Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura de Cordel quarta, 09 de janeiro de 2019

O CASAMENTO DO BODE COM A RAPOSA (FOLHETO DE FIRMINO TEIXEIRA DO AMARAL)

 

* * *

O CASAMENTO DO BODE COM A RAPOSA – Firmino Teixeira do Amaral

Eu ouço os velhos dizerem
Que os bichos da antiguidade
Falavam como falamos
E tinham civilidade
Naquele tempo até bichos
Casavam por amizade

Naquele tempo mestre burro
Lia escrevia e contava
O cavalo era escrivão
O cachorro advogava
O carneiro era copeiro
E o jaboti desenhava

Leão era o rei dos bichos
Onça era professora
Elefante era juiz
A raposa agricultora
Camelo era correio
A aranha tecedora

Gavião criava pinto
Guaxinim plantava cana
O macaco em sua tenda
Vendia queijo e banana
Aos outros a prestação
Pra receber por semana

 

Urso era presidente
A traça era costureira
Girafa fazia renda
Cutia era engomadeira
Peru era viajante
Cobra vendia na feira

O lobo era capitão
Urubu era marchante
O jacaré era bacharel
Canguru comerciante
O peba era coletor
Camaleão despachante

Coruja era feiticeira
O papagaio pregador
Periquito era fiscal
O sapo era caiador
A preguiça era parteira
Mestre bode era doutor

O gato era tenente
Pavão era sapateiro
Mucura vendia ovos
Tiú era cozinheiro
Tamanduá era padre
O preá era barbeiro

A cigarra era cantora
O mocó era dentista
Socó era pescador
A garça era modista
Morcego guarda noturno
A lagarta desenhista

Afinal todos os bichos
Daquele tempo passado
Era como os homens hoje
Viviam tudo empregado
Não se via bandalheira
Nem se vivia enganado

O bode sendo doutor
De alta capacidade
Enamorou-se da raposa
Consagrou grande amizade
Prometendo-lhe mais tarde
Fazer-lhe a felicidade

A raposa muito alegre
Chegou em casa e contou
Pra sua mãe que sabendo
De muito gosto aceitou
A raposa tão contente
Nesse dia não jantou

Disseram doutor bode
É um jovem bem decente
Pertence a alta escala
É filho de boa gente
Porém queremos saber
Se o pai dele consente

Quando o bode velho soube
Também não propôs questão
Deu consentimento ao filho
De ter da raposa a mão
A velha cabra então disse
Não acho boa união

Meu filho sendo doutor
De alta capacidade
Querer casar com uma moça
De tão baixa qualidade
Respondeu o velho sorrindo
Isto é só formalidade

A raposa também vem
Duma raça boa e pura
É uma jovem elegante
Vive da agricultura
Respondeu a cabra zangada
Mas não me agrada a figura

Eu não sei que diabo tem
Que a tal não posso me unir
Me arrepia os cabelos
Só em ver ela sorrir
Porém como todos querem
É o jeito eu consentir

Doutor bode quando soube
Que sua mãe consentia
Deu três pulos no terreiro
Tomou rapé de alegria
Correu pra casa da noiva
Pra contar o que havia

A raposa muito contente
Foi dizendo agora vai
Aproveite a ocasião
Me peça logo ao meu pai
Se não levar a decisão
Tu hoje daqui não sai

O bode fez uma carta
Muito bem feita e mandou
Pela resposta na sala
Silencioso esperou
O velho recebeu a carta
Veio em pessoa e falou

Foi dizendo doutor bode
Para que tanta vergonha
Eu me acho ao seu dispor
E precisando disponha
Dona raposa de lado
Se conservava risonha

O bode como doutor
Falou em cima da bucha
É muito certo o ditado
Filho de pobre não luxa
O pobre de vez se atrapalha
E o rico desembucha

Dona raposa lhe peço
Como seu maior amigo
A sua filha estimada
Para se casar comigo
Doutor bode só ela dizer
Se quer se casar consigo

Sendo que ela queira
O seu pedido aqui feito
Cá de meu lado garanto
De muito gosto aceito
Chamaram então a raposa
Contaram tudo direito

Ajustaram o casamento
Marcaram o mês e o dia
Mandaram logo avisar
O padre da freguesia
O velho tamanduá
Com toda família ia

Fizeram logo convites
Por cartas especiais
Desde o soldado raso
Aos mais altos generais
Afinal todos os bichos
Da classe dos animais

O leão como era o rei
Mandou dizer que não ia
Porém estava ao dispor
Se quisesse a garantia
Mandava a força armada
De linha ou cavalaria

O bode lhe agradeceu
Dizendo não precisar
Pois não tinha inimigo
Que quisesse lhe atacar
Porém se fosse preciso
Telefonava pra mandar

Afinal chegou o dia
Do casamento feliz
Primeiramente iriam
A presença do juiz
Depois foram se casar
Na igreja da matriz

As testemunhas do bode
Foram cachorro e elefante
Da raposa a professora
Onça pintada galante
E a filha do capitão lobo
Uma jovem muito elegante

Sapo tocava guitarra
O macaco bandolino
Periquito na rabeca
Canguru no violino
Caititu no contra baixo
E o peru no cavaquinho

Guaxinim tocava flauta
O papagaio violão
O socó na clarineta
Morcego no rabecão
Mestre coelho no tambor
E o mocó no bombardão

Veado lavava prato
Carneiro botava mesa
A garça junto ao pavão
Iam fazendo a limpeza
O porco de sentinela
Para servir de defesa

Estavam todos na mesa
Começou uma discussão
Dizia o lobo que era
Superior ao leão
Saltou o cachorro dizendo
Amigo agora isto não

Diga-me por qual motivo
És melhor que o leão
Ele sendo o nosso rei
Tem o direito na mão
Temos de reconhecê-lo
Como chefe da nação

Porém o lobo zangou-se
Queria porque queria
Ver terminar em desgosto
A festa daquele dia
O cachorro deitou-lhe o braço
Errou pegou na cotia

O dom raposo na luta
A favor do capitão
O cachorro pegou de jeito
E lhe deu um bofetão
E uma grande dentada
Deixando morto no chão

Nisso chegou doutor bode
Vendo seu sogro morrer
A professora também
Foi a causa defender
Mas o boi tomou a frente
Fez a onça esmorecer

Capitão lobo nesse dia
Arrenegou-se do diabo
O corneteiro entrou na luta
Poucos minutos deu cabo
Camelo quebrou espinhaço
A anta perdeu o rabo

Saltou o burro dizendo
Com o leão ninguém bole
Pode vir duzentos lobos
Dum bocado não me engole
Deu um pontapé no urso
Que ainda hoje anda mole

Peru correu para um lado
Quase morre de tremer
Veado a zoada vendo
Tratou logo de correr
O jacaré caiu na água
Não quis a vida perder

Tenente gato na luta
Com os dentes agarrou o preá
Macaco pulou num pau
E gritou guardem de lá
Façam o angu de vocês
Que eu fico olhando de cá

A raposa a muito tempo
Já tinha se escapulido
Vendo o cachorro na luta
Não quis saber de marido
Caçote deixou a barba
Cobra deixou o vestido

O peba apanhou de pau
Traça ficou em farrapo
Urubu quebrou a perna
Jaboti desceu em trapo
A mucura quase morre
Pisaram em cima do sapo

Morcego por ser sabido
Agarrou-se no cavalo
O grilo ia fugindo
O gavião pode pegá-lo
A barata se desviando
Passou no bico do galo

Dum murro o coelho quebrou
O pescoço do socó
Deixou a preguiça sem junta
Ficou sem rabo o mocó
A girafa disse vôte
Quem quiser que brigue só

Onça fez uma carranca
Deu um bofete no bode
Ele espirrando dizia
Com a onça ninguém pode
Dum bofete que me deu
Quase me arranca o bigode

Porco sacou de um facão
E gritou guarda debaixo
Com meia hora de luta
Sangue corria em riacho
Pavão apanhou de pau
Mas não sujou o penacho

Camaleão foi saindo
Guaxinim meteu a faca
O cachorro pegou o padre
E foi com ele a estaca
Disse a garça vocês briguem
Mas não me sujem a casaca

O papagaio nem sabia
Que rumo tinha tomado
Cigarra saiu voando
Caboré estava trepado
A rã detrás duma porta
O tiu todo arranhado

O elefante e o boi
Lutavam na força bruta
O cachorro com o lobo
E a onça na disputa
A anta mais o mocó
Perderam o rabo na luta

Com duas horas de luta
O campo estava deserto
Não tinha quem visse mais
Um deles ali por perto
Desde esse dia que os bichos
Se intrigaram por certo

Vamos saber dos noivos
Que tinham se escapulido
A raposa muito nervosa
Por já ter tudo perdido
Se não fosse o casamento
Seu pai não tinha morrido

Camisa de sete varas
Só veste ela quem pode
Diabo leve o casamento
Chorando dizia o bode
Por causa do tal casório
Ia perdendo o bigode

O bode fez uma jura
Por tudo quanto é sagrado
Se pudesse se divorciar
Não seria mais casado
Na minha mente o camelo
Saiu mais prejudicado

Ao cabo de muito tempo
A raposa apareceu
Magra nojenta e pelada
Nem o bode conheceu
Chorando amargamente
Pelo seu pai que perdeu

Dizia perdi meu pai
Disse o bode se não corro
A onça me deu um tapa
Um murro que quase morro
Culpados de tudo isso
Foi o lobo e o cachorro

A raposa chamou o bode
Para se divorciar
E fez juramento a Deus
De nunca mais se casar
Ficou de mal com o cachorro
Pra nunca mais se falar.


Literatura de Cordel quarta, 02 de janeiro de 2019

O CAVALO QUE DEFECAVA DINHEIRO (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS)

 

O Cavalo que Defecava Dinheiro

Leandro Gomes de Barros

Na cidade de Macaé
Antigamente existia
Um duque velho invejoso
Que nada o satisfazia
Desejava possuir
Todo objeto que via

Esse duque era compadre
De um pobre muito atrasado
Que morava em sua terra
Num rancho todo estragado
Sustentava seus filhinhos
Na vida de alugado.

Se vendo o compadre pobre
Naquela vida privada
Foi trabalhar nos engenhos
Longe da sua morada
Na volta trouxe um cavalo
Que não servia pra nada

Disse o pobre à mulher:
_ Como havemos de passar?
O cavalo é magro e velho
Não pode mais trabalhar
Vamos inventar um “quengo”
Pra ver se o querem comprar.

Foi na venda e de lá trouxe
Três moedas de cruzado
Sem dizer nada a ninguém
Para não ser censurado
No fiofó do cavalo
Foi o dinheiro guardado

Do fiofó do cavalo
Ele fez um mealheiro
Saiu dizendo: _ Sou rico!
Inda mais que um fazendeiro,
Porque possuo o cavalo
Que só defeca dinheiro.

Quando o duque velho soube
Que ele tinha esse cavalo
Disse pra velha duquesa:
_Amanhã vou visitá-lo
Se o animal for assim
Faço o jeito de comprá-lo!

Saiu o duque vexado
Fazendo que não sabia,
Saiu percorrendo as terras
Como quem não conhecia
Foi visitar a choupana,
Onde o pobre residia.

Chegou salvando o compadre
Muito desinteressado:
_Compadre, Como lhe vai?
Onde tanto tem andado?
Há dias que lhe vejo
Parece está melhorado…

_É muito certo compadre
Ainda não melhorei
Porque andava por fora
Faz três dias que cheguei
Mas breve farei fortuna
Com um cavalo que comprei.

_Se for assim, meu compadre
Você está muito bem!
É bom guardar o segredo,
Não conte nada a ninguém.
Me conte qual a vantagem
Que este seu cavalo tem?

Disse o pobre: _Ele está magro
Só o osso e o couro,
Porém tratando-se dele
Meu cavalo é um tesouro
Basta dizer que defeca
Níquel, prata, cobre e ouro!

Aí chamou o compadre
E saiu muito vexado,
Para o lugar onde tinha
O cavalo defecado
O duque ainda encontrou
Três moedas de cruzado.

Então exclamou o velho:
_Só pude achar essas três!
Disse o pobre: _Ontem à tarde
Ele botou dezesseis!
Ele já tem defecado,
Dez mil réis mais de uma vez.

_Enquanto ele está magro
Me serve de mealheiro.
Eu tenho tratado dele
Com bagaço do terreiro,
Porém depois dele gordo
Não quem vença o dinheiro…

Disse o velho: _meu compadre
Você não pode tratá-lo,
Se for trabalhar com ele
É com certeza matá-lo
O melhor que você faz
É vender-me este cavalo!

_Meu compadre, este cavalo
Eu posso negociar,
Só se for por uma soma
Que dê para eu passar
Com toda minha família,
E não precise trabalhar.

O velho disse ao compadre:
_Assim não é que se faz
Nossa amizade é antiga
Desde os tempo de seus pais
Dou-lhe seis contos de réis
Acha pouco, inda quer mais?

_Compadre, o cavalo é seu!
Eu nada mais lhe direi,
Ele, por este dinheiro
Que agora me sujeitei
Para mim não foi vendido,
Faça de conta que te dei!

O velho pela ambição
Que era descomunal,
Deu-lhe seis contos de réis
Todo em moeda legal
Depois pegou no cabresto
E foi puxando o animal.

Quando ele chegou em casa
Foi gritando no terreiro:
_Eu sou o homem mais rico
Que habita o mundo inteiro!
Porque possuo um cavalo
Que só defeca dinheiro!

Pegou o dito cavalo
Botou na estrebaria,
Milho, farelo e alface
Era o que ele comia
O velho duque ia lá,
Dez, doze vezes por dia…

Aí o velho zangou-se
Começou loga a falar:
_Como é que meu compadre
Se atreve a me enganar?
Eu quero ver amanhã
O que ele vai me contar.

Porém o compadre pobre,
(Bicho do quengo lixado)
Fez depressa outro plano
Inda mais bem arranjado
Esperando o velho duque
Quando viesse zangado…

O pobre foi na farmácia
Comprou uma borrachinha
Depois mandou encher ela
Com sangue de uma galinha
E sempre olhando a estrada
Pré ver se o velho vinha.

Disse o pobre à mulher:
_Faça o trabalho direito
Pegue esta borrachinha
Amarre em cima do peito
Para o velho não saber,
Como o trabalho foi feito!

Quando o velho aparecer
Na volta daquela estrada,
Você começa a falar
Eu grito: _Oh mulher danada!
Quando ele estiver bem perto,
Eu lhe dou uma facada.

Porém eu dou-lhe a facada
Em cima da borrachinha
E você fica lavada
Com o sangue da galinha
Eu grito: _Arre danada!
Nunca mais comes farinha!

Quando ele ver você morta
Parte para me prender,
Então eu digo para ele:
_Eu dou jeito ela viver,
O remédio tenho aqui,
Faço para o senhor ver!

_Eu vou buscar a rabeca
Começo logo a tocar
Você então se remaxa
Como quem vai melhorar
Com pouco diz: _Estou boa
Já posso me levantar.

Quando findou-se a conversa
Na mesma ocasião
O velho ia chegando
Aí travou-se a questão
O pobre passou-lhe a faca,
Botou a mulher no chão.

O velho gritou a ele
Quando viu a mulher morta:
_Esteja preso, bandido!
E tomou conta da porta
Disse o pobre: _Vou curá-la!
Pra que o senhor se importa?

_O senhor é um bandido
Infame de cara dura
Todo mundo apreciava
Esta infeliz criatura
Depois dela assassinada,
O senhor diz que tem cura?

Compadre, não admito
O senhor dizer mais nada,
Não é crime se matar
Sendo a mulher malcriada
E mesmo com dez minutos,
Eu dou a mulher curada!

Correu foi ver a rabeca
Começou logo a tocar
De repente o velho viu
A mulher se endireitar
E depois disse: _Estou boa,
Já posso me levantar…

O velho ficou suspenso
De ver a mulher curada,
Porém como estava vendo
Ela muito ensanguentada
Correu ela, mas não viu,
Nem o sinal da facada.

O pobre entusiasmado
Disse-lhe: _Já conheceu
Quando esta rabeca estava
Na mão de quem me vendeu,
Tinha feito muitas curas
De gente que já morreu!

No lugar onde eu estiver
Não deixo ninguém morrer,
Como eu adquiri ela
Muita gente quer saber
Mas ela me está tão cara
Que não me convém dizer.

O velho que tinha vindo
Somente propor questão,
Por que o cavalo velho
Nunca botou um tostão
Quando viu a tal rabeca
Quase morre de ambição.

_Compadre, você desculpe
De eu ter tratado assim
Porque agora estou certo
Eu mesmo fui o ruim
Porém a sua rabeca
Só serve bem para mim.

_Mas como eu sou um homem
De muito grande poder
O senhor é um homem pobre
Ninguém quer o conhecer
Perca o amor da rabeca…
Responda se quer vender?

_Porque a minha mulher
Também é muito estouvada
Se eu comprar esta rabeca
Dela não suporto nada
Se quiser teimar comigo,
Eu dou-lhe uma facada.

_Ela se vê quase morta
Já conhece o castigo,
Mas eu com esta rabeca
Salvo ela do perigo
Ela daí por diante,
Não quer mais teimar comigo!

Disse-lhe o compadre pobre:
_O senhor faz muito bem,
Quer me comprar a rabeca
Não venderei a ninguém
Custa seis contos de réis,
Por menos nem um vintém.

O velho muito contente
Tornou então repetir:
_A rabeca já é minha
Eu preciso a possuir
Ela para mim foi dada,
Você não soube pedir.

Pagou a rabeca e disse:
_Vou já mostrar a mulher!
A velha zangou-se e disse:
_Vá mostrar a quem quiser!
Eu não quero ser culpada
Do prejuízo que houver.

_O senhor é mesmo um velho
Avarento e interesseiro,
Que já fez do seu cavalo
Que defecava dinheiro?
_Meu velho, dê-se a respeito,
Não seja tão embusteiro.

O velho que confiava
Na rabeca que comprou
Disse a ela: _Cale a boca!
O mundo agora virou
Dou-lhe quatro punhaladas,
Já você sabe quem sou.

Ele findou as palavras
A velha ficou teimando,
Disse ele: _Velha dos diabos
Você ainda está falando?
Deu-lhe quatro punhaladas
Ela caiu arquejando…

O velho muito ligeiro
Foi buscar a rabequinha,
Ele tocava e dizia:
_Acorde, minha velhinha!
Porém a pobre da velha,
Nunca mais comeu farinha.

O duque estava pensando
Que sua mulher tornava
Ela acabou de morrer
Porém ele duvidava
Depois então conheceu
Que a rabeca não prestava.

Quando ele ficou certo
Que a velha tinha morrido
Boto os joelhos no chão
E deu tão grande gemido
Que o povo daquela casa
Ficou todo comovido.

Ele dizia chorando:
_Esse crime hei de vingá-lo
Seis contos desta rabeca
Com outros seis do cavalo
Eu lá não mando ninguém,
Porque pretendo matá-lo.

Mandou chamar dois capangas:
_Me façam um surrão bem feito
Façam isto com cuidado
Quero ele um pouco estreito
Com uma argola bem forte,
Pra levar este sujeito!

Quando acabar de fazer
Mande este bandido entrar,
Para dentro do surrão
E acabem de costurar
O levem para o rochedo,
Para sacudi-lo no mar.

Os homens eram dispostos
Findaram no mesmo dia,
O pobre entrou no surrão
Pois era o jeito que havia
Botaram o surrão nas costas
E saíram numa folia.

Adiante disse um capanga:
_Está muito alto o rojão,
Eu estou muito cansado,
Botemos isto no chão!
Vamos tomar uma pinga,
Deixe ficar o surrão.

_Está muito bem, companheiro
Vamos tomar a bicada!
(Assim falou o capanga
Dizendo pro camarada)
Seguiram ambos pra venda
Ficando além da estrada…

Quando os capangas seguiram
Ele cá ficou dizendo:
_Não caso porque não quero,
Me acho aqui padecendo…
A moça é milionária
O resto eu bem compreendo!

Foi passando um boiadeiro
Quando ele dizia assim,
O boiadeiro pediu-lhe:
_Arranje isto pra mim
Não importa que a moça
Seja boa ou ruim!

O boiadeiro lhe disse:
_Eu dou-lhe de mão beijada,
Todos os meus possuídos
Vão aqui nessa boiada…
Fica o senhor como dono,
Pode seguir a jornada!

Ele condenado à morte
Não fez questão, aceitou,
Descoseu o tal surrão
O boiadeiro entrou
O pobre morto de medo
Num minuto costurou.

O pobre quando se viu
Livre daquela enrascada,
Montou-se num bom cavalo
E tomou conta da boiada,
Saiu por ali dizendo:
_A mim não falta mais nada.

Os capangas nada viram
Porque fizeram ligeiro,
Pegaram o dito surrão
Com o pobre do boiadeiro
Voaram de serra abaixo
Não ficou um osso inteiro.

Fazia dois ou três meses
Que o pobre negociava
A boiada que lhe deram
Cada vez mais aumentava
Foi ele um dia passar,
Onde o compadre morava…

Quando o compadre viu ele
De susto empalideceu;
_Compadre, por onde andava
Que agora me apareceu?!
Segundo o que me parece,
Está mais rico do que eu…

_Aqueles seus dois capangas
Voaram-me num lugar
Eu caí de serra abaixo
Até na beira do mar
Aí vi tanto dinheiro,
Quanto pudesse apanhar!..

_Quando me faltar dinheiro
Eu prontamente vou ver.
O que eu trouxe não é pouco,
Vai dando pra eu viver
Junto com a minha família,
Passar bem até morrer.

_Compadre, a sua riqueza
Diga que fui eu quem dei!
Pra você recompensar-me
Tudo quanto lhe arranjei,
É preciso que me bote
No lugar que lhe botei!..

Disse-lhe o pobre: _Pois não,
Estou pronto pra lhe mostrar!
Eu junto com os capangas
Nós mesmo vamos levar
E o surrão de serra abaixo
Sou eu quem quero empurrar!..

O velho no mesmo dia
Mandou fazer um surrão.
Depressa meteu-se nele,
Cego pela ambição
E disse: _Compadre eu estou
À tua disposição.

O pobre foi procurar
Dois cabras de confiança
Se fingindo satisfeito
Fazendo a coisa bem mansa
Só assim ele podia,
Tomar a sua vingança.

Saíram com este velho
Na carreira, sem parar
Subiram de serra acima
Até o último lugar
Daí voaram o surrão
Deixaram o velho embolar…

O velho ia pensando
De encontrar muito dinheiro,
Porém secedeu com ele
Do jeito do boiadeiro,
Que quando chegou embaixo
Não tinha um só osso inteiro.

Este livrinho nos mostra
Que a ambição nada convém
Todo homem ambicioso
Nunca pode viver bem,
Arriscando o que possui
Em cima do que já tem.

Cada um faça por si,
Eu também farei por mim!
É este um dos motivos
Que o mundo está ruim,
Porque estamos cercados
Dos homens que pensam assim.


Literatura de Cordel quarta, 19 de dezembro de 2018

O CASAMENTO D UM CALANGRO (FOLHETO DE GERMANO DA LAGÔA)

 

Respeitada a ortografia da época

O CASAMENTO DE UM CALANGRO – Germano da Lagôa

Foi um calangro na casa
De seu tio papavento.
Tomou-lhe a benção e disse.
Antes de tomar assento:
Venho lhe pedir a mão
De sua filha em casamento.

Papavento respondeu-lhe :
Tua linhagem descobre
Que inda és meu parente.
Descendes de sangue nobre.
Mas não te dou minha filha
Porque tú és muito pobre.

Bem conheço que sou pobre,
Não é preciso que diga,
Mais não se fala em pobresa
Quando um forte amor se liga,
Vai mais que o senhor me a dê
Do que haver uma intriga.

Papavento respondeu-lhe :
Em vista do teu assumpto
Eu como pae de familia
Uma coiisa te pergunto:
Se fóra do dia de hoje,
Com ella já andaste junto ?

Calangro lhe respondeu :
Meu tio deixe de asneira,
Que fóra do dia de hoje
Temos feito é muita cêra
E temos andado juntos
Uma semana inteira.

Papavento disse: Isto
Que me diz é uma affronta,
Você é um atrevido
E minha filha uma tonta ;
-Póde ir botar os banhos
Que a dispensa eu dou prompta.

Calangro sahiu aos saltos
De tanto contentamento,
Não parava mais em casa
Não trabalhava um momento,
Passava dias e noites
Em casa do papavento.

Papavento, quengo velho,
Mestre na velhacaria,
Disse a mulher: – Que vem ver
Calangro aqui todo dia.
Tome cautella com elle,
Viva com a noiva de espia.

 

No outro dia Calangro
Foi de novo ver a prima,
Achou-a longe de casa
Trepada em um pé de lima
Calangro fallou em baixo
Ella respondeu-lhe em cima.

Disse ella então ao Calangro;
Não sabes, meu namorado ?
Que esta noite, eu vi papai
Paliando bem agastado,
Calangro disse me conte
O que por lá foi passado.

Papai disse a minha mãe
Que queria lhe pedir
Para que você deixasse
De tantas vezes lá ir,
E se elle isto fizer
Só tem de ver eu fugir.

Calangro olhou para a prima
Achou-a muito amarella,
Foi ao papavento e disse:
Fique com sua donzella
Que eu não sirvo p’ra remendo,
Caçe outro e case ella.

Papavento disse: – Isso
Não é cousa que se faça
Se seu pai não der um geito
Você não gosta da graça;
Ou casa com minha filha
Ou se acaba a nossa raça.

Foi a noiva se queixar
Ao pai de seu namorado
Disse ao velho: – Meu tio
Tenha dó de meu estado
Pois eu não sou cão sem dono;
Calangro está enganado.

Se o senhor não der um geito
Eu me queixo ao delegado,
Meu pai tem dinheiro e gasta
E é feio o resultado;
Seu filho está bem moço
Poderá ser recrutado.

O pai de calangro disse :
Não tenho geito a lhe dar ;
E a noiva, d’ali mesmo
Saiu para se queixar
Ao capitão cururú
Delegado do lugar.

Cururú ouviu a queixa
E saltou fóra do poço,
Dizendo enthusiasmado,
Vamos ter barulho grosso ;
A Excellentissima volte
Que eu mando prender o moço.

Tocou logo uma bozina
Que ficou tudo assombrado,
N’uma hora o alagadiço
Estava cheio de soldado,
Tudo gritando a um tempo
Às ordens ! seu delegado !

— Vão em casa do juiz
Para passar o mandado
Ao official de justiça
Quero o Calangro intimado
E se elle resistir
Venha morto ou amarrado.

O cabo disse ao sargento ;
– Bote os soldados na frente,
Eu não vou que sou casado,
Calangro é homem valente.
Se elle pegar nas armas
Mata hoje muita gente.

Ahí disse o official,
Vão indo de vagarinho,
Primeiro, cerca-se a casa,
Empiqueta-se o caminho,
Vocês segurem o cerco
Que eu pego o homem sosinho.

O official era o gato
Que conduzia o mandado,
Calangro quando ouviu
Dizer que estava cercado
Disse de dentro p’ra fóra:
—Não deixo vivo um soldado.

O gato ahi respondeu-lhe:
—Quem vai dar leva seu sacco ;
Saia fóra, vamos ver
Quem de nós dois é mais fraco.
Nessas palavras calangro
Veio a bocca do buraco.

O gato pulou de cá
E pegou-o pelo rabo,
E foi dizendo se renda
Se não eu já o acabo.
Calangro grita estou preso;
Vá acabar com o diabo.

Nesta lucta que tiveram
Deixaram o calangro nú
E assim mesmo o levaram
À vista do cururú
Que o interrogou dizendo :
—0 que é que fizeste tú?

Disse o calangro o que fiz,
É cousa que não offende,
Eu quiz casar com a prima
E … o senhor bem me entende
Julgo até que não tem crime
Quem com tempo se arrepende.

Cururú disse:—0 senhor
Cahiu num feio artigo ;
E para punir a honra
Sou rigoroso comsigo ;
Ou se casa, ou senta praça,
Ou a forca é seu castigo !

Eu não queria casar
Porque me vejo em atrazo
E não quero assentar praça
Para ser soldado raso ;
Em vista do que me diz
Se hei de morrer, antes caso.

Disse o cururú: – Vão ver,
P’ra casa do papavento
0 padre tamanduá,
E dêm á festa andamento.
Por que de hoje a trez dias
Se fará o casamento.

Convidem dona Raposa
P’ra da noiva ser madrinha,
Ella veja se arranja
Por lá alguma gallinha
Para ajudar na festa,
Que a outra despeza é minha.

Foram ver o tejú-assú
P’ra do noivo ser padrinho ;
Esse, disse ao portador
Quando vinha no caminho :
Se houver óvos, eu vou.
Por que não bebo vinho.

E outra cousa, também,
P’ra eu não ir enganado:
Sabe se o major cachorro
P’ra festa foi convidado ?
Se foi, eu volto d’aqui.
Que elle é meu intrigado …

Finalmente se juntaram
A raposa, o tejú-assú,
O papavento e a mulher,
A seriema, o urubú,
Padre, noivos, convidados.
Só faltou o cururú.

Urubú foi cosinheiro ;
Fez um comer muito ruim,
Adquiriu para o padre
Uns pedaços de copim,
E elle comia dizendo
É pouco, só dá pra mim.

Quando estava posta a mesa
Um guarda, a porta espiava ;
E foi então avisar
Que o cachorro chegava
Tejú-assú levantou-se
E disse que não ficava.

Disse a raposa: – Eu não saio
Deixando o meu prato cheio,
Tejú-assú disse: – Eu corro
Que o barulho aqui é feio.
Nisto o cachorro pegou-o
E cortou-lhe o rabo ao meio!

Sahiu o tejú-assú
Damnado pela floresta
Levando pedras e páos
Tudo de eito na testa ;
Encontrou cameleão
Que inda vinha p’ra festa.

Cameleão quando ouviu
De seu parente a zuada,
Assombrado perguntou-lhe :
– O que há meu camarada?
Temos barulho na festa,
Ou me vem com caçuada ?

Caçuada, o que seu mano,
Foi um barulho do diabo;
Major cachorro chegou
Peor do que um leão brabo,
Botou-se primeiro a mim
Olhe o que me fez no rabo !

Numa luta sanguinaria
Se empenharam os convidados
Os que escaparam com vida
Fugiram ensanguentados;
Desde esse dia ficaram
Os animaes intrigados.


Literatura de Cordel quarta, 12 de dezembro de 2018

A MORTE DE ÍCARO (FOLHETO DE MAÉRCIO LOPES SIQUEIRA)

 

A MORTE DE ÍCARO

Maércio Lopes Siqueira

 Dédalo e Ícaro: da mitologia grega para a literatura popular nordestina

 

A mitologia grega

é rica de ensinamento

para toda nossa vida

pois nos dá conhecimento

da natureza humana,

mostrando como se engana

nosso pobre pensamento.

 

Uma lenda dessas diz

que Dédalo trabalhava

para Minos, um rei grego

e a ele agradava

com as suas invenções,

pois suas fabricações

o rei muito apreciava.

 

Mas a glória durou pouco

sumiu a sua alegria.

Dédalo desagradou

ao rei o por isso ia

para sempre ser levado

e ficar aprisionado

numa torre muito fria.

 

Nesse lugar de prisão

numa ilha situado

Dédalo ficou cativo

do seu filho acompanhado.

Tanto o pai como o menino

cumpriam o seu destino

pela vida já traçado.

 

 

Porém Dédalo pensava

num modo de escapar.

Queria fugir dali

pra ninguém mais o pegar.

Levaria o seu filho

vencendo todo empecilho

para assim se libertar.

 

Depois de muito pensar,

encontrou uma saída

e disse para si mesmo

numa voz bem comovida:

“Vigiam terra e mar,

é por tanto pelo ar

que salvarei nossa vida.”

 

Porque Minos, o rei grego,

mandava que a vigilância

fosse dura e rigorosa

sempre em toda circunstância

pela terra e pelo mar

sem deixar de revistar

tudo com toda constância

 

Por isso Dédalo pai

por ser bom visionário

enxergou a solução

no seu grande imaginário,

pensando em fabricar

boas asas e voar

de modo extraordinário.

 

O inteligente homem

ansioso por fazer

dois pares de asas boas,

começou a percorrer

o espaço que podia

e as penas que ele via

tratava de recolher.

 

Depois de ter recolhido

boas e diversas penas,

ele amarra com uns fios,

usando os dedos apenas

juntando bem as maiores

para depois as menores

com cera colar centenas.

 

Enquanto o pai trabalhava

com a mente e com os dedos

o filho se divertia

as penas sendo brinquedos

quando o vento as levava,

ele corria e pegava

eram esses seus folguedos.

 

Dédalo faz que as asas

tenham boa curvatura,

cuidando para que elas

se encaixem na estrutura,

quer fazer de modo tal

que chegando ao final

a obra tique segura.

 

Quando aprontou as asas

quis fazer um experimento

segurou nelas com jeito

e fazendo movimento

seu corpo ficou suspenso,

sentiu um prazer imenso

por causa de seu invento.

 

As asas funcionaram

de modo sensacional

Assim eles fugiriam

numa forma sem igual.

Pai e filho como aves

quebrando todas as traves

da nossa lei natural.

 

Pois o homem não é ave,

o seu lugar é o chão,

homem ter um par de asas

é um caso de aberração,

ou fruto da inteligência

de trabalho e paciência

de grandiosa invenção.

 

Pondo no filho as asas,

Dédalo muito feliz

ajeitando seu pequeno,

com forte voz ele diz:

Ícaro, filho querido

vou deixá-lo esclarecido

pois tu és um aprendiz.

 

Não vá voar muito baixo

aproximado do mar,

os vapores dessas águas

podem te atrapalhar.

Também não subas demais,

a cena não é capaz

do calor agüentar.

 

É preciso o equilíbrio

e voar numa altura

que não comporte perigo

e que seja mais segura.

Por isso fica ao meu lado

pois eu tenho mais cuidado

e melhor desenvoltura.

 

Dito isso, os dois partiram

cruzando o imenso céu,

da prisão dura saindo

deixando a ilha cruel.

Voavam com liberdade,

sentindo a felicidade

mais doce que o doce mel.

 

Os camponeses na roça

viram os dois seres voantes,

pensaram que eram deuses

voando por une instantes.

Ficaram admirados

todos eles encantados

com os dois seres distantes.

 

Ícaro, entusiasmado,

com o vôo se embelezou

quis atingir mais altura

e por isso ele deixou

do seu pai a companhia.

O sol alto o seduzia

alcançá-lo ele buscou.

 

O forte calor do sol

foi, porém seu inimigo,

as asas se desfaziam

era fatal o perigo

pois s cera derreteu-se

toda pena desprendeu-se

esse foi o seu castigo.

 

O menina agita os braços

procurando flutuar

como se ainda tivesse

as asas para voar.

Gritando aflito pro pai

porém sem jeito ele cai

nas profundezas do mar.

 

E Dédalo não conseguiu

do seu filho o salvamento.

Viu quando ele caía

mas o distanciamento

não permitiu sua ação

que trouxesse a salvação

para o filho no momento.

 

Viu o filho despencar-se

em busca do mar profundo,

tristeza maior que essa

não existe nesse mundo!

O sue Ícaro morreu

quando nas águas bateu

numa fração de segundo.

 

O pai muito amargurado

Das águas tira o menor,

Levou-o pra muito longe

Para dar-lhe a melhor

E bonita sepultura,

Que acolhesse com ternura

O seu tesouro maior.

 

Então Dédalo enterrou

o filho muito querido.

De ter feito aquelas asas

já estava arrependido

Alcançou a liberdade

mas lhe ficou a saudade

do menino assim perdido.

 

Em memória do seu filho

toda aquela região

ele chamou de Icária

pra sua recordação.

Chegou em paz na Sicília

deixando pra sempre a ilha

lugar da triste prisão.

 

Essa lenda tão fantástica

nos mostra com eficiência

a importância do invento,

do saber e da ciência,

mas nos dá uma lição

pra termos moderação

no uso da inteligência.

 

Ela também nos ensina

o amor pela virtude,

a busca do equilíbrio

seja em nós uma atitude.

O sucesso e a grandeza,

o prazer e a riqueza,

tudo isso nos ilude.

 

Dédalo foi muito sábio,

pois conhecia o segredo

das coisas da natureza,

no entanto tinha medo

e por isso advertiu

mas o filho não ouviu

morrendo, por isso, cedo.

 

Portanto toda ciência

quando é mal direcionada

passando dos seus limites

de uma forma exagerada

deixa de ser benfazeja

por importante que seja

torna amaldiçoada.


Literatura de Cordel quarta, 05 de dezembro de 2018

O TESTAMENTO DA CIGANA ESMERALDA (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS) ÁUDIO


Literatura de Cordel quarta, 28 de novembro de 2018

UMA VIAGEM AO CÉU (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS)

 


Uma vez, eu era pobre,

Vivia sempre atrasado,

Botei um negócio bom

Porém vendi-o fiado

Um dia até emprestei

O livro do apurado.



Dei a balança de esmola

E fiz lenha do balcão

Desmanchei as prateleiras

Fiz delas um marquezão

Porém roubaram-me a cama

Fique dormindo no chão.



Estava pensando na vida

Como havia de passar,

Não tinha mais um vintém

Nem jeito pra trabalhar

O marinheiro da venda

Não queria mais fiar.



Pus a mão sobre a cabeça

Fiquei pensando na vida

Quando do lado do Céu

Chegou uma alma perdida,

Perguntou: - Era o senhor,

Que aí vendia bebida?



Eu disse que era eu mesmo

E a venda estava quebrada,

Mas se queria um pouquinho

Ainda tinha guardada

Obra de uns dois garrafões

De aguardente imaculada.



Me disse a alma: - Eu aceito

E lhe agradeço eternamente

Porque moro Céu, mas lá

Inda não entra aguardente

São Pedro inda plantou cana

Porém perdeu a semente.



Bebeu obra de 3 contos,

Ficou muito satisfeita

Disse: - Aguardente correta,

Imaculada direita,

Isso é que eu chamo bebida

Essa aqui, ninguém enjeita!



Perguntei-lhe: - Alma, quem és?

Disse ela: - Tua amiga,

Vim te dizer que te mude

Aqui não dá nem intriga

Quer ir para o Céu comigo?

Lá é que se bota barriga!



Eu lá subi com a alma

Num automóvel de vento

Então a alma me mostrava

Todo aquele movimento,

As maravilhas mais lindas

Que existem no firmamento.



Passamos no Purgatório,

Tinha um pedreiro caiando,

Mas adiante era o Inferno

Tinha um diabo cantando

E a alma de um ateu

Presa num tronco, apanhando.



Afinal, cheguei no Céu

A alma bateu na porta,

Como pouco chegou São Pedro

Que estava pela horta,

Perguntou-lhe: - Esta pessoa

Ainda é viva, ou é morta?



Então a alma respondeu:

- É viva, estava no mundo

Não tinha de que viver

Está feito um vagabundo,

Lá quem não for bem sabido

Passa fome, vive imundo!



São Pedro aí perguntou:

- O mundo lá, como vai?

Eu aí disse: - Meu Santo,

Lá filho rouba do pai,

Está se vendo que o mundo

Por cima do povo cai...



Eu ainda levava um pouco

Da gostosa imaculada,

Dei a ele e ele disse:

- Aguardente raciada!

E aí me disse: - Entre,

Aqui não lhe falta nada!



Arrastou uma cadeira

E mandou eu me sentar

Chamou um criado dele

Disse: - Cuide em se arrumar

Vá lá dentro e diga a ama

Que bote um grande jantar.



Quando acabei de jantar,

O Santo me convidou,

Disse: - Vamos lá na horta

Fui, ele então me mostrou

Coisas que me admiraram

E tudo me embelezou.



Vi na horta de São Pedro

Arvoredos bem criados

Tinha pés de plantações

Que estavam carregados

Pés de libras esterlinas

Que já estavam deitados.



Vi cerca de queijo e prata,

E lagoa de coalhada

Atoleiro de manteiga

Mata de carne guisada

Riacho de vinho do porto,

Só não tinha imaculada!



Prata de quinhentos réis

Eles lá chamam caipora,

Botavam trabalhadores

Para jogar tudo fora,

Esses níqueis de cruzado

Lá nascem de hora em hora.



Então São Pedro me disse:

- Quero fazer-lhe um presente,

Quando você for embora

Vou lhe dar uma semente,

Você mesmo vai escolher

Aquela mais excelente!



Deu-me dez pés de dinheiro,

Alguns querendo botar,

Filhos de queijo do reino

Já querendo safrejar,

Uns caroços de brilhante

Para eu na terra plantar.



Galhos de libra esterlina

Deu-me cento e vinte pés

Deu-me um saco de semente

De cédulas de cem mil réis

Deu-me maniva de prata

De diamante, umas dez.



Aí chamou Santa Bárbara,

Esta veio com atenção

São Pedro aí disse a ela:

Eu quero uma arrumação

Este moço quer voltar

Arranje-lhe uma condução.



- Bote cangalha num raio,

E a sela num trovão

Veja se arranja um corisco

Para ele levar na mão,

Porque daqui para Terra

Existe muito ladrão!



Eu desci do Céu alegre

Comigo não foi ninguém

Passei pelo Purgatório

Ouvi um barulho além –

Era a velha minha sogra

Que dizia: - Eu vou também!



Eu lhe disse: - Minha sogra,

Eu não posso a conduzir

Ela me disse: - Eu lhe mostro

Porque razão hei de ir

E se não for apago o raio

Quero ver você seguir!



Nisso o raio se apagou,

Desmantelou-se o trovão,

O corisco que eu trazia

Escapuliu-se da mão

E tudo quanto eu trazia

Caiu desta vez no chão.



Aí a velha voltou

Rogando praga e uivando,

Quando entrou no Purgatório

Foi se mordendo e babando

Dizendo tudo de mim

Lançando fogo e falando.



Bem dizia o meu avô:

- Sogra, nem depois de morta

Fede a carniça de corpo

A língua da alma corta

Não diz assim quem não viu

Uma sogra em sua porta.



Eu vinha com isso tudo

Que o santo tinha me dado

Mas minha sogra apanhou

O diabo descuidado

Fiquei pior do que estava

Perdi o que tinha achado.



E quando cheguei em casa

A mulher quase me come,

Ainda pegou um cacete

E me chamou tanto nome,

Disse que eu casei com ela

Para matá-la de fome...



Se não fosse minha sogra

Eu hoje estava arrumado,

Mas ela no Purgatório

Achou tudo descuidado,

Abriu a porta e danou-se

Veio deixar-me encaiporado.



Nunca mais voltei ao Céu

Para falar com São Pedro,

E ainda mesmo que possa

Não vou porque tenho medo

Posso encontrar minha sogra

E vai de novo outro enredo.



FIM

 

 

 


Literatura de Cordel quarta, 21 de novembro de 2018

O CACHORRO DOS MORTOS (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS)

 

 

Os nossos antepassados

Eram muito prevenidos

Diziam: matos têm olhos

E paredes tem ouvidos

Os crimes são descobertos

Por mais que sejam escondidos

 

Em oitocentos e seis

Na província da Bahia

Distante da capital

três léguas ou menos seria

Sebastião de Oliveira

ali num canto vivia

 

Ele, a mulher e duas filhas

E um filho já homem feito

O rapaz era empregado

E estudava direito

O velho não era rico

Mas vivia satisfeito

 

As duas filhas eram moças

Bonitas e encantadoras

Logravam na capital

O nome de sedutoras

Chamavam atenção de todos

As grandes tranças tão louras

 

Esse velho era ferreiro

E ferreiro habilitado

Vivia ali do ofício

Plantando e criando gado

Por três vezes enjeitou

O cargo de delegado

 

Havia um vizinho dele

Eliaziário Amorim

Esse tinha um filho único

Da espécie de Caim

Enquanto o espanhol velho

Até não era ruim

 

O filho deste espanhol

Era uma fera carniceira

Veio provocar namoro

Com as filhas de Oliveira

Uma delas disse a ele:

De nós não há quem o queira



Ele disse: Tu não sabes

Que meu pai possui dinheiro

Em terras e criações

É o maior fazendeiro?

Ela disse: O meu pai é pobre

Planta, cria e é ferreiro

 

Minha mãe tece de ganho

Nós vivemos de costura

Meu pai vive de sua arte

E de sua agricultura

Meu irmão é empregado

Para que maior ventura?

 

O sedutor conheceu

Seus planos serem debalde

E só podia vencê-la

Por meio de falsidade

Que é a arma mais própria

Aonde existe a maldade

 

Saiu dali Valdivino

Fedendo a chifre queimado

E Angelita ficou

Com o coração descansado

Nem disse aos outros de casa

O que tinha passado

 

Ele pensou em forçá-la

Mas pensou no resultado

Devido o pai de Angelita

Ser muito considerado

O filho pelo governo

Era tão conceituado



Exclamou ele consigo:

oO! Angelita és tão bela

Eu não sossegarei mais

E nem me esquecerei dela

Farei tudo para vencê-la

Porém não caso com ela

 

Mas Valdivino temia

O pai dela e o irmão

Que o governo da província

Tinha-lhe muito atenção

O rapaz era empregado

E tinha consideração

 

Valdivino inda pensou

Que matando Floriano

Podia calçar com ouro

Todo governo bahiano

Ainda que entrasse em júri

Não passava nem um ano



Ou poderia matá-lo

Oculto numa emboscada

Porque ninguém vendo o crime

Ele não sofria nada

Defunto não conta história

Estava a questão acabada

 

Havia ali um engano

Entre Vitória e Bahia

A divisão das províncias

Ali ninguém conhecia

Sebastião de Oliveira

Era o único que sabia

 

O governo da província

Tendo aquela precisão

Disse um dia a Floriano

Você vá em comissão

Chamar seu pai para vir

Mostrar a demarcação

 

Valdivino de Amorim

Viu Floriano passar

Escolheu o lugar próprio

Onde pudesse emboscar

Dizendo dentro de si:

Ele não pode escapar

 

A fera foi emboscá-lo

Onde havia uma capoeira

Carregou um bacamarte

Fez duma árvore trincheira

Distante um quarto de légua

Da fazenda de Oliveira

 

O rapaz chegou em casa

O velho tinha saído

Foi ver se achava um jumento

Que havia se sumido

Um amigo lhe escreveu

Que lá tinha aparecido

 

O Floriano chegou

Depois que o velho saiu

Nessa tarde não voltou

Com a família dormiu

Deu o recado à mãe dele

De madrugada seguiu

 

Calar um cachorro velho

Que Sebastião criou

Quando Floriano saiu

Calar o acompanhou

Floriano quis voltar

Porém Calar não voltou

 

Passava ali Floriano

A fera então enfrentou-o

Disparou o bacamarte

Sem vida em terra lançou-o

Calar partiu ao sicário

O assassino amarrou-o

 

As moças lá da fazenda

Ouviram o grande estampido

Angelita se assustou

Dizendo: O que terá sido?

O tiro foi para o lado

Que seu irmão tinha ido

 

Angelita convidou

A sua irmã Esmeralda

Dizendo: Vamos aqui

A passeio pela estrada

Aquele tiro que deram

Deixou-me sobressaltada



No sertão naquele tempo

Podia uma moça andar

Passava dois ou três meses

Sem nem um homem passar

Por isso foram elas duas

Não tinha o que recear

 

Iam ali conversando

Sobre a aragem matutina

Disse Esmeralda à irmã:

Olha para o céu, menina

Estás vendo aquelas estrelas

Como têm a luz tão fina?

 

Chegaram aonde o irmão

Estava morto na estrada

O criminoso no mato

Atirou em Esmeralda

E enfrentou Angelita

Dizendo: Não diga nada

 

Angelita muito pálida

Sem estar esmorecida

Vendo os dois irmãos já mortos

Por uma mão homicida

Lhe disse: Monstro tirano

Eu morro e não sou vencida

 

Ele disse: Angelita

Com tudo isso sou teu

Foi dar-lhe um beijo nos lábios

E Angelita mordeu

Ele cravou-lhe o punhal

Ela ali esmoreceu

 

Pondo a mão na punhalada

Disse: Monstro desgraçado

Aquele velho cachorro

Que está ali amarrado

Descobrirá este crime

E tu serás enforcado



Olhou para o gameleiro

Que tinha junto a estrada

Dizendo: Tu gameleiro

Viste esta cena passada?

És uma das testemunhas

Quando a hora for chegada

 

Na última agonia

Exclamou: Monstro assassino

Tirastes agora três vidas

E não sacias o destino?

Isso hei de te lembrar

Perante o juiz divino!

 

Não julgue que fique impune

Este sangue no deserto

Tu não vês três testemunhas

Que estão aqui muito perto

Estás perante ao público

Irão depor muito certo

 

Disse Valdivino: És louca

Quem viu o que foi passado?

Disse Angelita: Este cão

Que está ali amarrado

A gameleira e as flores

Dirão no dia chegado

 

Olhou para o cão e disse:

Olha, meu velho Calar

Tu dirá tudo ao juiz

Se ele te perguntar

Essa velha gameleira

Fica para te ajudar

 

Essa flor que por ela

Há festa aqui todo ano

Há de tirar a justiça

De uma suspeita ou engano

Dirá ao juiz: Venha ver

Quem matou o Floriano!

 

As três vidas que roubaste

Pagarás com sua vida

Tu hás de te arrepender

Depois da causa perdida

Uma lágrima vertida

Será por teu pai vertida

 

Contudo monstro, perdôo-te

Porque fui e sou cristã

A morte do meu irmão

A minha e de minha irmã

Tu hoje matas a mim

Outro te mata amanhã

 

E pondo a mão sobre uma

Das punhaladas que tinha

Disse a Calar: Se fugires

Consola a minha mãezinha

E diga-lhe que abençoe

Os pobres filhos que tinha



Embora que tu não fales

Pois não te foi concedido

Mas um olhar bem lançado

Dá idéia dum sentido

Um uivo e um olhar

Pode ser compreendido

 

E ali cerrando os olhos

Quase sorrindo expirou

O assassino olhando

Chorando se retirou

Depois pensou: Isto é nada!...

Com toda calma voltou

 

Já estava frio o cadáver

Porém nas faces mimosas

Via-se perfeitamente

Desenho de duas rosas

Como se fossem pintadas

Por mãos das mais curiosas

 

Em Esmeralda se via

O sangue ainda saindo

Vestígio de zombaria

Como quem morre sorrindo

Como criança que brinca

Finge que está dormindo

 

O rapaz banhado em sangue

Bem no meio da estrada

À esquerda de Angelita

À direita de Esmeralda

Com uma mão na ferida

E a outra mão estirada



Valdivino tinha à noite

Escrito numa carteira:

"Eu hoje hei de matar

Floriano de Oliveira

Se não matá-lo me mato

Será a minha derradeira"

 

Datou-a e assinou o nome

Pegou a arma e saiu

Se encostou num gameleiro

A carteira escapuliu

Havia um oco da árvore

Nele a carteira caiu

 

A fera não se lembrou

Da testemunha ocular

Perdendo aquela carteira

Alguém a podia achar

Ela na mão da justiça

Quem poderia o soltar?

 

Porém uma força oculta

Permitiu que ele perdesse

E a mesma força impôs

Que dela se esquecesse

Para dizer a seu tempo:

O assassino foi esse!

 

Calar, o velho cachorro

Que aquele espetáculo via

Soltando uivos enormes

Que muito longe se ouvia

Rosnava, fitava os olhos

Debalde a corda mordia

 

Valdivino ali puxando

Um facão muito afiado

Descarregou no cachorro

Um golpe encolerizado

Errou e cortou a corda

Com que estava amarrado

 

Valdivino ficou triste

Vendo o cachorro correr

Lembrou-se o que Angelita

Disse antes de morrer

Porém disse: Ele não fala

Como poderá dizer?

 

Calar chegou na fazenda

Uivando desesperado

Dona Maria da Glória

Já tinha levantado

Quando viu o cão uivando

Aí cresceu-lhe o cuidado

 

E foi procurar os filhos

Onde ouviu os estampidos

Calar foi adiante uivando

Com enormes alaridos

Dona Maria da Glória 

Ia aguçando os ouvidos



Como não foi seu espanto

Quando chegou no lugar

Onde achou os filhos mortos

Sem nada ali atinar

Calar sabia de tudo

Mas não podia falar

 

Voltou Maria da Glória

Num triste e penoso estado

Já Sebastião em casa

A esperava sentado

Não sabia da desgraça

Que a pouco tinha se dado

 

Perguntou pela família

Ela não pôde contar

Disse apenas: Morreu tudo

E apontou o lugar

Estendeu-se para um lado

Sem mais nada atinar

 

Sebastião de Oliveira

Foi por onde a mulher veio

Achou a poça de sangue

Os filhos mortos no meio

Olhou para o céu e disse:

Oh! Meu Deus que quadro feio

 

Foi perguntar à mulher

Como aquilo foi se dado

Ela apenas lhe contou

O que tinha passado

Deixando o ancião

Aflito e impressionado

 

Montou num burro e saiu

Dali para a capital

Quando chegou na cidade

Foi ao quartel general

Lá falou mais duma hora

E nada disse afinal



Depois de muita insistência

O presidente entendeu

Perguntou por Floriano

Ele lhe disse: Morreu..

Ele e a família toda!...

E contou o que se deu

 

A justiça foi atrás

Ver o que tinha se dado

Encontrou os três cadáveres

No chão em sangue banhado

Calar inda estava uivando

Junto dos mortos deitado

 

Foram à casa de Oliveira

Ver se Maria da Glória

Dava um roteiro que ao menos

Se calculasse uma história

Ela contou essa mesma

Que eles guardam na memória

 

Dona Maria da Glória

Dois dias depois morreu

Sebastião de Oliveira

Com três dias enlouqueceu

Dentro de duas semanas

Tudo desapareceu

 

A justiça da Bahia

Não cessou de procurar

Espalhou por toda parte

Secretos a indagar

Não havia uma pessoa

Que dissesse: Eu vi matar

 

Dava dez contos de réis

Na moeda que quisesse

À pessoa que chegasse

E seriamente dissesse

Teria mais um terreno

A pessoa que soubesse

 

Porém o crime se deu

Quando ali ninguém passava

Calar sabia tudo

Porque no crime ele estava

Se falasse descobria

Desejo não lhe faltava



Impressionava a todos

Habitantes da cidade

Como deu-se aquele crime

Naquela localidade

Floriano de Oliveira 

Todo lhe tinha amizade

 

Atribuiu-se a um roubo

Por algum aventureiro

Mas o rapaz costumava

A não andar com dinheiro

Questão de moça não era

Ele era justiceiro

 

Os moradores de perto

Eram todos conhecidos

Compadres dele e do pai

E por eles protegidos

Tanto que se dando o crime

Todos ficaram sentidos

 

Eliziário era um desses

Abortos que tem havido

Desses que o pão que come

Considera estruído

Fazer-lhe o mal é pecado

Fazer-lhe o bem é perdido

 

Esse era fazendeiro

Porém dali não saía

Nem era bem conhecido

No comércio da Bahia

Só onde vendia lã

Alguém lá o conhecia



E o dono do açougue

Onde ele vendia gado

O banco onde ele tinha

Dinheiro depositado

Tanto que deu-se esse crime

E dele não foi lembrado

 

Sentiu e chorou bastante

A morte do camarada

E não foi à missa dele

Por não ser de madrugada

Pois só tinha uma camisa

E essa estava rasgada

 

Também procurou saber

Qual seria o assassino

Não sei se pelo dinheiro

Ou pelo próprio destino

Mas nunca lhe veio na mente

Ser seu filho Valdivino


 

Onde deu-se o crime havia

Duas estradas em cruz

Diziam que ali se achavam

Umas flores muito azuis

Formando uma lapa igual

À do menino Jesus

 

Os baianos costumavam

Desde da antigüidade

Fazerem uma grande festa

Naquela localidade

Véspera e dia de ano

Ali era novidade

 

Na capital da Bahia

Não havia outro festim

Havia missa campal

Orquestra e botequim

Bailes naquelas latadas

Bem cobertas de capim

 

Em oitocentos e nove

Estava a festa a terminar

Um velho que ali passava

Passou naquele lugar

Atrás desse caçador

Vinha o cachorro Calar



Abrigou-se numa sombra

Vinha muito esbaforido

Foi cheirar o pé da cruz

Que o senhor tinha morrido

Cheirou a das duas moças

E depois soltou um gemido



Estava ali um general

O bispo e o presidente

Com o chefe da polícia

Homem muito experiente

Todos ficaram daquilo

Impressionadamente

 

O general perguntou

De quem era aquele cão

Respondeu o velho Pedro:

Este cachorro patrão

É do defunto Oliveira

Que Deus dê-lhe a salvação

 

Este cachorro é o rei

Dos cachorros caçadores

Ainda adora o lugar

Que mataram seus senhores

Se fosse de madrugada

Seus uivos faziam horrores

 

Disse o chefe de policia:

Inda não se descobriu

A morte de um patrício

Que tanto à pátria serviu

Foi logo nesse deserto

Em horas que ninguém viu

 

Disse ali o presidente:

Se ainda se descobrir

O autor dessas três mortes

Eu juro por Deus o punir

Serei o carrasco dele

Quando ele à forca subir

 

Sebastião de Oliveira

Era um pobre acreditado

A família deu exemplo

O filho um rapaz honrado

Era um rapaz distinto

Por todo mundo estimado

 

Então disse o general:

Isso ainda é descoberto

O crime foi muito oculto

Feito aqui neste deserto

Mas quando chegar o dia 

Há de saber-se por certo

 

Se eu vivo for nesse tempo

Serei o algoz mais forte

Serei um dos que conduz

Para o teatro da morte

Com a minha própria mão

Amolo o ferro que o corte

 

O cachorro ouvindo aquilo

Ergueu-se muito contente

Foi aos pés do general

Festejou o presidente

Como quem dizia: O crime

É punido corretamente

 

Disse o bispo: Esse cachorro

É testemunha ocular

Ele viu quem fez as mortes

Só faltava é ele apontar

Se ele visse o criminoso

Podia lhe denunciar

 

Disse o velho: Esse cachorro

Fez uma coisa esquisita

Tinha uma cobra enroscada

Onde mataram Angelita

Ele despedaçou-a a dentes

Quase que se precipita

 

Disse o velho: Esse cachorro

Aos pés da cruz se lança

Solta um uivo muito triste

Como quem pede vingança

Como quem pede debalde

Sem ter daquilo esperança



Nisso chegou um cavalheiro

Valdivino de Amorim

Andava fora inda vinha

Ver se alcançava o festim

Vinha num burro possante

Alvo da cor de jasmim

 

Assim que o cachorro viu

Valdivino se apear

Rosnou e partiu a ele

Querendo lhe estraçalhar

Só não rasgou-lhe a garganta

Devido o velho pegar

 

Tremia o queixo e babava

Fitando ali Valdivino

Uivava como quem já

Tivesse perdido o tino

Só faltava era dizer

— Eis aí o assassino!

 

E foi para o pé da cruz

E ali pegou a uivar

Fitando os olhos no céu

Como quem quer suplicar

Como quem dizia: Oh! Deus

Vens que não posso falar!

 

O bispo disse: Valdivino

Você está descoberto

O senhor foi autor

Das mortes neste deserto

Aquele cachorro deu 

Um depoimento certo



O monstro viu o perigo

Fez tudo para negar

O bispo disse: Meu filho

Não há mentira em olhar

Os olhos são verdadeiros

Não podem nada ocultar



Os olhos também se queixam

Um olhar diz o que sente

Ameaça ou traição

Punição severamente

Declara mágoa ou dor

Porém o olhar não mente

 

O olhar daquele cão

Está demonstrando a dor

O sentimento profundo

Da morte do seu senhor

Ele só falta falar

E apontar o matador



Naquilo duas crianças

Que estavam em brincadeira

Uma delas se trepou

Num galho de gameleira

Tirando um ninho de rato

Achou nele uma carteira



O leitor deve lembrar-se

De um verso que aqui já leu

Veja na véspera do crime

O que Valdivino escreveu

E que no oco da gameleira

A carteira se perdeu



Ali trouxeram a carteira

Entregaram ao general

O bispo disse: Senhor

O que lhe disse afinal

Eu não lhe disse que os olhos

Só diz o que é legal?

 

Valdivino descobriu tudo

Em sua interrogação

Calar ali demonstrava

Ter grande satisfação

Pulava um metro de altura

E rolava pelo chão

 

Corria escaramuçando

Como quem estava em folia

Festejou o general

Com demarcada alegria

Como quem dizia: Nesses

Encontrei o que queria

 

O povo todo da festa

Quis a Valdivino linchar

O bispo e o presidente

Tratou de acomodar

Garantindo que a justiça

Havia de o castigar



Saiu preso Valdivino

Calar o acompanhou

O velho Pedro chamava

Mas ele não escutou

Voltou quando Valdivino

Preso nos ferros deixou

 

O general ao sair

Ordenou ao cozinheiro

Que desse ao velho Calar

Um bom lombo de carneiro

Porque merecia muito

Aquele bom companheiro

 

O criado deu o lombo

Calar nem para ele olhou

Saiu o povo da festa

E o lombo lá ficou

O cachorro veio comer

À noite quando voltou

 

A mulher de Eliziário

Sabendo o que aconteceu

Deu-lhe um ataque tão forte

Que ela no chão se estendeu

Passou a noite sem fala

No outro dia morreu

 

Juvenal um espanhol

Parente de Eliziário

Chegando lá disse ao velho:

— você é milionário

Compre três ou quatro médicos

Que provem ele está vario



Porque ele estando vário

Não poderá ser julgado

O processo fica inválido

Não pode ser condenado

Aí o senhor procura

O melhor advogado

 

Eliziário pensou

Aquilo ser acertado

Do contrário Valdivino

Ia ser executado

E tinha toda certeza

Ele morrer enforcado

 

Dirigiu-se à capital

Procurou advogado

Este arrumou cinco médicos

Sendo o réu examinado

Provaram que há quatro anos

Ele era tresloucado

 

O bispo e o presidente

Consultaram ao general

Mandaram vir quatro médicos

No reino de Portugal

E fizeram na Bahia

Uma junta especial

 

Vieram de Portugal

Quatro médicos escolhidos

Que por dinheiro sem conta

Não seria iludidos

Esses homens de caráter

Jamais seriam vendidos

 

E examinaram o réu

Cada médico de per si

Todos disseram que nunca

Houve tal loucura ali

Nem sequer nervoso havia

Todos juraram aí

 

Fizeram novo processo

Depois dele examinado

E estando pronto o processo

Valdivino foi julgado

A sentença que pegou

Foi para ser enforcado

 

Não havia mais recurso

Estava tudo consumado

O réu dali a três dias

Ia ser executado

Não tinha mais o que apelar

Já tinha sido julgado



O velho quase sem jeito

Sem nada mais conseguir

Tentou o último meio

A fim do filho fugir

Mas só dos degraus da forca

Podia se escapulir

 

Então soube que o carrasco

Era um tal de Zeferino

Um calibre mais ou menos

Igual o de Valdivino

Tinha os três dons da desgraça

Covarde, vil, assassino

 

Era um mulato laranjo

De aspecto aborrecido

O couro da testa dele

Sempre se via franzido

Os cabelos bem vermelhos

Rosto largo e não comprido

 

Foi o velho Eliziário

A esse tal Zeferino

Ver se ele podia dar

Evasão a Valdivino

Dizendo: Ele pula da forca

E depois toma destino

 

Pegue dez contos de réis

Que lhe dou adiantado

E se tiver a fortuna

Dele não ser enforcado

Dar-lhe-ei mais vinte contos

O dinheiro está guardado

 

Então disse Zeferino

— Isso é difícil arranjar

Porém quando ele subir

Eu finjo me desculpar

Ele que vai prevenido

Trata logo de saltar

 

Disse Zeferino ao velho:

O senhor deve aprontar

Um cavalo bem ligeiro

Para quando ele saltar

Montar-se logo e correr

Antes do povo chegar

 

Eu hoje direi a ele

Tudo que está planejado

Que cor será o cavalo

Que há de está selado?

— Diga que é o poldro branco

Em que ele andava montado

 

Valdivino quando soube

Esta consulta que havia

Ficou como uma criança

Chorava ali de alegria

Jurando no mesmo instante

Que Calar lhe pagaria

 

Então quando chegou o dia

Estava o povo aglomerado

Valdivino de Amorim

Ia ser executado

Tudo ali estava esperando

Vê-lo morrer enforcado

 

Presente ao estado maior

Que vinha presenciar

Subiu Valdivino à forca

Zeferino foi laçar

Porém ele se encolhendo

Conseguiu dali saltar

 

E saiu como uma flecha

Entre o povo se meteu

Se montando no cavalo

Dali desapareceu

Internando-se no mato

Num instante se escondeu

 

O povo indignou-se

Com a fuga de Valdivino

Um deles que ali estava

Estrangulou Zeferino

Porque este tinha dado

Evasão ao assassino

 

Porém chegou o cachorro

Quase na ocasião

Soltou dois ou três latidos

Saiu de venta no chão

Sessenta e três praças foram

Também em perseguição

 

Porém Valdivino ia

Em bom cavalo montando

Tinha grande desvantagem

De não ter saído armado

E Calar no rastro dele

Gania muito vexado



Foi preso Eliziário

Como autor da evasão

O povo não o matou

Porém foi para a prisão

E o bispo que saiu

Pedindo à população

 

Era meia-noite em ponto

Valdivino ainda corria

O cavalo já cansado

Que nada mais resistia

E o cachorro Calar

De vez enquanto latia

 

Valdivino conhecendo

Que nada a ele valia

E o cachorro Calar

Seu rastro não deixaria

Pensou em suicidar-se

Só assim descansaria

 

Dentro do mato apoiou-se

E amarrou o cavalo

Encostou-se numa pedra

Sentiu alguém acordá-lo

Nisto o cavalo espantou-se

Ele não soube pegá-lo



Seguiu por uma vereda

Descalço e todo rompido

Ouvindo de vez enquanto

Calar soltar um ganido

Foi sair bem no lugar

Que o crime tinha havido

 

Ele viu a gameleira

Que sombreava a estrada

Floriano de Oliveira

Angelita e Esmeralda

Sebastião de Oliveira

E dona Maria prostrada



Viu vir uma carruagem

Nela vinha um magistrado

Que saudou os três vultos

Depois de ter se apeado

Exclamou: Sangue inocente

Breve hás de ser vingado!

 

Tornou a tomar o carro

Se montando foi embora

Nesse momento Calar

Vem com a língua de fora

Festejou todos os vultos

E voltou na mesma hora

 

Um dos vultos chamou ele

O cachorro estacou

Valdivino não ouviu

O que o fantasma falou

Só ouviu foi dizer: Volte

E o cachorro voltou



O criminoso pensou

Que ali não escaparia

Lembrou-se duma pessoa

Que morava na Bahia

Pois tinha onde ocultá-lo

Que nem o cachorro via

 


Era um compadre e amigo

A quem ele protegeu

Que com dinheiro do pai

Esse tal enriqueceu

E ia sempre visitá-lo

Quando a justiça o prendeu

 

Valdivino calculou:

Eu o que devo fazer

É ir para o quintal

Por ali me esconder

Ou ele ou a mulher dele

Um há de me aparecer

 

E saiu o assassino

Chegando lá se escondeu

Não houve ali quem o visse

Quando o dia amanheceu

O compadre veio fora

E ele lhe apareceu



Valdivino lhe pediu

Que não o deixasse morrer

Disse o velho Roberto:

Eu tenho onde te esconder

Porém ninguém mais daqui

Disso não pode saber

 

Quatros dias decorriam

E o assassino escondido

Debaixo dumas madeiras

Estava ele metido

O pai dele na cadeia

Já ia ser concluído

 

Num dia de quarta-feira

O velho Calar chegou

A força ainda estava armada

Calar ali a olhou

Cravando a vista no céu

Um uivo triste soltou

 

Veio ali o presidente

Que trouxe um pão e lhe deu

Calar olhou para ele

Cheirou-lhe os pés e gemeu

Botando o pão entre as mãos

Deitou-se e ali comeu

 

Chegou a força do mato

Não trazendo o criminoso

O general com aquilo

Ficou muito desgostoso

Até o governador

Ficou doente e nervoso

 

O povo ao redor da forca

Só fazia lamentar

Que o pai do assassino

Deverá se executar

Tudo pedia ao governo

Que o mandasse enforcar

 

O cachorro levantou-se

Como quem está chamando

Foi à casa de Roberto

Na porta ficou uivando

Olhava para Roberto

Partia a ele rosnando

 

O general com aquilo

Ficou bastante nervoso

E disse ao governador:

Estou muito receoso

Que ali naquela casa

Está oculto o criminoso

 

Então a força cercou

Toda casa de Roberto

O cachorro só faltava

Era dizer: Está perto

O general disse a ele:

O senhor está descoberto

 

Roberto ali descobriu

Onde o assassino estava

Debaixo das madeiras

O monstro se conservava

Foi levado ao pé da forca

Onde o povo lhe esperava



Contou tudo que se deu

Antes de ser enforcado

Os vultos que viu nas cruzes

A quem tinha assassinado

O segredo do cachorro

E o carro do magistrado

 

Às cinco horas da tarde

A justiça o enforcou

O pai dele estava preso

Assim que o sino dobrou

Ali soltando um suspiro

Na mesma hora expirou

 

Estando morto o assassino

O deitaram sobre o chão

O cachorro olhou-o bem

Chamando tudo atenção

Soltou dois ou três latidos

Que espantou a multidão

 

Quando a justiça ordenou

Pra ser o corpo inhumado

Sobre os pés do general

Calar caiu mui cansado

Talvez querendo dizer 

General, muito obrigado



O general foi ver água

Ao cachorro ofereceu

Ali o velho Calar

Dois litros d'água bebeu

Trouxeram-lhe uma fritada

Porém ele não comeu

 

Festejando o general

As pernas dele abraçou

Dirigiu-se ao presidente

A mesma ação obrou

Depois desapareceu

Novo destino tomou

 

Foi direitinho ao lugar

Que o horrendo crime se deu

No pé da cruz de Angelita

Ele cavou e gemeu

O velho Pedro chamou-o

Mas ele não atendeu

 

Deitou-se entre as três cruzes

Sua vida liquidou

Nas condições dum guerreiro

Que da batalha voltou

Trazendo os louros de guerra

À sepultura baixou

 

O general quando soube

Que Calar era sumido

E que fazia três dias

Que não era aparecido

Mandou gente procurá-lo

Ficando muito sentido

 

Saíram cinco ou seis praças

Em procura de Calar

O general tinha dito

Não voltem sem o achar

Tragam ele direitinho

Não o façam maltratar

 

Os praças foram ao lugar

Onde o crime tinha havido

Onde a família Oliveira

Tinha toda sucumbido

Bem no pé duma das cruzes

Tinha o velho cão morrido

 

Tinha posto termo a vida

O maior dos lutadores

O que em sua existência

Viu o horror dos horrores

Que sem falar descobriu

Quem matou os seus senhores

 

O general quando soube

Da forma que o tinham achado

Mandou fazer uma cova

E nela foi enterrado

Um dos amigos mais firmes

Que no mundo foi criado

 

E nas mortes dos senhores

Ele afirmou ter ação

Provou que tinha amizade

Ao velho Sebastião

A morte só foi vingada

Por sua perseguição



Só não fez foi dizer nada

Mas provou por sua vez

Apontou só com a vista

O monstro que os crimes fez

Seus olhos diziam ao público

Esse matou todos três

 

Deitou-se encostado às cruzes

Que tinham edificado

Tinha morrido há três dias

E nem sequer estava inchado

Como quem dizia: Agora

Posso morrer estou vingado

 

Mais de duzentas pessoas

Assistiram enterrar ele

Devido à grande firmeza

Que tinha se visto nele

Muitas flores naturais

Deitaram na cova dele

 

Agora vejam leitores

Quem era o velho Calar

E como Sebastião

Um dia pôde o achar

Ele tinha cinco dias

O dono ia o matar

 

Então o velho Oliveira

Achou ser ingratidão

Matar aquele inocente

Embora fosse ele um cão

Porém disse: A caridade

Não se faz só a cristão

 

E levou-o para casa

Disse à mulher que criasse

Dizendo: Pode ser bom

Algum dia inda caçasse

Quando nada da fazenda

Talvez os bichos espantasse

 

De fato, Calar criou-se

E era um cão caçador

Maracajá e raposa

Tinha dele tal pavor

Que passava muito longe

Da fazenda do senhor

 

Era o vigia da noite

Um minuto não dormia

Numa coisa que guardava

O velho cão não bulia

Só quando os donos lhe davam

Era que ele se servia

 

A família do Oliveira

Às vezes a conversar

A velha dizia aos filhos:

Esse cachorro Calar

Tem expressões de pessoa

Que conhece seu lugar



Em casa do dono ele

De noite nada chegava

Um bacurau que voasse

Ele se erguia e ladrava

Do poleiro das galinhas

Até coruja espantava



Como era muito bom

O dono sempre caçava

Porém a vizinho algum

A noite acompanhava

E só ia para o mato

Quando o senhor lhe chamava

 

Depois de terem morrido

Os senhores de Calar

O pobre cão toda noite

Ia para aquele lugar

Olhava para as três cruzes

Levava a noite a uivar

 

Latia e fitava o céu

Que causava pena e dó

Via sangue no capim

Ele cobria com pó

Não queria ir para casa

Passava a noite ali só

 

O velho Pedro dos Anjos

Vizinho de Sebastião

Achou que aquele animal

Merecia compaixão

Chamou-o para não vê-lo

Morrer sem ter remissão

 

O velho Pedro caçava

Toda noite com Calar

Mas ele só ia à caça

Depois que ia ao lugar

Aos pés daquelas três cruzes

Não deixava de uivar

 

Assim morreu o Calar

Ficou também descansado

Era um cão porém deixou

O nome imortalizado

Morreu depois de livrar

Quem já o tinha livrado

 

Leitor não levantei falso

Escrevi o que se deu

Acreditem que este fato

Na Bahia aconteceu

Depois de lutar então

Rolou Calar sobre o chão

Onde seu senhor morreu

 


Literatura de Cordel quarta, 14 de novembro de 2018

AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS)

AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO

Leandro Gomes de Barros

 


Sempre adotei a doutrina
Ditada pelo refrão,
De ver-se a cara do homem
Mas não ver-se o coração,
Entre a palavra e a obra
Há enorme distinção.

Zé-pitada era um rapaz
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria...
O desastre é um diabo
Que persegue a simpatia.

Vivia o rapaz sofrendo
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao cair da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.

Porque João-mole, o pai dela
era um velho perigoso,
Embora que Zé-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor verá
Qual era o mais valoroso.

Marocas vivia triste
Pitada vivia em ânsia,
Ele como rapaz moço
No vigor de sua infância,
Falar depende de fôlego
Porém obrar é sustância.

Disse pitada a Marocas,
Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.

Disse Marocas a Zezinho:
Papai não é brincadeira,
Diz Zé-pitada, ora esta!
Deixe de falar besteira,
Você pode ver-me as tripas,
Porém não verá carreira.

Diga a que hora hei de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,
Eu juro contra minh’alma
Que seu pai corre assombrado.

Disse Marocas, meu pai
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.

Disse ele, eu uma vez
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Matei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
O sangue encheu os barreiros.

Disse Marocas, pois bem
Eu espero e pode ir,
Porém encare a desgraça,
Se acaso meu pai nos vir,
Meu pai é de ferro e fogo,
É duro de resistir.

Marocas não confiando
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse meu pai acordou,
E nos ouviu conversar.

Valha-me Nossa Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!...
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo

Nisso um gato derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou, oh!, que dor imensa!.
Parece qu’stou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.

A febre já me atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Esta me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.

Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E d’uma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.

Por alma de sua mãe,
Pela sagrada paixão,
Me arraste por uma perna
E me bote no portão,
A moça quis arrastá-lo,
Não teve onde pôr a mão.

Ela tirou-lhe a botina,
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moça não suportava,
Aquela matéria fina
Já todo o chão alagava.

Disse a moça: quer um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe, não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.

Então lhe disse Marocas,
Desgraçado!... eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.

Meu pai ainda não veio
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse, oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: vai-te murrinha!

E deu-lhe ali uma lata,
Dizendo: está aí o poço,
Você ou lava o quintal
Ou come um cachorro ensosso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso.

Disse ele, oh! meu amor!
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha está,
Que só um barco sem leme,
Parece faltar-me o pulso,
O Anjo da Guarda geme.

Então a moça lhe disse:
O senhor lava o quintal
Olhe uma taboca aqui!...
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.

E lá foi nosso rapaz
Se arrastando com a lata,
A moça ali ao pé dele,
Lhe ameaçando a chibata,
Ele exclamava chorando
Por amor de Deus não bata.

Vai miserável de porta
Quero já limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e pançudo,
Só tendo sido criado
Onde se vende miudo.

Disse o Zé quando saiu:
Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar pra mim, eu digo:
Desgraçada, vá embora.


Literatura de Cordel quarta, 07 de novembro de 2018

A SECA DO CEARÁ (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS

Seca as terras as folhas caem,
Morre o gado sai o povo,
O vento varre a campina,
Rebenta a seca de novo;
Cinco, seis mil emigrantes
Flagelados retirantes
Vagam mendigando o pão,
Acabam-se os animais
Ficando limpo os currais
Onde houve a criação.

Não se vê uma folha verde
Em todo aquele sertão
Não há um ente d’aqueles
Que mostre satisfação
Os touros que nas fazendas
Entravam em lutas tremendas,
Hoje nem vão mais o campo
É um sítio de amarguras
Nem mais nas noites escuras
Lampeja um só pirilampo.

Aqueles bandos de rolas
Que arrulavam saudosas
Gemem hoje coitadinhas
Mal satisfeitas, queixosas,
Aqueles lindos tetéus
Com penas da cor dos céus.
Onde algum hoje estiver,
Está triste mudo e sombrio
Não passeia mais no rio,
Não solta um canto sequer.

Tudo ali surdo aos gemidos
Visa o aspectro da morte
Como a nauta em mar estranho
Sem direção e sem Norte
Procura a vida e não vê,
Apenas ouve gemer
O filho ultimando a vida
Vai com seu pranto o banhar
Vendo esposa soluçar
Uma adeus por despedida.

Foi a fome negra e crua
Nódoa preta da história
Que trouxe-lhe o ultimatum
De uma vida provisória
Foi o decreto terrível
Que a grande pena invisível
Com energia e ciência
Autorizou que a fome
Mandasse riscar meu nome
Do livro da existência.

E a fome obedecendo
A sentença foi cumprida
Descarregando lhe o gládio
Tirou-lhe de um golpe a vida
Não olhou o seu estado
Deixando desemparado
Ao pé de si um filinho,
Dizendo já existisses
Porque da terra saísses
Volta ao mesmo caminho.

Vê-se uma mãe cadavérica
Que já não pode falar,
Estreitando o filho ao peito
Sem o poder consolar
Lança-lhe um olhar materno
Soluça implora ao Eterno
Invoca da Virgem o nome
Ela débil triste e louca
Apenas beija-lhe a boca
E ambos morrem de fome.

Vê-se moças elegantes
Atravessarem as ruas
Umas com roupas em tira
Outras até quase nuas,
Passam tristes, envergonhadas
Da cruel fome, obrigadas
Em procura de socorros
Nas portas dos potentados,
Pedem chorando os criados
O que sobrou dos cachorros.

Aqueles campos que eram
Por flores alcatifados,
Hoje parecem sepulcros
Pelos dias de finados,
Os vales daqueles rios
Aqueles vastos sombrios
De frondosas trepadeiras,
Conserva a recordação
Da cratera de um vulcão
Ou onde havia fogueiras.

O gado urra com fome,
Berra o bezerro enjeitado
Tomba o carneiro por terra
Pela fome fulminado,
O bode procura em vão
Só acha pedras no chão
Põe-se depois a berra,
A cabra em lástima completa
O cabrito inda penetra
Procurando o que mamar.

Grandes cavalos de selas
De muito grande valor
Quando passam na fazenda
Provocam pena ao senhor
Como é diferente agora
Aquele animal de que outr’ora
Causava admiração,
Era russo hoje está preto
Parecendo um esqueleto
Carcomido pelo chão.

Hoje nem os pássaros cantam
Nas horas do arrebol
O juriti não suspira
Depois que se põe o sol
Tudo ali hoje é tristeza
A própria cobra se pesa
De tantos que ali padecem
Os camaradas antigos
Passaem pelos seus amigos
Fingem que não os conhecem.

Santo Deus! Quantas misérias
Contaminam nossa terra!
No Brasil ataca a seca
Na Europa assola a guerra
A Europa ainda diz
O governo do país
Trabalha para o nosso bem
O nosso em vez de nos dar
Manda logo nos tomar
O pouco que ainda se tem.

Vê-se nove, dez, num grupo
Fazendo súplicas ao Eterno
Crianças pedindo a Deus
Senhor! Mandai-nos inverno,
Vem, oh! grande natureza
Examinar a fraqueza
Da frágil humanidade
A natureza a sorrir
Vê-la sem vida a cair
Responde: o tempo é debalde.

Mas tudo ali é debalde
O inverno é soberano
O tempo passa sorrindo
Por sobre o cadáver humano
Nem uma nuvem aparece
Alteia o dia o sol cresce
Deixando a terra abrasada
E tudo a fome morrendo
Amargos prantos descendo
Como uma grande enxurrada.

Os habitantes procuram
O governo federal
Implorando que os socrra
Naquele terrível mal
A criança estira a mão
Diz senhor tem compaixão
E ele nem dar-lhe ouvido
É tanto a sua fraqueza
Que morrendo de surpresa
Não pode dar um gemido.

Alguém no Rio de Janeiro
Deu dinheiro e remeteu
Porém não sei o que houve
Que cá não apareceu
O dinheiro é tão sabido
Que quis ficar escondido
Nos cofres dos potentados
Ignora-se esse meio
Eu penso que ele achou feio
Os bolsos dos flagelados.

O governo federal
Querendo remia o Norte
Porém cresceu o imposto
Foi mesmo que dar-lhe a morte
Um mete o facão e rola-o
O Estado aqui esfola-o
Vai tudo dessa maneira
O município acha os troços
Ajunta o resto dos ossos
Manda vendê-los na feira.


Literatura de Cordel segunda, 05 de novembro de 2018

PAVOR EM BRASÍLIA, CORDEL DE MIGUEZIM DE PRINCESA

 

PAVOR EM BRASÍLIA

Miguel Lucena Filho (Miguezim de Princesa)

Na hora em que Sérgio Moro
Aceitou ser o ministro,
Teve uma senadora
Que gritou: – Ai, Jisus Cristo,
Venha socorrer meu marido,
Tudo está muito sinistro!

Se ele, como juiz,
Botou grandes na prisão,
Agora, no Ministério
Da Justiça da Nação,
A vida ficou mais dura
Pra tudo quanto é ladrão.

Pesadelo de corrupto,
Começou a tremedeira!
Soube que um senador
Pulou e deu uma carreira
Direto para o banheiro,
Sofrendo de caganeira.

Ligaram para a Bahia
Pra saber como fazer,
O chefe baiano disse:
– Já começou a feder,
Derrubaram o tabuleiro
E estragaram o dendê.

CGU e AGU,
A Polícia Federal,
O Coaf e a Receita,
Limpando o Brasil do mal,
Com Sérgio Moro no leme,
Pondo fim ao bacanal.

Obras que nunca terminam,
Como a tal transposição,
Trilhões que desapareceram
Nos tubos do Petrolão,
Gente vendendo e comprando
Na mais vil corrupção.

Gente que não tinha nada,
Filava até macarrão,
Aparece desfilando
Em luxuoso carrão
E ainda diz: – Sou reitor
Da minha instituição!

Dinheiro sendo lavado
Da forma mais descarada:
Lojas caras que se abrem,
Mas quase não vendem nada,
Atacadão, restaurante,
Tudo coisa de fachada.

Bolsonaro anunciou,
Logo ao raiar do dia,
Que o juiz Sérgio Moro
Ia mandar na freguesia:
Teve gente desmaiando,
Outros sentindo agonia,
Uma hemorroida inflamada
Se aliviou numa bacia;
Eu grito: Viva o Brasil!
(O estoque de Rivotril
Acabou na drogaria)


Literatura de Cordel quarta, 31 de outubro de 2018

HISTÓRIA DE JUVENAL E O DRAGÃO (FOLHETO DE JOÃO MARTINS DE ATHAYDE) - VÍDEO

 


Literatura de Cordel quarta, 24 de outubro de 2018

HISTÓRIA DA DONZELA TEODORA (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS

 

HISTÓRIA DA DONZELA TEODORA

Leandro Gomes de Barros

 

Eis a real descrição

Da história da donzela

Dos sábios que ela venceu

E a aposta ganha por ela

Tirado tudo direito

Da história grande dela

 

Houve no reino de Túnis

Um grande negociante

Era natural da Hungria

E negociava ambulante

Uma alma pura e constante

 

Andando um dia na praça

Numa porta pôde ver

Uma donzela cristã

Para ali se vender

O mercador vendo aquilo

Não pôde mais se conter

 

Tinha feição de fidalga

Era uma espanhola bela

Ele perguntou ao mouro

Quanto queria por ela

Entraram então em negócio

Negociaram a donzela

 

O húngaro conheceu nela

Formato de fidalguia

Mandou educá-la bem

Na melhor casa que havia

Em pouco tempo ela soube

O que ninguém mais sabia

 

Mandou ensinar primeiro

Música e filosofia

Ela sem mestre aprendeu

Metafísica e astrologia

Descrever com distinção

História e anatomia

 

Ela que já era um ente

Nascida por excelência

Como quem tivesse vindo

Das entranhas da ciência

Tinha por pai o saber

E por mãe a inteligência

 

Em pouco tempo ela tinha

Tão grande adiantamento

Que só Salomão teria

Um igual conhecimento

Cantava música e tocava

A qualquer um instrumento

 

Estudou e conhecia

As sete artes liberais

Conhecia a natureza

De todos os vegetais

Descrevia muito bem

A castra dos animais

 

Descrevia os doze signos

De que é composto o ano

Da cabeça até os pés

Conhecia o corpo humano

E dava definição

De tudo do oceano

 

Admirou todo mundo

O saber desta donzela

Tudo que era ciência

Podia se encontrar nela

O professor que ensinou-a

Depois aprendeu com ela

 

Mas como tudo no mundo

É mutável e inconstante

Esse rico mercador

Negociava ambulante

E toda sua fortuna

Perdeu no mar num instante

 

Atrás do bem vem o mal

Atrás da honra a torpeza

Quando ele saiu de casa

Levava grande riqueza

Voltou trazendo somente

Uma extrema pobreza

 

Só via em torno de si

O vil manto da marzela

Em casa só lhe restava

A mulher e a donzela

Então chamou Teodora

E pediu o parecer dela

 

Disse ele: minha filha

Bem vês minha natureza

E sabes que o oceano

Espoliou minha riqueza

Espero que teus conselhos

Me tirem desta pobreza

 

Ela quando ouviu aquilo

Sentiu no peito uma dor

E lhe disse, tenha fé

Em Deus nosso salvador

Vou estudar um remédio

Que salvará o senhor

 

E disse: meu senhor saia

Procure um amigo seu

É bom ir logo na casa

Do mouro que me vendeu

Chegue lá converse com ele

E conte o que lhe sucedeu

 

O que ele oferecer-lhe

De muito bom grado aceite

E veja se ele lhe vende

Vestidos que me endireite

Compre a ele todas as jóias

Que uma donzela se enfeite

 

Se o mouro vender-lhe tudo

Com que possa me compor

Vossa mercê vai daqui

Vender-me ao rei Almançor

É esse o único meio

Que salvará o senhor

 

El-rei lhe perguntará

Por quanto vai me vender

Por dez mil dobras de ouro

Meu senhor há de dizer

Quando ele admirar-se

Veja o que vai responder

 

Dizendo alto senhor

Não fique admirado

Eu vendo-a com precisão

Não peço preço alterado

Dobrada esta quantia

Tenho com ela gastado

 

É esse o único meio

Para a sua salvação

Se o mouro vende-lhe tudo

Descanse seu coração

Daqui para o fim da vida

Não terá mais precisão

 

O mercador seguiu tudo

Quando a donzela ditava

Chegou ao mouro e contou-lhe

O desespero em que estava

Então o mouro vendeu-lhe

Tudo quanto precisava

 

Roupa, objetos e jóias

Para enfeitar a donzela

As roupas vinha que só

Sendo cortada pra ela

Ela quando vestiu tudo

Parecia ficar mais bela

 

O mercador aprontou-se

E seguiu com brevidade

Falou ao guarda da corte

Com muita amabilidade

Para deixá-lo falar

Com a real majestade

 

Então subiu um vassalo

Deu parte ao rei Almoçor

O rei chegou a escada

Perguntou ao mercador:

— Amigo qual o negócio

Que tem comigo o senhor?

 

Então disse o mercador

Sem grande humildade:

— Senhor venho a vossa alteza

Com grande necessidade

Ver se vendo esta donzela

A vossa real majestade

 

O rei olhou a donzela

E disse dentro de si:

Foi a mulher mais formosa

Que neste mundo já vi

Trinta ou quarenta minutos

O rei presenciou ela ali

 

Perguntou ao mercador:

Por quanto vendes a donzela?

Por 10 mil dobras de outro

É o que peço por ela

E não estou pedindo caro

Visto a habilidade dela.

 

Disse o rei ao mercador:

— Senhor, estou surpreendido

Dez mil dobras de ouro

É preço desconhecido

Ou tu não queres vendê-la

Ou estás fora do sentido

 

Disse o mercador: El rei

Não é caro esta donzela

Dobrado a esta quantia

Gastei para educar ela

Excede a todos os sábios

A sabedoria dela

 

O rei mandou logo chamar

Um grande sábio que havia

O instrutor da cidade

Em física e astronomia

Em matemática e retórica

História e filosofia

 

Esse veio e perguntou-lhe

— Donzela estás preparada

Para responder-me tudo

Sem titubiar em nada?

Se não estiver seja franca

Se não sai envergonhada

 

Então ela respondeu-lhe

— Mestre pode perguntar

Eu lhe responderei tudo

Sem cousa alguma faltar

Farei debaixo da lei

Tudo que o senhor mandar

 

O sábio ali preparou-se

Para entrar em discussão

Ela com muita vergonha

Ela não teve alteração

Pediu licença a El-rei

E ficou de prontidão

 

— Diz-me donzela o que Deus

Sob o céu primeiro fez

Respondeu o sol e a lua

E a lua por sua vez

É por uma obrigação

Cheia e nova todo mês

 

— Além do sol e a lua

Doze signos foram feitos

Formando a constelação

Sendo ao sol todos sujeitos

Desiguais na natureza

Com diversos preconceitos

 

Como se chama esses signos?

Perguntou o emissário

A donzela respondeu:

— Capricórnio e Aquário

Tauro, Câncer, Libra, Virgo

Pisces, Escórpio e Sagitário

 

— Existem outros três signos

Áries, Léo e Geminis

No signo Léo quem nascer

Será um homem feliz

Inclinado a viajar

Por fora de seu país

 

O sábio disse: Donzela

É necessário dizer

Que condições tem o homem

Que em cada signo nascer

Por influência o signo

De que forma pode ser?

 

Disse ela o signo Aquário

Reina o mês de janeiro

O homem que nascer nele

Tem o crescimento varqueiro

Será amante das mulheres

Ventaroso e lisonjeiro

 

Pisces reina em fevereiro

Quem nesse signo nascer

É muito gentil de corpo

Muito guloso em comer

Risonho, gosta de viagem

Não faz o que prometer

 

Em março governa Áries

Neste signo nascerão

Homens nem ricos nem pobres

Por nada se zangarão

Neles se notam um defeito

Falando sós andarão

 

Em abril governa Tauro

Um signo bem conhecido

O homem que nascer nele

Será muito presumido

Altivo de coração

Será rico e atrevido

 

Geminis governa em maio

Sua qualidade é quente

O homem que nascer nele

Será fraco e diligente

Para os palácios e cortes

Se inclina constantemente

 

Em julho governa Câncer

Sua qualidade é fria

O homem que nascer nele

É forte e tem energia

É gentil e tem muita força

E sempre tem alegria

 

Em julho governa Léo

Por um leão figurado

O homem que nascer nele

É lutador e honrado

Altivo de coração

Inteligente e letrado

 

Em agosto reina Virgo

Vem da terra a natureza

O homem que nascer nele

Tem princípio tem riqueza

Depois se descuidará

Por isso cai em pobreza

 

Em setembro reina Libra

A Vênus assinalado

O homem que nascer nele

Será um pouco inclinado

A viajar pelo mar

É lutador e honrado

 

O que nascer em outubro

Será homem falador

Inclinado aos maus costumes

Teimoso e namorador

Pouco jeito nos negócios

Falso grave e enganador

 

Então o mês de novembro

Sagitário é o reinante

O homem que nascer nele

Será cínico e inconstante

Desobediente aos pais

Intratável assim por diante

 

Em dezembro é Capricórnio

Tem a natureza de terra

O homem que nascer nele

Será inclinado a guerra

Gosta de falar sozinho

E por qualquer coisa espera

 

O sábio ali levantou-se

Disse ao rei esta donzela

Não há sábio aqui no mundo

Que tenha a ciência dela

E com isso vossa alteza

Que estou vencido por ela

 

O rei ali ordenou

Que fosse o sábio segundo

Foi um matemático e clínico

Um gênio grande e fecundo

E conhecido por um

Dos sábios maior do mundo

 

Chegou o segundo sábio

Que inda estava orelhudo

E disse: Donzela eu tenho

Dezoito anos de estudo

Não sou o que tu venceste

Conheço um pouco de tudo

 

A donzela respondeu

Com licença de el-rei

Tudo que me perguntares

Aqui te responderei

Com brevidade e acerto

Tudo vos explicarei

 

Perguntou o sábio a ela:

Em nosso corpo domina

Qualquer um dos doze signos

Que a donzela descrimina

Terá alguma influência

Os signos com a medicina?

 

Então a donzela disse:

Descrito mestre direi

Sabe que os signos são doze

Como eu já expliquei

Compactam com a química

Quer saber? Explicarei

 

Áries domina a cabeça

Uma parte melindrosa

Para quem nascer em março

A sangria é perigosa

A pessoa que sangrar-se

Deve ficar receosa

 

Libra domina as espáduas

Câncer domina os peitos

Para os que são deste signo

Purgantes tem maus efeitos

E as sangrias também

Não serão de bons proveitos

 

Tauro domina o pescoço

Léo domina o coração

Capricórnio influi nos olhos

Escórpio a organização

Geminis domina os braços

e influi na musculação

 

Virgo domina o ventre

E Aquário nas canelas

Para os que são desses signos

Purgas e sangrias são belas

Então Sagitário e Pisces

Ambos têm igual tabelas

 

O sábio dentro de si

Disse meio admirado

Onde esta discutir

Ninguém pode ser letrado

Esta só vindo a propósito

De planeta adiantado

 

O sábio disse: Donzela

Eu quero se tu puderes

Isto é, eu creio que podes

Não dirás se não quiseres

O peso, idade e conduta

Que têm todas as mulheres

 

Disse a donzela: A mulher

É sempre a arca do bem

Porém só quem a criou

Sabe o peso que ela tem

Isso é uma coisa ignota

Disso não sabe ninguém

 

Que me dizes das donzelas

De vinte anos de idade?

Respondeu: Sendo formosa

Parece uma divindade

Principalmente ao homem

Que lhe tiver amizade

 

As de trinta e quarenta

Que dizes tu que elas são?

Disse ela: Uma dessas

É de muita consideração

— Das de 50 o que dizer?

— Só prestam para oração

 

— Que dizes das de 70?

— Deviam estar num castelo

Rezando por quem morreu

Lamentando o tempo belo

O que dizes das de 80?

— Só prestam para o cutelo

 

Então classificas as velhas

Tudo de mal a pior?

E nos defeitos de tantas

Não se encontra um menor

Disse ela: Deus me livre

De ser vizinho da melhor

 

Donzela o sábio lhe disse

Sei que és caprichosa

Entre todas as pessoas

És a mais estudiosa

Diga que sinais precisam

Para a mulher ser formosa

 

Então a donzela disse:

Para a mulher ser formosa

Terá dezoito sinais

Não tendo é defeituosa

A obra por seu defeito

Deixa de ser melindrosa

 

Há de ter três partes negras

De cores bem reluzentes

Sobrancelhas, olhos, cabelos

De cores negras e ardentes

Branco o lacrimal dos olhos

Ter branca a face e os dentes

 

Será comprida em três partes

A que tiver formosura

Compridos os dedos das mãos

O pescoço e a cintura

Rosada cútis e gengivas

Lábios cor de rosa pura

 

Terá três partes pequenas

O nariz, boca e pé

Larga a cadeira e ombro

Ninguém dirá que não é

Cujos sinais teve-se todos

Uma virgem em Nazaré

 

O sábio quando ouviu isto

Ficou tão surpreendido

E disse: El-rei Almançor

Confesso que estou vencido

E quem argumenta com ela

Se considera vencido

 

El-rei mandou que outro sábio

Entrasse em discussão

Então escolheram um

Dos de maior instrução

A quem chamavam na Grécia

Professor da criação

 

Abraão de Trabador

Veio argumentar com ela

E disse logo ao entrar:

Previne-te bem, donzela

Dizendo dentro si

Eu hoje hei de zombar dela

 

Então a donzela disse:

Senhor mestre estarei disposta

De todas suas perguntas

O senhor terá resposta

Se tem confiança em si

Vamos fazer uma aposta?

 

Minha aposta é a seguinte

De nós o que for vencido

Ficará aqui na corte

Publicamente despido

Ficando completamente

Como quando foi nascido

 

O sábio disse que sim

Mandaram o termo lavrar

E a donzela pediu

Ao rei para assinar

Para a parte que perdesse

Depois não se recusar

 

Lavraram o termo e foi

Às mãos do rei Almoçor

Pra fazer válido o trato

E ficar por fiador

Obrigando quem perdesse

Dar as roupas ao vencedor

 

O sábio aí perguntou:

Qual é a coisa mais aguda?

Disse ela: é a língua

Duma mulher linguaruda

Que corta todos os nomes

E o corte nunca muda

 

Donzela qual é a coisa

Mais doce do que mel?

— O amor do pai a um filho

Ou dama esposa fiel

A ingratidão de um desses

Amarga mais do que fel

 

O sábio disse: Donzela

Conheces os animais?

Quero agora que descrevas

Alguns irracionais

Me diga qual é o bicho

Que possui oito sinais

 

Mestre, isto é gafanhoto

Vive embaixo dos outeiros

Tem pescoço como vaca

Esporas de cavaleiros

Tem olhos como marel

Um pássaro dos estrangeiros

 

Focinho como de vaca

Tem pés como de cegonha

Tem cauda como de víbora

Uma serpente medonha

E é infeliz o vivente

Que a boca dela se oponha

 

Tem peito como cavalos

E não ofende a ninguém

Tem asas como de águia

A que voa muito além

São antes oito sinais

Que o gafanhoto tem

 

Perguntou o sábio a ela:

— Que homem foi que viveu

Porém nunca foi menino

Existiu mas não nasceu

A mãe dele ficou virgem

Até que o neto morreu

 

— Este homem foi Adão

Que da terra se gerou

Foi feito já homem grande

Não nasceu, Deus o formou

A terra foi a mãe dele

E nela se sepultou

 

Foi feita mas não nascida

Essa nobre criatura

A terra foi a mãe dele

Serviu-lhe de sepultura

Para Abel o neto dele

Fez-se a primeira abertura

 

— Donzela qual é a coisa

Que pode ser mais ligeira?

Respondeu: O pensamento

Que voa de tal maneira

Que vai ao cabo do mundo

Num segundo que se queira

 

O sábio fitou-a e disse:

— Donzela diga-me agora

Qual o prazer de um dia

Qual prazer duma hora?

— Dum negócio que se ganha

Dum passeio que se queira

 

A donzela respondeu

Com a maior rapidez

Disse: um homem viajando

E se bom negócio fez

É um dos grande prazeres

Que verá por sua vez

 

Donzela o que é vida?

Disse ela: Um mar de torpeza

O que pode assemelhar-se

À vela que está acesa

Às vezes está tão formosa

E se apaga de surpresa

 

Donzela por quantas formas

Mente a pessoa afinal?

Respondeu: Mente por três

Tendo como essencial

Exaltar a quem quer bem

E pôr taxa em quem quer mal

 

Donzela que é velhice?

Respondeu com brevidade:

É vestidura de dores

É a mãe da mocidade

E o que mais aborrecemos?

Respondeu: É a idade

 

Donzela qual é a coisa

Que quem tem muito ainda quer?

Disse ela: É o dinheiro

Que o homem e a mulher

Não se farta de ganhar

Tenha a soma que tiver

 

Qual é a coisa que o homem

Possui e não pode ver?

Disse ela: O coração

Que aberto tem que nascer

Ver a raiz dos seus olhos

Não há quem possa obter

 

Donzela qual foi o homem

Que por dois ventres passou?

Disse a donzela: Foi Jonas

Que uma baleia o tragou

Conservou-o dentro três dias

E depois o vomitou

 

O sábio disse: Donzela

Qual o homem mais de bem?

Disse ela: É aquele

Que menos defeitos tem

Quem terá menos defeitos?

— Isso não sabe ninguém

 

— Donzela qual é a coisa

Que não se pode saber?

O pensamento do homem

Se ele não quer dizer

Por mais que a mulher procure

Não poderá obter

 

— Donzela o que é a noite

Cheia de tantos horrores?

Disse ela: É descanso

Dos homens trabalhadores

É capa dos assassinos

Que encobre os malfeitores

 

— Onde a primeira cidade

Do mundo foi construída?

— A cidade de Ninive

A primeira conhecida

Que depois de certo tempo

Foi pela Grécia abatida

 

Perguntou: Qual o guerreiro

Que teve a antigüidade?

Respondeu: Foi Alexandre

Assombro da humanidade

Guerreou vinte e dois anos

E morreu na flor da idade

 

Donzela falaste bem

Do maior conquistador

Diga dos homens qual foi

O maior sentenciador?

— Pilatos que deu sentença

a Cristo Nosso Senhor

 

De todos os patriarcas

qual seria o mais valente?

— O patriarca Jacó

Que lutou heroicamente

Com os anjos mensageiros

Do monarca onipotente

 

— Qual foi a primeira nau

Que foi para o estaleiro

— Foi a Arca de Noé

A que no mar foi primeiro

Onde escapou um casal

De tudo no mundo inteiro

 

— O que corta mais

Que a navalha afiada?

É a língua da pessoa

Depois de estar irada

Corta com mais rapidez

Que qualquer lâmina amolada

 

— Qual é o maior prazer

Com que se ocupa a história?

Respondeu: Quando um guerreiro

No campo ganha vitória

Sabei que não pode haver

Tanto prazer tanta glória

 

O sábio disse: Donzela

Tens falado muito bem

Me diga que condições

O homem no mundo tem?

Disse a donzela: tem todas

Para o mal e para o bem

 

É manso como a ovelha

E feroz como o leão

Seboso como o suíno

É limpo como o pavão

É falso como a serpente

É tão leal como o cão

 

É fraco como o coelho

Arrogante como o gelo

Airoso como o furão

Forçoso como o cavalo

E mais te digo que o homem

Ninguém pode decifrá-lo

 

É calado como peixe

Fala como papagaio

É lerdo como preguiça

É veloz igual ao raio

É sábio quando ouviu isto

Quase que dar-lhe um desmaio

 

Então inventou um meio

Para ver se a pegaria

Perguntou: O sol da noite

Terá luz quente ou fria?

A donzela respondeu

Que à noite sol não havia

 

Com a presença do sol

É que se conhece o dia

Se de noite houvesse sol

A noite não existia

E sem o sereno dela

Todo vivente morreria

 

Sem água, sem ar, sem luz

A terra não tinha nada

Não tinha os seres que tem

Seria desabitada

A própria vegetação

Não podia ser criada

 

Os reinos da natureza

Cada um possui um gênio

É necessário o azoto

Precisa o oxigênio

Para a infusão disso tudo

O carbono e o hidrogênio

 

O dia Deus fez bem claro

A noite fez bem escura

Se de noite houvesse sol

Estava o homem à altura

De notar esse defeito

E censurar a natura

 

O sábio baixou a vista

E ouviu tudo calado

Nada teve a dizer

Pois já estava esgotado

E tinha plena certeza

Que ficava injuriado

 

Disse ao público: Senhores

A donzela me venceu

Não sei com qual professor

Esta mulher aprendeu

Aí a donzela disse:

Então o mestre perdeu?

 

Ele vendo que estava

Esgotado e sem recursos

Ficou trêmulo e muito pálido

Fugiu-lho até os pulsos

Prostou-se aos pés de El-rei

Se sufocando em soluços

 

E disse: Senhor, confesso

A vossa real majestade

Que vejo nesta donzela

A maior capacidade

Ela merece ter prêmio

Pois tem grande habilidade

 

A donzela levantou-se

Foi ao soberano rei

Então beijando-lhe a mão

Disse: Vos suplicarei

Mande o sábio entregar-me

Tudo que dele ganhei

 

O rei ali ordenou

Que o sábio se despojasse

De todas as vestes que tinha

E à donzela as entregasse

O jeito que tinha ali

Era ele envergonhar-se

 

O sábio pôs-se a despir-se

Como quem estava doente

Fraque, colete e camisa

Ficando ali indecente

E pediu para ficar

Com a ceroula somente

 

Depois sufocado em pranto

Prostrado disse à donzela:

Resta-me apenas a ceroula

Não posso me despir dela

A donzela perguntou-lhe:

O senhor nasceu com ela?

 

O trato foi o seguinte

De nós quem fosse vencido

Perante a todos da corte

Havia de ficar despido

Como quando veio ao mundo

Na hora que foi nascido

 

El-rei foi o fiador

Nosso ajuste foi exato

O senhor tem que despir-se

E dar-lhe fato por fato

Ficando com a ceroula

Não teve efeito o contrato

 

E não quis dar a ceroula

O rei mandou que ele desse

Ou pagaria à donzela

O tanto que ela quisesse

Tanto que indenizasse-a

Embora que não pudesse

 

Donzela quanto queres

Perguntou o sábio enfim

A donzela ali fitou-o

E lhe respondeu assim:

A metade do dinheiro

Que meu senhor quer por mim

 

O rei ali conhecendo

O direito da donzela

Vendo que toda razão

Só podia caber nela

Disse ao sábio: Mande ver

O dinheiro e pague a ela

 

Cinco mil dobras de ouro

A donzela recebeu

O sábio também ali

Nem mais satisfação deu

Aquele foi um exemplo

Que a donzela lhe vendeu

 

O rei então disse à ela:

Donzela podes pedir

Dou-te a palavra de honra

Farei-te o que exigir

De tudo que pertencer-me

Poderás tu te servir

 

Ela beijou-lhe a mão

Lhe disse peço que dê-me

A quantia do dinheiro

Que meu senhor quer vender-me

Deixando eu voltar com ela

Para assim satisfazer-me

 

O rei julgou que a donzela

Pedisse para ficar

Tanto que se arrependeu

De tudo lhe franquear

Mas a palavra de rei

Não pode se revogar

 

Mandou dar-lhe o dinheiro

Discutiu também com ela

Mas ciente de tudo

Quanto podia haver nela

E disse vinte mil dobras

Não pagam esta donzela

 

Voltou ela e o senhor

À sua antiga morada

Por uma guarda de honra

Voltou ela acompanhada

O senhor dela trazendo

Uma fortuna avaliada

 

Ficaram todos os sábios

Daquilo impressionados

Pois uma donzela escrava

Vencer três homens letrados

Professores de ciências

Doutores habilitados

 

Abraão de Trabador

Com todos não discutia

Já tinha vencido muitos

Em música e filosofia

Em história natural

Matemática e astronomia

 

Ele descrevia a fundo

Os reinos da natureza

Era engenheiro perito

De tudo tinha a certeza

Descrevia o oceano

Da flor d'água a profundeza.

 

Tanto quando ele entrou

Que fitou bem a donzela

Calculou dentro de si

A força que havia nela

Confiando em sua força

Por isso apostou com ela

 

Caro leitor escrevi

Tudo que no livro sabei

Só fiz rimar a história

Nada aqui acrescentei

Na história grande dela

Muitas coisas consultei

 


Literatura de Cordel quarta, 17 de outubro de 2018

AS 4 ÓRFÃS DE PORTUGAL, OU O VALOR DA HONESTIDADE (FOLHETO DE JOÃO MELQUÍADES FERREIRA DA SILVA)

 

Na capital de Lisboa,
havia uma união
de quatro donzelas órfãs,
sem pai sem mãe irmão,
servindo a moça mais velha
como mãe de criação.

Vitalina era a mais velha
e muito religiosa,
viviam de costuras
numa vida trabalhosa:
Isabel Francisca e Maria,
cada qual mais virtuosa.

Vitalina adoeceu;
vendo que não escapava,
chamou logo as três mocinhas
que em seu poder criava,
para lhes dar um conselho
que tanto necessitava.

Disse ela: minhas filhas
vocês vivam sem questão
satisfeitas com a sorte
trabalhando pelo pão;
nada tendo peçam esmola,
mais não deixe esta união.

No outro dia Vitalina
estava no necrotério,
mas levou palma e capela
para o chão do cemitério,
no símbolo da virgindade
de moça de critério.

As moças ficaram sós
por casa do acabamento,
ninguém lhes dava costuras
para ganharem o sustento;
começaram a passar fome
com pena e sofrimento.

Quando as moças não tinham
mais nada para vender,
eram três moças donzelas
que não tinham o que comer,
sem lamentarem a sorte,
jejuavam sem querer.

Lutando assim pela vida
com tanta dificuldade,
perseguida pelos homens
mas guardando a virgindade,
quem sofre com paciência
Deus manda felicidade.

A fome já era tanta
que as moças padeciam,
que botavam sal na água
por alimento bebiam,
e os homens sem caridade
a elas não protegiam.

Maria, uma das moças,
disse ainda não é assim,
se hei de morrer de fome,
aqui mesmo levar fim,
vou procurar pelo mundo,
quem tome conta de mim.

As outras duas pediram:
maninha, não vá embora,
vamos esperar mais tempo,
ninguém sai daqui agora,
ate chegar o socorro
de Deus ou nossa Senhora.

Maria disse: Manas,
eu já estou resolvida,
vou ver se encontro um homem
que me dê roupa e comida;
hoje à noite eu vou embora,
que não sou esmorecida.

Maria arrumou a roupa
e deixou anoitecer,
o pedido das irmãs
em nada quis atender;
se despediu com a noite
dizendo: vou me vender.

A noite está muita escura,
porém, a moça seguia
no oitão de uma igreja,
um vulto lhe aparecia;
o vulto era um padre,
pegou na mão de Maria

O padre disse: filhinha
esta hora, aonde vais?
O que é que tu procuras,
que daqui não passas mais,
volta que tuas irmãs
ficaram chorando atrás.

Padre, porque sou pobre,
uma orfã desvalida,
abandonei minhas irmãs
para salvar minha vida;
eu vou procurar um homem
que me dê roupa e comida.

Porquanto a minha pobreza,
faz vergonha eu lhe contar,
todo dia em nossa casa
não tem que se almoçar;
há tempo que eu não janto,
eu vou dormir sem cear.

O padre disse: filhinha,
tu precisas de caridade,
então me diz se conheces
na alta sociedade,
qual e o homem solteiro
mais rico desta cidade.

Tem o coronel Paulino
que é um moço solteiro,
negociante na praça,
capitalista e banqueiro;
o governo deve a ele
grande soma de dinheiro.

O Padre tirou um lápis,
num papel pôs-se a escrever,
dirigindo um bilhetinho
de acordo o seu saber,
para o coronel Paulino
esta questão resolver.

O padre disse: filhinha,
volta e vai descansar,
por hoje lhe passa a fome,
não precisa mais cear,
porque a sua pobreza
agora vai se acabar.

Quando o dia amanhecer,
vá o bilhete entregar
ao coronel Paulino,
a quem eu mando levar;
espera pela resposta
que ele tem que te dar.

Maria voltou a casa,
conforme o padre dizia;
as Irmãs abriram a porta,
disseram entra Maria;
se abraçaram todas três
chorando de alegria.

Quando o dia amanheceu,
Maria, no mesmo tino,
foi levar o bilhetinho
ao coronel Paulino,
para saber da resposta,
qual será o seu destino.

No armazém do Paulino,
estavam negociando
uma secção dos mais ricos
sobre negócio tratado,
e viram aquela mocinha
que vinha se aproximando.

Os homens se combinavam,
cada qual o mais ladino;
Maria interrogou-os,
com seu termo feminino,
quem é aqui dos senhores
o grande coronel Paulino?

O coronel levantou-se,
chegou se para Maria
disse: sou eu seu criado,
enquanto a moça dizia:
trago este bilhetinho
para vossa senhoria.

O bilhete lhe explicava,
honradíssimo coronel,
dê a esta mocinha
o valor deste papel,
porém, pese-o na balança,
até chegar no fiel.

O coronel inda riu-se,
dizendo ora muito bem,
isto não é precisão
que se ocupa ninguém,
o peso deste papel
só pesa igual um vintém.

O coronel pegou o bilhete,
pôs na balança um tostão,
mas foi botando dinheiro
como quem pega algodão,
a concha do bilhetinho
só pesava para o chão.

O coronel botou todo
o ouro que possuía,
botou o dinheiro de papel
que a balança não cabia,
a concha do bilhetinho
mais pesada não subia.

Ele arredou o dinheiro,
e passou-se com o papel,
a concha do bilhetinho
subiu e mostrou o fiel,
era a honra da donzela
que valia o coronel.

O coronel disse: moça,
você é misteriosa,
qual é a sua oração
na vida religiosa?
Este bilhete foi feito
por uma mão poderosa.

Coronel, a minha mãe
de criação me ensinava
S. Antonio é meu padrinho,
e a ele me entregava,
eu tomava bênção ao santo,
a noite quando rezava.

Então a senhora diga-me
quem fez este bilhetinho,
se foi feito em casa
pela mão de algum vizinho,
ou então se é milagre
que nasceu de seu padrinho.

Coronel, eu esta noite
de casa não havia saído
no oitão de uma igreja,
um padre desconhecido
mandou-lhe este bilhetinho,
conforme vem dirigido

O coronel baixou vista,
e disse quando pensou:
então, o bilhete foi
Santo Antonio quem mandou
pra senhora casar comigo
como o santo me contou.

A senhora, uma mocinha
que vive em pobreza,
mas sua honra pesou
mais que a minha riqueza,
no dia que nós casarmos
somos iguais por natureza.

Desde aí o coronel
tomou conta de Maria,
convidou os seus amigos,
casou-se no outro dia,
mandou ver as duas órfãs
para sua companhia.


Literatura de Cordel quarta, 10 de outubro de 2018

PELEJA DO CEGO ADERALDO E ZÉ PRETINHO DO TUCUM, FOLHETO DE FIRMINO TEIXEIRA AMARAL, EM VÍDEO


Literatura de Cordel quarta, 03 de outubro de 2018

A TERRÍVEL HISTÓRIA DA PERNA CABELUDA (FOLHETO DE GUAIPUAN VIEIRA) YOUTUBE

A TERRÍVEL HISTORIA DA PERNA CABELUDA

GUAIPUAN VIEIRA

(PRENÚNCIO DA BESTA-FERA)

 


Literatura de Cordel quarta, 26 de setembro de 2018

BRASIL CABOCLO (POEMA-CORDEL DE ZÉ DA LUZ)


Literatura de Cordel quarta, 19 de setembro de 2018

HISTÓRIA DA PRINCESA DA PEDRA FINA (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS)

 

 

HISTÓRIA DA PRINCESA DA PEDRA FINA

Leandro Gomes de Barros

 

 

 

No Reino da Pedra Fina

Havia uma princesa

Misteriosa, encantada

Uma obra da natureza

Com ela duas irmãs

Que eram a flor da beleza.

 

Naquela linda princesa

Só era em que se falava

Nesse lugar também tinha

Um pobre que trabalhava

Com três filhos no roçado

Com isso se sustentava

 

Chamavam-se os três meninos

João, Antonio e José

José que era o caçula

Do tamanho dum bebé

A sua mãe lhe estimava

Nunca deu-lhe um cafuné

 

Disse o marido à mulher:

- vou trabalhar no roçado

os meninos também vão

pra ajudar-me doutro lado

você cá mate um franguinho

apronte-o, leve-o guisado.

 

Estando o velho cansado

Com os filhos a trabalhar

Às duas horas da tarde

Diz ele: - Vou descansar

Meus filhos tenham paciência

Não tarda mamãe chegar.

 

Pegou Antonio a brincar

Fazendo riscos no chão

Dizendo: - Estou com vontade

De comer muito feijão

Misturadinho com bredo

Acho melhor do que pão

 

Aí respondeu João:

- Eu desejava comer

muita banana com casca

até a barriga encher

ambos mandaram José

dar também seu parecer.

 

De modo misterioso

Respondeu o Cazuzinha:

- O que tenho no pensamento

nenhum dos dois adivinha

então será um segredo

ou do rei ou da rainha.

 

Disse José: - Eu descubro

Creio que não me incrimina

Não é pra mim bem vocês

É pra quem Deus determina

Eu queria ver as pernas

Das moças da Pedra Fina

 

- Oh! Atrevido menino!

(respondeu o pai deitado)

e levantou-se dizendo:

- Cachorro, bruto, safado

não respeita as princesas

querer morrer enforcado?

 

Levantou-se o velho irado

Dizendo por este jeito:

- Você ainda acha pouco

os males que me tem feito?

Assim nós todos iremos

Sofrer pelo seu respeito!

 

Aí deu umas lapadas

No seu caçula Zezinho

Nisto foi chegando a velha

Que já vinha no caminho

- Meu velho, pra que fez isto?

Pra que deu no bichinho?

 

- Porque foi muito atrevido

minha velha Umbelina

ele buliu com as pessoas

tão altas que nos domina

desejando ver as pernas

das moças da Pedro Fina.

 

- Se eles souberem disso

nos mandariam chamar

nos metiam na prisão

mandavam a ele matar

eu só dei essas lapadas

para o exemplo ficar.

 

Ai a velha zangou-se

Começou logo a chorar:

- Vamos pra casa meu filho

para seu pai não lhe dar

inda a princesa sabendo

não lhe manda degolar.

 

José sempre se lembrava

Do pai o que tinha feito

Dizendo que a família

Sofria por seu respeito

Saiu vagando no mundo

O qual por Deus foi aceito.

 

Esse inocente menino

Saiu, só levou um pão

Não tinha um vintém no bolso

Só quis do pai o perdão

Da sua cara mãezinha

A sua santa benção.

 

A mãe partida de pena

Abençoou o menino

Vendo o filho tão pequeno

Sair como um peregrino;

- Rogo a Deus como bom pai

que zele por teu destino.

 

O Cazuzinha era novo

Porem era destemido

Já fazia mais de um mês

Que ele tinha saído

Chegou na beira de um rio

Medonho e desconhecido

 

Ficou com bastante medo

No atravessar do rio

Só ouvia urros de fera

No pé dum monte sombrio

Porem tinha pouca água

Por ser tempo de estio

 

Ele atravessou o rio

Quando em terra pisou

Sentiu que estava com sede

Água no chapéu tirou

No chapéu veio uma pedra

Que muito lhe admirou.

 

Era um brilhante encantado

Mas ele não conhecia

Julgando não ter valor

Pouca importância fazia

Depois guardo-o no bolso

E pensou no que fazia.

 

Saiu por ali afora

Quando foi no outro dia

Entrou num grande reinado

Que ele não conhecia

Sem ter um vintém no bolso

Tomou uma hospedaria

 

O rapaz aperreado

Já vendo a hora sofrer

Tirou a pedra do bolso

Começou a oferecer

Dizendo: - Quem quer comprar?

Eu tenho é pra vender.

 

José muito aperreado

Sem jeito com que passar

Deu a pedra a um lojista

Perguntando: - Quando dá?

Respondeu: - É um brilhante

Eu não a posso comprar.

 

- Em todo este reinado

(lhe respondeu o caixeiro)

o senhor vá procurando

até pelo estrangeiro

para comprar esta pedra

bem poucos terão dinheiro.

 

Disse também o lojista?

- Esta jóia é um primor

só quem a pode comprar

é o nosso imperador

só ele terá dinheiro

com que pague o seu valor.

 

O rapaz saiu pra rua

Com a tal pedra na mão

Assim que o rei a viu

Ficou com tanta ambição

Mandou chamar o rapaz

Comprou-a por um milhão.

 

Deu-lhe mais um palácio

E um posto de capitão

Pelo seu merecimento

Todos lhe davam atenção

Era um estrangeiro nobre

Filho de outra nação.

 

Na corte tinha um barbeiro

Que no reinado vivia

Também era conselheiro

Em tudo se intrometia

Disse logo a todo mundo

Que a pedra o rei a possuía.

 

O rei mandou colocar

A pedra em sua coroa

Como era um brilhante

De uma espécie muito boa

Servia de ornamento

Pra sua nobre pessoa.

 

O barbeiro quando viu

Disse muito admirado

- Isso só ficava bem

tendo outra em cada lado

tendo mais uma na frente

fica um rei mais respeitado.

 

Lhe disse o imperador:

- Aonde vou encontrar

outra pedra como esta?

É asneira procurar....

- O moço que lhe vendeu

é quem pode lhe arranjar.

 

- Rei senhor, mande chamar

ele não dirá que tem

lhe mostre pena de morte

veja se a pedra não vem

pois ela não há de tê-la

só rei senhor, mais ninguém.

 

- Sim senhor, está muito bem!

Mandou logo procurar

Dali saiu o barbeiro

Ver se podia encontrar

Quando encontrou foi dizendo:

- Rei senhor manda chamar.

 

Veio o moço e o barbeiro

Para a presença do rei

Lhe disse o imperador:

- sabes pra que te chamei:

porque preciso outra pedra

igual a que te comprei.

 

Disse o rapaz ao rei:

- Outra eu não posso arranjar

ainda eu tenho dinheiro

não tenho aonde comprar

eu achei esta no rio

porém sem nunca esperar.

 

- O senhor vá ver a pedra

me chegue aqui qualquer dia

peça por ela o que quiser

não resgatei a quantia

porém chegando sem ela

morrerá no mesmo dia.

 

Saiu José muito triste

Pensando de qual maneira

Poderia se livrar

Dessa cena traiçoeira

Foi sair no mesmo rio

Aonde achou a primeira.

 

Foi pelo mesmo lugar

Aonde tinha passado

Seguiu pelo rio adentro

Procurando com cuidado

Uma pedra que igualasse

A que ficou no reinado.

 

Ele já estava cansado

De por ali procurar

Bebeu água sem ter sede

Nada de poder encontrar

Desenganado da vida

Pegou sozinho a falar.

 

Dizia ele consigo:

- Eu sei que vou morrer

essa pedra que procuro

é impossível obter

me acabo aqui afogado

não dói gosto ao rei me ver.

 

José pegou a ouvir

Uma coisa que estrondava

Chegando ao pé da serra

Ainda mais intimidava

De repente viu o fogo

Que perto dele brilhava.

 

De repente aquele fogo

Transformou-se num leão

Brigando com uma serpente

Troando que só trovão

Saia fogo dos dentes

De faiscar pelo chão.

 

José nem pode falar

Vendo aquela tempestade

O leão falou com ele

Pedindo por caridade:

- Mata-me esta serpente

que dou-te a felicidade.

 

Respondeu sem ter maldade

A serpente: - Criatura

Mata o leão que dou-te

O que tu andas à procura

Depois te farei feliz

Que sou uma virgem pura.

 

Ele atirou no leão

Aquela fera valente

Com um tiro muito certeiro

Morrei instantaneamente

Morto que fosse o leão

Desencantava a serpente.

 

Era uma moça encantada

Uma excelente menina

A origem do encanto

Foi para cumprir a sina

Era essa a tal princesa

Do reino da Pedra Fina.

 

Ele com ela abismou-se

Somente pela beleza

Perguntou-se: - Quem sois vós?

Disse ela: - A princesa do

Reino da Pedra Fina

Que venho em tua defesa.

 

Dali saiu a princesa

Com José acompanhando

Desceram de rio abaixo

Ambos juntos conversando

No lugar que procurava

Ela parou lhe falando:

 

- Se teu ferro está cortando

anda cá, vem me ferir

corta este dedo ao meio;

mas ele não quis ouvir

disse ela: - Corta logo

que o sangue vem te servir.

 

José sem querer cortar

Julgando ser uma asneira

Mas quando cortou-lhe o dedo

Corria sangue em biqueira

Do sangue saíram duas pedras

Do formato da primeira.

 

Disse ela: - Está ao

O que você procurava

Esteve aqui há pouco

Procurando e não achava

Porque estava brigando

E o leão me arranhava.

 

Daí foram para casa

Que o rei tinha lhe dado

Ia em companhia dela

Porem muito embelezado

Pela sua formosura

Esqueceu-se do mandado.

 

Passando mais alguns dias

A princesa lhe falava:

- José, vai levar a pedra;

o rei a tempo esperava

José respondeu a ela:

- Eu disso nem me lembrava.

 

Ele aí pegou a pedra

Foi levar ao rei senhor

Que gratificou a ele

Com dois tantos do valor

E lhe fez mais um presente

De um titulo superior.

 

O rei disse ainda a ele

(quando entregou-lhe o dinheiro)

- Como eu te considero

inda mais que um conselheiro

vou mandar-te fazer a barba

pelo meu próprio barbeiro.

 

No palácio de José

Quando o barbeiro chegou

Entrou respeitosamente

Dizendo o cumprimentou:

- Vim fazer a vossa barba

que o monarca mandou.

 

Estava fazendo a barba

Quando a princesa sorriu

O barbeiro admirou-se

Da formosura que viu

Assim que findou a barba

No mesmo instante saiu.

 

Quando chegou no palácio

Foi dizendo: - Rei senhor

Agora vi uma moça

Mais linda que uma flor

Na casa do coronel:

Pra mim tem todo valor!

 

- Rei meu senhor, se apronte

não perca esta ocasião

vá lá no palácio dele

e preste bem atenção

pois a moça que vi lá

faz render um coração.

 

O rei mandou vir um carro

E perguntou: - Como é?

Você me diz essas coisas

Porem eu não tenho fé;

À tarde foi passear

Onde morava José.

 

Passando o carro por baixo

Avistou logo a princesa

Debruçada na janela

Em traje de camponesa

Deu um ataque e caiu

Quando viu a boniteza.

 

Ai pegaram o rei

Pensando que ele morria

Deram-lhe medicamento

Porem ele nem bebia

Levaram ele pra corte

Foi tornar no outro dia.

 

No outro dia o barbeiro

Foi ao rei aconselhar

Dizendo: - Não desanime

Eu tenho jeito pra dar

Tenha mais perseverança

Que sempre vem a gozar.

 

Disse o barbeiro ao rei:

O moço, seu coronel

Talvez com essa invenção

Nos caia a sopa no mel

Mande ele no reinado

Das laranjas de Babel.

 

- Diga que a sua esposa

desejou muito comer

uma laranja de lá

para o filho não perder

está grávida há seis meses

vive em tempo de morrer.

 

O rei tomou o conselho

Mandou logo chamar

Por esse mesmo barbeiro

Que o recado foi dar

Disse a José: - Apareça

Que o rei quer lhe falar.

 

- Uma laranja mimosa

quero que vá me buscar

no Reino das Laranjeiras

pra em dez dias chegar

se não fizer o que digo

eu lhe mando degolar.

 

O pobre banhado em pranto

Chorando em casa chegou

A princesa comovida

Depressa lhe perguntou:

- O que foi, José?

- Foi o rei que me mandou....

 

- O rei disse que fosse

uma laranja buscar

no Reino das Laranjeiras

como é que posso acertar?

Se não chegar em dez dias

Ele manda me matar.

 

- Não tenhas medo, José

descansa para jantar

enquanto eu existir

algum remédio hei de dar

vou te arranjar um cavalo

que ti possas viajar.

 

Pega ela a ensinar

Como devia fazer

Dizendo: - Pelas três horas

Você irá receber

De um moleque um cavalo

Que vem lhe oferecer.

 

Ele compreendeu tudo

Foi para o ponto esperar

Com pouco viu um moleque

Em um cavalo a saltar

Muito gordo e bem selado

Capaz dum homem montar.

 

Dizendo: - Quem quer comprar

Por cinco contos de réis

Um cavalo muito gordo

Calçado de mãos e pés?

Disse José: - Compro eu

Tu pedes cinco eu dou dez.

 

Ele pagou ao moleque

Aquela grande quantia

Porem todo privilégio

O cavalo possuía

O mesmo estava arreado

Da forma que ele queria.

 

A princesa chamou ele

Tornou a recomendar:

- Daqui lá só são mil léguas

numa hora hás de chegar

porem este teu cavalo

não é preciso açoitar.

 

- Basta que de hora em hora

você dê-lhe uma lapada

corra, siga à toda pressa

não te importes com nada

porem quando chegar lá

encontra a porta fechada.

 

- Fique ali bem escondido

pra ninguém o perseguir

quando bater meia-noite

o portão há de se abrir

entre sem fazer zuada

para ninguém não o vir.

 

- Dentro tem leões e lobos,

ursos, camelos urrando,

cobras, serpentes assanhadas

leão, leoa rosnando

pantera, porco do mato

sobre as laranjas avançando.

 

- Não te importes com nada

porque assim determina

quando entrar vá chamando:

Oh! Laranja tangerina

Me acompanha a um chamado

Do Reino da Pedra Fina.

 

José chamou a laranja

Ela veio, ele levou-a

Fez como a princesa disse

E não deu passada à-toa

Montando no seu cavalo

Corria como quem voa.

 

José dizendo as palavras

Todo bicho se mordia

Para tomar a laranja

Um puxava outro queria

José arribou com ela

Já acabou-se a porfia

 

Correu com essa laranja

Os bichos atrás pra tomar

Numa grande violência

Viu-se o portão se fechar

Nem a cauda do cavalo

Eles puderam pegar.

 

Não é preciso saber

Quanto o cavalo corria

Nem mesmo uma ave rapina

A favor da ventania

Basta dizer que tirava

Umas mil léguas por dia

 

José que vinha contente

Com a laranja na mão

Entregou ela à princesa

Ela prestou atenção

Disse José: - Veja bem

A laranja é esta ou não?

 

Disse ela: - Vou te mostrar

O poder da natureza

Pegou, partiu a laranja

Em cima de uma mesa

Saiu de dentro uma moça

Mais linda que a princesa

 

Disse a princesa a José:

- Esta é a minha irmã

que o leão carregou

um dia pela manhã

depois juntou as bandas

e a laranja ficou sã.

 

Chamava-se Romana

O corpo um tanto delgado

Olhos pretos muito vivos

Nariz bastante afilado

Dentes alvos, boca linda,

Rosto bem feito e corado.

 

Elas ficaram falando

Em tudo que se passou

Que o rei queria a laranja

Como de fato, chegou

José foi levar no dia

Que o tempo completou.

 

O rei ficou satisfeito

E lhe deu muito dinheiro

Deu-lhe mais uma medalha

Com honra de brigadeiro

Depois tirou-lhe também

Para ser seu conselheiro.

 

José foi com o barbeiro

Este voltou na carreira

Dizendo ao rei: - Vi agora

Outra moça verdadeira

Lá na casa do José

Mais linda que a primeira!

 

Disse o barbeiro ao rei:

- Todas elas são donzelas

eu nunca vi neste mundo

duas figuras tão belas

rei meu senhor faça tudo

para gozar todas elas.

 

- Ainda temos outro jeito

rei senhor mande chamar

José pra ir no reinado

Das limeiras de Tupar

Ele indo essa viagem

Nunca mais há de voltar.

 

José seguiu para a corte

Fingindo ter paciência

Para acudir o chamado

Que vinha com muita urgência

Cumprimentou os vassalos

Cheio de benevolência.

 

Disse o monarca: - José

Esta vez é a terceira

Para buscar-me uma lima

No Reinado das Limeiras

Já que tiveste coragem

De voltar das Laranjeiras

Disse a princesa: - José

Eu lhe hei de proteger

Preste-me bem atenção

Repare o que vou dizer

Ensinou tudo a José

Como devia fazer

 

Saiu ele à toda pressa

Correndo por uma estrada

Saiu de casa ao meio-dia

Foi chegar de madrugada

Achou o portão fechado

Esperou pela entrada.

 

Chegou, ouviu o sussurro

De muitos bichos que havia

Ele morrendo de medo

Porem não se remexia

Até o próprio cavalo

De medo também tremia

 

Quando batiam seis horas

Ia o portão se abrindo

Ele entrou e foi vendo

Feras de dentes rangendo

Debaixo da limeira

Tinha um leão dormindo.

 

Ele entrou e foi chamando

Pela lima camponesa

- Eu venho aqui te buscar

obrigado a natureza

preciso que não me faltes

ao chamado da princesa

 

José agarrou a lima

Com uma mão segurou

As feras partiram em cima

Porém José se livrou

Quando ia chegando perto

Ai o portão se fechou.

 

Como ele correu com medo

Não podia ter demora

Chegando, entregou a lima

Na mão de sua senhora

Disse ela: - Quero ver

O que vão inventar agora.

 

No reinado tinha uma

Do Reino das Laranjeiras

Depois chegou a caçula

Do Reno das Limeiras

Era a caçula mais bela

Do que as duas primeiras.

 

A lima ficou partida

Ela com jeito fechou

Não tinha nenhum defeito

A José ela entregou

Depois que findou o prazo

Foi quando José voltou.

 

O rei recebeu a lima

Foi tratando de pagar

Deu tanto dinheiro a ele

Que não tinha onde botar

O barbeiro foi com ele

Para seu cabelo cortar.

 

Chegou junto com José

O barbeiro conhecido

Quando viu as três princesas

Foi correndo espavorido

E sem poder dizer nada

Do que tinha acontecido.

 

Disse ele: - Rei senhor

Eu lhe digo com franqueza

Fui à casa de José

E lá vi outra princesa

Que aquela só sendo feito

Pela mão da natureza.

 

- Pra rei senhor gozar nelas

outro conselho vou dou

mande José ao inferno

dizendo que precisou

de saber noticia certa

do finado seu avô.

 

- Rei meu senhor mande logo

fazer um grande alçapão

dizendo: - É este o caminho

vai por debaixo do chão

quando entrar, feche a porta

morrerá sem remissão.

 

Mandaram chamar José

Ele depressa chegou:

- Quero que vá no inferno

o monarca assim falou:

- Para levar um oficio

ao finado meu avô.

 

- Traga noticia de lá

e volte pra me dizer

isto que estou lhe dizendo

o senhor tem que fazer;

volta José soluçando

na certeza de morrer.

 

A princesa disse a ele:

- O rei faça o que quiser

eles agora vão ver

a força duma mulher

ninguém judia contigo

enquanto eu vida tiver.

 

- Pega estas duas pedras

leva elas duas na mão

elas num lugar escuro

te servem de lampião

lá tu fazes um discurso

na porta do alçapão.

 

Nesta hora por ali

Fica tudo admirado

Afrouxes as pedras da mão

E dás um pulo de lado

O fogo que sai das pedras

Deixa tudo encandeado.

 

José compreendeu tudo

Aprontou-se pra sair

Quando o réu deu o oficio

Pegou ele a discutir

Pulou dentro, saiu fora

Sem ninguém o pressentir.

 

Todos disseram: - Aquele

Nunca mais há de voltar

Que só do pulo que deu

Viu-se o fogo brilhar

Labaredas do inferno

Na porta veio encontrar.

 

José no mesmo momento

Pra sua casa voltou

Chegando mais que depressa

Em um quarto se trancou

A mulher pegou a roupa

No fumeiro desprezou.

 

Todo dia ela queimava

Muito enxofre no fumeiro

Porem sempre às escondidas

Fazia muito ligeiro

Assim foi continuando

Completou um ano inteiro.

 

José como quem está preso

Seu cabelo não cortava

Não lavava pés nem mãos

As unhas nunca aparava

Um banho nunca tomou

Nem nunca se barbeava.

 

Vou dizer o que fazia

O rei com seu barbeiro

Que mostrava no seu carro

Na roupa só tinha cheiro

Iam visitar as moças

Só chegavam no terreiro.

 

No palácio de José

Quando o rei ali saltava

A princesa na janela

Mas nem o cumprimentava

Se o rei subia a calçada

O palácio se fechava.

 

O rei andava de novo

Começava a rodear

Ela deixava a janela

Procurava outro lugar

Depois de desenganou

E não quis mais passear.

 

Vamos tratar de José

De qual forma se arranjou

Lhe disse a princesa um dia:

- Eu vou ver que jeito dou

para o barbeiro passar

pelo que você passou.

 

Quis a princesa vingar-se

Do que o barbeiro fazia

Escreveu uma resposta

Com grande aristocracia

Com letras feias e gregas

Que só o diabo sabia.

 

Dizendo: “Meu caro neto

Eu aqui estou sossegado

Fiquei ciente de tudo

Que me foi participado

Pelo mesmo portador

Lhe comunico o passado.

 

Eu aqui sou um guerreiro

Não me sujeito a ninguém

Mande sem falta o barbeiro

Que por hora aqui não tem

Para cortar meu cabelo

E minha barba também”.

 

Vinha na carta dizendo:

“as suas ordens estou

mande cá o seu barbeiro

bem sabe que lá não vou

aceite mil saudações

do finado seu avô”.

 

Aí José se vestiu

Com a roupa esfarrapada

Fedendo muito a enxofre

A espada enferrujada

Com os cabelos de monge

A barba toda assanhada.

 

Botou a carta no bolso

No mesmo instante levou

Antes de chegar na corte

Ele com a um praça encontrou

Ele era um general

E o praça não se importou.

 

Ele repeliu o praça

Com muita benevolência

Dizendo: - Sou general

Conheço a jurisprudência

Vá mudar de roupa nova

Pra me fazer continência.

 

José entrou no palácio

Foi logo avisando o rei

Que de longe perguntou-lhe:

- Que és que até me espantei?

- Sou o general da carta

que do inferno cheguei.

 

- Ontem cheguei de viagem

ele mandou um oficio

receba ele esta aqui

pra trazer fiz sacrifício

só não fui mal na viagem

porque lá vi um patrício.

 

Quando ele leu o oficio

Pelo assunto primeiro

Viu logo que seu avô

Mandou chamar o barbeiro

Disse o rei: - Vá se aprontar

Pra ir no mesmo roteiro.

 

- É pra seguir amanhã

não deixe mais demorar

meu avô manda chamá-lo

e eu não posso negar

é para fazer-lhe a barba

e seu cabelo cortar.

 

Disse ele: - Sigo já

Como o general seguiu;

Fez também o seu discurso

Quando o alçapão abriu

Ele, navalha e tesoura

No grande abismo caiu.

 

Ele morreu de repente

Daquela morte fatal

Ficou José descansando

De quem lhe fez tanto mal

Depois morreu sempre o reis

Ficou sempre o general.

 

José que era o rei

De toda aquela nação

A princesa disse a ele:

- Teu pai está na prisão

tua mãe também está presa

junto com o teu irmão.

 

- Pois é bom que saia cedo

vai para aquele lugar

espera pelo teu povo

que eles têm que passar

e os toma dos soldados

quero com eles falar.

 

José foi para o ponto

Com pouco avistou seu pai

Sua mãe e seus irmãos

Dando suspiro e ai

Diz ele às praças: - Este povo

Daqui pra diante não vai.

 

Os soldados responderam:

- Vão todos ao processados

os levamos para o juiz

para ser interrogados;

respondeu José com raiva:

- Dêem meia volta, soldados!

 

José levou todos eles

E entregou à princesa

Ela foi cortou-lhes as cordas

Sentou-se numa marquesa

Ficaram todos com medo

Quando chegaram na mesa.

 

Disse a velha: - Com certeza

Nós todos vamos morrer

Pois o réu não se ocupa

Beneficio nos fazer;

Disse o velho: - E é na forca

Pegaram a se maldizer.

 

Botaram o jantar pra eles

Pra Antonio, feijão com bredo

Pra João, banana com casca

Ficaram todos com medo

Disse a velha consigo:

- Está descoberto o segredo.

 

A primeira disse a ela:

- Vejo tudo amedrontado

minha velha sente-se aqui

me conte o que foi passado

senão disser morre tudo

de um por um degolado.

 

- A senhora me responda

quantos filhos já tem tido?

- Só tenho Antonio e João

outros já têm morrido;

- A senhora não tem outro

que está no mundo perdido?

 

- Conta a história direito

não é preciso negar,

quede José, seu caçula?

Deve inda se lembrar;

Disse a velha: - Essa história

Eu não preciso contar.

 

A velha morta de medo

Sempre lhe fez o pedido

Dizendo: - Eu tive José

Meu caçula querido

Faz dez anos que ele

Anda no mundo perdido

 

- Ele era inteligente

não sei se era por sina

pois desejou ver as pernas

das moças da Pedra Fina

meu marido teve medo

foi com ele à disciplina.

 

Disse a princesa: - O menino

Apanhar não merecia

Se por acaso a senhora

Visse ele conhecia?

Lhe disse a velha: - Conheço

Em qualquer hora do dia.

 

Ela perguntou à velha

(porem lhe mostrando agrado):

- A senhora conhece aquele

que se acha ali sentado?

Lhe disse a velha: - É o rei

Que governa este reinado.

 

José não agüentou mais

Partido de comoção

Abraçou-se com a velha

Chorando pediu perdão

Ajoelhou-se aos pés dela

Para tomar-lhe a benção.

 

José abraçou a todos

Como era bom irmão

Casou Antonio com Romana

A caçula com João

Foram viver no reinado

Na mais perfeita união.

 

Portanto devemos ter

O pensamento adiantado

José, um menino pobre

Trabalhando no roçado

Desejou ver a princesa

Por isso foi castigado.

 

Viveram todos felizes

Gozando mil maravilhas

José como uma estrela

Que no firmamento brilha

Mostrou que ele sozinho

Felicitou a família.


Literatura de Cordel quarta, 12 de setembro de 2018

PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA E O PRETO LIMÃO (FOLHETO DE JOÃO MARTINS DE ATHAYDE)

 

 

PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA E O PRETO LIMÃO

João Martins de Athayde

 

 

Em Natal já teve um negro

Chamado Preto Limão

Representador de talento

Poeta de profissão

Em toda parte cantava

Chamando o povo atenção

 

Esse tal Preto Limão

Era um negro inteligente

Em toda parte que chega

Já dizia abertamente

Que nunca achou cantador

Que lhe desse no repente

 

Nogueira sabendo disto

Prestava pouca atenção

Dizendo: – eu nunca pensei

Brigar com Preto Limão

Sendo assim da raça dele

Eu não deixo nem pagão

 

O encontro destes homens

Causou admiração

Que abalou o povo em roda

Daquela povoação

Pra ver Bernardo Nogueira

Brigar com Preto Limão

 

Eu sou Bernardo Nogueira

Santificado batismo

Força de água corrente

Do tempo do Sacratíssimo

Quando eu queimo as alpercatas

Pareço um magnetismo

 

Me chamam Preto Limão

Sou turuna no reconco

Quebro jucá pelo meio

Baraúna pelo tronco

Cantador como Nogueira

Tudo obedece meu ronco

 

Seu ronco não obedeço

Você pra mim não falou

Até o diabo tem pena

Das lapadas qu’eu lhe dou

Depois não saia dizendo:

– Santo Antônio me enganou!

 

Bernardo eu não me enganei

Agora é que eu pinto a manta

Cantor pra cantar comigo

Teme, gagueja, se espanta

Dou murro em braúna velha

Que o entrecasco alevanta!

 

 

Você pra cantar comigo

Precisa fazer estudo

Pisar no chão devagar

Fazer o passo miúdo

Dormir tarde, acordar cedo

Dar definição de tudo…

 

Você pra cantar comigo

Tem de cumprir um degredo

Pisar no chão devagar

Bem na pontinha do dedo

Dar definição de tudo

Dormir tarde, acordar cedo…

 

Cantor que canta comigo

Estira como borracha

O suor do corpo mina

Os olhos saltam da caixa

Quer tomar pé mas não pode

Procura o fôlego e não acha…

 

Nogueira, estás enganado

Queira Deus você não rode

Teimar com Preto Limão

Você quer porém não pode

Se cair nas minhas unhas

Hoje aqui nem Deus acode!

 

Moleque, se eu te pegar

Me escancho em tuas garupas

Das pernas eu faço gaita

Da cabeça uma cumbuca

Dos queixos um par de tamanco

Da barriga chupa-chupa

 

Nogueira se eu te pegar

Até o diabo tem dó!

Desço de goela abaixo

Em cada tripa dou nó

Subo de baixo pra cima

E vou morrer no gogó

 

Da forma qu’eu te deixar

Não vale a pena viver

Porque teus próprios amigos

Não hão de te conhecer

Corto-te os beiços de cima

Faço te rir sem querer!

 

Você vai ficar pior

Send’eu já estava chorando

Porque de ora em diante

Hás de falar bodejando

Corto-te a ponta da língua

Fica o tronco balançando

 

O resto de tua vida

Terás muito o que contar

Dês de perto, abertamente

Se acaso desta escapar

Diga que foste ao inferno

Depois tornaste a voltar

 

Tive uma pega com Inácio

Moleque bom na madeira

É negro que não se afronta

Com dez léguas de carreira

Dum açoite que dei nele

Quase larga a cantigueira

 

Você cantou com Inácio

Porém só foi uma vez

E faz vergonha contar

O que foi qu’ele te fez

Te pôs doente um ano

Aleijado mais dum mês

 

Inácio não me fez nada

Porque vivia cismado

Duma surra qu’eu dei nele

Há vinte do mês passado

De preto ficou cinzento

Quase morre asfixiado

 

Moleque tu me conhece

Como cantor afamado

No lugar qu’eu ponho a boca

É triste teu resultado

Tive uma pega com Inácio –

Já vi serviço pesado!

 

É porque você não viu

Preto Limão enfezado

Acendia os horizontes

De um para o outro lado

Rasga as decondências dele

De um negro encondensado

 

Tive aperreado um dia

Fiz a terra dar um tombo

No recreio da parcela

O mar é surdo urubombo

Cobri o mundo de fogo

E nada me fez assombro

 

Você fazendo tudo isso

Dá prova de homem forte

Eu já o considerava

Pela sua infeliz sorte

Se você chegasse a ir

Ao Rio Grande do Norte

 

Se eu for lá ao Rio Grande

Até você desanima

O sol perderá seus raios

A terra, o mundo e o clima

Tapo a boca do rio

Deixo correndo pra cima!

 

Se me tapares o rio

Verás como eu sou tirano

Rasgo pela terra a dentro

E vou sair no oceano

Deixo a maré do Brasil

Enchendo uma vez por ano!

 

Moleque, o que você tem?

Parece um pinto nuelo?

Contaste tanta façanha

Como estás tão amarelo?

Quanto mais você se visse

Seu Nogueira no martelo

 

Se eu cantar o martelo

Você encontra banzeiro

Qu’eu perco a fé em doente

Quando muda o travesseiro

Afinal siga na frente

Qu’eu irei por derradeiro

 

O cantor qu’eu pegá-lo no martelo

Pego na goela

O cabra esmorece

A língua desce

Os olhos racha

Salta da caixa

Por despedida

Procura a vida

Porém não acha

 

Tenho chumbo e bala

Para seu Nogueira

Cantador goteira

Pra mim não fala

Dentro duma sala

Fica entupido

E amortecido

E sem recurso

Até o pulso

Lhe tem fugido

 

É na bebedeira

Que o preto morre

Tropeça e corre

Topa ladeira

Mede porteira

E passadiço

E alagadiço

Se for com trama

Se encontrar lama

Topa serviço

 

Duro de fama

Dura bem pouco

Que o pau que é oco

Não bota rama

Chora na cama

Qu’é lugar quente

Quebro-te dente

Furo-te a língua

Faço-te íngua

Cabra insolente

 

Vante o perigo

É qu’sou valente

Sou a serpente

Do tempo antigo

Negro comigo

Não tem ação

Boto no chão

Quebro a titela

Arranco a moela

Levo na mão

 

Nogueira, tu reparaste

Num sujeito que chegou?

Trouxe um recado urgente

Que minha mulher mandou

Por hoje eu não canto mais

Fique cantando qu’eu vou…

 

Não quero articulação

Vá se embora seu caminho

Canário que estala muito

Costuma borrar o ninho

Quem gosta de surrar negro

Não pode cantar sozinho

 

Naquele mesmo momento

Saiu o Preto Limão

Deixou o povo na sala

Tudo em uma confusão

Uns diziam que correu

Outros diziam que não

 

Quando o Preto voltou

Nogueira tinha saído

Preto Limão disse ao povo:

– Vão chamar o atrevido

Venham olhar bem de perto

Como se açoita um bandido

 

Foram chamar o Nogueira

Estando ele descansado

Deitado na sua rede

Quando chegou-lhe o recado

Nogueira com muito gosto

Foi acudir ao chamado

 

Quando Nogueira chegou

Encontrou Preto Limão

Acuado numa sala

Ringia que só leão

Naquele mesmo momento

Começaram a descrição

 

Cantador qu’eu pegá-lo de revés

Com o talento qu’eu tenho no meu braço

Dou-lhe tanto que deixo num bagaço

Só de murro, tabefe e pontapés

Só de surras eu dou-lhe mais de dez

E o povo não ouve um só grito

Faz careta e se vale do Maldito

Miserável, tua culpa te condena

Mas quem é que no mundo terá pena

Deste monstro que morre tão aflito?

 

Cantador com Nogueira não peleja

Sendo assim como o tal Preto Limão

Só se for pra tomar minhas lição

Ele engole calado e não bodeja

Vai comendo da mesa o que sobeja

Precisa me tratar com muito agrado

No instante fazer o meu mandado

É de pressa, é ligeiro, é sem demora

Qu’eu não gosto de moleque que se escora

Pois assim é qu’eu o quero por criado

 

Vale a pena não seres cantador

É melhor trabalhares alugado

Vai cumprir por aí teu negro fado

Vai viver sob o ferro dum feitor

Da senzala já és um morador

Teu trabalho é lá na bagaceira

O que ganhas não dá pra tua feira

Renego tua sorte tão mesquinha

Que te assujeitas às amas da cozinha

E te ofereces pra delas ser chaleira

 

Este homem já vive desvalido

É descrente de Deus e da Igreja

Lúcifer o teu nome já festeja

Tu só podes viver é sucumbido

Sois tão ruim que só andas escondido

Para Deus nunca mais serás fiel

Tua raça é descendente de Lusbel

Que do Céu já perdeste a preferência

Farás tua eterna convivência

Lá embaixo dos pés de São Miguel

 

Tu pareces que vinhas na carreira

Sempre olhando pra frente e para trás

Como quem chega assim veloz de mais

Eu vi bem quatro paus de macaxeira

Uma jaca partida e outra inteira

Também vi dois balaios de algodão

Creio que tu já foste um ladrão

Com o peso fazia andar sereno

Às dez horas da noite, mais ou menos

Encontrei-te com esta arrumação

 

Meus senhores de dentro do salão

Este enorme convívio de alegria

Exaltar este homem é covardia

Só lhe falta o nome de ladrão

Para o povo tem sido muito exato

Só o que tem é que peru, galinha e pato

No lugar que ele mora não se cria

Muita gente aqui já desconfia

Que ele passa lição a qualquer rato

 

Quiosque fechado não se vende

Cantador sem rimar é desfeitado

Como tu neste banco te alevantas

Não precisa que o povo me encomende

Quem é cego de nada compreende

Vive numa masmorra anzolado

Por que eu já o tenho protejado

Desta tua incivil sorte mesquinha

Eu te deixo no mato sem caminho

Sob as garras dum gancho pendurado

 

Cantador capoeira não me aguenta

Inda duro e valente qu’ele seja

Com Bernardo Nogueiras não peleja

Adoece, entisica e se arrebenta

Dou na testa, dou na boca, dou na venta

Desta pisa ele fica amortecido

Endoidece, fica vário do sentido

Eu o boto na roda e no manejo

Ficará satisfeito meu desejo

Pra não seres cantador intrometido

 

Te arrepende da hora que nasceste

Seu Nogueira como é tão infeliz

Tua vida no mundo contradiz

Contra mim pelejando não venceste

Na prisão de masmorra já sofreste

Tua vida já perde as esperança

Eu armei uma forca e uma balança

Num minuto hás de ser bem degolado

Ficará todo mundo consolado

Preto Limão só assim terá vingança!

 

Eu já tenho um moinho de quebrar osso

Uma prensa inglesa preparada

Qu’inda ontem imprensei um camarada

Qu’era duro, valente e muito moço

Eu já tenho guardado o teu almoço

Qu’é um bolo de ovos com manteiga

Pra cantor malcriado que lá chega

Eu agarro na gola desse cuba

Piso a carne diluída e faço puba

Se eu não matar levo ele para a pega

 

Quando eu apareço numa casa

Que me mandam então eu divertir

Quatro, cinco dias vê cair

Relâmpago, trovão, curisco e brasa

Cantador comigo não se atrasa

E quem for valente, já morreu

A tocha de fogo já desceu

Meu martelo é de ferro e aço puro

Cantador comigo está seguro

Nunca houve um martelo como o meu…

 

Você diz que no martelo é atrevido

E somente porque não considera

Você nas minhas unhas desespera

Fica louco e quase sem sentido

Numa hora ficarás doido varrido

Teu repente não passa de besteira

As peiadas que eu te dou levanta poeira

Todo o povo já lhe tem é compaixão

Eu te deixo embolando pelo chão

Como porco que bebe manipueira

 

Dou-te sufregada

Dou-te tapa-queixo

Com pouco te deixo

Com a boca lascada

A língua puxada

Três palmo de fora

Casco-te as esporas

P’rós teus suvaco

Faço raco-raco

Danado, tu chora!

 

Dou-te bofetão

No pé do cangote

Eu vou no pacote

Do Preto Limão

Eu boto no chão

E piso a barriga

Espirra a lombriga

Os pinto comendo

O povo dizendo:

– Agüenta a espiga…


Literatura de Cordel quarta, 05 de setembro de 2018

PELEJA DE PINTO COM MILANÊS (FOLHETO DE SEVERINO MILANÊS DA SILVA)

 

 

Milanês estava cantando
em vitória de Santo Antão
chegou Severino Pinto
nessa mesma ocasião
em casa de um marchante
travaram uma discussão.

M – Pinto, você veio aqui
se acabar no desespero
eu quero cortar-lhe a crista
desmantelar seu poleiro
aonde tem galo velho
pinto não canta em terreiro

P – mas comigo é diferente
eu sou um pinto graúdo
arranco esporão de galo
ele corre e fica mudo
deixa as galinhas sem dono
eu tomo conta de tudo

M – Para um pinto é bastante
um banho de água quente
um gavião na cabeça
uma raposa na frente
um maracajá atrás
não há pinto que agüente

P – Da raposa eu tiro o couro
de mim não se aproxima
o maracajá se esconde
o gavião desanima
do dono faço poleiro
durmo, canto e choco em cima.

M – Pinto, cantador de fora
aqui não terá partido
tem que ser obediente
cortês e bem resumido
ou rende-me obediência
ou então é destruído

P – Meu passeio nesta terra
foi acabar sua fama
derribar a sua casa
quebrar-lhe as varas da cama
deixar os cacos na rua
você dormindo na lama

M – Quando vier se confessar
deixe em casa uma quantia
encomende o ataúde
e avise a feguezia
que é para ouvir a sua
missa do sétimo dia

P – Ainda eu estando doente
com uma asa quebrada
o bico todo rombudo
e a titela pelada
aonde eu estiver cantando
você não torna chegada

M – O pinto que eu pegar
pélo logo e não prometo
vindo grande sai pequeno
chegando branco sai preto
sendo de aço eu envergo
sendo de ferro eu derreto

P – No dia que eu tenho raiva
o vento sente um cansaço
o dia perde a beleza
a lua perde o espaço
o sol transforma-se em gelo
cai de pedaço em pedaço

M – No dia que dou um grito
estremece o ocidente
o globo fica parado
o fruto não dá semente
a terra foge do eixo
o sol deixa de ser quente

P – Eu sou um pinto de raça
o bico é como marreta
onde bate quebra osso
sai felpa que dá palheta
abre buraco na carne
que dá pra fazer gaveta

M – Eu pego um pinto de raça
e amolo uma faquinha
faço um trabalho com ele
depois pesponto com linha
ele vivendo cem anos
não vai perto de galinha

P – Milanês, você comigo
desaparece ligeiro
eu chego lá tiro raça
me aposso do poleiro
e você dorme no mato
sem poder vir no terreiro

M – Pinto, agora nós vamos
cantar em literatura
eu quero experimentá-lo
hoje aqui em toda altura
você pode ganhar esta
porém com grande amargura

P – pergunte o que tem vontade
não desespere da fé
do oceano, rio e golfo
estreito, lago ou maré
hoje você vai saber
pinto cantando quem é

M – Pinto, você me responda
de pensamento profundo
sem titubear na fala
num minuto ou num segundo
se leu me diga qual foi
a primeira invenção do mundo

P – Respondo porque conheço
vou dar-lhe minha notícia
foi o quadrante solar
pelo povo da Fenícia
os babilônios também
gozaram a mesma delícia

M – Como você respondeu-me
não merece disciplina
hoje aqui não há padrinho
que revogue a sua sina
se você souber me diga
quem inventou a vacina?

P – Não pense que com pergunta
enrasca a mim, Milanês
foi a vacina inventada
no ano noventa e seis
quem estuda bem conhece
que foi Jener Escocês

M – Sua resposta foi boa
de vocação verdadeira
mas queira Deus o colega
suba agora essa ladeira
me diga quem inventou
o relógio de algibeira?

P – No ano mil e quinhentos
Pedro Hélio com façanha
em Nuremberg inventou
essa obra tão estranha
cidade da Baviera
que pertence a Alemanha

M – Pinto, cantando não gosto
de amigo nem camarada
se conhece a história
Roma onde foi fundada?
o nome do fundador
e a data comemorada?

P – Em l7 e 53
antes de Cristo chegar
nas margens do Rio Tibre
isso eu posso lhe provar
Rômulo ali fundou Roma
a 15 milhas do mar

M – Pinto, eu na poesia
quero mostrar-lhe quem sou
relativo o avião
perguntando ainda vou
diga o primeiro balão
quem foi que inventou?

P – Em mil seiscentos e nove
Bartolomeu de Gusmão
no dia oito de agosto
fez o primeiro balão
hoje no mundo moderno
chama-se o mesmo avião

M – Pinto estou satisfeito
já de você eu não zombo
mas não pense que com isto
atira terra no lombo
disponha de Milanês
pra ver se ele agüenta o tombo

P – Milanês, você comigo
ou canta ou perde o valor
você me responda agora
seja que de forma for
de quem foi a invenção
do primeiro barco a vapor?

M – Eu quero lhe explicar
digo não muito ruim
a 16 a 87
você não desmente a mim
o inventor desse barco
foi o sábio Diniz Papim

P – Em que ano inaugurou-se
da Europa ao Brasil
a linha pra esse barco
a vapor e mercantil?
Se não souber dê o fora
vá soprar em um funil

M – Foi um navio inglês
que levantou a bandeira
em 18 a 51
veio a terra brasileira
sendo a nove de janeiro
fez a viagem primeira

P – E qual foi a 1a guerra
feita a barco a vapor?
Você ou diz ou apanha
da surra muda de cor
quebra a viola e deserta
nunca mais é cantador

M – Em l8 e 65
a esquadra brasileira
dentro do Riachuelo
içou a sua bandeira
na guerra do Paraguai
foi a batalha primeira

P – Milanês, você comigo
ou canta muito ou emperra
não pode se defender
salta, pula, chora e berra
qual foi a primeira estrada
de ferro, na nossa terra?

M – Foi quando Pedro II
tinha aqui poderes mil
em 18 e 54
no dia trinta de abril
inaugurou-se em Mauá
a primeira do Brasil

P – Milanês, você é fraco
não agüenta o desafio
eu ainda estou zombando
porque estou de sangue frio
me diga quem inventou
o telégrafo sem fio?

M – Pinto, você não pense
que meu barco vai a pique
em mil seiscentos e oito
na cidade de Munique
Suemering inventou
este aparelho tão chique

P – Eu já vi que Milanês
não responde cousa à toa
se ainda quiser cantar
hoje um de nós desacoa
puxe por mim que vai ver
um pinto de raça boa

M – Pinto, o seu pensamento
pra todo lado manobra
mas eu não conheço medo
barulho pra mim não sobra
é fogo queimando fogo
é cobra engolindo cobra

P – Do pessoal do salão
levantou-se um cavalheiro
dizendo: quero que cantem
pelo seguinte roteiro
Milanês pergunta a Pinto
como passa sem dinheiro

M – Oh! Pinto, você precisa
dum palitó jaquetão
uma manta, um cinturão
uma calça, uma camisa
está de algibeira lisa
não encontra um cavalheiro
que forneça ao companheiro
pra fazer-lhe um beneficio
olhe aí o precipício
como compra sem dinheiro?

P – Eu recomendo a mulher
que compre na prestação
um palitó jaquetão
a camisa se tiver
quando o cobrador vier
ela esteja no terreiro
eu fico no fogareiro
pelo oitão vou furando
ele ali fica esperando
assim compro sem dinheiro

M – Você em uma cidade
precisa de refeição
porém não tem um tostão
que mate a necessidade
ali não há caridade
na casa do hoteleiro
só encontra desespero
fala e ninguém lhe atende
fiado ninguém lhe vende
como come sem dinheiro?

P – Eu levo um carrapato
guardado dentro do bolso
vou no hotel peço almoço
no fim boto ele no prato
faço logo um desacato
chamo o garçon ligeiro
ele me diz: cavalheiro
cale a boca, vá embora;
saio por ali a fora
assim como sem dinheiro

M – Você precisa casar
para ser pai de família
precisa roupa e mobília
cama para se deitar
você não pode comprar
cadeira nem petisqueiro
atoalhado estrangeiro
mesa para refeição
você não tem um tostão
como casa sem dinheiro?

P – Se a moça amar-me enfim
me tendo amor e firmeza
não especula riqueza
nem diz que eu sou ruim
ela ontem disse a mim:
eu quero é um cavalheiro
e você é o primeiro
para ser meu defensor
quero é gozar teu amor
e assim caso sem dinheiro

M – Você depois de casado
sua esposa cai doente
você não tem um parente
que lhe empreste 1 cruzado
ver seu anjo idolatrado
gemendo sem paradeiro
olhe aí o desespero
na porta do camarada
só ver pobreza e mais nada
como cura sem dinheiro?

P – Eu boto-a nos hospitais
do governo do estado
pra quem está necessitado
aquilo serve demais
as irmãs especiais
chamam logo o enfermeiro:
— Vamos com isto ligeiro
tratam com mais brevidade;
se interna na caridade
assim curo sem dinheiro

M – Oh! Pinto, camaradinha
você precisa ir à feira
para comprar macaxeira
arroz, batata e farinha
bacalhau, charque e sardinha
tomate, vinho e tempero
gás, açúcar e candeeiro
biscoito, chá, macarrão
bolacha, manteiga e pão
Como compra sem dinheiro?

P – Eu dou um jeito no pé
envergo um dedo da mão
um dali dá-me um pão
outro dá-me um café
à tarde vou à maré
espero ali o peixeiro
ele é hospitaleiro
humanitário e carola
dá-me um peixe por esmola
e assim como sem dinheiro

M – Com este verso do Pinto
encheu de riso o salão
houve uma recepção
naquele nobre recinto
ergueu-se um rapaz distinto
com frase meiga e bela
disse: mudem de tabela
pra uma idéia mais grata:
nem a polícia me empata
de chorar na cova dela

P – Eu tive uma namorada
bonita igual Madalena
parecia uma verbena
pela manhã orvalhada
a morte tomou chegada
matou a minha donzela
quando sepultaram ela
quase a tristeza me mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

M – Eu amei uma criatura
ela o coração me deu
na minha ausência morreu
eu sofri muita amargura
fui à sua sepultura
para abraçar-me com ela
ainda via a capela
toda bordada de prata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

M – Um dia um amigo meu,
disse com toda bravura
deixe de sua loucura
se esqueça de quem morreu
uma desapareceu
Procure outra donzela;
eu disse: igualmente aquela
não existe nesta data
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

P – Desperto de madrugada
o sono desaparece
me levanto e faço prece
na cova de minha amada
volto pela mesma estrada
com o pensamento nela
quando eu não avisto ela
vou dormir dentro da mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

M – Caros apreciadores
qualquer que analisou
nem Pinto saiu vaiado
nem Milanês apanhou
vamos esperar por outra
que esta aqui terminou


Literatura de Cordel sábado, 18 de agosto de 2018

NO TEMPO DA MINHA INFÂNCIA, CORDEL, COM ISMAEL GAIÃO, AO VIVO


Literatura de Cordel quarta, 15 de agosto de 2018

ANTÔNIO SILVINO: O REI DOS CANGACEIROS (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS)

 

 

ANTÔNIO SILVINO: O REI DOS CANGACEIROS

Leandro Gomes de Barros

 

 O povo me chama grande

E como de fato eu sou

Nunca governo venceu-me

Nunca civil me ganhou

Atrás de minha existência

Não foi um só que cansou.

 

Já fazem 18 anos

Que não posso descansar

Tenho por profissão o crime

Lucro aquilo que tomar,

O governo às vezes dana-se

Porém que jeito há de dar?!

 

O governo diz que paga

Ao homem que me der fim,

Porém por todo dinheiro

Quem se atreve a vir a mim?

Não há um só que se atreva

A ganhar dinheiro assim.

 

Há homens na nossa terra

Mais ligeiros do que gato,

Porém conhece meu rifle

E sabe como eu me bato,

Puxa uma onça da furna,

Mas não me tira do mato.

 

Telegrafei ao governo

E ele lá recebeu,

Mandei-lhe dizer: doutor,

Cuide lá no que for seu,

A capital lhe pertence

Porém o estado é meu.

 

O padre José Paulino

Sabe o que ele agora fez?

Prendeu-me dois cangaceiros,

Tinha outro preso fez três,

O governo precisou

Matou tudo de uma vez.

 

Porém deixe estar o padre,

Eu hei de lhe perguntar

Ele nunca cortou cana

Onde aprendeu a amarrar?

Os cangaceiros morreram

Mas ele tem que os pagar.

 

Depois ele não se queixe,

Dizendo que eu lhe fiz mal,

Eu chego na casa dele,

Levo-lhe até o missal,

Faço da batina dele

Três mochilas para sal.

 

Um dos cabras que mataram,

Valia três Ferrabrás

Eu não dava-o por cem papas,

Nem quinhentos cardeais

Não dava-o por dez mil padres,

Pois ele valia mais.

 

Mas mestre padre entendeu

Que ia acertadamente

Em pegar meus cangaceiros

E fazer deles presente,

Quem tiver pena que chore

Quem gostar fique contente.

 

Meus cangaceiros morreram

Mas ele morre também,

Eu queimando os pés aqui

Nem mesmo o diabo vem,

Eu não vou criar galinhas

Para dar capões a ninguém.

 

Tudo aqui já me conhece

Algum tolo inda peleja,

Eu sou bichão no governo

E sou trunfo na igreja.

Porque no lugar que passo

Todo mundo me festeja.

 

No Norte tem quatro estados

À minha disposição,

Pernambuco e Paraíba

Dão-me toda distinção,

Rio-Grande e o Ceará

Me conhecem por patrão.

 

No Pilar da Paraíba

Eu fui juiz de direito,

No povoado - Sapé,

Fui intendente e prefeito,

E o pessoal dali

Ficou todo satisfeito.

 

Ali no entroncamento

Eu fui Vigário-geral,

Em Santa Rita fui bispo,

Bem perto da capital,

Só não fui nada em Monteiro,

Devido a ser federal.

 

Porém tirando o Monteiro,

O resto mais todo é meu,

Aquilo eu faço de conta

Que foi meu pai que me deu

O governo mesmo diz:

Zele porque tudo é seu.

 

Na vila de Batalhão,

Eu servi de advogado,

Lá desmanchei um processo

Que estava bem enrascado,

Livrei três ou quatro presos

Sem responderem jurado.

 

Só não pude fazer nada

Foi na tal Santa Luzia.

Perdi lá uma eleição,

A cousa que eu não queria,

Mas o velho rifão diz:

Roma não se fez n’um dia.

 

O padre José Paulino

Pensa que angu é mingau

Entende que sapo é peixe

E barata é bacurau

Pegue com chove e não molha,

Depois não se meta em pau.

 

Eu já encontrei um padre,

Recomendado de papa,

Tinha o pescoço de um touro,

Bom cupim para uma tapa,

Fomos às unhas e dentes,

Foi ver aquela garapa.

 

Quando o rechonchudo viu

Que tinha se desgraçado,

Porque meu facão é forte,

Meu baço é muito pesado,

Disse: vôte, miserável,

Abancou logo veado.

 

Eu gritei-lhe: padre-mestre,

Me ouça de confissão.

Ele respondeu-me: dane-se

Eu lhe deixo a maldição,

Em mim só tinha uma coroa,

Você fez outra a facão.

 

Eu inda o deixei correr

Por ele ser sacerdote,

Para cobra só faltava

Enroscar-se e dar o bote,

Aonde ele foi vigário,

Quatro levaram chicote.

 

Foi tanto qu’eu disse a ele:

Padre não seja atrevido

Tire a peneira dos olhos,

Veja que está iludido,

Eu lhe respeito a coroa,

Porém não o pé do ouvido.

 

O velho padre Custódio,

Usurário, interesseiro,

Amaldiçoava quem desse

Rancho a qualquer cangaceiro,

Enterrou uma fortuna,

E eu sonhei com o dinheiro!...

 

Então fui na casa dele,

Disse, padre eu quero entrar

Dez contos de réis em ouro

Achemos lá n’um surrão,

Três contos de réis em prata

Achou-se n’outro caixão,

Eu disse: padre não chore,

Isso é produto do chão.

 

O padre ficou chorando

Eu disse a ele afinal

Padre mestre, este dinheiro

Podia lhe fazer mal

Quando criasse ferrugem

Lhe desgraçava o quintal.

 

Ajuntei todos os pobres

Que tinham necessidade

Troquei ouro por papel

Haja esmola em quantidade

Não ficou pobre com fome

Ali naquela cidade.

 

O padre José Paulino

Acha que estou descansado

Queria fazer presente

Ao governo do Estado

Deu três cangaceiros meus

Sem nada lhe ter custado.

 

Um desses ditos rapazes,

Estava até tuberculoso,

O segundo era um asmático,

O terceiro era um leproso,

O urubu que o comeu

Deve estar bem receoso.

 

Tive nos meus cangaceiros

Um prejuízo danado,

Primeiro foi Rio-Preto,

Segundo Pilão-Deitado,

Os homens mais destemidos

Que tinham me acompanhado.

 

Eu juro pelo meu rifle,

Que o Padre José Paulino

Cai sempre na ratoeira

E paga o grosso e o fino,

Não há de casar mais homem,

Nem batizar mais menino.

 

Eu sempre gostei de padre

Tenho agora desgostado

Padre querer intervir

Em negócio do Estado?!...

Viaja sem o missal,

Mas leva o rifle encostado.

 

Em vez de estudar o meio

Para nos aconselhar,

Só quer saber com acerto,

Armar rifle e atirar,

Lá onde ele ordenou-se,

Só lhe ensinaram a brigar.

 

Depois ele não se queixe,

Nem diga que sou malvado,

Ele nunca assentou praça

Como pode ser soldado?

Não tem razão de queixar-se,

Se tiver mau resultado.

 

Quatro estados reunidos

Tratam de me perseguir,

Julgam que não devo ter

O direito de existir,

Porém enquanto houver mato,

Eu posso me escapulir.

 

Eu ganhando essas serras,

Não temo alguém me pegar

Ainda sendo um que pegue,

Uma piaba no mar,

Um veado em mata virgem

E uma mosca no ar.

 

Eu já sei como se passa

Cinco dias sem comer,

Quatro noites sem dormir,

Um mês sem água beber,

Conheço as furnas onde durmo

Uma noite se chover.

 

Uma semana de fome,

Não me faz precipitar,

Mato cinco ou seis calangos

Boto no sol a secar,

Quatro ou cinco lagartixas,

Dão muito bem um jantar.

 

Eu passei mais de um mês

Numa montanha escondido,

Um rapaz meu companheiro

Foi pela onça comido,

Por essa também

Eu fui muito perseguido.

 

Era um lugar esquisito,

Nem passarinho cantava!...

Apenas à meia noite

Uma coruja piava,

Então uma grande onça,

De mim não se descuidava.

 

Havia muito mocós,

Eu não podia os matar,

Andava tropa na serra

Dia e noite a me caçar,

No estampido do tiro

Era fácil alguém me achar.

 

Passava-se uma semana

Que nada ali eu comia,

Eu matava algum calangro

Que por perto aparecia

Botava-os na pedra quente

Quando secava eu comia.

 

Quando apertava-me a sede

Pegava a croa de frade

Tirava o miolo dela

Chupava aquela umidade

Lá eu conheci o peso

Da mão da necessidade.

 

Um dia que a tropa andava

Na serra me procurando

Viram que um grande tigre,

Estava em frente os emboscando

Um dos oficiais disse:

Estamos nos arriscando.

 

E o Antonio Silvino

Não anda neste lugar,

Se ele andasse, aquela onça

Havia de se espantar,

Eu estava perto deles,

Ouvindo tudo falar.

 

Ali desceu toda a tropa,

Não demoraram um momento,

Um soldado que trazia

Um saco de mantimento,

Por minha felicidade

Deixou-o por esquecimento.

 

Eu estava dentro do mato,

Vi quando a tropa desceu

O tigre soltou um urro,

Que o tenente estremeceu

Até a borracha d’água

Uma das praças perdeu.

 

Quando eu vi que a tropa ia

Já n’uma grande lonjura,

Fui, apanhei a mochila,

Achei carne e rapadura,

Farinha queijo e café,

Aí chegou-me a fartura.

 

Achei a borracha d’água

Matei a sede que tinha,

A carne já estava assada,

Fiz um pirão de farinha

Enchi a barriga e disse:

Deus te dê fortuna, oncinha.

 

Porque a tua presença,

Fez toda a força ir embora,

O ronco que tu soltasses,

Encheu-me a barriga agora,

Eu com a sede que estava,

Não durava meia hora.

 

E é agora o que faço,

Havendo perseguição,

Procuro uma gruta assim

E lá faço habitação,

Só levo lá, um, dois rifles

E o saco de munição.

 

Me mudo para uma furna

Que ninguém sabe onde é,

A furna tem meia légua

Marcando de vante a ré,

A onça chega na boca

Mas dentro não põe o pé.

 

A onça conhece a furna,

Desde a entrada à saída

Porém qual é essa fera

Que não tem amor à vida?

Uma onça parte assim,

Se vendo quase perdida!...

 

Quando eu deixar de existir

Ninguém fica em meu lugar,

Ainda que eu deixe filho,

Ele não pode ficar,

Porque a um pai como eu

Filho não pode puxar.

 

Pode ter muita coragem

Ser bem ligeiro e valente,

Mas vamos ver suporta

Passar três dias doente,

Com sede de estalar beiço

E fome de serrar dente.

 

Se não tiver natureza

De comer calango cru,

Passe um mês sem beber água

Chupando mandacaru,

Dormir em furna de pedra

Onde só veja tatu.

 

Não podendo fazer isso,

Nem pense em ser cangaceiro,

Que é como um cavalo magro

Quando cai no atoleiro,

Ou um boi estropiado

Perseguido do vaqueiro.

 

Há de ouvir como cachorro,

Ter faro como veado,

Ser mais sutil do que onça,

Maldoso e desconfiado,

Respeitar bem as famílias,

Comer com muito cuidado.

 

Andar em qualquer lugar

Como quem está no perigo,

Se for chefe de algum grupo

Ninguém dormirá consigo,

O próprio irmão que tiver,

O tenha como inimigo.

 

O cangaceiro sagaz

Não se confia em ninguém,

Não diz para onde vai,

Nem ao próprio pai se tem,

Se exercitar bem nas armas,

Pular muito e correr bem.

 

Em meu grupo tem entrado

Cabra de muita coragem,

Mas acha logo o perigo

E encontra a desvantagem

Foge do meio do caminho,

Não bota o meio da viagem.

 

Porque andar vinte léguas

Isso não é brincadeira,

E romper mato fechado,

Subir por pedra e ladeira,

Como eu já tenho feito,

Não é lá cousa maneira.

 

Pegar cobra como eu pego

Quando ela quer me morder,

Cascavel com sete palmos,

Só se Deus o proteger,

Mas eu pego quatro ou cinco

E solto-a, deixo-a viver.

 

Que é para ela saber,

Que só eu posso ser duro,

Eu já conheço o passado,

Nele ficarei seguro,

Penso depois no presente

Previno logo o futuro.


Literatura de Cordel quarta, 08 de agosto de 2018

COCO VERDE E MELANCIA (FOLHETO DE JOSÉ CAMELO DE MELO REZENDE)

 

Coco Verde e Melancia

José Camelo de Melo Resende

Coco-Verde e Melancia
é uma história que alguém
quer sabê-la mas não sabe
o começo de onde vem
nem sabe os anos que faz
pois passam trinta de cem

Coco-Verde era filho
de Constantino Amaral
morador no Rio Grande
mas fora da capital
pois sua casa distava
meia légua de Natal

Porém seu nome era Armando
como o povo o conhecia
mas a namorada dele
essa tal de Melancia
a ele por Coco-Verde
chamava e ninguém sabia

Então dessa Melancia
Rosa era o nome dela
porém Armando em criança
se apaixonando por ela
para poder namora-la
pôs esse apelido nela

Portanto, seu nome é Rosa
seu pai Tiago Agostinho
de origem portuguesa
do pai de Armando vizinho
seus sítios eram defronte
divididos num caminho

Quando Rosa fez seis anos
e Armando a mesma idade
os pais de ambos trouxeram
um professor da cidade
para instruir as crianças
daquela localidade

Fizeram logo uma casa
sobre um alto, nela então
Rosa e Armando começaram
a receber instrução
junto com outros meninos
uns vizinhos outros não

Nessa escola começou
Armando a namorar Rosa
pois ela além de ser rica
era bastante formosa
inteligente e cortez
muito séria e carinhosa

Rosa tinha por Armando
uma grande simpatia
de forma que quando o mestre
dava nele ela sentia
o mesmo fazia Armando
quando ela padecia

Ao completarem dez anos
tanto Rosa como Armando
em lousas um para a outro
viviam se carteando
mas disfarçando que estavam
nota de carta apostando

Depois Armando temendo
que o mestre os descobria
figindo que amava as frutas
e nas notas que fazia
tomou como namorada
a chamada Melancia

Rosa também pelas frutas
fingiu amor desmedido
e tomou o Coco-verde
já para seu pretendido
porém o “Coco” era Armando
ele estava prevenido

Rosa estava prevenida
que a melancia de Armando
era ela, então assim
brincavam se carteando
diziam aos outros que estavam
notas de cartas apostando

Então defronte a escola
tinha uma pedra isolada
ficando ao lado direito
do poente da estrada
e dela não se avistava
dos pais de Rosa a morada

Armando muito sincero
quando da escola voltava
bem ao pé da dita pedra
satisfeito ele a esperava
e dali para diante
ele a Rosa acompanhava

Rosa ao fazer doze anos
o mestre um dia calado
levou todos os meninos
pra um salão reservado
ficando então as meninas
no seu salão costumado

Armando quando se viu
no salão longe de Rosa
não deu lição nesse dia
por não vê sua mimosa
o mestre então castigou-o
com sua mão rigorosa

Voltou Armando de tarde
no pé da pedra esperou
por Rosa quinze minutos
mas ela ali não chegou
e Armando vendo a demora
pra casa triste marchou

Mas Rosa no outro dia
deixou seus pais almoçando
e caminhou para a pedra
onde esperou por Armando
e quando Armando chegou
encontrou ela chorando

Armando lhe perguntou:
Rosa, diz-me o motivo
que te fez em me deixar
tão tristonho e pensativo?
diz-me se o nosso amor
já morreu ou inda está vivo?

Rosa chorando lhe disse:
foi o nosso professor
que não deixou-me voltar
por causa do nosso amor
dizendo que foi meu pai
que a ele fez sabedor

Disse-me mais que meu pai
lhe disse que não convinha
leu andar junto contigo
pois estou quase mocinha
portanto, só me deixasse
vir da escola sozinha

Armando lhe respondeu:
pois a coisa está ruim
como eu não posso ver
da nossa amizade o fim
vou ausentar-me desta terra
pra descansares de mim

– Amanhã em vou embora
para nunca mais voltar
pois minha presença aqui
talvez te faça penar
e mesmo não me convém
ver-te sem poder-te amar

Disse Rosa: tu assim
trazes pra mim um perigo
porque se fores embora
eu hei de acabar comigo
pois a vida só me serve
se eu me casar contigo

– Hoje não vejo quem tenha
força capaz de fazer
meu coração desprezar-te
antes prefiro morrer
pois pra tudo existe jeito
e o jeito eu vou dizer

– Esta pedra de hoje em diante
será pois a nossa agência
poderemos deixar nela
munidos de paciência
todo dia um para o outro
sincera correspondência

– Porque nosso amor precisa
nutrir as suas raizes
no coração um do outro
para vivermos felizes;
eis ai o meu destino
vê agora o que me dizes

Armando lhe respondeu:
pois deixo de ir-ma embora
porque o meu coração
te consagro nesta hora
e para que me acredite
eu vou te jurar agora

– Eu juro a Deus que jamais
te deixarei esquecer
um só instante em meu peito
e juro também sofrer
por ti qualquer desventura
que alguém queira trazer

– Juro mais que te pertencem
minh’alma, meu coração
e juro também por ti
desconhecer a razão
porque para defender-te
me sujeitarei a prisão

Rosa disse: em também juro
por ti ser forte e ativa
e o meu amor durar sempre
como esta pedra nativa
se eu não casar contigo
juro a Deus não ficar viva

– E se meu pai não quizer-te
como genro, inda te digo
daqui do pé desta pedra
juro a Deus fugir contigo
juro mais que meu amor
não obedece castigo

Nisto bateu a sineta
da escola, convidando
a entrada dos alunos
pois todos iam chegando
Rosa ai marchou com pressa
de parelha com Armando

Então depois desse dia
Armando quando passava
na pedra para a escola
uma carta encontrava
e Rosa encontrava outra
à tarde quando voltava

Quando Rosa ficou moça
se tornou inda mais bela
e Armando também rapaz
consultou então com ela
o que devia fazer
para pedi-la ao pai dela

Então Tiago Agostinho
não ficou surpreendido
pois que Rosa amava Armando
ele já tinha sabido
logo foi franco em dizer-lhe
que estava feito o pedido

Armando voltou contente
Tiago Agostinho então
procurou saber de Rosa
qual a sua opinião
se ela estava de acordo
receber de Armando a mão

Rosa lhe disse: meu pai
estou de acordo, sim
porque nasci para Armando
e Armando nasceu para mim
e digo logo ao senhor
que nosso amor não tem fim

Tiago disse consigo:
a cousa está enrascada
e se eu for muito ativo
afundarei a jangada!…
então respondeu-lhe rindo:
breve estarás casada

Combinou com sua esposa
com muita sagacidade
um jeito para acabar
aquela grande amizade
mas queria fazer isto
sem demonstrar má vontade

Mandou convidar Armando
na tarde do mesmo dia
e disse em vista dos dois
que o casamento faria
só com um ano depois
pois era quando podia

Logo Armando concordou
Rosa concordou também
Tiago disse consigo:
este acordo me convém
tenho tempo pra lutar
e espero sair-me bem

Com 2 meses depois disso
ele falou pra comprar
o sítio de Constantino
para Armando se mudar
se fazendo muito calmo
pra ninguém desconfiar

Então o pai de Armando
o Constantino Amaral
concordou vender o sítio
depois com o capital
buscar se estabelecer
com uma loja em Natal

Lhe disse Armando: meu pai
se me tiver como amigo
deixe de vender o sítio
pois como homem lhe digo
só sairei desta terra
levando Rosa comigo

– Depois do meu casamento
meu pai poderá vender
seu sítio, pois dessa vez
não terei o que dizer
mas agora fará isso
se não quiser me atender

Amaral lhe respondeu:
meu filho estás atendido
pois inda com sacrifício
eu te atendia o pedido
quanto mais que nosso sítio
ainda não está vendido

Tiago Agostinho vendo
que não podia comprar
o sítio de Constantino
para Armando se ausentar
procurou por outra forma
o casamento acabar

Chamou Armando e disse:
Armando, o teu casamento
não quero mais demorá-lo
vamos dar nosso andamento
e pra poupar-te as despesas
um negócio te apresento

– Eu tenho uns cortes de panos
arrematados num leilão
e queria que tu fosses
vende-los lá no sertão
com o lucro tu farás
toda tua arrumação

Armando logo aceitou
o negócio esclarecido
dizendo então que ficava
a Tiago agradecido
e com três dias partiu
de fazenda bem sortido

Tiago tinha dois filhos
sendo casado o primeiro
residiam em Mamanguape
então o filho solteiro
numa loja do irmão
servia como caixeiro

Assim que Armando partiu
Tiago Agostinho então
escreveu para seus filhos
com a maior precaução
dizendo que um viesse
executar a traição

Com quatro dias, a noite
chegou o filho solteiro
pronto para executar
o plano de traiçoeiro
Tiago antes da carta
interrogou-o primeiro

Pois perguntou ao filho:
o que tu andas fazendo
estas horas por aqui?
parece que vens correndo?
disse o filho: é sua nora
que deixei quase morrendo

– Meu irmão foi quem mandou
eu vir lhe participar
o estado da mulher,
para o senhor lhe mandar
a nossa irmã Rosinha
pra da cunhada tratar

– Com uma grande agonia
ontem quase ela tem fim
disse o doutor: ela morre
se chegar ter outra assim;
e meu irmão não confia
seu trato a gente ruim

– Então fretei uma barca
por desmedido valor
a qual se acha no porto
esperando quando eu for
e quero levar Rosinha
veja o que diz o senhor

Tiago lhe respondeu:
em mando que Rosa vá
e fico com muita pena
de não ir com vocês, já
porém depois de amanhã
talvez eu chegue por lá

– Mas mando logo uma carta
por vocês neste momento
onde meu filho verá
que fico em grande tormento
por saber que minha nora
está nesse sofrimento

Quando a carta estava feita
Rosa estava preparada
e acompanhada do mano
partiu em marcha apressada
pretendendo tomar a barca
As quatro da madrugada

Assim que os dois embarcaram
o remador que sabia
remou para Mamanguape
com prazer e alegria
aonde chegaram em paz
na manhã do outro dia

Quando no ponto saltaram
Rosa com o irmão dela
encontraram dois cavalos
um pro mano e outro pra ela
e um para o bagageiro
com cangalha e não com sela

O irmão montando Rosa
ela disse: eu entendia
que do porto a Mamanguape
meia légua não seria!
Lhe disse o irmão: é longe…
e montou sem mais profia

A cavalo em Mamanguape
chegaram ligeiramente
disse o irmão para Rosa:
isso aqui é S. Vivente
o bagageiro afirmou
e logo tomou a frente

Da cidade de Mamanguape
Rosa nada conhecia
e por isso acreditou
no que o irmão lhe dizia
e açoitando o cavalo
caminhou com alegria

As dez horas se serviram
de doce com queijo e vinho
e ao por do sol, o irmão
à Rosa disse baixinho:
Rosa, alviçaras, chegamos
na casa de teu padrinho!

Rosa bastante espantada
lhe respondeu: é mentira
meu padrinho aqui não mora
e se mora me admira
eu ter vindo a Mamanguape
e me achar em Guarabira

Mas logo no mesmo instante
ouviu a voz do padrinho
que dizia duma porta:
viva! chegou meu sobrinho
trazendo minha afilhada
pra sossego de Agostinho!

Vou deixar Rosa um instante
e dizer primeiramente
quem era o padrinho dela
e porque ficou contente
para ninguém não dizer
que não ficou bem ciente

Esse padrinho de Rosa
era irmão do pai dela
seu nome, Pedro Agostinho
sua esposa Florisbela
e foi um dos mais antigos
que Guarabira viu nela

Então Tiago Agostinho
combinou com seu irmão
botar Rosa em sua casa
por meio duma traição
e para poder fazer
mandou Armando ao sertão

Rosa que não conhecia
de Guarabira o caminho
deixou-se ir inocente
para a casa do padrinho
onde lhe veio a lembrança
dum ardil mais que mesquinho

Por isso quando ela entrou
na casa disse ao irmão
que lhe quisesse explicar
daquilo tudo a razão
pois lhe estava parecendo
um golpe de traição

Lhe disse o irmão: Rosinha
vou te dizer a verdade
é pra tu deixares aqui
de Armando aquela amizade
pois meu pai só deu-lhe o sim
temendo uma falsidade

– Para que tu não fugisse
meu pai deu a ele o sim
porque se assim não fizesse
a coisa estava ruim
pois uma amizade grande
é bem custoso ter fim

– Por isso ele ordenou-me
eu te trazer inocente
para aqui, porque aqui
jamais encontrarás gente
por quem tu possas mandar
fazer a Armando ciente

Logo Rosa respondeu-lhe:
porém meu pai bem podia
quando Armando me pediu
dizer-lhe que não queria
porque um homem de bem
odeia a hipocrisia

– Se eu soubesse que meu pai
era assim tão fementido
jamais deixaria Armando
ter minha mão lhe pedido
visto que aeu não era digna
de te-lo como marido

– Para mim comete um crime
a filha dum traiçoeiro
que quer se fazer esposa
dum honrado cavalheiro
pois a honra é luz nas trevas
a traição não tem luzeiro!

– Portanto, eu não deveria
encher de amor um senhor
filho de um pai honrado
sendo o meu um traidor
terei remorso por isto
vergonha, susto e temor

– Ma se ainda ver Armando
juro dizer-lhe a verdade
que não serei dele esposa
devido esta falsidade
mas serei dele cativa
se ele tiver-me amizade

Agora encerro este assunto
porque preciso dizer
o que foi que o pai de Rosa
procurou logo fazer
na hora que ela saiu
antes do dia romper

Assim que Rosa saiu
o pai pegou um vestido
dos que ela em casa deixou
e fê-lo em sangue embebido
dum cabrito que sangrou
lá num recanto escondido

Fazendo o vestido em tiras
desceu um despenhadeiro
até chegar num riacho
aonde havia um banheiro
então semeou as tiras
ao poente do ribeiro

E com o resto do sangue
do cabrito que sangrou
ele encostado ao banheiro
a maior porção jogou
depois perto e mais longe
outras porções derramou

As seis horas da manhã
ele muito disfarçado
fez uma grande balburdia
gritando desesperado
dizendo ao povo que Rosa
um tigre havia pegado

Logo todos os vizinhos
acudiram com presteza
seguindo em busca do tigre
com desmedida afoiteza
porque a morte de Rosa
os sinais davam certeza

Com bons cachorros de caça
os homens da vizinhança
na mata o dia passaram
com sede de uma vingança
e não encontrando indício
voltaram sem esperança

Tiago Agostinho tinha
um negro de confiança
no mesmo dia de tarde
chegou-lhe à sua lembrança
de mandar o dito negro
enganar a vizinhança

No outro dia de tarde
o negro saiu dizendo:
que tinha andado na mata
e num lugar mais tremendo
encontrou o corpo de Rosa
porém num estado horrendo

Então Tiago Agostinho
com as mãos cobrindo a face
em presença dos vizinhos
disse ao negro que voltasse
ao lugar que estava o corpo
e lá mesmo sepultasse

Uma sepultura falsa
naquela mata esquisita
e negro formou sozinho
com precaução inaudita
e no dia imediato
houve ali grande visita

Logo Tiago e a esposa
vestiram luto fechado
e se espalhou a sinistra
notícia, pra todo lado
até que Armando sabendo
voltou bastante vexado

Quando chegou foi à cova
em visita fazer
na cova deu-lhe um desmaio
que andou perto de morrer
passou depois oito dias
sem quase nada comer

Com um mês não parecia
coitado, ser ele Aramando
pois não comia e passava
noites inteiras vagando
nas estradas sem destino
tristonhamente chorando

E na pedra onde Rosa
amor lhe havia jurado
uma noite muito tarde
ele na pedra ajoelhado
derramou mais duma hora
o seu pranto amargurado

Depois de ter pranteado
tristonho balbuciou
dizendo: neste lugar
foi que Rosa a mim jurou
seu amor, uma manhã
mas coitada, se acabou!

– Portanto, o dever me ordena
ir naquela mata escura
e tirar os ossos dela
de dentro da sepultura
e em cima deles matar-me
para cumprir minha jura

Armando ai como um louco
para a mata caminhou
chegando na cova de Rosa
a terra fora jogou
e ficou mais que surpreso
já quando nada encontrou

Sem chorar refez a cova
consigo mesmo a dizer:
aqui existe um mistério
e se Deus me favorecer
haverei de desvendá-lo
pois é este o meu dever

Noutro dia disse ao pai:
meu pai me faça um pedido
de vender seu sítio agora
pois eu estou resolvido
ir morar no Piaui
visto Rosa ter morrido

Amaral foi a Tiago
vendeu o sítio e saiu
e Armando de Tiago
tristonho se despediu
figindo chorar por Rosa
Tiago oculto sorriu

Armando no Piaui
disse ao pai: meu pai, agora
vou dizer-lhe um segredo
que o senhor ignora
olhe, Rosa não morreu
o certo qu’ela está fora

– O pai em minha ausência
preparou uma cilada
pois cavei a cova dela
dentro nõ encontrei nada
Amaral sabendo disso
teve uma raiva danada

Porém Armando lhe disse:
meu pai, não tenha vexame
pois Rosa aonde estiver
talvez ainda me ame
portanto, o senhor escreva
uma carta àquele infame

– Essa carta irá tarjada
lhe dizendo que morri
com um mês e oito dias
que cheguei no Piauí
e ele acreditará
sem mandar ninguém aqui

Como de fato, Amaral
para Tiago escreveu
uma carta onde mostrava
ser sincero amigo seu
narrando a morte de Armando
como melhor entendeu

Oito meses já faziam
que Rosa tinha saido
e que Aramando se mudara
ela não tinha sabido
como também da cilada
da onça haver lhe comido

Coitada, da terra dela
ela não via um vivente
empora que seu padrinho
já estava bem ciente
de tudo que se passou
só ela estava inocente

Rosa então se comparava
a uma prisioneira
procurava ninguém vê-la
e chorava a vida inteira
numa sombra projetada
por uma guabirabeira

Chorando dizia ela:
oh! meu Deus, oh! pai clemente
trazei conforto e consolo
a uma pobre inocente
que sem fazer mal a ninguém
vive a sofrer cruelmente!

– Consenti Senhor, que 1 anjo
produza um sonho a Armando
que me veja assim tão triste
constantemente chorando
pra ele ficar sabendo
que vivo nele pensando

Tiago tendo a certeza
que Armando tinha morrido
sorrindo disse à mulher:
fui muito bem sucedido
pois ganhei numa empresa
que me julgava perdido

Foi a todos os vizinhos
lhe dizendo a falsidade
que tinha feito com Rosa
devido aquela amizade
pois sabia que Aramando
morria na flor da idade

Logo mandou buscar Rosa
que com seis dias chegou
então foi quando ela soube
de tudo que se passou
depois da morte de Armando
a carta o pai lhe entregou

Rosa quando viu a carta
pôs-se a chorar sua sorte
ela quando leu a carta
deu-lhe um desmaio tão forte
que passou quase uma hora
sob o domínio da morte

Mas depois que melhorou
disse ao pai bastante irada:
meu pai, a morte de Armando
fez-me uma desgraçada
porém juro que não tarda
eu também ser sepultada

– O Senhor foi o culpado
desta desgraça fatal
com mentiras criminosas
fez Constantino Amaral
vender seu sítio e sair
fazendo a Armando esse mal!

– Mas juro, enquanto for viva
viver coberta de luto
pois a lembrança de Armando
tem no meu peito um reduto
juro não partir com outro
meu amor absoluto!

Rosa depois desse dia
tomada pelo desgosto
uma mortal palidez
apareceu no seu rosto
e de Santa Madalena
fez-se o modelo composto

Vendo os seus pais o desgosto
começaram a ter receios
então para distraí-la
empregavam muitos meios
até mesmo ordenando
que ela fizesse passeios

Mas Rosa não pesseava
se comprazia em chorar
vivendo sempre num quarto
sem querer se alimentar
a bem da alma de Armando
levava a vida a rezar

Armando no Piauí
sonhou chegar-lhe um rapaz
que tinha a vestes douradas
cabelos louros pra traz
e para fitar-lhe o rosto
ninguém seria capaz

Armando lhe perguntava:
quem és tu? Donde vieste?
o rapaz lhe disse: eu sou
um mensageiro celeste
mas venho daquela pedra
onde uma jura fizeste

– Como eu fui testemunha
daquela grande amizade
que juraste a uma jovem
como doze anos de idade
venho então da parte dela
te dizer uma verdade

– Essa moça por ti vive
constantemente a chorar
e és tu que deverás
o pranto dela exugar
se não um dia o seu pranto
virá também te molhar

Armando nisso acordou
aflito e muito suado
parecendo ainda ouvir
uma voz dizendo ao lado
é necessário que cumpras
o que por ti foi jurado!

Armando disse chorando:
que coisa misteriosa!
pois bem, embora eu caia
numa falta criminosa
farei Tiago dizer
onde foi que botou Rosa

E sem demora embarcou
pro Rio Grande do Norte
destinado a encontrar Rosa
e toma-la por consorte
disposto a morrer lutando
a favor de sua sorte

Trouxe consigo um caboclo
homem sério e destemindo
então contou-lhe na viagem
o que tinha acontecido
e o amor dele por Rosa
de quando havia nascido

Tiago buscou fazer
na noite de S. João
um briquedo em sua casa
com grande reunião
para ver se Rosa achava
naquilo uma distração

Saltou Armando em Natal
nessa noite de S. João
e sobre a vida de Rosa
teve exata informação
então projetou fazer
a Tiago uma traição

Às onze horas da noite
quando Tiago Agostinho
servia seus convidados
algumas taças de vinho
viram dois vultos passar
ao poente do caminho

Não precisa que eu diga
que um vulto era Armando
e o outro era o caboclo
que vinha lhe acompanhando
e para se disfarçarem
caminhavam conversando

Armando logo avistou
sua amante idolatrada
muito magra e diferente
sem companheira, sentada
num banco em frente a fogueira
de luto desconsolada

Vendo Armando o seu estado
tão tristonha a meditar
sentiu tanta comoção
que começou a chorar
quis parar, mas o caboclo
mandou ele caminhar

Armando exugou os olhos
lhe veio então a lembrança
ir na pedra onde Rosa
ainda muito em criança
jurou de fugir com ele
com uma voz firme e mansa

Chegando Armando na pedra
depois de bem refletir
ensinou ao caboclo
como ele podia ir
levar um recado a Rosa
sem ninguém lá pressentir

O caboclo disse a ele:
pode ficar descansado
que eu já estudei um plano
para lhe dar o recado
e tenho toda certeza
que vai dar bom resultado

E sem demora seguiu
e logo chegou contente
no terreiro de Tiago
chamando o povo parente
se aproximou de Rosa
e lhe pediu aguardente

Quando bebeu aguardente
se aproximou da fogueira
dizendo então que cantava
cantigas de capoeira
o povo então fez com ele
animada brincadeira

Por fim o povo pediu
para o caboclo cantar
o caboclo bebeu mais
e depois de se sentar
com esta estrofe seguinte
entendeu de começar

– Eu venho de muito longe
do pé duma grande serra
acompanhado de alguém
mas não venho fazer guerra
vim dizer a Melancia
Coco-Verde está na terra

Rosa ouvindo essa conversa
teve um susto de tremer
e conheceu que o caboclo
procurava lhe dizer
um segredo que só ela
era capaz de saber

O caboclo conhecendo
que Rosa tinha ficado
como que sobre-saltada
olhando para o seu lado
resolveu a se calar
para ver o resultado

Mas logo Rosa lhe disse:
seu peito não é ruim
portanto cante de novo
faça esse pedido a mim
o caboclo fitou ela
e seguiu dizendo assim:

– Eu não tenho o que cantar
e outra que estou vexado
pois cheguei agora mesmo
inda não estou descansado
só vim dar de Coco-Verde
a Melancia um recado

– Se não fosse grande amigo
de alguém que ficou chorando
não me atrevia trazer
o recado que estou dando
Melancia, Coco-Verde
está na pedra esperando

Rosa fitando o caboclo
levantou-se sem demora
dizendo que ia dormir
o quarto fechou por fora
e para o lado da pedra
caminhou na mesma hora

Chegando perto da pedra
avistou um vulto junto
disse Rosa ao vulto:
responde o que te pergunto
se és anjo ou fantasma
se és vivo ou defunto?

O vulto lhe respondeu:
não tenha medo, querida
que sou Armando Amaral
a quem julgavas sem vida
venho plantar em teu peito
uma esperança perdida

Gritou Rosa: meu Armando
me escuta por caridade
eu te tinha como morto
meu Deus, que felicidade!
Jesus teve dó de mim
e descobriu-me a verdade

Logo Armando abraçou-a
louco de amor e chorando
Rosa sem poder falar
deu-lhe um beijo soluçando
quando viram o caboclo
vinha apressado chegando

Dando o braço Armando a Rosa
lhe disse: vamos querida
confia no meu critério
pois tu és a minha vida
Rosa só fez responder-lhe:
por Deus fui favorecida

Na mesma noite em Natal
saltaram em uma casa
sob a proteção dum vento
soprando de popa à proa
até chegarem em Macau
fizeram viagem boa

Saltando Armando em Macau
deu ligeiro andamento
a se esposar com Rosa
cumprindo seu juramento
e o padre da freguezia
celebrou o casamento

E escreveu a Tiago
uma carta que dizia:
“senhor Tiago Agostinho
me desculpe a ousadia
de eu carregar sua filha
para minha companhia”

“Eu sou Armando Amaral
a quem o senhor julgava
estar morto para sempre
como a carta lhe afirmava
aquilo foi para eu ver
se Rosa ressuscitava

Abrindo a cova da mata
descobri sua traição
porém gurdei o segredo
até nesta ocasião
porque já tenho a certeza
que não perdi a questão”

Vinte dias já faziam
que Rosa tinha saido
então ninguém não sabia
pra onde ela tinha ido
pelo qual já se julgava
que ela tinha morrido

Em busca dela Tiago
andava constantemente
mas para dar-lhe notícia
não encontrava um vivente
quando recebeu a carta
ficou de tudo ciente

Tiago muito zangado
pensando disse consigo:
é muito exato o adágio
usado no tempo antigo
“o amor quando é sincero
zomba do seu inimigo”

Então a felicidade
veio em socorro de Armando
enricou sem proteção
só com Rosa lhe ajudando
e Tiago arrependido
lhe pediu perdão chorando

Viveu Armando com Rosa
na mais perfeita harmonia
brincando Armando chamava
a ela de Melancia
e ela a ele Coco-Verde
mais a amizade crescia!

Já demonstrei nesta história
O amor o quanto é:
Só o amante sem fé
Esmorece sem vitória!
Conservem pois na memória
A opinião de Armando:
Mostrou seu amor lutando
E conseguiu triunfar
Luto só fez assombrar
O namorado nefando!


Literatura de Cordel quarta, 01 de agosto de 2018

O CASAMENTO DO CABEÇA DE CUIA COM A NUM-SE-PODE (FOLHETO DE PEDRO COSTA)

O CASAMENTO DO CABEÇA DE CUIA COM A NUM-SE-PODE

Pedro Costa

 

Essa história aconteceu

Em uma época passada

Quando Teresina ainda

Não era tão habitada

O povo só acredita

Porque ela é bem contada

 

Crispim, Cabeça-de-Cuia

Um sofrido pescador

Matou a mãe, virou monstro

Ficou fazendo terror

De rio abaixo e arriba

Sem conhecer o amor

 

A história de uma moça

Que viveu na solidão

Aparecia nas ruas

Em noite de escuridão

Deixou muitos cabras frouxos

Com suas calças na mão

 

A Num-se-Pode existiu

Há muitos anos atrás

Nas ruas de Teresina

Assombrou muito rapaz

Porém desapareceu

Não foi vista nunca mais

 

E o Cabeça-de-Cuia

Foi cumprir a sua sina

Nunca encontrou as Marias

Sofreu, viveu na ruína

Tornou-se lenda folclórica

Popular de Teresina

 

Porém o tempo passou

Teresina evoluiu

Os esgotos aumentaram

O rio então poluiu

E o Cabeça-de-Cuia

Das águas podres saiu

 

A Num-se-Pode que era

Vista na escuridão

Quando a luz de Teresina

Era só lampião

Também ela apareceu

Numa noite de Apagão

 

Foi no bairro Porenquanto

Numa noite em Teresina

Ela e o Cabeça-de-Cuia

Se encontraram em uma esquina

Foi um encontro fatal

Pra os dois mudarem de sina

 

Ele que há muitos anos

Viveu atrás de donzela

Ela que muitos rapazes

Correram com medo dela

Os dois disseram, amor

Vamos sair da banguela

 

A Num-se-Pode gritou

Êita que macho gostoso

Esse cabeça de cuia

É feio mas é charmoso

Responda amor, me responda

Você quer ser meu esposo?

 

Disse o Cabeça-de-Cuia

– Esse é o meu pensamento

Pedir ao Padre Quevedo

Pra fazer o casamento

Só ele tem o enigma

De acabar o encantamento

 

Acertaram logo a data

Para a tal celebração

Local: Encontro dos rios

Numa noite de Apagão

Na lista dos convidados

Veja só a relação

 

Veio Zabelê com Metara

Barba ruiva, pobre Jó

Até Saci Pererê

A Velha d’um Peito Só

O Pé-de-Garrafa montado

No cavalo Piancó

 

Chegou o Padre Quevedo

Numa Mula-sem-Cabeça

Vestindo uma bata preta

Dizendo não me aborreça

Que o enigma dos encantos

Na minha frente apareça

 

Veio de Sete Cidades

Aquela gente encantada

Iurupari, feiticeiro

Com a Indira apaixonada

A Tartaruga Gigante

Chegou numa disparada

 

O índio Mandaú veio

Para a festa, convidado

Porca do Dente de Ouro

Foi transformada em guisado

Seu dente virou aliança

Pra o noivo ser coroado

 

Num traje típico de noiva

Se trajou a Num-se-Pode

Tinha o Cabeça-de-Cuia

Já preparado o pagode

Dizia o padre Quevedo:

Nessa vida tudo pode

 

Zabelê era o padrinho

E Metara era a madrinha

Saci era a testemunha

A noiva estava na linha

Dizia o Cabeça-de-Cuia

Num-se-Pode agora é minha!

 

Tudo pronto pra o casório

Com os noivos no altar

Entraram Sete Marias

Buchudas pra descansar

Falou o Cabeça-de-Cuia:

Essa agora é de lascar

 

Padre Quevedo falou:

– Não é coisa verdadeira

Foram feitas essas estátuas

Pelo Nonato Oliveira

Os enigmas lhe deram vidas

Mas é uma brincadeira

 

Calma senhorita noiva

Que seu noivo é muito sério

E não existe segredo

Que eu não desvende o mistério

Que os encantos da noite

Cheguem com seu ministério

 

Cabeça-de-Cuia, o noivo

Ficou meio desmiolado

A Num-se-Pode assustada

Todo mundo arrepiado

E os convidados dizendo:

– Ô casório demorado

 

Falou o Padre Quevedo

Com a sua sapiência

– Que os encantos dos enigmas

Os mistérios da ciência

Unam esses dois pra sempre

Com toda benevolência

 

Terminado o casamento

O forró já começou

A Maria da Inglaterra

Cantando “O Peru Rodou”

E foi servido o jantar

Que todo mundo gostou

 

Carneiro, bode, leitão

Guiné, galinha, buchada,

Canjica, quibebe-mole

Mungunzá e abobrada

Chá-de-burro, angu de milho,

Mão-de-vaca e panelada

 

Farofa, carne-pisada

Peixe frito e cozidão

Vatapá, queijo, coalhada

Arroz-doce e requeijão

Sarapatel escaldado

Maxixada com feijão

 

Tinha Maria-isabel

Baião-de-dois com pequi

Carne-de-sol com cuscuz

Tripa assada, buriti

Enfim, as comidas típicas

Do Estado do Piauí

 

Muitos doces e salgados

Tinham com variedade

Alfenim e quebra-queixo

Manuê e caridade

Broa, suspiro, pamonha

Tudo em melhor qualidade

 

Quem preparou o cardápio

Foi Maria Tijubina

Teve bastante bebidas

E não faltou cajuína

Foi o maior casamento

Que já houve em Teresina

 

A festa só terminou

Quando o dia amanheceu

Foram embora os convidados

O sol também se acendeu

E eu que estava presente

Narrei o que aconteceu

 

Vi dizer que a Num-se-Pode

Tá esperando um filhinho

Que é o do Cabeça-de-Cuia

Feito com muito carinho

E já andam na cidade

À procura de um padrinho.

 


Literatura de Cordel quarta, 25 de julho de 2018

A LENDA DO CABEÇA DE CUIA (CORDEL DE PEDRO COSTA)

 

I.

O povo que não acredita

Em história de pescador,

De vaqueiro e cachaceiro,

De poeta cantador.

Motorista e seringueiro,

Marinheiro e caçador.

 

Dizem que toda mentira

Deturpa sempre a verdade,

Por menos que ela seja

Dita na sociedade,

Contada por muita gente,

Se torna realidade.

 

Uma história de verdade

Contada de uma maneira

Deturpada, duvidosa,

Como fosse brincadeira,

Por mais que seja real,

Nunca será verdadeira.

 

Existe história lendária

Que virou verdade pura,

Com o tempo ganhou fama

Com personagem e figura

Inserida no folclore,

Enriquecendo a cultura.

 

II.

 

Entre todas criaturas

Sempre o homem é o mais forte,

Enfrenta feras nas selvas,

Escapa no fio da sorte.

Tem o instinto voraz.

Só quem o vence é a morte

 

O homem tem enfrentado

Perigos no alto-mar,

Nos espaços siderais,

Monta usina nuclear,

Não domina o universo

Porque Deus não vai deixar.

 

Existe homem no mundo

Que desconhece o amor

E contra pais e irmãos

As palavras do Senhor.

Xinga Terra, Sol e astros

As coisas do Criador.

 

Muitos anos atrás

Existiu no Piauí

Um pescador que pescava

No Parnaíba e Poty.

A sombra da maldição

Estava perto de si.

 

III.

 

O seu nome era Crispim,

Cresceu sem religião,

Sem pai pra lhe dar conselho,

Sem amigo e sem irmão,

Sua mãe muito velhinha,

Sem mágoa no coração,

 

Acontece que Crispim

Não aprendeu a trabalhar.

Para sustentar a mãe,

Ele tinha que pescar.

Quando não pescava nada,

Danava a esbravejar.

 

Devido à necessidade,

Ele só vivia aflito,

Ameaçava sua mãe,

Dava soco, dava grito,

Agredia todo mundo,

Chamava o rio maldito.

 

Sua mãezinha chorava,

Muito tristonha e velhinha,

Sem esperança de vida,

Em sua pobre casinha,

O sofrimento do filho,

Com a pobreza que tinha.

 

IV.

 

Vendo o filho em desespero,

A mãe se compadecia.

Assim vivia Crispim,

Sem ter sorte em pescaria,

Xingava até sua sombra

E a roupa que vestia.

 

Um certo dia Crispim

Voltou pra casa zangado.

Não tinha pescado nada,

Crispim ficou irritado.

Xingando os rios e os peixes,

Tudo que tinha ao seu lado.

 

A mãe lhe disse: “Filhinho,

Não pense mais em mazela,

Coma um pirão com uma ossada

Que tem naquela panela”.

Crispim pega um corredor,

Bateu na cabeça dela.

 

A pancada foi tão grande,

Levou a velha ao chão.

A mãe antes de morrer

Jogou-lhe uma maldição:

“Serás transformado em monstro,

Num ente sem coração”.

 

V.

 

“Filho maldito e ingrato,

Tu foste muito ruim.

Matar tua genitora,

Te amaldiçoo, Crispim.

Serás um monstro maldito,

Triste será teu fim.

 

Nas águas desses dois rios,

Tu vais ficar a vagar.

Serás um monstro assombroso,

Até você devorar

As sete Marias virgens,

Mas nunca irás encontrar.”

 

Os anjos disseram amém

Na hora em que a mãe falou.

Sua madrinha não ouviu,

Jesus no céu escutou.

E de repente Crispim

No monstro se transformou.

 

Ficou todo transformado,

Com a cara muito feia.

A cabeça cresceu tanto,

Que dava uma arroba e meia.

Caiu nos rios e aparece

Em noite de lua cheia.

 

VI.

 

A velha foi sepultada

Como se fosse uma indigente.

Não ficou nem um registro,

Não apareceu parente.

E Crispim ainda vive

Querendo voltar a ser gente.

 

Até mesmo os pescadores

Nele não querem falar.

Quando falam sentem medo,

Passam noites sem pescar.

Todos temem a qualquer hora

Com Crispim se encontrar.

 

Cabeça de Cuia vive

Cumprindo sua trajetória.

Uma velha diz que viu,

Porém perdeu a memória,

Se assombra, fica louca

Quando escuta essa história

 

Todo final de semana,

Sempre, sempre é registrado

Nas águas desses dois rios

Alguém morrer afogado,

Deixando cada vez mais

Banhista desesperado.

 

VII.

 

Crispim Cabeça de Cuia

Vive ainda à procura

Das sete Marias virgens,

Cumprindo sua desventura

Rio abaixo e rio arriba,

Em noite clara ou escura.

 

Passaram séculos e séculos,

A história permanece.

Dizem quando os rios enchem,

Na correnteza ele desce,

Dando gargalhadas estranhas

Toda vez que aparece.

 

Ele vaga pelas águas

Do Parnaíba e Poty

E no encontro dos rios

Tem sua estátua ali

Descrevendo esta lenda

Folclórica do Piauí.


Literatura de Cordel quarta, 18 de julho de 2018

LABAREDA – O CAPADOR DE COVARDES (FOLHETO DE GONÇALO FERREIRA DA SILVA)

LABAREDA – O CAPADOR DE COVARDES

Gonçalo Ferreira da Silva

 

  

Como criação divina

a vida fosse entendida

representaria a morte

simples porta de saída

para conduzir o homem

à plenitude da vida.

 

Os audazes bandoleiros

do cangaço no sertão

não davam valor à vida

desprovidos de noção

do que ela representa

para o Pai da Criação.

 

Numa das reuniões

que sempre fazia às tardes

Lampião chamou um cabra

e lhe falou sem alardes:

– Tu serás o Labareda

o capador de covardes.

 

Os componentes do grupo

do famoso Lampião

tinham seus nomes-de-guerra

e muitos tinham função

embora não fosse regra

também não era exceção.

 

Coube ao negro Zé Baiano

o cruel ferro abrasante,

Mariano, a palmatória

para o sujeito arrogante,

a peixeira, a Labareda

para capar delatante.

 

Porém a Virgínio coube

a responsabilidade

de julgar caso por caso

e conforme a gravidade

o errado recebia

a dura penalidade.

 

Cunhado de Lampião

Virgínio era igual um mano

ditava suas sentenças,

mas provou que era humano

ao perdoar Bentevi

quando traiu Zé Baiano.

 

Emílio Ferreira, um

dos padres mais importantes

aconselhou Labareda

a capar os semelhantes

porém deixá-los com vida

por mais que fossem arrogantes.

 

Realmente Labareda

não tinha instinto malvado

principalmente porque

nunca capava zangado

desempenhava o trabalho

como quem cumpre um mandado.

 

Mas um dia caparia

com ódio no coração

por vingança e por dever

porque numa ocasião

sofreu de um miserável

uma dura traição.

 

Lampião ao sequestrar

o filho de um fazendeiro

mandou Labareda para

trazer de volta o dinheiro

em troca da liberdade

do jovem prisioneiro.

 

Labareda foi cumprir

a ordem do capitão

porém teve, infelizmente,

interrompida a missão

quando já tinha o dinheiro

escondido no gibão.

 

No momento em que o recado

do chefe era transmitido

um cabra do fazendeiro

se encontrava escondido

assim, sigilosamente,

foi Labareda seguido.

 

Pois todos os pormenores

o cabra do fazendeiro

ouvia, até a quantia

que ganharia em dinheiro

se pregasse uma surpresa

eficaz no cangaceiro.

 

Quando Labareda tinha

o dinheiro empacotado

juntamente com um recibo

devidamente assinado

saiu sem notar que era

por alguém observado.

 

Para sair da fazenda

na direção do sertão

tinha uma vereda orlada

de densa vegetação

ao longo da qual não tinha

vestígio de habitação.

 

Com a rapidez felina

do gato maracajá

o cabra do fazendeiro

subiu num pé de Ingá

envolto em muitas espessas

ramas de maracujá.

 

Providencia paulada

quando Labareda ia

passando sob o Ingá

na fronte dela caía

desmaiando até sem tempo

de ver o que acontecia.

 

No mundo escuro dos sonhos

Labareda mergulhou

ele mesmo nunca soube

qual o tempo que durou

desde a hora em que caiu

até quando despertou.

 

Recobrando a consciência

verificou abismado

que o pacote de notas

havia sido roubado

restava só o recibo

no seu bolso colocado.

 

Lampião ainda estava

com o grupo reunido

estranhando com razão

o tempo já transcorrido

achando que Labareda

tinha desaparecido.

 

Fitando o refém com ódio

Lampião foi taxativo:

– Se Labareda morrer

ou mesmo ficar cativo

toco fogo na fazenda

e depois lhe queimo vivo.

 

Lampião mandou dois cabras

que fizeram o fazendeiro

dizer o nome do homem,

o possível paradeiro

para obrigá-lo, com a força

a devolver o dinheiro.

 

Num belo dia em que o Sol

para o poente caía

num povoado distante

o dito homem bebia

cana, sem saber que aquele

era o seu mais negro dia.

 

O grupo do Lampião

com um refém da fazenda

invadiu o povoado

e ao penetrar na venda

Lampião, frio e sinistro

disse: – Sujeito, se renda.

 

– Cadê aquele dinheiro

roubado lá na vereda

empacotado e atado

com nós num pano de seda?

Já sabe o que quer dizer

prestar conta a Labareda?

 

Com dignidade o homem

disse: – Sei que estou marcado..

pelo que ouvi falar

já sei que vou ser capado

mas não vou tremer diante

dum bandoleiro safado.

 

Tais palavras foram ditas

com tanta convicção,

com tanto furor selvagem,

com tão voraz decisão

que houve um silêncio tenso

no grupo do Lampião.

 

Foi o capador do bando

quem o silêncio rompeu:

– Vou resolver este assunto

pois este homem é meu

e se alguém morrer em luta

terá que ser ele ou eu.

 

Só se viu quando um machado

sinistro riscou o ar

sem que o opositor

pudesse se desviar

o homem caiu roncando

no piso sujo do bar.

 

Uma peixeira afiada

surgiu repentinamente

nos dedos de Labareda

que o capou prontamente

mostrando os ovos do homem

para a multidão presente.

 

Foi este mais um capítulo

de maldade e tirania

da história do nordeste

para ser contado um dia

que acaso for abordado

assunto de valentia.

 


Literatura de Cordel quarta, 11 de julho de 2018

ALEXANDRE DE GUSMÃO (FOLHETO DE CRISPINIANO NETO)

 

ALEXANDRE DE GUSMÃO

Fundação Alexandre de Gusmão

 

01

Musa divina que inspira

Poetas do mundo inteiro,

Traz-me os fluidos do Parnaso

E o saber mais verdadeiro

Pra que eu decante à nação,

Alexandre de Gusmão,

Um grande herói brasileiro!

02

Mas não se trata de herói

De músculos, de espada e aço,

Nem dos quadrinhos que trazem

Superpoderes do espaço;

Não é filho de deus grego,

Caubói, nem homem-morcego,

Nem valentão do cangaço!

03

Mas como chamar de herói,

Que não brigou nem matou?

Quem não se impôs pela espada,

Quem canhão não disparou,

Quem a lança não brandiu,

Quem bombas nunca explodiu,

Quem País nunca atacou?

04

Tenha calma, meu leitor,

Vou lhe explicar, não se zangue,

A história desse herói,

Sem guerra, sem bangue-bangue.

Sem flecha, espada ou fuzil,

Que fez crescer o Brasil

Sem jamais derramar sangue!

05

Esse nome de Alexandre

Ele herdou do seu padrinho,

Um padre que lhe ensinou

Da justiça o bom caminho.

E o sobrenome Gusmão

Vem também do capelão

Como a Bíblia, a hóstia e o vinho.

06

Trouxe o destino de outro

Alexandre do passado,

O guerreiro macedônio,

De ser grande e preparado...

Só que o guerreiro iracundo

Que conquistou meio mundo

Fez com sangue derramado.

07

Alexandre de Gusmão

Nasceu no Porto de Santos

Em “Um, meia, nove, cinco”

Numa família de tantos

Irmãos e irmãs queridas;

Até então, oito vidas

Dadas às rezas e aos mantos.

08

Filho de Maria Álvares;

E Lourenço, cirurgião;

Dos doze filhos nascidos

Têm destaque, ele e o irmão,

Religioso e inventor,

Nosso “Padre-voador”

Bartolomeu de Gusmão!

09

Inventor do aeróstato,

Foi este padre exemplar

Que provou perante o rei

Que era possível voar;

Ao ver uma bolha quente

Fez um balão ascendente

Por ser mais leve que o ar!

10

Pois Bartolomeu levou

Alexandre pra Bahia,

No Colégio de Belém

Demonstrou sabedoria;

Foi pra o Colégio das Artes

Por ser de todas as partes

O melhor que existia!

11

Dali saiu preparado

Diplomado, competente,

Em Latim, Retórica e Ética,

E em Lógica, logicamente,

Em Metafísica, versado

E o título considerado

De “Filósofo excelente”.

12

Mil setecentos e dez

Com quinze anos de idade

O padre reconhecendo

Sua genialidade

Mandou-o pra Portugal,

Foi pra Corte Imperial

Fazer universidade.

4

13

Matriculou-se em Coimbra

Mostrando grande valor.

Ali estudou, formou-se,

Ganhou grau superior.

Com seu saber cientista

Se tornou iluminista

Ganhando anel de doutor.

14

Dali seguiu pra Paris.

Estudar mais era o plano;

Secretário da Embaixada

Logo assumiu sem engano...

Fez em Sorbonne, fantástico,

O Direito Eclesiástico,

O Civil e o Romano.

15

Na passagem pela Espanha,

Em Madrid passou semanas

Vendo o Tratado de Utrecht

Com falhas meridianas

E o limite natural

Entre Espanha e Portugal

Nas terras americanas.

16

Foi em Paris que Gusmão

Aprofundou seu saber

Na Ciência da Política

Mergulhou pra conhecer

Seu sentimento profundo

E o jogo eterno do mundo

Dos mistérios do poder!

17

Lá na Paris do Rei Sol

A nova luz se acendia

Na mente do brasileiro

Que trocou Teologia

Pela Razão e a Crítica,

Iluminismo e Política,

Direito e Diplomacia!

18

Desistiu do sacerdócio

Inquisidor antiquado.

Notou que o clericalismo

Da fogueira, era apagado;

E ao ler estratégia e tática

Conheceu a essência prática

Das duras razões de Estado.

19

E em 19 voltou

A residir em Lisboa.

O Rei Dom João acolheu-o

Como querida pessoa;

O nomeou secretário

E plenipotenciário

Pra defender a Coroa!

20

No ano 20 cumpriu

Missão muito especial

Negociando em Cambray,

Em plena França real;

Foi um bravo sem bravata

Que se sagrou diplomata

De nível internacional!

21

Bacharelou-se em Direito,

Tornou-se Doutor em Leis,

Foi destacado pra Roma

No ano de 23

Pra junto às cortes papais

Recuperar o cartaz

Do monarca português!

22

Até o ano de trinta

Atuou no Vaticano

Fazendo grandes acordos

Pra o bem do seu soberano,

Ganhou, por ser habilíssimo,

O título de “Fidelíssimo”

Pra o Monarca lusitano!

23

Com o título Dom João V

Compunha o trio de escol;

Pois o título equivalia

A “Rei Católico” espanhol

E o título invejadíssimo

Que era “Rei Cristianíssimo”

Da França, o próprio Rei Sol.

24

Sete anos e três papas

O viram nesta missão

De defender junto a Roma,

Sua querida nação.

Muitos litígios zerou,

E, de quebra, conquistou,

Dos papas o coração!

25

Benedito XIII, o Papa,

Chamou-lhe no Vaticano

Chegou a lhe oferecer

O título “Príncipe Romano”

Ele não quis aceitar

Só pra não contrariar

A Dom João, seu soberano!

26

No ano de 29

A Lisboa regressou

Logo Dom João pra o Brasil

Alexandre despachou

E a nossa realidade

Com muita profundidade

Gusmão de perto estudou.

27

Dois anos passou conosco,

Retornou a Portugal,

Lá transformou-se em Fidalgo

Da Nobre Casa Real;

Como Ciências, sabia,

Entrou para a Academia

Provando ser genial.

28

E logo foi nomeado

Pela própria Majestade,

Num cargo bem próximo ao Rei,

“Escrivão da Puridade”,

E por ter visão moderna

Cuidou da política externa

Com brio e capacidade!

29

Transformou-se em Conselheiro

Mostrando cultura e tino,

Escreveu livro de História

No idioma latino

E por ser hábil e ser sério

Assumiu um Ministério

No Conselho Ultramarino.

30

O cuidado com o Brasil

Foi um dos encargos seus;

Das relações com o Papa

Cuidava em nome de Deus

E cuidou mais, com denodos,

De ter relações com todos

Os países europeus.

31

No Conselho Ultramarino

Encontrou a solução

Pra poder qualificar

Nossa colonização

Trazendo família inteira

Dos Açores e Madeira,

Mas, sem escravização!

32

Trouxe quatro mil casais

Para a região sulina

Rio Grande e Paraná

Também Santa Catarina.

Cada família, uma área...

O que é reforma agrária,

É Gusmão quem nos ensina.

33

Recomendava a quem vinha

Para o Brasil trabalhar:

Estude rios e minas,

Flora, fauna, céus e mar,

O clima, a arte, a vertente

E os costumes dessa gente

Comer, vestir e rezar.

34

Dedicou-se a estudar

As produções cartográficas,

Missões, Entradas, Bandeiras,

As bacias hidrográficas,

Relevo, edificações...

Geopolítica por razões

Históricas e geográficas.

35

Concluiu que os países

Não podem ter suas áreas

Divididas ao sabor

De linhas imaginárias;

Que têm sempre as desvantagens

De deixar milhões de margens

Para interpretações várias.

36

Sua visão panorâmica

E a mente prodigiosa,

O seu saber filosófico,

Sua ação habilidosa

Deram-lhe mais competência

Para a área da Ciência,

Política e religiosa!

37

Foi quem criou três bispados

Pará, São Paulo e Gerais.

Criou mais as prelazias

De Cuiabá e Goiás

E como pensava em tudo

Fez o mais profundo estudo

Das questões industriais.

38

Naqueles tempos longínquos

Deixou um projeto exposto

Obrigando aos poderosos

A pagarem mais imposto

E rebaixando a quantia

Para o pobre que vivia

Do suor do próprio rosto!

39

E implantou o sistema

Chamado “capitação”

Pelo número de escravos

Que possuía o barão;

Fundiu o ouro e fez barras,

Pra ver se acabava as farras

De tanta sonegação.

40

Entre 29 e 30

No Brasil permanecia

Em São Paulo, Minas, Rio

Atuou com maestria

Em tudo que o rei mandou

E de quebra, inda aceitou,

Ensinar Filosofia.

41

Nesse período ele viu

Que as fronteiras da nação

Desenhada em Tordesilhas

Já não tinham mais razão

De usufruir validade

Pois, frente à realidade;

Era simples ficção!

42

Das Ilhas de cabo Verde

Trezentas, setenta léguas

Ninguém havia medido

E assim, sem metros e réguas

Bandeirantes desde cedo

Fora ocupando sem medo

Sem leis, limites ou tréguas.

43

Os espanhóis no Pacífico

Se entretiveram próximo ao mar,

Destruindo Incas e Maias

E a prata a desenterrar

Se esquecendo de um mundão,

Um profundo De-Sertão

Que tinha pra conquistar!

44

Neste “vazio” ficava

Pará, Rondônia, Amapá,

Catarina e Mato Grosso

Rio Grande e Paraná,

Amazonas, chão goiano...

Tudo... do Meridiano

De Tordesilhas pra lá!!!

 

45

Se a linha era imaginária,

Quem iria imaginar

Se ela ficava mais perto,

Se mais longe ia ficar...

E haja procurar tesouro,

Haja sonhar prata e ouro,

Haja índio escravizar!!!

46

E assim foram furando

Pântanos, matas, rios, serras;

Fazendo arraiais e vilas

Se apossando em novas terras

Chantando marcos e crivos

E oferecendo aos nativos

Vida escrava ou morte em guerras!

47

Era a espada cortando,

E a batina benzendo,

O arcabuz trovejando

E a aguardente fervendo,

Miçanga aos índios comprando,

O mato abrindo e fechando

E o nosso Brasil crescendo!

48

Matas cedendo ao machado,

À foice, ao Rabo-de-galo,

O chifre do boi tangido

Pelo casco do cavalo,

O “hinterland” se ampliando

E Tordesilhas ficando

Sem mais ninguém respeitá-lo!

49

Além de não existir

Marco e fiscalização

Durante umas oito décadas

Existiu a união

Entre Portugal e Espanha...

Cada qual comeu na manha

Milhões de léguas do “irmão”!

50

Enquanto aqui, portugueses,

Rasgavam matas a eito,

Cortavam serras e rios

Levando o Brasil no peito,

Na região asiática,

Espanha com a mesma prática

Agia do mesmo jeito!

51

Mas quando se separaram

As duas nações ibéricas,

As invasões prosseguiram

Fossem calmas, fossem histéricas

Espanha tomou chão luso

Na Ásia e sofreu abuso

De Portugal nas Américas!

52

Além disso, Sacramento,

Aonde a prata aflorava,

Portugal se achava dono

Mas por dono não se achava

Espanha entrou, não saía...

Quanto mais acordo havia

Mais acordo se quebrava.

53

Assim como portugueses

Em terras americanas

Comiam terras d’Espanha,

Na Ásia, mãos castelhanas

Com chumbo, espadas, botinas

Engoliam Filipinas,

Molucas e Marianas.

54

Quanto mais as ambições

No chão se concretizavam

Mais guerras se sucediam,

Mais ódios se destilavam,

Mais corações se partiam

Mais sangue as terras bebiam

Mais vidas se consumavam!

55

Foi quando se viu que a hora

Não era mais do leão

Que era a hora da raposa

Entrar no campo da ação

Trocando a dor da violência

Pela luz da inteligência;

O chumbo pela razão!!!

56

E então saíram da cena

Jagunços e generais;

Em vez de brutos guerreiros,

Finos intelectuais

Mapas em vez de canhões...

Em vez do tiro, as razões;

No lugar da guerra, a paz!

57

E aí brilhou Alexandre

Com mapas e argumentos...

A fala mansa e os estudos

No lugar dos armamentos,

A paciência que ensina

No lugar da adrenalina

Dos músculos sanguinolentos!

58

Defendeu que o limite

Fosse o rastro do colono,

Com base em rios e serras,

Não em linhas do abandono

Feitas de sonho e confetes...

Era o “Uti possidetis”

Quem ocupa e cuida, é dono.

59

Foi assim que em quatro anos

Agigantou-se a nação

Alexandre costurou

As bordas de um Brasilzão,

Do Oiapoque ao Chuí,

Até quase Potosí

Com jeitão de coração!

60

O arco de Tordesilhas

De cara, cresceu três vezes;

No Norte, no Sul, no Centro,

Com chão pra nobres, burgueses,

Pra índios, padres, reinóis,

Com a prata pra os espanhóis,

O ouro pra os portugueses!

61

Gusmão inda amarrou mais

Que a paz beijaria a terra,

Do Brasil, mesmo que as sedes

Dos reinos chegassem à guerra.

Venceu sem canhão nem bota

Com “quengo”, na maciota,

Que “o bom cabrito não berra”.

62

Pois este gênio, este herói,

Avô da diplomacia

Brasileira, que deu glórias

E terras à monarquia,

Que a Portugal deu poder

Que fez o Brasil crescer,

Foi vítima da tirania!

63

Quando Dom José cobriu-se

Com a coroa portuguesa

Marquês de Pombal cobriu

Gusmão com ódio e vileza

O fogo apagou-lhe os brilhos

Da esposa e de dois filhos

E ele morreu na pobreza

64

A História lhe roubou

As glórias que merecia

Por isto, eu faço justiça

Nesta humilde poesia

A ALEXANDRE GUSMÃO,

Gênio da paz, campeão

Da luz da diplomacia!


Literatura de Cordel quarta, 04 de julho de 2018

PELEJA DE PELÉ COM ROBERTO CARLOS (FOLHETO DE CÁRLISSON GALDINO)

 

 

PELEJA DE PELÉ COM ROBERTO CARLOS

Cárlisson Galdino

 

 Meus amigos que acompanham

Esta rádio pela antena

Hoje temos dois gigantes

Duelando na arena

Rei do esporte e da cantiga

Atenção para essa briga

Ela não vai ser pequena

 

É o rei do futebol

Pelé, como é conhecido

Há muito aposentado

Um jogador bem vivido

Vindo aqui mostrar seu jeito

Está do lado direito

Pra provar que é mais sabido

 

No outro lado desta arena

Temos outro renomado

Disputando com Pelé

Para tentar derrotá-lo

De talento que agrada

É o rei da Jovem Guarda

É o rei Roberto Carlos

 

A disputa desses dois

Não será no futebol

Roberto jogar não pode

E o Pelé não joga só

A disputa desses dois

Será decidida, pois

Em repente sob o Sol

 

 

Pode parecer vantagem

Pro Roberto talvez seja

Pois ele é compositor

Mas Pelé vencer deseja

E é enfim chegada a hora

Vejam a arena agora

Que comece a peleja

 

Sou o Rei Roberto Carlos

Na disputa vou embora

Pelé não ganha de mim

Pois tenho uma longa história

Na música brasileira

Sou o Rei, não é brincadeira

Eu sou uma brasa, mora?

 

Quando eu estou aqui

Vivo um momento lindo

Muitos vêm torcer por mim

Todo mundo é bem-vindo

Vou ganhar, isso é normal

Pelé antes do final

Vai acabar desistindo

 

Você é o rei do futebol

O mais importante esporte

Mas nessa disputa hoje

Seu reinado pouco importe

Pois no canto e criação

O Pelé não tem vez não

Pois só no campo é forte

 

Nem sei porque falei tanto

Nem precisa tanto assim

Pois sou o rei da canção

A taça pertence a mim

Nem devia ter disputa

Mas se querem, a gente luta

Se você tá mesmo a fim

 

Já cantei de tanta coisa

Por protesto e por prazer

Por amor e por saudade

E o que tinha pra dizer

Hoje já está falado

Eu já falei um bocado

Fale um pouco de você

 

Roberto da Jovem Guarda

É o rei nesse reinado

Mas Pelé não é bagaço

Para ser ignorado

Além de ser jogador

Pelé já foi de cantor

Já teve disco gravado

 

Se você correu o mundo

Pelé já correu também

Sua voz viajou longe

Pelé foi mais longe além

E se há tanta gente boa

Sempre manteve a coroa

Nunca perdeu pra ninguém

 

O Pelé já foi ministro

Você nunca, que eu recorde

Se quiser ter uma chance

Deixa de moleza e acorde

E peleje de verdade

Pois todo mundo já sabe

Cão que ladra não me morde

 

O Pelé foi influência

Pra mais de uma geração

Muito mais do que ser rei

Foi a luz na escuridão

E num país em apuro

Foi uma luz no futuro

A esperança da nação

 

Por isso não se estufe

Não fale o que bem entende

Pois sei que o rei Roberto

Não é tudo o que ele vende

Nessa disputa acirrada

Não vai te sobrar é nada

Essa eu já ganhei, entende?

 

Meu caro Edson Arantes

Essa briga vai ser boa

Mas não fale do Pelé

Como fosse outra pessoa

Desse jeito colocado

Pareces um retardado

Isso bonito não soa

 

Roberto, fique na sua

Pois Pelé é o Pelé

Como falo não te importa

Falo como eu quiser

Sem força pra chegar junto

Fica mudando de assunto

Bom isso não é, entende?

 

Se você prefere assim

Não tenho nada com isso

Vamos à disputa logo

Tenho outro compromisso

Pois meu trabalho afinal

É intelectual

Não é força bruta, bicho

 

Roberto, você ofende

Todos falando assim

Pega mal ofender todos

Querendo ofender a mim

Futebol é uma arte

O físico é só uma parte

Que você nem tem por fim

 

Se for pra ganhar milhões

Correndo atrás de uma bola

Queria ter a outra perna

Perfeita, não como agora

Vocês no topo da escada

Por fazerem quase nada

Recebem milhões em dólar

 

Como se você fizesse

Esforço, cê não precisa

Ganha milhões em dinheiro

Sem nem suar a camisa

Faz um show de fim de ano

E a vida vai levando

Na água de coco e brisa

 

Se faço show todo ano

É que o povo me adora

E eu me esforço compondo

Fazendo show mundo afora

Quando eu não apareço

Tou na vida que “mereço”

É de ensaios toda hora

 

Pois assim é com a gente

Com quem vive de um esporte

Quando não está na TV

Treina pra ficar mais forte

Futebol é uma arte

Exigente em toda a parte

Férias tem só quem tem sorte

 

Essa arte de que falas

É discurso, é isso só

Molecada deixa a escola

Tantos que até tenho dó

Embora muita gente tente

Muitos viram é delinquente

No sonho do futebol

 

Não fale tanta besteira

Dessa arte que é tão bela

Futebol joga o rico

E o pobre da favela

Quero ver a arte que é sua

Tirar crianças da rua

Dando esperança a elas

 

Tudo bem, é uma arte

Futebol que você vende

Mas a disputa desviou

A disputa é entre a gente

E você não é problema

Pra não desviar do tema

Só quem é inteligente

 

Quem desviou foi você

Mas isso nem vem ao caso

Pois Pelé é inteligente

Não foi ministro ao acaso

E você, Roberto irmão

Cheio de superstição

Você é um prato raso

 

Qual o prato que é melhor

Deixo ao povo da cozinha

Na canção eu me garanto

Se eu fosse você, nem vinha

Ficava no seu reinado

Com a fama de coitado

Que eu soube que cê tinha

 

De onde foi que tirou isso

Essa fama nunca fiz

Você não tem argumento

Só besteira agora diz

A Xuxa já namorei

Com ela só não casei

Porque eu não quis, entende?

 

Duvido muito, mas deixa

A disputa é no argumento

Não quero levar um chute

De um homem violento

Na fama sua alcançada

Rasteira e cotovelada

Sem demonstrar sentimento

 

Tudo o que eu disputei

Desse jeito resolvido

Não foi por mal que ocorreu

Foi por um mal-entendido

E você, grande que alega

Terminou cantando é brega

Não é sabido, entende?

 

Não fale do romantismo

Se tiver pouca cultura

É preciso inteligência

Pra entender a candura

Do que escrevo hoje em dia

Você não entenderia

Se forçar, terá loucura

 

Pelé não é ignorante

Você não compreendeu

Preferiu parar o jogo

Sabe que a idade venceu

Não insiste na carreira

Senão vai fazer besteira

Igual contigo aconteceu

 

Se continuo cantando

É que ainda há talento

Diferente de outro rei

Que parou lá num momento

Com medo da decadência

Pois a sua inteligência

Era um frágil instrumento

 

É melhor ser recordado

Como rei de eterno brilho

Parei de jogar faz tempo

Mas na história fiz meu trilho

Uma carreira perfeita

Reinado que o mundo aceita

Não sou um rei só pro filho

 

Pelo que vejo, Pelé

Cada um tem seu orgulho

Seus defeitos e virtudes

Seu jeito de ver o futuro

Somos reis de dois reinados

Distintos e separados

Não dá pra quebrar um muro

 

É, Roberto, essa guerra

Já não tem nenhum sentido

Eu respeito a sua voz

E o sucesso conseguido

Você transmite emoção

Marcou uma geração

E ainda é ouvido

 

E você, caro Pelé

Bicho, você é o cara

No futebol, que é uma arte

Se ao fazer mil gols, cê para

Seu reinado é soberano

Ainda vão fazer mil anos

Pra surgir quem te encara

 

Roberto, você é o rei

E humilde, eu agradeço

Esta é a sua praia,

A vitória não mereço

Você grande amigo é

Quisesse matar Pelé

Eu nem tinha endereço

 

Qual é, Pelé, camarada

Você lutou um bocado

E o duelo dessa vez

Está agora acabado

Saibam todos sem enganos

Somos dois reis soberanos

Somos reis de dois reinados

 


Literatura de Cordel quarta, 27 de junho de 2018

MAL-ASSOMBRADA PELEJA DE FRANCISCO SALES COM O NEGRO VISÃO (FOLHETO DE FRANCISCO SALES ARÊDA)

 

MAL-ASSOMBRDA PELEJA DE FRANCISCO SALES COM O NEGRO VISÃO

Francisco Sales Arêda

 

Senhores, quem é poeta
está sujeito encontrar
com espírito maconheiro
cheio de truque e azar
que na vida foi poeta
morreu inda quer versar.

Digo assim porque comigo
deu-se uma trapalhada:
noite de senhor São João
eu caí numa emboscada
que pensei me acabar
sem ver o fim da jornada.

Já fazia cinco anos
que eu havia abandonado
a arte de cantoria
mas recebi um chamado
para atender um amigo
dessa vez fui obrigado.

Peguei a viola e fui
cheio de neurastenia
era longe e cheguei tarde
na casa da cantoria
já encontrei tudo em festa
na mais perfeita harmonia.

Assim que entrei no salão
logo a viola afinei
e com a ordem de todos
a cantar continuei
porém nos primeiros versos
todo agitado fiquei.

Sentindo um grande calor
e uma tremura geral
como quem estava sentindo
pelo corpo um grande mal
dando a conhecer ao povo
um desarranjo fatal.

Nisso alguém bateu na porta
pediu licença e entrou
era um negro estranho e feio
que a todo mundo assombrou
com uma viola velha
junto de mim se sentou.

E foi dizendo em voz alta
vim pra aqui sem ser chamado
porque gosto de cantar
com cantador preparado
recorde o que aprendeu
se firme e cante animado.

Com essas frases senti
correr o suor na testa
o cabelo arrepiou-se
como quem se desembesta
fiquei todo amortecido
igual quem se manifesta.

Porém vi que era o jeito
abraçar a discussão
dei volta no pensamento
a Deus pedi permissão
mandei o negro seguir
e fiquei de prontidão.

N.: – Ligue o fio umbilical
na esfera mentalista
dentro do quadro da sorte
com sistema realista
desdobrando a consciência
em busca de nova pista.

F.S.: – Negro, quem és tu assim
com tanto estilo e linguagem
me dizes de onde vens
pelo mundo sem paragem
qual é tua procedência
originada com margem.

N.: – Eu venho dos hemisférios
zodiacais do destino
nasci entre três planetas
em um globo palatino
sou livre igualmente o vento
faço tudo que imagino.

F.S.: – Mas não é assim que quero
saber sua identidade
me diga seus pais quem são
Estado e localidade
que anos tens, onde vives
não negue a realidade.

N.: – Sou filho de dois cativos
do país dos sofrimentos
já tenho 300 anos
conheço todos relentos
moro nos 32 pontos
que forma a rosa dos ventos.

F.S.: – Negro, já conheci que tu
não pertence a ser humano
com tua filosofia
me tapeias todo plano
mas quero saber teu nome
para sair do engano.

N.: – Eu me chamo Angó Visão
fui quem instruí Nogueira
Preto Limão, Hugolino
Mufumbão e Pimenteira
andei junto com Romano
e Inácio da Catingueira.

F.S.: – Credo em cruz, Ave-Maria
Mãe de Cristo redentor
Este negro é o demônio
inimigo traidor
que anda desacatando
os filhos do criador.

N.: – Você já vem com parolas
como fez Joaquim Sem Fim
botando santo no meio
e me chamando ruim
fazendo a mesma besteira
para ver se ataca a mim.

F.S.: – Todo mundo tem direito
de defender seu papel
só você não se defende
por ser infame e cruel
porém eu tenho por mim
Jesus Cristo e São Miguel.

N.: – Eu não empato você
ter lá sua devoção
nem fazer seu fraseado
com santos e oração
eu quero é cantar repente
e dar-lhe uma lição.

F.S.: – Quem é você tão sabido
pra conhecer mais do que eu
nem rebaixar o poder
que a natureza me deu
se veio com essa idéia
pode dizer que perdeu.

N.: – Essa sua natureza
eu conheço ela a fundo
sou capaz de descrever
toda origem do mundo
desde o mais potente ser
ao mais péssimo vagabundo.

F.S.: – Você faz parte da fera
que iludiu Adão e Eva
manchando a lei do dever
com o fruto da reserva
mas não pense que me arrasta
para o caminho da treva.

N.: – Adão e Eva pecaram
por uma contradição
mas aquilo foi somente
para haver a geração
mesmo sem haver pecado
não havia salvação.

F.S.: – Mas a culpa de Adão
foi por causa da serpente
que atacou de surpresa
a pobre Eva inocente
e fez ambos se perderem
pelo pecado somente.

N.: – Mas o eterno por ser
um juiz tão poderoso
para que deixou Lusbel
entrar no jardim mimoso
e botar Adão e Eva
no pecado rigoroso?

F.S.: – Negro, não seja tão ruim
querendo a Deus maltratar
você sabe que Lusbel
foi autor de todo azar
por se ver perdido quis
a nossos pais complicar.

N.: – É certo que Adão tem culpa
porque a lei transgrediu
mas quando Lusbel pecou
e lá do trono caiu
pra não entrar no jardim
por que Deus não proibiu?

F.S.: – E por que foi que Lusbel
quando ficou lá no trono
substituindo a ordem
de Deus eterno patrono
orgulhou-se e propôs guerra
querendo do céu ser dono.

N.: – Aquilo foi pra poder
dar começo às gerações
pois o eterno podia
ter privado essas razões
mas deixou Lusbel assim
para cumprir-se as lições.

F.S.: – Negro, você não tem jeito
de se chegar na verdade
mas eu vou tirá-lo agora
com o credo da trindade
para nunca mais zombar
do grande Deus de bondade.

N.: – Veja que asneira sua
falando em reza pra mim
se reza salvasse gente
não havia ninguém ruim
eu conheço tudo isso
do começo até o fim.

F.S.: – Mas na reza tem prodígio
que nos faz admirar
quem não se benze e não reza
não pode a Deus alcançar
fica assim como você
de mundo a fora a atentar.

N.: – Eu não ando atrás de reza
que não sou padre nem papa
ando atrás de quem canta
com consciência no mapa
e o mais sabido do mundo
das minhas mãos não escapa.

F.S.: – Você diz assim porque
é triste inconscencioso
já perdeu todos direitos
de nosso Deus poderoso
não sabe o que é verdade
só ver o quadro horroroso.

N.: – Eu conheço a descendência
de Adão, Eva e Abraão
Moisés, David e Jacó
Manassés e Salomão
mas nunca vi nenhum salvo
por valor de oração.

F.S.: – Se oração não valesse
Jesus não tinha orado
São Pedro e todos apóstolos
nenhum tinha acompanhado
a religião dos santos
para abater o pecado.

N.: – O Cristo orou porque quis
mas já tinha a salvação
e por isso qualquer um
se meta nessa ilusão
reze e não pratique o bem
pra ver se tem o perdão.

F.S.: – Negro, você me parece
que foi materialista
desses que só dar valor
no que pega e está a vista
protesta toda verdade
difamador anarquista.

N.: – Não queira saber quem sou
nem me julgue bom ou mau
cante mesmo se souber
e se defenda no grau
se tiver cantiga bote
ou entregue o lombo ao pau.

F.S.: – Eu canto porque conheço
rima, métrica e posição
sentido, frase e conjunto
sistema e complicação
não é pra um negro imundo
vir a mim passar lição.

N.: – Homens de muita ciência
como Leandro e Zé Duca
Romano, Hugolino e outros
precisaram minha ajuda
quanto mais um Zé Ninguém
que na vida nada estuda.

F.S.: – Negro, não seja gabola
naquilo que não convém
seu estado miserável
e consciência não tem
um infeliz como tu
nunca ajudou a ninguém.

N.: – Você é quem diz assim
por não ter compreensão
mas provo que Pedra Azul
Ventania e Azulão,
Serrador, Carneiro e Lino
a todos eu dei lição.

F.S.: – Esses homens foram mestres
da poesia simbólica
enquanto vivo seguires
a religião católica
não precisaram de ti
e nem da força diabólica.

N.: – Pedro Limão e Quirino
e Josué de Teixeira,
Pirauá, Laurindo e Gato
e Manuel Cabeceira
eu defendi muito eles
no braço da regra inteira.

F.S.: – Meus senhores do salão
cada um traga uma cruz
e vamos rezar o credo
no claro da santa luz
pra desterrar este negro
inimigo de Jesus.

N.: – Você pensa que reza santa e cruz
me faz medo de noite nem de dia
se previna e chame por Maria
para ver se ela te conduz
faça força que hoje vim apuz
de enfrentar um poeta em todo artigo
não me assombro, não corro e prossigo
da forma que quiser eu também quero
de qualquer lado que vir eu lhe espero
não há santo que lhe empate ir comigo.

F.S.: – Mas eu creio em Deus Pai e Poderoso
que criou o Céu e a nossa terra
também criou em Jesus aonde encerra
o poder de um astro glorioso
um só filho do espírito venturoso
Divino Cordeiro e inocente
que padeceu pelos homens cruelmente
foi perseguido, preso e arrastado
para com seu sangue imaculado
nos livrar das ciladas da serpente.

N.: – Você pensa que com isso se defende
mas para mim és maluco e muito fraco
de qualquer feito te boto no bisaco
e a força de meu braço é quem te prende
meu poder hoje aqui ninguém suspende
vou provar-te daqui a meia hora
que tu chegas a meus pés e me per si
nem te Cristo te livra hoje aqui
de um acocho da alma pular fora.

F.S.: – Meus senhores da sala é necessário
arranjar-se um cordão e água benta
pra lançar-se esta fera violenta
com a força da Virgem do Rosário
e pedimos a Cristo do sacrário
que nos mande o anjo Gabriel
descer com o Arcanjo São Miguel
trazendo a espada e a balança
para ver se nos livra desta trança
e expulsar esta fera tão cruel.

N.: – Vem você com rosário e com Maria
se valendo de medalha e balanceiro
chamando por todo alcoviteiro
que não há precisão em cantoria
mas não pense que com esta bruxaria
me faz medo nem me tange num segundo
e meu astro é teórico e tão profundo
como a luz que clareia a imensidade
eu também tenho força e liberdade
pra fazer qualquer coisa neste mundo.

F.S.: – Venha a mim São Gregório e São Bernardo
Santo Cristo do Ipojuca e São José
São Francisco padroeiro em Canindé
São João Batista e São Ricardo
Santo Antônio de Lisboa tão amado
São Severino dos Ramos padroeiro
São Jorge com a lança de guerreiro
Defendei-me das portas do inferno
São Pedro com as chaves do eterno
me guardai deste negro traiçoeiro.

N.: – Não é com isto que pensa que me atrasa
nem me faça correr de sua vista
vamos ver quem ganha esta conquista
e quem corre primeiro desta casa
quero ver se você não se arrasa
cantando comigo este duelo
que sou forte no perigo e no flagelo
e não temo enfrentar um cantor só
você estando nas unhas de Angó
não há santo que o livre do cutelo.

F.S.: – Maria imaculada Mãe de Cristo
pelo verbo encarnado em vossa luz
defendei-me com o nome de Jesus
e vinde a mim pra ver se eu resisto
não deixai que aqui o anti-Cristo
lance mão de mim e mais alguém
protegei-me Maria sumo bem
pelo sangue que banhou a Santa Cruz
e hora divina que Jesus
foi nascido na gruta de Belém.

N.: – Arre com tanto pedido
deste cantor tão teimoso
só fala em santo e rosário
isto é que é ser caviloso
nem canta e só dá maçada
com este abuso horroroso.

Levantou-se da cadeira
rodando em cima de um pé
e disse: – Eu não canto mais
porque estou dando fé
quem discutir com um doido
é esgotar a maré.

E nesse momento o galo
cantou saudoso e bonito
o negro se remexeu
soltou um tremendo grito
fez corrupio na sala
e se sumiu o maldito.

Todo povo que estava
ali na reunião
sentiu um cheiro abafado
de breu, enxofre e carvão
rezaram o credo e o ofício
da Virgem da Conceição.

Faço ponto, meus amigos
Sobre a tremenda porfia
A todos peço desculpas
Lendo esta poesia
Espero de cada um
Sua boa garantia.


Literatura de Cordel quarta, 20 de junho de 2018

A OPINIÃO DOS ROMEIROS SOBRE A CANONIZAÇÃO DO PADRE CÍCERO PELA IGREJA BRASILEIRA (FOLHETO DE EXPEDITO SEBASTIÃO DA SILVA)

A OPINIÃO DOS ROMEIROS DOBRE A CANONIZAÇÃO DO PADRE CÍCERO PELA IGREJA BRASILEIRA

Expedito Sebastião da Silva

 

 No dia 8 de julho

Do ano setenta e três

A Igreja Brasileira

Decidiu por sua vez

Aqui em nossa nação

Do padre Cícero Romão

A canonização fez

 

Realizou-se em Brasília

Essa canonização

Sendo que do Santo Papa

Não houve autorização

Por aí o leitor veja

Foi à nossa santa igreja

A maior profanação

 

Quinhentos e onze padres

No momento se acharam

Também trinta e quatro bispos

Ali se apresentaram

E de jornais e revistas

Centenas de jornalistas

O ato presenciaram

 

Romeiros da mãe de Deus

Essa canonização

Que a Igreja Brasileira

Fez, não tem efeito não

É uma trama ilusória

Que fere a santa memória

Do padre Cícero Romão

 

Pois a Igreja Católica

Apostólica Romana

Por ser fundada por Cristo

Tem a ordem soberana

De canonizar na terra

Outra assim fazendo erra

E a boa-fé engana

 

Mesmo o nosso padre Cícero

A luz brilhante do Norte

Como um fiel pastor

Foi um baluarte forte

Da Santa Mãe Soberana

E a Igreja Romana

Defendeu até a morte

 

Deixou no seu testamento

Com toda realidade

Assinada por seu punho

Como cunho da verdade

A prova como um diploma

Pra com a igreja de Roma

A sua fidelidade

 

O nome do padre Cícero

Ninguém jamais manchará

Porque a fé dos romeiros

Viva permanecerá

Pois nos corações dos seus

Foi ele um santo de Deus

É e pra sempre será

 

E, portanto, o padre Cícero

Sempre foi santificado

Pelos seus fiéis romeiros

De quem é bastante amado

Finalmente é uma asneira

A Igreja Brasileira

Fazê-lo canonizado

 

Essa canonização

Feita, num sistema inculto

Os romeiros consideram

Como um verdadeiro insulto

Que a todo mundo engana

E com cinismo profana

Um admirável vulto

 

Creio se o padre Cícero

Vivo estivesse com nós

Seria ele o primeiro

A opor-se em alta voz

De forma alguma queria

Por completo repelia

Essa farsa de algoz

 

Pois ele nos seus sermões

Dizia com paciência:

A Santa Igreja Romana

De Deus é a pura essência

Não devemos desprezá-la

Portanto vamos amá-la

Fiéis com obediência

 

– Sem a Igreja Católica

Apostólica Romana

Ninguém pode se salvar

Porque a alma é profana

Por ser a religião

Que conduz todo cristão

Para a corte soberana

 

Aí se vê claramente

A grande veneração

E o respeito que tinha

O padre Cícero Romão

Pela igreja de Cristo

Que proveniente a isto

Sofrera perseguição

 

O padre Cícero com vida

Honrou a sua batina

E à igreja de Cristo

Tinha obediência fina

Não dava nenhum conceito

Quem faltasse o respeito

Pra com a santa doutrina

 

Como é que certos padres

Não conheceram direito

O padre Cícero de perto

Procuram com desrespeito

Canonizá-lo por conta?

É à Igreja uma afronta

Ou um rebelde despeito?

 

Pois a Igreja Romana

De forma nenhuma aprova

Essa canonização

Feita nesta igreja nova

Se eles estão a pensar

Que fácil vão nos laçar

Nos laçarão uma ova!

 

Ele dizia: O diabo

Todos os dias peleja

Para pegar os cristãos

Pois é o que mais deseja

Muitos poderão cair

Se por acaso ele vir

Laçando pela igreja

 

Mas estamos preparados

Conosco ninguém embroma

Porque é o padre Cícero

Do romeiro e ninguém toma

Que espera conformado

Pra vê-lo canonizado

Por nosso Papa de Roma

 

Já ouvi alguém dizer

O padre Cícero merece

Ser enfim canonizado

Já que o Papa se esquece

Proveniente a demora

Vem outra igreja de fora

E o seu valor reconhece

 

Mas a Igreja Romana

Primeiramente precisa

Fazer sobre o indicado

Uma severa pesquisa

Depois de colher com jeito

Todos os dados direito

É que ela canoniza

 

Não é só meter a cara

Como quem vai fazer guerra

E ludibriar a fé

Dos cristãos aqui na terra

Assim era ser profana…

Pois a Igreja Romana

De forma nenhuma erra

 

Aqui não estou falando

Contra a canonização

De que é merecedor

O padre Cícero Romão

Minha pena aqui acusa

A quem dele o nome usa

Fazendo profanação

 

Acho grande hipocrisia

E desaforo daquele

Que somente por ouvir

Muito falar sobre ele

Quer ao povo se unir

Para bem alto subir

Na sombra do nome dele

 

Sabem que o padre Cícero

O santo de Juazeiro

Tem romeiros espalhados

Por este Brasil inteiro

Então canonizam ele

Pra fazer do nome dele

Uma chama de dinheiro

 

Lá no céu o padre Cícero

Não pode estar satisfeito

Vendo o seu santo nome

Maculado desse jeito

E ainda depois disso

Vendo a igreja de Cristo

Sem o devido respeito

 

Mas ele apesar de tudo

Usará de complacência

Pedirá penalizado

À Divina Providência

Pro castigo revogar

E com amor perdoar

Essa desobediência

 

Aqui nós do padre Cícero

E da Virgem padroeira

Não estamos de acordo

Com a Igreja Brasileira

O nosso padre estimado

Queremos canonizado

Não assim dessa maneira

 

Sua canonização

Nós desejamos que seja

Feita pelo Santo Papa

Da forma qu’ele festeja

Mandar então colocá-lo

No altar de toda igreja

 

Todos seus fiéis romeiros

Que com fé o amam tanto

Num quadro tem ele em casa

No mais destacado canto

Pra quem chegar ali veja

Que só falta à Santa Igreja

Declará-lo como santo

 

Esperamos que o Papa

Antes que nos venha a morte

Canonize o padre Cícero

E brade numa voz forte:

“EU DECLARO FERVOROSO

SANTO CÍCERO MILAGROSO

DE JUAZEIRO DO NORTE”

 


Literatura de Cordel quarta, 13 de junho de 2018

A CANDIDATURA DE LAMPIÃO A PRESIDENTE DA REPÚBLICA (FOLHETO DE VICENTE CAMPOS FILHO)

 

A CANDIDATURA DE LAMPIÃO A PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Vicente Campos Filho

  

Das histórias que surgiram

No Nordeste do Brasil

Sobre um tal de Virgulino

Lampião, homem viril,

Tem uma que ficou fora

Dos registros da história

Pouca gente já ouviu.

 

Quem me contou com detalhes

Eu não sei se é mentira

Foi um velho ex-cangaceiro

Chamado Zé Macambira

Me disse que Lampião

Foi um herói do sertão

Esse título ninguém tira.

 

Me disse que era tanta

A fama de Lampião

Que um cangaceiro seu

Deu a sua opinião

Meu Capitão vosmecê

É quem merecia ser

Presidente da nação.

 

 

Pois não é que Lampião

Aceitou logo no ato

E disse em cima da bucha:

– Eu quero ser candidato

E quem não votar em mim

Só pode ser cabra ruim

Eu esfolo, capo e mato.

 

E o plano de governo

Do Capitão Virgulino

Amplamente divulgado

Pelo Sertão Nordestino

Teve logo aprovação

De toda a população

Homem, mulher e menino.

 

Vou tentar reproduzir

O plano do cangaceiro

Como foi que Lampião

Convenceu o povo inteiro

A aprovar o seu plano

E votar naquele ano

No famoso justiceiro.

 

Lampião já discursava

Pensavam como seria

Viver sem corrupção

Felicidade pra todos

Habitantes da nação

Por toda parte se ouvia

Dia e noite, noite e dia

– Vou votar em Lampião.

 

Virgulino aonde chegava

Era motivo de alegria

Conquistava toda a gente

Do Ceará à Bahia

E nos braços do povão

Provocava um arrastão

Era grande a romaria.

 

Os políticos invejavam

Tanta popularidade

Temiam que a promessa

Se transformasse em verdade

Se Lampião fosse eleito

De deputado a prefeito

Perdia a tranquilidade.

 

Por isso se reuniu

De vereador a prefeito

Naquela situação

Resolveram dar um jeito

Armaram aquela cilada

De tocaia na estrada

Montaram um plano perfeito.

 

Lá pras bandas de Angicos

Fuzilaram Lampião

Mas acabaram também

Com os planos da nação

De criar um país novo

Calaram a boca do povo

Venceu a corrupção.

 

No Nordeste inteiro o povo

Chorou a morte do bando

Do Capitão Virgulino

Ficavam só comentando

Ô cabra macho da peste

Representou o Nordeste

Viveu e morreu lutando.

 

Se o plano de Lampião

Tivesse ido à frente

A vida aqui no Brasil

Seria bem diferente

Não ia faltar o pão

Saúde e educação

Na vida da nossa gente.

 

Se um dia surgir aqui

Outro Lampião disposto

A mudar nossa história

Vai ser bem-vindo no posto

De Capitão da Justiça

Vai acabar com a injustiça

E recebido com gosto.

 

Isso foi o que eu ouvi

Da boca do ex-cangaceiro

Quem quiser que conte outra

Porque eu cheguei primeiro

Não diga que estou mentindo

Vá por aí repetindo

A estória do justiceiro.

 

Em todo lugar que ia

Seu lema era limpeza

Credo, cruz, Ave Maria

– Eu vou varrer desse mundo

Tudo quanto é vagabundo,

Era isso que dizia.

 

Prometia: – Vou banir

Desse mundo a ladroagem

Também prometo acabar

Com essa vagabundagem

Esse bando de safado

Vai se ver encurralado

Vou acabar com a bandidagem…

 

…Esses políticos corruptos

Vão provar minha chibata

Eu prometo acabar

Com essa tal de mamata

Palavra de Lampião

Cabra brabo do sertão

Feito dez siris na lata…

 

… O prefeito que roubar

Dinheiro da prefeitura

Vai ter que se ver comigo

E vai levar uma dura

Vou manda-lo pra prisão

Pra comer banha com pão

E feijão com rapadura…

 

… Prometo fiscalizar

Os atos dos deputados

Se andarem fora da linha

Eles vão estar lascados

Eu mando juntar tudim

O magote de cabra ruim

Todos eles amarrados…

 

…Depois boto num navio

Solto lá no mei do mar

Tudo quanto é tubarão

De comer vai se fartar

Quero ver dentro de um ano

Sem mentira e sem engano

Esse país se ajeitar…

 

…Vou mostrar pra essa gente

Que eu boto ordem na casa

Político ruim e safado

Comigo pega em brasa

Arranco o couro das costas

Capo, corto a trouxa em postas

Ladrão comigo se arrasa.

 

O programa de governo

Era voltado pro povo

E este logo aprovou

Sonhando com um Brasil novo

Um país justo e feliz

Dono do próprio nariz

Sem dever sequer um ovo.

 

O povo do meu sertão

Já estava até sonhando

Com uma vida melhor

Estavam todos contando

Pensavam como seria

Ter saúde e moradia

A educação prosperando.

 


Literatura de Cordel quarta, 06 de junho de 2018

AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT, UM AUTÊNTICO BRASILEIRO (FOLHETO DE CHICO DE ASSIS)

AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT,

UM AUTÊNTICO BRASILEIRO

Chico de Assis

 01

Quero que Deus me ajude

Com a inspiração nata

Do poeta popular

Que canta o rio e a mata

Para contar a história

De um grande diplomata.

02

Falo de Augusto Schmidt

Que foi um grande escritor,

Foi jornalista e poeta,

Um grande empreendedor

E no mundo da política,

Exímio articulador.

03

Nasceu no Rio de Janeiro,

Mil novecentos e seis,

Nasceu em berço de ouro,

Filho de um casal burguês,

Mas sempre sonhou pôr fim

À pobreza, de uma vez.

04

Gozou na primeira infância

Paz, amor, felicidade,

Curtindo os prazeres da

Maravilhosa cidade

Não cedendo nem ao peso

Do peso da obesidade.

 

05

Não foi muito de estudar

Mas foi muito de aprender

Até mesmo reprovado

Schmidt chegou a ser

Não gostou de ler cartilhas

Mas ao mundo soube ler!

06

Mas logo com oito anos

O contratempo chegou

Pra Lausanne, na Suíça,

A família se mudou

E logo veio a doença

Que aos seus pais atacou.

07

Internos em sanatórios

Seus pais cumpriram um destino

Duro, sofrido, cruel

Marcado por desatino

E não puderam amparar

Os destinos do menino.

08

Quando completou dez anos

Viu o seu pai falecer;

Ficou sem rumo e sem prumo

Veio embora sem saber

O que faria da vida

Sem ter seu pai pra dizer.

3

09

Pra o Rio voltou tangido

Pela guerra mundial;

Voltou banhado de lágrimas

Pra sua pátria natal,

Sem pai, sem paz, mãe doente,

Num desamparo total.

10

No Rio peregrinou

Sem se enturmar, sem ter vez,

No Colégio São José,

Também no Liceu Francês

E no Colégio São Bento,

Saindo de todos três.

11

Sua mãe tuberculosa

Se foi dois anos depois

Morar no céu com o marido

E ele, longe dos dois,

Teve que pintar sozinho

O quadro que se compôs!

12

E eis que a mente se eleva

Por sobre o peito que chora

Não pode pagar colégios

Caros no Rio em que mora

Vai prosseguir seus estudos

Distante, em Juiz de Fora.

13

Sem ter por quem esperar

Ergue o peito, segue avante,

Arranja logo um emprego

De caixeiro-viajante;

Depois, de comerciário,

Passa a ser comerciante.

14

E em meio a talões de notas

Pedidos e encomendas

Schmidt foi cultivando

Do saber todas as prendas,

Logo surgiram poemas

Em meio às notas de vendas!

15

Trabalhava numa casa

Onde vendia tecidos

E artigos de armarinho.

Entre os estoques sortidos

De botões, pentes e panos,

Tinha livros escondidos!

16

Em meio às vendas frenéticas

Parava sempre pra ler

Na Rua do Ouvidor

Livraria Garnier

E brechava atrás da loja

A Livraria Briguier".

17

O seu patrão português

Baixava dele o conceito

Dizia: com tantos livros

Para ler, esse sujeito

Jamais dará pra o comércio,

"Esse gajo não tem jeito..."

18

Mas Schmidt deu o fora

Fugiu do patrão beócio,

Sua energia em excesso

Não lhe permitia o ócio

E ele partiu buscando

Montar seu próprio negócio.

19

Logo montou um engenho

Pra fabricar aguardente

Com isso foi conseguindo

Dinheiro rapidamente

Até que se transformou

Num empresário influente.

20

Instalou uma editora

Mostrando capacidade

E assim ficou junto da

Intelectualidade;

Tornou-se o ponto de encontro

Da cultura da cidade!

21

Empreendedor pé-quente

Sabia calcular risco

Competente, juntou grana

Ligeiro igual um corisco

Montou um supermercado,

Embrião da rede Disco.

22

Entrosou-se rapidinho

Com a turma modernista

Oswald e Mário de Andrade

E muito nacionalista

E até com Plínio Salgado,

Mas não foi integralista!

23

Entrou mesmo de cabeça

Na cultura e no seu clima

Lendo, escrevendo em jornais

Cultivando prosa e rima

Com Jackson de Figueiredo

E Alceu Amoroso Lima.

24

Chegou mesmo a editar

Nomes que viraram heróis

Um Graciliano Ramos,

Uma Raquel de Queiroz

E até um Jorge Amado

Que não tinha vez nem voz.

 25

Editou Gilberto Freyre

Um crítico da realeza

Da Casa Grande & Senzala,

Lúcio Cardoso, a surpresa;

E um Otávio de Faria

Com a "Tragédia Burguesa".

26

Com Carlos Drumonnd de Andrade

Começou a se entrosar

Foi amigo de Bandeira,

Nosso poeta exemplar

Schmidt ia visitá-lo

Na Avenida Beira-Mar!

27

Envolveu-se na política

Sem nunca ser candidato

Com direita e com esquerda

Sempre conseguiu bom trato

E achava que pra servir

Não precisava mandato.

28

Foi dele a última conversa

Com Getúlio no Catete;

Enquanto a oposição

Baixava nele o cacete,

Getúlio traçava o plano

De fugir do tirinete!

29

Getúlio calmo demais

Em meio ao mar do despeito,

A lama golpista entrando

No Palácio sem respeito

E o velho pronto pra o gesto

De explodir o próprio peito!

30

Conversavam sobre a fome

Que empanava nossa glória...

No outro dia, Getúlio

Deu a resposta à escória

Pulando fora da vida

E entrando firme na História.

31

Schmidt então se aliou

Ao mineiro Juscelino,

Jogou suas esperanças

No médico diamantino

No desejo que o Brasil

Achasse um novo destino.

32

Apoiou sua campanha

Defendeu-lhe com afinco,

Das portas de uma vitória

Deu-lhe a chave, abriu o trinco,

Criando até o slogan

"50 anos em 5"

33

Pra Juscelino, Schmidt,

Resolveu muitos problemas

Articulava os apoios

Enquanto armava os poemas

Todo dia os dois trocavam

Dois ou três telefonemas!

34

Teve que aplacar a sanha

De alguns eternos golpistas

Por JK receber

Apoio dos comunistas

Num tempo de guerra fria

E militares fascistas.

35

Elaborava os discursos

Que JK proferia.

A fama de orador bom

Pra o presidente crescia

Mas seus discursos poéticos

Schmidt era quem fazia.

36

Algumas frases de efeito

Que JK citou cedo,

Eram lavra do poeta

Que escondia o segredo,

Como aquela: "Deus poupou-me

Do sentimento do medo"

37

E na área diplomática

O poeta destacou-se

Representava o Brasil

Com brilho, fosse onde fosse,

Á causa de um Brasil Grande

Ele sempre dedicou-se.

38

Idealizou a OPA

Tentando unir as Américas,

Aplainando as divisões

Geopolíticas hemisféricas

E pondo um freio no fogo

Das ameaças histéricas.

39

Dos direitistas raivosos

Ele explorava com afã

O medo de uma revolta

Ocidental e cristã

Que tirasse o continente

Das garras do Tio Sam!

40

Depois que a Segunda guerra

Levou Marx à Polônia,

Tchecos, búlgaros e alemães

Ele explorava a insônia

Dos yanques que o temiam

Do México pra Patagônia.

41

Depois que a China com Mao

Derrubou seus mandarins,

Implantando o comunismo,

Derrubando espadachins

Havia o pânico que ele

Chegasse aos nossos confins.

42

Logo naquele momento

Que Coréia e Vietnan

Se inspirando em China e Rússia

Pisavam os pés do titã

Fazendo bolhas de sangue

Nos calos do Tio Sam.

43

Quando Cuba já mostrava

Que ia brigar também

Pra derrubar um sargento

Que dizia só "Amém".

Não ia mais ser bordel

Nem quintal de "Sêo Ninguém"

44

Schmidt por cá mostrava

Que evitar revolução

Se evita com mais progresso,

Terra, emprego, paz e pão,

Justiça e democracia

Saúde e educação.

45

Na verdade ele tentou

Criar um Plano Marshal

Conseguiu a Aliança

Para o Progresso, afinal,

Dos países atrasados

Da América do Sul e Central.

46

Uma ação que veio antes,

Fruto do seu argumento:

Banco Interamericano

Para o Desenvolvimento;

O BID que continua

Nos trazendo investimento!

47

O grupo dos 21

Articulou e fez planos.

Este grupo reunia

Governantes veteranos

De todos os 21

Estados americanos.

48

Até mesmo a OEA

Foi fruto desse trabalho

Pra que todo o continente

Vestisse um mesmo agasalho

E um Estado não fosse

No outro meter o malho.

49

Porém na diplomacia

Não ficou só na estréia

Foi nosso representante

Com firmeza e boa idéia

Na grande Comunidade

Econômica Européia.

50

Se entrosou pela direita

Com Castelo, militar,

Junto a Raquel de Queiroz

Ajudou a derrubar

O governo e escreveu

Contra Brizola e Goulart.

51

Fundador do Instituto

De Pesquisas Sociais

E Econômicas também

Defendendo a todo gás

O sistema baseado

Nas idéias liberais.

52

Amou com força a política

Nos bastidores foi forte,

À labuta literária

Entregou-se até à morte

Mas ele também gostava

De incentivar o esporte.

53

Presidiu o Botafogo

De Futebol e Regatas,

Levando a ganhar

Troféus de ouros e pratas

Foi cartola e não meteu-se

Em trambiques e mamatas.

54

Havia dois botafogos

Cada qual pela metade

Juntou os dois em um só,

Cresceu-lhe a capacidade

E botou na presidência

Eduardo Góis Trindade!

55

É este o homem que trago

À memória brasileira;

Um homem que batalhou

Pelo bem a vida inteira

Tanto dentro do País

Quanto na terra estrangeira.

56

Em meio às atribuladas

Vidas de comerciante,

De político e diplomata,

De editor e viajante

Nunca deixou de botar

A poesia pra diante.

57

No ano de 28

Lançou seu livro primeiro

Que trazia o grande título

O "Canto do brasileiro,

O Augusto Frederico

Schmidt", tão verdadeiro.

58

Depois "Canto do Liberto"

Tendo seu nome seguido;

Já no ano 29

Lançou "Navio Perdido"

E em 30, o "Pássaro Cego",

Um livro reconhecido.

59

A "Estrela Solitária"

Lançou com glória e com brio

"Mensagem aos Poetas Novos"

Foi um grande desafio;

"Galo Branco" e "As Florestas"

Depois, "Caminho do Frio".

60

Lançou "Paisagens e Seres",

"Babilônia", uma canção...

Também belíssimos "Discursos

Aos Jovens" desta nação,

"Antologia de Prosa"

E "Prelúdio à Revolução".

61

Seus mais famosos trabalhos

No campo da poesia

Foram "Soneto Cigano",

"Quando", "Lembrança", "Elegia",

"Noiva", "Soneto a Camões",

Foi tudo pra Antologia!

62

"Retrato do Desconhecido",

"Quando eu Morrer" e "Vazio",

Sonetos, "Ouço uma Fonte"...

Fonte perdida no frio.

Encheu de poemas quentes

As brisas doces do Rio.

63

Casou com Yedda Ovalle,

Grande amor da sua vida,

Pra ela lavrou poemas,

E ela foi dele a querida

Até em 65

Quando fez a despedida...

64

Por fim, foi esse o Schmidt,

Um autêntico brasileiro,

Articulador gigante

Empreendedor pioneiro,

Augusto, doce, valente,

Diplomata competente.

Poeta de corpo inteiro!


Literatura de Cordel quarta, 30 de maio de 2018

RUI BARBOSA (FOLHETO DE CRISPINIANO NETO)

 

RUI BARBOSA

Crispiniano Neto

 

 01

Quero contar a história

Verdadeira e gloriosa

De um diplomata de peso

De carreira luminosa;

Um crânio cheio de graça,

O nosso gênio da raça,

O baiano Rui Barbosa.

02

Rui foi um líder político,

Deputado e senador,

Ministro por duas vezes,

Foi filólogo e escritor,

Tradutor e jornalista

Um consagrado jurista

E um gênio como orador!

03

Porém existe um detalhe

Nas muitas aptidões

Deste crânio brasileiro.

Que deixou tantas lições:

É seu lado DIPLOMATA,

Onde ele compôs a nata

Do concerto das nações!

04

Foi aí que Rui Barbosa

Consagrou-se de verdade,

Tornou-se a “Águia de Haia”

Com tal legitimidade

Que armado de mente e lábios

Tornou-se um dos “Sete Sábios”

Maiores da humanidade.

05

Seu tipo físico era frágil:

Quase anão na estatura.

Um metro e cinquenta e oito,

72 de cintura.

Corpo encurvado e franzino,

Fisicamente um menino

Mas um titã na cultura!

06

Só quarenta e oito quilos

De peso e de sapiência;

A fragilidade física

Escondendo a inteligência...

Mas provou aos seus carrascos

Que “é nos menores frascos

Que mora a melhor essência”!

07

Rui Barbosa de Oliveira,

De Salvador, bom baiano.

Nasceu em mil e oitocentos

E quarenta e nove, o ano;

Foi a cinco de novembro

Que a luz viu o maior membro

Do saber brasiliano.

08

Seu pai, Doutor João José,

Viu no anão um titã,

Ensinou-lhe amar os livros,

Do saber tornou-lhe um fã.

Maria Adélia gerou-lhe

E com carinho ensinou-lhe

Amor e moral cristã.

09

Com a mãe também aprendeu

Amar os descamisados

Aos que a vida excluiu,

Aos pobres e explorados,

Ao humilhado e ao cativo...

Por isso tornou-se ativo

Defensor dos humilhados.

10

Com cinco anos de idade

Rui na escola ingressou;

Seu mestre Antônio Gentil

Muito espantado exclamou:

Meu Brasil, eu lhe apresento

O mais incrível talento

Que a Bahia já criou!

11

Aprendeu em quinze dias

Distinguir as orações

E dos verbos regulares

Fazer as conjugações,

Juntar letras, soletrar,

E com um ano a destrinchar

As mais difíceis lições.

12

Aos onze anos de idade

Já no Ginásio Baiano,

Professor Abílio César

Disse a seu pai: Não me engano.

Tudo que eu sei, Rui já sabe.

Portanto, João, já lhe cabe

Colocar Rui noutro plano.

13

Foi quando Rui recebeu

Sua maior honraria,

Uma Medalha de Ouro,

Do arcebispo da Bahia...

E entre milhões de imagens

De glórias e de homenagens

Desta, nunca esqueceria.

14

No ano sessenta e quatro

Conclui o ginasial.

Só tinha quatorze anos

Não tinha idade ideal

Para a faculdade e então

Foi estudar Alemão

Até o prazo normal.

15

Ao fazer dezesseis anos,

Já tendo idade e conceito

Foi para Olinda cursar

Faculdade de Direito,

Provando o fato verídico

Que para o mundo jurídico

Era o cérebro mais perfeito.

16

Porém em 68

Contraiu um grande mal

Adoeceu gravemente

De um “incômodo cerebral”

Deu um tempo em quase tudo

Paralisou o estudo

Até voltar ao normal,

17

E enquanto ficou em casa

Por um bom tempo abrigou

O poeta Castro Alves

Que Eugênia Câmara largou;

Castro, de Rui era um mano,

Pois no Ginásio Baiano

Na mesma turma estudou.

18

Rui fica bom e de novo

Sua faculdade enfrenta,

Se transfere pra São Paulo,

Curso que mais fama ostenta;

Ali virou bacharel.

Ganhou diploma e anel

Já no ano de 70.

19

Doutor, voltou à Bahia,

Seu solo amado e natal.

De novo sofreu as dores

Do “incômodo cerebral”

Mas foi logo advogar

Passando rápido a provar

Ser grande profissional.

20

Nesse tempo Rui Barbosa,

Mesmo sem ganhar fortunas

Por advogar pra os pobres

Já brilhava nas tribunas,

E os embates sociais

Travava pelos jornais

Com artigos e colunas.

21

No Diário da Bahia

Escrevia a pura prosa.

Neste tempo, o coração

Do genial Rui Barbosa

Por Brasília, jovem bela,

Caiu na triste esparrela...

A primeira crise amorosa.

22

Mas a dor-de-cotovelo

Ele logo compensou.

Discursos e conferências

Onde fazia, era show.

Pela força da Oratória

Em pouco alcançou a glória,

Seu nome se consagrou.

23

Casou-se em 76

Com uma bela baiana

Com quem construiu família:

Maria Augusta Viana

Bandeira da sua vida,

Amada e deusa querida,

Fantástica figura humana.

24

Augusta e Rui produziram

Uma família garbosa:

Que tinha nos nomes o

Sobrenome “Ruy Barbosa”.

Cinco filhos exemplares

Diplomatas, militares

E um político bom de prosa!

25

Rui ergueu-se em seu talento

Para enfrentar a ganância.

A ditadura e a maldade

Ele enfrentou com tal ânsia

Que esqueceu banca e saúde

Para abraçar com virtude

A causa e a militância!

26

No ano 77

De muita seca e horror

Rui se elegeu deputado

Erguendo um novo valor.

Pela grandeza exibida

Foi escolhido em seguida

Pra ser nosso senador.

27

Nabuco disse que Rui

Fez a República garbosa;

Benjamim lhe atribuiu

Revolução luminosa.

Patrocínio, disse então:

“Deus acendeu um vulcão

Na cabeça de Barbosa”.

28

E veio a Abolição

Da escravidão malvada;

Vimos três anos depois

A República proclamada,

Cujo primeiro decreto

Teve o talento completo

Da sua mão consagrada!

29

Fez a Constituição

Da República brasileira;

Poucos retoques fizeram

Sobre a redação primeira

Seu texto estava perfeito

Na política e no Direito,

Uma obra verdadeira.

30

E ao nascer a República,

Pelo seu saber notório

Foi primeiro vice-chefe

Do Governo Provisório.

Brilhante, firme, empolgado

O Brasil foi transformado

Em seu gigante auditório!

31

Rui Barbosa e Deodoro

Neste governo de início

Separaram Estado e Igreja

Evitaram o precipício

Com o tumulto controlado

Acabaram deputado

E Senado vitalício.

32

Rui, Ministro da Fazenda,

Pegou um cofre falido

Pela provisoriedade

Do governo instituído

Não conseguia dinheiro...

Nenhum país estrangeiro

Deu-lhe o empréstimo pedido.

33

Emitiu papel-moeda

Sem lastro em ouro na mão.

Mas desviaram o dinheiro

Do foco da produção

Que Rui Barbosa queria.

Por isso a Economia

Desandou na inflação.

34

Se afastou do Ministério

Mas inda fez uma ação.

Mandou queimar os papéis

Dos tempos da escravidão

Para evitar que ex-senhores

Ganhassem grandes valores

Pedindo indenização!

35

Logo veio Floriano

Com um chicote na mão.

Então as coisas mudaram,

Começou a repressão

E a liberdade sonhada

E democracia esperada

Fora para o rés do chão.

36

As revoltas começaram.

Rui contra o autoritarismo

Buscando o entendimento

Defendendo o legalismo

E Floriano, no berro,

Virou “Marechal de Ferro”

Na mão do militarismo!

37

Rui Barbosa ergueu a voz

Contra a intensa repressão.

Aos revoltosos da Armada,

Aos generais na prisão,

Também aos federalistas

Que queriam que as conquistas

Não sucumbissem ao canhão!

38

Pra os que estavam desterrados

Nas brenhas do Cucuí

Rui entrou com Habeas Corpus

Para tirá-los dali...

Dizia Barbosa: eu sei

Que um Brasil sem ter a lei

Não é Brasil é “brasí”!

39

Chegou a ser exilado.

Forçado deixou a terra

Que amou e foi pra o Chile,

Argentina e Inglaterra

E escreveu famosas cartas

Fazendo acusações fartas

Contra ditadura e guerra.

40

Combateu a intervenção

Militar contra Canudos

Provou que aqueles beatos

Pobres, sofridos barbudos

Não queriam monarquia

Queriam cidadania

Comida, trabalho e estudos!

41

Do nosso Código Civil

Ele fez a revisão

Mil e oitocentos artigos

Em tudo a observação

Corrigindo o Português

E a redação das leis

Pra não ter nenhum senão.

42

Mil novecentos e cinco

Resolveu ser candidato

Contra Hermes da Fonseca.

Seu discurso era um retrato

De um Brasil progressista

Contra um Brasil feudalista

De atraso e de maltrato.

43

Em 07 ele foi a Haia

Conferência Mundial

Defendeu a igualdade

Na Lei internacional

Nada de fraco e de forte

Rico e pobre, Sul e Norte

Com direito desigual.

44

Derrubou todas as teses

Da força da prepotência,

De Inglaterra, França, States,

De tudo que foi potência

Derrubou a força insana

De canhão, de bomba e grana

Com a força da inteligência.

45

Seu nome se destacou.

Foi primeiro sem segundo.

Entre Choate e Nelidoff,

O Barão Marshall profundo,

Meye, Tornielli e Leon

Foi ele quem deu o tom

Dos Sete Sábios do Mundo!

46

Tornou-se a “Águia de Haia”,

Do mundo recebeu louvo,

Quebrou a “lei do mais forte”

Criando um Direito novo.

E quando voltou pra o Rio

Foi só descer do navio

E cair nos braços do povo!

47

Da Academia de Letras

Foi dos membros varonis

Fundador da ABL,

Seu presidente feliz;

Provou seu grande valor

Ao se tornar sucessor

De Machado de Assis!

48

As suas obras são tantas,

De temas tão variados

Que fica muito difícil

Dizer em versos rimados

Os títulos que publicou

E a obra que legou

Nos seus geniais traçados.

49

“Contra o Militarismo”,

“Visita à Terra Natal”,

A grande “Oração aos Moços”,

“Acre Setentrional”,

Discursos, artigos, cartas,

Foi das produções mais fartas

Da Cultura nacional!!!

50

Português, Rui conhecia

Mais que os mestres portugueses

Fez um discurso em francês

Para saudar os franceses.

E diz até um ditado

Que quando foi exilado

Ensinou inglês a ingleses!

51

Contra Hermes da Fonseca

Mil novecentos e dez

Candidatou-se gritando

Contra atitudes cruéis

Na Campanha Civilista

Contrária ao militarista

Regime dos coronéis.

52

Ainda participou

De mais de uma eleição

Levando a campanha às ruas

Dando início na nação

Às campanhas democráticas

Chamando em frases enfáticas

O próprio povo à ação!

53

Em 18 recebeu

Uma agradável surpresa

Grande Oficial de Honra

De uma legião francesa

Mostrando um prestígio grande

E aí seu nome se expande

Pelo mundo com certeza!

54

Continuou escrevendo

Com sua verve eloquente,

No Senado fez trincheira

Mostrando ser combatente

Pela causa que lhe move...

Foi, de novo em dezenove,

Candidato a presidente!

55

Mas no ano 21

Demonstrou grande canseira

Renunciou ao mandato

De senador de primeira

Declarando estar cansado

E “o coração enjoado

Da política brasileira”!

56

Rejeitou ser chefe de

Grande Congresso em Paris.

De, na Liga das Nações,

Representar o País.

E no Tribunal de Haia

Como farol e atalaia,

Ser delegado e juiz!

57

Por tudo quanto ele fez,

Pela grande sapiência,

Por seu saber filosófico,

Saber jurídico e Ciência

Política, História e Gramática,

Seu nome virou, na prática,

Sinônimo de inteligência!

58

Na TV e no cinema

Foi personagem famoso

Foi retratado no filme

“Vendaval maravilhoso”

Brilhou em “Mad Maria”,

Minissérie que trazia

Um Brasil conflituoso.

59

E no “Brasília 18

Por cento”, filme recente

Rui aparece também

Trazendo exemplos pra gente

E há vinte anos passados

Na nota de dez cruzados

Seu rosto surge de frente.

60

Seu nome é nome de ruas,

De praça e Grupo Escolar,

De colégios e farmácias,

De cidade potiguar,

É nome de quase tudo

Só não vi em meu estudo

Seu nome em nome de bar.

16

61

A “Casa de Rui Barbosa”

Preserva sua memória;

“Instituto Rui Barbosa”

É relicário da História

Deste gênio brasileiro.

Baiano bravo, altaneiro

Que encheu o Brasil de glória!

62

Na grande guerra de ideias,

Na lei da fala macia,

Na batalha de argumentos,

Atuou com maestria...

Sem ser profissional

Foi “Pai intelectual

Da nossa diplomacia!!!”

63

Os princípios defendidos,

Suas argumentações,

As leis por ele propostas,

Seus motivos e razões

Pra os países serem iguais

São as colunas centrais

Do Concerto das Nações.

64

Se um dia Brasil reler

Suas imensas verdades

Se pautando pela ética

Respeitando as liberdades

Quando todos formos “Rui”

O nosso Brasil não rui

Nem triunfam nulidades!


Literatura de Cordel quarta, 23 de maio de 2018

GILBERTO AMADO (FOLHETO DE CRISPINIANO NETO)

 

GILBERTO AMADO

Crispiniano Neto

 

01

Quero que as musas me inspirem

Na arte de cordelista,

Para descrever a história

De um político e jornalista,

Professor e diplomata,

Bom poeta e romancista!

02

Falo de Gilberto Amado,

Um sergipano da gema

Que brilhou no mundo inteiro

Tendo o saber como lema;

Foi um campeão na prosa;

Foi bem melhor no poema!

03

Era Gilberto de Lima

Azevedo Souza Ferreira

Mais Amado de Farias,

Diplomata de primeira

Que se foi grande no nome

Foi bem maior na carreira.

04

Nasceu em 07 de maio,

No ano de oitenta e sete,

O século era dezenove

E morreu em 27

De agosto de meia nove

Conforme deu na manchete.

2

05

Na cidade de Estância

Lá no solo sergipano

No extremo sul do Estado

Perto do solo baiano

Gilberto Amado nasceu

Pra de Deus cumprir um plano.

06

Foi primeiro dos quatorze

Filhos de um casal decente:

Melchisedech e Ana,

Exemplo de boa gente,

Que logo que viu que o menino

Era vivo e inteligente.

07

Fez os estudos primários

Numa cidade vizinha

Por nome de Itaporanga,

Onde boa escola tinha;

Depois seguiu pra Bahia

Pra seguir na mesma linha.

08

Ali estudou Farmácia,

Mas viu que não tinha jeito

Para pipeta e proveta,

Reação, causa e efeito...

Partiu para Pernambuco

Onde foi cursar Direito.

09

Mesmo ainda como aluno

Já mostrou muito sucesso

Chegou a ir pra São Paulo

Representar, num Congresso,

Os seus colegas de curso

Que nele viram progresso.

10

Seu discurso progressista,

Sua mente especial,

Sua sensibilidade,

Seu currículo magistral

Tornaram-lhe catedrático

Para o Direito Penal.

11

Logo ao terminar o curso

Que concluiu com louvor,

Aplaudido por colegas

Bem visto pelo reitor,

Mudou direto de lado

De aluno pra professor.

12

Foi um professor brilhante,

Pois da matéria sabia.

Também sacava de História,

De Arte e Filosofia

Era um mestre em transmitir,

Bamba na Pedagogia!

4

13

E então como professor

Não ficou no trivial

Expandiu os seus saberes

Do modo mais genial,

Se transformando de fato

Num intelectual!

14

E já no ano de 10

Foi pra o Rio de Janeiro.

Para o Jornal do Comércio

Fez seu trabalho primeiro

Falando em Luís Delfino,

Victor Hugo brasileiro.

15

Se bem que ele já tinha

Começado em Pernambuco

Aonde escutou o último

Dos discursos de Nabuco

E trouxe para seu texto

Da cana o doce do suco.

16

Em 05 já escrevia

A secção "Golpe de Vista",

Em torno à obra de Nietsche

Provou ser bom polemista.

Escreveu artigo e ensaio

E provou ser bom cronista.

17

Para o "Jornal do Comércio"

No Rio escreveu primeiro

Para o "Mundo Literário"

"O País", "Época", "O Cruzeiro"

E em jornais de São Paulo

Também mostrou seu roteiro.

18

N'O Estado de São Paulo'

Foi lido em todo o Brasil,

N'O Correio Paulistano'

Pôs seu texto varonil

E ás vezes até usava

O pseudônimo Áureo ou Gil.

19

Mil, novecentos e doze,

À Europa viajou

Viu de perto a Belle Époque,

Com grandes crânios sentou.

Nas fontes do Modernismo

Bebeu, comeu e saldou.

20

Em 13 chegou de volta,

E pra mostrar sapiência

Foi ao Jornal do Comércio

Pronunciou conferência

Que mostrou sua grandeza,

Seu talento e inteligência.

6

21

Depois publicou em livro

Tudo quanto relatou:

"A Chave de Salomão"

Logo em 13 publicou

E ainda "Outros Escritos"

Ao seu livro acrescentou;

22

Em 15 ele foi de volta

Para o seu torrão natal

Candidatou-se, elegeu-se

Deputado federal,

Projetou-se no cenário

Da política nacional.

23

Na câmara, belos discursos

Cresceram seu cabedal,

Falou de instituições

Da política federal

E descreveu, do Brasil,

Nosso Meio Social.

24

E por ter se consagrado

Parlamentar de respeito,

No ano de 17

Conseguiu ser reeleito.

Vinte e um e Vinte e quatro,

Ganhou sempre em todo pleito.

25

Em 26 deu um tempo

Na política radical

Pra ser diretor da Caixa

Econômica Federal

E em 27 elegeu-se

Pra o Senado Nacional.

26

Já como parlamentar

Entrou no mundo que quis;

Falando de relações

Externas deste País

E indo a reuniões

Em Berlim, Roma e Paris!

27

Chegando a República Nova

Encetou nova conquista,

Deu um tempo na política

Foi chamado a ser jurista,

Deu cursos, formulou leis

Tendo visão de estadista.

28

No ano de 34

Chegou onde mais queria

Para o Itamaraty

Foi prestar consultoria

E entrou de vez no seu mundo

Feliz da Diplomacia.

8

29

Sucedeu a Bevilacqua

Que foi um grande causídico

E assim, da Política externa,

Tornou-se assessor jurídico

Mostrando que seu talento

Era completo e verídico.

30

Evoluiu muito rápido

Pois do lugar de assessor

Em 36 assumiu

O cargo de embaixador

Onde mostrou seu talento

Pra ser negociador.

31

Do ano de 39

Ao ano 47

Foi ministro na Finlândia

Fazendo o que lhe compete

E o mesmo êxito de sempre

Na Finlândia se repete.

32

E logo em 48

Ele sentou-se no trono

Da carreira diplomática...

De uma cadeira foi dono

Na Comissão de Direito

Internacional da ONU.

33

Já que Genebra era a sede

Desta nobre comissão

Foi residir na Suíça,

Deu grande contribuição

Ao Direito entre os países

Com muita publicação.

34

Não perdeu uma sessão

Da Assembleia Geral

Da ONU, em Nova Iorque,

Desde aquela inicial,

Até a última em que pôde

Botar seus pés no local.

35

Somente em 68

Parou de comparecer

E o seu saber jurídico

Nunca deixou de exercer.

Direito Internacional

Passou a vida a escrever.

36

Os "Direitos e Deveres

Dos Estados", foi legal,

"Definição de Agressão"

E até "Processo Arbitral",

"Reservas às Convenções..."

Da lei multilateral.

10

37

Foi embaixador no Chile

E na Itália também,

Cumpriu missão na Argentina

Lá se saiu muito bem

E em leis internacionais

Nunca perdeu pra ninguém.

38

Presidiu a Comissão

"Diplomacia e Tratados",

Os seus pareceres técnicos

Foram os mais abalizados

E mesmo depois de décadas

Ainda são consultados.

39

Do Barão do Rio Branco

Ele herdou o pacifismo.

Herdou de Bolívar, o sonho

De Pátria Grande e heroísmo

Pra consolidar as bases

Do Pan-americanismo.

40

Forjou todo o ideário

Da Pátria América Latina

Desde as ilhas caribenhas

À extremidade sulina

Cuba, Guianas, Peru,

Brasil, Chile e Argentina.

41

América de Zé Martí,

De Atahualpa e Guevara,

De Sandino e Tiradentes

De Zumbi, de Victor Jara,

De Farabundo e Allende

Sem águia que nos separa!

42

Um pan-americanismo

Com fronteiras sem alertas

Com o portunhol congregando

Tantas culturas libertas

Sem Batman e Drácula sugando

As nossas veias abertas!!!

43

No pós-guerra ele assumiu

Elevadíssimas missões;

Demonstrou grande prestígio

Logo em duas comissões

E foi delegado na

Conferência das Nações.

44

Essa grande conferência

Foi feita pra se estudar

Qual o poder das nações

Sobre o Direito do Mar

E foi aí que Gilberto

Conseguiu mesmo brilhar.

12

45

Defendia que o direito

Do Estado nacional

Sobre o mar devia ser

Não somente horizontal

Mas também devia ter

Um sentido vertical!

46

O Mar territorial

E também o Alto Mar;

Direito a pesca e minérios

À defesa, ao navegar,

Também aos fundos marinhos

E aos céus do mar pra voar!

47

Amado sempre dizia

Que neste embate tão duro

Entre o academicismo

E o direito prático e puro

Tinha que ver-se o interesse

Das nações e seu futuro!

48

Mas defendia também

Que interesses e ambições

Dos estados não turvassem

As modernas intenções

De forjar civilidade

Pra o futuro das nações!

49

Normalmente os diplomatas

Com décadas no estrangeiro

Acabavam se esquecendo

Do jeitinho brasileiro

De ser feliz, ser alegre,

Espontâneo e inzoneiro.

50

Mas Gilberto Amado, não.

Sempre voltava ao País,

Por aqui lançava livros,

Brincava e pedia bis

Sem jamais perder a ginga...

Sem medo de ser feliz!

51

Transformou-se em grande mito

Com mil estórias contadas

Das anedotas, das lendas,

Das ações inusitadas,

Dos ditos espirituosos,

Das saborosas tiradas!

52

Sempre que vinha ao Brasil

Um novo livro lançava;

Sua fama merecida

Crescia e multiplicava

Mas suas lendas e o mito

Cada vez mais se firmava.

14

53

Foi bom na prosa e no verso,

No romance e na memória,

Na crônica se destacou,

No ensaio alcançou glória

E em tudo quanto escreveu

Pôs sentimento e história!

54

Como escritor produziu

"A Chave de Salomão",

"Grão de Areia" e "Dias

E "Horas de Vibração",

"Espírito do nosso tempo",

Também "Suave Ascenção",

55

"Inocentes e Culpados"

"Interesses da companhia",

Sobre "Assis Chateaubriand"

Escreveu com maestria

Na "Dança sobre o Abismo",

Memórias e Poesia.

56

Na redação do Direito

Teve visão analítica

Descreveu muitas minúcias

Do vendaval da política

E em tudo que produziu

Pôs a visão lírica e crítica!

57

Maledicência, entreveros,

Valentões pernambucanos,

Amores, paixões platônicas,

O atraso daqueles anos,

Os sonhos da juventude

E o poder dos veteranos.

58

Foi quem melhor descreveu

A capital nordestina

Do que sobrou das senzalas

Da Casa Grande assassina,

Dos homens e caranguejos...

Vida e morte Severina.

59

Foi Gilberto um homem manso,

Mas também foi agitado.

Nunca levou desaforo

Pra dentro do lar sagrado,

Por isso é que ele foi tanto

Amado quanto odiado!

60

No acordo, um lorde inglês,

No agito era um Nabuco;

Às vezes, filósofo sóbrio;

Por vezes, gênio maluco;

Exímio, esgrimindo ideias;

Fatal, usando um trabuco!

16

61

Esse era Gilberto Amado,

Dono de todos conceitos;

Se foi bom na fala mansa

Foi melhor metendo os peitos...

Um ser humano completo

Em qualidade e defeitos!

62

Seu nome ficou marcado

Na nossa diplomacia,

Nosso país deve muito

À sua categoria

E à competência mostrada

Em tudo quanto fazia!

63

Foi amigo dos amigos;

Brasil foi sua paixão;

Amado amou a si próprio

Bem mais amou à nação,

Irmão da América Latina,

Pai de um mundo mais irmão

64

Que a memória de Amado

Nosso Brasil possa amar;

Que Gilberto esteja perto

Do Brasil que vai chegar;

Que os jovens possam seguir

Sua carreira exemplar!!!

 


Literatura de Cordel quarta, 16 de maio de 2018

BARÃO DO RIO BRANCO (FOLHETO DE CRISPINIANO NETO)

 

BARÃO DO RIO BRANCO

Crispiniano Neto

 

 

01

Peço inspiração poética

Às musas do mundo inteiro

Para falar de um grande

Diplomata brasileiro,

Bamba da Geografia

Que foi da diplomacia

Brasileira, o pioneiro!

02

Seu valor excede em muito

Mina, terra, indústria e banco:

José Maria da Silva

Paranhos Júnior, homem franco

Que brincou, lutou e amou

E a História o transformou

Em Barão do Rio Branco!

03

O Barão foi desses homens

Que a Natureza compôs,

Mas depois quebrou a fôrma

E o projeto não expôs...

Foi um daqueles gigantes

Que igual não houve antes;

Maior não terá depois.

04

O barão foi nosso craque

No gramado diplomático,

Foi o papa do acordo,

Foi estrategista e tático,

Negociador histórico,

Um pragmático teórico

Com um genial senso prático!

05

Nasceu no Rio de Janeiro

Quarenta e cinco era o ano;

O século era o dezenove

Vinte de abril, sem engano,

O seu pai era o Visconde,

Outro nome que responde

Como grande veterano!

06

Visconde do Rio Branco,

José Paranhos, seu pai

Foi Ministro da Marinha,

Diplomata no Uruguai,

Primeiro ministro honrado,

Diplomata e magistrado

Para a paz com o Paraguai!

07

Seu pai também demonstrou

Ser da História, um dos bravos,

Com a Lei do Ventre Livre

Que promulgou contra os travos

Da escravidão infeliz.

Depois dele, no País...

Não nasciam mais escravos!

08

Sua mãe era Tereza,

De Figueiredo Faria

Mulher de grande estatura,

Que com luz lhe educaria

Pra que ele pudesse ser

Um dos bambas do poder

Que por certo exerceria!

09

Assim cresceu o menino

Sob os cuidados dos pais

Fez no Dom Pedro Segundo,

Estudos colegiais

E prosseguiu no estudo

Procurando saber tudo

E lendo pra saber mais!

10

Teve uma infância feliz

Tendo oito irmãos ao lado,

Brincando em praias e parques

E em clube conceituado,

Bibliotecas e templos

Sempre seguindo os exemplos

Do pai, Visconde afamado!

11

O Barão, na juventude,

Ganhou fama de boêmio

Era um típico carioca

Que amava o bar e o grêmio

Mesmo com todo o respeito

Um rasgo de preconceito

Ele ganhou como “prêmio”

12

Porém não se descuidava

De aprender com o pai.

Nas lições sobre o Brasil

Bem cedo se sobressai

E ajuda o velho Visconde

Que nos acordos responde

Pela paz com o Paraguai.

13

Por estes tempos partiu

Para em São Paulo estudar

No Largo de São Francisco

Fez o seu vestibular

Mostrando o próprio cacife

E depois foi pra Recife

Pra enfim se bacharelar!

14

Nestes tempos começou

Uma carreira exemplar

De escritor e jornalista

Passando a biografar

O Comandante feliz

Do Navio Imperatriz,

Na “Revista Popular”.

15

Prosseguindo na imprensa

Logo ao desenho se lança.

Na Revista “Ilustração”

Que circulava na França

Fez um relato fiel

Ao descrever a cruel

Guerra da Tríplice Aliança.

16

Depois que voltou formado

Foi ensinar muito cedo,

Corografia e História

Das quais sabia o segredo...

Colégio Pedro Segundo.

Lá, sucedeu ao profundo

Joaquim Manuel de Macedo.

17

Deixou logo o magistério

Partiu pra o interior

Foi exercer o Direito

Demonstrando seu valor

Pra Nova Friburgo ia

Exercer com maestria

O cargo de Promotor!

18

Mas não se sentia bem

Distante da capital.

O pai usou do prestígio

E num pleito eleitoral

Conseguiu fazer do moço

Pelo Estado Mato Grosso,

Deputado federal.

19

No jornalismo seguiu

Demonstrando vocação

Além de escrever artigos

De grande repercussão,

Por conquistar o leitor,

Transformou-se em Redator

Do Periódico “A Nação”.

20

Porém, nem tudo eram flores

Na vida de Rio Branco,

Devido ao jeitão largado

Boêmio, liberto e franco,

Melindrou dogmas e teses

E sofreu alguns revezes

Topando tranco e barranco.

21

A filha de um figurão

Por ele se apaixonou.

Com ele quis se casar

Mas ele não aceitou.

Enfrentou muita dureza

Porque fora da nobreza

Seu coração se entregou!

22

Apaixonou-se por uma

Bailarina de beleza.

“Marrí Filomêne Stêvens”,

Contrariando a nobreza.

Deixou a nobre na mão

E entregou o coração

Pra belga com mais firmeza!

23

E como se não bastasse

Desagradar a elite,

Inda fez mais uma coisa

Que a época não admite.

A paquera engravidou

E o escândalo se instalou

Rompendo todo limite!

24

O visconde lhe impôs

Que a bailarina e atriz

Fosse embarcada à Europa

Pra ter o filho em Paris

Por isto o nobre rapaz

Perdeu a pompa e a paz

Vivendo muito infeliz.

25

Na França, “Marrí” chegou,

Logo deu à luz um filho.

Mas o futuro barão

Aqui vivia sem brilho,

Lutou, pediu, padeceu,

Morar no mundo europeu

Era seu único estribilho.

26

Foi assim que conseguiu

Emprego noutro país,

Instalou-se em Liverpool

Como cônsul... Mas se diz

Que tendo oportunidade

Escapava da cidade

Pra ver “Marrí” em Paris.

27

Nasceram mais quatro filhos

Desta paixão forte e pura.

Durante esta fase opaca

Ao nosso Brasil procura

Estudar profundamente

E vai penetrando habilmente

Nos bons círculos de cultura.

28

Até que em 83

Surge de forma sutil

Uma oportunidade

De mostrar seu varonil

Talento, saber e astúcia

Quando é mandado pra Rússia

Representando o Brasil.

29

Ali provou que era o homem

Certo no lugar certeiro.

Pois ao final da missão,

Da vida mudou o roteiro,

Abrindo um novo capítulo

Tendo recebido o título

De ilustre Conselheiro.

30

Um câncer roubou-lhe o pai

Lhe causando comoção.

Mas um novo mundo abriu-se

Surgindo mais promoção

E no ano da Lei Áurea

Recebeu mais uma láurea

Se transformando em Barão.

31

Foi ministro na Alemanha

No ano mil novecentos;

O seu nome foi crescendo

Apesar dos novos ventos

Da recém-vinda república

Sua ilustre vida pública

Conheceu novos momentos!

32

Mesmo sendo um monarquista

Fiel ao imperador,

Ideologicamente

Tido por conservador

Não teve cortados planos

Porque os republicanos

Entenderam seu valor!

33

Começou logo a assumir

Delicadíssimos serviços

Diplomáticos da República,

Em casos claros e omissos

Foi mostrando competências

Pra resolver as pendências

Dos conflitos fronteiriços.

34

Primeiro, A Questão de Palmas,

Um conflito com Argentina

Que pretendia tomar

Meia Santa Catarina

E mais meio Paraná

E o Barão trouxe pra cá

Toda esta terra sulina!

35

Para ganhar tanta terra

O competente barão

Provou com mapas e estudos

Que era nossa a região,

Usando, em vez de confetes,

A luz d’Usi Possidets,

De Alexandre de Gusmão!

36

Pelo Usi Possidets

A posse de alguma área

Não se dava por tratado

Feito em linha imaginária

Mas por uso e ocupação,

Investimento e ação

Morada e luta diária.

37

Esta vitória fantástica

Fez com que o Presidente

Que era Rodrigues Alves

O chamasse urgentemente

Pra comandar com valia

A nossa diplomacia

Pois o clima estava quente.

38

Outra vitória maiúscula

Que o barão mostrou firmeza

Foi contra a potente França

Pois da Guiana Francesa

Ganhamos tudo que está

Sendo hoje o Amapá,

Parte da nossa riqueza!

39

Mil novecentos e dois.

Sessenta mil brasileiros

Encontravam-se no Acre,

Como fortes seringueiros.

Eram chãos bolivianos

E ingleses e americanos

Queriam ser seus parceiros.

40

Era um grupo poderoso,

Um sindicato de empresas

Claramente imperialistas,

Americanas e inglesas

Queriam nos dar insônia,

No coração da Amazônia

Enfiando as suas presas!

41

O conflito engrossou tanto

Que o Barão mandar barrar

Os navios dos yanques

De em nosso rio passar

A Bolívia se agitou

Seis mil soldados mandou

Para nos ameaçar.

42

Foi aí que o barão

Que sempre pregou a paz

Achou que aquela ameaça

Estava sendo demais

E também mandou seis mil

Militares do Brasil

Garantirem os seringais!

43

Por fim chegou-se a um acordo,

Um negócio verdadeiro

O Tratado de Petrópolis

Pra o Acre ser brasileiro.

O Brasil também cedeu

E a Bolívia recebeu

Respeito, terra e dinheiro!

44

E definiu as fronteiras

Do Peru com mais clareza;

Noutra negociação

Com a Guiana Francesa

E usando do seu prestígio

Definiu sem ter litígio

Com a Guiana holandesa.

12

45

E assim o nosso Brasil

Fincou marcos e bandeiras

900 mil quilômetros

Quadrados, dessas maneiras

Se encaixaram em nosso mapa

Findando assim a etapa

Das disputas de fronteiras.

46

Graças ao grande Barão

Achamos nossos caminhos

Uma cerca sem arame

Seringueira, aguapés, pinhos

Respeito aos países manos...

Já são cento e trinta anos

Sem guerrear com os vizinhos.

47

Com ele o Brasil ganhou

A atual dimensão,

Esse porte de gigante,

Esse jeitão bonachão

Que ao nosso mapa reveste

Com Norte, Sul, Leste e Oeste

Desenhando um coração!

48

Onze vizinhos amigos,

Nada de expansionismo

A convivência pacífica,

O respeito com altruísmo,

O acerto ao momento certo

E um coração sempre aberto

Ao pan-americanismo!

49

Ao chegar ao ministério

Não existia estrutura

Vinte e sete servidores

Sem maior envergadura

Verbas em pouca quantia

E uma diplomacia.

Tateando em fase escura!

50

O Brasil que foi herdado

Pela Era do barão

Era pobre, endividado,

Voltado à exportação

Se ter um mercado interno,

Tendo por marcas do inferno

Latifúndio e escravidão.

51

Oitenta e quatro por cento

Do povo era analfabeto,

Revoltas por toda parte,

País injusto, incompleto,

Resíduos coloniais

Império frágil, sem paz

E a República sem projeto!

52

Ele, com força titânica

Se impôs pela consistência.

Fez do Itamaraty,

Reduto de inteligência,

Grande espaço cultural

Competente e triunfal...

Um centro de excelência.

53

Rio Branco cresceu tanto

Em respeito e inteligência,

Em talento e honestidade,

Em vitórias e em decência

Que seu nome foi lembrado

Para ser candidatado

Ao cargo da presidência.

54

Mesmo com a vitória certa

Ele não quis aceitar.

Preferiu ser chanceler

E a luta continuar

Tendo credibilidade

E a quase unanimidade

Com poucos a criticar.

55

Foi de quatro presidentes

Ministro do Exterior:

Rodrigues Alves e Afonso

Pena, viram seu valor,

Com Fonseca e com Peçanha;

Tornou toda questão ganha

Fez o Brasil vencedor!

56

Entre os intelectuais

Conquistou muitos amigos;

Para o Jornal do Brasil

Escreveu muitos artigos.

Foram tamanhos seus brios

Que recebeu elogios

Até de alguns inimigos.

57

Foi membro da Academia

De Letras e do Instituto

Histórico e Geográfico,

Dando seu grande tributo,

Da modernidade a mecha

Pr’um Brasil que tinha a pecha

De caipira e matuto.

58

Foram seus auxiliares

Escritores de mais fama

O grande Euclides da Cunha,

Mestre Domício da Gama,

Bilac, o parnasiano,

Rui Barbosa e Capistrano

De Abreu que a História aclama!

59

Graça Aranha também foi

Um dos seus mais preferidos,

Machado de Assis, o gênio,

Amigo em todos sentidos,

Nabuco, grande orador,

Que foi seu embaixador

Para os Estados Unidos

60

Quando ele se foi, deixou

Um país agigantado

Com as fronteiras definidas

Amigos pra todo lado

E uma cultura de paz

Que fez e que ainda faz

O Brasil mais respeitado!

61

Um Brasil não agressivo

Arauto do pacifismo,

A geopolítica da paz,

Diálogo, acordo e civismo,

Doze nações irmanadas

E as raízes adubadas

Do Pan-americanismo.

62

Hoje o nome do Barão

Destaca-se em toda parte:

Em rios, ruas, cidades,

Moeda, cédula, estandarte,

Livro, filme, distintivo,

Escola e clube esportivo,

Centros de cultura e arte.

63

Morreu aos sessenta e seis

De idade, em alto astral,

Na sala onde trabalhava,

Na véspera do carnaval

Causando assim, de momento

Pelo seu encantamento

Comoção nacional!

64

O BARÃO DO RIO BRANCO

Foi herói, foi líder, guia

Gigante da fala mansa

O PAI DA DIPLOMACIA...

Um exemplo de vitória,

Um construtor da história

Símbolo da cidadania!

 


Literatura de Cordel quarta, 09 de maio de 2018

AFONSO ARINOS (FOLHETO DE CRISPINIANO NETO)

 

AFONSO ARINOS

Crispiniano Neto

 01

Inicialmente peço

Dos Céus auxílios divinos,

A inspiração mais fértil,

Os versos mais genuínos

Para compor um poema

Da Vida de Afonso Arinos.

02

Em Belo Horizonte - Minas

Gerais, do céu cor de anil,

Nasceu dia 27

Do onze, do ano mil

E novecentos e cinco

Para a honra do Brasil.

03

Seu currículo vale mais

Que cheque de qualquer banco.

Afrânio e Sílvia: seus pais,

Nomes que não deixo em branco.

Seu nome completo: Afonso

Arinos de Melo Franco.

04

Neto de Cesário Alvim,

Um destaque da nação;

Sobrinho de Afonso Arinos,

Autor de "Pelo Sertão",

De Virgílio Alvim de Melo

Era exatamente irmão.

05

Para não viver sozinho

Pensou numa companheira.

Ao encontrá-la aceitou

Como esposa verdadeira

Dona Ana Guilhermina

Rodrigues Alves Pereira

06

Mulher de família ilustre

De certa forma influente

Da história da política,

Um ramal sobrevivente.

Neta de Rodrigues Alves

Do Brasil, ex-presidente.

07

Fez formação humanística

No colégio Anglo-mineiro.

E no Dom Pedro II,

Já no Rio de Janeiro

Engrandecendo o currículo

Desse ilustre brasileiro.

08

Ao se transferir pra o Rio

Nos estudos se esmera

Escreve literatura

E sua paixão reitera

Colabora com a revista

"Estudantil Primavera".

09

Teve a força de vontade

Como principal critério.

Permaneceu por dez anos

Levando o estudo a sério,

Sendo exímio professor

E servindo ao magistério.

10

Se forma na Faculdade

Nacional de Direito,

Que no Rio de Janeiro

Goza de grande conceito.

Depois em Belo Horizonte

Foi promotor de respeito.

11

Formado aos vinte e dois anos

Faz do Direito um valor

Torna-se, além de jurista,

Político, historiador,

Grande crítico brasileiro,

Ensaísta e professor.

12

Para Genebra - Suíça,

Entendeu de viajar

Com o fim de seus estudos

Ali aperfeiçoar

Voltando ao Rio de Janeiro,

Passou a lecionar.

13

Professor no exterior

Em mais de uma disciplina,

Ministrou curso de História

Em Paris, cidade fina,

Montevidéu-Uruguai

E na capital argentina.

14

Em pleno Mil novecentos

E quarenta e seis, ingressa

No Instituto Rio Branco

Que um bom momento atravessa

Como professor de História

A sua história começa.

15

Foi catedrático em Direito,

Cito: Constitucional,

Ante as Universidades

Federal e Estadual

Ambas no Rio do Janeiro

Onde foi gênio imortal.

16

No ano quarenta e sete

Quarenta dois anos faz.

Em prol da democracia

Começa em Minas Gerais

Sua carreira política

Vitoriosa demais.

17

Contra a discriminação

Criou a base legal,

Foi por três legislaturas

Deputado federal

E líder da União

Democrática Nacional.

18

O preconceito de cor

Que tanto humilha e oprime

A partir de sua lei

É considerado crime.

A dignidade negra

Sua mão sábia redime!!!

19

No partido do governo

Trabalhou em união

Depois passou a ser líder

De um bloco de oposição

Ao governo JK,

Presidente da nação.

20

Dois fatos principalmente

Que até hoje são lembrados

Marcaram sua presença

Na Câmara dos Deputados

E graças a ele foram

Os projetos aprovados.

21

Como foi citada a lei

Contra a discriminação

Racial, que àquela época

Já provocava exclusão

Hoje existe, mas é menos

Dado à sua aprovação.

22

A lei: Um, três, nove, zero

De projetos genuínos

Que combatia, mormente,

Os preconceitos ferinos

Passou a ser conhecida

Como "Lei Afonso Arinos".

23

No ano cinquenta e quatro

No dia nove de agosto

Pediu em discurso a Vargas

Que renunciasse ao posto.

Seu gosto Vargas não fez

Mas teve um grande desgosto.

24

E quinze dias depois

Dessa frase proferida

Talvez se vendo acuado

Não achando outra saída

No Palácio do Catete

Getúlio se suicida.

25

Em 58, Arinos,

Nossa figura central,

Foi eleito senador

No Distrito Federal

Que logo virou Estado,

Rio de Janeiro atual.

26

Foi Senador pelo Rio,

O único dos Senadores

Que no governo de Jânio

Teve importantes labores

Quando foi ministro das

Relações Exteriores.

27

E até 66

Permaneceu no Senado

Durante esse tempo foi

Duas vezes afastado

Pra ser, pelo presidente,

Novamente nomeado.

28

O primeiro chanceler

Brasileiro que fez plano

E foi visitar a África

Em sessenta e um, o ano,

Pra conhecer e sentir

A dor do povo africano.

29

Chefia a Delegação

Do Brasil perante as

Nações Unidas, durante

As assembleias gerais

E com um ano depois

Volta chefiando mais.

30

Findou chefiando a

Delegação brasileira

À Conferência em Genebra

Onde, na pauta primeira

Estava o desarmamento,

Missão da nossa bandeira.

31

Nomeado presidente

Da citada Comissão

Provisória de Estudos

Para a elaboração

Do que se tornou decreto

Para a Constituição.

32

Por Sarney foi convidado

Como um dos homens finos

Assume uma comissão

Pra guiar nossos destinos

Que se tornou em seguida

Comissão Afonso Arinos.

33

Nunca deixou de fazer

O bem pra nossa nação

Foi dos Direitos Humanos,

Na sua declaração

O redator que fez tudo

Sem errar na redação

34

Pra o Conselho Federal

Sua pessoa compete

Foi por mérito nomeado

No ano sessenta e sete

Depois em setenta e três

Essa função se repete.

35

Foi do Instituto dos

Advogados, primeiro

Um membro de qualidade

Efetivo e verdadeiro

Também do Instituto Histórico

Geográfico Brasileiro.

36

E aos 81 anos

Em completa lucidez,

É eleito senador

No ano de 86

Depois o povo mineiro

O leva ao cargo outra vez.

37

Títulos: Professor Emérito,

Podemos citar primeiro,

Duas universidades

Deste país brasileiro

Da UFRJ

E a do Rio de Janeiro

38

Intelectual do ano

Setenta e três, sem favores

Ganha o prêmio "Juca Pato"

Que confirma seus valores

Perante a Sociedade

Paulista de Escritores.

39

Além de conquistar títulos

Famosos por mais de um fato

Conquistou três grandes prêmios

Provando ser literato:

"Luísa Cláudio de Sousa",

"Jabuti" e "Juca Pato".

40

O prêmio "Luísa Cláudio

De Sousa", ele assim ganhou

Do PEN Clube do Brasil

Isto por que publicou

"Rodrigues Alves", um livro

Que o Brasil todo comprou.

41

Vem o prêmio "Jabuti"

Mais uma satisfação

Ganho na Câmara do Livro

Mas em dupla ocasião

Dos volumes de memória,

Em sua publicação.

42

No ano 58

Toma posse da cadeira

25 que seria

Ilustrada a vida inteira

Recebido pelo grande

Poeta Manoel Bandeira.

43

Na ABL depois

Seu percurso se estende

Recebe Antonio Houaiss

E a mesma homenagem rende:

Guimarães Rosa, Oscar Dias

E a Otto Lara Rezende.

44

Como Senador preside

Da forma mais natural

Duas Comissões que o tornam

Expressão nacional

CRE, CCJ

No Senado Federal.

45

Autor de inúmeras obras

Para aumentar sua glória

Em História e em Direito,

Em Política e em Memória,

Para citar quatro temas

Vou começar por História.

46

Com destaque para estas

Publicações de beleza

Tal "O Índio Brasileiro",

A "Revolução Francesa",

"As Origens brasileiras",

Bondade da natureza.

47

Em "Um Soldado do Reino

E do Império" falado;

Nesta obra ele relata

O verdadeiro legado

Com base na vida do

Herói Marechal Callado.

48

Fez a "História do Povo

Brasileiro", a mais honrosa

Com a colaboração

De uma dupla famosa

O grande Antonio Houaiss

E Francisco Assis Barbosa.

49

"Estadista da República"

Do seu pai dando o perfil

Com a "História do Banco

Do Brasil" é nota mil

E a "Síntese da História

Econômica do Brasil"

50

Compondo três obras mais

Dando o esclarecimento

Sobre as ideias políticas

Exploradas no momento

Do Brasil, homens e temas

E o desenvolvimento.

51

Afonso Arinos portava

As melhores referências

Direito, História, Política,

Pesquisas sobre ciências,

Trabalhos Parlamentares,

Discursos e Conferências.

52

Em Direito, dou destaque,

Como grandes críticos dão,

Para "As leis Complementares"

Da nossa Constituição

Fazendo comparações

Com as de outra nação.

53

Na política ele escreveu

Sobre Nacionalismo,

De problemas brasileiros

E Presidencialismo,

Sobre civilização,

Crise e Parlamentarismo.

54

Faz em Críticas e Memórias:

"Postulando" ninguém toma

Como "O Som do Outro Sino"

"Mar de Sargaços", que soma

"Planalto", "Alto-Mar Maralto"

"Escalada" e "Amor a Roma".

55

Assim foi Afonso Arinos

Um gigante do saber;

Bamba da diplomacia

Fez nosso Brasil crescer;

Foi bom na oposição

E bem melhor no poder!

56

Intelectual cheio

De particularidades

Ímpar por estilo próprio

Múltiplo nas atividades

Raro porque foram poucos

Com as suas qualidades.

57

Do que poderia ser

Não foi mais e nem foi menos

Foi um político agitado

Um sábio dos mais serenos

Gigante pisando firme

Nos mais diversos terrenos.

58

Afonso Arinos de Melo

Grande desde que nasceu;

Aprendeu para ensinar

A missão que recebeu.

Conseguiu ficar famoso

Ensinando o que aprendeu.

59

Foi um exemplo de ética,

De grandeza e compostura

Combateu corrupção,

Denunciou a tortura

Forjou a democracia,

Condenou a ditadura!

60

Suas falas pelo mundo

Foram todas gloriosas

Saiu das Minas Gerais

Para as nações poderosas

Mostrando o brilho das mentes

Dos sábios das Alterosas.

61

Ouro, ferro e diamantes

Traçaram dele, os destinos,

Foi honra dos brasileiros

Ilustração dos Arinos,

A estrela mais brilhante

Dos céus belorizontinos.

62

A arte do Aleijadinho,

A luz dos inconfidentes,

A garra dos conjurados,

O sangue de Tiradentes,

Santos Dumont e Drummond

São dele os antecedentes.

63

E em mil e novecentos

E noventa, esse senhor

Ganha o derradeiro pleito,

Sofre a derradeira dor

Em pleno exercício do

Mandato de Senador.

64

Guerreiro de muitas lutas,

Vencedor de toda trama,

Caiu no campo da honra,

Encantou-se em plena cama.

Partiu, mas ficou lembrado,

É como diz o ditado:

"Vai-se o homem, fica a fama".

 


Literatura de Cordel quarta, 02 de maio de 2018

HISTÓRIA DA RAINHA ESTER (FOLHETO DE ARIEVALDO VIANA LIMA)

 

HISTÓRIA DA RAINHA ESTER

Arievaldo Viana Lima

 

 Supremo Ser Incriado

Santo Deus Onipotente

Manda teus raios de luz

Ilumina a minha mente

Para transformar em versos

Uma história comovente

 

Falo da vida de Ester

Que na Bíblia está descrita

Era uma judia virtuosa

E extremamente bonita

Por obra e graça divina

Teve venturosa dita

 

Foi durante o cativeiro

Do grande povo Judeu

Um rei chamado Assuero

Naqueles tempos viveu

E com o nome de Xerxes

Na História apareceu.

 

O rei Assuero tinha

Pelo costume pagão

Um harém com muitas musas

As mais belas da nação

Mas era a rainha Vasti

Dona do seu coração.

 

Porém a rainha Vasti

Caiu no seu desagrado

Pois embora fosse bela

Não cumpriu um seu mandado

Vasti, durante um banquete

Não quis ficar a seu lado.

 

Com isto o Rei Assuero

Bastante se enfureceu

Mandou buscar outras moças

E por fim ele escolheu

Ester, a bela judia

Sobrinha de Mardoqueu.

 

Porque os seus conselheiros

Consideraram uma ofensa

A bela rainha Vasti

Não vir a sua presença

Perdeu a rainha o posto

Foi esta a dura sentença.

 

Ester era flor mais bela

Filha do povo judeu

Porém perdeu os seus pais

Logo depois que nasceu

Foi viver na companhia

De seu tio Mardoqueu.

 

Dentre as mulheres mais belas

Ester foi a escolhida

Pra ser a nova Rainha

Pelo rei foi preferida

Mardoqueu disse à sobrinha:

– Não revele a sua vida!

 

– Pois nosso povo é cativo

E vive na opressão

Talvez o rei não a queira

Vendo a sua condição

É melhor guardar segredo

Sobre seu povo e nação.

 

Não pretendo alongar-me,

Porém vos digo o que sei:

Mardoqueu era versado

Na Ciência e na Lei

Trabalhava no palácio

Era empregado do rei.

 

Mardoqueu um dia soube

Que dois guardas do portão

Tramavam secretamente

Perversa conspiração

Eram Bagatã e Tares

Homens de mau coração.

 

Tramavam matar o rei

E Mardoqueu descobriu

A conversa dos dois homens

Ele sem querer ouviu

Foi avisar a Ester

E ela ao rei preveniu.

 

Assuero indignado

Com esta conspiração

Mandou ligeiro prender

Os dois guardas do portão

Eles descobriram tudo

Quando os pôs em confissão

 

Os dois guardas receberam

Um castigo exemplar

Provada a sua traição

O rei os manda enforcar

Depois mandou os escribas

Em seus anais registrar.

 

Mardoqueu perante o rei

Subiu muito de conceito

Deu-lhe o rei um alto posto

Por ser honrado e direito

Por isso era invejado

Por Aman, um mau sujeito.

 

Este Aman de quem vos falo

Era o Primeiro-Ministro

Um dos homens mais perversos

De quem se teve registro

Tramava contra os judeus

Um plano mau e sinistro.

 

Por força de um decreto

Queria que o povo inteiro

Se ajoelhasse a seus pés

Sendo ele um embusteiro

Queria ser adorado

Igual ao Deus Verdadeiro.

 

Isso era um grande martírio

Para a raça dos judeus

Porque só dobram os joelhos

Em adoração a Deus

Fato que desperta a ira

Dos pagãos e dos ateus.

 

O Ministro indignou-se

Com todo o povo judeu

Porque não obedeciam

Àquele decreto seu

Pensava em aniquilar

A raça de Mardoqueu.

 

Mandou baixar um Edito

Marcando a hora e o dia

Para o povo ajoelhar-se

Porém Aman não sabia

Que a bela rainha Ester

Era uma princesa judia.

 

Mardoqueu leu o decreto

Gelou de medo e pavor

Comunicou a Ester

Que Aman, em seu furor

Queria exterminar

A raça do Redentor.

 

– Querida Ester, disse ele

Venho triste lhe contar

Que o Primeiro Ministro

Jura por Marduk e Isthar

Que o nosso povo judeu

Decidiu eliminar.

 

– Esse Decreto já foi

Pelo rei sancionado

Armou para nós a forca

O dia já está marcado

Matará todo judeu

Que não vir ajoelhado.

 

– Meu tio, responde Ester

Eu nada posso evitar

Pois quem se apresenta ao rei

Sem ele próprio chamar

Por um decreto real

Manda na hora enforcar.

 

Deixemos aqui Ester

Lamentando pesarosa

Vamos tratar de Aman

Criatura orgulhosa

E saber o que tramava

Essa cobra venenosa.

 

Disse ele a Assuero:

– Há um povo no reinado

Que tem um costume estranho

Não cumpre nenhum mandado

Que fira algum mandamento

Por seu Deus determinado.

 

– Constitui um mau exemplo

Para outros povos e assim

Considero que este povo

Viver conosco é ruim

Eu quero a tua licença

Porque quero dar-lhes fim.

 

Lavrou-se então o decreto

Do extermínio judeu

Aman pegou uma cópia

E em praça pública leu

Somente por ter inveja

Da glória de Mardoqueu.

 

Naquela noite Assuero

Não podendo dormir mais

Mandou chamar seus escribas

Para lerem os editais

Entre estes documentos

Encontravam-se os Anais.

 

O leitor sabe que o rei

Foi salvo de um atentado

Por dois porteiros teria

Sido ele assassinado

Se não fosse Mardoqueu

Ter o caso desvendado.

 

Pergunta então Assuero

Depois que o escriba leu

Os Anais onde constavam

Os feitos de Mardoqueu:

– Me diga qual foi o prêmio

Que este homem recebeu?

 

– Nenhum prêmio, majestade

Responde o escriba ao rei

Então Assuero disse:

– Agora compensarei

O grande favor prestado,

Gratidão é uma lei!

 

No outro dia Aman

Foi ao Palácio enredar

Quando Assuero o viu

Tratou de lhe perguntar:

– Que deve ser feito ao homem

Que o rei pretende honrar?

 

Pensando que era pra si

Aquela grande honraria

Aman disse: – Majestade

Eis então o que eu faria

Com minhas roupas reais

Este homem eu vestiria

 

Depois o faria montar

Um cavalo ajaezado

Com os arreios de ouro

E o brasão do reinado

Por alguém muito importante

Ele seria puxado.

 

E nas ruas da cidade

O guia deve bradar

Assim o rei Assuero

Manda agora publicar:

– Este é um homem de bem

Que o rei pretende honrar!

 

– Muito bem, diz Assuero

Bonito plano, este seu

Mande selar meu cavalo

Da forma que concebeu

E nele faça montar

Nosso amigo Mardoqueu.

 

Aman ficou constrangido

Mas resolveu perguntar

Qual o homem, majestade

Que o cavalo irá guiar

Disse o rei: – És tu, Aman

Quem o deve anunciar.

 

Aman saiu se mordendo

Foi o cavalo arrear

Depois mandou Mardoqueu

Sobre o mesmo se montar

Mas no íntimo dizia

Em breve irei me vingar.

 

E pelas ruas de Susa

Foi Mardoqueu aclamado

Vestindo as roupas reais

Num bom cavalo montado

E pelo ministro Aman

O ginete era puxado.

 

O leitor deve lembrar

Que Ester, a bela rainha

Já sabia do decreto

E qual a sorte mesquinha

Destinada a seu povo

Porém o medo a detinha.

 

Há dias que ela esperava

Uma oportunidade

Para falar com o rei

Contar-lhe toda a verdade

E, em favor de seu povo

Implorar-lhe a piedade.

 

Mas o tempo ia passando

Como o rei não a chamou

A dura pena de morte

Decidida ela enfrentou

Foi à presença do rei

Lá chegando se curvou.

 

Disse o rei: – Minha querida

A lei não é para ti

Não temas, pois não pretendo

Fazer qualquer mal a si

Diga-me logo o que queres

Porque tu vieste aqui?

 

Disse ela: – Majestade

Viva em paz, a governar

O motivo que me trouxe

É que vim te convidar

Para um singelo banquete

Que pretendo preparar.

 

Este banquete eu vou dar

Na noite de amanhã

Quero apenas que convides

O nosso ministro Aman

Espero que não me faltes

Espero com grande afã.

 

Disse o rei: – Vá sossegada

Por certo, não faltarei

Ao banquete que darás

Como sem falta eu irei

E o Primeiro Ministro

Em breve convidarei.

 

Ester não disse mais nada

Tratou de se retirar

Chamou as suas criadas

Foi depressa preparar

O banquete que em breve

Ela haveria de dar.

 

No outro dia Aman

Pelo rei foi convidado

Porém, como ignorava

O que estava preparado

Compareceu orgulhoso

Bastante lisonjeado.

 

Na presença do ministro

Assuero perguntou

Diz-me agora, ó rainha

Por que razão me chamou?

Então Ester decidida

Por esta forma falou:

 

– Majestade eu tenho a honra

De ser a tua consorte

Porém a mão do destino

Quer turvar a minha sorte

Porque o meu próprio povo

Está condenado à morte!

 

Diz o rei: – Quem concebeu

Este plano tão malvado?

Por que motivo o teu povo

À morte foi condenado?

Disse ela: Foi Aman

Ele é o grande culpado!

 

Pois este homem se julga

Acima do próprio Deus

Quer que todos se ajoelhem

E cumpram os desígnios seus

Por isso ele planeja

Exterminar os judeus.

 

Quando ela disse aquilo

Aman não pôde falar

Tremia ali de pavor

Sem poder se explicar

E o rei indignado

O mandou encarcerar.

 

No outro dia Aman

À morte foi condenado

Na forca que ele havia

Pra Mardoqueu preparado

Por um capricho da sorte

Foi nela própria enforcado.

 


Literatura de Cordel quarta, 25 de abril de 2018

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO CÉU - 2 (FOLHETO DE GUAIPUAN VIEIRA)

 

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO CÉU

Guaipuan Vieira

 

Foi numa Semana Santa

Tava o céu em oração

São Pedro estava na porta

Refazendo anotação

Daqueles santos faltosos

Quando chegou Lampião.

 

Pedro pulou da cadeira

Do susto que recebeu

Puxou as cordas do sino

Bem forte nele bateu

Uma legião de santos

Ao seu lado apareceu.

 

São Jorge chegou na frente

Com sua lança afiada

Lampião baixou os óculos

Vendo aquilo deu risada

Pedro disse: Jorge expulse

Ele da santa morada..

 

E tocou Jorge a corneta

Chamando sua guarnição

Numa corrente de força

Cada santo em oração

Pra que o santo Pai Celeste

Não ouvisse a confusão.

 

 

O pilotão apressado

Ligeiro marcou presença

Pedro disse a Lampião:

Eu lhe peço com licença

Saia já da porta santa

Ou haverá desavença.

 

Lampião lhe respondeu:

Mas que santo é o senhor?

Não aprendeu com Jesus

Excluir ódio e rancor?…

Trago paz nesta missão

Não precisa ter temor.

 

Disse Pedro isso é blasfêmia

É bastante astucioso

Pistoleiro e cangaceiro

Esse povo é impiedoso

Não ganharão o perdão

Do santo Pai Poderoso

 

Inda mais tem sua má fama

Vez por outra comentada

Quando há um julgamento

Duma alma tão penada

Porque fora violenta

Em sua vida é baseada.

 

– Sei que sou um pecador

O meu erro reconheço

Mas eu vivo injustiçado

Um julgamento eu mereço

Pra sanar as injustiças

Que só me causam tropeço.

 

Mas isso não faz sentido

Falou São Pedro irritado

Por uma tribuna livre

Você aqui foi julgado

E o nosso Onipotente

Deu seu caso encerrado.

 

– Como fazem julgamento

Sem o réu estar presente?

Sem ouvir sua defesa?

Isso é muito deprimente

Você Pedro está mentindo

Disso nunca esteve ausente.

 

Sobre o batente da porta

Pedro bateu seu cajado

De raiva deu um suspiro

E falou muito exaltado:

Te excomungo Virgulino

Cangaceiro endiabrado.

 

Houve um grande rebuliço

Naquele exato momento

São Jorge e seus guerreiros

Cada qual mais violento

Gritaram pega o jagunço

Ele aqui não tem talento.

 

Lampião vendo o afronto

Naquela santa morada

Disse: Deus não está sabendo

Do que há na santarada

Bateu mão no velho rifle

Deu pra cima uma rajada.

 

O pipocado de bala

Vomitado pelo cano

Clareou toda a fachada

Do reino do Soberano

A guarnição assombrada

Fez Pedro mudar de plano.

 

Em um quarto bem acústico

Nosso Senhor repousava

O silêncio era profundo

Que nada estranho notava

Sem dúvida o Pai Celeste

Um cansaço demonstrava.

 

Pedro já desesperado

Ligeiro chamou São João

Lhe disse sobressaltado:

Vá chamar Cícero Romão

Pra acalmar seu afilhado

Que só causa confusão.

 

Resmungando bem baixinho

Pra raiva poder conter

Falou para Santo Antônio:

Não posso compreender

Este padre não é santo

O que aqui veio fazer?!

 

Disse Antônio: fale baixo

De José é convidado

Ele aqui ganhou adeptos

Por ser um padre adorado

No Nordeste brasileiro

Onde é “santificado”.

 

Padre Cícero experiente

Recolheu-se ao aposento

Fingindo não saber nada

Um plano traçava atento

Pra salvar seu afilhado

Daquele acontecimento.

 

Logo João bateu na porta

Lhe transmitindo o recado

Cícero disse: vá na frente

Fique despreocupado

Diga a Pedro que se acalme

Isso já será sanado.

 

Alguns minutos o padre

Com uma Bíblia na mão

Ao ver Pedro lhe indagou:

O que há para aflição?

Quem lá fora tenta entrar

E também um ser cristão,

 

São Pedro disse: absurdo

Que terminou de falar

Mas Cícero foi taxativo:

Vim a confusão sanar

Só escute o réu primeiro

Antes de você julgar.

 

Não precisa ele entrar

Nesta sagrada mansão

O receba na guarita

Onde fica a guarnição

Com certeza há muitos anos

Nos busca aproximação.

 

Vou abrir esta exceção

Falou Pedro insatisfeito

O nosso reino sagrado

Merece muito respeito

Virou-se para São Paulo:

Vá buscar este sujeito.

 

Lampião tirou o chapéu

Descalço também ficou

Avistando o seu padrinho

Aos seus pés se ajoelhou

O encontro foi marcante

De emoção Pedro chorou

 

Ao ver Pedro transformado

Levantou-se e foi dizendo:

Sou um homem injustiçado

E por isso estou sofrendo

Circula em torno de mim

Só mesmo o lado ruim

Como herói não estão me vendo.

 

Sou o Capitão Virgulino

Guerrilheiro do sertão

Defendi o nordestino

Da mais terrível aflição

Por culpa duma polícia

Que promovia malícia

Extorquindo o cidadão.

 

Por um cruel fazendeiro

Foi meu pai assassinado

Tomaram dele o dinheiro

De duro serviço honrado

Ao vingar a sua morte

O destino em má sorte

Da “lei” me fez um soldado.

 

Mas o que devo a visita

Pedro fez indagação

Lampião sem bater vista:

Vê padim Ciço Romão

Pra antes do ano novo

Mandar chuva pro meu povo

Você só manda trovão

 

Pedro disse: é malcriado

Nem o diabo lhe aceitou

Saia já seu excomungado

Sua hora já esgotou

Volte lá pro seu Nordeste

Que só o cabra da peste

Com você se acostumou.


Literatura de Cordel quarta, 21 de março de 2018

BIOGRAFIA DE LAMPIÃO (FOLHETO DE SEVERINO CRISTÓVÃO)

 

BIOGRAFIA DE LAMPIÃO

Severino Cristóvão

  

Em Um Oito Nove Sete

Diz a sua certidão

No dia 7 de julho

Foi que nasceu Lampião

Ferreira em Serra Talhada

Chamado Rei do Sertão

 

Por sina ou maldição

Ou mesmo pelo destino

Tentado por um chocalho

Que tocava como sino

Mataram José Ferreira

Ele pai de Virgulino

 

Por causa disso o menino

Matou esse capitão

Da Polícia de Alagoas

Não sei se teve razão

E Virgulino Ferreira

Passou a ser Lamião

 

Lampião e três irmãos

A história assim revela

Reforçaram o banditismo

No sertão de Vila Bela

No lugar em que passavam

Deixavam caixão e vela

 

Lá mesmo em Vila Bela

Atacou de fazer dó

Pois na vida do cangaço

Lampião não era só

No ano de vinte e sete

Ele atacou Mossoró

 

A história de Mossoró

Constante de um arquivo

Conheço deste assunto

Colocando neste livro

Colchete virou defunto

E o jagunço Jararaca

Foi lá enterrado vivo

 

Enterraram ele vivo

No mesmo mês de São João

Vila Bela e Mossoró

Afirmo com perfeição

Ficaram assim na história

Por causa de Lampião

 

O famoso Lampião

Teve a fama dos anéis

Para o Rei dos Bandidos

Ainda dão nota dez

Quem disso isso é o poeta

Lá da terra dos Condés

 

Pra Lampião nota dez

Digo em rimas reais

Que o verdadeiro filho

Pune os ossos do pai

Homem como Lampião

O sertão já não dá mais

 

Quando mataram seu pai

Passou a ser cangaceiro

Na vida do banditismo

Foi o maior bandoleiro

Foi manchete nos jornais

Do Brasil ao estrangeiro

 

O famoso cangaceiro

A começar de menino

Foi ficando machucado

Pelas rodas do destino

Diz que toda culpa foi

Do saudoso Saturnino

 

Traçado como destino

Lampião não era só

Enfrentou quinhentos homens

Na cidade Mossoró

Entre todos os bandidos

Lampião foi o maior

 

Ele atacou Mossoró

E atacou no Pajeú

E mais algumas cidades

Terra do mandacaru

Lampião só respeitou

A nobre Caruaru

 

E lá em Mandacaru

Levado elo destino

Na cidade Água Branca

Lampião tocou o sino

Libertou todos os presos

Prendeu Cabo Severino

 

Porém desse Severino

Ele tomou dois mil-réis

E ao velho Padre Pedro

Lampião deu mais uns dez

Do Cabo Manoel Galdino

Cortou os dedos dos pés

 

Sem os dedos dos seus pés

Ficou lá ele sozinho

Lampião onde passava

Deixava um sinalzinho

Chegando em Tacaratu

Quase mata Arturzinho

 

Nunca estava sozinho

Sempre com a cabroeira

Virgulino era o terror

Lá da terra fazendeira

Mas ele só respeitava

O chefe Senhor Pereira

 

Lampião com a cabroeira

Rastejavam na poeira

Com as Forças Sergipanas

Pelejou sem brincadeira

Nesta luta pois morria

Sem mano Antônio Ferreira

 

Morria Antônio Ferreira

Um desumano vivente

Conduzia um rosário

Só de orelhas de gente

Recebendo em Juazeiro

A patente de Tenente

 

Foi promovido a Tenente

Afirmo com exatidão

E seu irmão Virgulino

Recebeu de Capitão

O Uchôa deu com ordem

Do Padre Cícero Romão

 

De instinto Lampião

Foi um bandido malvado

De R. de Santa Helena

Hoje já aposentado

Lampião matou seu pai

Em outro tempo passado

 

Cesário Gomes, coitado

De bandido era coiteiro

Tinha filho em Ministério

Lá no Rio de Janeiro

Em sua casa dormia

Lampião, o cangaceiro

 

MARIA BONITA

 

Lá na terra fazendeira

Sem qualquer um embaraço

Para José de Neném

Maria deu o fracasso

Fugiu com o Virgulino

Famoso Rei do Cangaço

 

Porém o Rei do Cangaço

Morreu juntinho com ela

Ela era da Bahia

Lampião, de Vila Bela

A Rainha do Cangaço

E o Rei marido dela

 

Ela era a mais bonita

Lá da terra fazendeira

Ela teve uma menina

De Virgulino Ferreira

Criada por seu irmão

O saudoso João Ferreira

 

O Virgulino Ferreira

Renomado Lampião

Sempre foi grande amigo

Do Padre Cícero Romão

Recebeu em Juazeiro

Patente de Capitão

 

O Capitão Lampião

De todos mais afamado

Com seus noventa bandidos

Sujos e esfarrapados

Lutaram em Serrote Preto

Contra Soldados Volantes

Mandados de 3 Estados

 

As Forças de 3 Estados

Praças e Oficiais

Ele com cinquenta homens

Cinquenta leões leais

Enfrentou duzentos e

Noventa e cinco policiais

 

 

O jagunço Pitombeira

Certo dia fez besteira

Violou uma gestante

Com ela fez muita asneira

Lampião fuzilou ele

Debaixo da Quixabeira

 

Fez do bandido a caveira

Porque era justiceiro

E na Furna de Penedo

Afirmo sem exagero

Lá dormia Lampião

Com uns trinta cangaceiros

 

Os cabras de Lampião

Beija-Flor e Tiririca

Ponto Fino e Zé Baiano

O Tetéu e Carrapicho

Luiz Pedro e Vitoriano

Torce-Bola e o Marmaço

E Manoel Pernambucano

 

Ventania e Zé Melão

Inácio e Sabiá

Chá Preto e Mato Redondo

Cobra Verde e Sarará

Gato e Adolfo Meia-Noite

Que fugiu do Ceará

 

Baraúna e Meia-Noite

Volta Redonda e Maçarico

Quinta-Feira e Cravo Roxo

Pilão Deitado, Grão de Bico

Barra Nova e Trovoada

Meia-Noite, fazendeiro rico

 

Pica-Pau, Boa Criança

Jararaca e Come-Cru

Galo Cego e Elétrico

Amoroso e Urubu

E o Poeta Guabiraba

Violeiro em Pajeú

 

Mergulhão e o Peitica

Jaçanã e Oliveira

Euclides e Juriti

Asa Branca e Ribanceira

Livino e Ezequiel

E o Antônio Ferreira

 

Tinha Antônio Ferreira

Maria Bonita e Nedina

Tinha Célia e Cordeiro

Corisco e a Corina

Tinha o Massilon Leite

Praticante em Medicina

 


Literatura de Cordel quarta, 14 de março de 2018

A INTRIGA DO CACHORRO COM O GATO (FOLHETO DE JOSÉ PACHECO)

 

A INTRIGA DO CACHORRO COM O GATO

 A intriga é mãe da raiva

O mau pensamento é pai

Da casa da malquerença

O desmantelo não sai

Enquanto a intriga rende

A revolução não cai.

 

Quando cachorro falava

Gato falava também

Gato tinha uma bodega

Como hoje os homens têm

Onde vendia cachaça

Encostado ao armazém.

 

Com a balança armada

Para comprar cereais

E na bodega vendia

Bacalhau, açúcar e gás

Bolacha, café, manteiga

Miudezas e tudo mais.

 

Quando no tempo de safra

Comprava mercadoria

Chegada no armazém

Que todo bicho trazia

Vou dizer pela metade

Esta grande freguesia.

 

O peru vendia milho

O porco feijão e farinha

Com um cacho de banana

Mais tarde o macaco vinha

Raposa também trazia

Um garajau de galinha.

 

Carneiro passava a noite

Junto com sua irmã

Descaroçando algodão

E quando era de manhã

Para o armazém do gato

Botava sacos de lã.

 

 

Guariba vendia escova

Que fazia do bigode

Urubu vendia goma

Porque tem de lavra e pode

A onça suçuarana

vendia couro de bode.

 

Então todo bicho tinha

No armazém seu contrato

Porém vamos deixar isto

Para tratar de outro fato

Relativo à intriga

Do cachorro com o gato.

 

Rei leão mandou cachorro

Efetuar uma prisão

O cachorro passando

Na venda do gato então

Pediu para beber fiado

E o gato disse: pois não.

 

Subiu na prateleira

Uma garrafa desceu

Um cruzado de cachaça

O cachorro ali bebeu

Botou fumo no cachimbo

Pediu fogo e acendeu.

 

E disse compadre gato

Eu vou prender o preá

Porque carregou a filha

Do coronel cangambá

E mesmo já deve a honra

Da filha do seu guará.

 

E tornou dizer compadre

Bota mais uma bicada

Eu só sei prender valente

Depois da gata esporada

O gato sorriu e disse:

Esta não lhe custa nada.

 

O gato bebeu também

O cachorro repetiu

Botou o copo na banca

Saiu na porta e cuspiu

O gato puxou um lenço

Limpou a barba e tossiu.

 

Embebedaram-se os dois

Garrafas secaram três

Cachorro fez um discurso

Falava em língua inglês

Gato embolava no chão

Também falando francês.

 

A gata mulher do gato

Saiu do quarto veio cá

E disse muito zangada

Vocês dois procedem mal

O gato disse: mulher

Da porta do meio pra lá.

 

O gato ficou deitado

O cachorro foi embora

Ouviram dizer: ô de casa

A gata disse: ô de fora

E quem é respondeu raposa

Sou eu que cheguei agora.

 

Disseram entre comadre

O gato levantou-se

Sentou-se numa cadeira

Esposa também sentou-se

Ele contou à raposa

De que forma embebedou-se.

 

A raposa disse: compadre

Você não pensou direito

Bebendo com o cachorro

Um safado sem respeito

Se seus amigos souberem

O senhor perde o conceito.

 

Beba com os seus amigos

Seu irmão maracajá

O tenente porco-espinho

E o capitão guará

Major porco e doutor burro

E o coronel cangambá.

 

Eu também gosto da troça

Bebo, danço e digo loas

Mas com gente igual a mim

Civilizadas e boas

Que não vou andar com gente

De qualidade à-toa.

 

Só me dou com gente boa

Como compadre urubu

Dona ticaca de souza

E dona surucucu

A professora jiboia

E o meu primo timbu.

 

Você é conceituado

Da roda palaciana

Cachorro vive na rua

Tanto furta como engana

Com o baralho no bolso

Jogando e bebendo cana.

 

E ele compra fiado

Porque quer mas ele tem

Uma mochila de níquel

Que por detrás se vê bem

Pendurada balançando

Porque não paga a ninguém.

 

O gato se pôs em pé

Perguntou admirado

Comadre, isto é verdade?

Ele me deve um cruzado

Eu não dei fé na mochila

Por isto vendi fiado.

 

Porém eu vou atrás dele

Daquele cabra estradeiro

Dou-lhe um bote na mochila

Arranco e tiro o dinheiro

Sendo eu disse a raposa

Passava o granadeiro.

 

O gato se preparou

Amarrou o cinturão

Correu as balas no rifle

Passou lixa no facão

Botou um quarto e bebeu

De aguardente com limão.

 

Chegou lá disse ao cachorro:

É triste o nosso progresso

Você paga o meu cruzado

Ou quer que eu pague um processo

Cachorro afastou o pé

E lhe disse eu não converso.

 

Ali deu um tiro e disse:

É assim que eu despacho

Porém o gato abaixou-se

Passou-lhe o rifle por baixo

Deu-lhe uma balada certa

Que quase derruba o cacho.

 

O cachorro que também

Tem pontaria fiel

Tornou passar a pistola

A bala deu um revel

Cortou-lhe o rabo no tronco

Que descobriu o anel.

 

Depois que trocaram tiros

Divertiram no punhal

Pulava o gato de costas

E dava salto mortal

Cachorro por sua vez

Também traquejava igual.

 

E ali trancou-se o tempo

Na porta do barracão

Da baronesa preguiça

Comadre do rei leão

E ela telegrafou

Pedindo paz na questão.

 

O leão passou depressa

Um telegrama pra trás

Minha comadre alevante

A bandeira e grite paz

Ela não tinha bandeira

Levantou a macaxeira

E ali ninguém brigou mais.


Literatura de Cordel quarta, 07 de março de 2018

O OURO EM SERRA PELADA – E A LUTA DO GARIMPEIRO (FOLHETO DE CELESTINO ALVES)

 

O OURO EM SERRA PELADA - A LUTA DO GARIMPEIRO

Celestino Alves

 

 Vinde, ó Musa Sacrossanta

Dai-me a inspiração

Para eu descrever um caso

Que me chamou atenção

E está abalando o povo

Do Pará ao Maranhão

 

Desde a colonização

Que o ouro é um mistério

Nos áureos tempos, em Minas

Houve problema tão sério

Revolução, luta, briga

Só por caus ado minério

 

Nem sempre as lutas trouxeram

Ao garimpeiro a glória

Mas eles sempre lutaram

E conquistaram vitória

Través do tempo escreveram

Linda página da história

 

É sempre um homem pacífico

Trabalhador e ordeiro

Valente como um leão

E manso como um cordeio

A palavra independência

Tem cheiro de garimpeiro

 

O garimpeiro é o homem

Que vive em demandada

Escala serra e montanha

Tabuleiro e baixada

Vai dormir tarde da noite

Levanta de madrugada

 

O ouro no Amazonas

No Pará, no Maranhão

Creio que foi explorado

No tempo de Salomão

Mas ninguém tinha encontrado

Desde a colonização

 

A Floresta Amazônica

Era mistério insondável

Depois da Transamazônica

Essa obra admirável

A mata desvirginou-se

Tornou-se mais penetrável

 

Houve o tempo da borracha

Que foi uma escravidão

Porque o capitalista

Formava expedição

Milhares de seringueiros

Sujeitos a um patrão

 

Compravam um barracão

Do preço que ele queria

A borracha que tiravam

Somente a ele vendia

Ante a febre malária

Sem nem uma garantia

 

A produção da borracha

Normalmente era explorada

Grava muita riqueza

Para a firma organizada

O pobre do seringueiro

Sempre ficava sem nada

 

Através dessas empresas

Todas mistas estrangeiras

Foram levadas sementes

E mudas de seringueiras

Para fazer seringais

Além das nossas fronteiras

 

Lá nas terras estrangeiras

O seringal foi plantado

Com boa técnica e adubo

Fácil acesso e bem cuidado

Assim puderam colher

Muito melhor resultado

 

Esse crime lesa-pátria

Ainda não foi punido

Fez o nosso seringueiro

Ficar no mato perdido

Sem nem uma aspiração

No mundo desiludido

 

O estrangeiro é vivo

E de ninguém sente dó

Também levaram a semente

Do nosso algodão mocó

Lá plantaram, ele nasceu

Mas quando floriu, morreu:

Saudade do Seridó

 

 

O seringueiro jogado

No imenso matagal

Tendo perdido o trabalho

Que teve no seringal

Apelou para viver

Em busca do mineral

 

Encontrou Serra Pelada

Sem calças e Carajá

E foi descobrindo ouro

Aqui, ali, acolá

Na Floresta Amazônica

No Maranhão, no Pará

 

E assim foi trabalhando

Nosso velho seringueiro

Meteu-e na mata adentro

Vencendo desfiladeiro

Sem ter outra alternativa

Transformou-se em garimpeiro

 

A Região Amazônica

É do mundo o brilhante

O farol que ilumina

Com seu raio fumegante

Ela era o berço esplêndido

Onde dormia o Gigante

 

Está sendo explorada

Mas sua exploração

Deve ser bem planejada

Evitar devastação

Para num futuro próximo

Não termos desilusão

 

A sua verde floresta

Faz nos chamar atenção

Seu subsolo é riquíssimo

Em ouro de aluvião

A Região está crescendo

Em verdadeira explosão

 

Ninguém tinha penetrado

Ainda em Serra Pelada

Por ser difícil o acesso

Meio longe da estrada

A grande reserva aurífera

Estava ali bem guardada

 

Certo dia em Marabá

Formou-se uma expedição

Cerca de dez companheiros

Tomaram uma decisão

De irem a Serra Pelada

Pesquisar a região

 

João Vieira dos Santos

E mais nove companheiros

Fazendo um total de dez

Destemidos garimpeiros

Caçadores de minério

Verdadeiros pioneiros

 

Saíram de Marabá

Numa linda madrugada

Que vai ficar na história

Para sempre registrada

Às nove horas do dia

Chegaram em Serra Pelada

 

São pequeninas fagulhas

Invés de grande pepita

Mas João Vieira vê nelas

O símbolo de sua dita

Deve contar a história

Quando um dia for escrita

 

Genésio e os companheiros

Puderam assim constatar

A existência de ouro

Abundante no lugar

Distribuíram os barrancos

Começaram a trabalhar

 

Não havia ambição

No meio dos companheiros

Começaram trabalhando

Os chegaram primeiro

A notícia se espalhou

No mundo dos garimpeiros

 

A notícia correu logo

Do Pará ao Maranhão

Começo a chegar gente

A pé e de caminhão

Em pouco tempo formou-se

Verdadeira multidão

 

O povo foi aumentando

Formando aglomeração

Onde existe muita gente

Nem sempre há união

Vindo às autoridades

Despertar a atenção

 

O Coronel Curió

Comandava o Batalhão

Destacado em Marabá

Lá perto da região

Resolveu ir visitar

Aquela população

 

O Coronel, um Tenente

Com a sua ordenança

Calmo, moderadamente

Com sua maneira mansa

Fez com que todos sentissem

Nele toda confiança

 

Foi em vinte e um de abril

O seu contato primeiro

Com sua categoria

Seu bom jeito de mineiro

Conquistou a confiança

De cada um garimpeiro

 

Em dezenove de mail

Começava seu labor

Voltava a Serra Pelada

Sendo Coordenador

Deu tudo de seu trabalho

Como organizador

 

No meio dos garimpeiros

Demonstrou eu heroísmo

Calmo, moderadamente

Como quem dá catecismo

Pregando a fraternidade

Sem dispensar o civismo

 

Foi logo criado um Posto

Da Polícia Federal

Que policia o garimpo

Em sua área central

E todo o dia se canta

O Hino Nacional

 

Nessa administração

Serra Pelada estourou

Muita gente, muito ouro

Muita riqueza gerou

Muita união fraternal

Lá jamais alguém brigou

 

Em junho de oitenta e dois

Deixou a Coordenação

Candidato a Deputado

Por aquela região

Consegui por voto livre

Sua primeira eleição

 

Começou a nova luta

Em favor dos garimpeiros

Pois o direito de lavra

Foi concedido a terceiros

Pararam a mina e quiseram

Expulsar os pioneiros

 

No Brasil, foi sempre assim

Desde a colonização

O homem descobre a mina

Trabalha como um leão

Mas jamais teve direito

À sua exploração

 

Hoje já está bem melhor

Porque é dos brasileiros

Pois antigamente era

Privativo do estrangeiro

O que não se deu ainda

Foi direito ao garimpeiro

 

Agora, em Serra Pelada

Tudo mudou e feição

Curió fez um projeto

Chamou da Câmara atenção

Permitindo ao garimpeiro

Cinco anos de exploração

 

Em cinco do mês de outubro

Sendo o projeto aprovado

Na Câmara, no dia sete

Aprovaram no Senado

Porem pelo Presidente

O projeto foi vetado

 

Os garimpeiros vieram

Assistir à votação

Eu gostei muito de ver

Deles a compreensão

Deram as suas presenças

Sem alarde nem pressão

 

Presidente Figueiredo

Teve um gesto decisivo

Viu que para os garimpeiros

Não tinha paliativo

Então mandou ao Congresso

Um projeto executivo

 

Concedendo aos garimpeiros

Três anos de exploração

À Vale do Rio Doce

Concede indenização

De setenta e oito bi

Pela sua concessão

 

Curió apresentou

Emenda e com razão

Que a Vale do Rio doce

Faz jus à indenização

Se provar o seu direito

Com a documentação

 

Antônio Lopes Carvalho

Vulgo Antônio Mineiro

Movimentou novamente

Um grupo de garimpeiros

Aqui veio acompanhar

O projeto alvissareiro

 

Novamente demonstraram

Civismo e educação

No Plenário acompanharam

Calmamente a votação

Sem alarde nem barulho

Sem qualquer agitação

 

O Deputado Curió

Deve estar bem satisfeito

Defendendo o garimpeiro

Mostrando o que tem direito

Vendo que o seu trabalho

Está surtindo efeito

 

No Estado do Pará

Pássaros fazem sucesso

Tem pássaro no Ministério

Tem um pássaro no Congresso

Se aumentar mais um pássaro

Vamos ter maior progresso

 

O Curió no Congresso

Bate as asas, canta, cisca

Em favor de garimpeiro

Cutuca, pula e belisca

Invés de cair no laço

Sempre está tirando a isca

 

Só entram para o cordel

Os autênticos brasileiros

O mundo dos cordelistas

São os fatos verdadeiros

Meus parabéns, Curió

Meu abraço aos garimpeiros

 

Chamaria Guerra Santa

A luta do garimpeiro

Lutando sem agressão

Vivendo sem desespero

Elegantemente mostra

Seu trabalho pioneiro

 

Brasília, 31 de maio de 1984

Celestino Alves - CALVES


Literatura de Cordel quarta, 28 de fevereiro de 2018

ARROLADA (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)

 

1

Vou contar um episódio

Uma história singular

Um Inusitado estupro

Que nem chegou a rolar

Mesmo estando desolada

A vítima inconformada

Resolveu denunciar.

 

2

Já que tinha decidido

Não mudou de opinião

Sujeito tão atrevido

Merece mesmo é prisão

E pensando assim sem dó

Já partiu paro o BO

Com muita indignação.

 

3

Logo pegou uma amiga

Que o sujeito conhecia

Juntinhas as duas foram

Direto a delegacia

Paciente o delegado

Que cuidava do condado

A tal vítima atendia.

 

4

Ele foi atencioso

Cumprindo sua função

Mandou a dupla sentar

E chamou o escrivão

Naquele exato momento

Tomou o depoimento

E pé da situação.

 

5

A senhora então me diga

Como tudo sucedeu

Como foi que o meliante

Com a dama procedeu

Para aqui eu registrar

E o sujeito procurar

Depois do relato seu.

 

 

6

A mulher envergonhada

Não sabia o que dizer

Na cadeira acanhada

Começou a se mexer

Entretanto o delegado

Todo cheio de cuidado

Ajudou no decorrer.

 

7

Com a voz mansa e pausada

Bem calmo naquele dia

Foi fazendo umas perguntas

Para ver o que colhia

De modo bem respeitoso

Educado e cauteloso

Pois o fato assim pedia.

 

8

Ele tirou sua roupa

E as calças dele arriou

E de dentro das cuecas

O órgão então retirou

E com o órgão na mão

Começou a infração

E da senhora abusou?

 

9

A mulher olhou pra amiga

Também para o delegado

Esqueceu sua mudez

E com um riso acanhado

Respondeu a indagação

Naquela ocasião

Com o rosto inda corado.

 

10

Doutor eu vou lhe dizer

Um órgão eu não vi não!

Era só uma cornetinha

Que mal cabia na mão

Eu nem sei como alguém

Que um tico de pinto tem

Se aventura nessa ação.

 

11

Quando ele me agarrou

Eu pensei: -Estou roubada

Porém vi que o elemento

Não estava era com nada

O que tinha na cueca

Era só uma merreca

Eu caí na gargalhada.

 

12

Ele com raiva de mim

Me deu logo um safanão

Me puxou pelos cabelos

Depois me jogou no chão

E acabou se dando mal

Não tinha material

Para cumprir a função.

 

13

Um ligeiro mal-estar

Deu-se na delegacia

O delegado respira

E o trabalho reinicia

Um tanto embaraçado

Com o que tinha escutado

E sem crer no que ouvia.

 

14

Olhou bem para a mulher

Sem saber o que falar

Aquela situação

Era um tanto singular

Queria prosseguir

Sem saber como seguir

E qual o rumo a tomar.

 

15

O delegado aturdido

Quase saiu do recinto

O escrivão que ouvia

Tentou ser bem mais sucinto

Ao digitar o relato

Porque era um desacato

A macular qualquer pinto.

 

16

O doutor respirou fundo

E assentou o pensamento

O trabalho era bem árduo

Tinha que dar seguimento

Mesmo estando descontente

Tocou o caso pra frente

Naquele depoimento.

 

17

Desta feita resolveu

A testemunha indagar

Para saber realmente

O que tinha pra contar

E do seu dever ciente

Tentando ser paciente

Resolveu recomeçar.

 

18

Olhou bem para as mulheres

Com um olhar de respeito

Temperou sua garganta

Para perguntar com jeito

E ter melhor resultado

No que fosse perguntado

E fazer tudo direito.

 

19

Ele sabe que a mulher

Não pode ser maltratada

E numa delegacia

Não deve ser humilhada

Fez sinal ao escrivão

Começou a arguição

Levando adiante a jornada.

 

20

De frente pra testemunha

Fez a sua indagação:

– A senhora é arrolada?

Não sou a rolada não!

Não caí nessa esparrela

A rolada aqui é ela

Seu doutor preste atenção.

 

21

Minha amiga já lhe disse

Como tudo aconteceu

Também sei que o Senhor sabe

Que a rolada não sou eu

O senhor tome tendência

E se não tem competência

Porque se estabeleceu?

 

22

O delegado espantado

Nem sabia o que fazer

Se ficava ou se corria

A vontade era correr

Porque sendo homem culto

Via aquilo como insulto

Danou-se a se maldizer

 

23

Ali naquele momento

Deu tudo por encerrado

Assinou o depoimento

Mas deixou engavetado

Louco com a confusão

Mudou de jurisdição

Partiu pra outro condado.

 

24

Aqui eu fui arrolada

Pra contar essa história

Não foi bem inspiração

Eu trazia na memória

Mesmo assim eu agradeço

A musa por seu apreço

Nessa contação simplória.


Literatura de Cordel quarta, 21 de fevereiro de 2018

A PALESTRA DAS 3 DONZELAS (FOLHETO DE (FOLHETO DE EROTILDES MIRANDA DOS SANTOS)

Palestravam três donzelas

Em assunto amoroso

Uma disse meu paquera

É por demais carinhoso

Nosso namoro é quente

E danado de gostoso

 

A segunda respondeu

Eu estou nessa jogada

Boto mesmo pra quebrar

Até alta madrugada

Nos braços do meu pãozinho

Não me lembro mais de nada

 

A terceira deu risada

E disse não fico atrás

Passo a noite com Zezinho

Entre suspiros e ais

Tudo que é meu é dele

Já não me domino mais

 

Ivone disse tá certo

Mas vamos voltar atrás

Não se faz toda a vontade

Quando gosta de um rapaz

Pra não perder certas coisas

Que não acha nunca mais

 

Tereza disse qual nada

Eu estou com Carmelita

A moça sendo bem quente

Todo rapaz lhe palpita

Sendo fria ninguém quer

Ainda sendo bonita

 

Eu só boto fumaçando

Ache ruim quem quiser

Quero ver pegando fogo

Dê o caso no que der

Comigo só vai assim

Pra isso nasci mulher

 

Quem for mole que se dane

Quero ver o cabra quente

Que chega sair faísca

Quando encosta na gente

Um desse topa comigo

Porque nós bota pra frente

 

Carmelita respondeu

O homem só presta assim

Que bote pra derreter

Do começo até o fim

Se eu pudesse ficava

Com todos eles pra mim

 

Ivone disse danou-se

Tu tá ficando tarada

Só quer tudo pra você

As outras ficam com nada

Eu também gosto da coisa

Porém sou mais conformada

 

Carmelita disse não

Eu nunca fui conformada

Em matéria de amor

Toda vida fui parada

Já dispensei mais de dez

Porque não deram pra nada

 

E dispenso qualquer um

Que não mate meu intento

Pra isso tem que ser vivo

E ter bom temperamento

Pra topar meu rebolado

Que é muito violento

 

O filho e Chico Bento

Começou me namorando

Dizendo ser uma brasa

Que só botava queimando

Mas comigo virou gelo

Só vivia cochilando

 

Tive que mandar embora

Pra não me aborrecer

Arranjei um tal de Zé

Na Fazenda Bom Viver

Esse no primeiro round

Botei logo pra correr

 

Depois me apareceu

O Manoel paquerinha

Peguei ele no estreito

Que deixei numa peinha

Só não matei dessa vez

Por pedido da vizinha

 

Tereza disse menina

Você é muito danada

Mas é assim que se faz

Com essa rapaziada

Pra nenhum sair dizendo

Fulana não é de nada

 

Eu também sou brasa viva

O meu namoro é tanino

Eu tenho horror de homem

Que anda falando fino

Nenhum gosta de mulher

E é por demais cretino

 

Meu primeiro namorado

Foi um tal de Chico Duro

Só queria namorar

Comigo no pé do muro

E dizia que namoro

Só prestava no escuro

 

Com essa experiência

Nós ficamos se gostando

Com o decorrer do tempo

Ele pegou afinando

Ficou trocando das pernas

E os olhos afundando

 

Eu aí disse pra ele

Você não vai aguentar

Se continuar comigo

Aumenta mais seu penar

Porque eu quando namoro

Boto pra tarrabufar

 

Ele vendo que morria

Dali desapareceu

Nunca mais tive notícia

Também não sei se morreu

Eu aí disse comigo

Aquele não era meu

 

Depois me apareceu

Por lá um paraibano

Dizendo que era o tal

Com ele não tinha engano

Mas comigo caiu duro

Também entrou pelo cano

 

Agora eu tenho um

Que me veio importado

Esse pé quente demais

Parece que é tarado

Se existe satanás

É esse meu namorado

 

Tratam ele de Chamego

Eu nunca vi tão danado

Mata todo o meu desejo

O bicho é acordado

Só assim eu osso ver

Meu sonho realizado

 

Esse deu certo comigo

Me entende muito bem

Ele faz minha vontade

Eu faço a dele também

Esse é todinho meu

Só meu e de mais ninguém

 

Carmelita suspirando

Disse eu também queria

Arranjar um desse tipo

Para minha alegria

Ele quente e eu fervendo

Aí o couro comia

 

Comia de todo jeito

Porque minha lei é dura

Se bater testa comigo

Só vai morrer na fartura

Se quiser como eu quero

Aí ninguém me segura

 

Ivone disse vocês

Querem ser as maiorais

Não tem homem que resista

Os seus instintos vorais

Pra satisfazer as duas

Só o próprio satanás

 

Porque homem deste mundo

E ordeiro a pelejar

Vocês botam pra correr

Quando não querem matar

Eu não sei se o diabo

Com vocês vai aguentar

 

Quando as duas se casarem

Os noivos de antemão

Podem preparar as covas

E cada um eu caixão

Pois o fogo de vocês

Mata qualquer um cristão

 

Tereza ali respondeu

Já um pouquinho alterada

Nenhuma de nós em culpa

De você não ser de nada

Nós que somos do embalo

Topamos qualquer parada

 

Tereza e Carmelita

Saíram dando risada

Ivone junto com elas

Se conservava calada

Aquela forte palestra

Ali ficou encerrada

 

Eu também vou encerrar

Falando das coisas belas

Que a Natureza cria

E se reveste com elas

Com base no pergaminho

Escrevi esse livrinho

Palestra das Três Donzelas


Literatura de Cordel quarta, 14 de fevereiro de 2018

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO (FOLHETO DE JOSÉ PACHECO)

 

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO

José Pacheco

  

Um cabra de Lampião

por nome Pilão Deitado

que morreu numa trincheira

um certo tempo passado

agora pelo sertão

anda correndo visão

fazendo mal assombra

 

Foi ele que trouxe a noticia

que viu Lampião chegar

o inferno nesse dia

faltou pouco pra virar

incendiou-se o mercado

morreu tanto cão queimado

que faz pena até contar

 

Morreu mãe de Canguinha

o pai de forrobodó

cem netos de parafuso

um cão chamado Cotó

escapuliu Boca Ensossa

e uma moleca ainda moça

quase queima o totó

 

Morreram cem negros velhos

que não trabalhavam mais

um cão chamado Traz Cá

Vira Volta e Capataz

Tromba Suja e Bigodeira

um cão chamado Goteira

cunhado de Satanás

 

Vamos tratar na chegada

quando Lampião bateu

um moleque ainda moço

no portão apareceu

quem o senhor cavalheiro

moleque eu sou cangaceiro

Lampião lhe respondeu

o moleque não sou vigia

e não sou seu pareceiro

e você aqui não entra

sem dizer quem é primeiro

moleque abra o portão

saiba que sou Lampião

o assombro do mundo inteiro

 

Então esse vigia

que trabalha no portão

dá pisa que voa cinza

sem fazer distinção

o cabra escreveu não leu

a macaiba comeu

ali não se faz perdão

 

O vigia disse assim

fique fora que eu entro

vou falar com o chefe

no gabinete do centro

por certo ele não lhe quer

mais conforme o que disser

eu levo o senhor prá dentro

 

Lampião disse vá logo

quem conversa perde hora

vá depressa e volte já

que eu quero pouca demora

se não me derem ingresso

eu viro tudo asavesso

tóco fogo e vou embora

 

O vigia foi e disse

a Satanás no salão

saiba vossa senhoria

que aí chegou Lampião

dizendo que quer entrar

eu vim lhe perguntar

se dou-lhe ingresso ou não

 

Não senhor Satanás disse

vá dizer que vá embora

só me chega gente ruim

eu ando meio caipora

eu já estou com vontade

de botar mais da metade

dos que têm aqui pra fora

 

Lampião é um bandido

ladrão da honestidade

só vêm desmoralizar

nossa propriedade

e eu não vou procurar

sarna pra me coçar

sem haver necessidade

 

Disse e vigia patrão

a coisa vai esquentar

eu que ele vai se danar

quando não puder entrar

Satanás disse é nada

convida aí a negrada

e leve o que precisar

 

Leve cem dúzias de negros

entre homem e mulher

vá na loja de ferragens

tire as armas que quiser

é bom avisar também

pra vir os negros que tem

mais compadre Lucifer

 

E reuniu-se a negrada

primeiro chegou Fuchico

com um bacamarte veio

gritando por Cão de Bico

que trouxesse o pau da prensa

e fosse chamar Tangença

na casa de maçarico

 

E depois chegou Cambota

endireitando o boné

formigueiro e Trupe Zupe

e o crioulo Quelé

chegou Caé e Pacaia

Rabisca e Cordão de Saia

e foram chamar Banzé

 

Veio uma diaba moça

com uma caçola de meia

puxou a vara da cerca

dizendo a coisa tá feia

hoje e negocio se dana

e gritou eita banana

agora a ripa vadeia

 

E saiu a tropa armada

em direção ao terreiro

com faca facão e pistola

canivete e granadeiro

uma negra também vinha

com a trempe da cozinha

e o pau de bater tempero

 

Quando Lampião deu fé

da tropa negra encostada

disse só na Abissínia

dá tropa preta danada

o chefe do batalhão

gritou de arma na mão

toca-lhe fogo negrada

 

Nessa voz ouviu-se tiro

que só pipoca no caco

Lampião pulava tanto

que parecia um macaco

tinha um negro nesse meio

que brigou tomando tabaco

 

Acabou-se o tiroteio

por falta de munição

mas o cacete batia

nego rolava no chão

pau pedra que achavam

e tudo que a mão pegava

sacudiam em Lampião

 

Chega trás um armamento

assim gritava o vigia

trás a pá de mexer doce

lasca os gamos de caria

trás um birro de massau

corre vai buscar um pau

na cerca da padaria

 

Lucifer mais Satanás

vieram olhar do terraço

todos contra Lampião

de cacete vaca e braço

o comandante no grito

dizia briga bonito

negrada chega-lhe o aço

 

Lampião pode apanhar

uma caveira de boi

e sacudiu na testa dum

e ele só fez dizer oi

ainda correu dez braças

e caiu enchendo a calça

mais não digo de que foi

 

Estava travada a luta

mais de uma hora fazia

a poeira cobria tudo

negro embolava e gemia

porem Lampião ferido

ainda não tinha caído

devido a grande energia

 

Lampião pegou um seixo

e rebateu em um cão

mas o qual arrebentou

a vidraça do oitão

saiu um fogo azulado

incendiou o mercado

e o armazém de algodão

 

Satanás com este incêndio

tocou no búzio chamando

correram todos os negros

que se encontravam brigando

Lampião pegou a olhar

não vendo com quem brigar

também foi se retirando

 

Houve grande prejuízo

no inferno nesse dia

queimou-se todo dinheiro

que Satanás possuía

queimou-se o livro de ponto

perdeu-se vinte mil contos

somente em mercadoria

 

Reclamava Lucifer

horror maior não precisa

os anos ruim de safra

e agora mais esta pisa

se não houver bom inverno

tão cedo aqui no inferno

ninguem compra uma camisa

 

Leitores vou terminar

o tratado de Lampião

muito embora que não possa

vos dá maiores explicação

no inferno não ficou

no céu também não chegou

por certo está no sertão

 

Quem duvidar desta historia

pensar que não foi assim

querer zombar do meu eu

não acreditando em mim

vá comprar papel moderno

e escreva paro o inferno

mande saber de Caim.


Literatura de Cordel quarta, 07 de fevereiro de 2018

PELEJA DE DOIS POETAS FALANDO DE VIOLÊNCIA (FOLHETO DE PEDRO PAULO PAULINO)

 

No sítio Bandeira Branca

Numa noite de viola,

Dois famosos repentistas

Puxaram pela cachola,

Pra falar da violência

Que o nosso Brasil assola.

 

Mangabeira e Curió,

Cada qual o mais batuta,

Para cantar qualquer coisa

Essa dupla não reluta,

Mais ou menos como segue

Foi começada a disputa.

 

*

 

Mangabeira

 

Há quem diga que museu

É que vive do passado.

Mas neste mundo moderno,

Cada vez mais avançado,

Vejo o homem mais confuso,

Como um velho parafuso

Por si próprio desgastado.

 

Curió

 

Com a ciência a seu lado

E a tecnologia,

Descobertas importantes

A gente vê todo dia,

Mas o homem não supera

Dentro dele a besta-fera

Do crime e da covardia.

 

Mangabeira

 

Com tanta sabedoria,

Com toda a sua potência,

O homem não se supera

Nessa brutal violência

Que de maneira infeliz

Domina todo o país,

Com a total resistência.

 

Curió

 

O crime e sua influência

Em nossa sociedade

É matéria tão comum

Que virou banalidade.

Perante a situação,

Hoje em dia o cidadão

É quem vive atrás da grade.

 

 

Mangabeira

 

Não se tem mais liberdade,

O povo vive acuado,

Para proteger a casa

De ferro eu vivo cercado;

Do portão para a janela

Nossa casa virou cela,

E o bandido solto ao lado.

 

Curió

 

Hoje, o crime organizado

Toma conta do Brasil,

A polícia não se entende,

Militar com a civil:

Enquanto a revolta assola

A política usa pistola,

O ladrão usa fuzil.

 

Mangabeira

 

São mais de quarenta mil

Assassinatos por ano.

São ocorrências sem conta

Todo dia, não me engano.

Pelas causas mais banais,

Já não se respeita mais

A vida do ser humano.

 

Curió

 

Governo diz que tem plano

Mas só na conversa fica.

Se tem a lei pra punir

O país não a pratica.

Já sendo a lei tão morosa,

A justiça vagarosa

Dorme mais que gato em bica.

 

Mangabeira

 

Agora, que a classe rica

É pelo drama atingida,

Com os donos do poder

Correndo risco de vida,

O governo, a quem comete

Solução, então promete

Adotar séria medida.

 

Curió

 

Mas como encontrar saída

Batendo a língua nos dentes?

Só discurso não resolve,

Sem as ações competentes.

Com tanta conversa mole,

Só vejo aumentar a prole

Da turma dos delinquentes.

 

Mangabeira

 

As crianças indigentes

Por aí abandonadas

São clonagens sucessivas

De gerações desprezadas,

Dessas que futuramente

Vão compor os contingentes

Das gangues organizadas.

 

Curió

 

Nas cidades avançadas

Se agrava a situação.

O terror tomou de conta

De toda a população.

Quanto mais o povo berra,

Ficada declarada a guerra

Do bandido ao cidadão.

 

Mangabeira

 

De trinta e oito na mão

É comum se ver menino

De doze anos de idade

Sendo um assaltante fino,

Pois tem lei pra protegê-lo,

Em breve será modelo

No submundo assassino.

 

Curió

 

O povo, no desatino,

Não achando um pulso forte,

Só malhando em ferro frio

Dando o voto, seu suporte,

No desespero fatal

Lança um apelo, afinal,

Pedindo a pena de morte.

 

Mangabeira

 

Não é esse o passaporte

Para o Brasil desejado:

Punir a morte, matando,

Será erro do Estado.

Já que o crime não compensa,

Certo mesmo está quem pensa

Tornar o povo educado.

 

Curió

 

Eu fico do outro lado,

Pois já penso diferente:

Eu acho a pena de morte

Uma saída excelente.

A revolta eu não escondo:

Quando o crime é hediondo,

Que se mate o delinquente!

 

Mangabeira

 

Vez por outra, um inocente,

Da maneira mais brutal,

Onde tem pena de morte

Pega a pena capital.

Da fogueira à guilhotina,

Nem a cadeira assassina

Nos libertou desse mal.

 

Curió

 

Se a ação policial

Não consegue dar um corte

Na violência, e o bandido

Tem a arma e tem o porte,

Mata a torto e a direito,

Eu acho muito bem feito

Haver a pena de morte.

 

Mangabeira

 

Para nossa triste sorte

A “pena” temos de fato:

São os crimes de extermínio

Com todo seu aparato,

As execuções sumárias,

Revoltas nas carcerárias,

Brigas por terra no mato.

 

Curió

 

O povão, que paga o pato,

É o mais desprotegido.

O governo é como cego

No tiroteio, perdido.

Cada ação que ele promete

Está jogando confete

Na folia do bandido.

 

Mangabeira

 

Agora, atendo um pedido

Que me chega da plateia,

É alguém dando uma ideia

Para acabar com bandido.

Neste país encardido

De desgraça, não convém

Adotar um plano, sem

Enxergar essa matéria:

É sepultando a miséria

Que eu vejo nascer o bem.

 

Curió

 

No país do desemprego,

Que não resolve esse impasse,

Cada faminto que nasce

É um presente de grego.

Com o mal tem logo apego,

Que de encontro a ele vem,

Manda logo um pro além,

A vida vira pilhéria:

É sepultando a miséria

Que eu vejo nascer o bem.

 

Mangabeira

 

A miséria traz sequela

Difícil de se apagar,

Basta a gente observar

A vida lá na favela.

Começa pela panela,

Quando a panela ali tem.

No viaduto também

A coisa fica mais séria:

É sepultando a miséria

Que eu vejo nascer o bem.

 

Curió

 

É neste mundo moderno,

De programas sociais,

Pra combater marginais

Que a vida vira um inferno.

E nesse conflito eterno

No qual o povo é refém,

Por dia se matam cem

(Mais que a Aids na Nigéria):

É sepultando a miséria

Que eu vejo nascer o bem.

 

Mangabeira

 

Enquanto o governo fala

Em proposta e mais proposta,

Lá no morro ou na encosta

Todo dia ronca a bala.

Uma guerra nessa escala

Assusta qualquer “Russein”.

Aqui é só o que tem

Da forma mais deletéria:

É sepultando a miséria

Que eu vejo nascer o bem.

 

Curió

 

Desse jeito está a vida

Montada na corda bamba,

No Brasil de bola e samba,

Sequestro e bala perdida.

“Do que a terra mais garrida”

Muita coisa aqui se tem.

Está faltando, porém,

Uma lei honesta e séria:

É sepultando a miséria

Que eu vejo nascer o bem.

 

* * *

 

Sem vencido e vencedor

Terminou a discussão

Da dupla de repentistas

Aplaudidos no salão.

E pelo tema em cartaz

Deram em nome da Paz

Um forte aperto de mão!


Literatura de Cordel quarta, 31 de janeiro de 2018

DISCUSSÃO DUM FISCAL COM UMA FATEIRA (FOLHETO DE MANOEL CAMPINA)

 

DISCUSSÃO DUM FISCAL COM UMA FATEIRA

Manoel Campina

 

 O homem quando viaja

Sempre encontra presepada

Sofre muito e também goza

Pega muita beliscada

E encontra alguma coisa

Que dá muita gargalhada

 

Certo dia eu viajei

Da cidade de Palmeira

Com destino ao sertão

Em Serra da Cachoeira

Vi uma grande questão

Dum fiscal com uma fateira

 

Começou a discussão

Por causa duma coleta

E a fateira zangou-se

Disse ao fiscal pegue a reta

Queime o chão e vá embora

Não quero ouvir indireta

 

Disse o fiscal minha dona

Nós vamos ser camaradas

Olhe bem que todas vendem

Porque estão coletadas

Disse ela inda mais esta

Porque elas são danadas

 

Porém eu sou diferente

Hoje seu imposto míngua

Sei entrar e sei sair

Porque é que eu tenho língua

E se quer ver bicha doida

Encalque na minha íngua

 

Disse o fiscal minha dona

Não interessa questão

Me pague 15 cruzados

Que eu passo o seu talão

Disse a velha feito vaca

Pegue a reta e queime o chão

 

Aonde você já viu

Pagar imposto de tripa

Hoje aqui em brigo muito

E não pago essa sulipa

Posso pagar na cadeia

Depois de passar-lhe a ripa

 

Eu posso pagar o chão

Porque é o meu dever

Porém pra tirar coleta

Isto é que ninguém vê

Tirar da boca dos filhos

Pra esse corno comer

 

Por que não vai trabalhar

Malandro de calça frouxa

Você comigo se lasca

Não pense que eu seja trouxa

Eu zangada sou o cão

E minha brigada é roxa

 

E disse conversar muito

É o que o senhor deseja

Eu não posso bater papo

Vamos deixar de peleja

Com pouco meu velho chega

Hoje aqui o pau troveja

 

Nisso chegou dois soldados

E um sargento também

Dizendo tire a coleta

Que a senhora se sai bem

Disse a velha agora sim

De onde é que vocês vêm

 

O senhor não é prefeito

Apenas policial

Também que veio fazer

No meio do pessoal

O caso aqui quem resolve

Só é o fiscal geral

 

O sargento disse dona

A senhora de adome

Resolva e pague a coleta

E dê ao fiscal o nome

A velha disse se dane

Do meu sangue ninguém come

 

Eu não gosto de soldado

Pegue a reta e vá furando

Peço que me deixe em paz

Antes que eu vá me zangando

Ou vocês querem que eu dê

De pé na bunda chutando

 

Disse o fiscal está presa

A sua mercadoria

Vá falar com Seu Ageu

Guarda da Coletoria

Não posso estar empalhado

Aqui nesta porcaria

 

Quando ele disse assim

A velha se engrenguenou

Saltou de lado da banca

Um mocotó agarrou

Passou-lhe no pé do ouvido

O fiscal ali tombou

 

Aí o povo invadiu

Naquela ocasião

A fateira como doida

Como mocotó na mão

Quando raspava de lado

Dois ou três iam pro chão

 

Disse a fateira hoje aqui

Com essa feira eu acabo

Botou logo pra correr

Um cara metido a brabo

Com o mocotó na mão

Ficou pior que o diabo

 

Dois soldados e o sargento

Caíram nesse paleio

Nisso chegou o véi dela

E entrou também no meio

Comum cacete de quina

Eu já vi serviço feio

 

E o pau falou no centro

Todas fateiras entraram

Defendendo sua parte

De mocotó se armaram

Não ficou banco de pé

Nessa hora reviraram

 

Quando o mocotó batia

Revirava de fileira

Quatro ou cinco de uma vez

Era aquela brincadeira

Pois nem o diabo ia perto

Do pé de boi da fateira

 

Uma fateira valente

Numa tripa deu um bote

E com a tripa na mão

Dava em gente de magote

Ond ela metia a tripa

Era igualmente um chicote

 

Era um dia de Missa

O padre correu pra fora

Dizendo meu povo calma

Que é isso minha senhora

As fateiras o agarraram

Como doidas nessa hora

 

Entraram igreja a dentro

Naquela revolução

Quebraram todas cadeiras

Que tinha sobre o salão

Vela, santo e oratório

Iam botando no chão

 

Bateram no altar -mor

Derrubaram ao Padroeira

E o povo todo em cima

Para pegar a fateira

Da rua para a igreja

Era aquela bagaceira

 

Quebraram Santa Sofia

Quebraram São Severino

Quebraram São Aniceto

Quebraram São Guilhermino

Quebraram Santo Agostinho

Quebraram São Marcelino

 

Quebraram Santa Tereza

Quebraram Santa Izabel

Quebraram Santa Cecília

Quebraram São Gabriel

Quebraram São Bonifácio

Quebraram São Rafael

 

Quebraram São Benedito

Quebraram São Ananias

Quebraram São Damião

Quebraram São Zacarias

São Renato e Santo Abel

São Joaquim, São Jeremias

 

Uma fateira agarrou

São Paulo e deu-lhe um sopapo

O Santo correu gritando

Desta eu sei que não escapo

E a fateira gritou

Corra senão eu lhe capo

 

Derrubaram São Luiz

Quebraram São Benedito

Derrubaram Santo Onofre

Quebraram Santo Expedito

O que foi de Santa fêmea

Foi um estrago esquisito

 

Santo Antônio caminhante

Já se ia escapulindo

São Miguel e São Ricardo

Ainda estavam sorrindo

São Sebastião olhou

Ainda viu o pau tinindo

 

A velha meteu a mão

Em cima do oratório

Sã o José se abaixo

E pegou-se em Santo Osório

Mocotó inda bateu

Na cara de São Gregório

 

São Benedito correu

Arrodeando um coreto

Dizendo valha-me Deus

Senão hoje eu me derreto

Estão dando em Santo branco

Quanto mais em Santo preto

 

Meteram o mocotó

Também em São Nicolau

São Judas Tadeu ficou

Mais mole do que mingau

A barba de São José

Quase voava no pau

 

São Jorge no seu cavalo

Saiu furando de espora

E o povo do barulho

Correu pela rua afora

E as fateiras exemplando

Todo mundo nessa hora

 

E não teve um argumento

A luta do mocotó

Onde a mão de boi batia

Era até de fazer dó

Terminou correndo todos

E elas ficando só

 

Foi grande o prejuízo

Nesse dia em Cachoeira

A polícia nunca mais

Quis prender uma fateira

E nem também o fiscal

Cobrou mais o chão de feira

 

Hoje tem outro prefeito

Vive tudo sossegado

A fateira ainda hoje

Vende tripa no Mercado

Ali só se paga o chão

Mas ninguém é coletado

 

Caçoada com fateira

Aquele que inventar

Mande logo abrir a cova

Pra nela se enterrar

Inácio, o fiscal da Feira

Na Serra de Cachoeira

Aguentou foi de amargar


Literatura de Cordel quarta, 24 de janeiro de 2018

O ENCONTRO DA VELHA QUE VENDIA TABACO COM O MATUTO QUE VENDIA FUMO (FOLHETO DE JOÃO PARAFUSO)

 

 

 

Leitores, peço atenção

Que agora vou descrever

Um livro de palhaçadas

Par ao bom amigo ler

Quem escutar vai sorrir

Para a barriga doer

 

Havia uma família

De matuto no sertão

Um certo casal que tinha

De filhos grande porção

Que sempre falava errado

Deixando interpretação

 

Este velho de quem falo

Era irmão de Zé do Chole

Chamava João Palascate

Filho de Pedro Tingole

E a sua esposa era

Maria do Bago Mole

 

Tinha um cavalo melado

Que era de Damiana

Mais uma besta castanha

Essa pertencia à Juana

E tinha o bode Rachado

Pertencente à Mariana

 

Seu Lascado era um menino

Que a família criava

Um porco era o Lascão

Que Iracema tratava

O cabeludo de Zefa

Era um gato que caçava

 

Então o filho do velho

Que se chamava Luiz

Vendia raiz de pau

Vivia muito feliz

O povo da vizinhança

Chamava-o Doutor Raiz

 

Uns vendiam tapiocas

Outros vendiam cocada

Iracema só com rola

Que pegava de emboscada

A velha só com tabaco

Ou se não castanha assada

 

Júlia vendia maxixe

Levava em grande porção

O velho só com banana

Do sítio do seu irmão

Que era o tal Zé do Chole

Vendendo fumo na mão

 

Eu que vivo viajando

Vinla do alto sertão

Na Feira de Cajazeiras

Uma certa ocasião

Vi um bando de matutos

Fiquei prestando atenção

 

Quando cheguei perto deles

Tudinho se levantou

Ou ouvi Zefa dizer

Essa vez agora eu vou

Butar as coisa de fora

Que a feira já começou

 

O velho disse pra ela

Acho mió esperar

Anda tá muito cedo

Nem convém você butar

As coisas de fora agora

Que o povo só quer pegar

 

Disse a velha a Iracema

O movimento tá poco

A vez o negócio tá

Fraco assim mode o pipoco

Arranhe a tapioca

Para o povo ver o coco

 

Damiana disse eu tou

Sentindo um grande comicho

Tirei um bicho do pé

Lá no Sítio do Rabicho

Pegou comichar agora

Bem no buraco do bicho

 

O velho disse pra velha

Você com esse bizaco

Venda tabaco ligeiro

Porque ele não é fraco

Só não deixe butar dedo

Pra remexer o tabaco

 

O velho com as bananas

Começou desarrumar

Eu tenho a penca comprida

Quem quiser pode encostar

Que eu vendia raiz

Assim começou gritar

 

Que sofre do intestino

Use cipó cabeludo

Eu garanto botar verme

Pequeno, médio e graúdo

Leve sol, chuva e sereno

Cague fora e coma tudo

 

O velho com as bananas

Uma mulher veio olhar

Dizendo quero uma palma

Ele disse vou mostrar

Leve uma penca comprida

Que a senhora vai gostar

 

Ele mostrou, ela disse

Essa está muito madura

Disse o matuto a senhora

Só gosta da que atura

Se não quiser levar mole

Vai levar mesmo da dura

 

Veja se eu não abro bem

Eu sou um sujeito macho

Trago banana pra feira

Quase madura no cacho

E quando eu tou arrumando

Atolo a dura por baixo

 

E os maxixe de Júlia

Se quer pode reparar

Depois nós faz outro preço

Se você quiser levar

Eu boto os maxixes fora

Mas deixo a banana entrar

 

A mulher pegou uma alma

De banana e perguntou

Dá essa por 2 mil-réis

Ele se admirou

E disse não posso dar

Que a banana alevantou

 

Zé do Chole numa palma

Oferecendo boró

Palascate perguntou

O Seu Culá tá mió?

Penso que Seu Cula teja

Já de pió a pió

 

Zé do Chole disse assim

Eu não sei lhe explicar

Se Seu Cula teja bem

Eu também já fui de lá

Não vou lá porque não tem

Dinheiro pra cumer lá

 

Disse o outro nosso mano

Morreu, Chica tá em paz

Seu Lascado ela me deu

Eu fiquei com o rapaz

Quem batia em Seu Lascado

Agora não bate mais

 

Abra a boca e diga lá

Tá boa a rapaziada?

Minha mulher tá agora

Fogosa que tá danada

Quando não vende tabaco

Vive de castanha assada

 

Zefa quando vai dançar

Se penera com despacho

Tá tão vadia que ontem

Raspou os pelos de baixo

Do sovaco e foi dançar

Agarrada com um macho

 

Amanhã em vou vender

Rachado de Damiana

O Cabeludo de Zefa

Melado de Mariana

O Lascão de Iracema

E a Castanha da Joana

 

O burro cego de Júlia

E a cabra de Rafael

O Lascão de Iracema

Eu entrego à Izabel

E o Lasca do da velha

Vou deixar pra Misael

 

Maria Seabra hoje

Queria vir mais Xixi

Mas passou um caminhão

Cheinho de abacaxi

E trepei com a menina

Viemos parar aqui

 

Disse o matuto do fumo

Para a velha como agrado

Se quiser fumar do bom

Eu tenho do macacado

Do que entala e da queda

Deixa o cachimbo lascado

 

A velha disse o fumo

Foi banhado em mel de furo

Desse que deixa o pigarro

Só tem que é mais escuro

Só gosto de fumo forte

Cheiroso, bem grosso e duro

 

O fumeiro disse diga

À mãe que eu tou aqui

E trate dos animal

Diga também à Bibi

Que se aguente com o buraco

Que eu só vou lá pra abrir

 

Diga à Chica que a roça

Cuide logo de limpar

Zele a minha macaxeira

Deixando a cova lascar

Que eu só tiro de dentro

Quando a mandioca engrossar

 

Esse pedaço de fumo

Leve pra Chica fumar

Ela gosta do boró

Mais este aqui vou mandar

Por see preto, grosso e duro

É capaz dela gostar

 

Daqui a duas semanas

Duas cartas vou mandar

Uma por dentro da a outra

Lembrança de Capalá

Porque uma chegando

É fácil a outra chegar

 

O fiscal se retirou

Deixou o velho ficar

Ele entrou numa loja

Foi uma calça comprar

Tinha uma pendurada

Ele pediu pra olhar

 

A mulher da loja disse

Está ruim pra tirar

Eu tenho outras melhores

Mas ele pegou teimar

Achei melhor a trepada

Outra não quero levar

 

Achei melhor a trepada

Só digo porque conheço

Porém sem eu pegar nela

Um tostão não ofereço

A senhora tire a calça

Que depois nós faz o preço

 

Ela trepou e tirou

Ele disse com moitim

O seu fundo é largo e chato

Gosto de ver calça assim

Abra as pernas bem abertas

Pra ver se ela dá em mim

 

Saiu João Palascate

Com a calção do agrado

O seus lhe acompanharam

E saiu todo apressado

Aqui amigos leitores

Vou terminar o tratado 

 


Literatura de Cordel quarta, 17 de janeiro de 2018

A MOÇA QUE CASOU 14 VEZES E CONTINUOU DONZELA (FOLHETO DE APOLÔNIO ALVES DOS SANTOS)

 

No outro século passado

na fazenda Jequié

havia uma donzela,

religiosa de fé

no seu batismo lhe deram

o nome de Salomé

 

Salomé era uma virgem

de estimada simpatia,

filha de um fazendeiro

criou-se muito sadia,

era a moça mais formosa

do estado da Bahia

 

Contava 22 anos

aquela jovem tão bela

sempre, sempre aparecia,

namorado para ela

casou-se 14 vezes

e continuou donzela.

 

Um daqueles namorados,

que Salomé arranjou,

era um rapaz forte e moço

em poucos dias casou,

mas sua morte súbita

todo mundo admirou.

 

Porque em menos dum ano

que ele tinha casado,

começou enfraquecendo

pálido e desfigurado

a noite deitou-se vivo

e amanheceu finado.

 

 

Salomé ficou viúva,

a noite inteira chorou

o seu primeiro marido,

a morte ingrata o levou

mas que ainda era virgem

a ninguém nada contou.

 

Acontece que um dia

na festa dum batizado,

viuvinha arranjou

o segundo namorado

com 15 dias casou-se

num dia tão festejado.

 

Por segurança dos bens

casou também no juiz

a sua lua de mel

foram passar em Paris

Salomé voltou viúva

chorando a sorte infeliz.

 

Mas continuou a mesma

Viúva virgem sem sorte

porque o segundo esposo,

que era sadio e forte

esse também embarcou,

no barco negro da morte.

 

Porém Salomé por ser,

viúva de polidez

não demorou muito tempo,

casou-se terceira vez

com outro rapagão moço,

filho de um português.

 

Esse não durou um mês

começou ficando fraco

amarelo cadavérico,

da grossura dum cavaco

em poucos dias também

foi pra dentro do buraco.

 

Todo povo comentava,

– este caso é muito sério

o que há com Salomé

até parece um mistério,

já três maridos que ela

manda para o cemitério.

 

A quarta vez para ela

apareceu um baiano

um rapagão muito forte

descendente de cigano

noivaram no mês de outubro

casaram no fim do ano.

 

Esse também se findou,

no próximo ano vindouro

começou se definhando,

e o povo fazendo agouro

que no fim do mesmo ano,

também entregou o couro.

 

Coitada da Salomé

ficou viúva de novo

vivia tão pensativa,

calada que só um ovo

envergonhada de ouvir,

o comentário do povo.

 

Após passar muito tempo,

lamentando a desventura

apareceu outro jovem,

de forte musculatura

foi o quinto esposo dela

a entrar na sepultura.

 

Logo apareceu o sexto

era um rapaz arrasado

vendo que ela era filha

de um velho recursado

pensando enricar também

acertou logo o noivado.

 

Embora contrariado,

o velho o casório fez

esse também morreu logo

vivo não passou um mês

Salomé ficou viúva,

pela sua sexta vez.

 

Casou pela sétima vez

com um rapaz forasteiro

tocador de violão

boêmio e aventureiro

esse casou-se em dezembro

e faleceu em janeiro.

 

Certo dia ela contou

aquele segredo dela

a uma sua amiguinha

lhe dizendo: Maristela

Já me casei 7 vezes,

mas ainda estou donzela.

 

E logo pediu a ela

para guardar o segredo

porém a amiga falsa

no outro dia bem cedo

saiu pela vizinhança

espalhando aquele segredo.

 

O povo pra criticar

lhe chamavam na surdina

de viúva mata sete

ou viuvinha assassina

assim a pobre vivia,

lastimando a sua sina.

 

Os homens todos diziam

o fato não é comum

já se casou 7 vezes

e ainda está em jejum,

porque é que seus maridos

não fica vivo nenhum?

 

Assim a pobre vivia

neste dilema sofrido

por onde passava ouvia

do povo o “estampido”

– lá vai a viúva virgem

matadora de marido.

 

Ela vendo que ali,

rapaz nenhum lhe queria

por está muito manjada,

decidiu-se certo dia

viajar pra outro estado

que ninguém lhe conhecia.

 

Salomé saiu dizendo,

aqui eu não volto mais

partindo se despediu,

de seus extremosos pais

foi parar no Amazonas

a terra dos seringais.

 

Casou-se no Amazonas

Com um velho seringueiro

com 59 anos

mas ainda era solteiro

em pouco tempo também,

deu serviço ao coveiro.

 

Para encurtar a história,

Salomé foi se casando,

até inteirar quatorze

e viúva ia ficando

por fim se desenganou

sua sorte praguejando

 

Naquilo havia um mistério

que ninguém não conhecia,

que Salomé se casava,

o seu marido morria

o porquê desse mistério,

nem mesmo ela sabia.

 

Foi um bruxo que queria

se casar com Salomé

e apaixonou-se por ela,

um dia num candomblé

mas ela lhe deu um fora

mandou-o chupar picolé.

 

Por isso o bruxo maldito

fez pra ela um malefício

que a pobre Salomé

vivia neste suplício

levando todos maridos

à borda do precipício.

 

Toda vez que ela casava

o feitiço acontecia

porque na noite de núpcia

seu marido adoecia

sem conhecer a doença,

pelo desgosto morria.

 

Porque na primeira noite,

na hora do tererê

que o marido encostava

o seu corpo em Salomé

a sua moral caía

nunca mais ficava em pé.

 

Porém o seu último esposo

por ser esperto e matreiro

correu logo e procurou

um famoso feiticeiro

pra desmanchar o feitiço

do bruxo catimbozeiro.

 

Perguntaram a Salomé

se ela se lembraria

o nome daquele bruxo

de tamanha covardia

que fizera para ela

essa horrenda bruxaria.

 

Ela disse que sabia

o nome do infiel

então o segundo bruxo

logo pegou num papel,

escreveu em cruz o nome,

do feiticeiro cruel.

 

Disse para Ezequiel

vou desmanchar o feitiço

porém só por 2 milhões

posso fazer o serviço

e você pode assumir

sua esposa sem enguiço.

 

Ezequiel conseguiu

findou-se todo o mistério

Salomé ficou feliz

desfrutando aquele império

após enterrarem o nome

do bruxo no cemitério.

 

Ainda teve dois filhos

A moça de Jequié,

Livrou-se da bruxaria,

vivendo cheia de fé

Ezequiel adorava,

Sua esposa Salomé.

 


Literatura de Cordel quarta, 10 de janeiro de 2018

A VOLTA DE CAMÕES E NOVAS PERGUNTAS DO REI

  

Camões fez várias proezas

Muitas não foram contadas

Porém é incalculável

As que já foram versadas

Leia a volta de Camões

E dê boas gargalhadas

 

O leitor deve lembrar-se

Da última que Camões fez

Que correu deixando o reino

Depois o rei Milanês

Mandou chamá-lo de volta

Para o reinado outra vez

 

Camões voltou mas ficou

Bastante desconfiado

Milanês com falsidade

O recebeu com agrado

Dizendo: - Sentimos falta

De você neste reinado

 

Eu sei que fui o culpado

De tudo o que aconteceu

Vamos viver o presente

Que o passado já morreu

Camões pensava consigo

Vou lhe mostrar quem sou eu

 

O rei sempre procurava

Um jeito pra dar-lhe fim

Um dia Camões estava

Passeando no jardim

O rei lhe vendo o chamou

E foi lhe dizendo assim: -

 

Camões você é esperto

Então irá decifrar

Perguntas que vou fazer

Pra você adivinhar

Se errar uma somente

Eu o mando degolar

 

Camões disse: – Senhor rei

As suas ordens estou

Pergunte com rapidez

Que alguém ali me chamou

O rei disse: – então escute

E pra ele assim falou

 

Camões você me responda

E aqui perante o povo

Este problema que eu trago

É antigo e não é novo

Não se quebra com marreta

Mais se quebra com um ovo?

 

Camões disse: – Senhor rei

Esta pra mim é comum

Durante o ano têm muitos

Mas eu nunca guardei um

Digo com toda certeza

Que é um dia de jejum

 

O rei foi para o palácio

Com raiva e enfurecido

Dizendo consigo mesmo

Tudo que eu faço é perdido

Mas vou encontrar um jeito

Pra matar este bandido

 

Um dia Camões estava

Bastantemente feliz

O rei perguntou-lhe: o que

Mais cheira neste país?

Camões disse:- Não é rosa,

Nem cravo é o meu nariz.

 

O rei disse pra Camões

Nós dois estamos em guerra

Você parece que é

O mais esperto da terra

Então me diga por que

É que o boi sobe a serra?

 

Camões disse senhor rei

Vou dizer sem cambalacho

O boi possui muita força

Mas sabe o que é, que eu acho.

Que ele só sobe porque

Não pode passar por baixo

 

O rei disse: – Então responda

Cuidado pra não errar

Qual é o trabalhador

Que vive sem reclamar

Mas um tem defeito que

Só trabalha se apanhar?

 

Camões coçou a cabeça

Disse o rei nesta eu lhe pego

Camões falou tenha calma

Que ainda não mim entrego

Quem trabalha quando apanha

Na minha casa é o prego

 

O rei disse está exato

Revelador de segredos

Um dia eu vi lá na mata

Presa entre dois rochedos

Uma mão misteriosa

Mas ela não tinha dedos

 

Quero que você me diga

Na sua decifração

Qual foi a mão que eu vi?

Se errar vai para a prisão

Camões sorriu, e lhe disse:-

Foi uma mão de pilão

 

O rei respondeu, assim...

Já que você é sagaz

Quero que responda esta

Mostrando que é capaz

Só cresce antes de nascer

Nascendo não cresce mais?

 

Camões disse: – Senhor Rei

Com essa eu não mim comovo

Que ela é fácil de mais

Para mim e para o povo

É um bichinho redondo

Que nós chamamos de ovo

 

O rei disse: - Um deles tem

Cabeça e não tem miolo

Um tem miolo e não tem

Cabeça e parece um bolo

Me diga quem são os dois?

Veja se sai desse rolo

 

Camões disse: – Eu vou dizer

Sem fazer meditação.

É algo que precisamos

Um se come, o outro não.

Que o primeiro é um prego

E o segundo é um pão

 

O rei disse:– Então me diga

Na sua sabedoria

A onde é que está o boi

Às doze horas do dia?

Se errar você irá

Morar numa cova fria

 

Camões disse:– Eu tinha um boi

Um dia montei-me nele

Desci até o riacho

Para ir dá água a ele

E vi ele às doze horas

Em cima da sombra dele

 

Disse o rei esta correto

Você é muito perito

Veja se responde esta

Com estilo e gabarito

Diga onde é que passa o boi

Porém não passa o mosquito?

 

Camões disse é no buraco

Da teia de uma aranha

Onde o mosquito se engancha

Ela vem e lhe abocanha

Mas o boi passa rompendo-a

E ela não lhe apanha.

 

Rei Milanês afastou-se

Com uma raiva danada

E Camões também seguiu

Direto a sua morada

Mais esperando do rei

Logo em breve uma cilada

 

Com oito dias Camões

Por Milanês foi chamado

Chegando ao palácio o rei

Já tinha se acalmado

Pra fazer novas perguntas

Tinha tudo planejado

 

Foi perguntando a Camões

Diga se for competente

O que é que não tem boca

Mas come porque tem dentes?

Camões respondeu: serrote

Serrando rapidamente

 

O rei respondeu: – Camões

Você é um cabra da peste

Mais só escapará desta

Se agora passar no teste

Me diga qual é o pano

Que nenhum vivente veste?

 

Camões disse: – Eu tenho fé

No autor da criação

Pois foi ele quem me deu

O dom de adivinhão

E o pano que ninguém veste

É o pano de facão

 

O rei disse: – Muito bem

Nesta eu não lhe recrimino

Reconheço que você

É um sujeito ladino

Então me diga por que

Onça não pega menino?

 

Camões lhe disse: – O senhor

Deve estar com brincadeira

Onça não pega menino

Porque não é a parteira

O rei disse: – Eu faço outra

Pela seguinte maneira

 

Me diga o que é que anda

E vai pra todo lugar

Todos vemos mas ninguém

Consegue lhe segurar

E se ela entrar num riacho

Sai dele sem se molhar

 

Camões lhe disse:– É a sombra

De gente, ou de animal.

Com essa resposta o rei

Fez uma pausa geral

Pensou e disse responda

Se não irá se dá mal

 

Tem mais ou menos um palmo

Não é carne nem é osso

Quando envermelha a cabeça

Corre um caldo do pescoço

Com essa pergunta o povo

Fez ali grande alvoroço

 

Depois foram se acalmando

Camões disse: com certeza

Moça quando quer casar

Precisa de uma e deseja.

É uma vela que ela

Vai acender na igreja.

 

O Rei disse:– me responda

Esta que não é comum

O que é, que nesta terra.

Cada padre possui um

Até o papa tem dois

E Jesus não tem nenhum?

 

Camões disse: Eu lhe respondo

Sem fazer nenhum desdém

No nome de papa e padre

Observem muito bem

Que possui a letra p.

Mas no de Jesus não tem.

 

O Rei disse pra Camões

Essa você respondeu.

Quero quer você mim diga

Quem foi que nunca nasceu

Mas no dia que morreu

A própria mãe o comeu?

 

Camões disse:– Senhor Rei

Minha língua não emperra

Foi Adão que foi criado

Com o pó da própria terra

Morreu na certa ela come

Quem vive certo e quem erra.

 

Camões me diga o que é

Quem faz pra si não deseja

Quem nele está, não o vê!

Quem vê diz: – Deus me proteja.

Todos querem fugir dele

Por mais bonito que seja?

 

Camões disse: – Essa eu respondo

Com certeza é um caixão

Com um morto dentro dele

Sem saber qual a razão

Quem o vê não quer estar

Naquela situação

 

O Rei disse: – Muito bem

Outra lhe perguntarei

Foi na água que eu nasci.

E na água mim criei

Se me jogarem na água

Eu na água morrerei?

 

Camões disse: esta eu respondo

Até mesmo sem pensar.

É o sal que na comida

Dá o melhor paladar

É retirado de dentro

Das profundezas do mar.

 

O Rei disse pra Camões

Comprovaste a tua fama

Responda-me esta pergunta

Ligeiro sem fazer drama

O que é que a pessoa faz

Ao levantar-se da cama.

 

Camões disse: – Senhor Rei

Eu posso lhe afirmar

Que esta pergunta, eu já sei.

Porque pude observar

Pode prestar atenção

Que o primeiro é se sentar

 

Camões eu fui visitar

O meu Conselheiro Braz

E vi alguém trabalhando

Com a cabeça pra trás

Diga-me agora quem era

Se não achar que é de mais

 

Camões disse: – era a agulha

Que estava costurando

Com a cabeça para trás

Alguém num pano furando

Eu digo e não tenho medo

Pois sei o que estou falando

 

Disse o rei para Camões

Já vi que és competente

Responda-me esta pergunta

Procure na sua mente

Tem barba mas não é homem

Tem dente mais não é gente?

 

Camões falou: – eu lhe digo

Ligeiro e não me atrapalho

Que uma perguntinha dessa

Responderei e não falho

Na minha terra e na sua

É a cabeça de alho

 

Camões você me responda

Um homem entra na luta

Levando uma companheira

Porem ela não escuta

Mas o seu ouvido é bom

Sendo ruim não labuta

 

Que ouvido é esse dela

Que não escuta ninguém

Apesar de estar bom

E quem é ela também?

Se você não responder

Não verá o ano que vem.

 

Camões disse senhor Rei

Casamento é uma sina

E por companheira surda

Só quero uma carabina

Mas sendo mulher prefiro

A sua filha Cristina

 

O Rei disse: – pra Camões

Exijo que me respeite

Não fale na minha filha

Tenha cuidado e se ajeite

E me responda porque

Vaca parida dá leite?

 

Camões disse:–  Senhor Rei

Com gosto vou responder

Vaca parida dá leite

Porque não sabe vender

Mas de me tornar seu genro

Talvez possa acontecer

 

Eu digo assim porque sei

Que a princesa a mim adora

O Rei teve tanta raiva

Que quis pegá-lo na hora

Porem Camões mais esperto

Dizendo assim foi embora

 

O rei no mesmo momento

Chamou Cristina atenção

E perguntou minha filha

Responda-me sim ou não

Se você ama Camões

De todo o seu coração

 

Cristina disse: – Papai

Se foi Camões a falar

Agora eu tenho certeza

Que comigo quer casar

Eu pensei que ele estivesse

Somente a me enganar

 

O Rei disse minha filha

Eu estou admirado

Vamos fazer uma festa

Comemorar seu noivado

Porém pensava consigo

Eu mato aquele danado

 

O Rei tinha um jardineiro

Que se chamava Crispim

Sujeito muito perverso

Da espécie de Caim

Desses que odeia o bom

E adora o que é ruim

 

O Rei foi à casa dele

Chamou, ele respondeu

Porém quando abriu a porta

Vendo o rei estremeceu

Depois perguntou com medo

Que quer do criado seu?

 

O rei disse: – Vai haver

Uma festa de noivado

De Camões com minha filha

O dia já está marcado

E eu tenho para você

Um trabalho complicado

 

Pegue este anel de brilhante

Com cuidado e atenção

Chegue perto de Camões

Na hora da agitação

E solte no bolso dele

Que ele passa por ladrão

 

Ali no meio da festa

Eu digo que fui roubado

Depois de examinar todos

O brilhante é encontrado

Ele é pego com o roubo

E será morto enforcado

 

Tudo ficou acertado

Até o dia da festa

Camões sem saber de nada

Será que escapa desta?

Agora é que vamos ver

Se adivinhação presta

 

Todos foram convidados

Até que chegou o dia

O noivado anunciado

Foi uma grande alegria

E Camões bem satisfeito

Beijava a noiva e sorria

 

Porém o tal jardineiro

Por perto dele passou

E o anel do rei de brilhante

No seu bolso colocou

O rei viu e no momento

Gritou alguém me roubou

 

A festa parou e foi

Um por um examinado

Chegou a vez de Camões

Foi o anel encontrado

O rei ordenou que ele

Depressa fosse amarrado

 

Camões ia ser levado

Direto pra guilhotina

Mais antes que o levassem

Disse a princesa Cristina

Deixai o réu defendesse

Segundo a lei determina

 

Não se condena ninguém

Sem ouvir a sua defesa

Se é culpado ou inocente

Precisamos ter certeza

Todos ali concordaram

Com a proposta da princesa

 

O Rei disse: – Está correto

Minha filha tem razão

Hoje Camões morrerá

Se não der a explicação

Como o meu anel sumiu

Do dedo da minha mão

 

Fez-se silêncio geral

Entre todos no salão

Esperando que Camões

Perante o Rei da nação

Desse provas que não era

Como acusado, um ladrão.

 

Camões disse: – Ontem à noite

Eu tive um sonho ruim

Que alguém com um anel

Aproximou-se de mim

E essa pessoa era

O jardineiro Crispim

 

Nesta hora o jardineiro

Começou a se tremer

E disse: –Tudo o que eu fiz

Foi com medo de morrer

Sendo uma ordem do rei

Tive que lhe obedecer

 

O rei combinou comigo

Pra na festa eu colocar

O anel dele em seu bolso

E depois lhe acusar

E assim talvez conseguisse

Um jeito de lhe matar

 

E quando estava dançando

Com a princesa eu passei

Por perto e o anel do rei

No bolso e coloquei

Confesso que foi só esse

O crime que pratiquei

 

Camões respondeu: – Por mim

Você estás perdoado

A culpa é do nosso Rei

Que fez tudo planejado

Obedecestes porque

A ele és subordinado

 

Ali todos deram vivas

Pra Camões adivinhão

O Rei na vista de todos

A ele pediu perdão

Dizendo: – És o meu genro

Futuro Rei da Nação

 

Liberto Camões ficou

Alegre junto a Cristina

Logo após o casamento

Viajaram pra Palestina

E foram viver felizes

Segundo a lei nos ensina

 


Literatura de Cordel quarta, 03 de janeiro de 2018

AS PERGUNTAS DO REI E AS RESPOSTAS DE CAMÕES (FOLHETO DE SEVERINO G. DE OLIVEIRA)

 

Leitor, se vós escutar

Esta pequena proposta

Da descrição de Camões

Acha interessante e gosta

Ouvindo o que ele fez

Ri para cair de costa

 

Camões foi um enjeitado

Ninguém sabe onde nasceu

Dizem que acharam ele

Na porta de um fariseu

Num dia santificado

De Santo Bartolomeu

 

O Fariseu quando achou

Levou-o para criar

Com 5 anos botou

Camões para estudar

Com 6 anos ele aprendeu

Ler, escrever e contar

 

Com 7 anos, Camões

Não era mais inocente

Começou a viajar

Pelo mundo abertamente

Profetizando o futuro

O passado e o presente

 

Na hora que o Rei soube

Desse Camões afamado

Mandou logo um Conselheiro

Depressa dar-lhe um recado

Que viesse com urgência

Comparecer ao Reinado

 

Camões, recebendo a ordem

Do Rei, seu superior

Foi direto ao Reinado

Chegando lá com amor

Saudou o Rei, depois disse

Ás ordens, Rei meu senhor

 

O Rei disse pra Camões

Ouça o que vou lhe dizer

Eu tenho 30 perguntas

Para você responder

E faltar uma das tais

Sem recurso vai morrer

 

Camões respondeu ao Rei

Meu trabalho é complicado

Porém o senhor comigo

Vai tomar o bonde errado

Faça lá suas perguntas

Que sou um pouco vexado

 

O Rei disse a Camões

Tu és um menino novo

Vou fazer-te uma pergunta

Aqui perante ao povo

Qual é o melhor da galinha

Camões respondeu o ovo

 

Com l ano e 4 meses

No dia de Carnaval

O Rei encontrou Camões

E perguntou afinal

Camões, me diga dom quê

Ele respondeu com sal

 

O Rei gritou, ora bolas

Agora eu vou enrascá-lo

Camões, você vá na Corte

Ante de cantar o galo

Não vá vestido nem nu

Nem a pé nem a cavalo

 

Camões pensou ali consigo

O Rei comigo não pode

Vestiu-se numa tarrafa

E assanhou o bigode

E para a casa do Rei

Saiu montado num bode

 

Camões chegando gritou

Chegou eu aborrecido

Nem a pé, nem a cavalo

Não cheguei nu nem vestido

O Rei disse nem o cão

Dá jeito a esse bandido

 

O Rei com essa resposta

Quase dava-lhe um murrinho

Chamou Camões e lhe disse

Você com a ordem minha

Vai desleitar um boi

Amanhã de tardezinha

 

Quando foi no outro dia

Camões saiu preparado

Perto da casa do Rei

Deu um grito agigantado

Quando o Rei olhou na porta

Camões vinha disparado

 

Quando Camões foi passando

O Rei disse credo em cruz

Ande vai? Camões disse

Com a ordem de Jesus

Vou buscar uma parteira

Que meu pai quer dar a luz

 

O Rei disse mentiroso

Me diz agora onde foi

Que viste homem dar luz?

Nessa vez Camões disse oi

Me diga qual é a terra

Que se tira leite em boi?

 

Nessa hora, o rei ficou

Em ponto de se morder

Disse Camões, me responda

Sob pena de morrer

Quanto mais cresce mais míngua

O que é que quer dizer?

 

Camões disse, Senhor Rei

A coisa está decidida

Um velho de 80 anos

Já tem idade crescida

Quanto mais cresce a idade

Mais minguam os dias de vida

 

Disse o Rei vou fazer outra

Preste atenção no momento

Quanto mais tira, mais cresce

Responda, em fingimento

Se você responder esta

Eu sei que é bem atento

 

Camões deu uma risada

Com gesto de mangação

Olhou para o Rei e disse

Vou dizer, preste atenção

Quanto mais tira, mais cresce

É um buraco no chão

 

O Rei ficou se mordendo

E saiu encabulado

Chegou em casa pensando

Qual era o plano acertado

Quando acertou disse eita

Morreste, Camões danado

 

Chamou Camões e lhe disse

Se não disser vai pra taca

Vou fazer uma pergunta

Responda se for matraca

Por que é que o bezerro

Só viaja atrás da vaca?

 

Camões respondeu ao Rei

Eu digo perfeitamente

Eu como não tenho estudo

Tenho cá na minha mente

Ele anda atrás da vaca

Porque ela vai na frente

 

O Rei responde está certo

Me respondeu na razão

Quero que responda outra

Qual é o animal então

Que luta com três sentido?

Dê-me essa explicação

 

Camões disse é um cachorro

Magro que só bacalhau

Com um sentido, ele late

Com outro, defende-se de pau

O outro vai no nariz

Farejando o bicho mau

 

O Rei disse adivinhou

Mas tenho outra pra dizer

Se firme, preste atenção

O que vou lhe esclarecer

Se não der resposta certa

O jeito é você morrer

 

Camões disse para o Rei

Minha língua não emperra

O Rei disse então responda

Ligeiro sem fazer guerra

Quem é que nasce e não morre

Em cima de nossa terra?

 

Camões disse, Senhor Rei

O meu pensar não é torto

Isso que o senhor pergunta

Só parte de um aborto

Quem nasce, não morre mais

Com certeza nasce morto

 

O Rei disse eu tenho outra

Para você responder

A pergunta é a seguinte

Responda se se atrever

O que é que o homem faz

Que Deus não pode fazer?

 

Camões disse para o Rei

Vou responder com franqueza

Muitos homens se embriagam

E caem até na fraqueza

De Deus não fazer isso

Eu tenho plena certeza

 

O Rei disse muito bem

Me responda num segundo

Quero que responda outra

Com seu pensar iracundo

Me diga qual o vivente

Que não tem amor ao mundo?

 

Camões respondeu é peixe

Que dentro das águas corre

Porém quando vê o mundo

E alguém não lhe socorre

Ligeiro perde a ação

Com 5 minutos morre

 

O Rei disse está certo

Mas vai perder seu valor

Com esta pergunta agora

Que vou fazer ao senhor

Me diga quem está acima

De Jesus o Salvador?

 

Camões disse eu vou dizer

Com a fé que tenho nele

Agora neste momento

Eu sou forçado a dizer-lhe

Quem vive acima de Cristo

Só é a coroa dele

 

O Rei ficou aí pensando

Com a tal declaração

Disse esse Camões danado

Não em cara de cristão

Pelo jeito me parece

Ser protegido do cão

 

Porém disse ali consigo

Agora eu vou lhe enrascar

Chamou Camões e lhe disse

Outra eu vou lhe perguntar

E esta eu quero ver

Você dizer sem pensar

 

Preste atenção, veja esta

Que muito decente eu acho

Me responda esta pergunta

Cuidado, não passe embaixo

Qual é o animal que

Nasce fêmea e morre macho?

 

Camões disse, Senhor Rei

Isso eu já sei o que é

É um bichinho pequeno

Peto da cor de café

É pulga e só vira bicho

Depois que entra no pé

 

Disse o Rei vou dizer outra

Talvez você não conheça

Se não for experiente

Talvez que você padeça

Qual é o bicho que anda

Com os pés sobre a cabeça?

 

Camões disse esta pergunta

Para mim serve de molho

É mesmo que um cozido

Com coentro, couve e repolho

Quem bota os pés na cabeça

Só pode ser um piolho

 

O Rei disse este danado

O cão é amigo dele

Na charada e na pergunta

No mundo ninguém dá nele

Pelo jeito que eu vejo

Nem o cão enrasca ele

 

Mas eu tenho outra pergunta

Para ele responder

Chamou Camões de lhe disse

É pra você me dizer

O que é que quem não tem

Também não deseja ter?

 

Camões pensou um pouquinho

E nessa ocasião

Chamou o Rei e lhe disse

Na minha decifração

Eu tenho pra mim que é

Doença, intriga e questão

 

O Rei ali levantou-se

E lhe disse vagabundo

Me responda outra pergunta

Em menos de um segundo

Divida a Terra e me diga

Onde fica o meio do Mundo?

 

Camões pegou um compasso

Com muita coragem e fé

Fez uma roda no chão

E no meio botou o pé

E disse para o Rei olhe

O meio do mundo onde é

 

O Rei disse pra Camões

Não interrompa a escrita

Me diga qual é a dor

Que todo homem palpita?

Camões sorriu e lhe disse

É uma moça bonita

 

Com essa resposta o Rei

Saiu todo encabulado

Chegando em casa contou

De Camões o resultado

A Rainha disse eu

Enrasco aquele danado

 

Nisso, a Rainha pegou

Um urinol cor de vinho

Superlotou-o e noite

E saiu muito cedinho

E onde Camões passava

Deixou ele no caminho

 

Quando Camões foi passando

Olhou, ficou abismado

Pegou o vaso dizendo

É muito certo o ditado

Quem não come da galinha

Rói os ossos e bebe o caldo

 

Camões sempre acostumava

Nesse lugar, à tardinha

Olhar para a atmosfera

Em uma pedra que tinha

O Rei, que sabia disso

Convidou logo a Rainha

 

Quando foi de manhãzinha

Da Corte os dois viajaram

Às cinco e meia da tarde

Na dirá pedra chegaram

Levaram ela e logo

Por baixo um papel botaram

 

Quando botaram o papel

Camões chegou apressado

Subiu na pedra e ficou

Olhando pra todo lado

Naquilo, o Rei perguntou

Que fez que está assombrado?

 

Camões disse Senhor Rei

Amargura não dá mel

Saiba Vossa Senhoria

O Mundo não está fiel

Porque a Terra subiu

A altura de um papel

 

Nessa hora, o Rei voltou

Pra casa desenganado

Chegando em casa formou

Um pensamento acertado

Dizendo com esta agora

Eu mato aquele danado

 

Depressa chamou Camões

E foi lhe dizendo assim

Eu quero que você faça

Um trabalho para mim

Com este, ou você escapa

Ou, na falta, leva fim

 

O trabalho é pra você

Ir lá naquele sobrado

Arrancar um cabedal

Que tem num quarto enterrado

Pra ver se por este meio

Acaba o mal-assombrado

 

Camões disse são muitos

Lá cada quarto tem três

Só não posso é arrancar

Todos eles de uma vez

Seis, garanto ao senhor

Em dar-lhe um todo mês

 

O Rei disse muito bem

Do que se passou eu lembro

Nosso contrato está feito

Hoje é 15 de novembro

Basta me dar o primeiro

No meado de dezembro

 

Camões foi lá ao sobrado

E um buraco cavou

Depois comprou uma jarra

No mesmo canto enterrou

Começou a estercar dentro

Até que superlotou

 

Quando a jarra estava cheia

Camões cobriu desta vez

Com 100 moedas de ouro

E saiu com rapidez

Foi convidar o Rei mesmo

No dia que fez um mês

 

O Rei saiu com Camões

Sem fazer cara de choro

E quando chegou no quarto

Que viu o grande tesouro

Disse camões eu preciso

Tomar um banho de ouro

 

Pegou a jarra e amarrou

Sob os caibros do telhado

Ficado debaixo dela

Bateu com um ferro pesado

Quando a jarra abriu-se em bandas

Foi merda pra odo lado

 

Camões desertou dali

E não quis mais brincadeira

Reinou tristeza na Corte

E nessa hora fagueira

Lembram-lhe este folheto

Do trovador Oliveira

 

 

 


Literatura de Cordel sábado, 30 de dezembro de 2017

O BICHO SERRA (CORDEL DE AUTORIA DESCONHECIDA)

 

O BICHO SERRA

Autor Desconhecido

 

Será esse o Bicho Serra?

 

(Agradecimentos ao escritor Robson José Calixto, colunista do Almanaque Raimundo Floriano, pela postagem da foto do suposto Bicho Serra. E ao primo João Ribeiro da Silva Neto, líder do Big Brasa, por ter recuperado a letra deste cordel, que seu pai, Alberto Ribeiro da Silva, meu primo, declamava nos tempos de outrora.)

 

O velho Mané  Sinhô,

Achava-se num deserto,

Deitado de c* aberto,

Chegou um bicho e entrô.

 

Entrô, saiu e voltou,

Indo e vindo agoniado,

Dizem que o bicho é pelado,

Mas tem o pé cabeludo,

Roliço, porem nervudo,

Cego, rombudo e furado.

 

O bicho não é de carne,

De osso também não é,

Não tem braço nem pescoço,

Não se senta, fica em pé.

 

É liso que nem muçu,

Carrega os ovos num saco,

Na falta de outro buraco,

Costuma entrar pelo c*.

 

Não sei dizer o seu nome,

Ou se existe algum capricho,

Negar o nome do bicho,

E só fazer a descrição,

Me diga, Napoleão,

Que eu quero ver tão-somente,

Pra ver se na minha terra,

Tem esse bicho da serra,

Que entra no c* de gente.

 

Fica triste quando come,

Vomita o que não engole,

Ora está duro, ora mole,

Não sei dizer o seu nome.

Diz, porém, a Dona Chica:

"Se a capa for de pelica,

Feita por mãe-natureza,

Pode afirmar com certeza,

Que o nome do bicho é pic@!” 

 


Literatura de Cordel quarta, 27 de dezembro de 2017

A PROPAGANDA DE UM MATUTO COM UM BALAIO DE MAXIXE (FOLHETO DE JOSÉ PACHECO)

 

 

Caros apreciadores

Na Feira do Caldeirão

Eu ouvi a propaganda

De um matuto do sertão

E já portanto escrevi

Tudo que vi e ouvi

Na sua conversação

 

Não é só a propaganda

Com também a disputa

Do fiscal com o matuto

Que quase dá-se uma luta

O mesmo livro contém

O comentário também

De uma mulher matuta

 

Quando o matuto chegou

Às Nove horas do dia

Com um balaio de maxixe

Era o que ele trazia

E dez almas de banana

Se o espírito não me engana

Foi essa a mercadoria

 

Espalhou no meio da Feira

Fez propaganda e gritou

Em tenho os maxixe grande

Agora mesmo encostou

Banana comprida e prata

Ma eu num vendo barato

Cá banana levantou

 

São 10 penca de banana

6 prata e 3 solancó

E uma penca comprida

Qui ainda é mai mió

Quer dizer que forma dez

Dou por um conto de réis

Entra a penca no cocó

 

As banana é de primeira

Os maxixe são graúdo

Um rapaz lhe perguntou

Quanto o senhor quer por tudo

Disse ele novecentos

Disse o rapaz dou quinhentos

Disse o matuto é canudo

 

Sendo somente as banana

O senhor por quanto dá

Ficando os maxixe fora

As banana pode entrar

Dou tudo por oitocentos

Não bote os maxixe dento

E vamos negociar

 

Minha banana tá mole

Pruque eu sou cuidadoso

Se trago a banana dura

Num vendo, fico raivoso

De madura tá vermeia

A casca por fora é feia

Mai o miolo é gostoso

 

Se os maxixe são grande

As banana inda são mai

Eu trouxe foi pra vender

Todo negócio se fai

Porém se ninguém compra

De tarde eu vou vortá

Com os maxixe pra trai

 

Ali chegou um parente

De tal matuto beócio

E lhe disse meu cumpade

Cuma vai o teu negócio

Cumpade, eu vou bem pur cá

Vai me dizendo pua lá

Cuma vai passando os nosso

 

Cuma vai cumade Chica

Sá Caboca e Zé Vintém

As menina de Tingole

E todos mai que lá tem

Tá todo bem e disposto

Disse o matuto é meu gosto

Qui tudo lá teja bem

 

Gosto danosa catinga

Pru muito seca que seja

Tu dá lembrança a Tingole

Pruque tra vei eu num veja

Recebi de Zé Bochudo

Lembrança pá cá pá tudo

Dessa terra sertaneja

 

Disse o matuto não sabe

Zefa fugiu com Fernande

Quem é esse, meu cumpade

Aquele que vende frande

Roubou ela da Serrinha

Correu a noite todinha

Passou na Pindoba Grande

 

Chegou o fiscal da Feira

Trazendo uns papéis na mão

E disse vamos matuto

Pague o direito do chão

Disse o matuto seu guarda

Ainda não vendi nada

Não tenho dinheiro não

 

Tinha 200 mil-réis

Comi de sarapaté

Comprei 4 pão fiado

E 3 chica de café

Isso aqui não é meu só

Porque a penca maió

E os maxixe é da muié

 

Não estou lhe perguntando

Pelos seus particulares

Estou cobrando imposto

Isto é e todos lugares

Não quero articulação

Se não quiser pagar chão

Vá negociar nos ares

 

Disse o matuto eu num pago

Nem um tostão dessa asneira

Qualquer coisa que se bota

No Mercado ou nessa Feira

O senhor vem com espanto

Cobrando tanto e quanto

Isso não é ladroeira?

 

O cobrador respondeu

Não admito porfia

Você não pode vender

Retire essa porcaria

Porcaria não senhor

Disse o matuto é favor

Tratar por mercadoria

 

A mulher do tal matuto

Chegou nessa ocasião

E um filho deles dois

Acabaram a discussão

Pagando a justa quantia

Que o cobrador queria

Pelo direito do chão

 

Venderam tudo de vez

Por mais ou menos dinheiro

Porque o retalhador

Que se chama verdureiro

Botou preço e atacou

Depois de justo pagou

Por quanto eu não dou roteiro

 

Foi-se embora o cobrador

Começaram a conversar

A mulher disse meu veio

Agora vou te contá

Quando tu vei mai João

Na tua costa um ladrão

Fo no poleiro roubá

 

Eu não peguei mai no sono

Já era de manhãzinha

Eu vi bulir no poleiro

Estrumei a cachorrinha

Quando Piaba peitou

O ladrão se abaixou

E vi ele cá galinha

 

Arribei os 3 cachorro

Peixim, Cascudo e Xerém

Pela brecha da parede

Vi mai não conheci bem

Dispoi reparei por baixo

Vi que era um cabra macho

Por um buraco que tem

 

E eu já hoje avisei

A cumade Manuela

Que é pa cumade ter

Cuida do ca casa dela

E cuma ela é vizinha

Ela pode ter ca minha

E eu muito mai ca dela

 

Disse o matuto muié

Nós precisa se cuidá

Se tranca todos os bicho

Mode o ladrão num roubá

Fale com a Fulozina

Venda os bicho das menina

Mas o seu deixe ficar

 

Venda a porca da Zefa

A cabra da Filismina

O capado da Zabé

A jumenta da Firmina

A besta russa da Chica

E a castanha da Lica

Vai ficá pra Bernardina

 

Venda o burro do Cosme

E o galo de Damião

A bezerra da Quitéria

O cachorro do Gusmão

A bacorinha da Terta

A borrega da Roberta

E o bode azul do Simão

 

A muié disse meu véio

Você com uma faceta

Já falou nos bicho todo

Es as garça da Riqueta?

Quanto são, nós também tranca

Disse ela 8 é branca

E 9 ca garça preta

 

E que se foi dos cachorro

O Pintado e o Felpudo

E o Melado ele disse

Num se vende fica tudo

Chico fica cu Pintado

Eu vou ficar cu Melado

E você cu Cabeludo

 

Depois da Feira voltaram

Às quatro horas e meia

Não sei eu horas chegaram

Talvez na hora da ceia

Quando os pobres camponeses

Por não erem luz às vezes

Acendem a pobre candeia

 

Finalmente terminei

Me desculpa populaça

A linguagem do matuto

Hoje é diversão na praça

Porque a conversação

É torta que só cordão

Dentro do bolso da calça

 


Literatura de Cordel quarta, 20 de dezembro de 2017

É BENEDITO ALVES TIU, FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO

o sertão do cariri
Dentro do Sítio Ventura
Começou a aventura
Que eu vou contar aqui
Quando estive lá ouvi
E quem falou não mentiu
Até sua mulher riu
E disse fique à vontade
Para falar a verdade
De Benedito Alves Tiu

Antes de tudo que fez
Vou dizer quando nasceu
Se não for engano meu
Foi no dia vinte e três
E dezembro foi o mês
Em que o menino surgiu
Num cantinho do Brasil
Cujo nome é até longo
É de Santana do Congo
O Benedito Alves Tiu

O ano foi trinta e um
E o Estado Paraíba
Não quero que se exiba
Mas já ouvi o zum zum
Que jamais em tempo algum
Valente igual não se viu
Quem o enfrentou sumiu
Dizendo na região
Só tem Brás e seu irmão
O Benedito Alves Tiu

Naquele bravo sertão
Cortava palma pro gado
E plantava no roçado
Algodão, milho e feijão
Assim esse cidadão
Seu sustento garantiu
Mas quando dali partiu
Pra morar noutra cidade
Enfrentou dificuldade
O Benedito Alves Tiu

Não se sabe exatamente
Se fez alguma besteira
Pois quando foi pra Pesqueira
Foi tudo tão de repente
Perguntei a muita gente
Porque foi que ele partiu
Mas quem sabia só riu
Sem querer me dizer nada
Pois é um bom camarada
O Benedito Alves Tiu
 
Pra não viver de arrego
Resolveu sair dali
Partiu para Ouricuri
À procura de emprego
Porém não teve sossego
E até saudade sentiu
Então ele desistiu
Voltando a terra do doce
E foi lá que empregou-se
O Benedito Alves Tiu
          
Mesmo sem habilidade
Porém com muito vigor
Foi trabalhar no motor
Que dava luz à cidade
Quando a eletricidade
No nordeste evoluiu
E a Paulo Afonso surgiu
Ele foi aproveitado
Por já ser capacitado
O Benedito Alves Tiu

Voltando ao velho sertão
Apenas pra passear
Começou a namorar
Uma filha de Bião
Bonita e de tradição
Como igual nunca se viu
Mas quando a mão ele pediu
Cunhados acharam ruim
Porém casou mesmo assim
O Benedito Alves Tiu

Com graça e com formosura
Dona Socorro Pereira
Quando chegou à Pesqueira
Foi pra máquina de costura
Hoje ta na prefeitura
E também já assumiu
A cadeira que surgiu
De professora do Estado
Tendo sempre lhe apoiado
O Benedito Alves Tiu

Homem do sertão sofrido
Que não cursou faculdade
Tem a grande qualidade
De ter nos filhos investido
Lutando neste sentido
Bom resultado já viu
Pois ele já conseguiu
Ter cinco filhos formados
E tem dois encaminhados
O Benedito Alves Tiu

Veranice era Tostão
Dentro do seu arrebol
Só porque no voleibol
Dava muita empolgação
Seu pai sentiu emoção
Num jogo que assistiu
Mas logo ela desistiu
Para fazer faculdade
Dando mais felicidade
A Benedito Alves Tiu

Ela hoje é Enfermeira
A profissão de Ana Nery
E como o nome sugere
É doutora de primeira
Pois dedicou-se à carreira
Com isso muito subiu
Porém nunca se exibiu
Mas seu nome sempre brilha
E é a primeira filha
De Benedito Alves Tiu

Vaneide era agitada
Quando era pequenina
Dizem até que essa menina
Já deixou gente internada
Porém sempre foi prendada
E com um jeito sutil
Quando cresceu conseguiu
Ser professora do Estado
Deixando mais sossegado
O Benedito Alves Tiu

Não quis ir pra capital
Para poder estudar
Preferindo se casar
Na sua terra natal
Porém ela não fez mal
Porque ali garantiu
Outro emprego que surgiu
E também fez faculdade
Satisfazendo a vontade
De Benedito Alves Tiu

Walkíria muito queria
Cursar uma faculdade
E pra sua felicidade
Alcançou num belo dia
Entrou em Sociologia
Porém futuro não viu
Então ela desistiu
E fez Secretariado
Deixando mais animado
O Benedito Alves Tiu
       
Sua vida melhorou
Logo no segundo emprego
Pois sem precisar de arrego
Em um concurso passou
Foi trabalhar no Metrô
Onde o salário subiu
E o que mais conseguiu
Pra ter vida predileta
Foi dar um genro poeta
A Benedito Alves Tiu

Nasceu José Valderi
Que foi seu segundo filho
Porém teve pouco brilho
Pois ao céu teve que ir
Mas pra substituir
Outro garoto surgiu
Pacato e também gentil
Valderi Alves Pereira
Fotocópia verdadeira
De Benedito Alves Tiu

Formou-se em Agronomia
E é muito competente
Também é fã do repente
E é bom de poesia
Porém nossa parceria
Que há muito tempo surgiu
Somente se repetiu
Na base do vai não vai
Para falar do seu pai
O Benedito Alves Tiu

Cristiane a mais mimada
Ao chegar à capital
E ver a vida infernal
Ficou um pouco assustada
Mas foi muito aconselhada
Até que o medo sumiu
Então ela insistiu
Fazendo vestibular
Pra poder tranqüilizar
O Benedito Alves Tiu

Para sua alegria
Passou no vestibular
E o que a fez vibrar
Foi passar no que queria
Pois fez Odontologia
Como a Deus ela pediu
Além disso conseguiu
Dá mais prazer ao painho
Porque ela é o denguinho
De Benedito Alves Tiu

O filho Chateaubriand
Para mamãe é o dengo
Porque nem mesmo o flamengo
Consegui ter tanta fã
Todo metido a galã
Meu conselho já ouviu
Porque a AIDS surgiu
E eu disse tome cuidado
Pra não deixar preocupado
O Benedito Alves Tiu
      
Quando veio estudar
Aqui nesta capital
Pra fazer primeiro grau
E tentar vestibular
Chegou até a chorar
Porque saudade sentiu
Mas logo desinibiu
Estudando com fervor
E quer ser mais um doutor
De Benedito Alves Tiu

Elétrico durante o dia
Também de noite na cama
Programou o ponta de rama
Que é a sua alegria
Pois nasceu como queria
Um filho forte e viril
Simpático e de muito brio
Retrato de muito amor
Que mostra todo vigor
De Benedito Alves Tiu

Júnior de jeito pacato
Estuda primeiro grau
Jamais fez uma final
Sendo do pai um retrato
Porque este é sempre exato
Assim dizem de Seu Biu
Apelido que surgiu
De amigos da profissão
Sendo ele a emoção
De Benedito Alves Tiu


Literatura de Cordel quarta, 13 de dezembro de 2017

A COLETA SELETIVA E A RECICLAGEM DE LIXO (FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO)

 

Da Consciência Ecológica
Devemos sempre lembrar
Pois quem pensa no futuro
Para a vida melhorar
Não gera lixo jamais
Só gera materiais
Que possamos reciclar

Nós devemos começar
Lembrando que antigamente
O lixo era tudo aquilo
Que não servia pra gente
Mas hoje pro nosso bem
Nosso lixo agora tem
Um conceito diferente

O Lixo é basicamente
O que a gente joga fora
Que não servia pra nada
Mas que hoje se explora
Porque as sobras humanas
De aglomerações urbanas
Têm utilidade agora

Diferente de outrora
Fazemos separação
De tudo que é reciclável
E do resto do lixão
Porque garrafas pintadas
Podem ser utilizadas
Por quem faz decoração

Pra fazer a seleção
De todos materiais
Vamos separar os plásticos
Papéis, vidros e metais
Pois pra mandar reciclar
Nós devemos afastar
Esse lixo dos demais

 

Problemas ambientais
Como a poluição
Produzida pelo lixo
Faz mal a população
Hoje temos consciência
Que o lixo da residência
Deve sofrer redução

E pra isso a solução
É a gente praticar
A Coleta Seletiva
Que consiste em separar
O lixo que é descartável
Do que é reaproveitável
Para mandar reciclar

Reciclar é transformar
Os materiais usados
Noutros produtos que possam
Ser comercializados
E a Minimização
Dos resíduos do lixão
Pressupõe ter três cuidados

Três termos utilizados
Para se minimizar
O primeiro é Reduzir
Depois Reaproveitar
Pra que o verso não emperre
O outro também tem R
O R de Reciclar

Nós devemos separar
Entre os materiais
Os que não são recicláveis
Como pratos e cristais
Alimentos estragados
E lixos contaminados
Não se juntam aos demais

Pra todos materiais
Existem recipientes
Que facilitam a Coleta
Tendo cores diferentes
E a identificação
É uma padronização
De todos os continentes
 
Cinco cores diferentes
Devemos utilizar
No VERDE botamos vidro
Mas sem precisar quebrar
Pois com o vidro quebrado
Se não for bem colocado
Alguém pode se cortar

No AZUL vamos botar
Todo lixo de papel
Que seja grande ou pequeno
Botaremos a granel
E para não se enganar
Todos devem procurar
Aprender neste cordel

E dentro desse plantel
De cores pra reciclagem
VERMELHO é para o plástico
Que serve de embalagem
AMARELO é pra metal
Que às vezes até faz mal
Guardado numa garagem

Terminando essa listagem
Do que é reaproveitável
Tem recipiente CINZA
Pro lixo não reciclável
E assim quando for comprar
Você deve procurar
Embalagem retornável

Outra atitude louvável
É pensar nos descendentes
Não destruindo o planeta
Com atos inconsequentes
E o maior dos desafios
É não agredir os rios
Com produtos poluentes

As lâmpadas fluorescentes
Nós devemos reciclar
Pois elas liberam gases
Que podem contaminar
O solo e a água da gente
Indo consequentemente
Pra cadeia alimentar
 
Já tinha ouvido falar
Em alguma reportagem
Sobre a decomposição
Chamada de Compostagem
Agora eu tenho certeza
Que com ela a natureza
Faz a sua reciclagem

Microorganismos agem
Nessa decomposição
E animais invertebrados
Têm a participação
Na presença de umidade
Eles fazem na verdade
A sua alimentação

Com essa grande ação
Eles ajudam a gente
Porque transformam o lixo
Em um adubo excelente
E Deus com sua grandeza
Mostra que a Natureza
Preserva o Meio Ambiente

E assim daqui pra frente
Nossa preocupação
É dizer pra todo mundo
Que temos obrigação
De fazer o impossível
Para acabar, se possível
Com toda poluição

Vamos transmitir então
Para o público em geral
Que a Coleta Seletiva
Hoje é fundamental
E além de não poluir
Ajuda a diminuir
O aquecimento global

Ela é essencial
Porque causa redução
Dos gastos com energia
E custos de produção
Mas também se recomenda
Porque gera emprego e renda
Na comercialização

Ela tornou-se uma ação
Barata e eficiente
Pra proteger as florestas
E a saúde da gente
Se todo mundo ajudar
Juntos, vamos preservar
O nosso Meio Ambiente

Recife – outubro/2009

 


Literatura de Cordel quarta, 06 de dezembro de 2017

PRAZERES E VÍCIOS DO CIGARRO (FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO)

Todo fumante me diz
Fumar é muito gostoso
E antes de acender
Todo cigarro é cheiroso
Mas quem aprende a tragar
Com certeza vai entrar
Num processo vicioso

Se você for cauteloso
E prestar bem atenção
Vai ver que pra ser fumante
Tem mais de uma razão
Além do doce e café
Um outro motivo é
Vício de imaginação

Vou dá uma explicação
Sobre esse vício danado
Basta o sistema nervoso
Andar um pouco abalado
Depois de dá um pigarro
Bota na boca um cigarro
Sem nem sequer ter notado

Hoje já está provado
Na química e na medicina
Que o vício de fumar
É devido à nicotina
Pois dentro de um vivente
Deixa ele dependente
Dessa triste toxina

O fumo é quem determina
O seu viver rotineiro
Pois não sabe fazer nada
Sem esse seu companheiro
Não tem fossa de vontade
Pra buscar a liberdade
E sair do cativeiro

Se acaso for ao banheiro
De noite ou de madrugada
Quando se deita na cama
A pessoa viciada
Mesmo que tente fugir
Nunca consegue dormir
Antes de uma tragada

Quando está com uma amada
Por mais que faça esparro
Percebendo que deixou
Sua carteira no carro
Deixa de lado quem ama
Se levantando da cama
Para ir buscar cigarro

Coloca cinza no jarro
Quando não lhe dão cinzeiro
E quem dele se aproxima
De longe sente seu cheiro
Porque quando um cidadão
Bota um cigarro na mão
Já polui o corpo inteiro

Parece até um bueiro
O nariz de um fumante
Um cigarro atrás do outro
É fumaceiro constante
Irritando muita gente
Poluindo o ambiente
E o cabelo da amante

Ele inventa a todo instante
Um motivo pra tragar
Quando bebe um gole dágua
Procura logo fumar
Porém não é invenção
É sua submissão
Que não pode dominar

Mal acaba de acordar
Procura logo um cigarro
Também a caixa de fósforos
E um cinzeiro de barro
Se estiver resfriado
Depois que tiver tragado
É que vai soltar o catarro

Depois que solta o catarro
Volta a fumar novamente
E faz isso tão ligeiro
Que nem ele mesmo sente
Antes de ingerir comida
Deixa a casa fedida
E polui a sua mente

Eu conheço muita gente
Que começou a fumar
Ainda na adolescência
Somente pra se mostrar
Hoje que está viciado
Muitas vezes tem tentado
Mas não consegue deixar

Só o fato de tragar
Aumenta mais o prazer
O cabra acha gostoso
Depois é que vem saber
Que ele foi programado
Pra lhe deixar viciado
E do fumo depender

Quando acaba de comer
Um prato doce ou salgado
Só sacia sua fome
Depois que tiver tragado
Essa é a triste sina
De quem deixa a nicotina
Fazer-lhe um viciado

Um fumante inveterado
Não sente sabor nem cheiro
Tendo consciência disso
Pensa em deixar ligeiro
Não precisa de estudo
Pra saber que além de tudo
Vive queimando dinheiro

É igual a cachaceiro
Porque na vida não manda
E nas suas decisões
O cigarro é quem comanda
Também é discriminado
Pois além de isolado
Em muitos carros não anda

Quando escuta a propaganda
Do cigarro preferido
Se estiver num local
Cujo fumo é proibido
Se afasta do lugar
Só para poder fumar
Sem ver que foi induzido

O cabra fica esquecido
Se o cigarro lhe faltar
Porque o fumo na mente
Além de envenenar
Também causa dependência
E trás como conseqüência
Não poder raciocinar

Quem por acaso andar
Com um fumante ativo
Mesmo odiando cigarro
É um fumante passivo
Porque em uma tragada
A fumaça que é jogada
Tem muito gás que é nocivo.

Esse é mais um motivo
Pro cabra ser alertado
Pois além da nicotina
E do alcatrão falado
O fumo tem componentes
Pra matar seus dependentes
E quem tiver ao seu lado

Não quero ser abusado
Só quero lhe ajudar
Por isso nesse momento
Eu vou procurar mostrar
Que além de bom pigarro
Tem mais males que o cigarro
Em breve vai lhe causar

Um edema pulmonar
Uma asma, uma bronquite
Uma angina no peito
Talvez você não evite
Sendo uma cabra de sorte
Antes de chegar à morte
Terá úlcera e gastrite

Aumentando o apetite
Pelo cigarro padrão
Você pode ter certeza
Irá perder a tesão
Se com isso não morrer
Você ainda vai ter
Um bom câncer no pulmão

Antes de ir pro caixão
Terá esquizofrenia
Aliás, essa doença
Já é comum hoje em dia
Por isso pra se salvar
É melhor você deixar
O vício que asfixia

Pra sair dessa agonia
Precisa ter disciplina
E ter força de vontade
Para mudar a rotina
Se não consegue sozinho
Então o melhor caminho
É partir pra medicina

O vício da nicotina
Faz tudo mudar de rumo
Pois além de dá prazer
Ele estimula o consumo
Até eu que era obeso
De fumar e perder peso
Um dia quase que sumo

Quem acredita que o fumo
Faz conquistar avião
Achando que dá status
E lhe faz cidadão
Depois vai ficar sozinho
Sem avião nem carinho
Em um maldito caixão

Tragar nos dá emoção
É magia indefinível
E para quem é fumante
Ter que parar é terrível
Mas posso lhe garantir
Que se você decidir
Vai ver que será possível

Nada lhe é impossível
Ou tão difícil na vida
Quando a força de vontade
Por você é comedida
Controlando a emoção
Agindo pela razão
Toda batalha é vencida

Quem saiu dessa com vida
Hoje vive muito bem
Pois não precisa pedir
Nem dar cigarro a ninguém
Vê a vida com amor
Quando sente o sabor
Que uma comida tem

Agora para o seu bem
Deixo aqui o meu recado
Pra você ser mais feliz
Deixe o cigarro de lado
Eu já cumpri meu papel
Escrevendo este Cordel
Até mais, muito obrigado.


Literatura de Cordel quarta, 29 de novembro de 2017

GERAÇÕES DE POETAS E REPENTISTAS QUE DIVULGAM A CULTURA NORDESTINA (FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO)

Estou dividindo os tempos
De quem foi bom repentista
Faço a partir de oitocentos
Cinco Gerações na lista
Que a nata NUNES DA COSTA
Teve a Primeira conquista

Essa família de artista
Da cidade de Teixeira
Teve o pai AGOSTINHO
Para a Paraíba inteira
Depois NICANDRO e UGULINO
Seguiram sua carreira

Esta Geração Primeira
Teve como descendente
Uma família famosa
Na viola e no repente
É a família “Batista”
Que canta até o presente

Falando de antigamente
O MANOEL SERRADOR
Junto com o BILINGUIM
Formou dupla de valor
E foi BERNADO NOGUEIRA
Um grande improvisador

Sendo o maior cantador
Da segunda geração
É SILVINO PIRAUÁ
Quem dá nome à divisão
Pois ele fez a “sextilha”
Modificando o “quadrão”

Para sua geração
“Pirauá” serviu de elo
Criando a “regra da deixa”
E inventando o “martelo”
Fazendo o nosso repente
Cada vez ficar mais belo

Pelo nome dele eu zelo
Mas não caio na besteira
De dizer que foi maior
Que ROMANO DO TEIXEIRA
Pois esse foi o seu mestre
Em toda sua carreira

Tinha ANSELMO VIEIRA
No Ceará pra cantar
Além de NECO MARTINS
Cantador bom de lascar
E ZÉ PRETINHO que criou
O “Galope à beira-mar”

Eu agora vou voltar
À cidade de Teixeira
Lembrando FERINO GOIS
Um cantador de primeira
E GERMANO DA LAGOA
Que não levava rasteira

Lembro CLAUDINO ROSEIRA
Do agreste pernambucano
E o filho do “Teixeira”
Que foi JOSUÉ ROMANO
Outro grande cantador
Do solo paraibano

Seguiram no mesmo plano
INÁCIO DA CATINGUEIRA
Com JOSÉ QUEIROZ MORENO
Junto a GAUDÊNCIO PEREIRA
E um grande potiguar
Foi MANOEL CABACEIRA

Teve GALDINO BANDEIRA
O maior da divisão
Na arte de fazer rima
E da improvisação
Que nos deixou quatro netos
Para quarta geração

MANOEL PRETO LIMÃO
Foi um grande repentista
E o CEGO CESÁRIO LOPES
Foi da terra do artista
JOSÉ MARTINS PIRAUÁ
Irmão do dono da lista

Essa terra é de artista
Falo sem dizer boatos
Pois já deu XICA BARROSA
Para confirmar os fatos
Por dar “Silvino” e “Galdino”
Eu parabenizo a Patos

Devido aos anonimatos
A lista não sai inteira
Mas nela eu vou falar
Que VITORINO FERREIRA
Foi avô de dois da quarta
E pai de dois da terceira

Levando sua carreira
De Timbaúba pro mundo
Ninguém pode esquecer
Quem foi MANOEL RAIMUNDO
O maior “martelador”
E um poeta profundo

Foi primeiro sem segundo
O ZÉ DUDA DO ZUMBI
Que nasceu na Paraíba
E veio viver aqui
Sendo o maior repentista
Segundo um livro que li

Essa eu não engoli
Mas não vou julgar sozinho
Quero apenas lembrar
De um JACÓ PASSARINHO
E de PEDRO BELARMINO
Que estava neste caminho

ZÉ VICENTE é deste ninho
Que só tem bom repentista
Junto com HELENO BELO
E ANTÔNIO GUEDES BATISTA
Sobrinho de “Ugulino”
Que foi da primeira lista

ODILON NUNES na lista
De quem sabe improvisar
Encontrou JOÃO MALAQUIAS
Por este mundo a cantar
E FRANCISCO PEQUENO fez
Pedras de Fogo vibrar

Agora vamos falar
Da Terceira Geração
Que tem PINTO DE MONTEIRO
Como representação
Pois ele foi o maior
Repentista da Nação

A minha admiração
Pela inspiração que tinhas
Me faz de pedir, ó Pinto
Para abençoar as minhas
Pois vou sair das “sextilhas”
E entrar nas “sete linhas”

Hoje por onde caminhas
Tu deves ter bom destino
Porque encontras poetas
Do tipo de ASCENDINO
Desta tua  geração
Também partiu AZULÃO
E JOAQUIM BERNARDINO

Foi JOAQUIM VITORINO
Outro bom na cantoria
Que nasceu em Pernambuco
Nos dando muita alegria
Porque nos deixou dois filhos
Que vão seguindo seus trilhos
Nos congressos de hoje em dia

Toda Paraíba ouvia
O mestre ANTÔNIO GUERREIRO
E ALEIXO DANTAS BARBOSA
Da cidade de Monteiro
No Rio Grande do Norte
Feliz foi quem teve a sorte
De ouvi DANIEL RIBEIRO

Faz parte deste celeiro
O mestre JOSÉ FAUSTINO
Que é pai de “Ivanildo”
Outro grande paladino
Tem também PEDRO AMORIM
E um irmão de “Joaquim”
O MANOEL VITORINO

Tem o JOSÉ BERNADINO
Do sertão pernambucano
Irmão de AMARO e “Joaquim”
E teve MANOEL CAETANO
Que foi o pai de “Raimundo”
E também foi deste mundo
ARCELINO AURELIANO

Cantador pernambucano
Que também é deste ninho
É o JOSÉ ANANIAS
Que agora é meu vizinho
Em São José do Egito
O povo lembra do mito
Que foi ANTÔNIO MARINHO

Tem JOSÉ ALVES SOBRINHO
Poeta e radialista
Que nasceu na Paraíba
E teve DIMAS BATISTA
Um grande pernambucano
Juntamente com seu mano
O OTACÍLIO BATISTA

Também LOURIVAL BATISTA
Vem aumentar esta frota
De São José do Egito
Pra quem dez é pouca nota
Pra Pernambuco o deleite
Foi ROGACIANO LEITE
E hoje é JÓ PATRIOTA

Seguindo na mesma rota
A Paraíba é primeira
Com o poeta do absurdo
O saudoso ZÉ LIMEIRA
E ainda na Paraíba
Vem cantando JOÃO FURIBA
Com quem “Pinto” fez carreira

Também tem JOÃO SILVEIRA
Dentro desta geração
E BELARMINO DE FRANÇA
Que nasceu no mesmo chão
E o grande MANOEL XUDU
Cantou com ZEZÉ LULU
Rompendo o nosso sertão

Nessa minha inspiração
A Deus eu peço uma luz
Pra falar do repentista
Que foi JOSUÉ DA CRUZ
E em solo paraibano
O grande JOÃO CAETANO
Não é ouro, mas reluz

A minha mente conduz
Pra falar muito mais
Lembrando JOSÉ PATRÍCIO
E ROMANO ELIAS DA PAZ
E também JOSÉ SOARES
Que por diversos lugares
Também foi dos maiorais

Repentista bom demais
E de improviso forte
Era DOMINGOS FONSECA
Do Rio Grande do Norte
Também RAIMUNDO PELADO
Que era do mesmo lado
E era do mesmo porte

Pena que não tive a sorte
De ouvir outro potiguar
Chamado MANOEL CALIXTO
Que tinha o dom de rimar
Mas hoje tem o seu filho
Seguindo no mesmo trilho
Da arte de improvisar

Um poeta popular
E homem de muita fé
Está nesta geração
PATATIVA DO AÇARÉ
Em Monteiro HELENO PINTO
Foi irmão do mestre “Pinto”
Como ninguém, hoje é.

Remando nessa maré
Pernambuco faz bonito
Pois teve AGOSTINHO LOPES
De São José do Egito
Exu mostra seu valor
Com o JOÃO SERRADOR
Que por lá nunca foi frito

Não ouvi, mas acredito.
Que uma das coisas belas
É ouvir MANOEL DOMINGOS
Da cidade de Panelas
Antes da lista vindoura
Lembro EDUARDO MOURA
Que nunca cantou balelas

Seguindo essas passarelas
Vou pra Quarta Geração
Em “Décima de sete sílabas”
Mas não é exibição
Só faço por um motivo
É pra não ser cansativo
Na minha elucidação

Para esta geração
Dois nomes resolvi dar
Pois o primeiro lugar
Ninguém sabe escolher não
Eles deram inspiração
Pra esta lista inteira
Eu escolhi na carreira
Mas sei que você aprova
IVANILDO VILA NOVA
E o mestre PEDRO BANDEIRA

Neto do velho “Galdino”
“Pedro Bandeira” é irmão
De CHICO, DAUDETH e JOÃO
Que vão no mesmo destino
São cantadores de tino
Do solo Paraibano
E FRANCISCO AURELIANO
Lá também fez cantoria
BULE BULE da Bahia
É cantador sem engano

No Vale do Pajeú
Tem o ISMAEL PEREIRA
E tem ADAUTO FERREIRA
Que é de Caruaru
“Eu sou melhor do que tu”
Ele cantando alucina
JOSÉ GALDINO em Carpina
Deixa um negro maluco
Esta arte em Pernambuco
ANISTALDO LINS ensina

Ceará botou na lista
Três cabras bons no repente
Pra mim o que vem na frente
É o ZENILDE BATISTA
Mas neste rol de artista
GERALDO AMANCIO é primeiro
Ou pode ser o terceiro
Porque para lhe ser franco
Eu conheço LOURO BRANCO
Outro grande violeiro

Tive muitas alegrias
E considero foi sorte
Do Rio Grande do Norte
Já ouvi SEBASTIÃO DIAS
Em um congresso há alguns dias
Também ouvi ZÉ CARDOSO
Que com um verso gostoso
Por todos foi aplaudido
E ANTÔNIO NUNES tem sido
Outro poeta famoso

Tem SEVERINO FERREIRA
Nesta terra potiguar
Cantador bom de lascar
Como SINÉSIO PEREIRA
Numa “deixa” de primeira
A Paraíba tem mais
Como DOMINGOS THOMÁS
Também sei que tu te encantas
Se ouvir FENELON DANTAS
Cantando nos festivais

Quando DINIZ VITORINO
Participa de um congresso
Ele faz muito sucesso
Porque é cantador fino
Cantando desde menino
Na cidade de Monteiro
É segundo ou é primeiro
Como disse seu José
Pois SEBASTIÃO SILVA é
Outro grande violeiro

Pernambuco se levanta
Dentro desta nova glosa
Com SEVERINO FEITOSA
Que no improviso encanta
Muita gente se espanta
Quando escuta minervina
O que também me fascina
É ver SANTINHA MAURÍCIO
Que canta sem sacrifício
“Tudo eu sei ninguém me ensina”

“Comigo o rojão é quente”
Diz MOCINHA DE PASSIRA
E quem nela se inspira
Canta e glosa facilmente
É Pernambuco presente
Com sua matéria-prima
Onde também tá de cima
OLIVEIRA DE PANELAS
Que faz poesias belas
Na junção de versos e rima

DINIZ BATISTA tem tino
E Timbaúba aprovou
TINDARA também mostrou
Que é repentista fino
Da terra do paladino
“IVANILDO VILA NOVA”
JOSÉ GONÇALVES deu prova
Que é mestre no repente
Já cantou com muita gente
E em quase todos deu sova

JOSÉ DIONÍZIO é quente
Lá na cidade de Pombos
Porque já deu muitos tombos
Na viola e no repente
É repentista excelente
O grande JOSÉ CAETANO
Cantador paraibano
De muito juízo e tino
Como HELENO SEVERINO
Do agreste pernambucano

“Decassílabo” eu vou usar
Para Atual Geração
E na modificação
Estou querendo provar
Que a arte de improvisar
Por ser rica e cristalina
Nunca vai virar rotina
Como a cantiga dos grilos
Pois tem diversos estilos
A viola nordestina

Pra dar nome a esta quinta geração
Escolhi dois poetas não me engano
O primeiro é JOÃO PARAIBANO
Resistência da nobre profissão
Sendo símbolo da arte no sertão
O segundo já é bem conhecido
Onde chega cantando é aplaudido
Porque é cantador que tem refino
Escolhi LOURINALDO VITORINO
Porque tem essa arte defendido

Cantador do sertão pernambucano
VALDIR TELES empolga no repente
Porque é repentista inteligente
Como é DIOMEDES MARIANO
Pra cantar um “martelo alagoano”
EDVALDO ZUZU é um doutor
Em Carpina ele é o vencedor
Por ser bom no repente e bom de glosa
MAXIMINO BEZERRA em Venturosa
Também é outro grande cantador

Ceará nos cedeu NONATO COSTA
Revelando-se na nova geração
Muito novo entrou na profissão
Porém onde cantar o povo gosta
JOÃO LOURENÇO também não perde aposta
Cantadores com ele são fregueses
E se ouvires ROGÉRIO MENEZES
Com certeza eu sei tu te espantas
Foi assim quando ouvi JOMACI DANTAS
Dedilhando a viola tantas vezes

Quando canta um “rojão pernambucano”
MOACIR LAURENTINO faz bonito
E outro cabra que está virando mito
É o mestre RAIMUNDO CAETANO
Enfrentando FRANCISCO que é seu mano
Ele faz uma grande cantoria
Como faz um rapaz de Alexandria
Que aonde cantar se pede bis
Me refiro a FRANCISCO DE ASSIS
Um dos grandes poetas de hoje em dia

Vendo ZÉ LUIZ CARLOS no improviso
Todo mundo admira seu projeto
E também se escutar ZÉ LUIZ NETO
A platéia se escancara num sorriso
O RAIMUNDO NONATO tem juízo
Pra fazer boa glosa e fazer loa
E o grande ANTÔNIO LISBOA
Faz sucesso na terra potiguar
Quando EDÍSIO CALIXTO vai cantar
Eu já sei vai ter cantoria boa

Mil desculpas eu vou pedir agora
Aos diversos poetas repentistas
Que apesar de brilharem como artistas
Deste meu cordelzinho ficaram fora
Imprensei o que pude a toda hora
Sinto muito não deu para escrever
Mas a minha homenagem vou fazer
Porque sempre os terei na minha mente
“Viva sempre o poeta do repente
Para nossa cultura não morrer!”

 


Literatura de Cordel quarta, 22 de novembro de 2017

É ASSIM QUE A GENTE FALA (FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO)

No Brasil pra se expressar

Há diferenciação

Porque cada região

Tem seu jeito de falar

O Nordeste é excelente

Tem um jeito diferente

Que a outro não se iguala

Alguém chato é Abusado

Se quebrou, Tá Enguiçado

É assim que a gente fala

 

Uma ferida é Pereba

Homem alto é Galalau

Ou então é Varapau

E coisa ruim é Peba

Cisco no olho é Argueiro

O sovina é Pirangueiro

Enguiçar é Dar o Prego

Fofoca aqui é Fuxico

Desistir, Pedir Penico

Lugar longe é Caxaprego

 

Ladainha é Lengalenga

E um estouro é Pipoco

Qualquer botão é Pitoco

E confusão é Arenga

Fantasma é Alma Penada

Uma conversa fiada

Por aqui é Leriado

Palavrão é Nome Feio

Agonia é Aperreio

E metido é Amostrado

 

O nosso palavreado

Não se pode ignorar

Pois ele é peculiar

É bonito, é Arretado

E é nosso dialeto

Sendo assim, está correto

Dizer que esperma é Gala

É feio pra muita gente

Mas não é incoerente

É assim que a gente fala

 

Você pode estranhar

Mas ele não tem defeito

Aqui bala é Confeito

Rir de alguém é Mangar

Mexer em algo é Bulir

Paquerar é Se Inxirir

E correr é Dar Carreira

Qualquer coisa torta é Troncha

Marca de pancada é Roncha

E a caxumba é Papeira

 

Longe é o Fim do mundo

E garganta aqui é Goela

Veja que a língua é bela

E nessa língua eu vou fundo

Tentar muito é Pelejar

Apertar é Acochar

Homem rico é Estribado

Se for muito parecido

Diz-se Cagado e Cuspido

E uma fofoca é Babado

 

 

Desconfiado é Cabreiro

Travessura é Presepada

Uma cuspida é Goipada

Frente de casa é Terreiro

Dar volta é Arrudiar

Confessar, Desembuchar

Quem trai alguém, Apunhala

Distraído é Aluado

Quem estar mal, Tá Lascado

É assim que a gente fala

 

Aqui valer é Vogar

E quem não paga é Xexeiro

Quem dá furo é Fuleiro

E parir é Descansar

Um rastro é Pisunhada

A buchuda é Amojada

E pão-duro é Amarrado

Verme no bucho é Lombriga

Com raiva Tá Com a Bixiga

E com medo é Acuado

 

Tocar em algo é Triscar

O último é Derradeiro

E para trocar dinheiro

Nós falamos Destrocar

Tudo que é bom é Massa

O Policial é Praça

Pessoa esperta é Danada

Vitamina dá Sustança

A barriga aqui é Pança

E porrada é Cipoada

 

Alguém sortudo é Cagado

Capotagem é Cangapé

O mendigo é Esmolé

Quem tem pressa é Avexado

Uma sandália é Percata

Uma correia, Arriata

Sem ter filho é Gala Rala

O cascudo é Cocorote

E o folgado é Folote

É assim que a gente fala

 

Perdeu a cor é Bufento

Se alguém dá liberdade

Pra entrar na intimidade

Dizemos Dar Cabimento

Varrer aqui é Barrer

Se a calcinha aparecer

Mostra a Polpa da Bunda

Mulher feia é Canhão

Neco é pra negação

Nas costas, é na Cacunda

 

Palhaçada é Marmota

Tá doido é Tá Variando

Mas a gente conversando

Fala assim e nem nota

Cabra chato é Cabuloso

Insistente é Pegajoso

Remédio aqui é Meisinha

Chateado é Emburrado

E quando tá Invocado

Dizemos Tá Com a Murrinha

 

Não concordo, é Pois Sim

Tô às ordens é Pois Não

Beco do lado é Oitão

A corrente é Trancilim

Ou Volta, sem o pingente

Uma surpresa é, Oxente!

Quem abre o olho Arregala

Vou Chegando, é pra sair

Torcer o pé, Desmintir

É assim que a gente fala

 

A cachaça é Meropeia

Tá triste é Acabrunhado

O bobo é Apombalhado

Sem qualidade é Borreia

A árvore é Pé de Pau

Caprichar é Dar o Grau

Mercado é Venda ou Bodega

Quem olha tá Espiando

Ou então, Tá Curiando

E quem namora Chumbrega

 

Coceira na pele é Xanha

E molho de carne é Graxa

Uma pelada é um Racha

Onde se perde ou se ganha

Defecar se chama Obrar

Ou simplesmente Cagar

Sem juízo é Abilolado

Ou tem o Miolo Mole

Sanfona também é Fole

E com raiva é Infezado

 

Estilingue é Balieira

Uma prostituta é Quenga

Cabra medroso é Molenga

Um baba ovo é Chaleira

Opinar é Dar Pitaco

Axilas é Suvaco

E cabra ruim é Mala

Atrás da nuca é Cangote

Adolescente é Frangote

É assim que a gente fala

 

Lugar longe aqui é Brenha

Conversa besta, Arisia

Venha, ande, é Avia

Fofoca é também Resenha

O dado aqui é Bozó

Um grande amor é Xodó

Demorar muito é Custar

De pernas tortas é Zambeta

Morre, Bate a Caçuleta

Ficar cheirando é Fungar

 

A clavícula aqui é Pá

Um mal-estar é Gastura

Um vento bom é Frescura

Ali, se diz, Acolá

Um sujeito inteligente

Muito feio ou valente

É o Cão Chupando Manga

Um companheiro é Pareia

Depende é Aí Vareia

Tic nervoso é Munganga

 

Colar prova é Filar

Brigar é Sair no Braço

Nosso lombo é Ispinhaço

Faltar aula é Gazear

Quem fala mais alto ou grita

Pra gente aqui é Gasguita

Quem faz pacote, Embala

Enrugado é Ingilhado

Com dor no corpo, Ingembrado

É assim que a gente fala

 

Um afago é Alisado

Um monte de gente é Ruma

Pra perguntar como, é Cuma

E bicho gordo é Cevado

A calça curta é Coronha

Um cabra leso é Pamonha

E manha aqui é Pantim

Coisa velha é Cacareco

O copo aqui é Caneco

E coisa pouca é Tiquim

 

Mulher desqualificada

Chamamos de Lambisgóia

Tudo que sobra, é Bóia

E muita gente é Cambada

O nariz aqui é Venta

A polenta é Quarenta

Mandar correr é Acunha

Ter um azar é Quizila

A bola de gude é Bila

Sofrer de amor, Roer Unha

 

Aprendi desde pivete

Que homem franzino é Xôxo

Quem é medroso é um Frouxo

E comprimido é Cachete

Sujeira em olho é Remela

Quem não tem dente é Banguela

Quem fala muito e não cala

Aqui se chama Matraca

Cheiro de suor, Inhaca

É assim que a gente fala

 

Pra dizer ponto final

A gente só diz: E Priu

Pra chamar é Dando Siu

Sem falar, Fica de Mal

Separar é Apartá

Desviar é Ataiá

E pra desmentir é Nego

Quem está desnorteado

Aqui se diz Ariado

E complicado é Nó Cego

 

Coisa fácil é Fichinha

Dose de cana é Lapada

Empurrão é Dar Peitada

E o banheiro é Casinha

Tudo pequeno é Cotoco

Vigi! Quer dizer, por pouco

Desde o tempo da senzala

Nessa terra nordestina

Seu menino, essa menina!

É assim que a gente fala


Literatura de Cordel quarta, 15 de novembro de 2017

MENINO DE RUA (FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

Eu vi sua indiferença
Quando você me olhou
Mas por favor, pare um pouco
E pense no que eu sou
Se eu sou pequeno assim
É que a vida não deu a mim
O direito de crescer
Eu vivo ao Deus nos acuda
E preciso de uma ajuda
Pra poder sobreviver

Seu filho nasceu feliz
Pois pra dormir teve berço
Eu também seria assim
Se ao menos tivesse um terço
Porém o que me sobrou
Foi a rua onde estou
E não as bancas da escola
Sem estudo e sem comer
Ao invés de aprender ler
Aprendi a cheirar cola

Não me trate por bandido
Porque bandido eu não sou
Se eu aprendi a pedir
A vida é que me obrigou
Se eu pudesse escolher
Juro que eu queria ser
Um menino educado
Filho de gente grã-fina
Com casa boa e piscina
Com saúde e alimentado

Você passa no seu carro
Da vida toda contente
Me olha de cara feia
Como se eu não fosse gente
Mas saiba que como os seus
Também sou filho de Deus
Apenas não tive sorte
De ser filho da senhora
Por isso eu lhe peço agora
Não deseje a minha morte

Se não quer me fazer bem
O mal também não me faça
Porque eu não sou culpado
De viver nessa desgraça
Passando necessidade
Vejo que a sociedade
Esta sim é a culpada
Porque na sua ganância
Só quer tudo em abundância
Deixando o pobre sem nada

Eu não sei o que é carinho
Porque mamãe não me deu
Pois em toda sua vida
Sofreu tanto quanto eu
Vivendo pra trabalhar
Apenas pra sustentar
Os seus filhinhos com vida
Vive na infelicidade
E ainda na flor da idade
Já é uma velha sofrida

Eu sei que na sua casa
Tem uma linda cadela
E eu já seria feliz
Se vivesse igual a ela
Pois ela tem boa vida
Carinho, banho e comida
Cada qual no seu horário
E também quando adoece
Eu sei que logo aparece
Um Médico Veterinário

Enquanto o seu filho tem
Dentista, médico e hospital
E uma boa enfermeira
Se acaso passar mal
Eu nunca fui ao doutor
E quando sinto uma dor
Aumenta mais o meu tédio
Pensando que vou morrer
Pois não tendo o que comer
Como vou comprar remédio

Skates, patins, videogame
Seu filho tem desde cedo
Eu em toda minha vida
Nunca ganhei um brinquedo
Sou pequeno e magricela
Sem ter nenhuma chinela
Para proteger meus pés
Vejo o seu filho lindo
Ganhando e sempre pedindo
O que já tem mais de dez

Sem poder me alimentar
Mamãe me mandou pro mundo
Mesmo guardando em seu peito
Um sofrimento profundo
Eu hoje vivo a pedir
Sem ter para onde ir
Pois meu teto é sol e lua
Num mundo sem esperança
Sem direito a ser criança
Eu sou menino de rua

Recife, 17 de abril de 1993

 


Literatura de Cordel quarta, 08 de novembro de 2017

O COLORIDO DE COLLOR QUE A GLOBO NUNCA MOSTROU (FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO)

 

 

Quero alertar o povo

Par votar consciente

Porque nem sempre o mais novo

É o melhor para a gente

Pois esse Collor de Mello

Que dizem ser o mais belo

Não é novo no cenário

E mesmo sendo de chita

Não é gaiola bonita

Que dá comer a canário

 

Votar pela aparência

Como muita gente faz

É falta de consciência

Que prejudica demais

Pra concurso de beleza

Até eu tenho certeza

Que Collor é favorito

Mas para ser presidente

E trabalhar pela gente

Não precisa ser bonito

 

Precisa ter compromisso

Com nossa gente sofrida

Tendo lutado por isso

Desde o início da vida

Precisa capacidade

Além de seriedade

Coisa que Collor não tem

Pois quem esconde o passado

Deixando o povo enganado

É demagogo também

 

Entre os dez candidatos

Que já estão em campanha

Sejam velhos ou novatos

Cada um tem uma barganha

Collor quer ser diferente

Se dizendo independente

Sem estar comprometido

Mas é tudo marmelada

Pois atrás tem uma cambada

De empresário escondido

 

Desde bancos nacionais

Deputados e prefeitos

Até multinacionais

Querem que ele seja eleito

Mas a grande Rede Globo

Que faz o povo de bobo

É o seu maior padrinho

Pois Collor na presidência

Vai aumentar a potência

De Seu Roberto Marinho

 

Collor é proprietário

De rádio e televisão

Mas vejo que empresários

Vivem sempre em comunhão

Porque o SBT

Que sempre quis ser poder

Também entrou no “Complô”

Levando Collor pra “Praça”

Pra “Hebe”, que é sem graça

E programa do “Jô”

 

Olhando para pesquisa

Não fico preocupado

Mas vejo que se precisa

Mudar este resultado

Pois conheço muita gente

Que inconscientemente

Diz que Collor é mudança

Mas mostrando seu passado

Provo que está enganado

Quem tem essa confiança

 

Collor que ser novidade

No meio dos concorrentes

Mas veja que na verdade

Seu passado não consente

Antes de ser deputado

Foi prefeito nomeado

Do falido P.D.S.

Foi colega de Sarney

Disso eu também já sei

E quem sabe não se esquece

 

Collor é renovação

Para quem está por fora

Mas preste bem atenção

No que vou dizer agora

Na eleição indireta

De maneira indiscreta

Em Maluf ele votou

E na antiga Arena

Que ele hoje condena

O seu pai foi senador

 

Tentando ser presidente

Com o apoio do povo

Só aparece pra gente

Dizendo que é o novo

Mas como vocês tão vendo

O que Collor vem dizendo

Da política brasileira

É só coisa descabida

Pois em toda sua vida

Foi político de carreira

 

Diz que vai moralizar

A política do país

Mas quando vai começar

Ninguém sabe ninguém diz

Pois Collor na prefeitura

Aprendeu com a ditadura

Que devia apadrinhar

E cinco mil filiados

Ele deixou empregados

Somente para mamar

 

O que fez na prefeitura

Achou que foi natural

Pois repetiu sem bravura

Na Câmara municipal

Onde provou para a gente

Como é incoerente

O discurso que ele faz

Porque sempre criticou

Mas também foi criador

Dos famosos marajás

 

 ollor reclama que o povo

Está de mal a pior

Mas não soube ser o novo

Na capital Maceió

Pois pra fazer o serviço

Da retirada de lixo

Mais imposto quis criar

E quando alguém reclamou

A polícia ele jogou

Para o povo se calar

 

Eu não consigo parar

Em falar deste sujeito

Pois pra onde agente olhar

Aparece mais defeito

Diz que é político sério

Mas dentro do seu império

De rádio e televisão

Deixou muitos jornalistas

Sem direitos trabalhistas

Mostrando ser mau patrão

 

Há muita incoerência

No Collor anda falando

E com certa paciência

Eu vou dizendo e provando

Pois sendo governador

Muita coisa ele aprontou

Com o seu eleitorado

E tendo vida bacana

Nunca esteve uma semana

No governo do estado

 

Sabendo do que ele fez

Num passado bem recente

Eu mostro mais uma vez

Que Collor é incoerente

O prefeito do interior

Que nunca se filou

Ao seu PRN

Sofreu discriminação

Ficando sem nenhum tostão

Do dinheiro do I.C.M.

 

Diz ao povo brasileiro

Que vai acabar com a fome

Esquece que sem dinheiro

Nenhum ser humano come

Pois quem foi seu funcionário

Perdeu muito salário

Porque Collor no poder

Foi um grande ditador

E também nunca pagou

Gatilho ou U.R.P.

 

Para ser renovador

Defende a democracia

Mas um observador

Vê que é demagogia

Pois provou que foi criado

E que também foi cevado

Na estufa da ditadura

Reprimindo jornalista

E também radialista

Pra cultivar a censura

 

Collor não quer debater

Com outro seu concorrente

Dizendo que vai fazer

A campanha diferente

Mas o medo que ele tem

É que apareça alguém

Para mostrar a Nação

Que a fama que ele ganhou

De ser um renovador

É pura tapeação

 

É um falso moralista

Pregando seriedade

Pois sendo oportunista

Usou da vivacidade

Quando a veja publicou

Que ele era o “caçador”

Dos famosos “Marajás”

O povo foi enganado.

Porque lá no seu Estado

Ele mesmo é um dos tais

 

Diz que vai erradicar

O nosso analfabetismo

Mas onde a Globo está

Só vejo oportunismo

Pois ela sempre apoiou

O Governo ditador

Que nos deu tanta inflação

Por isso fique ciente

Se Collor for presidente

Vai ser o fim da Nação

 

Se a gente for comparar

Com o Reino de Avilan

A Globo é Ravengar

E Collor é Lucian

Pois no lugar de Sarney

Ele será como um rei

Sem ter pena de ninguém

Porque este concorrente

Ao cargo de presidente

É o pior que se tem

 

Se você ficou chocado

Com tudo que eu falei

Me chame cabra safado

Diga que sou Sarney

Pra poder desabafar

Pode me esculhambar

Dizendo que eu pirei

Pois posso rasgar dinheiro

Mas como bom brasileiro

Em Collor não votarei

 

Se pensa votar em Collor

Apenas pra protestar

Eu peço por Deus Apolo

Pense antes de votar

Pois o povo brasileiro

Quer da um voto certeiro

Para não ser enganado

Por isso lembro a você

Veja o que vai fazer

Com nosso povo explorado 

 

Ismael Gaião

Condado, junho de 1989.


Literatura de Cordel quarta, 01 de novembro de 2017

JOAQUIM HONROU A SUA TOGA - NÃO DEFENDE SAFADO NEM LADRÃO (FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO)

 

O Ministro Joaquim honrando a sua toga,

não defende safado nem ladrão

(Mote do poeta Allan Sales)

 

Allan Sales:

O juiz que mostrou que tem coragem
E peitou seu Gilmar tão prepotente
Afro toga mostrou que é decente
E deixou para nós bela mensagem
Com Joaquim não terá tal vassalagem
Só justiça terá com tal varão
Com Gilmar sem o Dantas na prisão
Dona justa que ali toma no boga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Ismael Gaião:

No Brasil muita gente ainda pensa
Que a justiça é feita para o povo
Mas já vimos que não é fato novo
Corrução e a venda de sentença
Basta dar uma grande recompensa
Que o rico não vai para prisão
A Justiça lhe dar a proteção
E o povo é quem toma no boga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Allan Sales:

Um juiz que possui dignidade
Que falou do decoro do supremo
Pois tem cabra que ali é voz do Demo
Promover entre nós a impunidade
Joaquim com caráter da hombridade
Só povão do Brasil é seu patrão
Com Gilmar que perdeu a discussão
O Brasil por justiça muito roga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Ismael Gaião:

Um prefeito eu vi denunciado
Por ter sido eleito ilegalmente
A Justiça lhe deu grande presente
Pois deixou seu processo arquivado
Isso eu vi na cidade de Condado
Ocorrer na penúltima eleição
Comprovando pra minha frustração
Na Justiça o dinheiro é o que voga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Allan Sales:

Joaquim nos honrou com sua fala
E falou o que nós aqui pensamos
E com ele lutar como lutamos
E deixar podridão feder na vala
Joaquim cabra bom Gilmar não cala
Rabo preso não tem retidão
O supremo na voz com decisão
O clamor popular nunca se afoga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Ismael Gaião:

O prefeito cumpriu o seu mandato
Como se, nada ali fosse errado
E ficou para o povo do Condado
Que aquilo era apenas um boato
Mas eu pude verificar o fato
E saber que sem ter filiação
O prefeito entrou na eleição
E ninguém contra ele advoga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Allan Sales:

Defendeu com coragem o pensamento
E falou que Gilmar tem seus capangas
E não foi vacilão em meio às zangas
Fez de si honorável instrumento
Joaquim foi sublime este momento
Foste voz do pensar desta Nação
Estarás entre nós és nosso irmão
O sentir da justiça desafoga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Ismael Gaião:

Eu já vi um Juiz apavorado
Com a mudança que houve em Pernambuco
Porque ele ficou feito um maluco
E depressa saiu lá do Condado
Por um tempo fiquei desconfiado
Mas depois tive a comprovação
Porque esse Juiz tem caminhão
E o contrato o prefeito só prorroga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Allan Sales:

Quem falou e peitou tal poderoso
E mostrou como faz homem de bem
Tribunal bem maior que o povo tem
Contra todo chacal mais mafioso
Joaquim teve gesto corajoso
Nos orgulha tens raça ó negão
Foi Zumbi que guiou-te a falação
Com Gilmar aplacando tanta goga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Ismael Gaião:

Ministros do Supremo Tribunal
Fizeram homenagem a Gilmar
Pois um ano acabou de completar
Não importa se o que ele faz é mal
O que importa é que a Corte Federal
Quis mostrar para o resto da Nação
Que Joaquim mesmo tendo retidão
No Supremo a sua voz não voga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Allan Sales:

Tribunal que será daqui pra frente
Com você por demais mais respeitado
Um poder tão fulcral de nosso estado
Que merece gestão da mais decente
O povão massacrado já descrente
Com os tais tão venais por profissão
Vamos nós pra louvar-te com razão
E banir do Brasil toda essa droga
O Ministro Joaquim honrando a toga
Não defende safado nem ladrão

Recife, 02 de maio de 2009

Literatura de Cordel segunda, 30 de outubro de 2017

O MENINO QUE ATRAVESSOU O ARCO-ÍRIS (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)

1

Vou contar uma história

E garanto que é verdade

Pois o fato acontecido

Deu-se na minha cidade

Com um pai ignorante

Que de maneira arrogante

Quis mostrar autoridade.

2

Juninho era diferente,

Dos meninos do lugar,

Gostava de ver a mãe

Sentadinha a costurar

Fazia casa na mão

Até pregava botão

Tinha jeito pra ajudar.

3

O jovem cresceu alegre

Repleto de animação.

Ô menino dançador!

Dizia a população,

Dançava bem de verdade

Essa era a realidade

Chamava mesmo atenção.

4

Tinha o cabelo bonito

Bem cheiroso e bem tratado

Era muito vaidoso

Mas o pai desconfiado

Achava tão diferente

Aquele faceiro ente

Por ele um dia gerado.

5

Vendo sua mãe ocupada

Corria para ajudar

Botava os pratos na mesa

No almoço e no jantar

Muito jeito ele tinha

Limpava toda cozinha

Pois gostava de arrumar.

6

Um dia Junior chegou

Com as orelhas furadas

Duas bonitas argolas

Nas orelhas penduradas

A mãe achou tão bonito...

O pai meteu logo o grito

Quis dar umas bofetadas.

7

 

Junior com a ira do pai,

Ficou muito apavorado

Até tentou falar grosso,

Mas saiu desafinado

Pois o pai enfurecido

Via bem enraivecido

O seu filho desviado.

8

Quando a mãe quis defender

Começou a desgraceira.

Pois o pai bradava irado

Um monte de baboseira

Foi a maior confusão

E começou o sermão

Que rendeu a tarde inteira.

9

Menino que usa pulseira,

Tem um destino cruel,

Hoje vai usando brincos

E acaba usando o anel

Levando vida sem lei

Termina virando gay

Não aceito este papel.

10

Juninho bem revoltado

Com aquela situação,

Pensou consigo mesmo

Vou deixar o meu rincão

Sonhava ser passarinho

Bater asas do seu ninho

Pra fugir da opressão.

11

A mãe aflita rezava

Pedindo a nosso senhor

Rogando pelo seu filho

Chorava na sua dor

Pedia com devoção

A Deus uma solução

Implorando com fervor.

12

Resolveu que seu menino

Não seria humilhado

Ele era inteligente

E foi muito bem criado

Podia ser diferente

Porém muito inteligente

E ela estava ao seu lado

13

Mãe e filho conversaram

E chegaram a conclusão

Junior tinha que partir

E deixar o seu torrão

Bem longe do seu lugar

Trabalhar e estudar

Buscando uma profissão.

14

Almejava novo mundo,

Queria crescer na vida.

Foi para cidade grande

Numa atitude atrevida

E viu tudo melhorar

Porque soube batalhar

Procurando uma saída.

15

Não demorou muito tempo

Para mostrar seu talento.

A sua fama crescia,

Também seu contentamento

Correto em sua postura

Fazendo alta costura

Crescia a cada momento

16

Seu nome estampou revista

Foi noticia no jornal

Os vestidos das dondocas

Carregavam seu aval

Desfilava e competia

Nas festas a fantasia

Em tempos de carnaval.

17

Um artista de mão cheia

Estava fadado a ser.

O sucesso se notava

Ele batalhou pra ter

Se hoje é grande estilista

Costurando para artista

Ele fez por merecer.

18

A mãe que sempre o amou

Aplaudiu o seu sucesso

O seu pai baixou a crista

Esqueceu o retrocesso

Ficou até orgulhoso

Em ter um filho famoso

E saber do seu progresso.

19

O acossado menino

Virou Gente de dinheiro

Viajou pra todo lado

Foi até ao estrangeiro

E cresceu na profissão

Teve a sua ascensão

Fama como costureiro.

20

Jamais esqueceu a mãe

O anjo da sua estrada

Pra ela dava de tudo

Não deixava faltar nada

Com ela sempre contou

Carinho nunca faltou

Daquela mãe adorada.

21

Aquele pai tão severo

Cheio de preconceito

Notando a fama do filho

Até mudou de preceito

Deixou de ser rigoroso

O dinheiro milagroso

Fez do filho um bom sujeito.

22

O dinheiro muda tudo,

Retrógrado pensamento.

Filho não importa o sexo

É fruto de sentimento

É preciso ponderar

E com lisura acatar

Evitando sofrimento.

23

Cada palavra ofensiva

Cada agressão do passado

Que vem de pai para filho

Fica no peito marcado

Se um pai se torna carrasco

A vida vira um fiasco

Para o filho amargurado.

24

Os tempos hoje são outros

Vamos prestar atenção

Em vez de execrar um filho

Melhor mesmo é dar a mão

Aceitar as diferenças

Modificar nossas crenças

Praticar compreensão.

Fim

Cordel de Dalinha Catunda


Literatura de Cordel sábado, 28 de outubro de 2017

HISTÓRIA DAS SETE CIDADES DA SERRA DA IBIAPABA - CE (FOLHETO DE APOLÔNIO ALVES DOS SANTOS)

 

COM AGRADECIMENTOS  A PEDRO FERNNDO MALTA

A poesia adverte
Ao meio estudantil
Falando sobre um Estado
Que há em nosso Brasil
A terra de Iracema
Belo torrão varonil.

É sobre o Ceará
Que dou esta explanação
Suas terras, seus encantos
E sua vegetação
Seus pontos mais pitorescos
De grande admiração.

Eu já tenho escrito várias
Histórias interessantes
Com esta quero atingir
Os pontos mais importantes
O que outros escritores
Nunca escreveram antes.

Porém esta trajetória
Um instante eu vou mudar
Seguindo em outro roteiro
Quem vai mais interessar
À muitos estudiosos
Que gostam de pesquisar.

Na história brasileira
Minha ideia penetrou
Portanto quero versar
O que outro não versou
Uma história que a história
Do Brasil pouco contou.

Antes da vinda de Cristo
Há mil cento e tantos anos
A Tróia fora invadida
Pelos gregos desumanos
Deixando subjugado
Todos os poderes troianos.

 

E depois disso dez anos
Começou a emigração
Em todas terras de Tróia
Gente de outra nação
Foram os cários comandados
Por outra rebelião.

E em todo território
Pelos gregos comandados
Serviu para os povos cários
Que vinham desnorteados
Com todos seus descendentes
Ficaram aí situados.

Então os filhos de Tróia
Que se acharam vencidos
Em combates com os gregos
Ficaram então destruídos
Sem terra despatriados
Da sorte desprotegidos.

Logo o chefe dos fenícios
Tomou uma decisão
Reuniu todo seu povo
Formando grande esquadrão
E seguiu de mar a dentro
N’uma grande expedição.

Há mil cem anos então
Antes de Cristo, chegou
Aquela frota fenícia
Em uma costa ancorou
No nordeste do Brasil
E um porto ali fundou.

Ali entre dois Estados
Ceará e Maranhão
Os fenícios que vieram
Na citada expedição
Fizeram ali de Tutóia
Sua grande fundação.

É o porto de Tutóia
Na capital São Luiz
Estado do Maranhão
Que aquele povo quis
Lembrando Tróia a cidade
E seu passado infeliz.

Antes da vinda de Cristo
A mil e cinqüenta anos
Nas margens do Parnaíba
Houve ali muitos planos
Dos bons colonizadores
Com seus ideais humanos.

E naquela mesma época
Os colonos ancestrais
Nas margens do Parnaíba
Plantavam seus cereais
Aproveitando os baixios
Até chegar em Goiás.

De toda Ibiapaba
Foram cultivando a serra
Pela subida do rio
Parnaíba, que encerra
As tribos dos Tabajaras
Se apossaram da terra.

Fundou-se ali uma sede
Pelo comando geral
Da tribo dos tabajaras
E a província atual
Chama-se Sete Cidades
Ou Parque Nacional.

Também tem sete cidades
No vale do grande rio
Chamado de Acaraú
O qual no tempo de estio
A sua margem oferece
Um majestoso plantio.

As suas belas cidades
São: Massapé e Sobral
Santana do Acaraú
Morrinhos que é legal
Marcos e a Bela Cruz
E Acaraú afinal.

Os chefes das grandes tribos
Fizeram muito gentis
Dali das Sete Cidades
Com seus terrenos fertis
Uma sede sobre ordem
Do congresso dos Tupis.

Tupi era o nome dado
Por todos com grande afã
Que veneravam o poder
Do supremo Deus Tupã
A religião pregada
Por aquele fé cristã.

-Pelos Sacerdotes Cários
que vieram ao Brasil
juntamente aos Fenícios
na mesma época de mil
antes da vinda de Cristo
pela base estudantil.

Foram catequizadores
Com ordem benevolente
Da mesma ordem dos três
Reis Magos do Oriente
Que adoraram em Belém
A Jesus Onipotente.

Nesse tempo o rei Hiram
De Tiro, fez aliança
Com rei Davi da Judéia
Visando uma esperança
De explorar a Amazônia
Brasileira, com pujança.

Isto há mil e oito anos
Antes de Cristo chegar
O rei Davi da Judéia
Concordou se aliar
Com o rei Irã de Tiro
A fim de compartilhar.

Com pouco tempo depois
Daquela combinação
Faleceu o rei Davi
Mas deixando a sucessão
A seu filho ainda jovem
Chamado de Salomão.

Então o rei Salomão
Depois que foi proclamado
Com o rei Hiram de Tiro
Continuou aliado
Para explorarem a Amazônia
Conforme foi combinado.

A um grande rio deram
O nome de Solimões
Em homenagem ao vulto
Querido das mulheres
Salomão o grande rei
Que ditou boas ações.

E a cidade de Tiro
Foi destruída depois
Há anos antes de Cristo
Trezentos e trinta e dois
Por rei Alexandre Magno
Com outra ordem se opôs.

E durante setecentos
E sessenta e nove anos
Continuou relações
Marítimas, com vários planos
E transas comerciais
Com ideais soberanos.

A Fenícia atual Síria
Com bases fundamentais
Tratava com o Brasil
Contatos comerciais
E descobrindo das terras
As riquezas colossais.

Com quatro anos após
Foi a grande expedição
Do rei Alexandre Magno
Na sua peregrinação
Para a América do Sul
Com heroísmo e brasão.

Depois da era de Cristo
Chegou uma grande frota
Trazendo Fernando Telles
Esse nobre patriota
Onde os fenícios e Cabral
Usaram a mesma rota.

Então o Fernando Telles
Veio a serviço real
Usando as calmarias
Pois o rei de Portugal
Pesquisou todo roteiro
Antes de enviar Cabral.

Foi em mil e quatrocentos
E setenta e três, realmente
Que chegaram a terra excelente
E a sede do comando
Instalaram certamente.

Fundou-se as 7 cidades
Da serra de Ibiapaba
Viçosa e depois Tinguá
Que se eleva até a aba
Pois as suas tradições
Nem seu progresso se acaba.

É a terceira cidade
Chamada de Ubajara
Na serra do mesmo nome
Tem sua beleza rara
A quarta é São Benedito
Cidade formosa e cara.

A quinta é Ibiapina
A sexta é Guaraciaba
A sétima é Flexeirinha
Onde dá muita mangaba
São estas 7 cidades
Da serra de Ibiapaba.

A Gruta do Ubajara
E o Parque Nacional
É uma lembrança eterna
Um símbolo memorial
Quando os fenícios e os cários
Chegaram aqui afinal.

E Pedro Álvares Cabral
Segundo os ensinamentos
Chegou em Porto Seguro
No ano de 1500
O Brasil inda não tinha
Progresso, nem andamentos.

-Só índios bravos selvagens
comandavam as regiões
as qualidades dos mesmos
eram de cinco milhões
divididos em várias tribos
quase trezentas nações.

As principais tribos eram
Tabajaras, Potiguares
Onde as terras inda não eram
Divididas em hectares
Eram todas devolutas
Sem terem donos nem lares.

A terceira raça era
A tribo dos Cariris
Os descendentes dos Cários
E a tribo dos Tupis
Que chamavam a Deus Tupã
Igualmente os Guaranis.

No sudeste do país
Ocupavam as grandes serras
Longe da orla marítima
Viviam naquelas terras
E contra a civilidade
Sempre promoviam guerras.

A região dos Tupis
No sul de Itaparica
No delta do Parnaíba
Terra fértil e muito rica
Abundante em cajueiros
Carnaúba e oiticica.

O grande Fernando Telles
Era um governador
Possuía grande frota
Ao seu inteiro dispor
Eram oito caravelas
Cada qual de mais valor.

-Então o Fernando Telles
Com sua intuição
Requereu de El-Rei
Uma certa doação
Pra d’uma ilha distante
Fazer sua exploração.

-Instruiu a petição
com minucioso mapa
daquelas sete cidades
que naquela mesma etapa
visitou pessoalmente
conforme ver-se na capa.

Entrou também na história
O Joaquim Coriolano
Junto a José Luiz Alves
Sem empenharam sem engano
E Bruno Alvas da Costa
Todos pensavam um só plano.

Estes se encarregaram
Em fazer demarcações
Das partes mais importantes
Que faziam ligações
E o rio Acaraú
Ficou sendo as divisões.

Entre os grandes Estados
Ceará e Maranhão
No vale do Parnaíba
Aonde viviam então
Os tupis e potiguares
Ocupando a região.

-Grande várzea em extensão
até o rio Acaraú
ao leste do Estado
lá viviam o índio nu
colhendo frutas indígenas
pequi, mangaba e umbu.

Então quando viajou
Pedro Alvares Cabral
Já vinha orientado
Pelo rei de Portugal
Para usar as calmarias
Pela costa ocidental.

-assim em duas etapas
foi descoberto o Brasil
primeiro Fernando Telles
navegador varonil
segundo Pedro Cabral
nos trouxe prazeres mil.

Primeiro Fernando Telles
Afirmamos com certeza
Achou as 7 cidades
N’uma terra de grandeza
Que foi mantido em segredo
Pela corte portuguesa.

O grande rio Parnaíba
Nascia duma lagoa
Chamada Upá-Açu
Duma água fina e boa
Aonde o povo habitante
Navegava de canoa.

Hoje é o grande açude
Por nome de Sobradinho
Cujo açude é uma fonte
Para o povo vizinho
Abundante e favorável
Para quem mora pertinho.

…O Jaguaribe e Piranha
da mesma também nasciam
e na mesma vice-versa
diversos rios caíam
formando uma delta gigante
rios entravam e saiam.

O rio Acaraú
Nasce de uma catarata
Numa grandiosa serra
Sua água é cor de prata
Dum lago subterrâneo
No centro da grande mata.

Assim ficou na história
Como marco oficial
Nosso Brasil descoberto
Por Pedro Álvares Cabral
Em abril de 1500
Data histórica universal.

…Mas afirma Schwennhagen
que a história real
vem do arquivo exclusivo
do Tombo de Portugal
na repartição das ilhas
é esta a prova legal.

E em mil e novecentos
E vinte dois com razão
No dia do centenário
Houve a comemoração
Do Brasil independente
Ficando livre a nação.

Na Serra Ibiapaba
No nordeste do Estado
Junto a cidade Morrinhos
Um estrangeiro chamado
Afonso Estreito, ficou
Ali naturalizado.

Devemos grande homenagem
A esse nobre senhor
Que foi oficialmente
O primeiro agricultor
Da nossa terra Brasil
Como colonizador.

Pois foi ali no estreito
Sobre as encostas do rio
Chamado de Mucuripe
Onde seu clima é sadio
Que se fundou a província
Terra do índio bravio.

Na serra de Ibiapaba
Houve como integração
Apoio daquele chefes
Donos dessa região
Igual Jerônimo Albuquerque
Governo do Maranhão.

E em mil setecentos
E dezoito, Ibiapaba
Conhece oficialmente
O chefe daquela taba
O governador dos índios
O grande Morubixaba.

Nessa época os Potiguares
Com objetivo pleno
Em nome do povoado
Que fundaram em seu terreno
Prestaram ajuda ao guerreiro
Martim Soares Moreno.

Para evitar desembarque
Dos inimigos Franceses
Nosso nobre Afonso Estreito
Instrutor dos camponeses
Em vigilância aguardava
Invasão dos holandeses.

-Ao mesmo tempo esperava
Sem temer nenhum perigo
O grande Fernando Ulmo
Seu velho sócio e amigo
Genro de Fernando Telles
E seu sucessor antigo.

Entre as afirmações
Deste trabalho tão fino
Dolorido assinado
Pelo herói nordestino
Francisco Onofre da Ponte
Que compõe seu belo hino.

…E Maestro arranjador
compositor e artista
internacionalmente
conhecido folclorista
professor da nossa música
popular, nacionalista.

…Este é filho natural
da cidade de Morrinhos
Estado do Ceará
Onde seus pais com carinhos
O ensinaram a trilhar
Os mais brilhantes caminhos.

Belas terras cearenses
Que ilustra o meu poema
Onde só se conhecia
O amargo da jurema
E as florestas selvagens
Do índio e da tangapema.

Pois em mil e novecentos
E cinqüenta e oito nasceu
A cidade de Morrinhos
Com todo prestígio seu
Depois que o desbravador
Daquela prole morreu.

-Por isso pode chamar-se
uma cidade Menina
com as glórias primitivas
que a tradição determina
permitindo a sua planta
na região nordestina.

…Antigamente era um sítio
abrigo dos camponeses
para colonizadores
fenícios e portugueses
onde hoje é terra culta
para criação de rezes.

Mostramos também o hino
Com letra e música grã-fina
Do maestro filho nato
Da região nordestina
Onofre homenageado
Sua cidade Menina.

Aqui prezados leitores
Acabo de descrever
Levando este romance
Verá que tem mais prazer
Estes que moram em Morrinhos
Sabendo bem se have


Literatura de Cordel quarta, 25 de outubro de 2017

O ENCONTRO DE MICHAEL JACKSON COM O MENINO JESUS

Para muitas gerações
Michael Jackson brilhou,
Com canções maravilhosas
Que a todo mundo encantou
E no dia que partiu
O mundo todo chorou.

Sua carreira baixou
Porque ele cometeu
Alguns deslizes na vida
E o mundo todo sofreu
Mas com a sua magia
Aos poucos se reergueu

Eu sei que Michael morreu
Como um facho de luz
Mas quando chegou ao céu
Usando um lindo capuz
Perguntou logo a São Pedro:
Cadê Menino Jesus?

São Pedro pegou a cruz
E começou a falar
Antes de entrar no céu
Procure se ajoelhar
Pois pra falar com Jesus
Você precisa rezar

E Michael sem reclamar
Fez algumas orações
Depois perguntou ao Santo
Se ali tinha Mansões,
Uma sala com Cinema
E Parque de Diversões

Michael queria Galpões,
Para poder abrigar
Animais raros, exóticos
Do seu Zoo particular,
Jardins e Quadra de Tênis
Pois gostava de jogar 

Ele queria encontrar
Uma Estação de Trem
Muitas Passagens Secretas
E um grande Lago também,
Tudo na maior luxúria
Pois isso Neverland tem

Sempre foi gente do bem
Porém a sua alegria
Era viver só de luxo
Cercado de mordomia
Por isso fez Neverland
“A Ilha da Fantasia”

As coisas que ele pedia
Pareciam esquisitas
E São Pedro respondeu:
Aqui tem coisas bonitas,
Só não existem crianças
Para lhe fazer visitas

Com essas palavras ditas
Michael logo entristeceu
E esperando Jesus
Que lá não apareceu,
Perguntou para São Pedro:
Cadê o Menino, meu?

São Pedro logo entendeu
Que Michael não entendia
Que o Menino Jesus
Ali já não existia
Pois o pequeno menino,
É um homem hoje em dia

Michael naquela agonia
Não parava de rezar
E São Pedro admirado
Escutou ele falar:
Se aqui não tem menino,
Então me deixe voltar!

Aqui é o seu lugar,
São Pedro foi lhe dizendo,
E trate de ficar calmo,
Reze mais, vá se benzendo
Porque Jesus chega já
Mas não quer vê–lo tremendo

Do jeito que estou vendo
Por ser astro popular,
Você não quer ouvir reza
Nem veio se confessar
Quer cantar uma canção
Pra dançar e rebolar

Mas quero lhe avisar
Que agora, daqui pra frente,
Você vai ter que levar
Uma vida diferente
Pois seu reinado acabou
É bom que fique ciente

Se você antigamente
Dançava se requebrando,
Fazia muito sucesso
Dançando bem e cantando
Aqui só fará sucesso
Ficando calmo e rezando

Nisso Jesus foi entrando
De maneira disfarçada
Era um homem moreno
Da pele bem bronzeada
E Michael não percebeu
Por isso não falou nada

Como num conto de fada
Jesus se aproximou
Olhou para Michael Jackson,
E a Pedro perguntou:
Mas não foi um homem negro
Que há pouco tempo chegou?

Nisso Michael se sentou
E começou a falar,
Se o Senhor é Jesus
Eu quero lhe explicar
Eu sou um artista negro
E também sou “Pop Star”

Jesus sem pestanejar
Disse eu vou lhe ser franco
Quando boto cor no homem
O resto da tinta eu tranco,
Se você é homem negro
Como é que morreu branco? 

Às vezes até destranco
Mas se houver precisão
E com você não me lembro
De dar essa permissão
Mas se você ficou branco,
Dê-me uma explicação!

Michael Jackson, então
Disse: fiquei a perigo,
Por favor, Jesus entenda,
O que ocorreu comigo
Minha pele foi mesclada
Por causa do vitiligo.

Eu não vou lhe dar castigo
E poço dar-te o perdão
Porque já sei o motivo
Dessa Luva em sua mão
Só quero que você prove
Que tem um bom coração

Minha preocupação,
Deixa uma esperança
Quero que você me diga
“Homem do canto e da dança”
Por que é que você tem
Tanta atração por criança?

Essa é uma cobrança
Que o mundo todo me faz
E eu já sofro com isso
Desde que era rapaz
Mas só durmo com criança
Para me sentir em paz 

Eu não sou um “Barrabás”
Como muita gente diz
E com todas as canções
Que na minha vida fiz
Lutei e fiz o que pude
Pra ver o mundo feliz

Por tudo que você diz
Sei que fala a verdade
Porque que eu sendo Jesus
Conheço a sua bondade
Pois eu apenas queria
Ver sua sinceridade

Eu sei a capacidade
E o talento que tens
Por isso agora te dou
Perdão, e meus parabéns
Pois antes de vir a mim
Repartistes os teus bens

Agora aqui obténs
A vida em plenitude
Sem a preocupação
De tratar tua saúde
Porque eu sei que em vida
Foste bom pra juventude

Com essa tua virtude
Sei que és fenomenal
E enorme influência
Para a arte musical
Por isso o mundo te deu
Atenção especial

Com esse teu bom astral
Michael Jackson te digo
Sê bem vindo a esta Casa
E podes contar comigo
Venha me dar um abraço
Meu velho e querido amigo

Lá na terra teu jazigo
Será muito visitado
Em função da tua fama
Serás sempre comentado
Teu Espírito imortal,
Aqui está preservado.

Recife, 08 de julho de 20


Literatura de Cordel sexta, 20 de outubro de 2017

A LUTA DE UM HOMEM COMUM LOBISOMEM (FOLHETO DE ABRAÃO BATISTA!

(COM AGRADECIMENTOS A PEDRO FERNANDO MALTA, PELO ENVIO)

Agora que eu andei
pelas florestas do além
penetrei no inconsciente
íntimo que cada um tem,
sinto-me autorizado
para escrever o que vem.

Fui aos céus pra ver Jesus
e no inferno eu vi Caifaz;
nestes cantos eu tive a luz
que na terra ninguém faz,
meus pensamentos aqui pus
descrevendo uma luta assaz.

Presenciei por sete tempos
a luta de um certo homem
na mais cruenta das lutas
com o mais cruel lobisomem;
lá nesta peleja eu vi
miolo, coração, abdomem.

Numa encruzilhada que tem
cortando certa avenida
fazendo ponto estratégico
com o segredo da vida
bem na boca das cobras
para lá fui em seguida.

Não conduzia arma de fogo’
nem pau, peixeira ou foice
mas, tive coragem bastante
de olhar seja o que fosse
pois um barulho daquele
era pra guerra e danou-se.

Aproximei-me com cuidado
pra não entrar numa fria…
foi quando eu percebi
a vida e a agonia
a luta de um certo homem
com uma fera vã e baldia.

 

A sete metros fiquei
para melhor distinguir
os clarões das peixeiradas
os gemidos e o grunhir
as pancadas e os fungados
do homem e fera ao cair.

Não sei dos dois o valente
em cada um, mais ação
nunca vi tanta destreza
tanta ligeireza na mão
nunca vi dar tanto pulo
nem cair tanto no chão.

O homem tinha uma faca
a fera tinha os seus dentes
mãos cabeludas com garras
pelos horríveis, pendentes
e de cada gemido do bicho
saíam águas ardentes!

Era um bafo tão medonho
que da boca dele saía
muriçoca e qualquer inseto
depressinha morria
e se o cabra fosse fraco
ali mesmo caía.

O homem levantava a faca
o bicho se agachava
com um pulo de banda
de revestrez avançava
o homem como um felino
pulando de costa ele dava.

A faca trincava nos dentes
do lobisomem horrendo
os coices que o tipo dava
deixava o piso tremendo
mas o homem era ligeiro
com a peixeira ia tecendo.

O lobisomem tinha um aspecto
de um homem e dum guaxinim
era feio e fedorento
andava em pé e assim
como andava os outros bichos
que roem e comem capim.

O lobisomem falava
quando dava um golpe bom
com uma voz seca e fanhosa
com a boca cor de batom
os olhos verdes de fogo
como as águas lá do Leblon.

Era feio que a feiura
chamava a máxima atenção
para os detalhes que tinha
nas garras de gavião
as mãos como de homem
e os pés chatos no chão.

O que mais admirei
foi no poder que ele tinha
de mudar diversas cores
quando o homem mantinha
a superioridade
nesta luta sem linha.

O lobisomem também
dava tapa de lutador
dava golpes de caratê
querendo ser o senhor
mas o homem lhe respondia
como nenhum domador.

Era uma luta sem igual
nunca vi disposição
um homem, só, com uma faca
dar estouros como o trovão
nem ser humano aguentar
por tanto aquele rojão.

Nos ombros daquele bicho
tinham espinhos afiados
como os espinhos de jurema
maiores, verdes e dobrados
e brilhavam como relâmpagos
cortando os verdes dos prados.

Das orelhas de morcego
saía fumaça amarela
que gemia como prantos
de gentes em sentinela
as ventas, roxas e truncadas
como as abas duma gamela.

O homem dizia assim
destemido, sem arremedo:
bicho feio e ruim
a mim tu não metes medo
desapareces se não
amarro-te neste arvoredo!

Prendo-te aqui e amanhã
vou te mostrar na cidade
que lobisomem pra mim
não passa de veleidade
e sentou a faca no bicho
que quase arranca a metade.

Eu quero hoje descobrir
se é verdade ou boato
arranco tua língua, maldito
e com ela tiro o retraio
vou mostrar para a gente
toda a história de fato.

Neste momento eu notei
um sangue grosso correndo
já molhava os meus sapatos
que o barro ia embebendo;
e em qualquer folga que tinha
a terá o sangue bebendo.

Quando o sangue ele bebia
recobrava todo o vigor
e o homem que aquilo via
ficava pálido de horror
mas a peleja travava
com ânimo brusco e calor.

E da fumaça que surgia
rasteira, leve, dos dois
uma voz me descrevia
aquela cena pois, pois
do homem com o lobisomem
é o que acontece com nós…

O lobisomem é uma face
que se desconhece no homem
são os frutos da maldade
que os povos todos consomem
cada homem tem em si
de homem e de lobisomem.

Um lobisomem oculto
todo homem tem guardado
quem não vencer a maldade
está com o espírito mofado
esta luta é muito antiga
não fique decepcionado.

O lobisomem é o orgulho
é a gula, é a injustiça
é a felicidade oculta
que o vizinho cobiça;
é a falta de caridade
dos que vão e rezam a missa.

Todo ser humano tem
um limite no pecar
pode ser uma falta grande
que Jesus vem perdoar
mas quando foge da linha
por si mesmo vai pagar.

Existe um dito antigo
que ficou nesta cachola
o medo é de quem o faz
aprendi bem; rapazola
quem planta o mal meu rapaz
paga o mesmo na bitola.

Quem não respeita os outros
e despreza uma criancinha
quem não dá aos necessitados
e vive fora da linha
é lobisomem em folha
só falta a viradinha.

Ninguém se engane portanto
com a verdade da fé
de homem que é lobisomem
o mundo está cheio, pois é
a injustiça sem caridade
é seu diploma de pé.

Enquanto a fumaça falava
eu atento a ouvia
mas a contenda travava
com a maior rebeldia
o rasgo da faca do homem
nos dentes do bicho rangia.

Os pés do bicho, achatados
davam patadas de foice;
ó que se pegasse no homem
tinham o impacto dum coice
eu nunca vi ligeireza
que não livrasse o que fosse.

Às vezes saía fogo
das pedras da rodovia
quando a garra afiada
do lobisomem zunia
e o homem mais espritado
gritava: Virgem Maria!

A cor do couro do bicho
tinha um vermelho de prata
na altura das canelas
um amarelo de afavaca
das costas resplandecia
um arco-íris de naca.

O lobisomem, a certa altura
disse assim enraivecido:
com esta faca tu não me vences
tu pra mim és o vencido
já noto o teu braço esquerdo
de cansaço amortecido.

Entregues logo teus pontos
que te quero, ó meu irmão
o meu prato predileto
é o fígado e o coração
o resto deixo na estrada
prós urubus do sertão.

— Eu sou quem vou te pegar
e amarrar, não tenho medo
meto-te a faca na nuca
e deixo-te comendo bredo
pois daqui pró sol nascer
amarro-te naquele arvoredo.

Agora vais me dizer
disse o homem destemido
porque viras lobisomem
isto é máscara ou é vestido
tu pareces um palhaço
de mulher sem ter marido.

Se quiseres meter medo
arranje outra cara agora
pra que esta fumaceira
antes de se ver a aurora
lobisomem para mim
é boa noite e vá embora.

O lobisomem quis chorar
porque viu que não vencia
aquele homem tão valente
que há tempo ele não via
e da briga se lastimou
que de longe se ouvia.

Não vou ser mais lobisomem
encontrei um homem assim
eu pensei que este era
ladrão, infame e ruim
mas a bondade no mundo
põe a maldade no fim.

E falando desse jeito
quis pegá-lo pelo meio:
mas dum pulo foi desfeito
a malícia e o arrodeio
com uma facada no toitiço
fez o monstro fazer feio.

O homem deu uma risada
e disse: toma seu peste
lobisomem assim chorando
está perdido no agreste
cabra feio e duvidoso
por ele não há quem ateste.

O lobisomem já em prantos
foi dizendo: valha-me Deus
este homem é valente
não quero castigos seus
como escapulir daqui
são os problemas meus.

Tu não vais escapulir
porque vou te amarrar
amanhã toda a cidade
vai todinha admirar
este feio aspecto teu
muito tempo vai guardar.

O povo guardando imagem
dessa tua estatura
talvez se arrependa
e não caia na desventura
de ser também lobisomem
com esta horrenda figura.

Lobisomem é uma lenda
mas que se torna verdade
quem não sabe, aprenda
criança, velho e abade
lobisomem é o conflito
do amor e da maldade!

Lobisomem tem cada um
guardado no coração
as vezes muito escondido
que não enxerga a visão
para nas noites de lua
sair virado no cão.

Quando o homem é bondoso
e traz no peito a justiça
o amor vence o maldoso
vence o mal e a cobiça
e lobisomem, num desses
não vinga nem com malícia.

Cada um faça por si
pra não virar lobisomem
pois quem virar neste bicho
nunca mais é o mesmo homem
inda mais fica com um cheiro
que os urubus não consomem.

Eu já ia esquecendo
da contenda sem rival
do homem com o lobisomem
majestoso e teatral
nunca vi coisa mais feia
nem ardor descomunal.

Do chão saíam faíscas
subindo fumaça e pó
de cada rasgo da faca
rangia como uma mó
de cada baque que dava
enterrava o mocotó.

O lobisomem pulava
o homem pulava também
o chão estremecia
como se passasse um trem
e a faca dele corria
e eu dizia: amém.

Era noite, mas eu via
porque havia um clarão
a lua brilhava muito
que se via no chão
uma agulha ou alfinete
ou um caroço de algodão.

O lobisomem se enraivecia
porque não podia acertar
naquele homem valente
difícil de entregar…
e com golpes desconhecidos
para ele foi atacar.

Eu notei que o lobisomem
lançava vômitos de fogo
o homem se defendia
depressa, sem fazer rogo
e a estória dessa luta
em versos, quis fazer logo.

A força que o homem tinha
não vencia o lobisomem
e a destreza do monstro
não desbancava o homem
e sendo da bondade dele
minhas palavras se tomem.

Finalmente o bicho quis
num esforço descomunal
pegar o homem de jeito
e para ele foi o fatal
o homem acertou-lhe bem
no peito com o seu punhal.

A faca entrou de cheio
do lado do coração
o lobisomem gritou:
acode, meu guardião!
e sete raposas chocas
saíram dum furacão.

Quando o homem viu aquilo
lembrou-se do seu rosário
que estava dentro do bolso
e mostrou ao perdulário
o rosário de Maria
e a Santa Cruz do Calvário.

Nisso deu-se um estrondo
abalando légua e meia
o lobisomem e os felinos
desapareceram na peia
fazendo ponto final
daquela briga tão feia.

Se quiser não acredite
nesta estória aqui contada
mas são coisas que acontecem
na psicologia da estrada
no caminho do saber
onde o burro não ver nada

 


Literatura de Cordel quarta, 18 de outubro de 2017

PADRE HENRIQUE, UM MÁRTIR DA DITADURA (FOLHETO E ISMAEL GAIÃO)


Foi no ano de 40
Que Padre Henrique nasceu
E a 28 de outubro
Para o mundo apareceu
Paulo José Barros Filho
Descreveu com muito brilho
Como foi que ele viveu           

Seu nascimento se deu
Na Veneza Brasileira
Com o nome do avô
Antonio Henrique Pereira
Foi menino genial
E lutando contra o mal
Construiu sua carreira                 

Sua infância foi ordeira
Sem querer religião
Mas ainda quando jovem
Já chamava a atenção
E quando fez 15 anos
Ele então mudou seus planos
Causando admiração                     
  
Fez primeira comunhão
E entrou pro Seminário
Decidindo que iria
Tornar-se um Celibatário
Sendo muito inteligente
Daquela data pra frente
Começou o seu Calvário                  

Foi da Igreja operário
Com bonitas pregações
E juntando pais e filhos
Nas suas reuniões
Se tornou admirado
Tendo como resultado
Aproximar gerações                     
  
Por essas suas ações
Uma bolsa ele ganhou
E pros Estados Unidos
A Igreja lhe indicou
No entanto um capelão
Agiu com perseguição
E quase lhe atrapalhou            
  
Mas Henrique viajou
Cumprindo a sua missão
E nos Estados Unidos
Fez especialização
Foi muito discriminado
Mas estando preparado
Voltou pra nossa Nação   
      
Após sua ordenação
Começou a renovar
Procurou quebrar conceitos
Da Igreja secular
E a maior inovação
Foi fazer celebração
Sem cobrar pra celebrar         

E também pra batizar
Dinheiro não recebia
Se lhe pediam ajuda
O que tinha dividia
Pois era muito envolvente
E agradava a toda gente
Com a sua simpatia
   
Por tudo que ele fazia
Ganhou fama nacional
Sendo Padre de destaque
No trabalho Pastoral
Das coisas que defendia
Respeito à cidadania
Foi seu maior ideal                    
  
Vendo seu potencial
Dom Helder lhe convidou
Para ser seu Secretário
Assim que se ordenou
Com a sua inteligência
Trabalhou com competência
E aos seus fiéis agradou           
  
Sempre se preocupou
Com a classe estudantil
E durante o sacerdócio
Não mudou o seu perfil
Com essa sua postura
Discutia a conjuntura
Dos problemas do Brasil         
  
Porém o Governo hostil
Implantado na Nação
Proibia qualquer tipo
De conscientização
Henrique não recuou
E assim continuou
Na evangelização                    
  
A Igreja até então
Se mostrava dividida
E a classe universitária
Era sempre reprimida
Pelo Governo opressor
Que praticava o terror
Sem nenhum respeito à vida     
  
Dom Hélder por sua lida
Começou a incomodar
Mas pela sua importância
O Governo Militar
Usava de sabotagem
Porém não tinha coragem
De mandar lhe assassinar        
  
Então para se vingar
O Governo Ditador
Perseguiu o Padre Henrique
Que passou dias de horror
Pois constantemente lia
As cartas que recebia
Com tom ameaçador               
  
Todo esse ódio e rancor
Que no Governo existia
Não era pra defender
A nossa soberania
Era só pra nos roubar
Mas pro Golpe Militar
Isso era ideologia                   
  
Criaram a guerra fria
Praticando todo o mal
Só para fortalecer
Os donos do capital
Tanto da nossa Nação
Quanto da maior porção
Que era internacional               
 
A repressão foi brutal
E fez o povo sofrer
Não se podia falar
De quem tava no poder
E o povo sendo explorado
Tinha que ficar calado
Se não quisesse morrer            
  
Ao invés de nos proteger
A Polícia Militar,
O Exército e a Civil,
Serviam pra torturar
Já as famílias sofrendo
Foram seus entes perdendo
Sem poder nem enterrar         

Sem aceitar se calar
Os jovens contestadores
Que fossem padres, políticos
Estudantes, professores
De vez em quando sumiam
E os governantes fingiam
Não serem os torturadores            
  
Pensando nesses horrores
Que vivemos na Nação
A Igreja usou um lema
Pregado em cada sermão
“Que a maior prova de amor
É a de um leigo ou pastor
Dar a vida pelo irmão”              
  
E a Igreja usava então
Com muita prioridade
Esse lema pra Campanha
Em prol da Fraternidade
Mas não imaginaria
Que o Padre Henrique seria
Refém da perversidade                
  
Saindo sem ter maldade
Pra última reunião
Henrique ouviu uma moça
Pedindo orientação
Ela veio com malícia
Mandada pela Polícia
Pra lhe fazer traição                 
  
Sequestrado pela mão
Do Governo linha dura
O Padre Henrique virou
Um Mártir da Ditadura
Pois ele foi arrastado
Enforcado e assassinado
Com bala, faca e tortura         
  
Numa manhã obscura
Em uma estrada precária
Da nossa tão importante
Cidade Universitária
Seu corpo foi encontrado
Pois foi lá que foi jogado
Da forma mais arbitrária           
  
A Polícia sanguinária
No ano sessenta e nove
Cometeu a atrocidade
Que até hoje nos comove
O matou barbaramente
E não há inconsequente
Que esse ato não reprove                          
  
Mas existe quem aprove
Os atos da Ditadura
Que em 27 de Maio
Na maior descompostura
Tentou abafar o fato
Dizendo que era boato
Que existia tortura                   

Sem a menor compostura
O caso foi apurado
E nenhum dos assassinos
Do Padre foi condenado
Henrique tombou sem sorte
Mas esse “esquadrão da morte”
Teve o processo arquivado
  
Com o Padre assassinado
O Governo que o matou
Achando pouco o que fez
E o crime que praticou
Tentou desmoralizá-lo
Querendo caluniá-lo
Porém isso não vingou            

Muito tempo já passou
Da farsa que foi montada
É bom que a Justiça lembre
Que a vida que foi ceifada
Era de um Mestre e Pastor
Que só pregava o amor
Querendo a paz e mais nada.    
                    
Recife, 28 de outubro de 2009
  

 


Literatura de Cordel quarta, 11 de outubro de 2017

BUMBA MEU BOI, A MAIOR FESTA DO MARANHÃO - FOLHETO DE JOÃO PERON

 

Terra do bumba meu boi
Tradição dos ancestrais
Onde guará é vermelho
E outros lindos animais
De um verde encantador
Dos ricos carnaubais
Mês de junho no maranhão

As ruas viram calçadas
Os turistas se deleitam
Com as praças enfeitadas
E festas animadíssimas
Até altas madrugadas
Tudo isso em louvor

A São Pedro e São João
Santo Antônio e São Marçal
São os santos de tradição
Dessa forma assim começa
A festa do Maranhão
As mais autênticas brincadeiras

Quadrilha que não é pouco
Lelê e tambor de crioula
Cacuriá coisa de louco
Encanta toda plateia
A linda dança do coco
Quem criou todas elas

Não posso afirmar quem foi
Se é fã de algumas delas
Eu peço que me perdoe
Porque dela a que mais gosto
Pois é o Bumba meu Boi.
Porém uma certa vez

Viajei pro Maranhão
Conheci lá uma pessoa
De um meigo coração
Perguntei se ela não tinha
Livros velhos da região.

BBDG

Índia, uma das componentes importantes

Ela disse por exemplo
Eu respondi no momento
É sobre Bumba meu Boi
Sem haver constrangimento
Por acaso adquirir
Tem meu agradecimento

A mulher disse eu tenho
Uma boa coleção
Vou dar tudo de presente
Não cobrarei um tostão
Só porque você gosta
Das coisas do Maranhão

 

O nome dessa mulher
Chama Dona Vitória
De acordo com o que li
E o que tenho na memória
Vou descrever o caminho
E o roteiro da história.

Era um casal de negros
Que morava na fazenda
Simplesmente moradores
De barraca ou de tenda
E sua esposa lhe pediu
Uma difícil encomenda.

Pois o casal de escravos
Vivia na triste sina
Trabalhando de sol a sol
Como o patrão determina
Mas vivia satisfeito
Seu Francisco e Catarina.

A mulher estava grávida
O filho próximo a nascer
Desejou imediato
A língua do boi comer
Exigiu que Chico trouxesse
Antes do dia amanhecer

Seu Francisco encabulado
Sem ter outra solução
Nunca lhe foi na memória
De um dia ser patrão
Furtou o touro mais lindo
Do seu querido patrão.

O fazendeiro ao chegar
Viu o gado num só brilho
As galinhas no terreiro
Cantando e comendo milho
Só estava ali faltando
O seu querido novilho.

O patrão disse vão todos
Vê se uma cobra mordeu
Revire toda fazenda
Vejam o que aconteceu
Só retorne com a notícia
Se o novilho apareceu.

Bem antes do meio dia
Chega um vaqueiro sem ar
Disse olha meu patrão
É muito triste o seu penar
Eu achei seu novilho
Tenha calma vou contar.

Quando eu encontrei o boi
Estava no mato sozinho
Achei perto da braúna
Afastado no caminho
Levaram a língua do boi
Ficou o resto todinho.

O fazendeiro cara dura
Não dava uma risada
Deu ordem a seus capangas
Pra dar uma averiguada
E descubro com urgência
O autor da presepada.

Após grande investigação
Só teve Chico culpado
Foram prender seu Francisco
Mas ao ser localizado
Nega o fato acontecido
Daquele crime passado.

Chico foge do seu patrão
Se embrenha no matagal
Mas o fazendeiro quer
Saber porém afinal
Por qual motivo Chico
Fez aquilo com animal.

Grande tribo de índios
Formada pelo patrão
Para procurar Francisco
Nas matas do Maranhão
Os indígenas sabem bem
Como a palma de sua mão.

Sem ver dificuldade
Logo logo foi encontrado
Preso pelos indígenas
Pai Francisco desarmado
Conduzido ao seu patrão
Após ser localizado.

Ao chegar na fazenda
Nega todo envolvimento
Vem aí o interrogatório
Tristonho e violento
Após uma grande tortura
Ele deu o depoimento.

Querido nobre patrão
Que minha pena lhe faz
Eu furtei da sua fazenda
O boi que gostava mais
A mulher estava grávida
E tirou a minha paz.

Pediu a língua de um boi
Pra arrumar em qualquer canto
Quando ela falou isso
Eu tive o maior espanto
Pedi perdão a Deus
E me valei de todo santo.

Meu consciente falando
Talvez você se arrependa
Só pensava no meu filho
E na difícil encomenda
Fiz todo crime sozinho
Afastado da fazenda.

O patrão disse eu vou ver
Se o seu santo é muito forte
Vamos ver qual de nós dois
Quem é que tem mais sorte
Se o boi ressuscitar
Escapa da pena de morte.

Primeiro foi os doutores
Com sua alta formatura
Foi feito todo possível
Mas o boi não teve cura
Chico tristonho dava
Um passo pra sepultura.

Um índio disse patrão
Nunca perca sua fé
Vá na tribo do Cazumba
E procure nosso Pajé
Só ele é quem sabe como
Deixa o seu boi em pé.

O fazendeiro mandou
Um vaqueiro dar o recado
Falasse para o Pajé
Que viesse aqui vexado
Dar vida a seu novilho
Com o seu poder sagrado.

O Pajé de imediato
Desembrenhou no matagal
Ao chegar na fazenda
Fez aquele ritual
Finalmente conseguiu
Ressuscitar o animal.

Isso sim que é preservar
A cultura da região
O Bumba Meu Boi é
Maior festa de tradição
Essas e muitas outras
No estado do Maranhão.

(João Peron de Lima, nascido em Recife aos 14 de agosto de 1985. Contatos: Rua São João, 219 – Distrito de Anjinhos, Santa do Cariri/CE. CEP 63190-000 – Fone: (88) 3545-0006).

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Literatura de Cordel domingo, 08 de outubro de 2017

PELEJA DE OSCAR ALHO E FRANCISCO MALAGUETA - FOLHETO DE GONÇALO FERREIRA DA SILVA

 

Quem não leu ainda, leia
a mais acirrada e preta
peleja que já se viu
em cima deste planeta
a luta de Oscar Alho
e Francisco Malagueta.

Malagueta era filho
de João Antônio Barbalho
nunca violeiro algum
lhe deu o menor trabalho
assim queria encontrar-se
com o famoso Oscar Alho.

Cantava o velho Oscar Alho
alegre e descontraído
quando avistou Malagueta
mas na distração lhe fez
este convite atrevido

Francisco Malagueta

Meu Oscar Alho não pense
numa só palavra tola
senão você não dará
alimento à sua rola
e até o dono da casa
lhe chamará de baitola.

Oscar Alho

Trocar alho por cebola
é trocar leite por creme
o dono da casa acha
que hoje aqui ninguém treme
portanto pede que nós
cantemos na letra eme.

 

Francisco Malagueta

Você hoje chora e geme
pede ajuda a satanás
cantando na letra M
nome comigo não faz
querendo siga na frente
que eu enrabicho atrás.

Oscar Alho

Manoel, Maria, machado
macaúba, mulungu
maxixe, mandacaru,
milho, melancia, melado,
mulo, Melo, malcriado,
mingau, manteiga, melão,
mulato, milho, mamão,
maledicente, minhoca,
macambira, mandioca,
mostarda, manjericão.

Francisco Malagueta

Martirizado, mococa,
milagre, mão, maisena,
macaco, mutamba, mena,
manga, matutino, moca,
Miguel, madame, maloca,
moribundo, maquinista,
malfadado, motorista,
martelo, meu, mobilete,
Marcelo, metido, mete,
macacão, mudo, modista,

Oscar Alho

Marco, mercador, mercado,
março, mês muito melhor,
Márcio, marcante, maior,
malagueta, moderado,
meu mote metrificado,
minha má mercadoria,
modestinha moradia,
manjerioba, martelo,
Mauro, mourão, miro, melo,
munguba, mercearia.

Francisco Malagueta

Muito mais, meia, metade,
marcada, média, milhão,
muda, mala, matulão,
margarida, mocidade,
mosteiro, maternidade,
meta, multiplicador,
mestre moralizador
Mara, Maria Madalena
Maurícia, Marta, morena
mundo, mundial, motor.

Oscar Alho

Mido, Macau, Mossoró,
metediço, milharina,
mó, mineral, metal, mina,
medidor, metro, mocé,
mais, macarrão, mocotó,
Moreira, Marli, mansão,
materialização
materializador
mero mistificador,
maior modernização.

Francisco Malagueta

Mariposa, marmelada,
mudubim, manancial,
mangaba, municipal,
mila, manteiga, melada
macabau, macarronada,
Minelvina, má, mineira,
metralhadora, metreiro,
momento, monte, monteiro,
manjedoura, macieira,

Oscar Alho

Mau, mandapulão murim,
mandi, macá, mariquita,
morte, madrasta, maldita,
maioral, menor, mirim,
mosca, morta, mucuim,
mosquitinho mordedor,
malfadado morador,
mutuca, maracujina,
menina magra, mofina,
moço moralizador.

Francisco Malagueta

Magricelo, marinheiro,
manejando, mastro, mar,
matadouro, mal, matar,
malcriado, mandingueiro,
mungubeira, marmaleiro,
moita, mufumbo, mangueira,
miolo, mole, moleira,
macacheira, mulungu,
madureira, mucumbu,
madona, macurureira.

Oscar Alho

Macacoa, maculado,
mil, marapendis, munheca,
maçonaria, muqueca,
maçarico, macerado,
maçaroca, machucado,
macambira, macau,
macilento, macaréu,
macambúzio, moscatel,
moçambique, munduru.

Francisco Malagueta

Matreiro, maturidade,
mangaratiba, maré,
mandacaru, Macaé,
mutação, moralidade,
modéstia, morosidade,
Montreal, meditação,
mancebo, masturbação,
malevolente, mocambo,
maledicente, mulambo,
mortandade, maldição.

Oscar Alho

Macro, Maximiliano,
malta, meridional,
mordomo, material,
maranhense, marciano,
martinica, mariano,
Marlene, matsubara,
motorneiro, mila, mara
Maradona, maracá,
mundugu, maracajá,
muçambê, moagiara.

Francisco Malagueta

Mui, meteorologia,
maltratado, maltrapilho,
maquiavelismo, milho,
mourisco, mitologia,
marca, musicologia,
mica, masculinidade,
mido, monstruosidade,
mártir, materialismo,
Martiniano, mutismo,
Max, marginalidade.

Oscar Alho

Malevolência, mundana,
motorizado, malvina,
monge, montepio, mina,
muruqui, miragem, mana,
mágua, manágua, marana,
mentiroso, magnata,
magnitude, mamata,
minelvino, monetário,
morena, magra, mulata.

Meu amigo Malagueta
Não posso cantar assim
É tanto M que chego
Até tropeçar em mim
O meu estoque de emes
Já está chegando ao fim.

Francisco Malagueta

Meu Oscar Alho é ruim
Falar numa letra só
A última vez que cantei
Com o velho saudoso Mó
Ele terminou, coitado
Morrendo em meu mocotó,

De você não tive dó
Não preciso que lhe mate
Eu sendo grande poeta,
Você sendo grande vate
Não há vencedor na sala
Vamos brindar o empate.

Cachorro não canta, late
Mas eu vi a coisa preta
Não me meto com você
Você também não se meta
E aceite um forte abraço
Do amigo Malagueta.


Literatura de Cordel sábado, 07 de outubro de 2017

MANÉ PIPOCA, CORDEL AO VIVO, DECLAMAÇÃO DE ISABELA FERREIRA

COM AGRADECIMENTOS A ANTONIO ESTEVAM NEIVA, QUE ME ENVIU ESTA PRECIOSIDADE

 


Literatura de Cordel quarta, 04 de outubro de 2017

QUEM JÁ FOI PREFEITO E NÃO PRESTOU, NÃO MERECE VOLTAR A GOVERNAR - FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO

 

 

 

A Justiça Eleitoral deu o recado

E devemos observar de fato

O passado de cada candidato

Para o povo não ser mais enganado

Eu não quero dar o meu voto errado

Mas aqui tá difícil de acertar

Em nenhum de nós pode confiar

Pois com eles o povo se enganou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Este ano está triste a eleição

E por isso eu vou votar em branco

Só porque, meu amigo, pra ser franco

Pra prefeito não tenho opção

Nossa gente ficou sem solução

Para ver a cidade melhorar

Quatro anos a mais vai amargar

Aos desmandos de quem já governou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Eu só voto para vereador

Pois pra isso nós temos opções

Muita gente disputa as eleições

Cada um nos mostrando seu valor

Seja homem, mulher ou o que for

Lá na Câmara tem que fiscalizar

Pois senão nosso povo vai penar

Com um prefeito que verbas desviou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Hoje em dia a imprensa tem mostrado

E a CNBB já faz campanha

Pra que o povo não vote por barganha

Em político que tem nos enganado

“Ficha suja” não deve ser votado

Nem devia poder se registrar

Pois se teve uma conta irregular

Do dinheiro do povo abusou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

“Ficha suja” tem conta rejeitada

E processo por improbidade

Também tem por irregularidade

Mas se não foi julgado não tem nada

Considero uma coisa muito errada

“Ficha suja” poder se candidatar

E por isso não poderei votar

Em quem o Tribunal já reprovou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Eu já disse uns quatro “veja bem”

Procurando escolher qual o melhor

Não dá nem pra saber quem é pior

Os defeitos de um, o outro tem

Decidi que não voto em ninguém

Pra mais tarde não ter que lamentar

Todos dois por aqui já vi passar

E do povo daqui nenhum cuidou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Quem agora quer a reeleição

Quatro anos não quis saber do povo

Não vai mais nos dizer que é o novo

E é contra quem faz corrupção

No mandato só fez enganação

E procurou os impostos aumentar

No comércio local não quis comprar

Sem merenda e sem creche nos deixou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Pacientes reclamam no momento

Que a Saúde está abandonada

Pois de bom por aqui não se fez nada

E o povo só tem constrangimento

Muita gente já diz: eu não aguento

Propagandas só pra nos tapear

O hospital não serviu pra internar

Pois dinheiro de lá se extraviou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Quem deixou de lado a Educação

Com certeza não fez trabalho sério

E por isso recebeu do Ministério

Notas baixas na avaliação

Não cumpriu sequer a obrigação

Dos recursos que teria que aplicar

E o dinheiro para se capacitar

Veio um Mercadinho e embolsou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Propaganda foi feita todo dia

Em jornais, rádios e carro de som

Pra dizer que o prefeito é muito bom

E o que vimos foi só demagogia

Porém eu que vivi o dia a dia

Tenho todo direito de falar

Porque sou cidadão deste lugar

E o dinheiro daqui sei quem levou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Quem vivia incentivando invasões

Nunca fez de um terreno o pagamento

E até hoje ninguém tem documento

Dos terrenos que fizeram construções

Moradores só têm decepções

Pois fizeram suas casas pra morar

Porém nunca puderam escriturar

Porque quem foi prefeito não pagou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Quando estava gerindo a prefeitura

Muitas vezes mudou-se o tesoureiro

Pois prefeito que é louco por dinheiro

Também joga os outros na loucura

Eu só sei que foi grande a aventura

Botar esse para administrar

E por isso o meu voto não vou dar

Porque sei o que foi que ele aprontou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Na gestão parecia brincadeira

Todo dia que chegava o dinheiro

Pois ninguém descobria o paradeiro

Do prefeito com sua tesoureira

Tinha gente que saía na carreira

Procurando o gestor para cobrar

Ninguém sabe onde ia despachar

E com dinheiro do povo ele brincou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Quem falou: não vou ter comissionado

Empregado para não fazer nada

Não passou de uma conversa fiada

Pois queria apenas ser votado

E o povo outra vez foi enganado

Porque foi nesta frase acreditar

Hoje ver receber sem trabalhar

Até gente que aqui nunca pisou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Quem olhar para gestão atual

Ver a Praça Wanderley como está feia

E o total abandono da Cadeia

No passado nunca vimos nada igual

Ver também o Clube Municipal

Que faz pena até a gente olhar

E o prefeito ao invés de conservar

Teve tanto dinheiro e desprezou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Hoje o povo se sente infeliz

Vendo a Praça São Cristóvão abandonada

A João Pereira que está toda quebrada

E o abandono da Nicanor Muniz

Mesmo assim ainda tem gente que diz

Que o prefeito é quem sabe trabalhar

Mas com isso não posso concordar

Porque sei o que foi que ele estragou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

               

Até hoje um prefeito não fez nada

Nas ruínas do Antigo Mercado

O local continua abandonado

E a cidade é quem fica envergonhada

Uma obra não foi arquitetada

Para o centro da cidade embelezar

E quem pede para administrar

Teve verbas e nunca se importou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Lembro bem da administração

Que não tinha um médico na cidade

Quem chegava lá na maternidade

Terminava fazendo confusão

Pois não tinha ambulância de plantão

Nem remédios pra gente se curar

Só se ouvia o povo reclamar

A cidade parece que acabou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Quatro anos na administração

Uma obra na cidade não se viu

Pois a única que aqui se construiu

Foi a Quadra de Esportes “O Paulão”

Mesmo assim não chegou a conclusão

Foi preciso um outro terminar

Pois o teto ameaçava desabar

E a verba ninguém sabe onde parou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Há quem diga que o povo era ajudado

Mas eu via era o povo muito mal

Porque para ganhar só um real

Era mais de um dia humilhado

O mandato era todo bagunçado

E tinha gente demais para mandar

O prefeito não gostava de pagar

E ao povo somente enrolou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Nós estamos sofrendo há muitos anos

Com prefeitos que não fazem quase nada

A cidade é mal administrada

E o povo sofrendo desenganos

Quem é jovem e vive a fazer planos

Para ver a cidade prosperar

No passado não viu nada mudar

E agora já viu que piorou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Candidato que a muitos iludiu

Prometendo empregos na campanha

Quando chega a eleição e ele ganha

Se esquece daquilo que assumiu

Esta história muita gente já ouviu

E por isso não vai mais acreditar

Em quem hoje quer nos ludibriar

Pois se lembra do tempo que passou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Tenho dito que a honestidade

Não é mais do que uma obrigação

Sinto muito, mas nessa eleição,

Nenhum deles tem esta qualidade

Sou mais um eleitor desta cidade

Que não tem candidato pra votar

Quem usou o poder só pra fraudar

Não me engana dizendo que mudou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Nosso povo vai ser prejudicado

Elegendo um prefeito desse jeito

Pelo menos terei o meu direito

De dizer: não votei, não sou culpado

Não aceito dar o meu voto errado

Pois errar é votar pra se enganar

Qualquer um desses dois só quer ganhar

Pra tirar o que ainda não tirou

Quem já foi um prefeito e não prestou

Não merece voltar pra governar

 

Condado, agosto/2008


Literatura de Cordel domingo, 01 de outubro de 2017

O SAPO MAIS HONESTO DO BRASIL, CORDEL, COM RAUL CANAL


Literatura de Cordel quarta, 27 de setembro de 2017

A VENDA DE JOCA GALEGO

 

Essa história começou
Quando seu Joca nasceu
Mas sua mãe não pensou
No fruto que ela deu
Pois quando Joca nascia
Seu intuito já dizia
Que não ia ter emprego
Ia ser comerciante
E ter futuro brilhante
Na Venda de Joca Galego

No Engenho Gameleira
Da cidade de Itambé
Foi do peito à mamadeira
E aprendeu ficar de pé
Era criança travessa
E trazia na cabeça
Que só ia ter sossego
Quando pudesse fundar
O tão sonhado lugar
Da Venda de Joca Galego

Quando tinha sete anos
Viu sua mãe falecer
Aos doze com desenganos
Foi com um tio viver
Na Vila de Goianinha
Onde fazia farinha
Ainda pedindo arrego
Mas não tirava da mente
De um dia ir pra frente
Na Venda de Joca Galego

Era no Sítio Timbó
Que o seu tio morava
E a todos dava dó
A vida que ele levava
Pois sendo trabalhador
Joca foi um sofredor
Trabalhando sem sossego
Mesmo sendo uma criança
Mas mantinha a esperança
Da Venda de Joca Galego

Ali seu Joca viveu
Até os dezoito anos
Quando lhe aconteceu
De fazer mais alguns planos
Queria ser militar
Pra sua vida mudar
E arranjar um emprego
Porque não tinha um vintém
Pra fazer o armazém
Da Venda de Joca Galego

No corre-corre da vida
Querendo vida melhor
Saiu sem ter despedida
Joca do Sítio Timbó
E no Recife foi parar
Aprendendo a atirar
Sem a isso ter apego
Pois no exército só pensava
E na mente arquitetava
A Venda de Joca Galego

Quando a farda ele deixou
Não encontrou vida boa
Pois até fome passou
Na capital João Pessoa
E cumprindo sua sina
Trabalhou numa oficina
Onde achou aconchego
Para dormir e sonhar
No dia que ia fundar
A Venda de Joca Galego

E por força do destino
Foi ao Rio de Janeiro
Com sonho de nordestino
De lá arranjar dinheiro
De calunga de caminhão
Ele aprendeu a lição
Que lá não tinha sossego
E voltou pra Goianinha
Fundando uma barraquinha
A Venda de Joca Galego

Na Vila de Goianinha
Do campo velho pra frente
Seu Joca abriu uma vendinha
Um barraco bem decente
Era lá que ele morava
E a vendinha ficava
Lhe servindo de emprego
Mas logo ela ganhou fama
E hoje o povo só chama
A Venda de Joca Galego

Seu Joca vindo da roça
Do sítio de Seu Nezinho
Casou com uma linda moça
Do Engenho Cauzinho
Foi com ela pra cidade
Pois na sua mocidade
Já pensava em aconchego
E hoje ela arruma e passa
Cozinha e vende cachaça
Na Venda de Joca Galego

Dona Masé uma moça
Filha de Mitonho Gaião
Deixou a vida da roça
Pra trabalhar no balcão
Pois toda vida passava
Colhendo o milho e a fava
Dia a dia sem sossego
Por isso não sonharia
De ser feliz hoje em dia
Na Venda de Joca Galego

O velho Mitonho Gaião
Não queria esse namoro
E metido a valentão
Só vinha com desaforo
Mas Joca com paciência
Um dia pediu licença
Pra casar e ter sossego
E fez o velho afrouxar
Indo também despachar
Na Venda de Joca Galego

Além da agricultura
Masé tinha outro trabalho
Pois a máquina de costura
Era o seu quebra-galho
Para fazer suas roupas
A vida não era sopa
E não tendo um emprego
Mesmo antes de casar
Às vezes ia ajudar
Na Venda de Joca Galego

Nesta vidinha sem graça
Masé lhe deu nove filhos
Só ele sabe o que passa
Pra dá de comer e vesti-los
Pagar remédios e escolas
Comprar bonecas e bolas
Se pensar perde o sossego
É dura a vida de pai
Pois o dinheiro só sai
Da Venda de Joca Galego

Senhor Joca sempre quis
Freqüentar uma escola
Mas o destino infeliz
Nunca lhe deu esta bola
Mas hoje vive lutando
Pra ver seus filhos estudando
E conseguir um bom emprego
Mas antes de estudar
Tiveram que ajudar
Na Venda de Joca Galego

Ivaneide na Rural
Formou-se em Zootecnia
E como é natural
Já está de agonia
Sem ter onde trabalhar
Resolveu ir ensinar
Enquanto não tem emprego
Pois não deseja voltar
Pra novamente ajudar
Na Venda de Joca Galego

Ismael já é formado
No curso de Agronomia
Ficou um pouco atrasado
Porém o seu dia a dia
Já se tornou natural
Pois trabalha na Rural
E não deseja outro emprego
Porque já teve ascensão
Pra não voltar pro balcão
Da Venda de Joca Galego

Izabel já se formou
Em Fonoaudiologia
E um consultório montou
Porque produzir queria
Pra crescer na profissão
Fez Especialização
Depois arranjou emprego
Pois o dinheiro não dava
E no seu sonho não tava
A Venda de Joca Galego

Ivone na Unicap
Formou-se em Economia
Não foi válvula de escape
Pois era o que ela queria
Não gostava de boneca
Era mesmo uma sapeca
E como filósofo grego
Queria tudo mudar
E até o lucro aumentar
Na Venda de Joca Galego

Itamir lá na Rural
Formou-se em Veterinária
E por gostar de animal
Caiu bem na sua área
Lutando que só a peste
No INAMPS fez um teste
E arranjou um emprego
Ficando feliz da vida
Porque livrou-se das idas
Pra Venda de Joca Galego

Isis na FESP está
Estudando Medicina
Mas teve que trabalhar
Pra poder ficar por cima
Teve um trabalho danado
Se não tivesse cuidado
Perdia a fé e o sossego
Depois tinha que voltar
Pra outra vez despachar
Da venda de Joca Galego

Hibernon é diferente
Nunca gostou de estudar
Por isso daqui pra frente
Vai ter é que trabalhar
Ficando lá na bodega
Vendendo e fazendo entrega
Ou procurar outro emprego
Pois pra vestir e comer
Sem trabalhar não vai ter
Na Venda de Joca Galego

A Íris agora está
Em Administração
Vive só pra estudar
Sem ter remuneração
Ela também faz Direito
Deixando o pai satisfeito
E a menina em sossego
Porque ela não gostou
Do sufoco que passou
Na Venda de Joca Galego

Ivonalda ainda está
Fazendo segundo grau
Porém não quer mais voltar
Pra sua terra natal
Só quer a felicidade
De entrar na faculdade
E arranjar bom emprego
Porque estava cansada
De abrir de madrugada
A Venda de Joca Galego

Ismael ficou feliz
Quando nasceu Isabela
Por isso ele sempre diz
Que não existe mais bela
Porém Joca não gostou
De ser chamado de avô
Dizendo que isso é grego
Mas da vida se esquece
Quando a netinha aparece
Na Venda de Joca Galego

E Ítalo o outro neto
O filho de Itamir
Não consegue ficar quieto
Mexendo aqui e ali
Mas Joca se engraceja
Despachando uma cerveja
A um freguês de apego
Ouvindo o mesmo dizer
Este neto faz chover
Na Venda de Joca Galego

Vendo a família aumentar
O rosto de Joca brilha
Por isso vive a sonhar
Com filhos de todas filhas
E pra aumentar seu brilho
Vem ai Ismael Filho
Fazendo ele ter apego
De ver o neto ficar
Ajudando a despachar
Na venda de Joca Galego

Como é da natureza
Crescer e depois morrer
Entre riqueza e pobreza
Disso ninguém vai correr
Além de sofrer demais
Joca perdeu os seus pais
Mas não perdeu o apego
De no balcão agradar
Aquele que vai comprar
Na Venda de Joca Galego

Com sua tamanha idade
Já tem muito a ensinar
Sempre gostou da verdade
Nunca deu pra enganar
De briga já nem se fala
Porque se existe bala
É de menino sossego
E o revólver é de mel
Até parece um céu
A Venda de Joca Galego

A Vila se emancipou
Crescendo pra todo lado
E um novo nome ganhou
Hoje se chama Condado
E a venda que o povo gosta
É Mercearia Costa
Mas por causa do apego
O povo não quis mudar
E continua a chamar
A Venda de Joca Galego

O campo velho acabou
Virou área de lazer
Mas sei que o povo gostou
Porque futebol vai ver
Num campo sofisticado
Que fica um pouco afastado
Longe daquele aconchego
Mas continua agradar
Naquele mesmo lugar
A Venda de Joca Galego

No entra e sai de mandato
Dessa tal de prefeitura
O povo é quem paga o pato
De tanta nova moldura
Pois Rua José Gaião
Já foi Rua do Pião
E o povo não tem sossego
Mas ainda continua
Abrindo as portas pra rua
A Venda de Joca Galego

Se o Brasil for dividido
Formando o país Nordeste
Vai ver que no bom sentido
Os homens cabra da peste
Que são do lado de cá
Não são como os de lá
Pois se viram sem emprego
E um deles até fundou
Com futuro promissor
A Venda de Joca Galego

Agora vou lhe contar
As qualidades da venda
Mas em um livro não dá
Pra escrever sua prenda
Ali só tem coisa boa
Quem compra lá ri a toa
Sem precisar de arrego
Pois lá o dinheiro cresce
Até milagre parece
A Venda de Joca Galego
 
Desde quando foi fundada
Sempre tratou com respeito
Agradando a garotada
Com bolo, doce e confeito
É a melhor da cidade
Vendendo à comunidade
Rico, pobre, branco e nego
Todos com satisfação
E também sem distinção
Na Venda de Joca Galego

Pra qualquer tipo de festa
Que precisar de mantimento
Aquela venda se presta
Pra todos a todo momento
Tem champanhe pro natal
Talco para o carnaval
Sabonete pro chamego
E peixe na semana santa
Por isso o povo se encanta
Na Venda de Joca Galego

Aquela venda é das boas
Pois além de fazer feira
Você pode dizer loas
Depois de uma bebedeira
Alguém vai lá comprar pão
Mas ao chegar no balcão
Sentindo seu aconchego
Toma logo uma lapada
Da aguardente afamada
Da Venda de Joca Galego

Se tem amigos bebendo
Mesmo estando ocupado
Joca vai se entretendo
E até fica inspirado
Dizendo espirituoso
Loas precisa e de gozo
Das que causam um chamego
Deixando a turma animada
Caindo na gargalhada
Na Venda de Joca Galego

“O pinto quando nasceu
Olhou pra mãe e sorriu
Bebe tu e bebo eu
Bebe a puta que partiu”
Essa é mais uma loa
Que escutei numa boa
E escuto quando chego
Prestando bem atenção
Debruçado no balcão
Da venda de Joca Galego

Se um gaúcho chegar
E procurar chimarrão
No atendimento exemplar
Ele babe um alcatrão
O mesmo é se aparecer
Um gringo e quiser beber
Uma bebida de grego
Por certo vai engolir
Outra pra substituir
Na Venda de Joca Galego

Pitu, cerveja, sardinha
Cigarro, pão, guaraná
Bolo, biscoito, farinha
Pasta, refresco, fubá
No tempo do carnaval
Como é festa especial
Tem talco para o chamego
Tem maizena e colorau
Pra levantar seu astral
Na Venda de Joca Galego

Da grande a pequena conta
A sua venda abastece
Vendendo de ponta a ponta
Nesta cidade que cresce
Às vezes de bicicleta
Ou numa caminhoneta
Ele faz o seu chamego
Da cidade ao barracão
Sem quebrar a direção
Da Venda de Joca Galego

De fila lá não carece
Nem ninguém fica por fora
Pois quando o freguês aparece
É atendido na hora
Pra comprar arroz, feijão
Café, açúcar ou sabão
Assim com tanto sossego
Não existe outro lugar
Por isso só vou comprar
Na Venda de Joca Galego

Além disso, que falei
Vou lhe contar mais um fato
Lá se criou uma lei
Pra só se vender barato
E dos cantos onde andei
Eu juro nunca encontrei
Preço bom assim que chego
E pra economizar
O povo só vai comprar
Na Venda de Joca Galego

A cidade foi crescendo
Muita coisa já mudou
Mas a Venda vem atendendo
Do jeito que começou
Ela fica numa esquina
Como uma bela menina
Seduzindo branco e nego
Vem gente de todo canto
Todos dizendo é um encanto
A Venda de Joca Galego

Caro amigo leitor
Aquela venda te espera
Com amizade e amor
Apareça em qualquer era
Quando estiver folgado
Passe um dia em Condado
E visite o aconchego
Pois mesmo sem ir comprar
No coração vai levar
A Venda de Joca Galego

Esse pequeno trabalho
Literário de poesia
Tenta contar em retalho
Um bonito dia a dia
De um pai sacrificado
Que tem lutado um bocado
Para tirar do emprego
Estudo, saúde e pão
Sem tirar sua atenção
Da Venda de Joca Galego

Tive um trabalho danado
Pra esses versos escrever
Pois estava preocupado
Em agradar a você
Por isso caro leitor
Se o cordel não lhe agradou
Não tenha desassossego
Pois para lhe compensar
Peço que vá visitar
A Venda de Joca Galego.  


Literatura de Cordel sábado, 23 de setembro de 2017

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO CÉU

 

Lampião foi no inferno

Ao depois no céu chegou

São Pedro estava na porta

Lampião então falou:

– Meu velho não tenha medo

Me diga quem é São Pedro

E logo o rifle puxou

 

São Pedro desconfiado

Perguntou ao valentão

Quem é você meu amigo

Que anda com este rojão?

Virgulino respondeu:

– Se não sabe quem sou eu

Vou dizer: sou Lampião.

 

São Pedro se estremeceu

Quase que perdeu o tino

Sabendo que Lampião

Era um terrível assassino

Respondeu balbuciando

O senhor… está… falando…

Com… São Pedro… Virgulino!

 

Faça o favor abra esta porta

Quero falar com o senhor

Um momento meu amigo

Disse o santo faz favor

Esperar aqui um pouquinho

Para olhar o pergaminho

Que é ordem do Criador

 

Se você amou o próximo

De todo o seu coração

O seu nome está escrito

No livro da salvação

Porém se foi um tirano

Meu amigo não lhe engano

Por aqui não fica não

 

Lampião disse está bem

Procure que quero ver

Se acaso não tem aí

O meu nome pode crer

Quero saber o motivo

Pois não sou filho adotivo

Pra que fizeram-me nascer?

 

São Pedro criou coragem

E falou pra Lampião

Tenha calma cavalheiro

Seu nome não está aqui não

Lampião disse é impossível

É uma coisa que acho incrível

Ter perdido a salvação

 

São Pedro disse está bem

Acho melhor dar um fora

Lampião disse meu santo

Só saio daqui agora

Quando ver o meu padrinho

Padre Cícero meu filhinho

Esteve aqui mas foi embora

 

Então eu quero falar

Com a Santa Mãe das Dores

Disse o santo ela não pode

Vir aqui ver seus clamores

Pois ela está resolvendo

Com o filho intercedendo

Em favor dos pecadores

 

Então eu quero falar

Com Jesus crucificado

Disse São Pedro um momento

Que eu vou dar o seu recado

Com pouco o santo chegou

Com doze santos escoltado

 

São Longuinho e São Miguel,

São Jorge, São Simão

São Lucas, São Rafael,

São Luiz, São Julião,

Santo Antônio e São Tomé,

São João e São José

Conduziram Lampião

 

Chegando no gabinete

Do glorioso Jesus

Lampião foi escoltado

Disse o Varão da Cruz

Quem és tu filho perdido

Não estás arrependido

Mesmo no Reino da Luz?

 

Disse o bravo Virgulino

Senhor não fui culpado

Me tornei um cangaceiro

Porque me vi obrigado

Assassinaram meu pai

Minha mãe quase que vai

Inclusive eu coitado

 

Os seus pecados são tantos

Que nada posso fazer

Alma desta natureza

Aqui não pode viver

Pois dentro do Paraíso

É o reinado do riso

Onde só existe prazer

 

Então Jesus nesse instante

Ordenou São Julião

Mais São Miguel e São Lucas

Que levassem Lampião

Pra ele ver a harmonia

Nisto a Virgem Maria

Aparece no salão

 

Aglomerada de anjos

Todos cantando louvores

Lampião disse: meu Deus

Perdoai os meus horrores

Dos meus crimes tão cruéis

Arrependeu-se através

Da Virgem seus esplendores

 

Os anjos cantarolavam

Saudando a Virgem e o Rei

Dizendo: no céu no céu

Com minha mãe estarei

Tudo ali maravilhou-se

Lampião ajoelhou-se

Dizendo: Senhora eu sei

 

Que não sou merecedor

De viver aqui agora

Julião, Miguel e Lucas

Disseram vamos embora

Ver os demais apartamentos

Lampião neste momento

Olhou pra Nossa Senhora

 

E disse: Ó Mãe Amantíssima

Dá-me a minha salvação

Chegou nisto o maioral

Com catinga de alcatrão

Dizendo não pode ser

Agora só quero ver

Se é salvo Lampião

 

Respondeu a Virgem Santa

Maria Imaculada

Já falaste com meu Filho?

Vamos não negues nada

– Já ó Mãe Amantíssima

Senhora Gloriosíssima

Sou uma alma condenada

 

Disse a Virgem mãe suprema

Vai-te pra lá Ferrabrás

A alma que eu pôr a mão

Tu com ela nada faz

Arrenegado da Cruz

Na presença de Jesus

Tu não vences, Satanás

 

Vamos meu filho vamos

Sei que fostes desordeiro

Perdeste de Deus a fé

Te fazendo cangaceiro

Mas já que tu viste a luz

Na presença de Jesus

Serás puro e verdadeiro

 

Foi Lampião novamente

Pelos santos escoltado

Na presença de Jesus

Foi Lampião colocado

Acompanhou por detrás

O tal cão de Ferrabrás

De Lúcifer enviado

 

Formou-se logo o júri

Ferrabrás o acusador

Lá no Santo Tribunal

Fez papel de promotor

Jesus fazendo o jurado

Foi a Virgem o advogado

Pelo seu divino amor

 

Levantou-se o promotor

E acusou demonstrando

Os crimes de Lampião

O réu somente escutando

Ouvindo nada dizia

A Santa Virgem Maria

Começou advogando

 

Lampião de fato foi

Bárbaro, cruel, assassino

Mas os crimes praticados

Por seu coração ferino

Escrito no seu caderno

Doze anos de inferno

Chegou hoje o seu destino

 

Disse Ferrabrás: protesto

Trago toda anotação

Lampião fugiu de lá

Em busca de salvação

Assassinou Buscapé

Atirou em Lucifer

Não merece mais perdão

 

Levantou-se Lampião

Por esta forma falou

Buscapé eu só matei

Porque me desrespeitou

E Lucifer é atrevido

Se ele tivesse morrido

A mim falta não deixou

 

Disse Jesus e agora

Deseja voltar à terra

A usar de violência

Matando que só uma fera?

Disse Lampião: Senhor

Sou um pobre pecador

Que a Vossa sentença espera

 

Disse Jesus: Minha mãe

Vou lhe dar a permissão

Pode expulsar Ferrabrás

Porém tem que Lampião

Arrepender-se notório

Ir até o “purgatório”

Alcançar a salvação

 

Ferrabrás ouvindo isto

Não esperou por Miguel

Pediu licença e saiu

Nisto chegou Gabriel

Ferrabrás deu um estouro

Se virou num grande touro

Foi dar resposta a Lumbel

 

Resta somente saber

O que Lampião já fez

Do purgatório será

O julgamento outra vez

Logo que se for julgado

Farei tudo versejado

O mais até lá freguês.


Literatura de Cordel terça, 19 de setembro de 2017

LENDA DO CAIPORA - FOLHETO DE GONÇALO FERREIRA DA SILVA

 

A humana criatura
se pergunta insatisfeita:
Como uma coisa existe
sem nunca ter sido feita? –
Quem prega não prova nada
quem escuta não aceita.

Diz a gênese mosaica
que Deus Pai Onipotente
disse: “Faça-se a luz”
e a luz obediente
do atro abismo do nada
surgiu repentinamente.

Assim também são as lendas
as vezes surgem do nada
ou como reminiscência
duma cultura importada
que sempre sensibilizam
gente não civilizada.

 

De acordo com tais lendas
há o regente do mar,
o deus dos mananciais,
o gênio que rege o ar,
e é de um desses gênios
que nós queremos falar.

Vivendo na intimidade
da aconchegante flora
como um guardião que zela
a quem mais ama e adora
é o protetor da fauna
o lendário caipora.

E o caçador prudente
ao conduzir o seu cão
antes de entrar na mata
deve, por obrigação
ao caipora pedir
a sua autorização.

Senão estará sujeito
a ser desafortunado
ou inexplicavelmente
ficar desorientado
andando em círculo na mata
por tempo indeterminado.

Outras vezes algo estranho
fica o cachorro sentindo
andando em torno do dono
se lastimando e ganindo
sem que o dono perceba
quem o está perseguindo.

Outro artifício que é
pelo caipora usado
é reter o cão esperto
infantilmente acuado
latindo muito diante
dum toco designado.

“Hoje não é o meu dia”
pensa imediatamente
o caçador convidando
o cão desobediente
que abana o rabo, entretanto,
volta a latir novamente.

Agora o caçador sente
um inexplicável frio
tenta dominar o medo
porém sente um arrepio
algo como um mudo aviso,
um sentimento sombrio.

Pedras à feição de trempes
bota na mata fechada
acende fogo dizendo:
– Vamos parar a jornada
só depois da hora-grande
reinicia a caçada.

Mas depois da hora-grande
incompreensivelmente
ouve o caçador um longo
assovio à sua frente
o caçador intrigado
escuta detidamente.

Gira sobre os calcanhares
segue oposta direção
mas não percorre uma jarda
tem ele a decepção
de saber que o assovio
já mudou de posição.

E assim pra todo lado
em que o caçador for
segue o assovio como
se o assoviador
se entretenha mangando
da cara do caçador.

Um caçador nos contou
um curioso ocorrido
um caso igualmente aquele
nunca tinha acontecido
dessa vez o caipora
se deixou ser percebido.

Quando entrou na mata virgem
repentinamente viu
três porcos-do-mato que
quando ele os pressentiu
os alvejou um por um
até que o último caiu.

Quando ia dirigir-se
aos porcos mortos no chão
um moleque apareceu
com um enorme ferrão
montado num porco-espinho
na densa vegetação.

E enfiando o ferrão
nos flancos dum animal
mandou-o se levantar
que o tiro não foi mortal
o porco saiu correndo
por dentro do matagal.

Repetiu com o segundo
essa mesma operação
e no terceiro também
ele enfiou o ferrão
os animais dispararam
sem vestígios de lesão.

A seguir o caipora
dirigiu-se a um ribeiro
simulando raiva disse:
– Vou amanhã ao ferreiro
consertar este ferrão
pra ele ficar linheiro.

Logo o caçador pensou:
“Amanhã eu vou ficar
na porta da oficina
ver se alguém vai chegar
com um ferrão como este
para mandar consertar”.

Chegando em casa, sequer
colocou da porta a tranca
num dos cantos da latada
colocou sua alavanca
e depois da sua esposa
acariciou a anca.

E foi dormir levemente
para acordar muito cedo
para saber se o ferreiro
conhecia algum segredo
porque durante a caçada
pra ser franco, teve medo.

O sol já estava alto…
o caçador conversando
com seu amigo ferreiro
sobre negócios tratando
quando avistaram um vaqueiro
que vinha se aproximando.

Quando o vaqueiro apeou
foi exibindo um ferrão
dizendo para o ferreiro:
– Tenho muita precisão
que conserte este instrumento
com a maior perfeição.

Sem querer teve o ferreiro
um leve estremecimento
mas consertou o ferrão
naquele mesmo momento
e disse para o vaqueiro:
– Eis aí seu instrumento.

Disse o vaqueiro: – O ferrão
está como me convém
fitando o caçador disse:
– Preste atenção muito bem
o que você viu de noite
não conte nunca a ninguém

 


Literatura de Cordel segunda, 18 de setembro de 2017

DISCUSSÃO DO MACUMBEIRO E O CRENTE, FOLHETO DE GONÇALO FERREIRA DA SILVA

 

Carnaval e futebol
ficaram pra se curtir,
Os santos ensinamentos
são para o crente seguir,
religião e política
embora mereçam crítica
não são pra se discutir

Evangelista e Pilintra
não pensam do mesmo jeito,
pois enquanto Evangelista
diz que foi por Cristo aceito
Pilintra bate no bumba
dizendo que é na macumba
que se faz tudo bem feito.

Porém, embora os dois pensem
de maneira diferente,
nunca tinham discutido
porque até o presente
não tinham, por sorte rara,
oportunidade para
um encontro frente a frente. 

Mas um dia Evangelista
voltava alegre do culto
quando avistou muito longe
de Pilintra o negro vulto
que já vinha da macumba
no morro da Catacumba
já foram trocando insulto.

E onde os dois se encontraram
era uma encruzilhada
onde havia uma bebida
à Pomba Gira deixada
e uma galinha preta
pertinho de uma valeta
para um Exu colocada

– Que pecado monstruoso –
disse o crente, o dedo em riste
é triste um pecador crer
num troço que não existe
e fazer o mal com isto
agravando a Jesus Cristo
é vinte mil vezes triste

Pilintra lhe respondeu:
– Preste muita atenção, moço,
se macumba não existe
não carece de alvoroço
Deus também nunca lhe disse
pra querer ter a burrice
de ser santo em carne e osso.

Não era tarde da noite,
umas dez horas, e tantos,
começou a chegar gente
vinda de todos os cantos,
outros vinham feito loucos,
os que há pouco eram poucos
já não se sabia quantos.

A rua ficou lotada
de toda espécie de gente,
muitos pelo macumbeiro,
outros a favor do crente;
os aplausos ao combate
serviam para o debate
ficar cada vez mais quente

Pilintra disse: – Vocês
os crentes só fazem o bem
mas falam de todo mundo,
razão só vocês que têm
e eu na minha macumba
vivo bem com minha dumba
sem falar mal de ninguém.

O crente bateu com as juntas
dos dedos na negra capa
da Bíblia e ameaçou
dar no macumbeiro um tapa
e disse: – Na minha crença
eu não admito ofensa
mesmo que seja do Papa.

Portanto pode chamar
seu caboclo furacão
Pena Branca de Aruanda,
São Cosme e São Damião
Zé Pilintra e Preto Velho
que a luz do meu Evangelho
deixa todos sem ação.

Respondeu Pilintra: – Os guias
não são para ser chamados
para assistir bate-boca
nem para fazer mandados.
São emissários benditos
que quando estamos aflitos
vêm nos fazer consolados.

O crente cego de ódio
disse: – Cara, muito bem
qual é a luz que um espírito
que vive nas trevas tem?
E como é que tu levas
fé num espírito das trevas
que nunca ajudou ninguém?

– O mal – respondeu Pilintra
que mais combato e censuro
e que o reino de Deus
é pra vocês no futuro,
estão errados, declaro
para vocês tudo é claro
para os demais é escuro.

Convide seus Orixás
Iansã, Nanã, Ogum,
Omulu, Xangô, Oxóssi,
Iemanjá e Oxum,
Mariazinha da Praia
que quero dar uma vaia
pois não respeito nem um.

– Atire esta Bíblia fora –
disse Pilintra arrogante,
respeite a religião
que segue o seu semelhante
senão eu lhe meto o murro
porque o destino do burro
é morrer ignorante.

Um dos espectadores
quis o Pilintra agredir,
a turma do “deixa disso”
fez intruso sair
com a recomendação
de não entrar na questão
deixando os dois discutir.

A discussão nesta altura
já parecia uma briga,
vai ofensa, vem ofensa
e no meio da intriga
que parecia arruaça
a plateia achava graça
de dar cãibra na barriga.

Os homens tinham energia
na garganta como poucos,
dando socos no espaço,
já completamente roucos
uns riam pelo que viam,
outros riam dos que riam,
era um festival de loucos.

Ninguém mais se entendia
no meio da discussão.
Evangelista deixou
a Bíblia cair no chão,
e Pilintra não sabia
porque razão discutia
com tão voraz decisão.

Certo é que nem um queria
perder aquela disputa,
Pilintra não ia dar mole
nem que fosse a força bruta,
até o quinto mandamento
não cumpriria no momento
para não perder a luta.

Parecia que a disputa,
duraria a noite inteira,
mas antes da hora grande
Pilintra com voz maneira
disse: – Acabo a raça sua,
vou chamar seu Tranca-Rua,
Encruzilhada e Caveira.

Evangelista com isso
perdeu logo a esportiva
e disse: – Convide alma
de preta velha cativa,
de velho catimbozeiro
que quero ver mandingueiro
comigo ter voz ativa.

Um gozador que ouvia
a disputa atentamente
fez um boneco de pano
muito negro e reluzente,
jogou para o alto o treco
e a droga do boneco
caiu bem nos pés do crente.

O crente soltou um grito
e quis sair na carreira,
mas ao escutar as vaias
daquela cambada inteira
ouviu do canto da praça
um sujeito achando graça
igualmente uma caveira.

O crente, no desespero
quis esboçar reação,
buscando apoio do povo
disse acenando com a mão:
– Todo infeliz macumbeiro
é bandido e maconheiro,
é assassino e ladrão.

Com estas frases Pilintra
ficou muito indignado
e disse: – Cara não faça
juízo precipitado,
até o momento presente
não sei porque todo crente
tem a fala de viado.

Destas palavras pra frente
ninguém entendeu ninguém,
foi muito grande o tumulto
guias chegaram do além,
para esquentar o ambiente
no final até o crente
recebeu santo também.

Quando o guia incorporado
no crente foi novamente
para região celeste
todo o pessoal presente
entre risos e charadas,
num festival de risadas
todos mangavam do crente.

No morro da Catacumba
Pilintra lia convencido
da discussão o poema
achando não ter perdido,
o crente em sua Assembleia
também lia a epopeia
certo que tinha vencido.

"


Literatura de Cordel sábado, 16 de setembro de 2017

AS CONSEQUÊNCIAS DA COMPRA DO VOTO

 

 

 

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Quem negocia seu voto
Prega a corrupção,
Não pode exigir depois
Nenhuma pequena ação
Daquele seu candidato
Que escolheu na eleição.

Aquele que vende o voto
Sem saber faz aumentar
A injustiça social,
Pois não pode nem cobrar
Trabalho do candidato
Depois que este ganhar.

O crápula que compra votos
Do povo não quer saber,
O que ele pretende mesmo
É adquirir o poder
Pra roubar dinheiro público
E assim enriquecer.

O triste que compra voto
Não tem nenhum compromisso
Com saúde, educação
Nem quer saber se há serviço
Pro homem trabalhador
Da favela ou do cortiço.

Cidadão que vende o voto
Por carência ou ingenuidade
É vítima dos poderosos,
Que vêm com ar de bondade,
Disfarçados de cordeiros
Pra esconder toda maldade.

Quem oferece seu voto
Em troca de uma vantagem
Contribui para aumentar
O capitalismo selvagem
Que instalou-se em nosso meio
E é pai da politicagem.

 

Por isso meu caro amigo
Preste muita atenção,
No dia que for votar
Não se leve por emoção,
Escolha quem é honesto,
Quem ao pobre dá razão.

Quando escolher candidato
Veja bem o seu passado:
Se lutava pelo pobre,
Denunciava o errado,
Se nunca aceita propina,
Se parece equilibrado.

É preciso estar atento
Pra não cair em cilada,
Pois de político esperto
A rua está tomada,
Portanto pense, analise
O que diz o camarada.

Desconfie quando o sujeito
Em tempo de eleição
De repente fica simples,
Vai logo dando-lhe a mão,
Pondo no colo criança
Dizendo cheio de esperança:
É o futuro da nação!

Cuidado com o camarada
Que só vive garantindo
Resolver todo problema,
Que diz nunca está mentindo,
Que dá tapinha nas costas,
Chamando amigo nas portas
E que só vive sorrindo.

Não se engane com o político
Que vive a prometer
Emprego e vida fácil
Depois que ele se eleger,
Isso é conversa pra trouxa
Que não tem o que fazer.

Não deixe o seu lugar
Ser chamado de banal
E não ser reconhecido
Por curral eleitoral
Como quem usa cabresto,
Pois ninguém é animal.

Não faça como José,
Morador da Barra Funda,
Que dizia: – O meu voto,
O de Pretinha e Raimunda
É só pra quem tem dinheiro,
Quem não pensar desse jeito
Leva logo um pé na bunda.

Não imite Severino,
Que no dia da eleição
Andava com os bolsos cheios
Achando-se com razão
Para comprar todo o povo
Que não tinha condição.

Se assim você agir
Com certeza vai sofrer
As conseqüências depois,
O sujeito vai querer
Recuperar seu dinheiro
Quando alcançar o poder.

E logo não vai poder
Fazer o que prometia
E se você reclamar,
Quiser uma benfeitoria
Depressa ele vai falar:
– Po’daqui se retirar
Comprei seu voto, sabia?

É triste a sina de quem
Empresta ou vende o voto.
Joaquim disse: – menino
Eu nunca que me importo
Com essa tal corrupção
Quem me pagar na eleição
Viro ateu ou devoto.

E chegou um candidato
Dirigiu-se a Joaquim:
– Dou-lhe uma chapa novinha
Se você votar em mim,
Compro a de baixo no pleito
E a outra se eu for eleito
Espero não ache ruim.

Veja só o constrangimento
Desse ingênuo eleitor
Ao saber que o candidato
A eleição não ganhou,
Pois ficou sem mastigar
E muita gente zombou.

Há também quem compre voto
Por um quilo de farinha,
Por um par de alpargatas
Ou até mesmo uma galinha
Fazendo o povo objeto
À noite ou de manhãzinha.

Só que todo o corrupto
Age bem a qualquer hora,
Oferece o que tiver,
Mas cobra juro de mora
Do povo quando eleito,
Engana e não vai embora.

Para que tudo isso mude
O povo tem que agir
Em busca de um mundo novo,
Solução é construir
A nossa independência
E sabendo com freqüência
Político sério exigir.

Não é fácil a tarefa,
Mas precisamos tentar
Porque a corrupção
Está em todo lugar,
Para ter um mundo honesto
Fuja de político esperto
E não se venda ao votar!


Literatura de Cordel sexta, 15 de setembro de 2017

DISCUSSÃO DO CARIOCA COM O PAU-DE-ARARA - FOLHETO DE APOLÔNIO ALVES DOS SANTOS

 

Já que sou simples poeta 
poesia é meu escudo 
com ela é que me defendo 
já que não tive outro estudo 
vou mostrar para o leitor 
que o poeta escritor 
vive pesquisando tudo

Certo dia feriado 
sendo o primeiro do mês 
fui tomar uma cerveja 
no bar de um português 
lá assisti uma cena 
agora pego na pena 
para contar pra vocês

Quando eu estava sentado 
chegou nessa ocasião 
um velho pernambucano 
daqueles lá do sertão 
com a maior ligeireza 
foi se sentando na mesa 
pediu uma refeição

O português logo trouxe 
um prato grande sortido 
o nortista vendo aquilo 
ficou logo enfurecido 
com um gesto carrancudo 
começou mexendo tudo 
depois falou constrangido

 

Patrício não leve a mal 
nem me queira achar ruim 
toda espécie de comida 
que você tem é assim? 
desculpe minha expressão 
mas a sua refeição 
não vai servir para mim

Nesta hora o português 
ficou zangado também 
lhe respondeu ora bola 
donde é que você vem? 
difamando deste jeito 
me diga qual o defeito 
que esta comida tem?

O nortista disse eu sofro 
um ataque entistinal 
a carne está quase podre 
o arroz tem muito sal 
o feijão está azedo 
de comer eu tenho medo 
que pode me fazer mal

” O meu estômago não dá 
pra receber este entulho 
prefiro morrer de fome 
mas não como este basculho 
pois comendo sei que morro 
lá no norte nem cachorro 
não come todo bagulho

O português respondeu 
você é péssimo freguês 
vá embora e faz favor 
não vir aqui outra vez 
mas antes tem que pagar 
não posso lhe perdoar 
a desfeita que me fez

O nortista disse eu pago 
que isto não me embaraça 
para você não pensar 
que eu vim comer de graça 
mas o nortista de nome 
embora morra de fome 
mas não come esta desgraça

Acontece que ali 
se achava um carioca 
disse ele só conhece 
farinha de mandioca 
todo nortista poeira 
só gosta de macacheira 
girimum e tapioca

Disse o nortista é porisso 
que o nordestino é forçoso 
porque no meu velho norte 
se come pirão gostoso 
com farinha de mandioca 
aqui só dá carioca 
doente tuberculoso

C. ” Respondeu o carioca 
não queira tanto agravar 
seu nordeste é muito bom 
mas lá ninguém quer ficar 
deixou lá seu pé de serra 
e veio pra minha terra 
para poder escapar

N. ” Aqui também me pertence 
o nortista respondeu 
eu sou nato brasileiro 
o Brasil é todo meu 
o homem precisa andar 
para poder desfrutar 
do país onde nasceu

C. ” O carioca rompeu 
nordestino é curioso 
além de ter olho grande 
é demais ambicioso 
chega aqui se amaloca 
na terra do carioca 
doente tuberculoso

N. ” Disse o nortista é porque 
nosso Rio de Janeiro 
precisa do nordestino 
pois é um povo ordeiro 
pra quem derrama suor 
aqui no Rio é melhor 
para se ganhar dinheiro

C. ” Mas no Rio de Janeiro 
tem operário de sobra 
não precisa nordestino 
vir aqui fazer manobra 
nordestino é atrevido 
aqui já é conhecido 
por camondonga de obra

N. ” Você me diz isso tudo 
pra me desclassificar 
mas aqui as companhias 
preferem mais empregar 
os nordestinos que vem 
pois carioca não tem 
coragem de trabalhar

C. ” É porque o carioca 
gosta da civilidade 
não é defeito ninguém 
viver da facilidade 
pois ninguém não é cavalo 
pra viver criando calo 
sem haver necessidade

N. ” O carioca só gosta 
de viver da malandragem 
do jogo e da bebedeira 
do vício e da vadiagem 
porisso o país da gente 
não pode ir para a frente 
por causa da pilantragem

C. ” O carioca está certo 
pensando assim pensa bem 
o carioca não gosta 
de ser sujeito a ninguém 
nem dá valor a operário 
que só vive do salário 
luta muito e nada tem

N. ” Já eu penso diferente 
você precisa entender 
que nosso mundo é composto 
de tudo precisa ter 
se não fosse o operário 
o rico milionário 
como podia viver?

C. ” Mas o nortista trabalha 
porque é muito uzurario 
tem alguém que vem pra qui 
mas lá é proprietário 
pois devido a ambição 
enfrenta até fundação 
com os olhos no salário

N. ” É porque o nordestino 
é um homem acostumado 
a só viver do trabalho 
não ignora o pesado 
não é como o carioca 
que só vive da fofoca 
da malandragem e do fado

C. ” Tinha graça o carioca 
se misturar com cimento 
como faz o nordestino 
que chega ficar cinzento 
carioca só procura 
um emprego que figura 
moral e comportamento

N. ” Não é todo carioca 
que tem a capacidade 
de assumir um emprego 
de alta dignidade 
precisa de estudar 
para assumir um lugar 
de responsabilidade

C. ” Você aí está certo 
o estudo está na frente 
porque o mundo ficou 
para o mais inteligente 
assim diz quem for ativo 
o operário é cativo 
num país independente

N. ” Pois eu gosto do trabalho 
e vivo sempre disposto 
pois o homem que trabalha 
a Jesus dá grande gosto 
porque Deus disse a Adão 
hás de ganhar o teu pão 
com o suor do teu rosto

C. ” Então você é Adão 
que veio do paraíso 
faça lá o que quiser 
que de você não preciso 
nem vou na sua maloca 
porque sou um carioca 
que honro o chão onde piso

N. ” Nem de você eu preciso 
que você é fracassado 
pelos traços já se vê 
que você é pé rapado 
e quem fala deste jeito 
só pode ser um sujeito 
ignorante atrasado

C. ” Disse o carioca eu vivo 
com minha alma tristonha 
vou embora para onde 
o nordestino nem sonha 
vou esconder minha cara 
para este pau-de-arara 
não me matar de vergonha


Literatura de Cordel quinta, 14 de setembro de 2017

O DEZRÉIS DO GOVERNO, FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS

Folheto_de_Leandro_Gomes_de_Barros

 

Conversavam dous vizinhos
Moradores de um sobrado
Exclamou, um oh! vizinho!
Já viu o que tem se dado?
O quê? – Perguntou o outro
Os 5 réis do estado.

Pergunta outro vizinho
Não é esse do vintém?
É um imposto damnado
Que não escapa ninguém,
É peior do que bexiga
Não repara mesmo alguém.

Bexiga ainda tem vacina
Que um outro sempre escapa
Mais esse imposto d’agora!
Só a doutrina do Papa
Qualquer cousa que se compra
Os fiscais dão mão de raspa.

Não me recordo do dia
Já estraguei a lembrança
Meu tio tem avó em casa
Foi fazer uma mudança
Pois para tirar a velha
Foram com ella a balança.

 

Morreu uma italiana
No pateo de São José
Pesavam cento e dez quilos
Os bichos de cada pé,
Foi pesada e pagou tudo
Veja o mundo como é.

O carcamano pai d’ella
Humilde que só um réu
Dizia senhor perdoe-me
Isso faz chamar o céo,
Disse o fiscal faz lá nada
Isto aqui é um pitéu.

Senhor! Exclamava o velho
Não tem isso nem aquilo
Dizia serio o fiscal
Aqui não escapa um grilo,
Á de pagar o estado
Cinco réis por cada kilo.

Outro italiano velho
Que vivia aqui na praça
Com dez kilos de remendo
Que tem no fundo da calça,
Quis sahir para a Italia
E não pode sahir de graça.

O gringo velho exclamava
Lançando um olhar no mundo
Oh! Senhor! este Brasile
É um abismo profundo,
Eu hei de levar a calça
Mas hei de deixar o fundo.

Comprou 3 caixas de flandre
Um funileiro atrasado
Ia sahindo escondido
Levando o flandre guardado
Disse um fiscal não senhor
Seu flandre á de ser pesado.

Nosso Brasil hoje está
Como quando inda era inculto
Quem foi quem já viu pagar
Por um meio absoluto?
Pesar-se em meio da praça
Até fumo de matuto!

Eu já tive uma idéia
Encuti no pensamento
Quando entrar outro governo
A novo regulamento,
Eu creio que inda se pesa
Chuva, sol, poeira, e vento.

Não sei o que descubram mais
Para acabrunhar o povo
É medonho o disparate
Que traz o governo novo
Fica tudo igual ao pinto
Que morre dentro do ovo.

Antes de haver eleição
Só vê-se é prometimento
Dizerem tudo melhora
Muda-se o regulamento
A melhora é augmentarem
Do que está sento por sento.

O mundo vai tão errado
E a cousa vai tão feia
A garantia do pobre
É ponta-pé e cadeia,
As creanças já não sabem
O que é barriga cheia.

A Semana tem seis dias
Quem quiser andar direito
Há de dar dous ao estado
E dois e meio ao prefeito,
E não á de se queixar
Nem ficar mal satisfeito.

O commercio nada perde
Ganha com isso tambem
Cresse cinco réis de imposto
Elle cá sobe um vintem,
E diz: chore quem chorar
Eu não sou pai de ninguem.

Entretanto o Brasileiro
Tem muito o que padecer
O governo que era o unico
Que podia proteger,
Diz: eu enchendo a barriga
Tudo mais pode morrer.

Assim mesmo ha homem
Inda esperando melhora
E vê que a justiça é cega
Disse hontem e nega agora,
E surda não ouve o echo
Do pobre aflicto que chora.


Literatura de Cordel quarta, 13 de setembro de 2017

A ONÇA E O BODE, FOLHETO DE JOSÉ COSTA LEITE

 

 

 

Uma pobre onça vivia
em uma mata deserta
dormindo ali, acolá
não tinha morada certa
exposta a chuva e o vento
cochilando no relento
sem travesseiro ou coberta.

Certa vez a onça estava
pensando na sua vida
havia chovido a noite
ela estava enfraquecida
com fome e toda molhada
além disso, resfriada
pois se molhou na dormida.

A onça disse consigo:
“Isso assim não fica bem
vivo por dentro dos matos
sofrendo como ninguém
nunca pude preparar
uma casa pra morar
e quase todo bicho tem”.

 

E esse plano na mente
pegou idealizar
dizendo assim: Quando chove
eu só falto me acabar
se Deus do céu me valer
brevemente eu vou fazer
uma casa pra morar.

Na ribanceira dum rio
viu o canto apropriado
a onça limpou o terreno
deixando tudo ciscado
resolveu ir descansar
pra depois de recomeçar
quando passasse o enfado.

Acontece que o bode
teve o mesmo pensamento
disse: Eu durmo no mato
passo a noite no relento
exposto a muitos perigos
a sanha dos inimigos
sujeito a chuva e o vento.

– Eu vou cuidar em fazer
uma casa pra morar
quando estiver chovendo
eu tenho aonde ficar
fazendo inveja aos demais
pois todos os animais
zombar vendo eu me molhar.

Na ribanceira dum rio
achou um lugar varrido
o bode disse: Eu aqui
farei o meu lar querido
aqui ninguém me aperreia
o rio dando uma cheia
eu estarei garantido.

Cortou madeira no mato
e cavou na mesma hora
os buracos dos esteios
já com a língua de fora
cansado de trabalhar
resolveu ir descansar
tomou banho e foi embora.
 
A onça chegando viu
o trabalho prosperando
disse assim: É Deus do céu
que está me ajudando
cortou folhas de palmeira
trabalhou a tarde inteira
e foi-se embora cantando.

O bode chegando achou
o serviço quase no fim
disse: “Parece que Deus
está ajudando a mim
pegou tapar o mocambo
trabalhou que ficou bambo
plantou até um jardim”.

Tomou banho e foi embora
e quando a onça chegou
botou portas no mocambo
e o que faltava tapou
cortou folhas de palmeira
fez na base de uma esteira
forrou tudo e se deitou.

O bode chegando teve
uma alegria danada
já viu a casa com portas
porém não foi caçoada
foi chegando perto dela
e quando olhou da janela
avistou a onça deitada.

E quando o bode falou
a onça disse que tinha
feito a casa pra morar
pois sofrendo muito vinha
porém o bode na hora
disse: Minha não senhora
porque esta casa é minha.

A onça disse: Eu limpei
o canto e fui descansar
o bode disse: Eu cortei
a madeira e fui cavar
os buracos dos esteios
assim por todos os meios
nela sou quem vou morar.

A onça disse: Eu cortei
palmeira e cobri ela
o bode disse: Eu tapei
e fiz o jardim perto dela
disse a onça: Eu vou caçar
pois eu não quero brigar
só sei que vou morar nela.

O bode ficou deitado
e a onça foi caçar
lá ela matou um bode
e trouxe para jantar
o outro bode, coitado
vendo seu irmão sangrando
deu vontade de chorar.

A onça disse ao bode:
– Quando me ver pinotear
é que está chegando em mim
a vontade de brigar
da minha casa eu não saio
e de fome sei que não caio
todo dia irei caçar.

Disse ao bode: Quando eu
ficar de pé, espirrando
pinoteando bem alto
e a barba balançando
estou rosnento e voraz
pior do que Satanás
é bom ir se preparando.

Na caçada o bode viu
uma onça pendurada
tinha caído no laço
ele matou-a de pancada
chegou em casa com ela
a onça vendo a irmã dela
ficou toda arrepiada.

Fez um churrasco da onça
e comeu que ficou deitado
depois pegou espirrar
dando salto agigantado
com a barba balançando
deitando e se levantando
com o maior bodejado.

A onça com medo dele
também pegou pinotear
para dizer que estava
com vontade de brigar
nos dois pés se levantou
mas o bode nem ligou
e danou-se pra espirrar.

O bode de cara feia
ficou perto da janela
pra pinotear e correr
antes do fim da novela
ela estava no pagode
era com medo do bode
e o bode com medo dela.

O bode espirrou de novo
fez um grande bodejado
a onça saltou no terreiro
e entrou no mato fechado
o bode correu também
no mato inda hoje tem
o mocambo abandonado”.


Literatura de Cordel terça, 12 de setembro de 2017

OS SOFRIMENTOS DE JESUS CRISTO

 

OSJ

 

Oh Jesus meu Redentor
dos altos Céus infinitos
abençoai meus escritos
por vosso divino amor
leciona um trovador
com divina inspiração
para que vossa paixão
seja descrita em clamores
desde o princípio das dores
até a ressurreição.

Dentro do Livro Sagrado
São Marco com perfeição
nos faz a revelação
de Jesus crucificado
foi preso e foi arrastado
cuspido pelos judeus
por um apóstolo dos seus
covardemente vendido
viu-se amarrado e ferido
nas cordas dos fariseus.

Dantes predisse o Senhor
meus discípulos me rodeiam
e todos comigo ceiam
mas um me é traidor
só a mão do pecador
meu corpo ao suplicio vai
porém vos digo que vai
do homem que por dinheiro
transforma-se traiçoeiro
contra o Filho de Deus Pai.

 

Todos na mesa consigo
clamavam em alta voz
Senhor, Senhor qual de nós
vos trai dos que estão contigo
disse Cristo: é quem comigo
juntamente molha o pão
e todos me deixarão
mas São Pedro respondeu
mestre garanto que eu
não vos deixarei de mão.

Em verdade deixarás
nesta noite sem tardar
antes do galo cantar
três vezes me negarás
Pedro com gestos leais
disse em voz compadecida
eis-me a morte preferida
mas não serei teu contrário
ainda que necessário
me seja perder a vida.

Estava tudo benquisto
com Pedro dizendo igual
até na hora fatal
da prisão de Jesus Cristo
então quando se deu isto
Pedro a espada puxou
num fariseu despejou
um golpe tão destemido
que destampou-lhe o ouvido
quando a orelha voou.

Ouviu a voz sublimada
de Cristo em reclamação
dizendo em repreensão
Pedro guarde a tua espada
deixa não promovas nada
porque tudo é permitido
não sejas enfurecido
não tentes e nem te alteres
pois se com o ferro feres
com ele serás ferido.

Jesus na frente seguia
na hora que lhe prenderam
todos discípulos correram
mas Pedro atrás sempre ia
de longe coitado via
Jesus de queda e de trote
sobre as mãos do grande lote
cada bordoada um passo
até chegar no terraço
da casa do sacerdote.

Depois da tropa chegada
Jesus foi interrogado
bastantemente acusado
e Pedro viu da calçada
quando veio uma criada
perguntando com rigor
– Tu és acompanhador
do que está preso aqui?
Pedro disse: eu nunca vi
nem conheço esse Senhor.

E assim continuou
de quando em vez a negar
antes do galo cantar
3 vezes Pedro negou
depois então se lembrou
do que Jesus tinha dito
amargo e bastante aflito
derramou pranto no chão
porque fez a transgressão
do que disse a Jesus Cristo.

Jesus além da prisão
bofetes e pontapés
ainda diziam: tu és
réu da crucificação
e procuravam razão
para o tal cruel transporte
uma testemunha forte
com legalidade pura
que lhe desse a desventura
passando a pena de morte.

O sacerdote indagou
perante os fariseus
tu és o Filho de Deus
disse Jesus Cristo: eu sou
em breve verão que vou
pra meu pai Celestial
eis a voz sacerdotal
pra que testemunha mais
do que as blasfêmias tais
da boca do mesmo tal.

E rasgando-lhe o vestido
cuspiram as faces divinas
logo das mãos assassinas
foi espancado e ferido
nas cordas foi envolvido
atado de braço e mão
no outro dia então
ordenou Pôncio Pilatos
dizendo aos insensatos
dai-lhe crucificação.

Pilatos bem que sabia
quase com realidade
que por inveja ou maldade
deu-se essa algozaria
mas Jesus nada dizia
Pilatos quis revogar
mas não podia falar
tantos que lhe cercavam
que lhe pedindo gritavam:
mandai-o crucificar.

Sob o poder dos ingratos
escribas e fariseus
Jesus o Filho de Deus
foi entregue por Pilatos
os mais horrendos maus-tratos
cada um deles fazia
Jesus a cruz conduzia
golpe de sangue lançava
do peso que carregava
quando topava caía.

Do seu vestido brilhante
brutamente lhe despiram
depois noutro lhe vestiram
de púrpura agonizante
uma coroa infamante
de espinhos tecida a mão
pra fazerem mangação
na cabeça lhe botando
todos gritavam zombando
viva o rei da nação.

Um algoz lhe espancou
com uma cana pesada
que com esta bordoada
sua cabeça sangrou
seu sangue se derramou
lavando-lhe os ombros nus
e marchando em passo truz
para em Gólgota chegar
aonde ia se findar
morto e pregado na cruz.

Jesus depois de cravado
ouviu-se os gemidos seus
clamando Deus oh! Meu Deus
porque fui abandonado
e viu-se o astro nublado
trevas pelo mundo inteiro
um centurião fronteiro
disse verdadeiramente
este homem é inocente
filho de Deus verdadeiro.

E um algoz suspendeu
uma esponja flocada
numa cana enfiada
botou vinagre e lhe deu
logo ali Jesus morreu
com seu gesto divinal
que tormento sem igual
daquela tão vil derrota
foi Judas Escariota
o sacerdote fatal.

Que profano traidor
equiparado a Lusbel
da morte fria e cruel
foi ele o traidor
que fez nosso Salvador
na cruz de prego cravado
pelo corpo retalhado
fitas de sangue corriam
dos pregos que lhe feriam
cada qual mais aguçado.

Veio José de Arimatéia
pediu seu corpo e foi dado
pareceu sendo tocado
por uma divina ideia
tirou no meio da plateia
inda pregado na cruz
afastou-se dos tafus
antes do morrer do sol
envolvido num lençol
deu sepultura a Jesus.

Numa pedra natural
que tinha grande abertura
ele deu a sepultura
ao seu corpo divinal
felizmente este local
muito fácil ele encontrou
ali o depositou
a rocha era rachada
revolveu outra pesada
cobriu com ela e deixou.

Perto estava Madalena
que sempre a Jesus seguia
ela com outra Maria
ali chorava com pena
depois dessa triste cena
seguiram na noite escura
compraram essência pura
num vaso branco trouxeram
logo de manhã vieram
incensar-lhe a sepultura.

Porém um anjo sentado
em verdade lhe dizia
eis a rocha que jazia
Jesus o crucificado
mas já foi ressuscitado
para o alto tribunal
está na graça real
na corte santa e perfeita
da parte da mão direita
de Deus Pai Celestial


Literatura de Cordel segunda, 11 de setembro de 2017

UMA VIAGEM AO CÉU, FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS

 

vac

 

Uma vez, eu era pobre,
Vivia sempre atrasado,
Botei um negócio bom
Porém vendi-o fiado
Um dia até emprestei
O livro do apurado.

Dei a balança de esmola
E fiz lenha do balcão
Desmanchei as prateleiras
Fiz delas um marquezão
Porém roubaram-me a cama
Fique dormindo no chão.

Estava pensando na vida
Como havia de passar,
Não tinha mais um vintém
Nem jeito pra trabalhar
O marinheiro da venda
Não queria mais fiar.

Pus a mão sobre a cabeça
Fiquei pensando na vida
Quando do lado do Céu
Chegou uma alma perdida,
Perguntou: – Era o senhor,
Que aí vendia bebida?

 

Eu disse que era eu mesmo
E a venda estava quebrada,
Mas se queria um pouquinho
Ainda tinha guardada
Obra de uns dois garrafões
De aguardente imaculada.

Me disse a alma: – Eu aceito
E lhe agradeço eternamente
Porque moro Céu, mas lá
Inda não entra aguardente
São Pedro inda plantou cana
Porém perdeu a semente.

Bebeu obra de 3 contos,
Ficou muito satisfeita
Disse: – Aguardente correta,
Imaculada direita,
Isso é que eu chamo bebida
Essa aqui, ninguém enjeita!

Perguntei-lhe: – Alma, quem és?
Disse ela: – Tua amiga,
Vim te dizer que te mude
Aqui não dá nem intriga
Quer ir para o Céu comigo?
Lá é que se bota barriga!

Eu lá subi com a alma
Num automóvel de vento
Então a alma me mostrava
Todo aquele movimento,
As maravilhas mais lindas
Que existem no firmamento.

Passamos no Purgatório,
Tinha um pedreiro caiando,
Mas adiante era o Inferno
Tinha um diabo cantando
E a alma de um ateu
Presa num tronco, apanhando.

Afinal, cheguei no Céu
A alma bateu na porta,
Como pouco chegou São Pedro
Que estava pela horta,
Perguntou-lhe: – Esta pessoa
Ainda é viva, ou é morta?

Então a alma respondeu:
– É viva, estava no mundo
Não tinha de que viver
Está feito um vagabundo,
Lá quem não for bem sabido
Passa fome, vive imundo!

São Pedro aí perguntou:
– O mundo lá, como vai?
Eu aí disse: – Meu Santo,
Lá filho rouba do pai,
Está se vendo que o mundo
Por cima do povo cai…

Eu ainda levava um pouco
Da gostosa imaculada,
Dei a ele e ele disse:
– Aguardente raciada!
E aí me disse: – Entre,
Aqui não lhe falta nada!

Arrastou uma cadeira
E mandou eu me sentar
Chamou um criado dele
Disse: – Cuide em se arrumar
Vá lá dentro e diga a ama
Que bote um grande jantar.

Quando acabei de jantar,
O Santo me convidou,
Disse: – Vamos lá na horta
Fui, ele então me mostrou
Coisas que me admiraram
E tudo me embelezou.

Vi na horta de São Pedro
Arvoredos bem criados
Tinha pés de plantações
Que estavam carregados
Pés de libras esterlinas
Que já estavam deitados.

Vi cerca de queijo e prata,
E lagoa de coalhada
Atoleiro de manteiga
Mata de carne guisada
Riacho de vinho do porto,
Só não tinha imaculada!

Prata de quinhentos réis
Eles lá chamam caipora,
Botavam trabalhadores
Para jogar tudo fora,
Esses níqueis de cruzado
Lá nascem de hora em hora.

Então São Pedro me disse:
– Quero fazer-lhe um presente,
Quando você for embora
Vou lhe dar uma semente,
Você mesmo vai escolher
Aquela mais excelente!

Deu-me dez pés de dinheiro,
Alguns querendo botar,
Filhos de queijo do reino
Já querendo safrejar,
Uns caroços de brilhante
Para eu na terra plantar.

Galhos de libra esterlina
Deu-me cento e vinte pés
Deu-me um saco de semente
De cédulas de cem mil réis
Deu-me maniva de prata
De diamante, umas dez.

Aí chamou Santa Bárbara,
Esta veio com atenção
São Pedro aí disse a ela:
Eu quero uma arrumação
Este moço quer voltar
Arranje-lhe uma condução.

– Bote cangalha num raio,
E a sela num trovão
Veja se arranja um corisco
Para ele levar na mão,
Porque daqui para Terra
Existe muito ladrão!

Eu desci do Céu alegre
Comigo não foi ninguém
Passei pelo Purgatório
Ouvi um barulho além –
Era a velha minha sogra
Que dizia: – Eu vou também!

Eu lhe disse: – Minha sogra,
Eu não posso a conduzir
Ela me disse: – Eu lhe mostro
Porque razão hei de ir
E se não for apago o raio
Quero ver você seguir!

Nisso o raio se apagou,
Desmantelou-se o trovão,
O corisco que eu trazia
Escapuliu-se da mão
E tudo quanto eu trazia
Caiu desta vez no chão.

Aí a velha voltou
Rogando praga e uivando,
Quando entrou no Purgatório
Foi se mordendo e babando
Dizendo tudo de mim
Lançando fogo e falando.

Bem dizia o meu avô:
– Sogra, nem depois de morta
Fede a carniça de corpo
A língua da alma corta
Não diz assim quem não viu
Uma sogra em sua porta.

Eu vinha com isso tudo
Que o santo tinha me dado
Mas minha sogra apanhou
O diabo descuidado
Fiquei pior do que estava
Perdi o que tinha achado.

E quando cheguei em casa
A mulher quase me come,
Ainda pegou um cacete
E me chamou tanto nome,
Disse que eu casei com ela
Para matá-la de fome…

Se não fosse minha sogra
Eu hoje estava arrumado,
Mas ela no Purgatório
Achou tudo descuidado,
Abriu a porta e danou-se
Veio deixar-me encaiporado.

Nunca mais voltei ao Céu
Para falar com São Pedro,
E ainda mesmo que possa
Não vou porque tenho medo
Posso encontrar minha sogra
E vai de novo outro enredo.


Literatura de Cordel domingo, 10 de setembro de 2017

A SOGRA QUE ENGANOU O DIABO - CORDEL DE LEANDRO GOMES DE BARROS

 

Dizem, não sei se é ditado,
Que ao diabo ninguém logra;
Porém vou contar o caso
Que se deu com minha sogra.
As testemunhas são eu,
Meu sogro, que já morreu,
E a velha, que é falecida.
Esse caso foi passado
Na rua do Pé Quebrado
Da vila Corpo Sem Vida.

Chamava-se Quebra-Quengo
A mãe de minha mulher,
Que se chamava Aluada
Da Silva Quebra-Colher,
Filha do Zé Cabeludo.
Irmã de Vítor Cascudo
E de Marcelino Brabo,
Pai de Corisco Estupor;
Mas ouça agora o senhor
Que fez a velha ao diabo.

Minha sogra era uma velha
Bem carola e rezadeira,
Tinha seu quengo lixado,
Era audaz e feiticeira;
Para ela tudo era tolo,
Porque ela dava bolo
No tipo mais estradeiro.
Era assim o seu serviço:
Ela virava o feitiço
Por cima do feiticeiro!

Disse o demo: — Quebra-Quengo,
Qual é a tua virtude?
Dizem que és azucrinada
E que a ti ninguém ilude?
Disse a velha: — Inda mais esta!
Você parece que é besta!
Que tem você c’o que faço?
Disse ele: — Tudo desmancho,
Nem Santo Antônio com gancho
Te livra hoje do meu laço!

Ela indagou: — Quem és tu?
Respondeu: — Sou o demônio,
Nem me espanto com milagre,
Nem com reza a Santo Antônio!
Pretendo entrar no teu couro!
E nisto ouviu-se um estouro!
Gritou a velha: — Jesus!
Ligeira se ajoelhou
E, depois, se persignou
E rezou o Credo em cruz!

Nisto, o diabo fugiu.
E, quando a velha se ergueu,
Ele chegou de mansinho,
Dizendo logo: — Sou eu!
Agora sou teu amigo
Quero andar junto contigo,
Mostrar-te que sou fiel.
Minha carta, queres ver?
A velha pediu pra ler
E apossou-se do papel.

— Dê-me isto! grita o diabo,
Em tom de quem sofre agravo.
Diz a velha: — Não dou mais!
Tu, agora, és o meu escravo!
Disse o diabo: — Danada!
Meteu-me numa quengada!
Sou agora escravo dela!
E disse com humildade:
— Dê-me a minha liberdade,
Que esticarei a canela!

Disse a velha: — Pé de pato,
Farás o que te mandar?
Respondeu: — Pois sim, senhora,
Pode me determinar,
Porque estou no seu cabresto
Carregarei água em cesto,
Transformarei terra em massa,
Que para isso tenho estudo;
Afinal, eu farei tudo
Que a senhora disser — faça!

Disse a velha: — Vá na igreja,
Traga a imagem de Jesus.
Respondeu: — Posso trazê-la,
Mas ela vem sem a cruz,
Porque desta tenho medo!
Disse a velha: — Volte cedo!
Ele seguiu a viagem
E ao sacristão iludiu:
Uma estampa lhe pediu
Que só tivesse uma imagem.

A velha, então, conheceu
Do cão o quengo moderno,
E, receando que um dia
A levasse para o inferno,
Para algum canto o mandou
E em sua ausência traçou
Com giz uma cruz na porta.
Voltou o cão sem demora,
Viu a cruz, ficou de fora,
Gritando com a cara torta.

Gritou o cão no terreiro:
— Aqui não posso passar!
Venha me dar minha carta,
Quero pro inferno voltar!
Disse a velha que não dava,
Mas ele continuava
A rinchar como uma besta.
— Pois fecha os olhos! ela diz.
Ele fechou e, com giz,
Fez-lhe outra cruz bem na testa!

Aí entregou-lhe a carta
E o demo pôs-se na estrada,
Dizendo com seus botões:
— Não quero mais caçoada
Com velha que seja sogra,
Porque ela sempre nos logra!
Foi, assim, a murmurar.
Quando no inferno chegou,
O maioral lhe gritou:
— Aqui não podes entrar!

— Então, já não me conhece?
Perguntou ao maioral.
— Conheço, porém, aqui
Não entras com tal sinal:
Estás com uma cruz na testa!
Disse ele: — Que história é esta?
Que é que estás aí dizendo?
Mirou-se dum espelho à luz:
Quando distinguiu a cruz,
Saiu danado, correndo!

E, na carreira em que ia,
Precipitou-se no abismo,
Perdeu o ser diabólico,
Virou-se no caiporismo,
Pela terra se espalhou,
Em todo lugar se achou,
Ao caipora encaiporando,
Embaraçando seus passos
E com traiçoeiros laços
As sogras auxiliando…

Deste fato as testemunhas
Já disse todas quais são.
Agora, quer o senhor
Saber se é exato ou não?
Invoque no espiritismo
Ou pergunte ao caiporismo,
Este que sempre nos logra,
Se sua origem não veio
Do diabo imundo e feio
E do quengo duma sogra!


Literatura de Cordel sábado, 09 de setembro de 2017

O HOMEM QUE CASOU COM A JUMENTA

 

 

 

Jesus pai poderoso
Minha poesia aumenta
Enquanto eu escrevo um causo
Que todo mundo comenta
O homem deixou a mulher
Pra casar com a jumenta

Isto foi na Paraíba
Município de Campina
Deixou a sua esposa
Por nome de Jarmelina
E amigou-se com a Jega
Para cumprir sua sina

Esse causo se deu
Na Paraíba do Norte
O homem pra casar com burra
Precisa que seja forte
Uns diz que é safadeza
E outros diz que é sorte

No mundo aparece coisa
Que parece uma novela
Um homem assim não tem
O valor de uma cadela
Olhe na capa do livro
Ele abraçado com ela

Seu nome Senhor Pereira
Com Jarmelina casado
Porém há mais de mês
Que ele vinha amigado
Namorando uma jumenta
Lá num canto reservado

 

Ele avistando a jumenta
Ficou hipnotizado
la abanou as orelhas
Como quem dar um recado
E ele com ar de louco
Quase morto e apaixonado

A jumenta olhou pra ele
Fez um sinal de amor
Ele abraçou-se com ela
Chamando de minha flor
Somente tu é quem cura
A minha triste dor

E ai seguiu direto
A casa do fazendeiro
E lhe comprou a jumenta
Pelo um avultado dinheiro
E levou-a para casa dizendo
És meu amor verdadeiro

Ele chegou em casa
Botou na estribaria
e abraçava com ela
Alegremente sorria
Era amigado com ela
Mais a mulher não sabia

Desse dia por diante
Ele ficou diferente
Só ia em casa almoçar
E voltava rapidamente
Pra abraçar-se com a jumenta
O seu amor excelente

Tudo que a mulher fazia
Para ele não prestava
Somente com a jumenta
Ele se consolava
Ele beijava a jumenta
E ela também lhe beijava

E assim mais de dois meses
Em casa ele não dormia
Às dez e meia da noite
De casa ele sumia
E só voltava pra casa
No romper do novo dia

Nas obrigações de casa
Ele fez certo resumo
A mulher desconfiada
Como sempre e de costume
E assim desta maneira
Foi aumentando o ciúme

Ele trazia para casa
Fava,farinha e pimenta,
Milho, feijão e arroz
Levava para jumenta
E dessa vez sua esposa
Quase que se arrebenta

A mulher ele dava dez contos
E a Jega ele dava cem
A mulher passando fome
E a Jega passando bem
Sua esposa dizia
Outra mulher ele tem

A mulher se aperriou
E ficou apavorada
Ela dizia Pereira
Tem outra namorada
Mais eu tô indo e pego
Os dois numa emboscada

Ela disse se eu pegar
A parada vai ser cinzenta
E eu meto pau nos dois
Quebro perna, braço e venta
Mas deixa que ele estava
Amigado com uma jumenta

E assim ficou tocalhando
Toda hora e todo dia
Até que pegou os dois
Dentro da estribaria
Ele abraçado com a burra
Fazendo o que bem queria

A sua esposa legítima
Chama-se Jarmelina
E ele brincando com a burra
Chamava ela Cravina
Dizia que vamos casar
Que nosso signo combina

Ela dava beijo nele
Ele dava beijo nela
Ela se abraçava com ele
Ele se abraçava com ela
Sem verem que a velha estava
Escondida na cancela

Ela abriu a porteira
E saiu devagarzinho
Chegou com um toro de pau
Na ponta só tinha espinho
E danou na cara dele
Que arrebentou-lhe o fucinho

A jumenta pulou de lado
Ele se esparramou ao chão
Além da queda e da dor
Levou mais um empurrão
E a mulher foi a cidade
Se queixar ao capitão

Ela contou toda a história
Ao capitão Luiz
Seu caso é judicial
Só quem resolve é o juiz
Ela disse eu vou agora
Pra ver o que ele diz

Ao Juiz ela contou
Como foi todo ocorrido
Eu quero me desquitar
Daquele cabra bandido
Então vá buscar ele
Prá o caso ser resolvido

O Juiz disse este homem
Por certo é maluco
Prá atender o Juiz
No mesmo instante chegou
E a sua história amorosa
Ao Juiz ela contou

O Juiz disse a sua esposa
Pede prá ser disquitada
O senhor com uma jumenta
Ela fica envergonhada
Ele disse a burra é minha
Isso não quer dizer nada

Eu também peço o disquite
Meu com minha mulher
Depois disto ela pode
Casar com quem quiser
E eu caso com a jumenta
Dê o caso no que der

O Juiz pra ele falou
Com a frase muito grosseira
Você vai deixar sua esposa
Nova bonita e fagueira
Pra casar com uma jumenta
E fazer sua caseira

Essa mulher que era minha
Até o diabo arrenega
O homem é ouro de lei
Nada ruim não lhe pega
Dessas mulheres que tem hoje
É muito melhor uma jega

E mesmo o senhor está vendo
A caristia é sem fim
Eu faço a feira pra casa
Ela ainda acha ruim
E a jumenta eu sustento
Com salambaia e capim

Nisso chegou Abraão
Que viu todo negócio
Disse perante ao Juiz
Já que assinei o divórcio
Vou casar com Jarmelina
Para de Pereira eu ser sócio

Dentro de dois minutos
Fizeram a transação
Pereira casou com a Jega
Prenda do seu coração
Jarmelina também casou
Com o poeta Abraão.


Literatura de Cordel sexta, 08 de setembro de 2017

PROEZAS DE JOÃO GRILO, FOLHETO DE JOÃO FERREIRA DE LIMA

C OM AGRADECIMENTOS A PEDRO FERNANDO MALTA

 

João Grilo foi um cristão
que nasceu antes do dia
criou-se sem formosura
mas tinha sabedoria
e morreu depois da hora
pelas artes que fazia.

E nasceu de sete meses
chorou no bucho da mãe
quando ela pegou um gato
ele gritou: não me arranhe
não jogue neste animal
que talvez você não ganhe.

Na noite que João nasceu
houve um eclipse na lua
e detonou um vulcão
que ainda continua
naquela noite correu
um lobisomem na rua.

Porem João Grilo criou-se
pequeno, magro e sambudo
as pernas tortas e finas
boca grande e beiçudo
no sitio onde morava
dava noticia de tudo.

João perdeu o pai
com sete anos de idade
morava perto de um rio
ia pescar toda tarde
um dia fez uma cena
que admirou a cidade.

O rio estava de nado
vinha um vaqueiro de fora
perguntou: dará passagem?
João Grilo disse: inda agora
o gadinho de meu pai
passou com o lombo de fora.

 

O vaqueiro botou o cavalo
com uma braça deu nado
foi sair já muito embaixo
quase que morre afogado
voltou e disse ao menino:
você é um desgraçado!

João Grilo foi ver o gado
para provar aquele ato
veio trazendo na frente
um bom rebanho de pato
os patos passaram n’agua
João provou que era exato.

Um dia a mãe de João Grilo
foi buscar água à tardinha
deixou João Grilo em casa
e quando deu fé lá vinha
um padre pedindo água
nessa ocasião não tinha.

João disse; só tem garapa
disse o padre: donde é?
João Grilo lhe respondeu:
é do engenho Catolé!
disse o padre: pois eu quero
João levou uma coité.

O padre bebeu e disse:
oh! que garapa boa!
João Grilo disse: quer mais?
o padre disse; e a patroa
não brigará com você?
João disse: tem uma canoa.

João trouxe outra coité
naquele mesmo momento
disse ao padre: bebe mais
não precisa acanhamento
na garapa tinha um rato
estava podre o fedorento.

O padre disse: menino
tenha mais educação
e porque não me disseste?
oh! natureza do cão!
pegou a dita coité
arrebentou-a no chão.

João Grilo disse; danou-se!
misericórdia, S. Bento!
com isto mamãe se dana
me pegue mil e quinhentos
essa coité, seu vigário
é de mamãe mijar dentro!

O padre deu uma pôpa
disse para o sacristão
esse menino é o diabo
em forma de cristão!
meteu o dedo na goela
quase vomita o pulmão.

João Grilo ficou sorrindo
pela cilada que fez
dizendo: vou confessar-me
no dia sete do mês
ele nunca confessou-se
foi essa a primeira vez.

João Grilo tinha um costume
para toda parte que ia
era alegre e satisfeito
no convívio da alegria
João Grilo fazia graça
que todo mundo sorria.

Num dia de sexta-feira
às cinco horas da tarde
João Grilo disse: hoje a noite
eu assombro aquele padre
se ele não perdoar-me
na igreja há novidade.

Pegou uma lagartixa
amarrou-a pelo gogó
botou-a numa caixinha
no bolso do palitó
foi confessar-se João Grilo
com paciência de Jó.

As sete horas da noite
foi ao confessionário
fez logo pelo-sinal
posto nos pés do vigário
o padre disse: acuse-se;
João disse o necessário.

Eu sou aquele menino
da garapa e da coité;
o padre disse: levante-se,
eu já sei você quem é;
João tirou a lagartixa
soltou-a junto do pé.

A lagartixa subiu
por debaixo da batina
entrou na perna da calça
tornou-se feia a buzina
o padre meteu os pés
arrebentou a cortina.

Jogou a batina fora
naquela grande fadiga
a lagartixa cascuda
arranhando na barriga;
João Grilo de lá gritava;
seu padre, Deus lhe castiga!

O padre impaciente
naquele turututu
saltava pra todo lado
que parecia um timbu
terminou tirando as calças
ficando o esqueleto nu.

João disse: padre é homem?
pensei que fosse mulher
anda vestido de saia
não casa porque não quer
isto é que é ser caviloso
cara de mata bebé.

O padre disse: João Grilo
vai-te daqui infeliz!
João Grilo disse: bravo
do vigário da matriz
é assim que ele me paga
o benefício que fiz?

João Grilo foi embora
o padre ficou zangado
João Grilo disse: ora sebo
eu não aliso croado
vou vingar-me duma raiva
que tive o ano passado.

No subúrbio da cidade
morava um português
vivia de vender ovos
justamente nesse mês
denunciou de João Grilo
pelas artes que ele fez.

João encontrou o português
com a égua carregada
com duas caixas de ovos
João lhe disse: oh! camarada
deixa eu dizer a tua égua
uma pequena charada.

O português disse: diga,
João chegou bem no ouvido
com a ponta do cigarro
soltou-a dentro escondido
a égua meteu os pés
foi temeroso estampido

Derrubou o português
foi ovos pra todo lado
arrebentou a cangalha
ficou o chão ensopado
o português levantou-se
tristonho e todo melado

O português perguntou:
o que foi que tu disseste
que causou tanto desgosto
a esse animal agreste?
– Eu disse que a mãe morreu
o português respondeu:
oh égua besta da peste!

João Grilo foi a escola
com sete anos de idade
com dez anos ele saiu
por espontânea vontade
todos perdiam pra ele
outro Grilo como aquele
perdeu-se a propriedade

João Grilo em qualquer escola
chamava o povo atenção
passava quinau nos mestres
nunca faltou com a lição
era um tipo inteligente
no futuro e no presente
João dava interpretação

Um dia pergunta ao mestre:
O que é que Deus não vê
o homem vê qualquer hora?
diz ele: não pode ser
pois Deus vê tudo no mundo
em menos de um segundo
de tudo pode saber

João Grilo disse: qual nada
quêde os elementos seus?
abra os olhos, mestre velho
que vou lhe mostrar os meus
seus estudos se consomem
um homem ver outro homem
só Deus vão ver outro Deus

João Grilo disse: seu mestre,
me diga como se chama
a mãe de todas as mães?
tenha cuidado no drama
o mestre coça a cabeça
disse: antes que me esqueça
vou resolver o programa

– A mãe de todas as mães
é Maria Concebida
João Grilo disse: eu protesto
antes dela nascer
já esta mãe existia
não foi a Virgem Maria
oh que resposta perdida!

João Grilo disse depois
num bonito português:
a mãe de todas as mães
já disse e digo outra vez
como a escritura ensina
é a natureza divina
que tudo criou e fez

– Me responda professor
entre grandes e pequenos
quero que fique notável
por todos nossos terrenos
responda com rapidez
como se chama o mês
que a mulher fala menos?

– Este mês eu não conheço
quem fez esta tabuada?
João Grilo lhe respondeu:
ora sebo, camarada
pra mim perdeu o valor
ter o nome de professor
mais não conhece de nada

– Este mês é fevereiro
por todos bem conhecido
só tem vinte e oito dias
o tempo mais resumido
entre grandes e pequenos
é o que a mulher fala menos
mestre, você está perdido

– Seu professor, me responda
se algum tempo estudou
quem serviu a Jesus Cristo
morreu e não se salvou
no dia que ele morreu
seu corpo o urubu comeu
e ninguém o sepultou?

– Não conheço quem é esse
porque nunca vi escrito;
João Grilo lhe respondeu:
foi um jumento está dito
que a Jesus Cristo servia
na noite que ele fugia
de Belém para o Egito

João Grilo olhou de um lado
disse para o diretor:
fique sabendo o senhor
sem dúvida exame não fez
o aluno desta vez
ensinou ao professor

João Grilo foi para casa
encontrou sua mãe chorando
ele então disse: mamãe
não está ouvindo encantando?
não chora, cante mais antes
pois o seu filho garante
pra isso vive estudando

A mãe de João Grilo disse:
choro por necessidade
sou uma pobre viúva
e tu de menor idade
até da escola saíste;
João lhe disse: ainda existe
o mesmo Deus de bondade

— A senhora pensa em carne
de vinte mil réis o quilo
ou talvez no meu destino
que a força hei de segui-lo?
não chore, fique bem certa
a senhora só se aperta
quando matarem João Grilo

João chegou no rio
ás cinco horas da tarde
passou até nove horas
porém tudo foi debalde
na noite triste e sombria
João Grilo sem companhia
voltava sem novidade

Chegando dentro da mata
ouviu lá dentro um gemido
os lobos devoradores
o caminho interrompido
e trepou-se num pinheiro
como era forasteiro
ficou calado escondido

Os lobos foram embora
e João não quis descer
disse: eu dormirei aqui
suceda o que suceder
eu hoje imito araquan
só vou embora amanhã
quando o dia amanhecer

O Grilo ficou trepado
temendo lobos e leões
pensando na fatal sorte
e recordando as lições
que na escola estudou
quando do súbito chegou
uns quatro ou cinco ladrões

Eram uns ladrões de Meca
que roubavam no grito
se ocultavam na mata
naquele bosque esquisito
pois cada um de persi
que vinha juntar-se ali
para ver quem era perito

O capitão dos ladrões
disse: não fala ninguém?
um respondeu: não senhor
disse ele: muito bem
cuidado, não roubem vã
vamos ajuntar-nos amanhã
na capela de Belém

— Lá partiremos o dinheiro
pois aqui tudo é graúdo
temos um roubo a fazer
desde ontem que estudo
mas já estou preparado;
e o Grilo lá trepado
calado e escutando tudo.

Os ladrões foram embora
depois da conversação
João Grilo ficou ciente
dizendo em seu coração:
se Deus ajudar a mim
acabou-se tempo ruim
sou eu quem ganho a questão

João Grilo desceu da árvore
quando o dia amanheceu
mas quando chegou em casa
não contou o que se deu
furtou um roupão de malha
vestiu fez uma mortalha
lá no mato se escondeu

À noite foi pra capela
por detrás da sacristia
vestiu-se com a mortalha
pois a capela jazia
sempre com a porta aberta
João Grilo partiu na certa
colher o que pretendia

Deitou-se lá num caixão
que enterrava defunto
João Grilo disse: hoje aqui
vou ganhar um bom presunto;
os ladrões foram chegando
João Grilo observando
sem pensar em outro assunto

Acenderam um farol
penduraram numa cruz
foram contar o dinheiro
no claro de uma luz
João Grilo de lá gritou:
esperem por mim que vou
com as ordens de Jesus!

Os ladrões dali fugiram
quando viram a alma em pé
João Grilo ficou com tudo
disse: já sei como é
nada no mundo me atrasa
agora vou pra casa
tomar um rico café

Chegou e disse: mamãe
morreu nossa precisão
o ladrão que rouba outro
tem cem anos de perdão;
contou o que tinha feito
disse a velha: está direito
vamos fazer refeição

Bartolomeu do Egito
foi um rei de opinião
mandou convidar João Grilo
pra uma adivinhação
João Grilo disse: eu vou,
no outro dia embarcou
para saudar o sultão

João Grilo chegou na corte
cumprimentou o sultão
disse: pronto, senhor rei
(deu-lhe um aperto de mão)
com calma e maneira doce
o sultão admirou-se
da sua disposição

O sultão pergunta ao Grilo:
de onde você saiu?
aonde você nasceu?
João Grilo fitou ele e sorriu
— Sou deste mundo d’agora
nasci na ditosa hora
que minha mãe me pariu

— João Grilo, tu adivinha?
e Grilo respondeu, não
eu digo algumas coisas
conforme a ocasião
quem canta de graça é galo
cangalha só pra cavalo
e seca só no sertão

— Eu tenho doze perguntas
pra você me responder
no prazo de quinze dias
escute o que vou dizer
veja lá como se arruma
é bastante faltar uma
está condenado a morrer

João Grilo disse: estou pronto
pode dizer a primeira
se acaso sair-me bem
venha a segunda e a terceira
venha a quarta e a quinta
talvez o Grilo não minta
diga até a derradeira

Perguntou: qual o animal
que mostra mais rapidez
que anda de quatro pés
de manhã por sua vez
ao meio-dia com dois
passando disto depois
a tarde anda com três?

O Grilo disse: é o homem
que se arrasta pelo chão
no tempo que engatinha
depois toma posição
anda em pé bem seguro
mas quando fica maduro
faz três pés com o bastão

O sultão maravilhou-se
com sua resposta linda
João disse: pergunte outra
vou ver se respondo ainda;
a segunda o sultão fez
João Grilo daquela vez
celebrizou sua vinda

— Grilo, você me responda
em termos bem divididos
uma cova bem cavada
doze mortos estendidos
e todos mortos falando
cinco vivos passeando
trabalham com três sentidos

— Esta cova é um violão
com prima, baixo e bordão
mortas são as doze cordas
quando canta um cidadão
canta, toca e faz verso
cinco vivos num progresso
os cinco dedos da mão

Houve uma salva de palma
com vivas que retumbou
o sultão ficou suspenso
seu viva também bradou
depois pediu silencio
com outro desejo imenso
a terceira perguntou

João Grilo, qual é a coisa
que eu mandei carregar
primeiro dia e segundo
no terceiro fui olhar
quase dá-me a tiririca
se tirar mais grande fica
não mingua, faz aumentar?

— Senhor rei, sua pergunta
parece me fazer guerra
um Grilo não tem saber
criado dentro da serra
mas digo pra quem conhece
o que tirando mais cresce
é um buraco na terra

— João Grilo, vou terminar
as perguntas do tratado
e Grilo disse: pergunte
quero ficar descansado;
disse o rei: é muito exato
o que é que vem do alto
cai em pé, corre deitado?

— Aquele que cai em pé
e sai correndo no chão
será uma grande chuva
nos barros de um sertão;
o rei disse: muito bem
no mundo todo não tem
outro Grilo como João

— João Grilo, você bebe?
João disse: bebo um pouquinho
e disse: eu não sou filho
de Baco que fez o vinho
o meu pai morreu bebendo
eu o que estou fazendo?
de boca aberta em seu ninho

O rei disse: João Grilo
beber é coisa ruim
e Grilo respondeu: qual
o meu pai dizia assim:
na casa de seu Henrique
zelam bem um alambique
melhor do que um jardim

O rei disse: João Grilo
tua fama é um estrondo
João Grilo disse: eu sabendo
o que perguntar respondo
disse o rei enfurecido:
o que tem o pé comprido
e faz o rastro redondo?

Senhor rei, tenho lembrança
de tempo da minha avó
que ela tinha um compasso
na caixa do bororó
como esse eu também ando
fazendo o rastro redondo
andando com uma perna só

João qual é o bicho,
que passa pela campina
a qualquer hora da noite
andando de lamparina?
é um pequeno animal
tem luz artificial;
veja o que determina

— Esse bicho eu já vi
pois eu tinha por costume
de brincar sempre com êle
minha mãe tinha ciúme
eu andava pelo campo
uns chamam pirilampo
e outros de vagalume

O rei já tinha esgotado
a sua imaginação
não achou uma pergunta
que interrompesse a João
disse: me responda agora
qual é o olho que chora
sem haver consolação?

O Grilo então respondeu:
lá muito perto da gente
tem num oiteiro importante
um moço muito doente
suas lágrimas têm paladar
quem não deixa de chorar
é olho d’água vertente

O rei inventou um truque
do jeito que lhe convinha
— Vou arrumar uma cilada
ver se João adivinha
mandou vir um alçapão
fez outra adivinhação
escondeu uma bacurinha

— João, o que é que tem
dentro deste alçapão?
se não disser o que é
é morto, não tem perdão
João Grilo lhe respondeu:
quem mata um como eu
não tem dó no coração

João lhe disse: esse objeto
nem é manso nem é brabo
nem é grande nem é pequeno
nem é santo nem é diabo
bem que mamãe me dizia
que eu ainda caía
onde a porca torce o rabo

Trouxeram uma bandeja
ornada de muitas flores
dentro dela uma latinha
cheia de muitos fulgores
o rei lhe disse: João Grilo
é este o último estrilo
que rebenta tuas dores

João Grilo desta vez
passou na última estica
adivinhar uma coisa
nojenta que se pratica
fugir da sorte mesquinha
pois dentro da lata tinha
um pouquinho de xinica

O rei disse: João Grilo
veja se escapa da morte
o que tem nesta latinha?
responda se tiver sorte
toda aquela populaça
queria ver a desgraça
do Grilo franzino e forte

— Minha mãe profetizou
que o futuro è minha perda
— Dessas adivinhações
brevemente você herda
faz de conta que já vi
como esta hoje aqui
parece que dá em merda

O rei achou muita graça
nada teve o que fazer
João Grilo ficou na corte
com regozijo e prazer
gozando um bom paladar
foi comer sem trabalhar
desta data até morrer

E todas as questões do reino
era João que deslindava
qualquer pergunta difícil
ele sempre decifrava
julgamentos delicados
problemas muito enrascados
e João Grilo desmanchava

Certa vez chegou na corte
em mendigo esfarrapado
com uma mochila nas costas
dois guardas de cada lado
seu rosto cheio de mágoa
os olhos vertendo água
fazia pena o coitado

Junto dele estava um duque
que veio denunciar
dizendo que o mendigo
na prisão ia morar
por não pagar a despesa
que fizera por afoiteza
sem ter como lhe pagar

João Grilo disse ao mendigo:
e como é, pobretão
que se faz uma despesa
sem ter no bolso um tostão
me conte todo passado
depois de eu ter-lhe escutado
lhe darei razão ou não

Disse o mendigo: sou pobre
e fui pedir uma esmola
na casa do senhor duque
levei a minha sacola
quando cheguei na cozinha
vi cozinhando galinha
numa grande caçarola

Como a comida cheirava
eu tive apetite nela
tirei um taco de pão
e marchei pro lado dela
e sem pensar na desgraça
botei o pão na fumaça
que saia da panela

O cozinheiro zangou-se
chamou logo o seu senhor
dizendo que eu roubara
da comida o seu sabor
só por eu ter colocado
um taco de pão mirrado
aproveitando o vapor

Por isso fui obrigado
a pagar essa quantia
como não tive dinheiro
o duque por tirania
mandou trazer-me escoltado
para depois de ser julgado
ser posto na enxovia

João Grilo disse: está bem
não precisa mais falar:
então perguntou ao duque:
quanto o homem vai pagar?
– Cinco coroas de prata
ou paga ou vai pra chibata
não lhe deve perdoar

João Grilo tirou do bolso
a importância cobrada
na mochila do mendigo
deixou-a depositada
e disse para o mendigo:
balance a mochila, amigo
pro duque ouvir a zuada

O mendigo sem demora
fez como Grilo mandou
pegou sua mochilinha
sem compreender o truque
bem no ouvido do duque
o dinheiro tilintou

Disse o duque enfurecido:
mas não recebi o meu,
diz João Grilo: sim senhor,
isto foi o que valeu
deixe de ser batoteiro
o tinido do dinheiro
o senhor já recebeu

– Você diz que o mendigo
por ter provado o vapor
foi mesmo que ter comido
seu manjar e seu sabor
pois também é verdadeiro
que o tinir do dinheiro
representa o seu valor

Virou-se para o mendigo
e disse: estás perdoado
leva o dinheiro que dei-te
vai pra casa descansado
o duque olhou para o Grilo
depois de dar um estrilo
saiu por ali danado

A fama então de João Grilo
foi de nação em nação
por sua sabedoria
e por seu bom coração
sem ser por ele esperado
um dia foi convidado
para visitar um sultão

O rei daquele país
quis o reino embandeirado
pra receber a visita
do ilustre convidado
o castelo estava em flores
cheio de tantos fulgores
ricamente engalanado

As damas da alta corte
trajavam decentemente
toda corte imperial
esperava impaciente
ou por isso ou por aquilo
para conhecer João Grilo
figura tão eminente

Afinal chegou João Grilo
no reinado do sultão
quando ele entrou na corte
que grande decepção!
de paletó remendado
sapato velho furado
nas costas um matulão

O rei disse: não é ele
pois assim já é demais;
João Grilo pediu licença
mostrou-lhe as credenciais
embora o rei não gostasse
mandou que ele ocupasse
os aposentos reais

Só se ouvia cochichos
que vinham de todo lado
as damas então diziam:
é esse o homem falado?
duma pobreza tamanha
e ele nem se acanha
de ser nosso convidado?

Até os membros da corte
diziam num tom chocante
pensava que o João Grilo
fosse dum tipo elegante
mas nos manda 1 remendado
sem roupa, esfarrapado
um maltrapilho ambulante

E João Grilo ouvia tudo
mas sem dar demonstração
em toda a corte real
ninguém lhe dava atenção
por mostrar-se esmolambado
tinha sido desprezado
naquela rica nação

Afinal veio um criado
e disse sem o fitar:
já preparei o banheiro
para o senhor se banhar
vista uma roupa minha
e depois vá pra cozinha
na hora de almoçar

João Grilo disse; está bom;
mas disse com seu botão:
roupas finas trouxe eu
dentro de meu matulão
me apresentei rasgado
para ver neste reinado
qual era a minha impressão

João Grilo tomou um banho
vestiu uma roupa de gala
então muito bem vestido
apresentou-se na sala
ao ver seu traje tão belo
houve gente no castelo
que quase perdia a fala

E então toda repulsa
transformou-se de repente
o rei chamou-o pra mesa
como homem competente
consigo, dizia João:
na hora da refeição
vez ensinar esta gente

O almoço foi servido
porém João não quis comer
despejou vinho na roupa
só para vê-lo escorrer
ante a corte estarrecida
encheu os bolsos de comida
para toda corte ver

O rei bastante zangado
perguntou pra João:
por que motivo o senhor
não come da refeição?
respondeu João com maldade:
tenha calma, majestade
digo já toda razão

Esta mesa tão repleta
de tanta comida boa
não foi posta pra mim
um ente vulgar a toa
desde sobremesa a sopa
foram postas à minha roupa
e não à minha pessoa

Os comensais se olharam
o rei pergunta espantado:
por que o senhor diz isto
estando tão bem tratado?
disse João: isso se explica
por está de roupa rica
não sou mais esmolambado

Eu estando esfarrapado
ia comer na cozinha
mas como troquei de roupa
como junto da rainha
vejo nisto um grande ultraje
homenagem ao meu traje
e não a pessoa minha

Toda corte imperial
pediu desculpa a João
e muito tempo falou-se
naquela dura lição
e todo mundo dizia
que sua sabedoria
era igual a Salomão.


Literatura de Cordel quinta, 07 de setembro de 2017

A CHEGADA DA PROSTITUTA NO CÉU

 

Do rosto da poesia
eu tirei o santo véu
e pedi licença a ela
para tirar o chapéu
e escrever a chegada
da prostituta no céu…

Sabemos que a prostituta
é também um ser humano
que por uma iludição
fraqueza ou desengano
o seu viver é volúvel
sempre abraça ao engano…

Vive metida em orgia
e cheia de vaidade
é raro uma que trabalha
e usa honestidade
por isso fica odiada
perante a sociedade…

Todas as religiões
para ela escala uma pena
se o homem lhe abraça
a mulher casada condena
mas sabemos que Jesus
perdoou a Madalena…

 

Falar sobre prostituta
é um caso muito sério
que é um ser sofredor
sua vida é de mistério
e para sobreviver
sempre usa o adultério…

Perante a sociedade
ela é marginalizada
existe umas mais calmas
e outras mais depravadas
e quem tem mais ódio delas
é a própria mulher casada…

Ela vive aqui na terra
enfrentando um sacrifício
se vende para os homens
muitas se entrega no vício
e nova se estraga e faz
da miséria ofício…

Aconteceu que uma delas
morreu em um certo dia
e pela vida que levava o
o povo sempre dizia
ela vai para o inferno
pelos atos que fazia…

Assim que foi enterrada
a alma se destinou
querendo ir para o céu
mas primeiro ela passou
pelo portão do inferno
e o diabo lhe acompanhou…

Saiu correndo atrás dela
dizendo vem cá bichinha
um bocado como tu faz
tempo que aqui não vinha
e eu estou gamadão
nesta garota novinha…

Mas na carreira que vinha
o diabo e a prostituta
passaram no purgatório
e no sindicato das puta
e lá no portão do céu
foi que começou a luta…

Porque já se encontrava
uma mulher bem casada
arengando com o marido
que morreu de uma virada
e queria entrar no céu
com uma faca afiada…

Essa mulher que morreu
era muito ciumenta
quando viu a prostituta
entortou o pau da venta
e disse: vou te furá
foi uma luta cinzenta…

Furou a mulher na perna
o marido puxou no braço
o diabo pegou também dizendo
já sei que faço
vou levar mesmo sem perna
mas levo o melhor pedaço…

Nessa zuada São Pedro
se apresentou no portão
e disse: não tem lugar
pra mulher com bestalhão
só tem pra mulher sozinha
e foi logo estirando a mão…

E pegou logo no braço
da mulherzinha assanhada
disse: você pode entrar
aqui não lhe falta nada
vai dormir na minha cama
até alta madrugada…

Mas atrás dela já vinha
outro cara de complô
e disse: eu entro também
pode dá o estupô
porque na terra eu era
dessa mulher gigolô…

São Pedro lhe respondeu
mas aqui é diferente
sou o chaveiro do céu
e aqui neste batente
só entra quem eu quiser
que sou velho, mas sou quente…

Disse: vocês lá na terra
fazem tudo quanto quer
maltrata as prostitutas
e usam como quiser
mas aqui eu trato bem
a todos que aqui vier…

E entrou de braço dado
com a mulherzinha singela
com uma perna furada
mas São Pedro tratou dela
e deu apoio a prostituta
que ninguém bulia nela…

Depois disso a prostituta
foi fazendo o que bem quis
botou galha em São Pedro
namorou com São Luiz
tirou sarro com São Bento
no beco do chafariz…

Uma noite de São João
dançou com São Expedito
levou xêxo de São Brás
namorou com São Carlito
e no fim da festa foi
dormir com São Benedito…

E não quis Santo Oscar
por ser barbudo demais
deixou ele na espera
e foi dormir com São Brás
Santo Oscar quando acordou
Falou alto e bem voraz…

Disse ele: hoje mesmo
antes de tomar café
eu vou contar a Jesus
essa puta como é
depois de sua chegada
o céu virou cabaré…

Ele foi e disse a Jesus
que ela era depravada
Jesus respondeu calmo
deixa essa pobre coitada
se na terra sofreu tanto
como vai ser castigada?

Na terra não teve apoio
em meio a sociedade
levou a vida sofrendo
e fazendo caridade
aceitando preto e branco
que tinha necessidade…

Mesmo com as prostitutas
vive cheio de tarado
correndo atrás das moças
e mulher de homem casado
se não houvesse prostituta
qual seria o resultado?

Ele ficou cabisbaixo
e respondeu: muito bem
se o sol nasce pra todos
pra mulher nasceu também
se um dia eu pegar ela
trituro e deixo um xerém…

Aí ficou sem efeito
a denúncia de Santo Oscar
pediu perdão a Jesus
e voltou pra seu lugar
e encontrou Mariano
num sarro de admirar…

Aqui termino o livrinho
em favor das prostituta
para vender aos homens
a rapaz, a corno e puta
pessoas de baixo porte
e aos de boa conduta…


Literatura de Cordel quarta, 06 de setembro de 2017

RUI BARBOSA, CORDEL DE CRISPINIANO NETO

 

Quero contar a história
Verdadeira e gloriosa
De um diplomata de peso
De carreira luminosa;
Um crânio cheio de graça,
O nosso gênio da raça,
O baiano Rui Barbosa.

Rui foi um líder político,
Deputado e senador,
Ministro por duas vezes,
Foi filólogo e escritor,
Tradutor e jornalista
Um consagrado jurista
E um gênio como orador!

Porém existe um detalhe
Nas muitas aptidões
Deste crânio brasileiro.
Que deixou tantas lições:
É seu lado DIPLOMATA,
Onde ele compôs a nata
Do concerto das nações!

Foi aí que Rui Barbosa
Consagrou-se de verdade,
Tornou-se a “Águia de Haia”
Com tal legitimidade
Que armado de mente e lábios
Tornou-se um dos “Sete Sábios”
Maiores da humanidade.

Seu tipo físico era frágil:
Quase anão na estatura.
Um metro e cinquenta e oito,
Setenta e dois  de cintura.
Corpo encurvado e franzino,
Fisicamente um menino
Mas um titã na cultura!

Só quarenta e oito quilos
De peso e de sapiência;
A fragilidade física
Escondendo a inteligência…
Mas provou aos seus carrascos
Que “é nos menores frascos
Que mora a melhor essência”!

 

Rui Barbosa de Oliveira,
De Salvador, bom baiano.
Nasceu em mil e oitocentos
E quarenta e nove, o ano;
Foi a cinco de novembro
Que a luz viu o maior membro
Do saber brasiliano.

Seu pai, Doutor João José,
Viu no anão um titã,
Ensinou-lhe amar os livros,
Do saber tornou-lhe um fã.
Maria Adélia gerou-lhe
E com carinho ensinou-lhe
Amor e moral cristã.

Com a mãe também aprendeu
Amar os descamisados
Aos que a vida excluiu,
Aos pobres e explorados,
Ao humilhado e ao cativo…
Por isso tornou-se ativo
Defensor dos humilhados.

Com cinco anos de idade
Rui na escola ingressou;
Seu mestre Antônio Gentil
Muito espantado exclamou:
Meu Brasil, eu lhe apresento
O mais incrível talento
Que a Bahia já criou!

Aprendeu em quinze dias
Distinguir as orações
E dos verbos regulares
Fazer as conjugações,
Juntar letras, soletrar,
E com um ano a destrinchar
As mais difíceis lições.

Aos onze anos de idade
Já no Ginásio Baiano,
Professor Abílio César
Disse a seu pai: Não me engano.
Tudo que eu sei, Rui já sabe.
Portanto, João, já lhe cabe
Colocar Rui noutro plano.

Foi quando Rui recebeu
Sua maior honraria,
Uma Medalha de Ouro,
Do arcebispo da Bahia…
E entre milhões de imagens
De glórias e de homenagens
Desta, nunca esqueceria.

No ano sessenta e quatro
Conclui o ginasial.
Só tinha quatorze anos
Não tinha idade ideal
Para a faculdade e então
Foi estudar Alemão
Até o prazo normal.

Ao fazer dezesseis anos,
Já tendo idade e conceito
Foi para Olinda cursar
Faculdade de Direito,
Provando o fato verídico
Que para o mundo jurídico
Era o cérebro mais perfeito.
1
Porém em 68
Contraiu um grande mal
Adoeceu gravemente
De um “incômodo cerebral”
Deu um tempo em quase tudo
Paralisou o estudo
Até voltar ao normal

E enquanto ficou em casa
Por um bom tempo abrigou
O poeta Castro Alves
Que Eugênia Câmara largou;
Castro, de Rui era um mano,
Pois no Ginásio Baiano
Na mesma turma estudou.

Rui fica bom e de novo
Sua faculdade enfrenta,
Se transfere pra São Paulo,
Curso que mais fama ostenta;
Ali virou bacharel.
Ganhou diploma e anel
Já no ano de 70.

Doutor, voltou à Bahia,
Seu solo amado e natal.
De novo sofreu as dores
Do “incômodo cerebral”
Mas foi logo advogar
Passando rápido a provar
Ser grande profissional.

Nesse tempo Rui Barbosa,
Mesmo sem ganhar fortunas
Por advogar pra os pobres
Já brilhava nas tribunas,
E os embates sociais
Travava pelos jornais
Com artigos e colunas.

No Diário da Bahia
Escrevia a pura prosa.
Neste tempo, o coração
Do genial Rui Barbosa
Por Brasília, jovem bela,
Caiu na triste esparrela…
A primeira crise amorosa.

Mas a dor-de-cotovelo
Ele logo compensou.
Discursos e conferências
Onde fazia, era show.
Pela força da Oratória
Em pouco alcançou a glória,
Seu nome se consagrou.

Casou-se em 76
Com uma bela baiana
Com quem construiu família:
Maria Augusta Viana
Bandeira da sua vida,
Amada e deusa querida,
Fantástica figura humana.

Augusta e Rui produziram
Uma família garbosa:
Que tinha nos nomes o
Sobrenome “Ruy Barbosa”.
Cinco filhos exemplares
Diplomatas, militares
E um político bom de prosa!

Rui ergueu-se em seu talento
Para enfrentar a ganância.
A ditadura e a maldade
Ele enfrentou com tal ânsia
Que esqueceu banca e saúde
Para abraçar com virtude
A causa e a militância!

No ano 77
De muita seca e horror
Rui se elegeu deputado
Erguendo um novo valor.
Pela grandeza exibida
Foi escolhido em seguida
Pra ser nosso senador.

Nabuco disse que Rui
Fez a República garbosa;
Benjamim lhe atribuiu
Revolução luminosa.
Patrocínio, disse então:
“Deus acendeu um vulcão
Na cabeça de Barbosa”.

E veio a Abolição
Da escravidão malvada;
Vimos três anos depois
A República proclamada,
Cujo primeiro decreto
Teve o talento completo
Da sua mão consagrada!

Fez a Constituição
Da República brasileira;
Poucos retoques fizeram
Sobre a redação primeira
Seu texto estava perfeito
Na política e no Direito,
Uma obra verdadeira.

E ao nascer a República,
Pelo seu saber notório
Foi primeiro vice chefe
Do Governo Provisório.
Brilhante, firme, empolgado
O Brasil foi transformado
Em seu gigante auditório!

Rui Barbosa e Deodoro
Neste governo de início
Separaram Estado e Igreja
Evitaram o precipício
Com o tumulto controlado
Acabaram deputado
E Senado vitalício.

Rui, Ministro da Fazenda,
Pegou um cofre falido
Pela provisoriedade
Do governo instituído
Não conseguia dinheiro…
Nenhum país estrangeiro
Deu-lhe o empréstimo pedido

Emitiu papel-moeda
Sem lastro em ouro na mão.
Mas desviaram o dinheiro
Do foco da produção
Que Rui Barbosa queria.
Por isso a Economia
Desandou na inflação.

Se afastou do Ministério
Mas inda fez uma ação.
Mandou queimar os papéis
Dos tempos da escravidão
Para evitar que ex-senhores
Ganhassem grandes valores
Pedindo indenização!

Logo veio Floriano
Com um chicote na mão.
Então as coisas mudaram,
Começou a repressão
E a liberdade sonhada
E democracia esperada
Fora para o rés do chão.

As revoltas começaram.
Rui contra o autoritarismo
Buscando o entendimento
Defendendo o legalismo
E Floriano, no berro,
Virou “Marechal de Ferro”
Na mão do militarismo!

Rui Barbosa ergueu a voz
Contra a intensa repressão.
Aos revoltosos da Armada,
Aos generais na prisão,
Também aos federalistas
Que queriam que as conquistas
Não sucumbissem ao canhão!

Pra os que estavam desterrados
Nas brenhas do Cucuí
Rui entrou com Habeas Corpus
Para tirá-los dali…
Dizia Barbosa: eu sei
Que um Brasil sem ter a lei
Não é Brasil é “brasí”!

Chegou a ser exilado.
Forçado deixou a terra
Que amou e foi pra o Chile,
Argentina e Inglaterra
E escreveu famosas cartas
Fazendo acusações fartas
Contra ditadura e guerra.

Combateu a intervenção
Militar contra Canudos
Provou que aqueles beatos
Pobres, sofridos barbudos
Não queriam monarquia
Queriam cidadania
Comida, trabalho e estudos!

Do nosso Código Civil
Ele fez a revisão
Mil e oitocentos artigos
Em tudo a observação
Corrigindo o Português
E a redação das leis
Pra não ter nenhum senão.

Mil novecentos e cinco
Resolveu ser candidato
Contra Hermes da Fonseca.
Seu discurso era um retrato
De um Brasil progressista
Contra um Brasil feudalista
De atraso e de maltrato.

Em 07 ele foi a Haia
Conferência Mundial
Defendeu a igualdade
Na Lei internacional
Nada de fraco e de forte
Rico e pobre, Sul e Norte
Com direito desigual.

Derrubou todas as teses
Da força da prepotência,
De Inglaterra, França, States,
De tudo que foi potência
Derrubou a força insana
De canhão, de bomba e grana
Com a força da inteligência.

Seu nome se destacou.
Foi primeiro sem segundo.
Entre Choate e Nelidoff,
O Barão Marshall profundo,
Meye, Tornielli e Leon
Foi ele quem deu o tom
Dos Sete Sábios do Mundo!

Tornou-se a “Águia de Haia”,
Do mundo recebeu louvo,
Quebrou a “lei do mais forte”
Criando um Direito novo.
E quando voltou pra o Rio
Foi só descer do navio
E cair nos braços do povo!

Da Academia de Letras
Foi dos membros varonis
Fundador da ABL,
Seu presidente feliz;
Provou seu grande valor
Ao se tornar sucessor
De Machado de Assis!

As suas obras são tantas,
De temas tão variados
Que fica muito difícil
Dizer em versos rimados
Os títulos que publicou
E a obra que legou
Nos seus geniais traçados.

“Contra o Militarismo”,
“Visita à Terra Natal”,
A grande “Oração aos Moços”,
“Acre Setentrional”,
Discursos, artigos, cartas,
Foi das produções mais fartas
Da Cultura nacional!!!

Português, Rui conhecia
Mais que os mestres portugueses
Fez um discurso em francês
Para saudar os franceses.
E diz até um ditado
Que quando foi exilado
Ensinou inglês a ingleses!

Contra Hermes da Fonseca
Mil novecentos e dez
Candidatou-se gritando
Contra atitudes cruéis
Na Campanha Civilista
Contrária ao militarista
Regime dos coronéis.

Ainda participou
De mais de uma eleição
Levando a campanha às ruas
Dando início na nação
Às campanhas democráticas
Chamando em frases enfáticas
O próprio povo à ação!

Em 18 recebeu
Uma agradável surpresa
Grande Oficial de Honra
De uma legião francesa
Mostrando um prestígio grande
E aí seu nome se expande
Pelo mundo com certeza!

Continuou escrevendo
Com sua verve eloquente,
No Senado fez trincheira
Mostrando ser combatente
Pela causa que lhe move…
Foi, de novo em dezenove,
Candidato a presidente!

Mas no ano 21
Demonstrou grande canseira
Renunciou ao mandato
De senador de primeira
Declarando estar cansado
E “o coração enjoado
Da política brasileira”!

Rejeitou ser chefe de
Grande Congresso em Paris.
De, na Liga das Nações,
Representar o País.
E no Tribunal de Haia
Como farol e atalaia,
Ser delegado e juiz!

Por tudo quanto ele fez,
Pela grande sapiência,
Por seu saber filosófico,
Saber jurídico e Ciência
Política, História e Gramática,
Seu nome virou, na prática,
Sinônimo de inteligência!

Na TV e no cinema
Foi personagem famoso
Foi retratado no filme
“Vendaval maravilhoso”
Brilhou em “Mad Maria”,
Minissérie que trazia
Um Brasil conflituoso.

E no “Brasília 18
Por cento”, filme recente
Rui aparece também
Trazendo exemplos pra gente
E há vinte anos passados
Na nota de dez cruzados
Seu rosto surge de frente.

Seu nome é nome de ruas,
De praça e Grupo Escolar,
De colégios e farmácias,
De cidade potiguar,
É nome de quase tudo
Só não vi em meu estudo
Seu nome em nome de bar.

A “Casa de Rui Barbosa”
Preserva sua memória;
“Instituto Rui Barbosa”
É relicário da História
Deste gênio brasileiro.
Baiano bravo, altaneiro
Que encheu o Brasil de glória!

Na grande guerra de ideias,
Na lei da fala macia,
Na batalha de argumentos,
Atuou com maestria…
Sem ser profissional
Foi “Pai intelectual
Da nossa diplomacia!!!”

Os princípios defendidos,
Suas argumentações,
As leis por ele propostas,
Seus motivos e razões
Pra os países serem iguais
São as colunas centrais
Do Concerto das Nações.

Se um dia Brasil reler
Suas imensas verdades
Se pautando pela ética
Respeitando as liberdades
Quando todos formos “Rui”
O nosso Brasil não rui
Nem triunfam nulidades!


Literatura de Cordel domingo, 03 de setembro de 2017

ZÉ LIMEIRA, TRECHOS DO LIVRO DE ORLANDO TEJO

Quem vem lá é Zé Limeira,
Cantô de força vulcânica,
Prodologicadamente
Cantô sem nenhuma pânica,
Só não pode apreciá-lo
Pessoa semvergonhânica.

*

Meu nome é José Limeira,
Cantô que não é pilhérico,
Mais já sofreu d’alguns males,
Foi atacado de histérico,
Chame logo a junta médica,
Faça o exame cadavérico.

*

Esse é Lourisvá Batista,
Que é Batista Lourisvá,
É filho da cobra preta,
Neto da cobra corá,
Tanto faz daqui pra ali ,
Como dali pra acolá

*

Às tantas da madrugada,
O vaqueiro do Prefeito
Corre alegre e satisfeito
Atrás da vaca deitada,
Deitada e bem apojada
Com a rabada pelo chão…
A desgraça de Sansão
Foi trair Pedro Primeiro…
O aboio do vaqueiro
Nas quebradas do Sertão

*

Frei Henrique de Coimbra,
Sacerdote sem preguiça,
Rezou a Primeira Missa
Na beira duma cacimba.
Um índio passou-lhe a pimba,
Ele não quis aceitá
E agora veve a berrá
Detrás dum pau de jureme…
O bom pescador não teme
As profundezas do mar

Frei Henrique descansou
Nas encosta da Bahia,
Depois fez a travissia
Pra chegá onde chegou,
Pegou a índia, champrou,
Ela não pôde falá,
Assou carne de jabá,
Misturou com queroseme…
O bom pescador não teme
As profundezas do má

A noite vinha saindo
Pru dentro da ventania,
Vi o rastro da cutia
Na minha rede dormindo,
A tremela foi caindo,
Gritei pelo meu ganzá,
Anum preto, anumará,
Só gosto de nega feme…
O bom pescador não teme
As profundezas do má

*

Minha mãe era católica
E meu pai era católico,
Ele romano apostólico,
Ela romana apostólica,
Tivero um dia uma cólica
Que chamam dor de barriga,
Vomitaro uma lumbriga
Do tamanho dum farol,
Tomaro Capivarol,
Diz a tradição antiga

*

Minha avó, mãe de meu pai,
Veia feme sertaneja,
Cantou no coro da Igreja,
O Major Dutra não cai,
Na beira do Paraguai
Vovó pegou uma briga,
Trouve mamãe na barriga,
Eu vim dentro da laringe,
Quage me dava uma impinge,
Diz a tradição antiga

*

Não sei onde fica esse tá de oceano,
Nem sei que pagode vem sê esse má…
Eu sei onde fica Teixeira e Tauá,
Que tem meus moleques vestido de pano…
A minha patroa é quem traça meus prano,
Cem culha de milho inda quero prantá,
Farinha, lugume, feijão e jabá,
Com mói de pimenta daquela bem braba,
Valei-me São Pedro, Limeira se acaba,
Cantando galope na beira do má.

*

O navi navega só
Como a muié nos espeio
Pru dentro do mar vermeio
Que sai lá no Moxotó
O poeta vive só.
A lua tem mais calô,
O jardim logo murchô,
Quage morri da patada…
Nos olhos da minha amada
Brilham estrelas de amor

*

Peço licença aos prugilos
Dos Quelés da juvenia
Dos tofus dos audiacos
Da Baixa da silencia
Do Genuino da Bribria
Do grau da grodofobia

*

Eu sou corisco pastando
No vergel da vantania
Oceano disdobrado
No véu da pilogamia
No dia trinta de maio
Pelei trinta papagaio
Santo Deus, Ave-Maria.

*

Heleno, que bicho é esse
Que tem fala de homem macho?
Parece um tatu quadrado
Cum cinturão no espinacho
É uma coisa tão pouca
Mas ninguém sabe se a boca
Fala pro riba ou pro baixo

*

Lá na Serra do Teixeira
Nasci, sendo bem criado
Na Alemanha os japonês
Já sabe lê um bucado
Conheço esse mundo inteiro
Fica tudo no estrangeiro
Do Teixeira do outro lado

*

Eu me chamo Zé Limeira
Cantadô que tem ciúme
Brisa que sopra da serra
Fera que chega do cume
Brigada só de peixeira
Mijo de moça sorteira
Faca de primeiro gume

*

Os Hemisférios do prado
As palaganas do mundo
Os prugis da Galiléla
Quelés do meditabundo
Filosomia Regente
Deus primeiro sem segundo

*

Canto repente no Norte
Arranco feijão no Sul
Toco fogo no paul
Não tenho medo da morte
Uma mulata bem forte
Uma novilha parida
Uma sala bem comprida
Um cangote, duas perna
Poço, cacimba e cisterna
Tenho saudade da vida

*

Viajou Nossa Senhora
Naquele passado dia,
Perto duma travissia
Descansou sem ter demora.
Cortou de pau uma tora
Debruçada sobre o vento.
Ali, naquele momento,
São José sartou do jegue,
Jesus passou-lhe um esbregue.
Diz o Novo Testamento.

*

Gritou Dom Pedro Primeiro
No tempo da monarquia:
Jesus, filho de Maria.
Trovão do mês de janeiro,
São Pedro sendo o porteiro
Da capela de Belém.
Thomé comendo xerém
Com sarapaté de figo.
Se eu não me casar contigo.
Não caso com mais ninguém.


Literatura de Cordel sábado, 02 de setembro de 2017

DOIS GLOSADORES - BARRA MANSA E TORCE-BOLA

 

Barra Mansa

Fui um dos apaixonados
No vício da bebedeira
Muitas vezes na poeira
Dormi de pés espalhados
Dando milhões de cuidados
Aos que me eram leais
Pelas calçadas e cais
Exposto à chuva e ao vento
Por isso digo e sustento
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Tenhas a capacidade
De conheceres também
Que a tal bebida já vem
Da alta sociedade
Dizem que até o frade
Bebe que fica cabano
Se isto não for engano
De alguém que fala dele
Eu vou me juntar com ele
Bebo até lascar o cano.

Barra Mansa
 
É uma propensão feia
Injuriosa e horrenda
Um homem beber na venda
Cair na calçada alheia
Ou marchar para a cadeia
Na mão dos policiais
Gritam os meninos atrás:
– Segura, Chico, não caia!…
Eu que não gosto de vaia
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Até numa sentinela
Bebe-se ali tudo junto
Para vestir-se o defunto
E não pegar a mazela
As mulheres bebem dela
Também pra não causar dano
Depois que cosem o pano
Todos bebem da branquinha
No rezar da ladainha
Bebo até lascar o cano.

Barra Mansa
 
Vive um homem acreditado
Honesto e de confiança
Farto de perseverança
Por demais conceituado
Mas chega-lhe o triste fado
Com tentações infernais
Deixa sem crença e sem paz
Sem honradez, sem pudor
Deus me livre desse horror!
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Em qualquer reunião
De passatempo na vida
Pode faltar a comida
Porém, a bebida, não
Porque dentro do salão
É só quem brilha e faz plano
Diz um ao outro: – Fulano
Traz o vidro e corre a mão
Eu fico de prontidão
Bebo até lascar o cano.

 

Barra Mansa

Desde que o homem entrega
Seu corpo à embriaguez
A corrupta invalidez
Tira-lhe o senso e lhe cega
Se tem filho, arrenega
Desconhece até os pais
Aliado a seus iguais
Pratica tristes papéis
Por essas razões cruéis
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Uma velha reclamava
Sua idade avançada
Outra sua camarada
Pra beber lhe aconselhava
Dizendo: – Eu também estava
Já no grau do desengano
Peguei beber este ano
Já danço, pinoto e corro
Sei que tão cedo não morro
Bebo até lascar o cano.

Barra Mansa

Mulher que dá pra beber
Na rua faz palhaçadas
Que quem está nas calçadas
Baixa a vista pra não ver
Se for moça, perde o ser
De seus papéis virginais
Isto não é satanás
Que atiça, manda e quer?
Diz predileta mulher:
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Minha sogra quis privar
Eu tomar minhas bicadas
Hoje ela toma copadas
Que depois pega a chorar
Pra ninguém desconfiar
Enxuga a boca num pano
Dá-me um palpite tirano
Quando vejo ela no chão
Eu pego no botijão
Bebo até lascar o cano.

Barra Mansa

A mulher do cachaceiro
Costuma beber também
Alguns dos filhos que tem
Marcham no mesmo roteiro
Vezes que um filho ordeiro
Desobedece aos seus pais
Transforma-se num voraz
Devido à embriagues
Por isso digo outra vez
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Minha bisavó bebeu
Certo dia uma reimada
Quase quebrava a ossada
Da grande queda que deu
Gritou quando se estendeu:
– Com isto é que eu me dano
Rasguei meus vestes de pano
Combinação, saia e fralda
Agora, noutra bicada
Bebo até lascar o cano.

Barra Mansa

O homem jogue por cem
Seja ladrão com a prole
Porém, não bebendo um gole
Governa os vícios que tem
Mas esse vício é quem
Governa todos fatais
E tira o senso dos tais
Dá para fazer horrores
Digam comigo, senhores
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Hoje, bebe o bacharel
Quase toda a majestade
O povo da irmandade
Da contrição mais fiel
Só não bebe, no quartel
Recruta nem veterano
Porém eu chamo um paisano
Quando eu assentar praça
E mando buscar cachaça
Bebo até lascar o cano.

Barra Mansa

Passei meu tempo perdido
Mergulhado no abismo
Sustentando o fanatismo
Pela cachaça atraído
Por demais desconhecido
Nos vícios descomunais
Porém, Deus mandou-me a paz
Graças à sua mercê
Me sinto feliz porque
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Aguardente é otimista
De toda forma faz bem
Tira enfado de quem tem
Desperta mais, limpa a vista
Nos traz louro de conquista
Comanda qual um decano
Faz do boçal, praciano
Dá-lhe riso e dá prazer
Por isso volto a dizer
Bebo até lascar o cano.

Barra Mansa

Vezes que um cachaceiro
Vai comprar uma encomenda
Abusa o dono da venda
Cospe a sala e o terreiro
Tagarela o dia inteiro
Com frases discordiais
Se para os tempos finais
Vir a convenção antiga
É quando talvez que diga
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Ninguém pode calcular
Os prodígios da aguardente
Refresca quem está quente
Faz quem tem frio esquentar
Depois que dela tomar
Esquenta o quengo do mano
Quer seja bom ou profano
Fica transformado e forte
E grita: – Ninguém se importe
Bebo até lascar o cano.

Barra Mansa

O homem vai para feira
Traz tudo que vai comprar
Porém, é se não tomar
Bebendo, só faz asneira
Porque a tal bebedeira
Todo desmantelo faz
As encomendas que traz
Ele perde ou dá ao povo
Por isso digo de novo
Já bebi , não bebo mais.

Torce-Bola

Eu não desprezo cachaça
Intimamente a venero
Quanto mais bebo, mais quero
Mais meu coração lhe abraça
Sem ela não tenho graça
O meu gosto é desumano
Não posso acertar um plano
Que chega a melancolia
Por isso é que todo dia
Bebo até lascar o cano.


Literatura de Cordel sexta, 01 de setembro de 2017

O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA - CORDEL DE MARCOS MAIRTON

 

Meus amigos e amigas
O caso que eu vou contar
Ocorreu em Fortaleza
Na calçada de um bar:
Fingindo ser meu amigo
O diabo bebeu comigo
E depois não quis pagar.

Eu era advogado
E tinha uma mania
De segunda a quinta-feira
Trabalhava noite e dia
Mas não fazia segredo
Sexta parava mais cedo
E uma cerveja bebia.

Assim, numa sexta-feira
Estava anoitecendo
Eu saíra do trabalho
E estava no bar bebendo
Quando um sujeito chegou
Da mesa se aproximou
E foi logo me dizendo:

– Boa noite cidadão,
Posso me sentar aqui?
Pra ouvir sua conversa
E você também me ouvir?
Tomarmos uma cerveja
Comer um pouco que seja
Desse feijão com pequi?

 

Eu disse: – Não lhe conheço,
Mas tenho educação.
Se quer beber, vá bebendo,
Pode comer do feijão,
Mas antes se identifique
Até pra que eu não fique
Pensando que é ladrão.

O cabra disse: – Pois não,
Eu sou muito conhecido
E embora com você
Eu nunca tenha bebido
Se eu contar minha história
E você tiver memória
Vai ver que não sou bandido.

Faz muito tempo que eu ando
Por esse mundo cruel
Viajando sem destino
Vagando sem rumo, ao léu
Desde que, por uma intriga,
Me meti em uma briga
Logo com o dono do céu.

Foram dizer para ele
Que eu havia falado
Que ao povoar a terra
Ele havia se enganado
Pois num mundo tão bacana
Não podia a raça humana
Por aqui ter se espalhado.

E, de fato, eu tinha dito
Mas sem qualquer intenção
Que ao entregar o planeta
A essa população
Ele condenou a Terra
À violência e à guerra
Não havia salvação.

Uma terra tão bonita
A natureza tão bela
Que Ele desse para mim
E eu viveria nela
Se Ele me criou perfeito
Eu saberia o jeito
De cuidar muito bem dela.

Quando Ele soube o que eu disse
Mandou logo me chamar
Perguntou: “É o que desejas?
É lá que queres morar?
Seja feita a tua vontade
Junto com a humanidade
Haverás de habitar”.

Foi grande a humilhação
Que senti nesse momento
Não havia precisão
De tal achincalhamento
Um anjo tão preparado
Não podia ser tratado
Como um cão rabugento.

Desde então vivo na Terra
Com a determinação
De provar que eu tava certo
Em minha avaliação:
Mostrar que a humanidade
Não detém capacidade
De cuidar desse rincão.

É por isso que se diz
Que eu sou o rei do mal
Mas mal mesmo é o homem
Eu sou um anjo, afinal
Eu só faço incentivar
O homem a se enterrar
No seu próprio lamaçal.

Quando ouvi aquela história
Exclamei: – É o diabo!
Só não sei cadê os chifres
Onde escondeu o rabo!
E ele, muito polido,
Perfumado, bem vestido,
Perguntou: – Quer um quiabo?

– Nem quiabo, nem pequi
Não finja ser meu amigo
Eu tão quieto no meu canto,
O que o diabo quer comigo?
Diga sua intenção
Pois tenho a impressão
Que estou correndo perigo!

O diabo disse: – Tá não!
Eu estou aqui em paz
Só quero um advogado
Inteligente e capaz
Que esclareça meu passado
Pois de tão caluniado
Já não aguento mais.

Por isso ao ver o doutor
Sozinho aqui nesse bar
Pensei: essa é a hora
De com ele conversar
Vou contar meu sofrimento
E ele com muito talento
Vai virar esse placar.

Respondi: – Tu não me enganas
Me elogiando assim
Não venha com essa conversa
Logo pra cima de mim
Não vai ser por vaidade
Que vou chamar de bondade
O que tu faz de ruim.

– O que é isso, doutor,
Não rejeite esse cliente
O senhor vai ser bem pago
Vai enricar de repente
Vai ganhar tanto dinheiro
Que até seu perdigueiro
Vai ter banho de água quente.

Vai ter casa com piscina,
Cinco carros na garagem
Passear no estrangeiro
Todo mês uma viagem
E pra ganhar tudo isso
Quero só seu compromisso
De melhorar minha imagem.

Além de ganhar dinheiro
Inda vai ficar famoso
Todo mundo vai falar:
“Que advogado jeitoso
Fez do diabo um inocente
Querido de toda gente
O doutor é poderoso!”

– Essa história, Seu Diabo,
Eu já conheço de perto
Desde quando tu tentaste
O bom Jesus no deserto
Não me prometa mais nada
A conversa tá encerrada
Vá embora que é o certo!

Mas também não se ofenda
Com a minha reação
Só não peça minha ajuda
Para sua pretensão
Não posso ter competência
Se da sua inocência
Não tenho convicção.

Ele ouviu e não gostou
Ficou calado me olhando
Percebi que a cerveja
Já estava terminando
Pedi a conta e falei:
– Seu diabo, é “mei-a-mei”
Minha parte eu tô pagando!

Ele fez uma careta
E falou: – É engraçado!
Você bebeu quase tudo
E quer o custo rachado
Veja com quem tá mexendo
Pois assim você tá sendo
Por demais desaforado!

– Eu sei com quem tô mexendo
E não sou desaforado
Mas se você bebeu pouco
Não sou eu que sou culpado
Se não tem como pagar
Também não vamos brigar
Pode ir, tá perdoado.

Quando eu disso isso pra ele
Despertei o animal.
Batendo a mão na mesa
Com força descomunal
Deu um rugido estridente
E falou por entre os dentes
Com uma voz de metal:

– Não diga que me perdoa
Pois nem Deus me perdoou
Desde aquele triste dia
Que do céu me escorraçou
Tu agora me ofendeu
E pra desespero teu
Um inimigo arranjou.

Eu aqui faço uma pausa
Pra explicar pro leitor
Que se não gosto de briga
Também não sou morredor
Desconheço o que é o medo
Durmo tarde, acordo cedo
Não sinto frio nem dor.

Não mexo com Seu Ninguém
Também não mexam comigo
Cumprimento todo mundo
Todo mundo é meu amigo
Mas quem pensa em me enfrentar
É melhor se preparar
Pra aguentar o castigo.

Assim, quando o capeta
Fez aquela cara feia
Olhei bem pra ele e disse:
– Se vier, meto-lhe a peia!
Dou-lhe na “tauba do queixo”
E depois ainda lhe deixo
Trinta dias na cadeia!

Ele não acreditou
Veio pra cima de mim
Eu saltei meio de banda
E dei-lhe um chute no rim
Ele saiu tropeçando
Nas mesas foi esbarrando
Gritei: – Diabo, hoje é teu fim!

Nessa hora ia passando
Um rapaz pela calçada
O diabo se apoderou
Daquela alma penada
E o rapaz dominado
Por aquele cão danado
Me deu logo uma pedrada.

Pra me defender da pedra
De uma mesa fiz escudo
Depois peguei uma cadeira
E saí quebrando tudo
Ao me ver tão irritado
O diabo assustado
Perdeu a voz, ficou mudo.

Aí eu me aproveitei
Daquela situação
E com muita agilidade
Dei outro chute no cão
E o rapaz da pedrada
Eu derrubei na calçada
E dei-lhe um “mata leão”.

Foi nessa hora que ouvi
O diabo dar um gemido
Percebi que ele tava
Ficando todo doído
Mas eu não sou brincadeira
Com um pedaço de madeira
Acertei-lhe o “pé-do-ouvido”.

Eu bati, ele caiu
Eu pensei: tá terminado.
Mas, que nada, a confusão
Só havia começado
Mal ele caiu no chão
Apareceu tanto cão
Vinha de tudo que é lado.

Vinha cão grande e pequeno
Vinha preto e vinha branco
Uns descendo a ladeira
Outros subindo o barranco
Deles, o mais abusado
Era um baixinho, entroncado,
Só de cueca e tamanco.

Vinha nu, vinha vestido
Vinha pelado e peludo
Tinha cão que era mocho
E cão que era chifrudo
Uns armados de tridente
Outros com espeto quente
Vinham espetando tudo.

Enfrentei aquela corja
E a luta foi sangrenta
Do baixinho de tamanco
Quebrei logo o “pau da venta”
Um gritou: – Pega o sujeito
E mete a faca nos peito
Quero ver se ele aguenta!

Naquela briga danada
Eu apanhava e batia
Às vezes eu atacava
Outras eu me defendia
Mas o que preocupava:
Cada um que eu derrubava
Outro logo aparecia.

Sentindo, então, que não dava
Para enfrentar sozinho
A legião de demônios
Que estava em meu caminho
Resolvi pedir ajuda
Gritei: – Meu Deus, me acuda!
Valei-me aqui meu Padinho!

Nessa hora se ouviu
O estrondo de um trovão
E diante dos meus olhos
Fez-se um grande clarão
No meio de tudo isso
Apareceu Pade Ciço
Me entregando seu bastão.

Com a bengala na mão
Que meu padrinho me deu
Criei mais disposição
Minha coragem cresceu
Saí dando bengalada
E logo a diabarada
Fugiu, desapareceu.

Enquanto eles corriam
Eu fiquei parado, vendo
O rapaz que eu derrubei
Foi então se reerguendo
E me dizendo: – Sei moço,
To com uma dor no pescoço
O que está acontecendo?

Eu disse: – Fique tranquilo
Que o pior já passou
Estava havendo uma briga
Mas agora terminou
Aí toquei o bastão
Na nuca do cidadão
E a dor dele sarou.

Quanto às mesas e cadeiras
Que eu havia quebrado
Calculei o prejuízo
E deixei tudo acertado
Quando paguei a quantia
O dono do bar tremia
Tava um mau cheiro danado.

E fui para minha casa
Sem querer mais pensar nisso
Tentando esquecer um pouco
Todo aquele rebuliço
Mas carregando contente
Em minhas mãos o presente
Que ganhei do Padre Ciço.

Foi assim, caros amigos
Como tudo aconteceu
No dia que o diabo
Me enfrentou e perdeu
Nada disso eu inventei
Simplesmente lhes contei
Da maneira que ocorreu.

Infelizmente o que conto
Já não posso mais provar
Pois pra alargar a rua
Onde funcionava o bar
Demoliram o recinto
E o dono, Seu Zé Felinto,
Não sei onde foi morar.

O rapaz que me atacou
Me jogando uma pedrada
Eu não sei de quem se trata
Desconheço sua morada
Mas será que ajudaria,
Se naquele mesmo dia,
Não se lembrava de nada?

O leitor perguntaria:
– Por que não mostra o cajado?
Que o Padre Ciço lhe deu
Lhe fazendo abençoado?
Presente tão valioso
Que lhe fez tão poderoso
Você deve ter guardado.

Por muito tempo guardei
Como quem guarda dinheiro
Mas no dia em que cheguei
Pra morar no Juazeiro
Ouvi uma voz dizer:
– Já pode me devolver
Pro meu dono verdadeiro.

Ouvindo a voz entendi
Que a hora era chegada
De devolver para o Santo
A bengala encantada
E entre ex-votos de madeira
Escondi a companheira
Que no museu foi deixada.

Pro isso do que eu conto
Não faço comprovação
Se o leitor não acredita
E quer ter confirmação
O mundo tá tão moderno
Telefone pro inferno
E vá perguntar pro cão!

Para mim o importante
É ter comigo a certeza
Que amando nosso irmão
Preservando a natureza
Deus está do nosso lado
Pode ficar descansado
Vencer o diabo é moleza.


Literatura de Cordel sexta, 01 de setembro de 2017

CACIMBA DE POESIA - CORDEL DE DALINHA CATUNDA

1
Na cacimba da poesia
Eu meti minha cumbuca
Cada cuiada que dou
Mais verso brota da cuca
Pra cacimba renovar
Estou sempre a esgotar
Sou eu mesma quem cavuca.

2
Vou cutucar meu passado
Palestrar sobre meu chão
Pra falar da minha terra
Tenho boca de surrão
Dela retiro a tramela
Escancarando a janela
Eu descortino o sertão.

3
Eu nasci nas Ipueiras
Também me criei por lá
Tibunguei muito no rio
Já pesquei de landuá
E no meio da futrica
Pulava da oiticica
Nas águas do jatobá.

4
No caminho para o rio
Só singela brincadeira
Brincava com a malícia
A plantinha dormideira
Canapum eu estourava
A mutuca eu espantava
Na meninice brejeira.

5
Meu caminho era florido
Nas veredas muçambê
Com flores de espirradeira
Eu montava meu buquê
Nas cercas as jitiranas
Chão bordado de chananas
E eu delas a mercê.

6
Cada árvore nativa
Eu bem sabia apontar
O espinho da jurema
Não chegou a me espantar
Na sombra do imbuzeiro
Às vezes do juazeiro
Parei muito pra brincar.

 

7
Jurema é pra carvão
Para estaca é sabiá
Marmeleiro é bom pra lenha
Surra grande é de jucá
Para alimentar o mico
Tem resina no angico
Boa sombra é de juá.

8
O canto da passarada
Eu guardei no coração
No leque da carnaúba
Cantava o corrupião
Encantava meus ouvidos
Ver o bando de cupidos
Cantando em meu rincão.

9
Nas cercanias do açude
Faz seu ninho a lavandeira
Vem a garça e se alimenta
Concentrando-se na beira
Em bando chega o tetéu
Que vive de déu em déu
Fazendo a maior zueira.

10
Seu moço como eu gostava
Desta vida campesina
Tomando água de pote
Tomando banho de tina
Meu peito às vezes chora
Pois tive que ir embora
Para cumprir minha sina.

11
Confesso que doeu muito
Deixar a minha cidade
Achava a vida um encanto
Vivendo a simplicidade
Hoje sou um passarinho
Cantando fora do ninho
Essa é a realidade.

12
Tem horas que fecho os olhos
E sonho com meu torrão
Chego até sentir o gosto
Da paçoca de pilão
Que mamãe sempre fazia
Eu bem gulosa comia
Misturada com baião.

13
Tomava banho de bica
No tempo da invernada
Tomava banho na chuva
Junto com a meninada
Era sensacional
As biqueiras do quintal
Ou as bicas na calçada.

14
Eu vi chover alegria
E escorrer animação
Criança chamando a chuva
Na folclórica canção
“Cai chuva de lá do céu
Cai chuva no meu chapéu.
E a chuva molhando chão.

15
Quando o corisco riscava
Flamejando o infinito
O trovão abria a boca
E sapecava seu grito
O rio dava enchente
Alegrando a minha gente
Tudo era tão bonito!

16
A chuvinha que chegava
Era sinal de fartura
O sertanejo contente
Cuidava da agricultura
Era milho era feijão
O verde da plantação
Era uma belezura.

17
Na época da colheita
Não faltava animação
Na festa dos três santos
Fogueiras e tradição
A quadrilha era sagrada
E sempre bem ensaiada
Com casamento e rojão.

18
O milho e a batata doce
Assava-se na fogueira
Tinha canjica e aluá
E faca na bananeira
Quem queria matrimônio
Pedia pra Santo Antônio
Para não ficar solteira.

19
A saudade chega ardendo 
Que nem surra de chicote
Quando escuto um sanfoneiro
Puxando fole num xote
Recordo mais que ligeiro
Dos fungados e do cheiro
Que eu ganhava no cangote.

20
Já fui moça dançadeira
Usando laço de fita
Vestidinho de babado
Todo florido e de chita
Nunca me faltava par
Pois eu sabia dançar
Era metida a bonita.

21
Mas também já fui anjinho
Na santa coroação
Ia à missa e comungava
Fiz primeira comunhão
Na festa da padroeira
Eu entrava na fileira
Pra seguir a procissão.

22
Ainda hoje relembro
O menino que passava
Seu pirulito vendendo
E bem alto ele gritava
Quem vai querer pirulito?
Me encantava aquele grito
Toda vez que ele passava.

23
Saudade grande eu tenho
Da festa da Conceição
Da bandinha que tocava
Trazendo animação
O ponto alto da festa
A minha lembrança atesta
Era o famoso leilão.

24
Tinha parque tinha circo
E som no alto-falante
No namoro de mãos dadas
Beijos na roda gigante
No carrossel da saudade
Girava a felicidade
No peito de cada amante.

25
Nas brincadeiras de roda
Pegando de mão em mão
Eu cantava o carneirinho
“Carnerim, nerim nerão”
A ciranda cirandinha
E também a machadinha
Brinquei de bão, balalão.

26
Menina moça enxerida
Era eu na pouca idade
Pretendente não faltava
Digo com sinceridade
Não faltava seresteiro
Cantando no meu terreiro
Em tempos de alacridade.

27
Da lembrança eu resgato
O que nunca esqueci
As cadeiras na calçada
Aguardando o Aracati
Vento da boca da noite
Que chegava como açoite
Era gostoso e eu senti.

28
Daqueles tempos de então
Saudades tenho demais
Das moagens na fazenda
Das calçadas e quintais
Das noites enluaradas
Do beiju nas farinhadas
Dos antigos rituais.

29
Das feiras de antigamente
Na minha velha Ipueiras
E da bolacha fogosa
Nas bancas das cafezeiras
Da pitomba e do cajá
Do gosto do cambucá
E das ervas milagreiras.

30
As saudades do manzape
Bolo comprado na feira
E que vinha enroladinho
Na folha da bananeira
Do alfenim da batida
Da rapadura querida
Da reza da benzedeira.

31
Saudades do meu sotaque
Do meu velho linguajar
Do arre égua, do oxente
Que eu gostava de falar
Eu não estou de frescura
Distante desta cultura
Falto pouco é me lascar.

32
Fui à fonte buscar versos
A cacimba estava cheia
Porque a musa me ajudou
Eu fiz sem morrer na areia
Naveguei com emoção
Nadei na recordação
Nas águas da minha aldeia.


Literatura de Cordel segunda, 17 de julho de 2017

GABRIELA PEQUENINA, OU A HISTÓRIA DE UMA GAROTINHA DE PROGRAMA (FOLHETO DE AUTOR DESCONHECIDO)

 

 

Eu, viajando outro dia
lá pras bandas de Agrestina
num posto de combustível
deparei com uma menina
que, se eu bem não me engano
tinha dez ou onze anos
corpo pequeno e franzino
pareceu meio perdida
aquele taco de vida
sem eira, beira ou destino.

Se dirigindo pra mim
falou que estava com fome
me pedindo uma ajuda
eu falei pra ela: – tome!
Lhe entreguei algum trocado
e um pouco desconfiado
perguntei se estava só,
a sua mãe onde estava
se ela ali esperava
o pai, a tia ou a avó!

 

Ela deu um riso choco
e disse sem muito drama
que devido ao sufoco
vivia a fazer programa
que ali por qualquer dinheiro
deixava o caminhoneiro
fazer dela uma mulher
e se ele oferecesse
algo que ela comesse
lhe fazia o que quiser.

Fiquei meio estarrecido
ouvindo a pobre menina
falar feito gente grande
sendo assim tão pequenina,
então perguntei pra ela,
qual seu nome? Gabriela,
ela disse bem feliz
me deu um singelo abraço
e eu notei que em seu braço
tinha uma cicatriz.

– Quem lhe causou este dano?
Lhe perguntei assustado.
– Foi meu pai, um certo dia,
quando estava embriagado.
Deu de garra da peixeira
tentado fazer besteira
e eu, de pronto recusei
ele sem muito embaraço
rodou a faca em meu braço
me espancou e eu desmaiei.

Algumas horas mais tarde
envolta em sangue acordei
meu pai, caneiro e covarde
ali não mais avistei
olhando ao meu redor
notei que não estava só
vi minha mãe soluçando
com meu irmãozinho no braço
um outro lá no terraço
e um no bucho esperando…
 
Minha mãe muito sofrida
se entregou à bebedeira
velha, magra e carcumida
vivia na gafieira
meu pai, cortador de cana
quando recebia a grana
ia tomar de cachaça
eu, sem comida ou escola
vivia pedindo esmola
na avenida ou na praça.

Meus dois irmãos pequeninos
iam comigo também
três crianças, três destinos
sem apoio de ninguém
limpando os vidros dos carros
levamos gritos e esparros
de motoristas cruéis
eu, pedia em minhas preces
que Deus um dia fizesse
uma inversão de papéis.

Faminta e maltrapilha
cheguei nesse posto um dia
estava desfigurada
pois há muito não comia
aproximou-se um bacana
e me mostrando a grana
que levava a tiracolo
me levou pro caminhão
e sem muita enganação
me colocou no seu colo.

No momento eu não gostei
lembrei do meu genitor
pois recebia carícias
sem um pingo de amor
o homem, um velho gorducho
esfregava em mim seu bucho
e os meus seios beijava
senti um nó na garganta
mas a fome era tanta
que eu fingia que gostava.

Quando o velho terminou
me lambuzando DAQUILO
puxou a nota do bolso
e me entregou bem tranquilo
apenas cinco reais
não foi nem menos nem mais
a paga pelo que eu fiz,
lembrando a fome que eu tinha
me deu arroz com galinha
e eu fiquei até feliz.

Depois do fato ocorrido
me senti com depressão
mas uma outra menina
me deu cana com limão
e disse, com ironia
você se acostuma um dia
ou se saia se puder
se tu não achar um rumo
daqui um mês eu te arrumo
um emprego num cabaré…

Lá tu vai ficar famosa
sendo nova no pedaço
porque das moças antigas
de lá, só tem o cangaço
a vida de rapariga
lhe dá cansaço e fadiga
e deixa o corpo em frangalho
mas se não tem opção
lhe garanto a refeição
um teto e um agasalho.

Fiquei na casa de Lia
no fim da rua da lama
passo o dia aqui no posto
de noite, lá, ganho fama
pois sou nova na orgia
e os fãs da pedofilia
gostam de me ver pelada
se sinto eles me beijando
finjo que estou gostando
mas ali não sinto nada.

Abandonei a escola
porque não tinha merenda
a professora faltava
pois se queixava da renda
pra aprender ler e escrever
eu tinha que percorrer
dois quilômetros e meio
arrastando meu irmão
que tinha desnutrição
– Pense, no meu aperreio?
 
Saía de casa virgem
de um gole de café
às vezes comia uma fruta
quando caia do pé
quando na aula chegava
que a professora faltava
ficava lá de bobeira
sem merenda e sem lazer
não tendo o que fazer
pegava a fazer besteira.

Ia pra feira, no centro
pedir esmola ou roubar
ficando até irritada
se alguém não quisesse dar
me acostumei nessa vida
vendo a educação perdida
sem futuro e sem escola
passei a viver na rua
vivendo ao sabor da lua
aprendi a cheirar cola.

Meu irmão, menor que eu
tendo a mente meio fraca
de olho nuns pirulitos
que tinha numa barraca
de pedir não teve jeito
resolveu meter o peito
pegando alguns escondido
o dono, vendo a malícia
mandou chamar a polícia
e ele foi apreendido.

Como ele era menor
foi levado pra FEBEM
lá apanhou de dar dó,
foi estuprado também.
e seus próprios companheiros
malvados e traiçoeiros
menores enlouquecidos
em cada surra que o davam
sem querer ali talhavam
no meu irmão, um bandido.

Quando meu irmão saiu
daquela casa de horrores
me contou seu sofrimento,
os seus traumas, suas dores.
demente e contrariado
foi morar com um viado
que na prisão conheceu
e pra pagar a guarida
hoje está na mesma vida:
faz programa que nem eu!

Seu moço, minha vontade
era poder estudar
aprender algum ofício
ter dinheiro, trabalhar
casar, ter minha família
e educar minha filha
mostrando o valor da luta
dar tudo que ela precisa
suando a minha camisa
pra ela nunca ser puta.

E se arranjasse um marido
alguém que enfim, me quiser
eu ia mostrar pra ele
o valor de uma mulher.
Pra mamãe muitos carinhos
eu dava e meus irmãozinhos
de existência sofrida
na escola particular
eles irão estudar
quando eu sair dessa vida.

Ao ouvir aquilo tudo
fiquei um tanto chocado
resolvi não ficar mudo
e ousei mandar o recado
pra que a criança leia
e a mãe não fique alheia
e lute sempre por ela
pra que ela nunca queira
pensar, nem por brincadeira
em ser uma Gabriela.
 
E faço um apelo aos governos
que olhem nossas crianças,
a delinquência infantil
é a pior das heranças.
a falta de educação
é da prostituição
o principal descaminho
o jovem sem assistência
não tem força ou competência
para caminhar sozinho.


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