Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis domingo, 07 de outubro de 2018

15 ANOS DO ESTATUTO DO IDOSO

 

 
15 ANOS DO ESTATUTO DO IDOSO

Esta semana, além dos 30 anos da Constituição brasileira, houve o aniversário de 15 anos da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003: o Estatuto do Idoso.

No Superior Tribunal de Justiça, tivemos a honra de participar da comemoração da data, promovida pelo pessoal do “Programa Sociedade para Todas as Idades”, com a presença de mais de 100 idosos.

Escrevemos dez estrofes, que os dedicados organizadores do evento transformaram em um pequeno folheto, impresso com nossos próprios recursos.

Depois, foi só comparecer, declamar e esperar os aplausos. Que vieram generosos e emocionados!

CORDEL DO ESTATUTO DO IDOSO

Em qualquer sociedade
Que se diz civilizada,
A pessoa que é idosa 
Deve ser valorizada.
Pois quem mais tempo viveu,
Trabalhou, lutou, sofreu
Nas batalhas dessa vida,
Merece a nossa homenagem
Por estar, nessa viagem,
Com a missão sendo cumprida.

Às vezes o jovem falha
Nesse reconhecimento,
Por não ver que a juventude
Não é mais que um momento.
E esquecer, por um instante,
Que alguns anos adiante,
Será idoso também.
Pois o tempo sempre avança,
E a todos nós nos alcança,
Não discrimina ninguém.

A não ser que o indivíduo
Morra cedo, em tenra idade,
Os anos passam depressa,
E, depressa, a mocidade
Por eles é consumida.
E o que levamos da vida
São nossas experiências.
Do que de bom nós fizemos
E os erros que cometemos,
Com as suas consequências.

Por isso que é importante
Que sempre se incentive
O jovem a dar valor
A quem há mais tempo vive.
E que o corpo mais cansado
Possa ser recompensado
No convívio social,
Recebendo atendimento,
Em qualquer departamento,
Sempre preferencial.

No Brasil, há 15 anos,
Nosso sistema legal
Teve um avanço importante.
Um passo fundamental
Nessa valorização
Das pessoas que estão
Com a idade avançada.
Outubro era aquele mês
Do ano 2003,
Quando a lei foi sancionada.

Estatuto do Idoso.
Foi o nome que se deu
À lei que foi publicada
E então estabeleceu
Um conjunto de medidas
Em benefício das vidas
Dos idosos do país.
Por isso passo a citar,
Para exemplificar,
Um pouco do que a lei diz.

Diz o Estatuto que é
Dever da sociedade,
Da família e do Estado,
De toda a comunidade,
Ao idoso assegurar
Saúde, cultura e lar,
Lazer e cidadania,
O respeito, a dignidade,
E toda a prioridade
Nas coisas do dia-a-dia.

Na fila da padaria,
Do banco ou supermercado,
O atendimento do idoso
Tem que ser priorizado.
Não tem que pagar passagem
Para fazer a viagem
No ônibus, pela cidade.
E, na hora do embarque,
E também do desembarque,
Sempre tem prioridade.

O Estatuto do Idoso,
Em 118 artigos,
Prevê muitas outras coisas,
Que nesta hora não digo,
Para não me alongar.
Porque não quero cansar
Essa bela assistência.
Mas é lei que favorece
Quem realmente merece
Em vida e experiência.

É claro que o Brasil
Ainda pode avançar.
E o cuidado com os idosos
Tem muito o que melhorar.
Mas, nesta celebração,
É justo fazer menção,
Em um tom elogioso,
À lei aqui destacada,
Há 15 anos lançada:
O Estatuto do Idoso.


Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis sábado, 22 de setembro de 2018

HOMENAGEM A ORLANDO TEJO

 

 
HOMENAGEM A ORLANDO TEJO

Disse Zé Limeira:

Um dia o Rei Salamão
Dormiu de noite e de dia.
Convidou Napoleão
Pra cantá pilogamia.
Viva a Princesa Isabé,
Que já morô em Supé
No tempo da monarquia.

(Do livro “Zé Limeira, poeta do absurdo”, de Orlando Tejo)

Digo eu:

Dom João VI pretendia 
Conhecer a Amazônia,
Mas Dom Tiradentes teve
Um problema de insônia.
Enquanto Pedro II
Gritava pra todo mundo:
Viva o Rei da Macedônia!

Um dia fui à Polônia,
Só pra ver a Torre Eiffel.
E encontrei Napoleão 
Brincando num carrossel.
Fernando Pessoa ria,
Na mesma hora que lia
Um folheto de Cordel.

Certa vez, Dom Manoel
Que pensava que era rei,
Amarrou quatro jumentos
Em frente à casa de um frei.
O povo se revoltou,
E, como a briga acabou,
Eu até hoje não sei.

Esse versos que criei,
São somente uma maneira
De aplaudir Orlando Tejo,
Que nos legou Zé Limeira.
Tendo talento de sobra,
Foi-se o homem, fica a obra,
Pela eternidade inteira.

 

Orlando Tejo (1935-2018)


Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis domingo, 16 de setembro de 2018

UM PAÍS DE FAZ DE CONTA

 

UM PAÍS DE FAZ DE CONTA

O bom de contar histórias é que não precisamos falar apenas das coisas do mundo real. De vez em quando, soltamos a imaginação e nos ocupamos daquilo que não existe, mas que fazemos de conta que existe.

Assim, inventamos um mundo paralelo, fruto da nossa imaginação. O chamado mundo do faz de conta, onde nos permitimos criar coisas, pessoas, lugares e o que mais vier à mente.

Podemos imaginar, por exemplo, um país de faz de conta, onde aquilo que é, fazemos de conta que não é; e aquilo que não é, fazemos de conta que é.

Esse país de faz de conta teria governantes que fazem de conta que governam para toda a população, mas, na verdade, cuidam apenas dos seus próprios interesses.

Ao realizar obras ditas públicas, o governo faz de conta que pretende trazer algum benefício ao público, mas os principais interesses são privados. Empresas fazem de conta que concorrem pela execução dessas obras, fazendo de conta que oferecem os melhores preços e condições, mas já está tudo combinado: quem será a empresa vencedora, qual o preço dos serviços e até o percentual da propina que irá abastecer contas bancárias e campanhas eleitorais.

Sim! Campanhas eleitorais! Porque, nesse país de faz de conta, as campanhas eleitorais são caríssimas. Afinal, nelas, os candidatos fazem de conta que defendem ideias e ideais, mas não têm qualquer compromisso com o que afirmam e prometem. Querem apenas poder, cargos e recursos públicos. Existe até uma figura ilustre chamada marqueteiro, que ganha muito dinheiro, cuja função é treinar o político para fazer de conta que diz o que pensa, quando, na verdade, tenta apenas dizer o que os eleitores parecem querer ouvir. Um jogo de faz de conta, no qual um faz de conta que diz a verdade, e o outro faz de conta que acredita.

Nesse país, podemos fazer de conta que o parlamento é formado por representantes do povo, mas qualquer cidadão sabe que, em sua grande maioria, os congressistas são representantes apenas de si mesmos. Além dos interesses daqueles que patrocinaram suas campanhas eleitorais, é claro.

Isso talvez jamais pudesse acontecer em um país de verdade. Mas, em um país de faz de conta, grande parte do eleitorado faz de conta que participa do processo político, enquanto troca seu voto por pequenos benefícios pessoais ou quantias irrisórias.

Em um país de faz de conta, como esse que imaginamos, podem-se criar leis diariamente, a pretexto de resolver os mais variados problemas, mas elas nunca resolvem nada. E, eventualmente, criam problemas novos. Até porque sempre haverá muita gente fazendo de conta que cumpre essas leis, mas dando um jeito – um jeitinho – de escapar delas.

Sim, o Poder Judiciário deveria zelar pela efetiva aplicação dessas leis! Mas, há aí pelo menos dois problemas.

O primeiro é que, nesse país de faz de conta, os juízes são muito hábeis em julgar conforme suas convicções pessoais, apenas fazendo de conta que aplicam as leis. Para justificar suas decisões, há sempre um direito fundamental ou um princípio constitucional do qual podem lançar mão.

Isso não chega a ter maiores consequências, por causa do segundo problema: o sistema processual desse país de faz de conta é tão complexo que os julgamentos praticamente não terminam nunca. Há sempre um recurso a mais a postergar o resultado final da causa. Então, cada sentença é um mero faz de conta, já que não resolve nada.

Esse é um país tão de faz de conta que, nele, muita gente vai parar na cadeia, mas apenas faz de conta que está presa, porque, de dentro dos presídios, continua praticando seus crimes. Outros nem precisam sair de casa para fazerem de conta que estão presos. É a chamada prisão domiciliar.

Nesse país de faz de conta, faz-se de conta que existe escola pública em todos os níveis. Mas é uma escola de faz de conta, mal construída, mal aparelhada e com professores mal treinados e mal pagos. O resultado é que muitos professores fazem de conta que ensinam, e muitos mais alunos que fazem de conta que aprendem. Além daqueles que fazem de conta que vão à escola, mas sequer aparecem lá.

Segurança pública? Faz-se de conta que tem, apesar dos milhares de homicídios, assaltos e tantos outros crimes que se cometem impunemente. Saúde pública? Um verdadeiro faz de conta. No papel, um sistema quase perfeito; na prática, gente morrendo nos corredores dos hospitais, sem atendimento. Transporte público? Não é lá dos melhores, mas todo mundo se aperta um pouco e faz de conta que é bom.

A imprensa faz de conta que noticia essas coisas, mas ninguém leva as notícias muito a sério, porque os fatos são frequentemente manipulados, conforme a linha ideológica do jornal ou da revista.

E, assim, cada um segue seu destino nesse país de faz de conta. Às vezes tem umas festas grandes, com muita música e dança, o que mostra ao menos que o povo é feliz. Ou faz de conta que o é.

Só mesmo em um país de faz de conta, nascido na cabeça de um contador de histórias, as coisas poderiam ser assim. Porque, em um país de faz de conta, as pessoas reclamam um pouco, maldizem a própria sorte, trocam ofensas nas redes sociais, mas apenas fazem de conta que estão indignadas.

Afinal, tem muita gente nesse país que faz de conta que gostaria de ter um país de verdade, mas já se acostumou a viver em um país de faz de conta.


Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis segunda, 10 de setembro de 2018

POESIA NO TRIBUNAL - LANÇAMENTO DO LIVRO BREVES ANOTAÇÕES DE UM ANDARILHO NO STJ

 



No dia 5 de setembro deste ano de 2018, por ocasião da apresentação do meu livro “Breves Anotações de um Andarilho”, declamei o poema “Poesia e Magistratura”, no Espaço Cultural STJ.

Acompanhou-me, ao violão de sete cordas, o também juiz federal Márcio Barbosa Maia.

 

 

POESIA E MAGISTRATURA

Certa vez, fui perguntado
Sobre como eu conseguia
Dedicar-me à poesia
Sendo eu um magistrado.
Vivendo tão ocupado,
Com as questões do Direito,
Como é que dava jeito
Para escrever rimando,
E também metrificando,
Fazendo verso perfeito?

 

Eu, antes de responder,
Calado, pensei assim:
Quem pergunta isso pra mim
Não conhece o “métier”
De quem tem que resolver
Toda sorte de conflito.
Que de perto escuta o grito
Da nossa sociedade
Clamando por igualdade,
Pedindo pena ao delito.

Ser poeta e ser juiz
O que há de estranho nisso,
Pra quem tem o compromisso
De ouvir a parte o que diz?
Que vê o olhar feliz
De quem ganhou a questão
E tem a satisfação
De sentir que fez Justiça
Reparando a injustiça
Que atingiu o cidadão?

Eu penso que a poesia
Está em todo lugar,
E quem vive a julgar
A encontra todo dia:
Quando o parquet denuncia
Quando o réu faz sua defesa
Quando a polícia traz presa,
Gente por ela detida,
É a poesia da vida
Que me chega de surpresa!

A poesia aparece
Quando o advogado
No pedido formulado
Diz: – Doutor, ela merece,
Todo dia sobe e desce
A ladeira da “Queimada”
Carregando uma enxada
Para trabalhar na roça
Não é justo que não possa
Ser agora aposentada.

A poesia é presente
No olhar do acusado
Seja quando é culpado,
Seja quando é inocente.
Na testemunha que mente,
E na que fala a verdade.
Na imparcialidade
Que todo juiz queria.
Veja quanta poesia
Em nossa realidade.

Por isso eu acho normal
Que todo bom magistrado
Venha a ser considerado
Poeta em potencial.
Incorre em erro fatal
Quem quiser fazer sentença
Somente com o que pensa
Sem revelar o que sente.
Um juiz desse, é urgente
Que se afaste, de licença.

Tulio Liebman lecionava,
Que a sentença é assim,
Vem de “sentire”, em latim,
E, dessa forma, ensinava:
Que na sentença se grava
Não somente o pensamento,
Mas também o sentimento
Do juiz que a profere.
Que ninguém desconsidere
Esse grande ensinamento.

Se o poeta, realmente,
Não é mais que um “sentidor”.
Que chega a sentir que é dor
“A dor que deveras sente”,
Juiz não é diferente
Quando cumpre sua função.
Mesmo quando a decisão
Em versos não se transforma
Na aplicação da norma
Há uma carga de emoção.

Fique tranqüilo, portanto,
Meu colega, magistrado,
Se, agora, aí sentado,
Lhe surpreender o pranto.
Pois não será por encanto,
Magia ou maldição.
É só manifestação,
Que nesse instante sentiste,
Do poeta que existe
Dentro do seu coração.


Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis sábado, 08 de setembro de 2018

A FLECHA

 

 
A FLECHA

Crédito: DreamTime

Dário acordou inquieto, naquele sábado, sentindo uma espécie de angústia, que lhe apertava o peito. Levantou-se da cama silenciosamente, para não acordar Marta, a esposa, e foi até a cozinha, onde tomou um copo de leite gelado com dois biscoitos de água e sal, a título de café da manhã.

Depois de verificar algumas mensagens no celular, tentou adiantar o trabalho da semana, no computador de casa, mas sem sucesso. Precisava fazer alguns cálculos complexos, para o projeto da construção de um prédio, mas lhe faltava concentração para realizar o serviço.

O raciocínio não fluía, o pensamento era disperso. Lembrava de cenas da sua adolescência, da casa onde morava com seus pais, durante a infância, de um gato que lá havia… Pensamentos em profusão que o afastavam daquilo que pretendia fazer.

Sem nada produzir de relevante, desistiu de continuar com o trabalho; já perto do meio-dia, foi almoçar, deixando o computador ligado e alguns papéis sobre a mesa. Talvez retomasse à tarde.

Mal falou com Marta, durante o almoço. Ela não estranhou, porque imaginou que ele estava apenas preocupado com o trabalho. Apesar de serem casados há apenas dois anos, já se acostumara a vê-lo assim, quando estava pressionado pelo prazo de entrega de um projeto.

Eram quase três da tarde quando ele se acomodou em uma poltrona, na varanda de sua casa, diante do amplo jardim, aproveitando a companhia daquele que considerava ser seu melhor amigo.

Parecia que, a partir daí, encontraria alguma paz interior, mas isso não aconteceu. Permanecia incomodado pela agitação que o afligia, desde as primeiras horas da manhã. Desta feita, passaram a povoar sua mente imagens de situações desconhecidas, mas tão nítidas que não pareciam pensamentos e, sim, registros de sua memória. Lembranças.

Atormentado com aquilo, Dário olhou para o amigo, e falou. Primeiro lentamente, como se se esforçasse para encontrar as palavras; depois, rapidamente, como se não precisasse pensar no que dizia:

“Houve um tempo em que avançávamos juntos no campo de batalha. Lado a lado, ombro a ombro. O meu escudo era o teu escudo, como o teu era também o meu. E o inimigo que surgisse pela frente seria destroçado pela ponta de nossas lanças, como se essas fossem as presas de um animal feroz.

Éramos um bloco, um todo, uma unidade.

Crédito: Pinterest.com

Mas, sabíamos que, se um de nós caísse ferido, era dever do outro seguir em frente, sem olhar para trás. Até o fim da batalha. Ou, até, também cair. Porque, assim como nós, a vida e a morte andavam lado a lado.

Lembro-me de que, certa vez, num desses dias de luta, algo me atingiu na cabeça. Caí atordoado. Meu capacete, amassado, rolava pelo chão. E tu, ao invés de continuares combatendo, vieste me ajudar.

Meu coração encheu-se de gratidão, porque, graças a ti, pude levantar e continuar vivo. Mas, te repreendi pelo gesto em meu favor. Com ele, puseste todo o pelotão em risco. Abriste uma brecha em nossa defesa, que poderia ter sido explorada pelo inimigo.

– Nunca mais faças isso! – disse eu, enquanto me erguia, amparado por ti. – E nem esperes que eu faça o mesmo por ti!

Foi nesse exato momento que uma flecha atingiu o teu peito.

E eu, fiel às minhas palavras, determinado no cumprimento do meu dever, simplesmente, continuei lutando, enquanto agonizavas no chão, em meio ao sangue e à lama.

Vencemos aquela batalha. Fui condecorado por bravura. Nunca tive dúvida de que fiz o que deveria ter feito. Ou, pelo menos, o que acreditava ser a atitude correta.

Mas, a lembrança de não te ter apoiado, nos teus últimos momentos, sempre me doeu na alma.

E dói, até hoje. Mesmo muitos séculos depois.”

Emocionou-se ao dizer essas palavras. Mas o amigo nada respondeu, pois era apenas um bebê, que havia adormecido, enquanto ouvia seu pai contar histórias de outros tempos, de outras vidas.


Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis quinta, 06 de setembro de 2018

ANIVERSÁRIO EM FESTA

 



Republicado em celebração aos meus 52 anos nesta existência

Aos dezessete de agosto,
Registro no calendário
O dia em que comecei,
Na vida, o itinerário.
Mas, não trago na lembrança 
De em meus tempos de criança
Festejar aniversário.

Fiz quarenta e nove anos
Sem nunca ter perguntado
Ao meu pai ou minha mãe
Por que não tenho guardado
No arquivo da minha mente
Um aniversário, somente,
Na infância celebrado.

Eu vejo que, hoje em dia,
A família é reunida
Sempre que um de nós completa 
Mais um ano nessa vida.
Seja de adulto ou criança
Tem sempre alguma festança
E animação garantida.

Por isso que eu me pergunto:
“E naqueles tempos idos?
Quando menino eu sonhava
Com brinquedos coloridos?
Festejar meu nascimento
Não seria fundamento
Para estarmos reunidos?”

Mas, antes dos meus cinquenta,
Aos meus pais eu perguntei:
“Por que é que, até hoje,
Eu jamais me recordei
De alguma celebração,
Festa ou comemoração 
Do dia em que aqui cheguei?”

O que eu perguntei a eles
Não causou muita surpresa.
O meu pai me respondeu,
Com a habitual franqueza,
E puxou pela memória
Para explicar a história 
Com detalhes e clareza.

Disse: Meu filho, está certa
A sua observação.
Pois, festa de aniversário,
Nós nunca fizemos, não.
Nem em casa, nem na rua,
Nunca teve festa sua
Nem também de seu irmão.

 

E a causa de ser assim,
Passo agora lhe dizer,
E, saiba que ela surgiu
Antes de você nascer.
Aconteceu à noitinha,
Em uma simples festinha
Que nós tentamos fazer.

Pois saiba que o seu irmão,
Que é mais velho que você
Quando completou um ano,
E era apenas um bebê,
Preparamos a comida
E até alguma bebida
Pra fazer um balancê.

Uma festinha bem simples,
Para a família, somente,
O povo mesmo de casa,
Algum amigo ou parente,
Pois sua mãe não gostava,
E nem o dinheiro dava,
Pra convidar muita gente.

Mas, com jeito e alegria,
Tudo ali se acomodava.
E, lá pelas seis da noite
A gente se preparava,
E em casa se reunia,
Quando ouvi que alguém batia
Palmas na porta e chamava.

Fui atender, e um rapaz,
Com outro a lhe acompanhar,
Perguntou: “É uma festa?
Se for, vou querer entrar.
Somos eu e meu amigo,
Ele veio aqui comigo
Para essa festa animar”.

Naquele tempo existiam
Os chamados valentões,
Que saíam a beber
E arranjar mil confusões.
E os dois eram conhecidos,
Noutras brigas envolvidos
Em muitas ocasiões.

De imediato, eu senti
Que a coisa ia complicar.
Porque, se eu não permitisse
Que eles pudessem entrar,
Naquela hora, ou depois,
Com certeza, aqueles dois,
Tentariam me pegar.

Mas, deixar eles entrarem,
Também nada resolvia,
Porque, já dentro de casa,
Um deles arrumaria
Com certeza, alguma intriga,
E, logo, logo, uma briga,
Na certa começaria.

E, como naquele tempo,
Eu era jovem e disposto,
Também não queria abrir
Minha casa a contragosto.
Em vez de me intimidar
Tratei logo de mostrar
Que o resultado era oposto.

Então, disse logo a eles:
– Sua entrada não convém.
Nem você foi convidado,
Nem seu colega também.
Os que aqui estão presentes,
São amigos ou parentes,
E não entra mais ninguém.

Depois de falar assim,
Tratei logo de fechar
A porta da nossa casa
Para ele não entrar.
Mas, sentindo que eu estava
Dando o que ele procurava:
Um motivo pra brigar.

Mas, preciso esclarecer,
Nesse ponto, uma questão.
As casas daquele tempo
Não eram juntinhas, não.
Todo mundo ali sabia
Que entre elas existia
Um beco, chamado “oitão”.

E, seguindo pelo oitão,
Se chegava no quintal.
Do quintal para a cozinha,
O acesso era total.
Então, fui me prevenir
Pois, por lá podia vir
O bandido, o marginal.

E, assim pensando, corri
Para a porta da cozinha,
Mas, quando me aproximei,
O desgraçado já vinha.
Tinha entrado pelo oitão
E chegava feito um cão,
Feito um galo em uma rinha.

Vinha de faca na mão
Disposto a sangrar alguém,
E, vendo a faca, eu tratei,
De me preparar também,
Pois nunca fui encrenqueiro,
Mas, dentro do meu terreiro,
Eu nunca temi ninguém.

Em um canto da cozinha,
Eu sempre deixava lá,
Uma vara de um metro
De madeira sabiá.
Não era bem um porrete,
Mas era um duro cacete,
Que se chama de jucá.

De jucá na mão eu fui
Em direção ao bandido,
E meti a cacetada
Por cima do pé do ouvido,
Que se tivesse pegado,
Sei que ele tinha ficado
Por ali mesmo caído.

Mas o cabra era ligeiro,
E depressa se esquivou.
Com dois passos para trás,
Para o quintal recuou,
Aí eu ganhei moral,
E ali mesmo, no quintal,
A batalha começou.

Fui pra cima do sujeito,
Com uma vontade danada,
De pegar ele de jeito,
E acertar uma paulada,
Mas, sabendo do perigo
De que aquele inimigo
Me acertasse uma facada.

Continuei avançando,
Enquanto ele recuava,
E, atravessando o oitão,
Depressa a gente chegava,
Na rua, onde muita gente,
Se juntou rapidamente,
Pra ver o que se passava.

E, chegando ali, na rua,
Foi que a chibata cantou,
E o amigo do bandido,
Na briga também entrou.
E, talvez por não ter faca,
Me atacou com uma estaca,
Que quase me acertou.

Eu, que estava decidido
Ao problema resolver,
Parti pra cima dos dois,
Sem vacilar nem tremer.
Distribuindo paulada,
Parti para o tudo ou nada
Era matar ou morrer.

Foi assim que, com destreza,
Ou, talvez, com muita sorte,
Acertei uma paulada,
Mais certeira do que forte,
Na testa do desgraçado,
Que de faca estava armado,
Abrindo um profundo corte.

Mas o cabra era valente,
E, mesmo estando sangrando,
Não se dava por vencido
E continuou brigando.
E tinha o outro bandido
Também muito destemido,
Todo o tempo me atacando.

Ele até me acertou
Na costela, uma pancada,
Que mais de um mês depois
Inda estava meio inchada, 
E a camisa que eu vestia
Não teve mais serventia
Pois ficou toda rasgada.

Aquela situação 
Só viria a melhorar
Quando o pai da sua mãe
Correu para me ajudar.
Quando o seu avô chegou,
Depressa o jogo virou,
Pra nos beneficiar.

O seu avô, João Domingos,
Você deve lembrar bem,
Sorria e falava pouco,
Não mexia com ninguém,
Também, quando se irritava,
Nada mais lhe segurava,
Não abria nem pro trem.

Naquele dia, ele veio,
Para a nossa residência,
Festejar o seu irmão,
Por um ano de existência,
Mas, naquele aniversário,
Logo se fez necessário
Partir para a violência.

Foi pra cima do sujeito
Que já estava sangrando,
Depressa tomou-lhe a faca,
E foi logo derrubando,
De repente, o valentão,
Estirado ali no chão,
Mal estava respirando.

Com o da faca dominado,
O da estaca quis correr,
Mas tinha aquela paulada,
Que eu queria devolver.
Acertei o infeliz,
Bem no meio do nariz,
E vi o sangue descer.

Nessa hora apareceu
A polícia militar,
E acabou a confusão
Que já ia terminar.
Levaram os dois malfeitores
Pra cuidar das suas dores
Na assistência popular.

Depois de encerrada a briga
Com aqueles dois marginais,
As pessoas retomaram
Seus afazeres normais.
Ficou só o comentário,
E a festa de aniversário,
Que ia haver, não houve mais.

E nem nos anos seguintes
Houve comemoração,
Celebrando aniversário,
Nem seu, nem do seu irmão.
Só muitos anos depois,
Já rapazes, vocês dois,
Passaram a organizar
Suas comemorações,
E, sem haver valentões,
Para vir atrapalhar.


Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis quarta, 05 de setembro de 2018

NO TRÂNSITO DA VIDA, POEMA DO CEARENSE MARCOS MAIRTON

 

 
 
 
NO TRÂNSITO E NA VIDA

É no trânsito, é na vida:
Quando encontra alguma norma
O brasileiro, em geral,
Com ela não se conforma.
Se a placa está a indicar
PROIBIDO ESTACIONAR,
Dizemos: “Só um minutinho!”.
Outra placa: CONTRA MÃO.
“Mas é meio quarteirão
E eu vou bem pelo cantinho”.

É assim em muitas coisas
Que se vê, no dia-a-dia.
“Mas é pra fugir do imposto!”
“Driblar a burocracia!”
“Se eu não fizer outro faz!”
“Já acertei com o rapaz,
Que tem acesso ao sistema”.
“No Brasil a luta é dura,
Só com jogo de cintura
Que se resolve o problema”.

E, de jeitinho em jeitinho,
Vai vivendo o brasileiro,
Sem ver que o erro de um
Atrasa o país inteiro.
E, ao invés de corrigir
Nossas falhas e seguir
Uma nova direção,
Ficamos estacionados,
Esperando acomodados,
Um salvador da nação!

 


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