagunço

E gostava de mulher

Não fumava e não bebia

Conhecia o seu mister

Por isso encontrou Jaci

Dançando num cabaré

 

Jaci dançava mexendo

Mostrando as coxas de fora

Estava muito bonita

Verdadeira sedutora

O jagunço se mostrou

E a Jaci apavora

 

Ela conheceu seu rosto

Quis escapar mas Ruão

A agarrou pelo braço

Diz: Não me tema não

Porque se você deixar

Esqueço a obrigação

 

Mas se você não quiser

Vou matá-la ou levar

Pro coronel desumano

Que esta a desejar

Ter você de todo jeito

Para seu prazer gozar

 

Jaci não vendo saída

Disse-lhe então que deixava

Satisfazia com tudo

Só uma coisa respeitava

Pois jurou que se perdesse

Aí então se matava

 

Ruão na louca paixão

Aceitou sua jogada

Recebeu os seus carinhos

E no auge da gozada

Tentou até profanar

A sua entrada sagrada

 

Mas Jaci já escolada

Se saiu e se negou

Fez a coisa com tal jeito

Que o bruto amansou

Entretanto no momento

Por um instante a forçou

 

Passou uns dias assim

Até que Jaci lhe disse:

-Você deve voltar dizendo

Que não houve quem me visse

Eu vou seguir adiante

E é melhor você ir-se

 

-Eu guardo o seu segredo

E você guarda o meu

É melhor para nós dois

Pois se o coronel Tadeu

Souber o que se passou

Mata tu e mata eu

 

Ruão bem compreendeu

Voltou para a fazenda

Convenceu o coronel

Que tinha perdido a prenda

Pois Jaci deve ter ido

Viver longe da contenda

 

Ficou Jaci viajando

E sofrendo em boate

Com a ilusão de ter

Algum dia quem lhe trate

O seu encantado príncipe

Por quem seu coração bate

 

Não vou descrever o que

Fazia ou de que vivia

Pro leitor que tem pudor

Só vou dizer que fazia

Outras coisas que o homem

Tem o gozo da alegria

 

Uma coisa nunca fez

Foi deixar um homem entrar

Pela entrada sagrada

Do seu corpo rosalgar

Isso ela jurou pra si

Que só depois de casar

 

Nem mesmo quando até teve

Paixão pelo viajante

Este até lhe bateu

Quando era seu amante

Não casou e lhe deixou

Na sua vida errante

 

Desiludida, Jaci

Tornou-se quase uma santa

Conservando a virgindade

A pureza que acalanta

Deu então para cantar

Assim seus males espanta

 

Ficando com mais idade

Começou a criar filhos

Das colegas de infortúnio

Frutos desses descaminhos

Procurava lhes dar vida

Com lições e carinhos

 

Dava o amor que não teve

Infância que não viveu

Sofria para fazê-los rir

Até que afinal morreu

Sem profanar virgindade

Por ela muito sofreu

 

E todos lhe respeitavam

Comparavam à Virgem Maria

Que é a mãe de Jesus Cristo

Padeceu com agonia

Pois”os bons são os que sofrem”

Se diz com sabedoria

 

Faleceu virgem e pura

Quase santa sem pecado

Porque o que fez na vida

Deus deve ter perdoado

Não o fez pelo escândalo

Ou mal intencionado

 

Três dias depois de morta

Aos guris apareceu

Vestida num chambre alvo

Um halo resplandeceu

Clareou todo ambiente

A casinha estremeceu

 

Mas ela acalmou dizendo:

– Eu não os abandonei

E estarei sempre aqui

Com vocês, eu viverei

Procurem fazer por si

Que de fora ajudarei

 

Por isso todos ali

A devotam como santa

Têm conseguido milagres

Quem da vida desencanta

Termino assim essa estória

Que este poeta canta

 

M-aria tambémpecou

A-mando seu São José

X-orou pelo filho amado

A-dorou a Deus com fé

D-eixou lição pra Jaci

O exemplo pra mulher.


Literatura de Cordel quarta, 30 de janeiro de 2019

UM MOTE BEM GLOSADO (GLOSA DE ZÉ ALBERTO)

 

Zé Adalberto glosando o mote:

 

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura? 

 

Muitas vezes, sozinho, eu pergunto:

Pra que tanta riqueza, se depois

Que o caixão encostar e couber dois

O amigo melhor não quer ir junto?

Pra que cara fragrância se o defunto

Não exige perfume da “natura”?

Mesmo a alma é cheirosa quando é pura

Mas o cheiro do corpo ainda enjoa.

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura?

 

Pra que casa cercada por muralha?

Se a cova é cercada pelo pranto.

Se pra Deus, todos têm do mesmo tanto

Tanto faz a fortuna ou a migalha.

Pra que roupa de marca, se a mortalha

Não requer estilista na costura?

Se o cadáver que a veste não procura

Nem saber se a costura ficou boa

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura?

 

Pra que eu me esconder detrás de um pão

Se a miséria não bate em minha porta?

Pra que eu me cansar regando horta

Se amanhã ou depois já é verão

Pra que eu confiar no coração

Sem saber quanto tempo à vida dura

Se a ferida da alma não tem cura

Quando é a ganância que a magoa

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura?

 

Não sou dono de ônibus nem de trem

Mas enquanto eu puder me locomovo

Pra que eu invejar um carro novo

Se o transporte final nem rodas tem?

Nem me avisa dizendo quando vem

Mas só anda na minha captura

Bem abaixo da sua cobertura

Ele tem quatro asas, mas não voa

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura?

 

Pra que eu inventar de ser afoito

Se eu não tenho coragem pra vencer?

Pra que eu comprar queijo sem poder

Se na mesa tem pão, ovo e biscoito?

Pra que eu colocar um trinta e oito

Entupido de bala na cintura

Se a razão é a arma mais segura?

Ter sossego é melhor que ter coroa

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura?

 

Pra que eu toda hora dar balanço

No que tenho ou andar atrás de bingo?

Pra que tanta hora extra no domingo

Se Deus fez esse dia pro descanso?

Pra que eu trabalhar igual boi manso

Se a chibata do dono me tortura?

Pra que eu reclamar da minha altura

Se o que a mão não alcança, Deus me doa?

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura?

 

Pra que eu com dois olhos na barriga

Se os da cara já são suficientes?

Pra que eu invejar os meus parentes

Se já sei que o retorno é uma intriga?

A formiga que evita ser formiga

Cria asas, se torna tanajura

Cresce a bunda demais, cria gordura

Fica muito pesada e cai à toa

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura?

 

Deus me dando o arroz e o pilão

È preciso que eu saiba despolpá-lo

Pra depois de cozido eu mastigá-lo

Sem roubar o suor do meu irmão.

Eu confesso que vivo na fartura

Se tiver feijão preto e rapadura

Encho tanto a barriga, chega zoa

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura?

 

Pra que eu ter mansão no litoral

Se um rancho está bom num pé de serra

Se eu fizer prédio alto aqui na Terra

Lá no Céu, vai faltar material

Meu ensino maior foi o Mobral

Os meus livros têm sido a Escritura.

Pra que eu aprender literatura

Se a palavra de Deus me aperfeiçoa?

Pra que tanta riqueza se a pessoa

Nada leva daqui pra sepultura?


Literatura de Cordel quarta, 23 de janeiro de 2019

JOÃO DOIDO, CACETE E ROLA (CORDEL DO POETA PERNAMBUCANO JOSÉ HONÓRIO)

 

Mote:

João Doido, cacete e rola
Tudo é nome do caralho

Glosa:

Peia, cipó, mandioca
Carabina, prego e talo
Estaca, pica, badalo
Sarrafo, pomba, biloca
Pinto, manjuba, piroca
Vergalhão, também mangalho
Linguiça, cajado, malho
Nervo, trabuco, bilola 
João Doido, cacete e rola
Tudo é nome do caralho.

Glosa do poeta pernambucano José Honório, publicada no álbum Indecênciaseditado em julho de 1990.


Literatura de Cordel domingo, 20 de janeiro de 2019

ATÉ O DEDO IRIA APARECER

 

JESUS DE MIÚDO – ACARI-RN

A propósito da postagem “Até o dedo iria aparecer

O dedo eu acho difícil
Encontrá-lo, meu parceiro
Ninguém sabe há muito tempo
O seu real paradeiro
Há quem diga, no entanto
Que o dedo desse santo
Tá no cu do brasileiro.

Cordel de Jesus de Rita de Miúdo


Literatura de Cordel quinta, 17 de janeiro de 2019

A PERSEGUIDA E SEUS NOMES NO CORDEL: MOTE E GLOSA DE JOSÉ HONÓRIO

 

MOTE E GLOSA DE JOSÉ HONÓRIO

Mote:

Xiri, perereca, aranha
Quanto nome a brecha tem.

Glosa:

Vagina, papuda, greta
Xanha, lasca, racha e fruta
Tabaco, chibiu e gruta
Fenda, bainha e buceta
Desejada, cara-preta
E bacurinha também
É vizinha do sedém
Talho, pipiu e xiranha
Xiri, perereca, aranha
Quanto nome a brecha tem


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