Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 21 de novembro de 2020

TRÊS PASSAGENS (CONTO ERÓTICO DE CARLITO LIMA, CLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

– “Geraldo, há algum tempo precisava conversar com você, pode me dar alguns minutos? Vamos pegar uma mesa?” Disse Luzia abraçando o irmão, ao encontrá-lo no shopping.

Feliz em encontrar a irmã querida no início daquela tarde de sexta-feira, Geraldo sentou-se e pediu dois chopes. Luzia olhou-o, sorriu-lhe e foi direto ao assunto.

– “Geraldo querido, só nós dois é que sabemos o quanto nos amamos, sou louca pelo meu irmão caçula desde que nasceu. Nossas afinidades sempre foram visíveis, nos entendemos com apenas um olhar. Por isso quero essa conversa. Você casou-se, separou-se, agora está solteiro novamente aos 40 anos, nunca dei palpite em sua vida amorosa, boêmia e escandalosa. Desculpe eu estar me intrometendo em seu novo namoro, você insinuou em breve um casamento. Sua namorada, Maria da Graças, parece equilibrada e sensata, embora seja bem mais nova que você. Acontece que, informaram-me um pequeno detalhe de sua vida pessoal e eu tenho obrigação de lhe passar, não quero que seja enganado. Fonte fiel confidenciou-me: ela é sapatona, ou melhor, bissexual, tem um caso com aquela morena, andam muito juntas, se diz prima. Desculpe eu tocar em sua vida particular. Sabendo do fato, seria uma imperdoável traição por omissão não contar-lhe esse pequeno detalhe.”

Geraldo respirou fundo, tomou dois goles de chope, pensou, pensou, respondeu à irmã ainda no impacto emocional da notícia.

-“Obrigado Luzia, você agiu como uma irmã querida, não poderia ser de outra forma, francamente, nunca desconfiei de Graça. Eu até gosto de sua prima Fátima, nada me fez perceber essa opção sexual de minha namorada, ela gosta de homem, tenho certeza, na cama é um arraso. Vou pensar no que fazer, é caso grave, não sei se dá para conviver sabendo que sua mulher gosta de outra mulher. Obrigado minha irmã.” Geraldo pediu mais chope, passaram o resto tarde conversando.

Eram nove horas da noite quando Geraldo encontrou-se com Maria das Graças na Barraca Pedra Virada, orla da Ponta Verde, acompanhada de Fátima, tomaram chope, uísque, tira-gosto, jantaram quase meia noite. Duas horas da manhã deixaram Fátima em casa, dormiram no apartamento, amaram-se. Geraldo nunca mais havia passado uma noite de amor com tanta intensidade. Pela manhã do sábado resolveram dar um mergulho na praia do Francês. Graça perguntou se podia convidar Fátima.

– “Tudo bem” – disse Geraldo – “porém, quero uma conversa com você”. Foi claro e taxativo com a namorada.

– “Graça, temos mais de dois anos juntos, somos adultos, lhe amo, tenho de ser sincero. Sua amizade com Fátima vem atiçando a maldade alheia, vieram me fuxicar de um relacionamento íntimo entre vocês duas, é o boato corrente nas rodas da cidade”.

Graça ouviu olhando nos olhos do namorado, depois baixou a cabeça, respirou fundo, encarou-o novamente, abriu seu coração com franqueza.

– “Geraldo querido, é verdade! Eu tenho essa opção sexual a mais, sou bissexual e Fátima não é minha prima. Estava esperando um momento apropriado para conversar sobre essa situação. Conversei muito com Fátima, temos uma proposta, você pode se chocar, francamente não imagino sua reação. Minha única certeza é que lhe amo, quero você, quero ficar com você, não importa se casados ou juntados. Minha proposta é meio louca, entretanto, foi bem pensada, amadurecida: Quero continuar nosso relacionamento como está, cada qual em seu lugar. Peço-lhe apenas que você conheça melhor a Fátima, sinta como é uma pessoa boa, entre em suas intimidades, depois me diga se aceita a situação entre nós três, sem compromissos”.

Geraldo teve um impacto com aquela inusitada proposta, pediu um tempo para pensar. Conversou e passou algumas noites com Fátima. Não precisou muito tempo para definir-se. Estão em período de adaptação, tiraram férias juntos passeando na bela cidade de Buenos Aires, o mais caro foram as três passagens de avião.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 07 de novembro de 2020

TABICA DE BIMBAS DE BOI (CONTO ERÓTICO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

TABICA DE BIMBA DE BOI

Carlito Lima

Antônio Pedro, por ser homem bonito, não pode sentir o olhar de uma garota que fica assanhado. Não precisaria de outra mulher, sua esposa é um belo espécime eminino. Porém, ele tem uma compulsão de querer transar com todas as mulheres do mundo.

A desconfiança e ciúme de Lilibeth aumentaram quando o marido passou a atender o celular longe do alcance, falando baixo. Ela pressentiu que era namorada nova, coisa séria, resolveu contratar um detetive. No escritório de Audálio no Edifício Brêda, ela acertou os honorários, forneceu-lhe informações, fotos do marido e um adiantamento. O detetive era bom e o Antônio Pedro era ruim em se esconder. As investigações foram rápidas e o crime facilmente descoberto. A namorada do marido trabalhava em um banco. Saía do trabalho às 16:30 h, no mínimo duas vezes por semana, Antônio Pedro apanhava Juliete, bonita moça, para passar o resto da tarde em algum motel da cidade. Variavam de local. O detetive mostrou fotografias para indignação e raiva de sua cliente.

Lilibeth controlou-se, haveria pegá-los em flagrante. Esperou uma oportunidade. Certa tarde ela notou que seu marido telefonava do celular falando baixo. Coisa só percebida por mulheres ciumentas, elas têm esse incrível faro. Às três horas da tarde o maridão foi tomar banho, dizendo que haveria uma reunião, uma grande venda com um fazendeiro. Antônio Pedro trabalha em uma representação de adubo. Ganha altas comissões nas vendas.

Lilibeth gritou para o marido que estava saindo para comprar cigarro. Porém, dirigiu-se ao carrão do marido, abriu a mala e deixou-a aberta. Recolocou as chaves no mesmo local onde apanhou. Segurou uma tabica de bimba de boi que ficava permanentemente pendurada no porta-chapéus, voltou ao carro, entrou na mala e trancou-se por dentro. Mesmo com a mala espaçosa, ficou desconfortável. Ela deitou-se com as pernas encolhidas com ânsia e coragem.

Antônio Pedro ligou o carro, o barulho do motor aumentou o desconforto. Em torno das quatro horas, o carro parou em uma rua movimentada. Lilibeth sentiu a porta abrir e entrar uma mulher cumprimentando Antônio com um “Ôi querido” meloso, e acomodou-se no assento dianteiro. Sentiu o perfume caro da serelepe, O carro partiu, Lilibeth ouviu um diálogo com dor no coração, com vontade de esganar os dois.

– Meu amor. Quero fazer aquelas coisas maravilhosas. Hoje estou com uma vontade… Vou lhe matar na cama!

– E eu vou lhe dar um banho de gato!

– E a Jararaca continua ciumenta? Será que ela desconfia de nós?

– A Jararaca pensa que é inteligente vive me ameaçando. Mas é burra. Jamais saberá de nós dois. Tomo meus cuidados.

– Meu amor, na próxima semana completa um ano de nosso namoro. Você me prometeu aquele colar, lembra-se?

– Não me esqueci, vamos comemorar juntos, vou inventar uma viagem para Salvador. Você diz no trabalho que está doente.

Lilibeth se conteve até por medo de estar correndo em uma pista de alta velocidade. A raiva no seu peito era tão grande que pensava ter um infarto naquele momento. O carro ainda rolou alguns minutos. Houve outros diálogos para desespero de Lilibeth. O carro diminuiu a velocidade, deu uma entrada à esquerda até frear. Ouviu-se a voz de Antônio Pedro: “Quero uma suíte com piscina”. Antônio Pedro manobrou até que parou de vez na garagem do motel. Nesse momento ele ouviu um barulho, alguém batendo por dentro da mala. Assustado dirigiu-se para traseira do carro, percebeu que havia alguém dentro. Quando abriu, deu-se a grande surpresa: Lilibeth saltou como uma fera, com a tabica de bimba de boi na mão gritava alucinada:

– Sua puta! Jararaca é a puta que a pariu!

Avançou na garota de vinte anos de porte elegante e bonita. Enquanto Antônio foi buscar ajuda na portaria, Lilibeth encheu Juliete de porrada, como se a culpa fosse só da garota. Houve escândalo no motel, o gerente chegou em socorro. Custou a se acalmarem. Colocaram Juliete num táxi e o casal voltou para casa no carro, com constantes ataques de choro e raiva de Lilibeth. Ao chegar, ela expulsou o marido de casa. Três meses depois fizeram a paz, ele voltou. Estão vivendo no maior amor, nem parece que houve o caso da tabica de bimba de boi. Quem quiser que entenda e que se meta nas brigas de casal.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 31 de outubro de 2020

SANTOS, O MELHOR TIME DO MUNDO (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O MELHOR TIME DO MUNDO

Carlito Lima

Lembrando os 80 anos de Pelé

Lalá – Getúlio- Ramiro – Zito e Mourão
Dorval – Afonsinho – Jair da Rosa Pinto – Pelé e Pepe

 

Nezito Mourão é um amigo de infância, colega no Colégio Diocesano em Maceió, anos 50. Estudioso, dos primeiros da turma, Nezito desde cedo jogava um vigoroso futebol, até nas peladas da praia da Avenida. Ainda jovem foi convidado a jogar pelo CRB, beque durão, nenhum atacante passava. Eu tinha maior orgulho em ver nos jornais fotografias de meu amigo Mourão junto a Pelé e Coutinho no maior time de futebol do mundo, de todos os tempos, o Santos anos 60 – 61- 62.

Depois do Santos, Mourão jogou num time do Recife. Certa vez a torcida adversária pegou no pé do Negão, xingando, gritando, “é esse!” incentivando ao adversário dar cacetada no Negão. Num lance infeliz Mourão caiu, foi vaiado pela torcida adversária. Cabeça quente, ele levantou-se, segurou no calção, balançou os quibas para torcida. Era um jogo televisionado, Mourão teve que se explicar na Delegacia.

Quando eu morava no Recife encontrava-me com meu amigo, em vez em quando. Certa noite fomos com tomar uma cerveja na Boate Flamboyant, no centro da cidade na galeria do Edifício Walfrido Antunes, onde encontramos mais amigos.

Sentamos, pedimos “cuba-libre”, ouvindo um bonita cantora arrasar com músicas de sucesso. Ela atendeu nossos pedidos, “Felicidade”, “Apelo”, “Chega de Saudade.” No intervalo a cantora aceitou o convite, sentou-se à nossa mesa. Estávamos numa conversa agradável, a moça era simpática e risonha, para Mourão, famoso. Em certo momento, o proprietário da boate, bêbado achegou-se à nossa mesa, falou alto com a cantora, mandou levantar-se e esperá-lo na cozinha. Ele tinha um caso com a moça e pensava ser proprietário também da bonita artista. Estava com ciúme ou com despeito, coisa de corno, tentava tirar a moça bonita de nossa descontraída e bem humorada conversa. O Bêbado insistente segurou-a pelo braço. Mourão, como um cavalheiro, levantou-se e falou educadamente para o cidadão.

– “Meu senhor, a moça está em nossa companhia, ela só sai daqui se quiser, seja quem for o senhor.”

O dono da boate voltou para o balcão. A moça nos pediu desculpas foi conversar com seu patrão. De repente, o garçom trouxe a conta pedindo para que nós pagássemos e que nos retirássemos da boate por ordem do dono, ameaçando chamar a polícia. Como éramos inocentes, não saímos, ficamos esperando a polícia chegar. Depois de quase meia hora de espera pagamos a conta, nos retiramos.

Ao sairmos da galeria, parou um jipe com quatro policiais civis, armados. Entraram na galeria. Para evitarmos confusão, nos dispersamos, cada qual tomou destino diferente. No momento que parei um táxi mais adiante, o jipe freou junto a, descerem quatro homens armados gritando que eu estava preso. Conhecendo esse tipo de policial, pedi calma, falei que era tenente do Exército, que não houve perturbação na boate, tinha que ser ouvido antes de me prenderem. Um policial foi taxativo:

– Tenente pôrra nenhuma! Vai preso agora, seu merda! Suba!

Como detesto apanhar, subi no jipe antes que levasse uma cacetada. Na Secretaria de Segurança, belo prédio à margem do Capibaribe, desci do jipe escoltado. O Delegado mandou calar-me quando tentei esclarecer. Só fui ouvido depois de uma hora de espera. Ao me identificar como tenente do Exército, servindo na 2ª Cia. de Guardas, tropa de elite do IV Exército, o delegado pediu desculpas, chamou os investigadores de imbecis.

Na hora de minha prisão, Mourão assistiu ao longe. Correu a 2ª Cia de Guardas, na Avenida Visconde de Suassuna, contou sobre a minha prisão pela polícia civil. No momento que o delegado se desculpava, ouviu-se um barulho na Secretaria, uma patrulha do Exército, meus soldados que estavam no quartel foram dispostos a me soltar.

Eu fui bombeiro, evitei uma possível briga. Agradeci o apoio dos amigos, mandei a patrulha se recolher. Os soldados estavam inconformados em ver seu comandante preso. Há pouco tempo um investigador havia matado um soldado da 2ª Companhia de Guardas, os ânimos estavam quentes por uma vingança. Se eu não segurasse os soldados as consequências seriam inimagináveis.

No dia seguinte deu em manchete num jornal: “Tenente Carlos LIma do Exército, acompanhado do jogador Mourão fazem arruaça em uma boate e são presos”. O pacífico Mourão hoje vive aposentado com uma pousada na Rua do Aragão, centro do Recife, cheio de recordações do seu tempo quando era um jogador caceteiro e fez parte do incrível time Santos, anos 60, o melhor time do mundo, inigualável.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 24 de outubro de 2020

A ALEIJADINHA, CONTO ERÓTICO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

A ALEIJADINHA

Quando Manu conheceu Rosana, apaixonou-se, ela era filha de um estivador do cais do porto. A outra irmã Francisca era também uma jovem bonita, porém, nasceu com um defeito na perna direita, andava se arrastando. Pela vigilância de seu Béu, as filhas nunca casariam. Nas festas de natal da praça 13 de Maio, as jovens só apareciam acompanhadas da mãe, Dona Albertina. Manu começou a namorar Rosana escondido do pai. Quando podia ele acompanhava a namorada na saída do colégio, no caminho parava à sombra de uma árvore, conseguia uns beijinhos. À noite, seu Béu dormia cedo cansado de carregar sacos de açúcar nas costas, Manu e Rosana se encontravam no fundo do quintal, ficavam entre beijos e abraços. Numa noite de luar, forraram o chão com palha de bananeira e aconteceu a primeira vez, a marca de sangue ficou na areia cinza do quintal. Não pararam mais.

 

Até que um dia, Rosana deu a notícia: grávida. Foi uma complicação. Seu Béu botou a boca no mundo, mandou chamar Manu, acertaram o casamento dentro de um mês, Manu ficaria morando na casa dos sogros e daria uma contribuição para as despesas. Quando o filho nasceu, o pai botou o nome de Rivelino, o melhor jogador do Brasil, na época. O sogro ficou encantado com o neto e estreitou amizade com Manu. Todo fim de semana tomavam uma garrafa de Pitu e umas cervejinhas. Quando havia festa Manu levava Rosana e Francisca que nunca arranjava namorado, talvez por arrastar a perna; ele tinha pena da cunhada e ficava chateado quando alguém se referia à Chica como aleijadinha. Certo dia o sogro teve um infarto quando embarcava saco de açúcar na balsa. Morreu na hora. Manu ficou morando com a sogra e as duas irmãs. Dona Albertina recebeu uma indenização mixuruca e ficou com uma pequena pensão de estivador.

Certa vez, Francisca deixou a porta de seu quarto meio aberta, estava apenas de calcinha, Manu ao passar excitou-se. Dias depois, a sogra e Rosana foram a um aniversário levando Rivelino. Manu e Francisca ficaram em casa sentados no sofá assistindo uma novela. De repente, a cunhada aproximou-se, segurou a mão de Manu, se beijaram, terminaram na cama fazendo amor. Rápido ela lavou o lençol marcado com o sangue de sua virgindade. Toda vez que os dois ficavam sozinhos, acontecia amor, a aleijadinha era boa de cama. Até que um dia, feliz da vida, Chica mostrou ao cunhado o resultado de exame: grávida. Manu deu-lhe um esbregue:

–“Você não tomou o anticoncepcional sua irresponsável?”

Ela respondeu na maior alegria:

– “Tomei nada. Era isso que eu queria. Vou ser mãe, que coisa maravilhosa.”

Manu perguntou como diriam à Rosana? Ela respondeu alegre que o problema era dele. Quando as duas chegaram de um aniversário com Rivelino, Manu falou para Rosana que precisava uma conversa urgente no quarto Ao sentarem na cama, Manu contou o drama.

– Rosana tudo pode acontecer na vida, e aconteceu um caso muito grave, eu quero que você saiba por mim. Há uns meses você e Dona Albertina saíram com Rivelino, fiquei sozinho em casa tomando minha cachacinha, sua irmã também estava em casa, ficamos bebendo, meio de porre terminamos transando. E o pior, hoje a Francisca me disse que estava grávida. Esse é um grave problema, quero resolver com você, minha mulher que amo.

Rosana olhou para o marido, respondeu sem parar.

– Manu, pensa que eu sou besta? Você insinuou que transou com minha irmã apenas uma vez e engravidou. Fique sabendo que eu e mamãe sabíamos de tudo, desde a primeira vez que você transou com ela. Chica me contou, ela estava tão feliz, queria engravidar. Eu amo minha irmã, sou capaz de dar a vida por ela. Sempre tive uma pena louca por ela puxar da perna, quando éramos menina, muita gente mangava, chamava-a de aleijadinha. Quando ficamos mocinha ninguém queria namorar a Chica. Ela teve apenas um namorado que acabou por causa das brincadeiras de mau gosto de seus os amigos. Quando lhe conheci, me apaixonei por ser um homem generoso e batalhador. Nasceu o Rivelino, minha irmã ficou encantada com o sobrinho. Confessou-me que o maior sonho de sua vida era ter um filho. Pensava em ser mãe solteira. Eu tinha uma pena louca dela, depois que papai morreu, aumentou a dedicação de Francisca com Rivelino. Numa noite você chegou bêbado em casa, tirei sua roupa, dei-lhe um banho, fiquei com tanta raiva que não consegui dormir, foi quando eu tive a ideia. Se minha irmã quer um filho, porque não do sem-vergonha de meu marido? Pelo menos fica tudo aqui em casa. Amadureci a ideia e falei com Francisca. Ela me deu um abraço, começou a chorar.

– “Você seria capaz de fazer isso por mim, minha irmã? Emprestar seu marido?”.

Resolvemos contar nosso plano à mamãe, ela aprovou. Deixamos o resto acontecer acreditando na sua sem-vergonhice. Você é o pai da criança, assuma a paternidade no cartório e como disse minha mãe:

-“O povo que vá à merda”. Vamos ter uma família feliz.

Manu ficou de queixo caído com a astúcia das irmãs e a sogra. Ele vive normalmente com as duas mulheres. Tem dois filhos com a Rosana, Rivelino e Leila, e uma filha com a Chica, a Janaína. É uma casa feliz, os quatros não estão nem aí para a língua ferina do povo. Duas ou três vezes por semana Manu faz uma visita ao quarto de Francisca. Acha a aleijadinha melhor de cama que a irmã.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 17 de outubro de 2020

O VIGARISTA CONTINUA NO RAMO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CONTINUA NO RAMO

Há alguns anos apareceu na província de Maceió, um cidadão bem falante, terno impecável, roupas de grife, cabelos bem cortados, era conhecido pelo sobrenome, Karafiol. O distinto senhor montou uma empresa de consultoria dirigida especialmente aos grandes empresários, usineiros e companhias. Ele propunha negócios com vantagem inimagináveis em baixar impostos nas transações de importações de maquinarias e equipamentos. Os empresários logo se interessaram na possibilidade de baixar impostos contrataram a empresa de consultoria, “Marilda Karafiol”. Os resultados foram os melhores possíveis, Karafiol conhecia os tapetes, os bastidores de Brasília, dos impostos de importação, conseguiu baixar alguns impostos com malandragem, legislação duvidosa, propina e mulher. Tornou-se herói entre os abastados, os donos das Alagoas. No primeiro ele deu muito lucro às empresas. Karafiol frequentava a mais alta roda da cidade, seja em clubes, restaurantes ou alcovas, seu nome era sempre lembrado como cidadão de altos negócios. Um cara que consegue baixar imposto nesse país merece prêmio. Ele amava a vida entre os socialites, gostava também de um carteado, sempre jogava nas rodas particulares, as melhores e bem frequentadas mesas de baralho. Tinha uma compulsão pelo jogo, vício, jogava alto.

No segundo ano abriu uma empresa de taxi com um amigo alagoano muito conhecido e conceituado, na época era a melhor frota de taxi na cidade. Karafiol, exemplo de empresário e honestidade se dizia alagoano por opção, proclamava aos berros o amor a essa cidade. Um vereador chegou a propor o título de cidadão de Maceió, ganhou o prêmio de empresário do ano, em troca de algum valor ao cronista que organizava esse prêmio. Certo partido político convidou-o a se filiar, teria uma vaga garantida na Assembleia Legislativa, com o apoio dos empresários; ele ficou de pensar, era uma boa oportunidade.

No final do terceiro ano de consultoria, apareceu uma oportunidade de reduzir custos de imposto adquirindo uma maquinaria especial, diminuindo a mão de obra. Os empresários foram visitados por Karafiol que mostrava como poderia reduzir custos. Ele fez cálculos de redução de impostos, o custo do investimento compensava essa redução. Karafiol foi de empresário em empresário, mas precisava ter uma boa quantidade em dinheiro em mãos para propinas e outros custos costumeiros nas transações em Brasília. Nas suas visitas arrecadou U$ 300 mil de um, U$ 400 mil de outro, mais U$ 200 mil de outro, há quem diga que Karafiol arrecadou em torno de U$ 8 milhões de dólares das empresas alagoanas e pernambucanas. Ele havia comprado 20 Chevrolet OPALA na concessionária, aumentando a frota de taxi de sua empresa, uma mostra que ele estava cada vez mais arraigado à terra.

Na véspera de ele viajar para Brasília e Rio de Janeiro a fim de resolver o mais alto negócio dos empresários nordestinos, ele compareceu à casa de um amigo para alta jogatina de pôquer. Às três horas da manhã Karafiol havia perdido mais de R$ 20.000,00. Como tinha que embarcar no avião às oito horas, precisava de dinheiro vivo, passou um cheque de R$ 20 mil saldando a dívida do jogo e outro de R$ 10 mil arrecadando o dinheiro que havia na mesa dos parceiros, ele precisava do dinheiro para viajar. Todos aceitaram sorrindo a troca dos dois cheques, ninguém jamais suspeitaria, desconfiaria que os cheques daquele homem extraordinário não tinham fundos.

Na segunda-feira o dono da casa que bancava o jogo ao depositar o cheque no mesmo banco, teve a triste notícia que não havia fundo para cobrir os cheques, e que Karafiol havia raspado todo dinheiro da conta. Foi um Deus nos acuda. Houve uma reunião urgente dos empresários. Nunca mais Karafiol pisou em Alagoas, aquela noite do jogo, foi a última vez que o viram. Embolsou todo dinheiro, até hoje está desaparecido. Os magnatas alagoanos foram à polícia, contrataram detetives em Maceió, Brasília, Rio e São Paulo, gastaram uma enormidade em passagens e hospedagens, ninguém até hoje conseguiu uma pista sequer, foi o maior golpe até agora dado em dinheiro privado. Corre uma versão que Karafiol fez uma cirurgia plástica no rosto. Dizem que está irreconhecível, se candidatou, gastou uma grana, elegeu-se Deputado Federal por São Paulo, quer dizer, continua no ramo.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 10 de outubro de 2020

MEU SONHO NO DIA DO NORDESTINO (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

MEU SONHO NO DIA DO NORDESTINO, 8 DE OUTUBRO

Tive um fantástico e alegre sonho no Dia do Nordestino: o povo feliz, reunido, dançando na praia, comemorava a Independência do Nordeste. Nas Alagoas a festa varou a noite, continuou por mais 19 dias. Foi armado um palco no coreto da Avenida da Paz, de repente, entrou um animado e colorido pastoril cantando e acenando para o povo. De um lado a coluna do cordão encarnado, com sete pastoras, moças charmosas e bonitas com vestidos de chita, fantasias de saias rodadas. A outra coluna, o cordão azul, mais sete meninas, louras, morenas, mulatas, todas acenavam para o povo seus pequenos pandeiros fantasiados de fitas. Entre as duas colunas, entre os dois cordões dançava a única Diana vestida de minissaia de chita. Todas sorriam, era Festa da Independência. “Boa noite meus senhores todos… Boa noite senhoras também… Somos pastoras, pastorinhas belas… Que alegremente vamos a Belém…”

 

A festa continuou revezando no palco, dia e noite, exuberantes grupos da cultura popular: Guerreiro da Viçosa, com suas fantasias coloridas e chapéu cheio de espelhos. Eles cantavam: “Guerreiro cheguei agora… Nossa Senhora é nossa defesa…” Dançaram fandangos, bumba meu boi, coco de roda, baiana, caboclinho, reisado, nega da costa, chegança e outras danças populares nordestinas. No início da Avenida da Paz acontecia um agitado e divertido desfile de carnaval. A orquestra do maestro Passinha tocou dia e noite. A moçada se esbaldava se empolgava com frevos e marchinhas, ia ao delírio quando arrochava o frevo Vassourinhas. O dia foi despertando, a orquestra desceu à praia. De repente os foliões entraram na água cristalina naquela luminosa manhã. A cor do mar era escandalosamente de um azul-esverdeado, dourada pelo sol da madrugada. Os mergulhos lavaram as roupas, as fantasias, e as almas do povo. A música continuou, o povo dançou e cantou. A Festa da Independência durou vinte dias. Estendeu-se por todas as praias da cidade. O povo dançou na praia de Pajuçara, onde o mar beija as areias, com mais alma e mais amor. A Ponta Verde fervia nos arredores do acarajé do Alagoinha com três bandas e quatro trios elétricos. Na Jatiúca o povo gritava cheio de esperanças por dias melhores. No litoral norte a festa continuou, na praia de Ipioca foi organizado um corso de jangada, todas enfeitadas, fantasiadas de azul e verde, as cores da nova República Nordestina. De repente apareceu Elba Ramalho cantando a música de Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova: 

“Já que existe no Sul esse preconceito 
Que o Nordeste é ruim, seco e ingrato 
Já que existe a separação de fato 
É preciso torná-lo de direito 
Quando um dia qualquer isso for feito 
Todos os dois vão lucrar imensamente 
Começando uma vida diferente 
Da que a gente até hoje tem vivido 
Imagine que o Brasil ser dividido 
E o Nordeste ficar independente”

O patrono da nação nordestina foi escolhido por unanimidade, Luiz Gonzaga. No sonho continuavam lindos e eróticos movimentos de Elba se rebolando e cantando: 

“O Nordeste seria outro país 
Vigoroso, leal, rico e feliz 
Sem dever a ninguém no exterior 
Jangadeiro seria o senador 
O cassaco-da-roça era o suplente 
Cantador-de-viola o presidente 
E o vaqueiro era o líder do partido 
Imagine o Brasil ser dividido 
E o Nordeste ficar independente”

No sonho aparecia toda pujança e a beleza de nossa cultura. Nossos bravos homens e mulheres escreveram a Constituição Nordestina:

Artigo Primeiro: Todos são iguais perante a lei e perante todos.

Artigo Segundo: O amor é considerado utilidade pública.

Artigo Terceiro: A esperança será marcada por uma faixa verde na bandeira para ninguém perdê-la ou esquecê-la.

Artigo Quarto: O medo é abolido de todos os corações.

Artigo Quinto: Todos têm direito à saúde, educação, moradia, emprego, arte, cultura, felicidade e sexo.

Artigo Sexto: A desonestidade, a mentira e a hipocrisia são banidas do país para sempre.

Artigo Sétimo: São inimputáveis: os índios, os menores, os bêbados e as putas.

Foi decretado que a fraternidade, a igualdade e a honestidade constituiriam a base da Nova Nação Nordestina. Os homens de bem foram conclamados a voltar de onde estivessem, onde terão fartura e paz. E finalmente o povo era obrigado a ser feliz. E Elba continuava cantando: 

“A bandeira de renda cearense
Asa Branca era o hino nacional
O folheto era o símbolo oficial
A moeda, o tostão de antigamente
Conselheiro seria o inconfidente
Lampião, o herói inesquecido
Imagine o Brasil ser dividido
E o Nordeste ficar independente”

Foi quando alguém aumentou o volume da televisão e me acordei com o Jornal Nacional. Pô!!!

Obs – Agradeço a Ivanildo Villanova e Bráulio Tavares o uso de sua poesia.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 03 de outubro de 2020

O SENHOR DAS LAGOAS (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O SENHOR DAS LAGOAS

Eu era menino, de calça curta, aurora de minha vida, meu pai gostava de passeios com a família. Fazíamos piquenique no Gogó da Ema, em Fernão Velho na casa do primo Pedrinho. Muitas vezes embarcávamos numa canoa ou na lancha do horário, partindo do Porto das Lanchas no Trapiche, navegando pelas lagoas até Coqueiro Seco ou Bica da Pedra.

A canoa enorme feita de tronco de árvore cabia toda família. A criançada sentada no fundo, os mais velhos nos bancos de tábuas na proa, na popa e perto do mastro. Todos a bordo iniciava a navegação rumo ao povoado de Coqueiro Seco, onde amigos do meu pai nos esperavam com um delicioso almoço.

O canoeiro dava a direção, puxando e molhando a vela conforme a intensidade do vento. Vela enorme colorida em vários matizes marrons, como se fossem manchas. Eu ficava extasiado, embevecido com a beleza da imensidão da lagoa cheia de ilhas, coqueirais e entrecortadas por canais naturais. Deliciava-me mergulhando a mão acariciada pela água corrente do navegar. Água límpida e raiada pelo sol da bonita manhã.

Tio Béu era o mais animado dos adultos, gostava de contar casos e piadas durante o percurso. Ele cantava emboladas e nós acompanhávamos.

“Coqueiro Seco do outro lado da lagoa… Se atravessa de canoa… fazer feira no Pilar…” Vinha o coro da meninada: “Espingarda, pá, pá, pá, pá, faca de ponta, tá, tá, tá”… Tio Béu continuava: “Eu dei um beijo no sovaco da veia, minha boca encheu de peia, quase morro de lançar…” Uma alegria.

A chegada da canoa era uma festa, não havia ancoradouro, era preciso ajudar as mulheres e crianças desembarcarem. Passávamos o dia naquele pequeno povoado, correndo, jogando bola na “ribeira”, mergulhando nas águas limpas da lagoa. Depois do suntuoso almoço, a meninada voltava para o banho de lagoa, onde nadava e brincava de caldo e pescaria. Na volta, a meninada ficava desconfortável no fundo da canoa amontoada de manga, melancia, banana, fruta-pão, jaca e outras frutas. Às vezes, a travessia da lagoa tinha outro destino: o sítio de um primo, Pedro Lima, onde existe uma fonte de água provinda de uma fenda de uma enorme pedra. Um banho maravilhoso que deram o nome apropriado de Bica da Pedra.

Meu pai tinha um amigo que gostava de conversar à noite em minha casa. Era um homem alto, com olhar inquieto e bondoso. Seus assuntos invariavelmente passavam pelas lagoas, preocupação, luta constante de sua vida e o CSA. Pela primeira vez ouvi alguém se referir à preservação da natureza. Paulo Pedrosa, na prática, foi o primeiro ambientalista das Alagoas. Essas são algumas reminiscências da minha infância, ligadas às grandes e belas lagoas.

O tempo passou, fiz caminhos e andanças pelo Brasil afora; voltei para Alagoas, mas só tive consciência dos grandes problemas das lagoas a partir dos anos 80, quando as questões ambientais tornaram-se importante.

Nesses últimos anos houve um desastre criminoso nas lagoas. Usinas de açúcar jogaram tibornas e águas de lavagem de cana. As cidades, sem sistema de esgotamento sanitário, ainda hoje despejam dejetos in natura e lixos nas águas das nossas sagradas lagoas. Autodestruição, um crime inominável. Em todo esse tempo, só uma voz havia esbravejado, esperneado, gritado e ecoou sem que ninguém ouvisse ou se preocupasse pelo crime que o homem ambicioso cometia. Essa voz solitária era de Paulo Pedrosa. Um senhor com visão que dedicou seus 96 anos à sua grande paixão: as bonitas e inigualáveis lagoas das Alagoas.

Paulo Pedrosa também foi um vitorioso industrial, montou uma fábrica de mosaico no bairro de Jaraguá. Ainda nos legou duas grandes figuras da arte e cultura alagoana: sua filha Tânia Maya Pedrosa Moreira, pintora naif e maior colecionadora de arte popular do Brasil e seu filho, coronel José Fernando Maya Pedrosa, historiador, militar de brilhante carreira no Exército Brasileiro. O saudoso Paulo Pedrosa, homem dedicado à causa das lagoas merece uma homenagem. Sua impertinência, sua dedicação e seu amor foi importante na preservação das lagoas. Devemos essa homenagem, nunca feita, ao ambientalista Paulo Pedrosa, “O Senhor das Lagoas”.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 26 de setembro de 2020

O RAPOSA FELPUDA (CONTO ERÓTICO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O RAPOSA FELPUDA

Leocádio está preocupado com a situação nacional. Se a pandemia não acabar antes de do dia 15 de novembro ele vai perder sua maior diversão, a campanha eleitoral. Durante a campanha ele passa no mínimo dois meses viajando com seu chefe, um político de alta linhagem, vamos chamá-lo de “Raposa Felpuda”. E o melhor, fica livre da esposa, mandona, braba que o leva no cabresto nesses 27 anos de casados. Durante a campanha eleitoral ele se entrega de corpo e alma, se gaba que seu patrão é pé quente, não perde eleição.

Leocádio trabalha muito e farreia como pode na campanha, driblando a vigilância de sua esposa mandona, com a desculpa de trabalho para o chefe.

O que não deixa de ser verdade, pois o patrão é incansável nos acordos políticos, nas trocas de favores, incluindo noitadas com raparigas. Leocádio é o homem de contato com as mulheres. Administra as farras da equipe, sempre sobra alguma quenga para ele. Nosso amigo tem um cargo comissionado, só comparece à repartição para pegar o contracheque e racha o ordenado com outro assessor. O “Raposa” tem o dobro de assessores permitidos, usa o artifício da rachadinha: um recebe o pagamento e divide com outro. O trabalho de Leocádio é estar perto do chefe, ele é  pau para toda obra, gosta do trabalho, ama organizar as farras nas viagens.

Leocádio conhece todos os políticos, seja deputado, prefeito, ou senador, falam com ele na maior intimidade, assessor muito querido, respeitado, arquivo vivo, sabe histórias da nossa política de corar de vergonha esses caras de Brasília. É discreto, não ouve, não fala, não vê.

Durante a última campanha, depois de exaustiva caminhada em três municípios, a caravana do “Raposa” de seis carros desembarcou numa churrascaria. Juntaram algumas mesas enquanto serviam o churrasco. Ainda estavam servindo quando apareceu outra comitiva, de um famoso deputado, metido a cavalo do cão. Tomaram assento, juntaram-se. Na hora da cerveja o “Raposa Felpuda” comentou.

– Estou há mais de uma semana em campanha, é estafante e não peguei uma mulher nesses dias. Hoje estou a fim de uma rapariga.

Olhou para Leocádio e pediu sorrindo.

– Meu assessor predileto, você que conhece do assunto, arranje umas garotas bonitas, telefone e traga de Maceió um caminhão de quengas, para uma farrinha hoje à noite.

– Oxente! Vou pessoalmente cuidar desse assunto. Levantou-se, entrou no carro rumo à Maceió.

A moçada ficou às gargalhadas com as histórias do “Raposa”, são sempre engraçadas as histórias de políticos.

Leocádio partiu já ligando o celular e marcando. Em Maceió alugou dois táxi para acompanhá-lo, não parava no celular, trabalho eficiente catando o material solicitado, não podia falhar, afinal sua reputação estava em jogo.

A comitiva do “Raposa” estava numa caminhada à noite por uma cidade, quando chegou Leocádio e mais dois táxis cheios de raparigas. Oito mulheres desembarcaram sorrindo, encantando com suas belezas. Quengas bonitas de primeira qualidade.

– Pronto chefe, missão cumprida. Não deu para trazer um caminhão, mas trouxe oito raparigas da melhor qualidade. Meu celular trabalhou, consegui arrecadar essas belas mulheres.

Rumaram a uma bela casa na fazenda de um colega deputado na zona da mata. Foi o maior bacanal já realizado naquelas bandas. A mansão com um jardim gramado, árvores e uma piscina ao centro. Da varanda se avistava a piscina, era noite de lua, ambiente propício para brincar feito menino. As raparigas se escondiam no jardim, depois de gritar, AGÚ, os homens iam à caça, procurando, vasculhando os lugares, quando alguém achava uma escondida, tinha de tocá-la, condição para ganhar o prêmio, podia usar da quenga à vontade. Depois de brincar de esconde-esconde, mergulharam na piscina. A festa foi até o dia amanhecer. O sol raiou esplêndido na fazenda, a manhã iluminou os guerreiros do voto com suas presas deitados na grama do jardim.

Por esse e outros trabalhos, Leocádio continuará no cargo por muito tempo, sua eficiência e eficácia no assunto são inigualáveis, um arquivo vivo. Todo dia ele lê o jornal torcendo que a pandemia acabe pra que a campanha seja no corpo a corpo nas visitas às cidades e não apenas nas redes sociais como parece que será. De qualquer maneira o “Raposa” não perde eleição, sabe botar voto na urna.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 19 de setembro de 2020

GALEGUINHO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

GALEGUINHO

Ninguém sabe de onde veio. A mãe o abandonou no bairro do Jacintinho, ele não havia completado dez anos. Era um menino experto, bonito, olhos azuis, vivos. Ficou a vagar pela cidade, sua pele alva e cabelos louros compridos chamavam a atenção, devia ter vivido em lugar bem pobre para bandas do sertão, o sotaque revelava. Só lembrava que seu pai fugiu da seca e sua mãe largou-o na cidade. Não reclamava. Ser menino de rua parecia melhor que o sofrimento da seca, da falta d’água, de comida, da morte do gado e de gente. Na cidade tinham, pelo menos, as lixeiras com sobras de comida.

O menino enjeitado andou durante alguns dias pelas ruas de Maceió, dormindo embaixo de marquises, encontrou um bando de meninos abandonados. Foi uma alegria conhecer novos amigos, logo se tornou um líder entre os menores que perambulavam pelo centro da cidade, Praça Deodoro e arredores. Viviam de pouca esmola, do que achavam no lixo, e de alguns roubos fortuitos. Todos gostavam do Galeguinho, assim chamavam os amigos de rua, sem escola, sem casa, sem documentos.

Galeguinho assim que viu a praia e o mar pela primeira vez, ficou encantado, fascinado. Sentou-se na praia da Jatiúca e contemplou o mar azul esverdeado por muito tempo, até que se encorajou e entrou no mar, estranhou a água salgada, feliz, brincou com as ondas, as marolas. Quando dava fome, pedia comida aos banhistas sentados nas cadeiras tomando banho de sol com uma sombrinha ao lado. Sempre conseguia matar a fome, a Irmã do Acarajé do Meliá, lhe dava um reforçado acarajé. O Galeguinho tomou o bairro da Jatiúca como lar, dormia embaixo das barracas de praia. Amava o mar, encantou-se com os surfistas deslizando na onda. Certa vez, João, percebeu aquele garoto quase todos os dias olhando, admirando os surfistas, perguntou se já havia pegado surf numa onda, diante da negativa, João ofereceu sua prancha, ensinou o básico. O Galeguinho entrou no mar, na primeira onda equilibrou-se e veio à beira mar. A partir desse dia tornou-se amigo de João e um dos melhores surfistas do Posto Sete.

Foi crescendo como se fosse morador do bairro, fazia bico nos estacionamentos lavando carro, simpático flanelinha que nunca teve local certo de dormir.
Dagmar, dedicada assistente social estava realizando para Prefeitura, um levantamento de meninos de rua que dormiam na orla, quando conheceu o Galeguinho, teve simpatia pelo menino alegre, louro, cabelo escorrido até os ombros, vestes maltrapilhas. Dagmar fez uma entrevista, ficou abismada, ele sequer lembrava seu nome, depois de cinco anos esqueceu, só o chamavam de Galeguinho, não sabia a idade, era analfabeto.

Dagmar lhe fez uma proposta: limpar o quintal de sua casa, fazer outros serviços em troca de comida. Ele aceitou. Era uma casa num conjunto perto da Jatiúca. Ele trabalhou, limpou e arrumou o quintal durante todo o dia, almoçou e além do jantar, ganhou um bolo. Dagmar, solteirona, sentiu forte empatia, um afeto maternal pela criança. O Galeguinho recebeu o enorme bolo com alegria, dirigiu-se ao velho ponto de encontro e dividiu o bolo com os amigos, fizeram uma festa. A partir daquele dia, o menino cheira-cola, aparecia de vez em quando de manhã cedo na casa de Dagmar para algum serviço.

Dagmar havia completado 40 anos no dia que conheceu o Galeguinho, dizia para si mesma que foi um presente de Deus. Mulher sofrida teve o coração despedaçado, noiva durante 12 anos de um médico, na véspera do casamento, ele fugiu com uma aluna da Faculdade. Um trauma para Dagmar, ainda hoje mulher bonita, vistosa, nunca quis outro namorado. Desde sua decepção amorosa mora sozinha na casa que herdou dos pais.

Esse menino veio preencher sua carência afetiva, com pouco tempo ele ficou morando no quarto de empregados, almoçava com a única empregada, tornou-se secretário para compras e outros afazeres. Dagmar ficou apegada ao adolescente, durante a noite ensinava o alfabeto, a contar, até que o matriculou no Colégio Diocesano onde os Irmãos Maristas têm curso para os necessitados que não podem pagar colégio.

Galeguinho é alegre por natureza. Dagmar descobriu que seu sonho era ter uma prancha de surf. Assim que ganhou uma, o jovem saiu feliz da vida para surfar na praia do Posto Sete. De bom coração nunca abandonou os amigos de rua, quando vai ao surf, seus amigos pegam carona na prancha. Ainda leva comida para distribuir. O Galeguinho é alma boa.

Tornou-se um forte e belo rapaz, típico surfista. Estudioso, quer um dia fazer vestibular de Direito, ser advogado, o que torna mais feliz sua mentora, Dagmar.

Galeguinho deixou a dependência de empregada, agora dorme em seu próprio quarto. Mostra sempre sua gratidão, tem verdadeiro afeto e carinho por sua protetora que mudou sua vida, que lhe deu o que um jovem da classe média pode ter. Para Dagmar é como se fosse um filho, aliás, mais que um filho. Nas refeições divide com ele a mesa. Segundo línguas ferinas, invencionice dos que não tem o que fazer, durante a noite, divide também a gostosa cama forrada de colcha de linho e travesseiros de marcela. Dagmar anda na maior felicidade, tem apenas um problema: administrar o ciúme das paqueras que dão em cima do belo surfista Galeguinho.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 12 de setembro de 2020

RAPADURA, OURO NORDESTINO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

RAPADURA, OURO NORDESTINO

Na Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza aprendi a ser adulto aos 16 anos com a vida espartana de disciplina e ordem, cuja maior glória era conseguida na banca de estudo das salas de aulas. Entramos apenas 77 jovens vindos de toda parte do Brasil, era início do longínquo ano de 1956. Adaptação difícil para um menino de vida livre, leve e solta na praia da Avenida. O maior enfrentamento foi o ensino rígido, com matérias básicas como: português, aritmética, álgebra, geometria, trigonometria, inglês e outras matérias curriculares, além da instrução militar e educação física.

 

Tinha de estudar muito, só passava quem soubesse. Não havia cola (o professor entregava a prova, saía da sala, só retornava para recolher na hora determinada, ninguém colava, era parte do nosso Código de Honra, não escrito). O dia do cadete estudante iniciava às seis horas da manhã com o toque da alvorada, imediatamente todos faziam a higiene pessoal, arrumavam as camas, limpavam banheiros e privadas. Vestiam a farda, ficavam prontos para mais um dia de estudo e instruções que só terminava com o toque de silêncio pelo corneteiro às 22 horas.

Havia momentos de lazer, principalmente nos fins de semana. Sem pai, nem mãe, nem irmãos, os colegas tornaram-se nossa nova família. Uma amizade fortalecida entre os irmãos de armas que conviveram juntos por seis anos, incluindo a Academia Militar das Agulhas Negras, conseguimos o objetivo maior: ser oficial do Exército Brasileiro. Essa irmandade entre cadetes da mesma turma é indissolúvel e respeitosa. Alguns colegas deixaram a carreira pelo meio, fui um deles, deixei a carreira militar como capitão. Porém, a maioria continuou com muito esforço e estudo cursando a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, Estado Maior, Escola Superior de Guerra, entre inúmeros cursos. Difícil é chegar a general, dos 77 colegas de 1956 apenas dois galgaram ao posto de general.

Quando termina o curso da Academia Militar das Agulhas Negras os novos oficiais são distribuídos para servir nos mais diversos e longínquo locais do Brasil: Cucuí na Amazônia , Cruz Alta, Cuiabá, e outras cidades melhores e piores, dependendo da classificação. Eu fui servir no 19º BC em Salvador.

O tempo passou, os colegas dispersaram, até que em 1994 o General Rômulo Bini, comandante da guarnição de Natal resolveu organizar um encontro de nossa turma. A partir daquele ano, essas reuniões tornaram-se constantes trazendo alegria e muitas recordações, brincadeiras, passamos a ser cadetes novamente. Este ano haveria uma reunião em Maceió dos OITENTÕES, a maioria daqueles meninos de 1956 completa 80 anos em 2020, mas a pandemia não deixou, ficou adiada para 2021.

Foi numa dessas reuniões que Rocha, aluno 108, laureado primeiro de turma, Porta-Bandeira da Escola Preparatória, contou-me a história da bomba. Confirmada pelo coronel Wanderley, o maior goleiro que passou pela Academia Militar.

Wanderley, paulista de Lorena, foi um dos colegas da Escola de Fortaleza. No tempo de Ceará ele apaixonou-se pela comida nordestina: carne de sol, peixe frito, frutas regionais, mangaba, pinha, e principalmente a rapadura.

No final dos anos 60, eram capitães. Rocha de Engenharia servia na Fabrica de Material Bélico em Piquete e Wanderley de Infantaria, servia no 5º RI de Lorena, cidades próximas. O fato se deu na época de repressão e terrorismo em alta escala, principalmente em São Paulo, onde aconteceram vários ataques terroristas a quartéis do Exército e o caso da fuga do Capitão Lamarca, nosso contemporâneo na AMAN.

Rocha depois de uma viagem de férias ao Jati no Ceará, onde mora, trouxe, como sempre, deliciosas rapaduras para o amigo Wanderley.

Era um dia de quarta-feira à tarde, não havia expediente no 5º RI. Rocha, apressado, parou o carro em frente ao quartel, chamou um soldado e entregou-lhe o pacote de rapaduras embrulhadas em palha de milho, envolta em papel de jornal, pediu para entregar ao Capitão Wanderley. Deu partida no carro rumo a Piquete.

Nesse momento o tenente, oficial de dia observava o movimento pela janela, percebeu quando o soldado recebeu o pacote. O tenente saiu da sala correndo, ordenou ao soldado colocar o embrulho no chão do pátio, mandou tocar alarme geral e gritava: Cuidado é uma bomba !

Soldados que estavam dentro do quartel, tomaram posições estratégicas, atrás de colunas e paredes, vigiando, ao longe, a ”bomba”, imóvel, soberba no meio do pátio.

O quarteirão foi interditado, o transito desviado, ninguém podia se aproximar do quartel. Logo a mídia tomou conhecimento, encheu os prédios vizinhos de câmara de televisão de onde filmavam a bomba no meio do pátio, esperando especialista de São Paulo para desativá-la.

Naquela tarde, o Capitão Wanderley vinha de uma pescaria e notou um movimento estranho, se dirigiu ao quartel. Os soldados contaram o que estava ocorrendo ao capitão. Wanderley entrou no quartel, ao olhar o pacote da bomba, reconheceu os abençoados pacotes que o Capitão Rocha lhe trazia. Contou sua versão sobre a rapadura ao tenente, que nessa altura não admitia outra hipótese, era uma bomba.

Os soldados abrigados por trás das colunas ficaram apavorados com a aproximação do capitão em direção ao pacote. Wanderley nem ligou os gritos de atenção, só pensava na deliciosa rapadura. A expectativa e o silêncio tomaram conta dentro e fora do quartel nos edifícios. Wanderley chegou junto, acocorou-se segurando o pacote, foi abrindo pelos lados, tirou as palhas de bananeiras até aparecer algumas barras douradas de rapadura, o ouro nordestino. Com os dedos quebrou um pedaço, levou-o a boca, saiu mastigando, andando devagar, com o pacote no sovaco, deixando a plateia pasmada e a imprensa frustrada.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 05 de setembro de 2020

AULAS PARTICULARES

 

AULAS PARTICULARES

Professor de talento e vocação como Tobias é raro. Dedica sua vida ao magistério, ensina em colégios e faculdades. Um dos professores mais antigos da Universidade. Ainda não se aposentou por amar a nobre profissão, seus cabelos grisalhos dão-lhe respeitabilidade, como ele gosta.

Austero, não admite falta ou atraso de alunos, em sua matéria só passa quem souber, no seu entender o professor tem a responsabilidade de mostrar a importância da disciplina durante a vida profissional. Tobias jamais aceitou as prevaricações descaradas de certos professores em aventuras com alunas, como é o costume de alguns colegas.

Acontece que o demônio aparece sem deixar perceber. Muitas vezes o capeta surge travestido em uma mulher bonita, ele é treloso e sabe das fraquezas humanas. O satanás incorporou-se em Dalila, aluna bonita, cabelos pretos, longos, olhos grandes, amendoados, sobrancelhas cerradas, pele macia, uma perdição. Ela parece não ser desse mundo, é galáctica, como dizem os homens de olho nela.

Há algum tempo Tobias notou estranho o comportamento de Dalila, usando vestidos sensuais em demasia, passou a tirar dúvidas das aulas com o professor no final da aula. Tobias se prontificava, entretanto, sentia-se incomodado com a proximidade e o perfume da aluna. Ele ficava com o sangue fervilhando quando a aluna se achegava mais perto vestindo saia curta, exibindo as belas pernas com uma borboleta tatuada na batata esquerda. Aquela tatuagem deixava Tobias emocionado. A diabinha sentiu a fraqueza do professor, durante as aulas sentava-se na primeira fila, abria as pernas com classe e sensualidade. Ela mostrava a calcinha exclusivamente para ele.

Dalila perturbou o professor durão, ela não saía de sua cabeça, em casa pensava nas pernas abertas e a calcinha branca. E a tatuagem? À noite sonhava com um enxame de borboletas voando ao seu redor

Certa tarde, após a aula, a jovem pediu para tirar uma dúvida. Ele explicou, tirou a dúvida da moça. Aproveitou que estavam sozinhos e falou que havia um assunto importante. Foi direto ao assunto.

– “Dalila, você sempre foi uma moça comportada, discreta; de um tempo para cá tenho notado mudança em seu comportamento, principalmente seus vestidos curtos, suas calças justas, não sou contra, sou um liberal na política e no viver, não me intrometo com a vida dos outros, acontece que sua nova maneira de proceder me tira a atenção. Quero lhe pedir dois favores: que se vista mais composta e assista as minhas aulas nas últimas bancas. Faça-me esse favor!”

Tobias falou rápido esperando alguma resposta da aluna, contudo, ficou sem ação ao ver Dalila levantar-se, caminhar até a porta da sala de aula, trancá-la à chave, retornar sorrindo, ato contínuo abriu o zíper ao lado da saia, deixando-a cair. Tobias não resistiu quando a moça o abraçou, deitaram-se por trás do birô. Amaram-se como dois animais, ali na sagrada sala de aulas.

Ao terminar ele sentiu-se culpado, vexado. A aluna cochichou em seu ouvido: “Quero mais amanhã, sei que você não trabalha nas quartas-feiras, lhe espero na Avenida da Paz, em frente ao coreto às três horas. OK?”.

Ele emudeceu olhando Dalila se afastar, abrir a porta, e desaparecer. O comportado professor passou o resto do dia e a noite pensando naquele pecado. Quando o diabo atenta, difícil se controlar. Na tarde seguinte, em frente ao coreto, estava Dalila mais bela que nunca. Levou-a ao motel, ficou louco com a aluna na cama.

Passaram a se amar quando podiam durante a semana. Aos sábados e domingos descanso, ele casado, ela ajudava ao pai no restaurante. Até que certa manhã, depois de três meses e meio de amor ardente e bom consumo de viagra, Tobias ficou surpreso quando sua Deusa, a diaba, entrou na sala de aula com roupa composta, mal cumprimentou o professor. Assim continuou pelo resto da semana.

Em um momento propício, Tobias tomou coragem, pediu um particular. Perguntou o motivo daquela mudança, daquele distanciamento, ele estava louco de paixão, querendo amor. Dalila respondeu com tranquilidade, sem algum remorso.

-“Não me leve a mal, eu desejava experimentar um amor maduro. Posso dizer que gostei de tudo, Tobias. Acontece que vou me casar em fevereiro, precisava dessa experiência. Meu futuro marido é mais jovem, bonito, rico. É um primo tem uma enorme fazenda em Monteiro, lá na Paraíba. Só conversa sobre boi e cavalo. É extremamente conservador, diz que fazer sexo anal e oral com a esposa é falta de respeito. Foi quando eu tive a ideia de antes de casar fazer uma experiência, uma aventura descompromissada com alguém que entendesse do assunto. Escolhi bem, agradeço suas experientes carícias. Seus dedos, suas mãos, seus lábios, marcaram todo meu corpo, momentos deliciosos e inesquecíveis, entretanto, pretendo ser fiel a meu marido, não vou repetir. Obrigada por tudo, professor, o senhor foi maravilhoso”

No dia da formatura Tobias recebeu um formal aperto de mão e um piscar de olho maroto de Dalila, como agradecesse as aulas particulares do professor.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 29 de agosto de 2020

ÀS OITO DA MANHÃ (CONTO ERÓTICO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ÀS OITO DA MANHÃ

George foi convidado para trabalhar como Chefe de Gabinete de amigo eleito deputado federal em 1950. Viajou de malas e bagagens com esposa e as filhas, Karina 16 anos e Karla 14. Ele alugou um apartamento em Copacabana perto da residência do deputado. A família ficou encantada com o Rio de Janeiro, a capital do Brasil. As filhas logo ganharam amigas e amigos, gente bonita de Copacabana, o bairro de melhor qualidade de vida do país. O deputado foi reeleito mais três vezes. George e família se acostumaram na Cidade Maravilhosa. A esposa e as filhas, ao completarem 18 anos, ganharam emprego efetivo na Câmara de Deputados, com direito a frequentar faculdade e a vida social intensa, principalmente a noturna. Em plena época da bossa nova e no cinema novo, o Rio era a capital cultural do país. Poetas, artistas, escritores, atores, sonhavam morar no Rio, mostrar e viver de sua arte. As filhas de George e as do deputado frequentavam altas rodas.

Certa vez, um diplomata apaixonou-se por Karina na Boate Vogue, um templo da boemia do Rio que se incendiou, uma tragédia para a vida noturna da cidade. Pouco tempo depois, Vicente, o diplomata, casou-se com Karina, foram trabalhar em Roma. Karina morou dois anos na cidade eterna, vivia viajando com as amigas, conhecendo cidades da Europa. Até que num retorno de viagem encontrou seu lindo diplomata com um pareia em sua cama. Foi um trauma. Vicente tentou convencê-la que o relacionamento era só sexo, ele era bissexual, muitos casais modernos aceitavam aquela maneira de viver. Mas a alagoana não aceitou, deu-lhe maior desprezo e retornou ao Rio onde reassumiu seu bom emprego, comprou um apartamento em Ipanema e continuou fazendo o que mais gostava: a boemia; adorava as noitadas cariocas.

Karina estava há três anos sem ver sua terra, deu-lhe saudades. Nas férias de verão tomou um avião, pousou em Maceió e hospedou-se na casa do Tio Aderbal, construída em frente à praia de Ponta Verde. Fizeram uma festa em sua chegada. Karina encantou-se com a nova urbanização da cidade e com o jovem primo Aderbalzinho, bonito aos 17 anos, corpo de atleta, jogava voleibol no CRB. A prima tomou-o como acompanhante nos passeios na Lagoa Mundaú, Bica da Pedra, Catolé, nas praias, sempre havia uma programação. Aonde Karina chegava os homens ficavam fascinados pela carioca, moderna, usando biquíni, Ela fustigava fantasias na mente masculina. Altamente paquerada, recebeu muitas cantadas. Entretanto, o melhor programa era o mergulho na praia de Ponta Verde, água morna, um azul-esverdeado. Ao chegar à praia estendia a toalha, abria a sombrinha, deitava-se queimando a pele. Aderbalzinho jogava futebol com os amigos encantados com aquela figura feminina, depois se deliciavam homenageando o Deus Onã.

Na casa do Tio Aderbal havia sempre hóspedes no mês de janeiro, os quartos eram improvisados, Dona Milu tinha maior prazer em receber os parentes na casa nova da Ponta Verde. A hora do jantar era uma festa. Karina sempre ao lado dos primos se divertindo.

Certa noite Aderbalzinho acordou-se com vontade de fazer xixi, de pijama foi ao banheiro, atravessou o primeiro quarto onde jovens dormiam em colchões, ao atravessar o segundo quarto, tomou um susto, Karina deitada de bruços, apenas de calcinha preta. Ele diminuiu os passos apreciando a maravilha, foi ao banheiro, retornou mais devagar, deu vontade de cair sobre o corpo perfeito, iluminado pela fresta da janela. Foi difícil dormir.

Pela manhã, na hora do café, Karina cochichou no ouvido de Aderbalzinho: ela tinha visto o primo à noite, quando passou para o banheiro lhe olhando, lhe tarando. Ele ficou vermelho com a história. Naquele momento Karina convidou-o para um mergulho, adorava o mar logo cedo, a água morna. Desceram os dois à praia, correram e mergulharam, brincaram de jogar água um no outro. Karina se aproximou do primo, abraçou-o, passou a mão por baixo, ele já estava excitado. Ato contínuo, ela tirou o biquíni, colocou no ombro. Fizeram amor dentro d’água tendo apenas como testemunhas alguns peixinhos nadando entre o casal. Raras pessoas andavam pela praia àquela hora. No dia seguinte repetiram, Aderbalzinho levou uma boia para facilitar. Até o final das férias, Karina e o priminho não perderam uma manhã de amor nas águas tranquilas da praia de Ponta Verde.

Muitos anos se passaram. Hoje Aderbalzinho, oitentão, mora num edifício construído onde foi sua casa. Ele não se lembra do nome de sua primeira namorada, nem do primeiro beijo. Entretanto, nunca esqueceu os banhos de mar alucinantes com a priminha às oito da manhã.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 22 de agosto de 2020

AS ESPANHOLAS DO ÚLTIMO VERÃO

 

AS ESPANHOLAS DO ÚLTIMO VERÃO

Pietra e Letícia moram na bela cidade de Segóvia na Espanha, onde o inverno é rigorosíssimo, neva durante três meses. Amigas desde a infância, elas alimentavam o sonho de passar férias onde tivesse mar e sol tropical. Agora, quarentonas e divorciadas resolveram realizar o sonho, viajar ao Brasil. Pesquisaram sobre o país, a alegria de viver, noites tropicais e homens cativantes.

500

Compraram passagem de avião de Madri ao Rio de Janeiro, onde passaram três dias em excursões conhecendo os principais pontos turísticos da Cidade Maravilhosa. No quarto dia embarcaram num cruzeiro marítimo para o Nordeste Brasileiro, cheio de belas praias, no luxuoso transatlântico G Mistral. Desembarcaram na primeira cidade, Salvador, onde o guia levou-as ao candomblé, negros e mulatos dançando, o encantamento da religiosidade dentro de um pacote de turismo, entretanto, nada aconteceu em termos paqueras, até que tentaram. Ao sair de Salvador o navio fez escala em Maceió. Após o café da manhã as espanholas assistiram do tombadilho o atraque do navio, ficaram fascinadas com o azul do céu nunca visto, nem em sonho.

A luminosa manhã alegrou seus corações. Apreciaram, ao longe, o casario da orla da cidade. Ao desembarcarem no cais, uma Banda de Pífano, mulheres rendeiras e um grupo folclórico de Guerreiros fizeram a recepção. Quando tocou o frevo Vassourinhas, elas se assanharam num carnaval improvisado com outros turistas. Resolveram caminhar pelos arredores procurando praias, até que descortinou, Pajuçara, cenário jamais visto pelas espanholas, o mar azul turquesa com matizes verdes, uma linha de coqueiros verdes viçosos, pareciam sentinelas. Desceram à praia, areia alva, andaram descalças à beira-mar, a marola fazia carinho. De repente foram abordadas por um jovem moreno, alto, com foto na mão, oferecendo passeio de jangada às piscinas naturais bem perto, mar adentro. Acertaram o preço. Zé Hilton, o jangadeiro, gentilmente ajudou-as na subida da jangada. As duas estavam felizes com aquele momento inusitado. De biquíni, sentada à beira da jangada, Pietra colocou a mão dentro d’água e sentiu o massagear da correnteza da água. Letícia, do outro lado, encantava-se com o corpo seminu do jangadeiro. Zé Hilton, moreno, alto, bermuda rota ao joelho, sem camisa, dava rumo à vela. Tinha os músculos bem talhados do tempo que era pescador com seu pai. Agora ganhava mais com turista, de onde tirava seu sustento.

Ele navegou cerca de 300 metros, jogou a âncora, maré seca, a água batia abaixo do peito. Zé Hilton ajudou às espanholas a descerem da jangada. Na vez de Letícia houve um movimento da maré, seus corpos se juntaram. Deu um frio na espinha da espanhola. Mergulhando na piscina natural, ela ainda sentia a virilidade daquele moreno, deu-lhe um arrepio no corpo. As duas turistas conversavam, elas aproximaram da jangada, com um espanhol arrastado, conseguiriam se entender. Queriam ficar mais afastadas dos turistas. Zé Hilton em 10 minutos de velejo ancorou a jangada em um local distanciado, como se fosse um pedaço de paraíso particular. As espanholas surpreenderam, tiraram o biquíni, ficaram nuas, mergulharam. O jangadeiro estava fascinado com a beleza das gringas, também mergulhou. Elas se aproximaram do jangadeiro, Letícia puxou-o com as mãos e beijou-lhe na boca. O resto da tarde foi dedicada ao amor à três, tendo apenas o Sol, o Céu, o Sal como testemunha.

Eram dezesseis horas quando a jangada retornou à praia. As espanholas pagaram o preço acertado, incluindo tira-gosto e bebidinhas. O navio partiria para o Recife às vinte e uma horas. Depois do jantar, sentadas no convés conversando sobre a maravilhosa aventura nas águas salgadas e cristalinas entre as pedras, Letícia teve a ideia, e imediatamente correram ao camarote, arrumaram as malas, avisaram ao comandante, assinaram um termo de responsabilidade desistindo do resto da viagem, desembarcaram à noite, hospedaram-se numa pousada, onde ficaram mais 17 dias, só retornaram à Segóvia quando o surto de Pandemia chegou à Maceió. Zé Hilton está sem trabalho, mas não consegue esquecer as espanholas do último verão.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 15 de agosto de 2020

RÁS GONGUILA

 

RÁS GONGUILA

No século passado, um negrão forte, alto, tornou-se uma figura importante e inesquecível, mas, não tem seu nome registrado na história oficial. Rás Gonguila era seu nome. Ele dizia ser príncipe africano, descendentes de Reis e Rainhas da Etiópia, seus antepassados foram trazidos escravos para o Brasil. Gonguila tinha maior orgulho de seus ancestrais, fazia questão de seu título nobiliárquico africano, Rás, príncipe etíope.

O Negão era bom engraxate e tinha um ponto na Rua do Comércio. Era cheio de cliente: funcionários, poetas, amigos; ficavam esperando sua vez, conversando potocas. A cadeira de graxa do Negão tornou-se ponto de encontro.

Gonguila tinha alma alegre, divertido, carnavalesco, criou e comandou o “Bloco Cavaleiros dos Montes”. Todo ano desfilava a frente do bloco arrastando multidão com uma orquestra tocando frevos e marchas vibrantes. A moçada caía no passo. Naquela época um bloco de carnaval nivelava a sociedade, pulavam e dançavam juntos: pedreiros, engenheiros, médicas, enfermeiras, desempregados, filhinhos de papai, puta, soldados, todo tipo de gente.

O Negão morava na Ponta Grossa, líder nato, respeitado. Na época não havia associação de moradores, nem interesse escuso por parte desses homens abnegados, eles queriam apenas a sobrevivência de sua comunidade.

Uma eleição, Theobaldo Barbosa, assessor de Arnon de Mello, falou com o chefe, candidato a governador, que havia feito contato com um cabo eleitoral, a maior liderança do bairro da Ponta Grossa e Vergel do Lago. Arnon pediu para visitá-lo. O encontro foi marcado para 20 h. de uma sexta-feira num galpão. Na noite marcada lotou de gente. Havia mais de 600 pessoas.

Arnon, Theobaldo, Zé Barbosa, desceram do carro ao lado do mal iluminado galpão, onde a turma estava esperando. Arnon admirou a estatura avantajada do líder, vestido de branco, negro de lábios grossos e nariz chato, Na hora Arnon esqueceu seu nome e perguntou em voz baixa para Theobaldo, o nome do Negão. Gonguila aproximava-se dos políticos, Theobaldo cochichou no ouvido de Arnon: o nome é Gonguila!

O Negão estendeu a mão a Arnon, dando “Boa Noite”. Arnon ofereceu sua mão respondendo: “Boa Noite, Seu GORILA”. Ao ouvir o nome GORILA, Gonguila ficou puto da vida, retrucou quase gritando: “ARNON, GORILA É O CARALHO! MEU NOME É GONGUILA, RÁS GONGUILA!” Apesar das caras amarradas, alguém soltou uma salvadora gargalhada, que quebrou o gelo. Arnon desculpou-se várias vezes, deu um abraço no Negão, conversou com os catadores de sururu, e catou os votos. Teve excelente votação no Vergel e Ponta Grossa, redutos do seu inimigo, o governador Silvestre Péricles, de quem ganhou a eleição.

Candidatos a vereador, prefeito, deputado, até presidente, disputavam o apoio do líder. Na campanha de presidente houve um comício na Ponta Grossa pró Getúlio Vargas perto do cine Lux. O comício foi organizado em cima de um caminhão, o som era um enorme microfone. Vários oradores, brilhantes políticos compareceram para discursar. Alguns candidatos a deputado buscavam os votos daquele populoso bairro. Em certo momento anunciaram o líder comunitário da Ponta Grossa, Rás Gonguila, entregaram o microfone ao Negão. Ele não se fez de rogado, arrochou a voz:

– “Amigos da Ponta Grossa, O Doutor Getúlio sempre foi um homem que trabalhou para o povo e para os trabalhadores do Brasil. Getúlio é o maior brasileiro vivo, e merece nosso voto…”

Um cachaceiro, colega de copo de Gonguila, assistia o comício embaixo do caminhão. Impressionado com tantos elogios ao Dr. Getúlio, do chão, ele gritou debochado, com voz de bêbado:

– Dá o cu a ele, Gonguila!!!!!!

Gonguila parou sua fala, olhou para baixo, apontou para o amigo e gritou no microfone:

– Como o seu, e o dele!!!!

O animador puxou o microfone de Gonguila, continuou o comício:

– Depois das brilhantes palavras de nosso Rás Gonguila, vamos ouvir agora o deputado Ari Pitombo!

Assim era o Negão: não tinha papa na língua, nem se intimidava com figurões. Apesar de analfabeto, preto, pobre, impunha respeito por sua liderança, honestidade, e amor à cidade, era organizador de festas populares. Os nomes dos figurões daquela época estão nas placas de ruas, colégios, praças. O nome de Gonguila ficou apenas na lembrança e nos corações dos seus amigos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 08 de agosto de 2020

ANJAS (CONTO ERÓTICO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ANJAS

Durante o coma teve sonhos constantes, repetidos, que ficaram gravados no inconsciente: eram dois enormes pássaros brancos revoando em círculo por sobre ele, em certo momento se transformavam em duas mulheres aladas, seminuas, com véus soltos envolvendo um corpo sensual. Voavam e se encostavam ao doente provocando agradável excitação. As visitas percebiam os efeitos desse sonho erótico sob o lençol do comatoso.

Dioclécio teve alta com rigorosa dieta, menos trabalho e evitar preocupação. Ele não abriu mão de visitar sua fazenda predileta em Penedo, à margem do Velho Chico. Era o prazer de sua vida.

Mês passado ele foi a Penedo dirigindo sozinho seu belo carro. Ao passar pela ponte por cima das águas verdes e cristalinas da Lagoa Mundaú, percebeu que duas jovens, uma morena, outra alourada, vestidas com shorts jeans, mochilas nas costas, pediam carona.

Ficou admirado com ele próprio quando freou o carro. As moças foram se chegando e perguntaram para onde ele ia e se podia dar carona.

– “Para Penedo, e vocês? Por acaso são assaltantes?”

As meninas entrando no carro sorriram:

– “E o senhor, por acaso é estuprador? Estamos também indo para Penedo!”

Dioclécio teve uma empatia instantânea com as jovens. Sorria e divertia-se com as conversas.

Na estrada de repente, um susto: um caminhão desgovernado vindo em sentido contrário passou rente ao carro, depois de atravessar o acostamento capotou em uma barreira. Ele parou o carro, respirou fundo, pelo susto, quase que o caminhão bate na frente. Foi socorrer o motorista. Não precisou, ele saiu da cabine, ileso, com um forte cheiro de cachaça. O cara estava bêbado.

Dioclécio prosseguiu a viajem, de repente encarou as jovens pelo espelho retrovisor. Elas comentaram, se ele não tivesse parado naquele momento da carona o carro teria sido esmagado pelo caminhão. As jovens salvaram Dioclécio de um grave acidente que iria acontecer.

Walquíria e Gabriela eram divertidas cantavam e contavam histórias. Na praia do Miaí, Deoclécio tirou o carro do asfalto, entrou na extensa praia de areia dura que serviu de estrada até a entrada para Penedo.

-“É a estrada mais bonita do mundo”, dizia. “De num lado um exuberante verde coqueiral e do outro o mar azul-esverdeado.” Nesse dia o céu estava limpo, azul. Parou para tirar fotos em um navio afundado à beira-mar. Elas pediram a um jangadeiro para fotografá-los imitando os personagens do filme Titanic. Dioclécio em pé na proa entre as duas jovens como recheio de um sanduíche, os três de braços abertos encostavam-se. Ele ficou excitado e veio-lhe a imagem do seu sonho no coma: os pássaros brancos.

Hospedaram-se no Hotel S. Francisco. Marcaram encontro à noite, foram jantar na Rocheira. Comeram jacaré, tomaram cerveja e uma boa cachacinha apreciando a bucólica paisagem noturna do Velho Chico refletindo as luzes da barroca, bela e velha Penedo.

No final da noitada retornaram hotel, andando e cantando pelas ruas estreitas da cidade. Ao chegar, dormiram no mesmo apartamento, fizeram amor, se amaram, amor a três, “ménage a trois”. Nos mais intensos momentos de prazer afloravam-lhe as imagens do sonho: duas mulheres aladas e nuas. Dormiu feliz entre as jovens e sonhou com os pássaros alados.

Ao acordar, as moças não estavam na cama. Na portaria lhe informaram que elas seguiram sem destino. Deixaram um bilhete: “Querido, cuide-se, ame a vida que é o maior bem de um ser humano. Beijos Walkíria e Gabriela.”

Dioclécio era um descrente das coisas do além. Hoje é convicto que aquelas jovens, eram anjos, walquírias nômades, andarilhas. Não foi por acaso que a carona aos anjos evitou sua morte embaixo do caminhão desgovernado.

Hoje Dioclécio olha o mundo com outra escala de valores. Deixou de ser unha de fome, ajuda aos menos favorecidos. Tornou-se um ser humano generoso.

Recentemente recebeu, via correio, um envelope pardo sem nome do remetente, selo carimbado de Campina Grande. Continha uma fotografia tirada no navio.

Dioclécio de braços abertos, sozinho, as duas jovens não aparecem na foto. Deu-lhe um arrepio no corpo, emocionou-se e chorou.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 01 de agosto de 2020

O DEDO DURO

 

 

O DEDO DURO

Bar do Chope, no fundo a Igreja do Livramento

O fato se deu no auge do regime militar quando acontecia a Guerra do Araguaia no campo e a Guerra Urbana na cidade. Alguns radicais resolveram pegar em armas para derrubar a ditadura militar e implantar a ditadura do proletariado. O Brasil vivia um clima de receio do chamado “dedo duro”, apelido dado a quem delatava os supostos inimigos do regime.

Nessa época apareceu no Bar do Chope, ponto boêmio de Maceió, Eleutério Villa Velha. Ninguém sabia sua procedência e nem certeza que era coronel. No início da tarde, ele chegava puxando de uma perna, com um jornal embaixo do braço, cumprimentava os frequentadores do bar, tomava uma cadeira, abria um jornal e danava-se a ler. Impressionava por ser jornal de grande circulação no sul: O Globo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil.

Com o tempo, Eleutério conseguiu plantar informações que o deixou muito respeitado entre os desocupados e boêmios. Certa vez conversando com um bêbado, ele insinuou ser informante do S.N.I. e das Forças Armadas. Isso era nitroglicerina pura, como diria depois de alguns anos um nosso Presidente.

Histórias misteriosas sobre o coronel cada vez mais circulavam entre os amigos de bar. Uns diziam que o coronel Vila Velha mancava por consequência da explosão de uma granada. Outros tinham certeza que ele era coronel da Aeronáutica, e mancava devido à queda de um avião. Todas as histórias convergiam em ele ser informante, gente importante naqueles tempos, também chamado de “dedo duro”. Os boêmios desavisados deviam tomar cuidado e não conversar sobre política. Meter o pau no presidente Médici, nem pensar. Seria cadeia certa.

Eleutério alimentava o mistério, ele adorava fazer aquele papel, às vezes exagerava nas histórias. Já fazia parte da roda de desocupados. Quando o coronel chegava, os companheiros perguntavam pelas novidades. Eleutério, sério, colocava o jornal sobre mesa, entrelaçava os dedos das mãos e iniciava suas invencionices em tom confidencial.

– Ontem jantei com o Paes (coronel comandante do 20º BC – quartel do Exército), infelizmente não posso revelar detalhes, mas digo uma coisa, meus amigos, aqui para nós, favor não vão dizer que fui eu que informei, confio em vocês. Lá pelo Amazonas para as bandas do Rio Araguaia está havendo maior guerra. Os guerrilheiros comunistas treinados em Cuba, China e Moscou, estão lutando contra soldados do Exército. A coisa está preta, muitos mortos e feridos dos dois lados. Nenhuma notícia pode sair nos jornais.

Os colegas de copo e mesa ficavam admirados, de fato, esse tipo de notícia não era publicada; o que dava maior credibilidade ao Coronel Vila Velha. Era coronel para cá, coronel para lá.

Na verdade Eleutério tinha uma boa fonte de informação. Seu sobrinho, sargento da S/2 secção de informações do 20º BC, passava-lhe algumas notícias por alto, o tio insistia. Depois ele desenvolvia com fanfarronice no Bar do Chope.

Certa tarde ele estava lendo O Globo da semana anterior, enquanto 10 ou 12 jovens bebiam e conversavam perto de sua mesa. Ele ficou escutando a conversa, maior atenção. Logo depois Eleutério se juntou aos amigos e começou sua história. Os bêbados ficavam emocionados.

– Estão vendo aqueles jovens sentados à mesa, tomando chope, são todos comunistas. O magro é o Bomfim, o galego é o Ronaldo Lessa, o outro é o Jurandir Bóia, ainda tem o Ênio, o Aldo Rebelo, o Roland Benamor, o Geraldo Majella, o Iremar Marinho. Estão tramando subversão. Serão presos nos próximos dias.

Os desocupados de plantão ficavam na maior excitação. Ele sabe de tudo! Que cara bem informado. Admiravam e se orgulhavam da amizade do coronel.

Até que num fim de tarde quando a “galera” puxava um chope, ouviu-se um tiro, dois tiros, vários tiros. Houve uma correria frenética na Rua do Livramento, gente se abaixando, outros se deitando. Foi Ivanildo Omena, irmão do famoso Cabo Henrique que havia assassinado, descarregado o revólver no seu inimigo Paulo Calheiros no meio da multidão em frente ao Bar do Chope.

Quando serenou um pouco, os bêbados gritaram: “Coronel prenda o assassino. Coronel prenda o assassino, ele ainda está lá de revolver na mão,” O coronel, de repente, despareceu. Encontraram Eleutério encolhido embaixo de uma mesa por trás de uma mureta. O colega de copo exigiu sua interferência naquele brutal assassinato, ele respondeu, gaguejando, tremendo, ainda acocorado.

“Não… não sou co..coronel não, nem informante, nem dedo duro, sou funcionário aposentado!”

Ao correr para o banheiro Eleutério não pode esconder: estava com a calça suja. Cagou-se de tanto medo. Depois desse acontecimento nunca mais, “coronel Vila Velha”, o dedo duro, apareceu no Bar do Chope, nem no Centro da cidade.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 26 de julho de 2020

A VINGANÇA DA VIÚVA

 

 

A VINGANÇA DA VIÚVA

Malaquias estava sentado trabalhando, conferindo os carimbos de certidões, de repente sentiu-se mal, suando frio, gritou para seus colegas:

– Socorro! Estou com dor no peito. Estou com…

Não terminou a frase, sua cabeça pendeu, caiu de bruços em cima do birô. Deitaram Malaquias no chão, afrouxaram a roupa, uma jovem fezrespiração boca-a-boca. Quando a ambulância chegou, já estava morto.

Malaquias era um homem sério, austero, decente, funcionário exemplar da Rede Ferroviária. Tinha 48 anos, 26 dedicados ao serviço, nunca faltou um dia à repartição. Um homem formal, não bebia, nunca fumou. Tinha um físico magro de dar inveja aos amantes da malhação. Mas seu coração era fraco devido a uma picada do besouro barbeiro da época de sua bela e divertida infância na amada cidade de União dos Palmares.

Todos esses predicados enchiam de orgulho à esposa. Lúcia de Fátima afirmava convicta: -“Homem sério e decente é Malaquias, por ele ponho a mão no fogo”. Os amigos concordavam. Apenas algumas amigas mais íntimas, diziam para si mesma que Fátima poderia queimar as mãos. Malaquias tinha apenas um problema com a família: gostava de pescaria. Em fim de semana, muitas vezes, viajava com amigos para pescar no litoral das Alagoas.

O campo santo Parque das Flores estava cheio de amigos e curiosos. O defunto era popular, foi candidato a vereador por cinco vezes seguidas. Em uma eleição chegou a ter 456 votos. Ele se orgulhava quando deputados pediam seu apoio em época de eleição.

Lúcia de Fátima estava arrasada, muita comoção no cemitério. Os amigos abraçavam, consolavam. Por conta do estado emotivo, ela não percebeu que uma senhora desconhecida chorava além do normal. Muitos notaram quando uma mocinha de seus treze anos aproximou-se do caixão depositou uma rosa, teve acesso de choro e chamou Malaquias de pai. Essa senhora tirou a jovem discretamente.

Ao terminar a missa de sétimo dia, a viúva foi procurada Pela senhora, morena, bonita, cabelos escorridos, olhos irritados vermelhos.

– Dona Fátima, eu me chamo Berenice, preciso falar com a senhora, assunto de seu interesse, aliás, de nosso interesse.

A viúva, que estava abraçada à sua única filha, Rosilene, de treze anos, convidou-a para tomar café em sua casa com os amigos. Os parentes mais próximos tomaram o lauto café da manhã, lembrando Malaquias que deveria estar no céu àquela hora.

Depois que todos saíram, Fátima chamou a senhora para conversar na varanda. Berenice entrou no assunto, direta, sem preparar a viúva:

– Dona Fátima a senhora precisa saber agora, não se pode adiar. Eu e Malaquias há muito tempo temos uma relação amorosa. Tenho duas filhas com ele. A mais velha, Rosali, é essa que está na sala conversando com sua filha. São irmãs, incrível, nasceram quase no mesmo dia.

Fátima arregalou os olhos, desnorteada com a imprevisível notícia. Foi um choque como se tivesse levado um coice no estômago. Não admitiu. Não podia acreditar. Respondeu aos berros para Berenice.

– Mentirosa, ponha-se para fora! Não manche o nome de meu marido!

A amante sem fazer barulho disse apenas com firmeza:

– A Senhora precisava saber. Eu aceitei a relação de ser amante porque amava Malaquias. Ele não era um santo, como a senhora pensa. Tome meu cartão, telefone-me quando acalmar. Meu advogado vai procurar a senhora.

Saiu levando sua filha que havia adorado a nova amiga, sua meia irmã.

Pela tarde, Genilda, uma amiga, bateu à porta. Fátima atendeu se lamentando, chorando:

– Descobri a traição! Eu era corna e não sabia!

Genilda teve um choque. Começou a chorar e inesperadamente confessou com voz baixa.

– Desculpe Fátima! Agora que você descobriu, quero dizer que não tive culpa. Malaquias quando me via começava a falar aquelas coisas bonitas. Era um finório na lábia. Juro que dei a primeira vez porque prometeu parar com aquelas cantadas. Peço perdão, pelo amor de Deus.

Fátima ficou afônica, atônica e estarrecida com a nova descoberta. Botou Genilda para fora de casa. Chorou o resto do dia. Inconformada com as histórias amorosas do marido ficou reclusa em sua casa. Passou um tempo sem receber ninguém, com vergonha de ter sido uma idiota. Uma incontrolável raiva de Malaquias apoderou-se de sua alma. Rasgou todos seus retratos.

Na noite da missa do 30º dia, ela reapareceu, escandalizando. Entrou na Igreja com um vestido vermelho, bem decotado e justo, transparecendo suas bonitas pernas. Chocou mais ainda, quando, no final da missa, convidou as amigas para dar uma volta na noitada da cidade.

A partir dessa noite Fátima se liberou. Deu e dá para quem quer. Recusou um colega de trabalho, Julião, que fez uma chantagem entregando-lhe um bilhete discretamente. – “Eu vi ontem o Ronaldo entrando à noite em sua casa. Quero também uma noitada de amor. Senão conto para todo mundo. Assinado: Você já sabe”. Ao ler a chantagem procurou Julião, ao vê-lo, rodou a bolsa e tacou-lhe na cara. Falou alto para todos ouvirem.

– Eu dou para quem quiser. Menos para você seu babaca!

E saiu às gargalhadas.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 19 de julho de 2020

A ILHA DA FITINHA

 

 

A ILHA DA FITINHA

Noaldo Dantas, paraibano, jornalista e poeta, publicou o texto: “O DIA EM QUE DEUS CRIOU ALAGOAS”, que se tornou o poema das Alagoas.

“Escrevi certa vez que Deus, além de brasileiro era alagoano. Em verdade não se cria um Estado com tantas belezas, sem cumplicidade. Sou capaz de imaginar o dia da criação de Alagoas: “Ô São Pedro pegue o estoque de azul mais puro e jogue dentro das manhãs encharcadas de sol, faça do mar um espelho do céu, polvilhando de jangadas brancas; quero os entardeceres sangrentos no horizonte, e aquelas lagoas e rios que estávamos guardando para uso particular, coloque-as nesse paraíso…”

Um desses paraísos que Deus guardou para uso particular é o Rio São Francisco, caminho que anda por entre inúmeras ilhas, coqueirais, manguezais, água corrente entre matizes azuis e verdes e vai bater no meio do mar. É lá que Deus entra em férias, segundo o cineasta Cacá Diegues.

Tempos atrás em uma das ilhas do rio, aconteceu uma história de amor que se imortalizou na imaginação popular, passando de boca a boca até nossos dias. Na cidade de Penedo, à beira do Velho Chico, havia um rapaz chamado Pedro, trabalhador, alto e forte. Era tirador de coco de profissão, enrolava uma peia no corpo, subia o coqueiro que nem uma lagartixa. Com o facão dava cortes fazendo cair os cachos cocos que o cambiteiro recolhia ao depósito. Pedro era o melhor tirador de coco da região, alegre, gostava de uma sanfona e de uma festa. Certa vez foi tirar cocos na ilha do Coronel Antônio Bento. Juliana, filha do Coronel, estava na ilha ficou observando, admirada da destreza de Pedro subindo nos coqueiros.

Em certo momento ele pediu um copo d’água, Juliana trouxe água gelada, conversaram, olharam nos olhos, apaixonaram-se naquele momento. Havia um problema: o pai proibiu o namoro de sua filha com um tirador de coco. Pedro prometeu à amada mudar de vida, ganhar dinheiro para poder sustentar uma família. Danou-se a trabalhar, tirando e comercializando coco em toda região do baixo São Francisco. Depois de um ano, melhorou de vida, foi falar com o pai da moça para consentir o namoro. Coronel Antônio Bento recusou, e foi taxativo: sua única filha só se casaria com doutor de anel no dedo. Não havia gastado tanto dinheiro com a educação da menina para casar com um reles tirador de coco. A mãe, Dona Maroca, mulher sensível e inteligente, tinha simpatia pelo o amor de Juliana e seu primeiro amor, Pedro dos Cocos.

Em Penedo, Juliana arranjou uma maneira de encontrar-se com Pedro, com o discreto apoio de Dona Maroca. Certa noite ao chegar de viagem, o Coronel Antônio Bento flagrou sua filha abraçada com Pedro. “- Não admito”, gritou e mandou Juliana recolher-se. Dentro de casa fez a maior zoada, prometeu colocar a filha interna no Colégio Santíssimo Sacramento de Maceió. E como castigo, mãe e filha, acompanhadas da criadagem, iriam passar o restante do verão na casa da Ilha. Não queria ver na redondeza o pilantra sem eira nem beira que desmoralizou a família, tomando liberdade escandalosa com sua filha.

No dia seguinte, duas canoas partiram do porto de Penedo até a Ilha. As mulheres ficaram na casa grande com a proteção dos empregados, o coronel não tinha hora nem dia para chegar. Triste com os acontecimentos e pensando no seu amor, Juliana toda manhã vestia o maiô azul, ia à praia estreita da ilha entre o coqueiral e tomava banho de rio. Depois de uma semana, numa bela manhã de sol, ao mergulhar, Juliana ouviu um assovio, arrepiou-se, sentiu a presença de seu amado. Procurou pelos lados, só teve certeza que era Pedro quando avistou seu vulto entre os arbustos aquáticos. Abraçaram-se. Entre beijos prometeram juras de amor.

Com receio do pai, arquitetaram um plano: Pedro passaria toda manhã pela ilha, só atracaria sua canoa quando Juliana amarrasse uma fitinha vermelha na palha do coqueiro envergado para o rio, era sinal que o coronel não estava na ilha. Assim os namorados passaram o resto das férias. O coração de Pedro batia de emoção quando via a fitinha na palha. Encostava a canoa nos arbustos, Juliana vinha encontrá-lo, eles namoravam sozinhos nas águas transparentes e correntes do Rio São Francisco. Certo dia as águas transparentes tornaram-se turvas, vermelhas, sangue e sêmen se diluíram na correnteza do Velho Chico.

As férias acabaram, houve choro, Juliana viajou para o colégio em Maceió, interna, pensando um dia fugir com Pedro. No mês de abril ela adoeceu, vomitando, o médico experiente, diagnosticou: é menino. Não se pôde esconder a gravidez, quando o pai soube da verdade, cobriu-se de ódio queria matar Pedro. Depois da ira, do desabafo e a conversa apaziguadora de Dona Maroca, o Coronel baixou a brabeza. Mandou chamar o tirador de coco para uma conversa. Pedro enfrentou com dignidade e coragem a situação. E não é que o sogro começou a simpatizar com o genro! Fizesse logo o casamento para barriga não aparecer. Foram três dias de festa na Ilha, Coronel Antônio Bento trouxe até músico do Rio de Janeiro para tocar. O mais animado era Pedro tocando sanfona e dançando com a esposa no maior amor do mundo.

Juliana e Pedro tiveram 12 filhos, ao primeiro deram o nome de Antônio Bento Neto. O povo da região conta para seus filhos e netos a história de amor da Ilha da Fitinha. Dizem até que o compositor, João do Vale, inspirou-se no casamento para fazer a música:

Coroné Antônio Bento… No dia do casamento… Da sua filha Juliana… Ele não quis sanfoneiro… Foi pro Rio de Janeiro… Convidou Benê Nunes… Pra tocar, olê, lê, olá, lá.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 12 de julho de 2020

A COMEMORAÇÃO DA TORCEDORA

 

A COMEMORAÇÃO DA TORCEDORA

Orla da Ponta Verde onde sucedeu o fato

Tibúrcio acordou-se na maior ressaca nessa quinta-feira. Estava feliz com a vitória do Fluminense na noite anterior. Afinal Campeão da Taça Rio 2020. Levantou-se, olhou na cozinha de seu apartamento de solteiro um monte de garrafas e copos, deixou para lavar depois, tomou um suco de laranja. Eram dez horas da manhã, vestiu a camisa tricolor, colocou uma máscara, e mesmo nessa pandemia, desceu à praia para uma caminhada.

Andava contemplando o marzão naquela bela e luminosa manhã de julho. Avistou ao longe, à beira-mar, uma moça de vestido verde, com uma faixa branca como se fosse um cinto, descalça, dançando sozinha com o fone no ouvido. Pequenas marolas batiam em suas canelas, molhando a ponta do vestido. Tibúrcio olhava admirando à jovem dançar, se requebrar, tendo apenas o mar como companheiro. Ele sorriu, devia ser uma bêbada maluca e continuou sua andança mais meia hora e voltou. Ao passar novamente pelo local da dançarina notou que ela retornava ao calçadão. Quis o destino, ou o diabo, ou o Sobrenatural de Almeida, que a moça cruzasse com Tibúrcio. Ele teve um susto quando a jovem, ao avistá-lo com a camisa do Fluminense, abriu os braços e cantou alto, sorrindo:

– “Sou tricolor de coração… sou do time tantas vezes campeão”.

A alegre torcedora aproximou-se e deu um abraço em Tibúrcio. Sorrindo comentaram o jogo, o sufoco. Depois de algum papo, sentaram num banco olhando para o mar. Os dois se entenderam, maior empatia, eram tricolores doentes. A moça entre 30 a 35 anos, da mesma faixa etária do Tibúrcio. Conversaram mais de uma hora sobre o Fluminense. Valéria é advogada, carioca, viajou à Maceió para resolver pendências de sua firma, sem data para retornar ao Rio devido à pandemia. Certo momento, a garota tricolor convidou-o para tomar uma cerveja, precisava comemorar e muito esse título. Atravessaram a rua, na loja de conveniência do posto entornaram meia dúzia de cerveja.

Tibúrcio observou que em sua roupa havia apenas o verde do vestido e o branco da faixa, faltava o vermelho-grená. Valéria deu uma gargalhada, apertou a mão do amigo, cochichou no ouvido para ele prestar atenção. Sentou-se em sua frente, num gesto altamente discreto e sensual levantou o vestido, bem devagar, apareceram lindas pernas, as coxas, e finalmente a calcinha. Tibúrcio percebeu que a calcinha era vermelho grená. Ficaram às gargalhadas. Valéria estava hospedada em um apartamento de temporada, convidou o amigo tricolor a subir. Ao entrar no apartamento, a carioca puxou-o para dentro do banheiro, ainda vestidos, abriu o chuveiro, abraçaram-se, beijaram-se, encharcados amaram-se, feito dois animais.

Eram quatorze horas quando Tibúrcio saiu do apartamento. Valéria dormia o sono dos justos, dos amantes, dos campeões. Ele deixou um bilhete pedindo para telefonar quando acordasse. Depois do jantar, sem alguma notícia de sua tricolor, Tibúrcio resolveu aparecer no apartamento de Valéria. Comprou flores vermelhas, subiu, antes de tocar a campainha na porta, seu celular chamou. Era Valéria, perguntando quando ia vê-lo. Ele respondeu: agora, e apertou a campainha. Ao abrir a porta, ela ficou radiante com a surpresa, abraçou-o, beijou-o, arrastou seu tricolor. Não saíram, passaram a noite na varanda, bebendo uísque, se amando com carinho e alegria. Eles fizeram a maior comemoração do Fluminense campeão da Taça Rio 2020.

Na sexta-feira pela manhã foram à praia da Barra de São Miguel. Ao passar pela Prefeitura, Tibúrcio mostrou à Valéria a bandeira do município que tinha as cores: verde, branco e vermelho. Tibúrcio contou a história que se tornou lenda e ninguém sabe ao certo se é verdade ou invencionice do povo. A Barra quando se emancipou de S. Miguel não tinha bandeira, a secretária de educação levou o problema ao novo prefeito. Ele gostava de desenhar passou a noite desenhando três opções para a Câmara de Vereadores escolher. Aconteceu o incrível, a bandeira escolhida foi a parecida, semelhante à bandeira do Fluminense. O casal ainda está comemorando a vitória do campeão da Taça Rio, 2020; até que a pandemia acabe.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 05 de julho de 2020

ACONTECEU COM O NEREU (CONTO ERÓTICO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ACONTECEU COM O NEREU

Nas vésperas do carnaval eu saboreava um arabaiana ao molho de camarão acompanhado de cerveja gelada na Barraca Pedra Virada, esperando o pôr do sol da praia da Ponta Verde, quando Nereu aproximou-se e sentou-se a meu lado. Era fim de tarde, notei que o amigo havia tomado alguns uísques além da cota. Nereu, meio embriagado, estava a fim de desabafar, confessou-me fatos detalhados de sua vida. Não parou de falar, nem para respirar.

– Meu querido amigo como você já deve estar sabendo dos boatos que correm na cidade, eu gostaria de contar minha versão da história. Você é um homem moderno e tenho certeza que vai entender.

No início dos anos 90, eu tinha cerca de 20 anos, arribei do Ceará, minha terra, vim trabalhar em Maceió. Gostei, por aqui fiquei, constitui família, considero-me alagoano. Passei parte de minha vida me reprimindo, essa é a questão. Quando eu bebia tinha vontade de tocar nos amigos, entretanto, me segurava, tinha medo da desmoralização, do escândalo. Desconfiava de minha ambiguidade sexual desde menino, eu amava brincar de troca-troca durante minha puberdade em Sobral, cidade onde nasci e me criei.

Toda vez que bebia além do normal, dava-me uma comichão e vontade de segurar no pau dos outros, de dar o rabo; eu me segurava e isso me atormentava.

Para resolver a situação tive que escolher entre ser homem ou baitola e me fiz macho: namorei a Helena, aquela jovem morena da praia de Pajuçara, cobiçada por muitos, entretanto ela me quis. Com pouco tempo de namoro e noivado, nos casamos, logo nasceram dois filhos. Eu pensava que estava livre dos desejos que me atormentavam, mas, em vez em quando a comichão aflorava. Certa vez, conheci um jovem carioca, Romeu, rolou um amor, eu fiquei em vida dupla. Depois que Romeu retornou ao Rio, comecei a fazer programa com garotos. Tive problemas e muita briga com Leninha, era o inconsciente.

Depois de vinte anos de casados e muito desentendimento, nos separamos. Helena hoje me detesta. Onde ela estiver, com a língua solta, me destrata, me esculhamba. Eu fico com pena de meus filhos, eles me amam.

Há quatro anos frequento uma psicóloga competente, ela puxou tudo de mim, depois de algum tempo de tratamento, a doutora me preparou para assumir minha bissexualidade. Foi o que de melhor aconteceu em minha vida, nada pior que as coisas não resolvidas. Hoje não importo para o que pensem, sou bicha, baitola, adoro dar. Sou homossexual assumido e não vejo problema. Aliás, sou bissexual, gosto também de mulher, vez em quando.

Estou agora na linha de frente na luta os homossexuais, tornei-me batalhador da causa das minorias sexuais tão discriminadas. O único problema é a aceitação de meus dois filhos; sei que é difícil, mas o tempo é o senhor da razão, já dizia o Presidente. Serei um homem mais feliz quando os filhos me aceitarem como sou.

Nereu não parou de falar, eu escutando, conversa de xiita engajado na luta. Pensando, tirei uma conclusão: jamais Nereu retornará à categoria dos machos, está de cabeça feita, tem convicção de sua opção sexual, a psicóloga ajudou muito ao cearense.

Ele deu-me uma explicação de uma forma científica. Não entendi muito, confesso. Segundo a psicóloga:

As pessoas não mudam sua sexualidade durante a vida, ela vem do berço, algumas assumem a homossexualidade cedo, outros assumem durante o período de incerteza, de indefinição de identidade sexual, na adolescência. Outros homossexuais não assumem, são os enrustidos.

Fiz que entendia a informação científica de meu amigo porque naquele momento apareceu à mesa outro desocupado, o Xavier. Mudou o assunto.

Amigo leitor ou leitora, vocês entenderam? A história do Nereu serve para os dois casos. Então, se você tiver vontade de abraçar um amigo com mais força, não se acanhe, é normal. Sair do armário, assumir foi o melhor que aconteceu com Nereu. Stanislaw Ponte Preta já dizia nos anos 60, que o terceiro sexo já estava em segundo lugar. Não se constranja, hoje o mundo é outro, peça ajuda a um psicólogo, faça como meu amigo. Se for solteiro ou solteira, talvez até arranje um bom casamento.

Finalizo os escritos, esclarecendo que eles não têm intensão de caçoar. Homossexualismo é coisa séria e esta história é baseada em um fato contado pelo próprio personagem. Tenho muitos amigos e amigas homossexuais, que gosto e respeito. E garanto que o mundo sem homofobia, ficaria bem mais fraterno e cor de rosa.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 28 de junho de 2020

A INVASÃO DAS GUARAÇUMAS

 

A INVASÃO DAS GUARAÇUMAS

Mar da Avenida da Paz (Foto: Marola)

O extenso calçadão da praia da Avenida da Paz, arborizado com amendoeiras e jardins gramados, foi o palco da nossa mocidade, onde toda noite a juventude fazia uma festa; andando de bicicleta, patins e patinetes, jogando ximbra (bola de gude), rodando pião, brincando de rouba-bandeira ou gata-pirada empurrando um aos outros nos bancos de concreto até sobrar apenas um, o vencedor. Às vezes um namoro, um aperto nas meninas, a puberdade florescia. Nas noites das quartas-feiras os moradores sentavam-se nos longos bancos de madeira embaixo do coreto para ouvir música clássica, popular e jazz. Era a retreta da Banda do Exército Brasileiro, às vezes da Polícia Militar.

Nesse paraíso havia uma praia extensa de areia branca, nosso campo de futebol. Depois do jogo, mergulhávamos e nadávamos até o fundo do mar perto dos navios fundeados. No retorno, muitas vezes os botos nos acompanhavam como estivessem nos protegendo, brincavam, mergulhavam e emergiam, soltando um som gutural como se estivessem conversando com os jovens nadadores. Ao sairmos do mar íamos em direção às paqueras que esperavam numa sombrinha tomando banho de sol ou jogando baralho. Como era gostoso entrar no mar com a namorada, os dois segurando na boia de pneu de caminhão e as pernas se cruzando embaixo d’água.

À tarde quando a maré estava cheia, a moçada partia para o trapiche que entrava mar adentro no início da praia de Jaraguá. Era uma espécie de ancoradouro, de píer, com um trilho em cima e na ponta, onde o mar era fundo, havia um sólido armazém de telhado de zinco, onde empilhavam sacos de açúcar para transbordo, por balsas, aos navios. Nós nadávamos até o armazém, subíamos pelas palafitas de madeiras grossas e pelas grades do imenso portão, logo alcançávamos o telhado de zinco quente. Ao olhar a imensidão do mar e dos coqueirais em volta, nos sentíamos os donos do mundo. Em seguida, o mergulho: com o corpo retesado nos jogávamos ao mar, era uma queda de segundos, 15 metros de altura, um vento gostoso passava na barriga até batermos e afundarmos na água. Imediatamente subíamos para outro salto.

Quando aparecia o vigia, todos nós mergulhávamos. Ao cair dentro d’água, alguém puxava, os outros continuavam a saudação: “O galo canta… o macaco assovia… banana de jegue… no cu do vigia.” Certa tarde um colega pulou e não retornou, ficamos mergulhando para tentar trazer o Tony para superfície e nada, desesperados chamamos os bombeiros que tentaram resgatar o corpo com embarcação e mergulhadores. Nunca foi encontrado o corpo de nosso amigo. Foi tristeza geral, nossos pais proibiram essa brincadeira, mas dentro de um mês os meninos da Avenida estavam pulando novamente do zinco do trapiche.

Toda manhã, antes de pegar o bonde para o Colégio Marista, eu dava um mergulho no meu mar. Certa vez notei que a água não estava com a cor verde azulada habitual, a superfície tremeluzia, alguma coisa estranha acontecia, quando cheguei à beira mar estavam diversos pescadores jogando redes, anzóis, tarrafas. Era um enorme cardume de guaraçumas que invadiu a enseada da praia da Avenida. Dei o mergulho, notei vários peixes nadando à beira mar. Um arrastão chegava com os pescadores puxando, a rede estava cheia, quase estourando de tanto peixe. Fui ao Colégio, quando retornei perto do meio dia, a praia estava cheia de gente com caniço e samburá.

O cais do porto repleto de pescadores profissionais e amadores jogando suas varas, suas redes. No dia seguinte continuou a inexplicável invasão das guaraçumas. Quase toda população de Maceió levou caniço ou tarrafa para praia e para o cais. À noite a enseada da praia da Avenida tornou-se uma festa: fachos acesos à beira do cais e nas canoas dentro d’água. As guaraçumas atraídas pelo fogo dos fachos pulavam e caíam dentro da canoa.

Ate hoje ninguém soube explicar este fenômeno. Por algum tempo a miséria havia acabado. Havia guaraçuma para quem quisesse: o pobre, o rico, o miserável, menino, velho e mulher. Maceió se fez em festa. Foram treze noites, treze dias, o mar ficou cinzento de tanto peixe pular, cardumes e mais cardumes renovavam-se invadindo a enseada. Fenômeno inexplicável e extraordinário.

Nessa época os negociantes de automóveis encheram Maceió com um novo tipo de jipe, vendido em grande quantidade, logo chamados de guaraçumas. Até hoje, o jipe 1954 é chamado de Guaraçuma pelos colecionadores.

A Gazeta de Alagoas publicou uma reportagem no dia 28 de abril de 1954, dizia assim: ABUNDÂNCIA E PESCA – “O pescado guaraçuma afluiu em quantidade espetacular à praia da Avenida da Paz. Gente muita se fez da pescaria, aproveitando o extraordinário volume de peixes surgidos ali. Muita gente pobre serviu-se à farta desse gênero de alimentação. Nesses últimos dias houve na cidade peixe de muito boa qualidade e extremamente barato. Muito pescado vendido a preço irrisório…”

Muitos técnicos tentaram explicar esse fenômeno: pesquisadores da UFAL, engenheiros de pesca do Recife. Veio gente da Bahia e até do Japão. Cada qual com uma teoria diferente. Eu gostava de conversar com um amigo, Cabo Jorge, motorista do comandante da Polícia, (meu pai). O Cabo era pai de santo de um terreiro pras bandas da praia de Ipioca, e me deu a seguinte explicação sobre a invasão das guaraçumas: “Foi Yemanjá, a rainha do mar, quem presenteou a cidade com 13 dias de fartura com muito peixe, para compensar ela ter levado o Tony que está vivendo com ela no fundo do mar.” Ainda hoje acho a teoria do velho Cabo Jorge a mais plausível.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 20 de junho de 2020

A PROMOÇÃO

 

A PROMOÇÃO

Historicamente, o Estado de Alagoas sempre teve como suporte econômico a fabricação do açúcar. A zona da mata onde ficam as Usinas de Açúcar é um tapete verde de canavial. Era emprego garantido para os trabalhadores rurais até que um dia chegou a mecanização com possantes máquinas e tratores, desempregando muita gente. Como não houve uma política de fixação do trabalhador rural no campo, eles emigraram para capital em busca de emprego. Muitos construíram favelas no Vale do Reginaldo-Salgadinho, lançando os dejetos humanos no riacho. No decorrer dos anos essa favela aumentou; hoje são mais de 20 mil casebres que tornam o Riacho Reginaldo-Salgadinho um esgoto a céu aberto, poluindo o mar e a praia da Avenida  da Paz.

As jovens que chegavam do interior encontraram poucos empregos, para sobreviver havia uma solução: ser empregada doméstica. A procura foi tanta que a burguesia, a classe média, chegava a ter três ou quatro empregadas a troco da alimentação, da dormida e um pequeno salário. Essas empregadas geralmente jovens, e como tal, gostavam de sair, frequentar as festas populares, brincar o carnaval, sempre alegres e faceiras. Gostavam também de namorar, seus hormônios funcionavam bem. À noite passeavam nas praças onde apareciam pretendentes e outros aproveitadores. Geralmente essas jovens do meio rural eram mais liberais que as preconceituosas jovens da classe média que guardavam a virgindade para o casamento.

Nessa época, os jovens tinham uma namoradinha estudante dos colégios de freira. Depois do jantar eles partiam para namorar no portão da casa, com direito a uma volta na calçada. Quando dava nove ou nove e meia, o severo pai aparecia e pigarreava. Era sinal para a jovem entrar, deixando o namorado excitadíssimo pelo xumbrego, com três opções: Recolher-se em casa para se masturbar; subir aos bordéis para um descarrego, dependia da grana; a terceira opção era partir à cata das empregadas domésticas que desfilavam na praça, bonitinhas e cheirosinhas. Elas não eram enganadas, sabiam que o jovem não estava afim de casamento, queria diversão. E arrastavam para locais mais escuros, compatíveis. Elas tinham pontos preferidos: praça do Centenário no Farol; praça Deodoro no Centro e em torno da Avenida da Paz, à noite muitos jovens vadiavam na areia morna da praia da Avenida.

O politicamente correto ainda não existia. Nas casas geralmente havia apenas um banheiro e nos quartos, embaixo da cama, colocava-se um penico para necessidade noturna. Alguém, um dia, chamou uma doméstica de “peniqueira” e a alcunha pejorativa pegou. As jovens empregadas não gostavam desse apelido. Porém, banalizou-se. Na praça Centenário alguns jovens, depois das onze, reuniam-se para contar aventuras e conquistas. Chegaram a criar uma associação, os sócios deram o nome de UCPM, União dos Conquistadores de Peniqueiras de Maceió. Era bem organizado. As reuniões aconteciam na garagem da casa de um primo, na Rua Comendador Palmeira. O regulamento elaborado por um estudante de Direito, foi lido e aprovado pelos sócios fundadores. Havia uma escala hierárquica entre os sócios com os postos militares. O jovem entrava como soldado, à medida que contasse conquistas noturnas, ganhava promoção, decidida pelos sócios presentes. Formou-se uma hierarquia rígida entre sócios, de soldado ao general comandante. Toda sexta-feira na garagem de meu primo havia reunião e gostosas gargalhadas, sempre com respeito às domésticas, a causa e inspiração viva daquela associação.

Meu amigo Ávila era Major, muito atuante, não perdia reuniões, era o primeiro da lista na promoção a coronel. Foi quando ele começou a namorar a bonita vizinha, um sonho antigo. Quando estavam na praia, ou no cinema, ou ficavam sentados num banco da praça, em vez em quando passava um amigo e o cumprimentava batendo continência: “Boa noite Major”. A namorada ficou cismada perguntou sobre aquela continência; Ávila desconversava. Até que um dia a namorada, conversando com a cunhadinha, tocou no assunto; a irmã de Ávila abriu o jogo, contou todos os pormenores da UCPM e porque seu irmão tinha o posto de Major.
À noite, na porta da casa da namorada, ela não o deixou tocar em sua mão, e contou que sabia tudo sobre a UCPM, e seu posto de Major. Ávila segurou a mão da namorada e prometeu com convicção:

– Minha querida eu ainda sou Major, é a maior injustiça da UCPM, garanto, lhe prometo como daqui para o final do mês eu serei promovido a Coronel.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 14 de junho de 2020

O CACHORRO QUE CHORAVA

 

O CACHORRO QUE CHORAVA

Alagoas é um celeiro de bons jornalistas. A imprensa honesta, batalhadora e competente faz parte de nossa história. Tenho Ricardo Rodrigues como um dos melhores jornalistas atuantes e mais éticos. Foi ele que me relembrou o caso do cachorro que chorava. Um fenômeno que abalou, assanhou a cidade e o Brasil nos idos dos anos 70.

Ao completar 10 anos, Ricardo ganhou um lindo cachorro de se pai, Arlindo. Não pertencia a alguma raça específica, ou seja, era um legítimo vira-lata. Colocaram o nome de Johnson, em homenagem ao presidente dos USA. O cachorro ficou bonito danado, cresceu com muito apego ao dono.

Certa vez, durante a madrugada, arrombaram a porta e roubaram algumas bebidas e comidas no Bar de Seu Arlindo que se tornou ponto de encontro da boemia em Jaraguá. Ele resolveu levar o cachorro para dormir no bar, Ricardo esperneou, não queria deixar o cachorro. Johnson tornou-se patrimônio, cria e mascote do Bar do Arlindo. Os fregueses tinham maior carinho pelo cão-vigia.

O bar era frequentado por artistas e boêmios de Maceió. Seu Arlindo colocava música na possante vitrola Phillips, e a moçada curtia Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Elizeth Cardoso e outros grandes cantores da época enquanto dava um trato na cerveja e na branquinha.

Certa noite, Seu Arlindo notou Johnson chorar, o cachorro uivava quando tocava uma música específica; não eram todas. Finalmente descobriu: Johnson chorava apenas quando tocava a música de Altemar Dutra: “Vida Minha”.

Johnson tornou-se atração do bairro boêmio de Jaraguá. Quando aparecia um desavisado, os assíduos frequentadores apostavam como o cachorro chorava ao ouvir música. Alguns desatentos pagaram garrafas, caixas de cervejas para os malandros.

O fato se espalhou por toda cidade de Maceió. Entrou pelo Poço, Mangabeiras, Ponta da Terra, Pajuçara, até no Tabuleiro. Todos queriam conhecer o cachorro que chorava. O Bar do Arlindo de repente se encheu. Gente do povo, deputado, senador, coronel, capitão, ficavam pasmados com o choro de Johnson.

Sociólogos, filósofos, professores da UFAL tentaram explicar o fenômeno. Muitas páginas foram escritas em tese de mestrado sobre o cachorro que chorava. Teorias fizeram trabalhar os tipos das máquinas de datilografias da época.

Certa noite apareceu o jornalista Bernardino Souto Maior. Ao ouvir o uivo do cachorro ao som da música do Altemar Dutra, foi taxativo com Arlindo:

-“Vou levar você e o cachorro para o Programa Flávio Cavalcante.”

Naquela época, na TV Tupi de São Paulo, o Programa Flávio Cavalcante, tinha a maior audiência no Brasil. Havia um quadro chamado “Fora de Série”, onde Flávio apresentava histórias interessantes, fenômenos e outras gaiatices. Não deu uma semana, Bernardino entrou no Bar do Arlindo:

– “Prepare uma jaula para o cachorro. Aqui estão nossas passagens para São Paulo. Vamos viajar amanhã e entrar no ar ao vivo no domingo.”

Numa fria madrugada de sexta-feira no Aeroporto Campo dos Palmares, entraram no avião: Arlindo, Bernardino e o já famoso Johnson.

Na hora do programa todos estavam nervosos, era ao vivo. Se o cachorro falhasse, seria um vexame televisionado para todo o Brasil. Até que chegou o momento. Flávio Cavalcante com sua empáfia de apresentador estrelado iniciou:

-“E agora meus amigos de todo o Brasil. Vou apresentar Johnson, o cachorro que veio das Alagoas. Um sentimental cachorro que chora quando ouve Altemar Dutra.”

Entraram no palco da TV: Bernardino e Seu Arlindo com Johnson. Depois de algumas perguntas, e fazer o suspense, se o cachorro ia chorar ou não, finalmente Flávio manda rodar a música. Maior expectativa. Quando se ouviu: “Eu acordei chorando…e tu não acreditaste…vida minha…..”, o nosso querido Johnson irrompeu em uivos. Chorou com lágrimas caindo como se fosse um personagem de novela mexicana.

A plateia e todos os expectadores ligados na TV deliraram. Maior sucesso, muitos aplausos. Johnson era a nova sensação do Brasil. Por conta disso, no outro dia, Johnson foi convidado para gravar no programa da Cidinha Campos.

Quando os três retornaram à Maceió, no aeroporto havia jornalistas, rádios pedindo entrevistas. Seu Arlindo continuou com sua birosca sob a vigilância do famosíssimo Johnson.

Na quinta-feira daquela semana, uma multidão foi assistir na televisão do Bar do Arlindo o Programa Cidinha Livre, tinha sido gravado. Durante a apresentação, quando iniciou a música “Vida Minha”, Johnson irrompeu no choro duplamente, ao vivo e na televisão.

Muitos quiseram comprar nosso herói canino. Veio proposta do Recife, da Bahia, do Rio de Janeiro. Um milionário de New York mandou uma oferta fabulosa. Mas Seu Arlindo preferiu conservar Johnson junto a ele, fazendo guarda em seu bar e brincando com o filho Ricardo.

Nunca mais um alagoano foi tão aplaudido em rede de televisão nacional. Difícil um sucesso como o do inesquecível Johnson, o cachorro que chorava.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 07 de junho de 2020

À BEIRA DA ESTRADA

 

À BEIRA DA ESTRADA

Apolinário dirigia devagar rumo a Caruaru quando avistou, ao longe, um pequeno carro estacionando no acostamento. Ao parar, desceu uma mulher olhando o pneu traseiro murcho. A jovem senhora iniciou uma série de inúteis pontapés. Apolinário parou seu carro, e foi acudir à dama solitária.

Ela chutava o pneu, e chorava. Ele pediu calma, estava ali para ajudar. A distinta respirou fundo, voltando a si como se estivesse em transe.

Apolinário levantou o carro rodando o macaco, retirou o pneu furado, colocou o estepe. Enquanto realizava a troca, a madame não deu uma palavra. Ela percebeu que não tinha retribuído a gentileza do senhor. Pediu desculpas, disse que estava com a cabeça cheia de problemas e com ódio no coração. Que ele perdoasse. Apresentou-se como Flávia.

– Muito Prazer, Apolinário. Olhe aqui minha amiga, nenhum ódio vale a pena, aconselhou o gentil homem.

– Minha raiva é grande. Vontade de matar. De qualquer maneira, desculpe e obrigado. Respondeu a morena com a alma infeliz.

Apolinário logo chegou à Caruaru. Ele queria curtir as peças de artesanato, a cultura popular do Nordeste. Viajava para distrair-se.

Almoçou no hotel, descansou. Ao entardecer fez uma visita à feira, aos pontos de folclore, recordando a finada Marilda que gostava tanto da Feira de Caruaru, foram 23 anos de casamento.

Jantando no Restaurante Chapéu de Couro, percebeu que a senhora do carro, a irada Flávia, estava em uma mesa tomando uísque, desacompanhada.

Ele estava terminando o jantar, quando percebeu uma pessoa encostar à frente da mesa. Apolinário levantou a cabeça, era a moça zangada, estava sorrindo. Perguntou se podia sentar. Apolinário puxou uma cadeira, ato contínuo ela sentou-se elegante e iniciou a conversa:

– Pensei no que você falou. É verdade, raiva mata, deixa o coração ferido. E a vida é uma só. Vou tentar superar a bordoada que recebi, e não se fala mais nisso. Agora conte sua vida. Quem é você, cavalheiro gentil?

Apolinário resumiu sua vida. Era de Maceió, estava em viagem solitária pelo Nordeste, sem roteiro predeterminado. Queria refletir sobre sua nova vida, viúvo há seis meses. Não tinha data marcada para voltar.

Flávia achou a história muito interessante. Conhecia bem Alagoas, contou reminiscências, parte da infância morando em Maceió. Enquanto ela falava Apolinário analisou a companheira acidental.

Devia ter entre 35 a 40 anos, pele bem cuidada, morena. O braço parecia porcelana. Rosto redondo, cabelos pretos escorridos, bem tratados. Olhos negros vivos como se estivessem acesos, penetrantes, por cima de um nariz levemente achatado. Exalava sensualidade e mistério. Sentiu que havia um grande problema em sua alma, daí esse rancor. Notou uma marca de aliança na mão esquerda. Seria casada?

Ficaram naquela mesa por mais de duas horas em conversa descontraída, alegre, com o acompanhamento do velho uísque. De repente, Flávia olhou nos olhos de Apolinário, pegou-o pela cabeça, puxou-o, deu-lhe um beijo na boca. Correspondida, ficaram a chupar línguas. Ela pediu sorrindo.

– Quero ir pra cama com você, agora! Tem que ser agora, antes que desista, não quero desistir.

Rápido ele pagou a conta. Sem esperar pelo troco saíram. Entraram no carro de Apolinário, partiram em busca de um motel à beira da estrada. Flávia durante o percurso beijava seu pescoço, alisava-o, não se falaram.

Ao entrar no quarto do hotel, ela pediu, “Beije aqui meu amor!”

Apolinário obedeceu, fizeram amor até mais tarde.

Depois do êxtase, corpos separados, enquanto ele olhava para o teto, sentiu que Flávia chorava, e aumentava o choro. Estava desesperadamente histérica, lamentando-se, pedindo desculpas como se estivesse falando com outra pessoa.

– Seu bosta! Você foi o culpado, você me traiu!

Apolinário conseguiu acalmá-la. Flávia contou sua vida.

Era casada, dois filhos já rapazes, morava no Recife. No dia anterior, ao entrar no escritório, flagrou o marido transando com a secretária no tapete Uma prima, que implorou um emprego. Em casa o marido tentou justificar. Flávia não conseguiu dormir. Pela manhã pegou alguma roupa e partiu no seu carro rumo à fazenda de uma amiga no sertão. Ninguém sabia onde ela estava. Desligou celular e partiu, com toda raiva, ódio no coração. Estava planejando matá-lo, quando encontrou Apolinário, percebeu que não era a solução. No restaurante, bebendo, armou outro tipo de vingança. Foi o ódio que impeliu transar com ele. Estava arrependida, com sentimento de culpa, mas a raiva não havia passado.

Ele ouviu com atenção enquanto trocava de roupa, e admirava aquele belo espécime de mulher.

Já vestidos, ele abraçou-a, deu um cheiro nos cabelos.

– Agora vá dormir no hotel. Amanhã visite sua amiga, depois volte para sua família, você é uma pessoa especial. Não se sinta culpada pelo que aconteceu. A raiva é uma emoção cruel, muito forte, você agiu impulsionada pelo sentimento de vingança. O que aconteceu foi melhor que mandar matá-lo, tenho certeza. O segredo é nosso, ninguém precisa saber o que houve entre nós. Eu amei essa noite, jamais esquecerei.

Saíram do motel até o carro de Flavinha. Ela alisou a cabeça do parceiro, deu-lhe um beijo na boca. Olhou em seus olhos e cochichou: “Amei lhe conhecer, essa noite marcou minha vida.” Desceu do carro do amigo e sem olhar para trás, caminhou lentamente em direção a seu carro. Deu a partida e desapareceu na estrada escura.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 30 de maio de 2020

OS DOCES DE MINHA INFÂNCIA

 

OS DOCES DE MINHA INFÂNCIA

A arte culinária é peculiar, tem características próprias de cada artista da gastronomia; é uma cultura forte e típica. Nessa cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, Maceió, as comidas estão entre os melhores prazeres. Saborear um bom prato faz parte de nosso lazer, de nossa cultura. Lembrando que o Bispo Don Pero Fernandes Sardinha foi devidamente devorado em apreciado banquete antropofágico pelos nossos ancestrais, os índios caetés nas areias brancas da praia de Barra de São Miguel.

Minha juventude foi marcada por doces e salgados inesquecíveis. Ainda tenho em minha mente, em meu paladar, alguns pratos feitos em casa por minha mãe, Dona Zeca, excelente cozinheira. Ela caprichava nos almoços dominicais: caruru, galinha ao molho pardo, carapeba, cavala, arabaiana ao olho de camarão ou feijoada de feijão mulatinho incrementada com charque, toucinho, tripa de porco, linguiça, carne do sol, couve, jerimum, quiabo, maxixe.

Havia pratos, hoje preparados em óleo vegetal, na época cozidos com banha de porco: o sarapatel, o fígado e o bife de panela. Sem esquecer o cozido, as macarronadas, peixadas e camarãozadas de todo tipo.

Quando íamos ao centro da cidade invariavelmente lanchávamos na sorveteria da moda, Bar e Sorveteria Elegante, em frente ao Beco do Moeda, frequentado pela classe média emergente que sentava às mesas de ferro com tampo de mármore. No cardápio de lanches havia sorvetes de frutas regionais: mangaba, manga, pinha, laranja cravo, sapoti, mamão, abacaxi, melancia, coco, cana, além de pudins maravilhosos; tudo servido em taças de metal niquelado.

Ainda no centro da cidade eu adorava o chocolate caseiro em barras, duas cores, vendido pelo Seu Portela na loja especializada em óculos que vendia mais chocolate que óculos.

Não esquecendo a Sorveteria Xangai de Seu Fon na Rua da Alegria oferecendo o deliciosíssimo sorvete de chocolate crocante e sorvete de creme.

Ainda sinto o gosto e o cheiro das doces de minha infância, ficaram para sempre entranhados nas narinas e glândulas do paladar.

Acrescento à lista, os ambulantes que passavam na praia da Avenida da Paz. Depois do almoço ficávamos à espera de Seu Primitivo empurrando o carrinho de sorvete. Sempre dois sabores: coco e maracujá, coco e mangaba, coco e cajá, coco e goiaba; ele raspava o sorvete com uma colher enchendo o carlito (casquinha). Era nossa predileta sobremesa.

Ao entardecer, o China aboletava o tabuleiro de quebra-queixo embaixo de alguma amendoeira na Avenida da Paz, tínhamos guardados os tostões contados especialmente para uma “taíada” desse doce precioso; encantávamos com a rapidez do corte vertical, um pouco inclinado, ele entregava o quebra-queixo em pedaço de papel colorido, era cocada dura queimada com pedaços de amendoim.

A moçada se deliciava com o algodão doce, rodado na hora numa panela com fogo, esquentava o açúcar fazendo enorme nuvem de algodão. Complementava tomando um raspadinho: gelo raspado dentro de um copo cheio de garapa de coco, maçã ou misto, uma delícia. E o caldo de cana, caiana! Uma divindade.

Na praia defronte ao coreto havia um futebol organizado. Depois do banho-de-mar, os jovens iniciavam papos e paqueras sentados na areia. Invariavelmente aparecia o Gaguinho empurrando o carrinho de sorvete XAXADO, uma delícia feita de frutas nordestinas. Gaguinho parava na roda oferecendo seu delicioso sorvete e picolé: “Quem vão quererem? Quem vão quererem? Podem pedirem!”

Ele vendia fiado, na hora do almoço passava na casa de cada um com a conta do sorvete consumido; ele conhecia todos, meninos e meninas da Avenida.

As tardes da Rua do Comércio eram imperdíveis, jovens encostados nos automóveis (limpando carro) curtiam as meninas, flertando, paquerando, marcando encontro nas Sorveterias DK-1 ou Gut-Gut, onde tomávamos saborosos sorvetes de frutas de todas as qualidades; era o ponto de encontro favorito da moçada bonita.

Quando o Comércio estava perto de fechar, eu descia rumo à minha casa com uma parada obrigatória na esquina do trilho de ferro, ao lado do Arcebispado, saboreava um suco maracujá com pão doce. Nunca ninguém no mundo até hoje conseguiu fazer um suco igual àquele, o sumo da divindade. Os deuses da gula em vez de água devem beber aquele maracujá.

É preciso um estudo mais profundo sobre comidas, salgados e doces dos anos dourados. Fazem parte de nossa história, de nossa cultura.

A modernidade acabou com os doces de minha infância, hoje proliferam no mundo as lanchonetes dos Shoppings esquentando sanduíches congelados com gosto de sola de sapato. Estão espalhadas no mundo as sofisticadas fábricas de obesidade inventadas pelos americanos. Saudades dos doces de minha infância.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 23 de maio de 2020

EPIDEMIA DE GONÔ

 

 

EPIDEMIA DE GONÔ

Bairro boêmio de Jaraguá

Logo após a II Guerra aconteceram problemas com a população boêmia no Nordeste, houve proliferação de doenças venéreas, principalmente a gonorreia, a velha Gonô. Os americanos com seus dólares aumentaram a prostituição em nossas terras, trouxeram e disseminaram gonorreia e outras doenças. As prostitutas ficaram infestadas, transmitindo moléstias aos soldados brasileiros e à população nativa, foi considera epidemia na época.

Em Maceió houve um trabalho organizado contra as doenças venéreas. O Ministério da Saúde enviou remédios. Surgiram as camisinhas. O Governo enviou verba para uma campanha de prevenção.

O ponto mais visado foi o bairro boêmio de Jaraguá onde as raparigas exerciam seu trabalho. Naquela época as melhores mulheres frequentavam os casarões da Rua Sá e Albuquerque, as mais baratas ficavam no baixo meretrício, o Duque, o Verde e o Sovaco do Urubu, onde hoje é o Centro de Convenções.

Primeira providência: todas as prostitutas passaram por rigoroso exame. O Posto de Saúde da Praça das Graças se encheu de cafetinas e pupilas na fila dos exames, tiravam a carteirinha de serviço com data de exame carimbado, havia espaço para notificar as revalidações.

A procura foi tão grande que abriram outro ponto de exame na Delegacia de Jaraguá, o delegado da época, Cabo Sobral, se empenhou na campanha com muito zelo. Como autoridade da região, o cabo-delegado fazia ronda diária fiscalizando se todas as operárias do sexo tinham suas carteirinhas carimbadas, exame em dia.

Constatando alguma doença transmissível como gonorréia, cancro, etc… a jovem era obrigatoriamente internadas no Hospital de Doenças Tropicais para tratamento até sarar. Com a cura podia voltar à atividade, ao trabalho.

Nos quartos das pensões foram colocados cartazes preventivos: “EXIJAM A CARTEIRA PROFISSIONAL DE SAÚDE”. Alguns clientes se constrangiam em exigir a carteira das raparigas, pegaram doenças por conta disso. Essas carteiras eram atualizadas no Posto Avançado da Erradicação que havia em Jaraguá, com médicos fazendo novos exames diários e indicando o tratamento adequado se fosse o caso.

A atuação do Cabo Sobral foi fundamental nos serviços da erradicação. Onde havia alguém com suspeita de doença, ele mandava buscar para rigorosa investigação.

Foi formada uma rede de informações em vários cabarés. As raparigas recusavam fregueses quando desconfiavam que eles estivessem infectados. Muitas davam parte na delegacia, entregando o cliente. O delegado levava os acusados para o posto em nome da lei, sob a custódia de seus auxiliares.

Cidadãos da mais alta sociedade constrangeram-se em serem levados por policiais para o Posto Avançado de Jaraguá a fim de serem examinados. Não tinha acordo com o delegado. Geralmente essas denúncias eram fundamentadas e o delegado, além de dar uma bronca no doente fazia verdadeiras investigações policiais com os “criminosos” para descobrir a pessoa que transmitiu a doença, e quem transmitiu a essa pessoa.

As investigações eram constantes. Chamava as pessoas transmissoras da doença, citado pelo doente, até chegar aos sadios. O Cabo Sobral obrigava a todos os envolvidos serem tratados adequadamente pelos médicos, baixando ao Hospital nos casos precisos.

Houve até problemas conjugais. O zeloso delegado chegou a enviar esposas dos contaminados para exames específicos. Alguns suspeitos se livravam confessando ter se contaminado no Recife. Se acaso “entregassem” quem passou a doença, podia ser quem fosse o delegado ia pessoalmente buscá-la para os devidos exames. Como geralmente a pessoa estava também infectada, obrigava a confessar a quem mais ela havia transmitido e com quem havia pegado a doença até chegar ao final do novelo.

Em uma dessas investigações, Gerusa, uma das meninas mais queridas da Boate Alhambra, promíscua como ela só, apareceu doente. O delegado a fez relacionar todos os parceiros da última quinzena. Na relação, havia gente conhecida, inclusive um capitão do Exército e um deputado. O delegado chamou todos os clientes de Gerusa, via carta entregue em mãos, para que fossem devidamente examinados e tratados.

Teve deferência especial com o deputado e o capitão do Exército. Foi pessoalmente à Assembléia Legislativa e ao 20º BC, juntamente com o médico, para que essas autoridades fossem examinadas. O trabalho imprescindível do zeloso Cabo Sobral conseguiu erradicar as doenças venéreas da cidade trazidas pelos soldados americanos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 11 de maio de 2020

HOMENAGEM DE RUI GUERRA A GUILHERME PALMEIRA

 

 

HOMENAGEM DE RUI GUERRA A GUILHERME PALMEIRA

Guilherme Palmeira, Rui Guerra jantando com suas famílias

Peço licença aos leitores desta coluna para transcrever a carta do engenheiro Rui Guerra, um dos homens mais chegados a Guilherme Palmeira, foi secretário e conselheiro de Guilherme durante anos, um dos técnicos mais capazes, de inteligência brilhante e prática do Estado de Alagoas. Rui escreveu esta suposta carta ao Zé Nunes, ex motorista, “faz tudo” e anjo da guarda de Guilherme durante mais de 40 anos, era amigo de todos os seus amigos, morreu há algum tempo e está no céu.

CARTA AO ZÉ NUNES

Querido Zé Nunes.

Desculpe não ter enviado esta carta pelo Guilherme pois em tempos de Coronavírus tudo fica mais complicado.

Espero que na sua condição de veterano aí possa ajudá-lo na chegada.

Ultimamente nosso amigo tem falado muito em você.

Desconfio até que ele me escondeu que iria visitá-lo.

Imagine que lhe deram um veículo lento e desconfortável, incapaz de servir às nossas ligeiras viagens ao interior.

Você bem lembra que entre uma cidade e outra, uma dose e outra, ele dava um cochilo de meia-hora e já acordava reclamando;

⁃ “Porra que demora é essa, onde ainda estamos?”

Mal sabia que você nunca dirigia abaixo de 120!

Imagine quando trocaram seu veículo e lhe colocaram numa cadeira de rodas.

Aquele cirurgião, que nem do nome sabemos, resolveu operá-lo para retirar suas dores e só fez agravar.

Além das dores que aumentaram, ele ficou sem urinar e teve que usar permanentemente uma SONDA que lhe trouxe um monte de infecções urinárias.

Depois de muita conversa e devido a sua Bexiga Neurogênica, a Suzana conseguiu convencê-lo a fazer um tratamento com um neurologista que lhe aliviou parte das dores.

Como você já deve estar manobrando aí veja se consegue que não lhe hospedem numa ALA onde estejam pessoas com as quais ele nunca concordou, apesar da sua enorme tolerância.

Com todas as virtudes e paciência que tem, bem sabemos que ele nunca concordou com oportunismos nem perseguições.

Seus sucessivos exemplos de vida e solidariedade permitem saber com quem ele gosta de conversar.

Dê-me um jeito de descobrir onde estão: Rui Palmeira, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Aureliano Chaves, arranje um apartamento perto deles e, por favor, mude-se com o Guilherme.

Nestas companhias, com certeza, ele aliviaria a falta que lhe fazem Suzana, Rui, Solange, Nadja e seus amigos fraternos.

Veja se consegue um transporte mais rápido que a cadeira de rodas que ele estava usando, para acalmá-lo nos deslocamentos e passeios que terá que fazer na companhia desses amigos que há tanto tempo ele não vê.

Diga a ele que avisei de sua viagem ao Jorge Bornhousen e Zé Jorge que muito lamentaram sua partida sem uma despedida no Piantela.

Avise também que com sua ausência os amigos sumiram. O Piantela fechou e decidiu que só volta a abrir quando ele regressar.

Por aqui sua velha e leal VARANDA DO GP está meio desorientada sem saber o que fazer.

Lá na frente e depois que o Coronavírus partir, veremos como fazer para matar as saudades da sua ausência.

Diga-lhe que tenho chorado como uma criança.

Voltarei a lhe escrever quando a saudade tornar-se pesada demais.

Seu amigo de sempre Rui Guerra.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 01 de maio de 2020

OITENTA (9)

 

MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO (9)

Acordei-me com o som cadenciado e harmonioso da alvorada tocada pelo corneteiro. Amanhecia o dia 1º de abril de 1964, eu tenente do Exército Brasileiro, dormia no quartel na 2ª Companhia de Guardas, tropa de elite do IV Exército, altamente treinada contra distúrbio e guerrilha urbana, sediada na Avenida Visconde de Suassuna, Centro do Recife. Uma luminosa manhã acordava a bela histórica cidade mauriciana. A Companhia estava de prontidão há mais de uma semana, sem algum militar sair do quartel devido aos acontecimentos políticos da época. O presidente João Goulart acendia uma vela a Deus outra ao Diabo (disse Julião). O processo de desgaste político do presidente espalhou-se sobre a Nação. Jango pensava ter um esquema militar forte comandado pelo General Assis Brasil, inclusive o General Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército, jurou de pés juntos a Arraes que defenderia a legalidade. Quando a conjuntura mudou, ele também mudou. A situação ficou mais nebulosa depois do grande comício das reformas em frente ao Ministério do Exército, dia 13 de março, com muitos discursos provocativos às Forças Armadas. Jango estava cutucando a onça com vara curta. As informações que nos chegavam era que Jango daria um golpe transformando o Brasil numa República Socialista Sindicalista.

Naquela bela manhã logo depois da formatura matinal, o capitão Luís Henrique Maia reuniu os cinco tenentes comandantes de pelotão, fez uma preleção.

– Chegaram informações que a tropa do general Mourão Filho de Minas Gerais estava a caminho do Rio de Janeiro para levantar o I Exército, e depor o presidente João Goulart. O General Assis Brasil deu ordens para uma tropa sediada no Rio marchar de encontro e deter a tropa do General Mourão, acontece que a tropa do Rio aderiu e se juntou à tropa do General Mourão, que ruma ao Rio De Janeiro. O objetivo da intervenção militar será restabelecer a ordem no país, garantir a eleição para presidente em 1965 e evitar um golpe do presidente João Goulart estabelecendo um regime socialista.

O capitão Maia mandou preparar o pelotão para o enfrentamento, entrar em combate urbano a qualquer momento. Informavam que tropas do Estado do Governador Miguel Arraes estavam altamente armadas e bem preparadas por guerrilheiros cubanos e chineses.

Dirigi-me ao alojamento de meu pelotão, com a cabeça a mil, sabia que haveria uma confrontação naquelas próximas horas. Ainda estava em divagações quando o comandante me chamou e deu as primeiras ordens: Dissolver uma manifestação no Sindicado dos Bancários, ficava distante cinco ou seis quilômetros. Ordenei ao pelotão entrar em forma, passei em revista o armamento e equipamento, falei aos sargentos e soldados sobre a missão, deixei bem esclarecido: atirar só com minha ordem. O pelotão tomou a rua, formação em cunha. Enquanto aqueles 44 soldados bem armados e equipados avançavam pelas ruas arborizadas, ouvi vaias e palmas, era o povo dividido. Enquanto o pelotão se aproximava do objetivo, eu continha a emoção, pensando nas informações que os sindicalistas, os camponeses, os homens de Arraes junto à Julião e Gregório Bezerra tinham sido treinados em guerrilha e possuíam armamento de primeira linha.

Assim que avistei ao longe a multidão em torno de 400 pessoas, tive de controlar um sargento que me pedia para dar um tiro para o alto a fim de dispersar a multidão. Mandei o sargento se aquietar, lembrei que o comando era meu exclusivo. Não queria que houvesse uma reação por parte dos manifestantes e terminar numa carnificina de balas dos dois lados. Tentaria um diálogo, se possível. O pelotão se aproximou, dava para ver as fisionomias dos manifestantes, o sargento insistindo, me pedindo para atirar; eu reprendi, NÃO ATIRE!. Chegando mais perto, gritei a voz de comando ao pelotão “Acelerado marche!”. Os soldados passaram da marcha comum ao acelerado, correndo em passos curtos, o que se ouviu um barulho assustador do coturno batendo forte no chão. De repente tive a maior alegria, o maior alívio de minha vida ao perceber a multidão dispersando-se em todas as direções. Invadimos o sindicato, ficaram apenas três manifestantes. Pedi para eles saírem ou teria que levá-los presos, era a ordem. Apenas um barbudo, corajoso, magro, me encarou: “Só saio morto ou preso”. Disse-lhe “Como não vou lhe matar, esteja preso”. Fiz uma revista geral na sede do sindicato, mandei lacrar os móveis, deixei cinco soldados guarnecendo o sindicato, retornei com o resto do pelotão para o quartel da 2ª Cia de Guardas.

O pelotão marchando mais relaxado em duas colunas, uma de cada lado da rua, e o barbudo, sindicalista, andando no meio sozinho. Achei constrangedor, tive pena. Encostei-me e inventei na hora em seu ouvido: “Estão matando tudo que é comunista, como Fidel Castro fez em Cuba no Paredón, ao chegar ao quartel você vai ser fuzilado. Vou lhe dar uma chance, na próxima esquina lhe empurro e você sai correndo!”. O sindicalista olhou para mim, espantado. Perto da esquina, o barbudo, olhava para trás encarando-me com olhar suplicante. Na esquina, puxei-o pelo braço e o empurrei. Ele deu um pique, se escafedeu na primeira rua (ainda hoje deve estar correndo).

Durante o percurso de retorno, de cima dos apartamentos, alguns aplaudiam outros vaiavam. Ao passarmos pela Faculdade de Engenharia, alguns estudantes gritavam provocando: “Viva Arraes!” O sargento me incitava a dissolver os estudantes. Eu neguei, confesso, pensando em meu irmão Lelé, poderia estar entre os estudantes (e não é que estava! Eu soube depois).

No quartel fiz um relatório verbal. Nesse dia ainda cumpri outras missões patrulhando o Recife Velho. À noite, a televisão chamava de Intervenção Militar. Não havia aparecido o termo Revolução, nem Ditadura. Nenhum cientista político, nenhum futurista, nenhum especialista, para usar um termo moderno, seria capaz de imaginar que aquele 1º de abril seria o primeiro dia de Governo Militar ou Ditadura durante os próximos anos. Só sei que foi assim, sem tirar, nem pôr.

ESTA SÉRIE “MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO” SERÁ PARTE DE UM LIVRO DE MEMÓRIA EM COMEMORAÇÃO AOS 80 ANOS DO AUTOR. AGUARDEM DEZEMBRO (SEM CORONAVÍRUS)


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 25 de abril de 2020

OITENTA (8)

 

MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO (8)

Somos amigos há muitos anos, nossos pais eram amigos, nossos avós e bisavós, somos amigos desde quando éramos índios caetés povoando o litoral alagoano. Quando eu morava no Rio nos anos 50, vez em quando ia à casa de Guilherme Palmeira na Rua Almirante Guilhobel. Depois de um bom almoço dominical, partíamos para o Maracanã assistir vitórias do Fluminense.

As férias de verão em Maceió eram maravilhosamente aproveitadas: praia da Avenida, Pajuçara, réveillon da Fênix, carnaval nas ruas e nos clubes. Bela época dos anos dourados, vivíamos nossa cultura popular, época do cinema novo, da bossa nova. Revolução dos costumes, queríamos também  transformar o mundo, como qualquer jovem.

Certa vez no Engenho Prata, São Miguel dos Campos, em conversas e cervejinha gelada, Guilherme Palmeira comunicou ser candidato a deputado estadual nas eleições de 1966, alegria geral. Dias depois Esdras Gomes distribuía adesivos, GP 66. Foi uma vitória retumbante, iniciava naquele momento uma carreira política das mais admiráveis na história das Alagoas.

No final de 1967 eu servia na 9ª Companhia de Fronteira, Roraima, fui promovido a Capitão e transferido para 20º Batalhão de Caçadores em Maceió. Ao chegar em casa pela tarde, coloquei um calção desci à praia da Avenida, depois de um bom mergulho e braçadas naquele mar azul do tamanho do mundo, fiz uma promessa, nunca mais sair de Maceió. Cursei engenharia, deixei a carreira militar e cumpri a promessa.

Naquela época Maceió era uma festa, tempo bom de viver na cidade amada, ensolarada Muitos amigos, muito calor humano, juventude sadia. Formamos um quinteto inseparável: Guilherme Palmeira, Marden Bentes, Eduardo Uchoa e Galba Acioly, solteiros e bonitos, fazíamos a festa aonde chegássemos. Éramos conhecidos entre as melhores famílias, entre as jovens deslumbrantes, como também nos bares e lugares não compatíveis às moças casadoiras. Convidados para batizados, casamentos, aniversários, alegrávamos as noites com bom humor e fidalguia. Jovens boêmios, considerados bons partidos, custamos a casar.

Acompanhei a vida política de Guilherme Palmeira: deputado, governador, senador, prefeito de Maceió. Finalmente Ministro do Tribunal de Contas da União, aposentado se estabeleceu em Brasília, nunca esqueceu sua querida Alagoas. Vez em quando às sextas feiras reúne amigos na varanda do apartamento, praia da Ponta Verde para conversas e uma rodada de uísque.

Em 1988 houve eleição para prefeito de Maceió. Renan Calheiros candidatou-se tendo como vice o deputado Sabino Romariz, o mais votado na Assembleia, era uma chapa imbatível apoiada pelo governador Fernando Collor. Nas pesquisas o IBOPE lá em cima. Como enfrentar Renan? Em uma reunião da oposição, Benedito de Lira deu a sugestão: Guilherme Palmeira para prefeito e João Sampaio, vice. Fiz parte da coordenação de campanha. Fomos à rua, Guilherme visitou toda biboca de Maceió, chegávamos tarde às nossas casas. Afinal o dia da eleição, logo depois a apuração na mão, voto a voto, disputa acirrada. Final maior vibração. Guilherme ganhou por 6.845 votos Fomos para Avenida da Paz comemorar a vitória com uma passeata inesquecível

Guilherme prefeito, eu assumi uma Diretoria da Limpeza Urbana depois fui Secretário de Desenvolvimento Urbano. Travamos campanha e briga contra qualquer tipo de poluição. Descobri que era proibido colocar qualquer tipo de placa ou outdoor na ladeira da antiga rodoviária, anunciei que ia derrubar todas as placas e outdoors. Na véspera, ao término do expediente, recebi um telefonema de um advogado avisando que no dia seguinte ele daria entrada na Secretaria com uma liminar de um juiz cancelando a derrubada dos outdoors. Fiquei a pensar sozinho em meu gabinete. Tomei a decisão, convoquei os funcionários, fiscais, caminhão, para sairmos às seis da manhã, antecipei, derrubamos todos outdoors. Foi lindo aparecer uma mata verde exuberante que estava escondida.

A liminar chegou às minhas mãos no local às nove da manhã, a derrubada já havia acontecido. O juiz mandou me prender. Eu me escondi em uma casa em Paripueira. Guilherme tomou as dores, assumiu ter ordenado aquela ação. Só não fui preso devido ao pulso firme de Guilherme e a competência do advogado Diógenes Tenório de Albuquerque em minha defesa. Lembrei esse fato mostrando a firmeza de caráter, honestidade, amor à sua terra, sapiência e liderança de Guilherme Palmeira, o melhor prefeito da história de Maceió. Desculpe o Rui. Hoje Guilherme vive cercado de amigos que o admiram. Ele orgulhoso do filho, Rui Palmeira, seu herdeiro político na decência e no amor à Maceió.

Esta série de artigos, MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO, será um livro em comemoração aos 80 anos do autor neste 2020.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 18 de abril de 2020

OITENTA (7) - MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO

 

MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO (7) – AS ÁGUAS DE ABRIL

Eu tinha nove anos, menino, criado livre, leve e solto na praia da Avenida da Paz em Maceió. Certa noite de abril de 1949, eu fiquei apavorado com os relâmpagos, trovoadas e muita chuva forte, batendo no telhado e no chão feito um chicote. Ao mesmo tempo fiquei feliz ao lembrar os caranguejos que sairiam de seus buracos assustados pelos trovões. Durante a tarde eu havia colocado algumas “ratoeiras”, feitas de lata de óleo, nas tocas de goiamuns às margens do Riacho Salgadinho. Já deviam ter caranguejos presos, eu pensava. Noite adentro aumentou o temporal diluviano. O riacho Salgadinho transbordou, as águas cobriram a rua e entraram em nossas casas na Rua Silvério Jorge, onde eu morava. As grandes chuvas de maio estavam acontecendo em abril.

Durante aquela noite uma forte enxurrada desceu veloz do bairro do Tabuleiro, passando pelas ruas e casas chiques do bairro do Farol, num barulho aterrador de água em movimento. O vagalhão avançou como se fosse uma onda desgovernada atropelando o que encontrava pela frente: carros, carroças, lixeiras. Derrubou árvores. Quando a enxurrada se intensificou descendo feito forte cascata na Rua Barão de Anadia, bairro de Mangabeiras, ouviu-se um forte estrondo, foi um enorme bloco de barreira que se rompera, caindo por trás das casas daquela rua, onde soterrou cerca de 20 residências, mais de 30 moradores mortos.

No leito do vale do Riacho Reginaldo–Salgadinho a correnteza cada vez mais volumosa, insustentável, arrastava o que havia em seu corredor. Na foz, onde o riacho deságua na Avenida da Paz, o vagalhão chegou tão forte que rompeu ao meio a ponte de concreto da avenida. A ponte desmoronou, quebrou-se em dois enormes blocos de concreto, arrastados à beira-mar.

Onde havia a ponte sobre o Salgadinho, ficaram apenas trilhos dos velhos bondes pregados em seus dormentes. O bonde era o transporte urbano mais usado àquela época.

Ao amanhecer foram percebidos os estragos da catástrofe provocados por um volume de chuva nunca visto. Curiosos, usuários do bonde para o trabalho ficaram estarrecidos, contemplando as consequências da água violenta naquela manhã.

A Rádio Difusora dava detalhes da catástrofe, a enxurrada havia derrubado a ponte da Avenida da Paz. Depois do café da manhã, eu fui em busca de minhas “ratoeiras”, pensando ter um goiamum preso em cada uma. Procurei-as nos locais onde havia armado na saída do buraco, não encontrei uma sequer. Alguns locais estavam submersos. Retornei à praia, entrei no Hotel Atlântico, de uma privilegiada posição, na varanda, fiquei contemplando emocionado o vão da ponte apenas com os dormentes do bonde balançando.

Dois enormes blocos de concretos, dois pedaços de ponte levados pela correnteza, como se fossem rochas naturais jaziam à beira mar sendo molhados pelas marolas. Fiquei encantado com os trilhos pregados no dormente, resistindo numa linha curva, o que restou da tragédia.

Esses mesmos trilhos serviram como base de construção de uma ponte de pedestre provisória para usuários dos bondes atravessarem fazendo baldeação da linha Vergel do Lago – Ponta da Terra e vice versa. Os bondes paravam na cabeceira da ponte, o passageiro recebia um tíquete, atravessava a ponte improvisada, tomava outro bonde que o levava ao destino.

Carros, caminhões e ônibus seguiam seu destino de Ponta da Terra para o Centro, arrodeando, via bairro do Poço.

A meninada inocente aproveitou a tragédia como divertimento. Todo dia nós acompanhávamos as obras de engenharia, a construção da nova ponte do Salgadinho. Da cabeceira descíamos, ficávamos embaixo da ponte estreita de pedestre, em local estratégico, apreciando o que havia por baixo das saias das mulheres que atravessavam distraídas.

Com a construção rápida de uma ponte de madeira provisória na Rua Silvério Jorge, o trânsito voltou ao normal na região da orla. Minha rua ficou intensa, acabou-se o bucolismo. A nova ponte de madeira terminou a tranquilidade da rua, entretanto, continuou o divertimento de apreciar bater estacas e a concretagem de pilares e vigas. Foi nossa diversão até terminar a construção. A obra durou cerca de um ano, a nova ponte de concreto foi inaugurada com grande estardalhaço pelo então governador Silvestre Péricles de Gois Monteiro..


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 11 de abril de 2020

OITENTA (6) - MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO

 

MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO (6)

Não sou saudosista. Saudosista é a pessoa que vive, pensa e se alimenta do passado, sou até moderninho, um oitentão cheio de juventude. Mas gosto de relembrar os acontecimentos, as tradições, as brincadeiras, as festas de outrora. Muitas delas perduraram no tempo e mudaram pela evolução dos costumes e pelo consumismo. Hoje passando em casa a semana santa numa quarentena imposta ao mundo por um vírus que ameaça a  humanidade, eu fico a relembrar a semana santa do meu tempo de menino.

Havia uma mistura de religiosidade e brincadeiras divertidas. Iniciava no Domingo de Ramos quando se comemora a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém montado em um burrico. Seus discípulos trouxeram-lhe um burrico puseram em cima dele suas vestes, sobre elas Jesus montou. A multidão cortou ramos de oliveiras, espalhou-os pela estrada, formando um tapete de folhagem para o Rei dos Reis passar, em cima de um jerico. O povo acompanhava Cristo, clamava: “Hosana ao filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!” Ao entrar Jesus em Jerusalém, toda cidade se alvoroçou. Perguntavam: Quem é este? E a multidão clamava: “Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galileia.”

Assim aprendi nas aulas de catecismo no velho Colégio Diocesano. Essa parte emblemática da história do Cristianismo ficou gravada em minha memória: a marcha triunfal de Jesus em um jerico. Logo depois Ele foi traído e crucificado.

Entretanto, para a juventude dos anos 50, o melhor do Domingo de Ramos era a procissão saindo à tardinha da Catedral. Os colégios femininos religiosos compareciam: São José, Sacramento, era um desfile das moças mais bonitas de Maceió. Nós íamos com o objetivo quase pecaminoso de paquerar essas meninas, andando em fila, contritas, rezando de terço na mão. Um sorriso, um piscar de olho, valia a pena apreciar o arrastar da procissão.

O feriado começava na quinta-feira santa, a partir desse dia era proibido comer carne. Dona Zeca, minha mãe, cozinhava as delícias da semana santa: peixe à vontade, carapeba, arabaiana, cavala, camarão, siri, bacalhau, acompanhava o feijão e arroz de coco, além da jerimunzada e o bredo. Até hoje pergunto por que esses maravilhosos manjares são exclusivos da semana santa?

Na noite da quinta-feira era vez de uma brincadeira perigosa. A meninada saía em bando, cinco a seis moleques para “serrar um velho”. A brincadeira de serrar velho é uma tradição europeia conhecida desde o século XVIII. Reunia-se um grupo de brincalhões, diante da casa de um velho e serravam uma tábua com muito ruído, muito choro, muito lamento. Os velhos serrados irritavam-se com a brincadeira. Pela crença popular, um velho serrado não chegava à outra Quaresma, teria menos de um ano de vida. A garotada cantava alto acordando a vizinhança: “As almas do outro mundo, vieram lhe avisar que deste ano o senhor não vai passar”. “Encomende a alma a Deus, que seu corpo já não vale nada” e liam um bem humorado testamento em versos. Os velhos ficavam irados. Certa vez levamos uma carreira do pai de um amigo na Pajuçara, ele atirou em nossa direção com uma espingarda de sal. De outra feita, Seu Pádua um velho ranzinza da Avenida da Paz, quando estávamos lendo seu “testamento”, jogou um penico cheio de xixi e coco pela janela, fedendo, tive que ir para casa tomar um demorado banho.

Durante a Sexta-Feira da Paixão parecia que o mundo havia se acabado. As rádios tocavam músicas fúnebres. Era proibido ir à praia, até sorrir não podia. As prostitutas fechavam o balaio; o bairro boêmio de Jaraguá ficava deserto. À noite todos iam à igreja, para beijar os pés de Nosso Senhor morto.

Finalmente o Sábado de Aleluia. A meninada preparava um boneco de pano, era o Judas, sempre com um nome de algum político ou alguma figura pública inimiga do povo. Quando às 10 horas, os sinos da Igreja dobravam anunciando a aleluia, a moçada caía de cacete malhando e queimando o Judas amarrado em um poste. Melhor do que malhar um Judas, era roubar os Judas dos pivetes da vizinhança na noite anterior.

Na missa do Domingo da Ressurreição, os padres durante a homilia contavam a história como Cristo depois de morto subiu aos céus.

Hoje a ressureição é um espetáculo pirotécnico com atores globais, para se assistir comendo chocolate, tomando vinho.

Essa invencionice comercial, venda de ovo de chocolate, a comida dos Deuses, durante a Páscoa, está definitivamente institucionalizada pela propaganda e o consumismo. A meninada tem o ovo de chocolate e o coelho como símbolos da semana santa. Um período mais apropriado à meditação, à oração, tornou-se a festa do coelho e ovos de chocolate.

Os marqueteiros não combinaram com a Igreja, tão conservadora nos assuntos sobre sexo; pois, coelho é o símbolo de procriação, de fertilidade, de muitas transas, e chocolate está na lista de alimento afrodisíaco. Portanto, os símbolos da semana santa moderna, inventados pelo comércio, são apologias ao sexo, o que acho ótimo, não deixa de ser uma evolução da Igreja.

Essas lembranças dá saudade, amo as tradições de meu povo. Não troco minhas boas recordações da semana santa pelo ovo do coelhinho, e olha que sou chocólatra.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 04 de abril de 2020

OITENTA (5) - CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO (5)

Ao terminar o curso da Academia Militar das Agulhas Negras em 1961, escolhi Salvador para iniciar a vida de Oficial do Exército, cidade que conhecia apenas dos livros de Jorge Amado e das músicas de Caymmi.

Numa tarde de domingo me vi à frente do quartel do 19º Batalhão de Caçadores, bairro do Cabula. Um prédio de dois pavimentos janelados, paredes cinzentas. Entrei pelo Portão Principal, o oficial de dia levou-me ao primeiro andar onde um quarto estava à minha espera. Guardei minhas roupas, meus pertences, liguei o ventilador, deitei-me na cama de cueca, pensando, fumei um cigarro. Mais tarde, da janela de meu quarto, contemplei um alaranjado pôr-do-sol embelezando meu primeiro dia na Bahia. Naquele momento deu-me uma apreensão, medo do desconhecido que viria pela frente. Porém, eu tinha certeza e confiança que estava bem preparado para exercer a profissão que escolhi e lutei: oficial do Exército Brasileiro.

Nos primeiros dias no quartel já desempenhava trabalhos normais inerentes a um tenente: planejar e executar instrução militar, educação física, exercícios militares em campo, ordem unida, exercícios de tiro e outras funções que me foram impostas na administração do 19º BC. Orgulhava-me ser um bom oficial do Exército Brasileiro

Durante dois anos morando em Salvador tive o privilégio de ganhar amigos que me fizeram conhecer a Bahia mais bonita. Entre eles, o Subcomandante do Batalhão, coronel Diamantino Fiel de Carvalho, carioca, boêmio, homem da noite no Rio de Janeiro, amigo de artistas e celebridades. Quando algum artista se apresentava em Salvador, Diamantino o convidava para um jantar em casa. Assim conheci grandes nomes da música brasileira: Haroldo Barbosa, Elizeth Cardoso, Vanda Moreno, Luís Vieira, Dóris Monteiro, entre outros. Diamantino escrevia esquetes de humor para teatro e TV, inteligente, bem humorado, entretanto, na hora do serviço era de uma exigente, principalmente com os subordinados mais chegados.

Nas noitadas da Bahia eu o chamava pelo nome, Diamantino; no outro dia, com todo o respeito, era o Senhor Coronel. Afeiçoei-me e muito aprendi com essa figura humana extraordinária, militar e artista.

No 19˚ BC conheci um tenente baiano, Ângelo Roberto Mascarenhas. Foi meu guia nas ruas estreitas e enladeiradas da Bahia. Dancei no Tabariz, frequentei a Rua Chile, o Hotel Palace, a Ladeira da Montanha, tomei cachaça no Pelourinho. Na boate Clock dancei e namorei baianas bonitas. Foram farras homéricas na Cidade Baixa, no Mercado Modelo, nas Sete Portas. Amanhecemos dias de serenata no Forte de São Marcelo. Frequentei o terreiro de Mãe Menininha do Gantois que jogou búzios para mim, hoje sei que sou filho de Xangô.

Nas noitadas de boemia conheci a vida simples, musical e cheia de magia do povo baiano, guiado pela mão de Ângelo Roberto, um dos maiores pintores da Bahia, o melhor bico de pena do Brasil.

Ângelo tornou-se irmão, por adoção, nos adotamos. Em 1980 voltei a encontrá-lo e conservei essa amizade até a sua morte. Ele desenhou a capa de quatro dos meus livros. Quando criei a Festa Literária de Marechal Deodoro, convidei-o e ele todos os anos participava, com Marlene, expondo seus maravilhosos quadros na Casa do Marechal. Chorei feito menino quando li a notícia de sua morte ano passado.

Durante minha época de 19º BC me convidavam para festas na Vila dos Oficiais ou dos Sargentos. Certo dia conheci Silene, filha de um Major, a morena mais frajola da Bahia, me encantou seus cabelos lisos, negros, olhos pretos que nem uma graúna. Fui-me chegando como quem nada queria, em pouco tempo namorava a jovem de17 anos; eu 22.

O sogro determinou algumas regras do namoro. Domingo à noite jogávamos baralho. Sempre eu e Silene contra o casal de sogros. Aproveitávamos esse momento namorava por baixo da mesa, com os pés descalços fazíamos carinho um no outro. Certa noite fui ao banheiro, ao retornar peguei as cartas, era minha vez de jogar. Distraído, tirei o pé da sandália, instintivamente comecei a alisar os pés da Silene por baixo da mesa. De repente, senti um puxão do pé que estava embaixo do meu. Pelo olhar do Major, percebi que havia alisado o pé errado. O sogro, a partir desse engano fatídico, olhava-me desconfiado, talvez duvidando da minha masculinidade.

Numa noite encontrei Jorge Amado num restaurante, fiquei feliz, fui conversar com o grande escritor. Uma semana depois, Silene mostrando a Revista Manchete, ela brincava falando que na reportagem o Jorge Amado citou nosso encontro. Eu estranhei. Ao ler a entrevista, Jorge dizia gostar em ser famoso, só o aborrecia quando num restaurante algum bêbado puxava conversar mole.

Bahia terra da felicidade. Ai! que saudade tenho da Bahia….


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 28 de março de 2020

OITENTA (4)

 

OITENTA (4)

Meus 80 anos estão sendo comemorados constantemente. Por conta dessa idade magnífica, resolvi contar algumas histórias e fatos marcantes de minha vida. Peço desculpas aos leitores que gostam mais das histórias picantes. Prometo que depois dessa fase de memórias, retornarei com histórias cheias de sacanagem.

Inesquecível a entrada triunfal na Academia Militar das Agulhas Negras. Em frente ao Portão Monumental, estavam formados os novos cadetes vindo das mais diversas cidades do Brasil, de todas as classes sociais, de todas as cores raciais, de todas as religiões, tínhamos em comum a admissão na dificílima seleção intelectual e física para ingressar na AMAN. Éramos jovens orgulhosos em participar daquela solenidade caracterizada pela passagem dos novos cadetes pelo portão especial, ao lado da entrada principal, que só era aberto uma vez por ano e sempre pelo cadete mais novo da turma. Em 1959 teve a honra de ser “cadete claviculário” o mineiro, Cássio Rodrigues da Cunha, (tornou-se um dos mais brilhantes generais do Exército Brasileiro). Logo após a abertura, entramos marchando no asfalto em linha reta até o prédio da Academia. Naquele momento me sentia feliz e orgulhoso.

Fiquei deslumbrado com as instalações da Academia, uma das mais bonitas do mundo. A vida de cadete na AMAN era semelhante à da Escola Preparatória de Fortaleza. Alvorada às 6:00 da manhã, seguida de Educação Física. A novidade foi a equitação, eu nunca havia montado num cavalo, aprendi rápido e muitas vezes em fim de semana cavalgava pelo vale do Paraíba com colegas. O estudo era altamente organizado como em todas as Escolas Militares. No dia de prova o professor entregava as provas, saía da sala de aula, uma hora depois retornava recolhendo as provas. Ninguém colava. Era Código de Honra dos cadetes. O expediente terminava às 17:00 horas, tínhamos opção de assistir a um filme no cinema da AMAN ou dar uma volta na cidade de Resende ou estudar, eram matérias difíceis: Cálculo, Português, Balística, Psicologia, Economia, Geopolítica, Inglês, Física, Química, Pesquisa Científica, Filosofia, Instrução Militar específica, entre outras matérias.

Eu amava ler algum romance no bucólico bosque do riacho Lambari. Foi lá que um dia me contaram a história da construção da AMAN que se tornou lenda.

No início de 1943, tempo de II Guerra Mundial, a construção da AMAN foi paralisada por falta de verba; funcionava a velha Escola Militar do Realengo.

Naquela época uma das diversões dos cadetes era cavalgar nos dias de folga. Oito cadetes amigos costumavam montar nos fins de semana. Oito companheiros inseparáveis saíam sempre juntos, um ajudava ao outro nos estudos, nas dificuldades. Eram irmãos por opção. Em algumas noites costumavam sorrateiramente cavalgar até uma boate de mulheres que havia no subúrbio do Rio de Janeiro. Os oitos cadetes vestiam-se com pelerine (capa militar longa, azul marinho, sem mangas), botas e o quepe a Príncipe Danilo. O mulherio se assanhava quando eles apareciam. Faziam farras homéricas no cabaré. Diversão de alto risco. Se fossem apanhados pela Patrulha Militar pegariam cadeia ou até expulsão.

Certa noite depois de dançar, deitar com as “namoradas” e farrear, os oito cadetes montaram nos cavalos escondidos no mato, em duplas galoparam pela estrada, retornando à Escola Militar de Realengo. Ao passar por uma rua deserta, por volta das 23 horas, perceberam numa esquina escura quatro homens assaltando, batendo num senhor, ele pedia clemência, que não lhe matassem. Os cadetes não precisaram combinar, puxaram as rédeas dos cavalos em disparada para o local do assalto, com destemor e perícia, desmontaram dos cavalos a galope, agarraram os bandidos. Dois cadetes socorreram o cidadão machucado de murros e pontapés, devia ter cerca de 60 anos, os outros prenderam os marginais. Entregaram os facínoras numa delegacia próxima, o velho ferido foi deixado num hospital, ao chegar à Escola deixaram os cavalos nas baias, foram dormir.

Na segunda-feira durante a formatura matinal, o comandante da Escola Militar do Realengo pediu à tropa para que os cadetes que tinham salvado a vida de um cidadão se apresentassem; o filho desse senhor encontrava-se na Escola, queria agradecer pessoalmente. Receosos em pegar uma cadeia, os oito amigos não se revelaram. Depois de o comandante muito insistir e prometer de não haveria punição, os cadetes se apresentaram. Foram levados à presença do velho no hospital. Era nada mais nada menos que Henrique Lage, um dos homens mais ricos do Brasil, donos de empresas, inclusive o Loyd Nacional, companhia de navios que fazia a costa brasileira.

O rico senhor agradeceu aos cadetes e perguntou qual a precisão de cada um, eles escolhessem o que quisessem: uma casa ou carro, ou o que fosse. Os oito amigos pediram para pensar. Reuniram-se, discutiram muito. No dia seguinte foram ao ricaço. Nada queriam para eles, pediam que ele ajudasse a terminar a construção da Academia Militar das Agulhas Negras que estava paralisada. O velho deu a ordem, mandou buscar o mais fino mármore de Carrara na Itália para o revestimento, mandou comprar todo o piso em granito, recomeçaram as obras da Academia por sua conta. Até hoje perdura a suntuosidade daquele belíssimo conjunto arquitetônico. A AMAN é considerada a mais bonita Academia Militar do mundo, graças à digna história dos oito cadetes, hoje anônimos militares reformados de nomes esquecidos, entretanto, o belo gesto, a coragem, o destemor e o amor à Escola, tornaram-se lenda.

A Academia foi base de minha aprendizagem, do meu saber e do amor ao Brasil ao longo desses 80 anos. A Academia ainda deu-me uma das maiores riquezas que conservo todo esse tempo: os colegas que entraram por aquele portão tornaram-se meus irmãos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 21 de março de 2020

OITENTA (3)

 

OITENTA (3)

Esses meus oitentas anos estão me remetendo a fatos marcantes em minha vida. Hoje me lembrei de minha entrada na Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza no longínquo ano de 1956. Era um menino.

No primeiro dia distribuíram, para cada aluno, um enorme saco com fardamentos, equipamentos, manuais. Levei o saco nas costas e arrumei no armário, forrei a cama, coloquei minha primeira farda de brim verde: calça, camisa de mangas compridas, por cima de uma cueca samba canção, cinturão, um gorro na cabeça, por fim calcei um coturno preto de laços entrelaçados. Logo o sargento gritava: “Primeiro ano em forma!”. Pela primeira vez entramos em forma. Passamos o dia recebendo instruções de como seria a vida na Escola.

Dia seguinte entramos na rotina: alvorada às 5:30 da manhã. Vestido de calção de educação física, camiseta e tênis a turma foi levada para o campo de futebol onde os tenentes ministraram vários tipos de ginásticas planejadas. Retornamos para o banho. No alojamento vestimos o roupão com o sabonete na mão, corremos para o banheiro coletivo. Logo, fardados, nos levaram para o café da manhã. Satisfeito com a gororoba, marchando, cada turma dirigia-se para as salas de aulas. No primeiro ano só matérias básicas: aritmética, álgebra, geometria, trigonometria, português, inglês. Ensino puxadíssimo com excelentes professores. Às tardes nos ministravam Instrução Militar.

Foi difícil a adaptação daquele menino da praia de uma infância extraordinária, livre, leve e solta na Avenida da Paz em Maceió. Várias vezes senti vontade de pedir desligamento da Escola, mas ao mesmo tempo a vontade de vencer aqueles obstáculos me dava força.

Certa tarde de sábado fiquei indignado com um trote de um veterano, mandou que eu arrumasse seu armário, engraxasse coturnos, etc. Perdi meu sábado. Delatar jamais. Então eu decidi pedir desligamento e voltar para minha Maceió. Porém, houve uma santa coincidência, na segunda-feira recebi uma carta de mau pai que decidiu minha vida para sempre.

Carlito,

Meu afetuoso abraço. Recebemos a tua carta que nos encheu de alegria ao sabermos da tua satisfação aí na Escola, mas também de saudade do filho querido, que tanta falta tem feito.

Porém, Carlito velho, a vida é assim mesmo; é luta brava, principalmente na carreira que escolhestes.

Temos absoluta certeza, e inabalável fé em Deus, que serás muito feliz.

Não fraquejes ante nenhum obstáculo; enfrenta-o sempre de ânimo forte. Acostuma-te desde agora aos rígidos princípios da disciplina; aceita-a conscientemente, pois ela é a mais bela característica do soldado.

Estuda, dedica-te com muito esmero às tuas obrigações escolares; este hábito salutar será constante na tua vida profissional e fator decisivo na carreira.

O valor de um oficial está em função da sua cultura, do seu saber, do seu carinho aos afazeres profissionais.

Procura, desde já, meu filho, ser “Caxias”. Mas “Caxias” sem intransigência. Correto no cumprimento dos deveres, porém humano, delicado, sereno e leal no tratamento com seus subordinados e companheiros. O oficial que assim procede é respeitado, acatado e querido por todos.

Pensa sempre no bem do Brasil; sirva mesmo de rumo aos teus atos e ações o pensamento constante na grandeza da Pátria querida.

Porém, jamais te cumplicies aos aventureiros da política malsã, que infelizmente ainda infesta o Brasil. Seja sempre digno, mantenha sempre bem alto o alvo de tuas ambições e afetos; porém também sempre te lembres que são injustificáveis as “quarteladas” e a “ditadura”.

São estes, meu filho, os conselhos gerais, que a experiência de mais de trinta anos de serviços do teu pai, que o carinho e o afeto que te dedico, que a vontade imensa de te ver vitorioso na carreira que espontaneamente escolhestes, me inspiram.

São advertências saídas no mais íntimo do meu coração.

Prepara-te, pois, para a vida, meu filho, certo de que nem tudo serão flores. Os espinhos, as ilusões surgirão fatalmente. Mas que nada abata o teu ânimo forte, o teu caráter, a tua dignidade, a tua coragem, o teu ardor cívico, o teu amor à carreira que abraçastes.

Esta a única riqueza que teu pai pode legar.

Guarda com carinho esta primeira carta que te escrevo e que a Divina Providência te faça muito feliz. Tua mãe e teus irmãos te abraçam. A saudade de seu pai.

Mário Lima.

(Tenho essa carta guardada desde abril de 1956)


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 14 de março de 2020

OITENTA (2)

 

 

OITENTA (2)

Ao completar 80 anos, vivo a recordar passagens de minha vida agitada e bem vivida, alguns fatos que ficaram em minha mente e no coração, fazem parte de meu ser. No longínquo de 1955, eu era um adolescente, 15 anos, vindo de uma infância livre, leve e solta, pelos arredores da praia da Avenida da Paz. Naquela época em Maceió havia apenas a Faculdade de Direito, as outras opções de “futuro brilhante” era submeter-se aos concursos do Banco do Brasil ou da Escola Militar. Cheio de empolgação, família de militares, era um crack na matemática, encarei o difícil exame para Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza. Certa noite de festa de rua de natal na Praça Sinimbu, um amigo, Jarbas Bagdá, deu-me a notícia mostrando o jornal, O Globo do Rio, estava lá meu nome entre os aprovados, era a glória. Corri desembestado para dar a notícia em casa. Dona Zeca, festeira que só ela, improvisou maior festa, meu pai orgulhoso, amigos e parentes, bebidas e comidas à vontade. Altas horas, ao terminar a comemoração familiar, atravessei a Avenida da Paz, andei pela praia de areia fofa com uma garrafa de vinho numa mão, sapatos na outra. A lua iluminava a imensidão do mar. Eu pensava, me perguntando, ”O quê será?”.

Retornei, subi os degraus do coreto, sentei-me no parapeito, olhando para o infinito, não sei de felicidade ou tristeza chorei como menino. Naquele momento estava deixando de ser menino. Ser menino foi uma passagem extraordinariamente bela de minha vida. Logo o dia amanheceu lindamente alaranjando o céu. Dei os últimos goles na garrafa, entre feliz e bêbado, fui dormir.

O Exército deu-me a viagem para Fortaleza em duas etapas: de Maceió ao Recife de trem, e do Recife à Fortaleza, via marítima. Numa madrugada de março, deixando minha mãe chorosa, meu pai levou-me à bela Estação Ferroviária de Maceió. Embarquei no trem para Recife juntamente com Rubião Torres e Élio Wanderley, outros alagoanos aprovados nos exames da EPF. Partimos no famoso Trem das Alagoas às 06:00 horas da manhã com chegada prevista 18:00 horas, nunca cumpria o horário.

Escalas incontáveis, Bebedouro, Fernão Velho, Satuba, União dos Palmares, pequenas cidades perdidas nos canaviais.

Nas estações, desciam e entravam novos passageiros. O trem parava o mínimo tempo, os ambulantes aproveitavam para vender frutas e outras comidas. ”Olha a manga madurinha… Cavaco, olha o cavaco… Tapioca quentinha feita na hora…Olha a água de quartinha…Chapéu de palha…” Esses ambulantes me impressionaram. Em cada estação pareciam as mesmas pessoas, os mesmos artigos oferecidos. Também havia pedintes. ”Dê uma esmola para o aleijadinho… Um auxílio para quem tem fome”… Os meninos pediam tostões e o ceguinho cantava na viola: ”Seu José, Dona Maria… Tenha pena do ceguinho que não vê a luz do dia…”

O maquinista puxava o apito, o foguista botava lenha, a vistosa Maria Fumaça puxava os vagões como se fora a mãe pata e os patinhos em fila. O trem invadia canaviais, verde cana, cana caiana. O azul do céu encontrava-se com o verde dos morros nos horizontes ondulados. O poeta Ascêncio Ferreira imortalizou essa viagem com o poema, “O Trem das Alagoas”. “Vou danado pra Catende, vou danado pra Catende com vontade de chegar… Mergulham mocambos nos mangues molhados… Moleques mulatos vêm vê-los passar… Adeus, adeus, mangueiras, coqueiros, cajueiros em flor. Adeus morena dos cabelos cacheados… Vou danado pra Catende com vontade de chegar…Cana caiana, cana roxa, cana fita, cada qual é mais bonita, todas boa de chupar…Vou danado pra Catende, com vontade de chegar. Já deixei a praia longe…e vem perto outro mar.”

O outro mar ainda desconhecido estava longe, viagem cansativa, bancos de madeira dura. Conversávamos, especulávamos o que haveria de ser, três meninos. No fundo do coração batia a saudade de meus pais, de meus irmãos, de meu mundo, de minha praia. Às vezes tinha vontade de chorar, olhava o verde canavial no infinito e disfarçadamente enxugava uma lágrima. Eu era apenas um menino.

Na hora do almoço, fomos para o vagão restaurante. Tomamos bebidas conversando amenidades, a cerveja alegrou o restante de viagem. Era noite quando o trem entrou na última estação, afinal Recife. Primeira etapa da viagem cumprida, a danada da saudade a apertar, não valia chorar.

Ao descer do trem, avistei Seu Marcos, sogro de minha irmã Rosita. Levou-me para sua casa, belo prédio antigo na Rua da Imperatriz, centro do Recife. Tive tratamento de príncipe, no outro dia embarcaria para Fortaleza no navio de guerra Barroso Pereira com futuros colegas. Cansado fui deitar. Com o travesseiro abafei meu choro, minhas lágrimas, meus temores. Adormeci. Nessa noite fiz xixi na cama.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 08 de março de 2020

OITENTA

 

OITENTA

No carnaval houve uma homenagem aos meus 80

Quando eu era jovem, bem jovem, imaginava um homem de sessenta anos balançando-se numa cadeira confortável, apenas esperando a morte chegar. Hoje cheguei aos oitenta, ultrapassei a barreira de meu prognóstico de vida para um velho homem. Agora, deitado numa rede na varanda de minha confortável casa na praia, leio um poema de meu amigo Lêdo Ivo que gravei na parede da sala.

Na Barra de São Miguel, diante do mar,
só agora aprendi:
o dia mais longo do homem
dura menos que um relâmpago.

O tempo inexorável com fome ávida vai devorando o que resta de uma vida que dura menos que um relâmpago. A alguns homens memórias distantes se consentem. Eu ainda sinto a brisa do mar da praia da Avenida da Paz quando menino. Ainda está gravada em minha mente certa tarde depois de um almoço na casa de minha avó, seus filhos e netos reunidos, sentados em cadeiras de palhinha, embaixo de uma frondosa amendoeira, conversando alegremente sobre todos os acontecimentos daquela cidade. De calça curta com cinco ou seis anos, eu brincava com irmãos e primos, subíamos as escadas do belo coreto branco, pulávamos na areia fofa da praia.

Naquele cenário de um mar azul esverdeado de água cristalina passei minha solta e alegre infância. Na extensa praia jogávamos futebol, olhávamos as moças de maiô, brincávamos de trincheiras, jogando bolas de areia no inimigo, soltávamos ao vento as arraias (pipas) coloridas no céu. À noite o calçadão da Avenida da Paz era uma festa. A mocidade jogava garrafão, brincava de roubar bandeira, gata parida, andar de bicicleta. Ao ganhar um par de patins no natal, coloquei-o na hora, fui à calçada iniciei levando quedas, arranhando os braços até aprender a me equilibrar, que alegria.

Todos os dias pela manhã, tomava o bonde na Avenida rumo ao Centro da cidade onde eu estudava no Colégio Diocesano (Marista). Ao meio-dia, suado, exausto, pegava o bonde de volta, linha Vergel do Lago – Ponta da Terra, ao passar por minha casa descia do bonde andando, uma proeza para encantar as mocinhas sentadas esperando parar no ponto. Com minha curiosidade aguda eu gostava de estudar, era o rei da matemática na sala de aula. Em casa meu pai tinha uma boa biblioteca, comecei a ler bons livros, o Tesouro da Juventude, li todos de Monteiro Lobato, mas fiquei fascinado com O Minotauro. Depois entrei no círculo dos grandes romances da humanidade. Às tardes eu estudava numa puxada que meu pai construiu no fundo do quintal, dava uma passada nos livros, depois seguia para o lamaçal à beira do Riacho Salgadinho colocando “ratoeiras” feitas de lata de óleo nos buracos de caranguejo.

Não havia alegria maior quando depois retornava para olhar as “ratoeiras” e tinha alguma com um goiamum enorme, preso. Levava para casa e deixava-o num engradado de madeira e taipa, para cevar. Quando completava mais de 20 caranguejos cevados minha mãe cozinhava uma bela caranguejada, os amigos se empanturravam. Às vezes organizávamos campeonato de futebol de botão. Geralmente na casa do Lizardo e Mário Jardim onde eles construíram um perfeito campo, liso, sem algum defeito na madeira. Passávamos a tarde e noite jogando botão. As mães de nossos amigos eram como se fossem nossas mães.

Quando o diabo atentava íamos passear pelos sítios da vizinhança roubando manga, caju, melancia, coco, enchíamos o bornal e comíamos, alegres, sentados no meio fio do beco da Avenida para Rua Silvério Jorge. Aos treze anos quando a puberdade apareceu em forma de pelos e cabelos junto com a libido, o assunto era mulher. Com 14 anos arranjei minha primeira namorada no bairro do Farol. À noite, depois do jantar, subia de bicicleta a ladeira do Farol, para passar duas ou três horas namorando junto com a turma, para o pai da moça não desconfiar, em vez em quando segurávamos na mão do outro, cheio de felicidade de menino.

Elizeth Cardoso, que faz centenário este ano, cantava um samba que diz mais ou menos assim: Se eu morrer amanhã… Não levo saudade… Eu fiz o que quis… Na minha mocidade… Amei e fui amado… Beijei a quem eu quis…Se eu morrer amanhã de manhã… Morrerei feliz, bem feliz.

Não, não, nem pensar em morrer, ainda tenho muita coisa a fazer. Acontece que, fazendo um balanço de minha vida nesses oitenta anos, ela foi, e ainda é ótima, apesar de alguns percalços. Só essa infância querida que os anos não trazem mais, valeu a pena, sim senhor, nesses oitenta.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 02 de março de 2020

DE COMO CRISTINA, BELA, RECATADA E DO LAR, TRANSFORMOU-SE NA DONA DA NOITE

 

DE COMO CRISTINA, BELA, RECATA E DO LAR, TRANSFORMOU-SE NA DONA DA NOITE

Era uma vez em Maceió, uma jovem, bela, recatada e do lar, marido de tradicional família do açúcar alagoano. Cristina, aluna do Colégio Santíssimo Sacramento, aprendeu costurar, cozinhar, ser rainha da casa. Pai evangélico, a filha saía à rua, às festas, só acompanhada dos irmãos, assim, sua virgindade permaneceu invicta até o casamento. Sua beleza e sensualidade exuberantes chamavam atenção . Numa festa de Carnaval conheceu Antônio Alfredo, mancebo de família rica, estudante de Direito em Coimbra, bonito, másculo, o xodó das mulheres, passava férias na cidade.

Antônio Alfredo encantou-se com Cristina, a bela, iniciaram namoro de portão de casa, horário e vigilância rígidos. Dentro de dois anos casaram-se, apesar da resistência dos pais do noivo, não era bem querer a entrada de uma filha do pastor na família. Antônio, advogado das empresas familiares, se impôs, casou-se, com direito à Lua de Mel na Europa.

Três anos se passaram, o casal bonito chamava atenção. Antônio não queria filho, Cristina frustrada. O ritmo de amor na cama diminuiu, às vezes mais de três meses sem um carinho. Em conversa com a prima Sofia, Cristina ouviu com atenção o relato das peripécias sexuais da prima na cama com o marido. Cristina, ingênua, encantou-se com os detalhes contados, ascendeu uma fogueira em suas entranhas, quase adormecidas.

Certa noite, depois do banho, vestiu minúscula lingerie preta, divina. Antônio ao deitar disse apenas cansado, deitou-se, virou-se para o lado. Ela não admitiu ter se preparado e o marido, sequer notou. Abraçou -o, atacou com volúpia, mãos e bocas entornaram o corpo másculo. Antônio levantou-se, olhou para esposa, repreendeu, “quem faz isso é prostituta, quem lhe ensinou? Você quer ser rapariga? “. Foi dormir em outro quarto.

Cristina chorou, seus instintos desejavam aqueles carinhos ensinados pela prima. Ela se perguntava, era uma tarada? Custou a dormir. Antônio jamais voltou a falar sobre o acontecimento daquela noite.

O casal gostava de passar fim de semana no bucólico sítio da família em Bica da Pedra, beirando a lagoa Mundaú. Certo domingo Cristina teve que retornar à Maceió mais cedo, o motorista foi levá-la. Perto da noite ele pegaria Antônio. Deixou o marido cheio do uísque deitado na rede. Vinte minutos de viagem sentiu a falta da bolsa, naquela época não havia telefone no sítio, resolveu voltar. Ao entrar na casa não havia vestígio do marido, apanhou a bolsa em cima da mesa, de repente ouviu barulho em seu quarto. Ao abrir a porta, um choque inesperado, a cena mais horripilante permaneceu na memória para o resto da vida: O belo Antônio, nu, abraçado ao filho do morador. Cristina soltou um grito de horror, correu, entrou no carro, chorando até chegar em sua casa.

Era noite quando Cristina parou de chorar, tomou um banho, olhou-se no espelho, achou-se bonita. Colocou um belo vestido, pegou um taxi em direção ao Zinga Bar em Riacho Doce, avistou alguns conhecidos, sentou-se à mesa com amigas, a partir dessa noite, escandalizou a província saindo com homens solteiros e casados. Cristina e Antônio tornaram-se comentários em todas as esquinas, bares e lares da cidade.

Certo dia, sem avisar, Cristina viajou ao Rio de Janeiro. Amou a balada carioca dos anos 60/70. Bonita, fez sucesso entre artistas, políticos, desocupados. Arranjou um emprego para se sustentar, expediente a partir do meio dia numa repartição pública. Ela caiu nas noitadas cariocas. A nova vida tornou-a uma boêmia. Fez sucesso, os homens faziam fila esperando sua vez. Até que certo dia um senador se apaixonou, deu-lhe apartamento, joias, um emprego no Senado, letra O, em troca da exclusividade. Os anos passaram, teve dois filhos com o Senador. Hoje, mora em Copacabana, nenhum vizinho sabe a origem, o segredo daquela bela setentona, “viúva” e rica. Da janela de seu apartamento, Cristina olha o mar azul, relembrando sua juventude, bela, recata e do lar. Quando dá saudades vai rever o sítio da Bica da Pedra na lagoa Mundaú.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 15 de fevereiro de 2020

BANHO DE MAR À FANTASIA

 

 

BANHO DE MAR À FANTASIA

A Avenida da Paz se apinhava de gente de toda espécie e classe social no domingo anterior ao carnaval. A partir das 8 da manhã já começavam a chegar as troças, as fantasias, as críticas e os blocos para o grande desfile do Banho de Mar à Fantasia coordenado pela COC – Comissão Organizadora do Carnaval da Prefeitura de Maceió. Nas imediações da Fênix um palanque dava guarida para uma banda tocar músicas de carnaval e o povo na rua, fantasiado ou não, pulava e dançava até mais tarde no maior calor ô..ô…ô…ô…ô…ô. Depois um mergulho, com fantasia no corpo, na água límpida transparente, esverdeada dos mares da Avenida.

Iniciava o desfile oficial perante o palanque armado com os jurados escolhidos pela COC para entregar a taça de campeão. Primeiramente vinham as críticas e troças com a irreverentíssima turma do Bráulio Leite, Santa Rita, Rubem Camelo, Vadinho, João Moura, Napoleão. Esses não perdoavam governo e governantes. Depois vinham fantasias. Tarzan e sua esposa eram o casal devorador de prêmios, saíam sempre de Tarzan e Jane durante o carnaval, mas no Banho de Mar à Fantasia se fantasiavam como casais famosos: Sansão e Dalila; Marco Antônio e Cleópatra… Fusco, militar da aeronáutica tinha suas tiradas. Certa época o filme do momento era “Amar foi minha ruína”, Fusco saiu de moça grávida, e atrás um cartaz “Amar foi minha ruína”. Lincoln Jobim um especialista, se fantasiava de Seu Fortes, um doido conhecido na cidade que andava com muitos cachorros, Lincoln era um artista, imitava Seu Fortes melhor que o próprio.

O desfile finalizava com a competição entre os blocos carnavalescos: Vulcão, Bomba Atômica, Pitanguinha vai à Lua, Vou Botar Fora, Cara Dura, Cavaleiro dos Montes, maior disputa. Depois de passar pelo palanque das autoridades e jurados os blocos continuavam arrastando as multidões na avenida, atravessavam a ponte do Salgadinho e perto do coreto entravam na Rua Silvério Jorge 290, onde o general Mário Lima esperava cada bloco com bate-bate de maracujá, cerveja gelada e um bom tira-gosto para os músicos. Tocavam 4 ou 5 frevos, depois seguiam em frente, outro bloco já estava na porta. Minha casa era uma festa, amigos dançavam, faziam o passo na enorme varanda durante o restante da tarde.

Acompanhávamos os blocos na entrada e saída, uma alegria entre os amigos, figuras das mais conhecidas entravam no embalo, como as badaladas cronistas, Lilian Rose e Maria Cândida, o deputado Guilherme Palmeira, a fina flor do soçaite alagoano, Almir Furtado, Edson Frazão, Marta Mendonça, delegado Aurino Malta, misturavam-se com o povão, era a democracia carnavalesca. Atrás dos blocos mesclava-se engenheiro e servente, médico e enfermeiro, capitão e soldado, filhas de Maria e prostitutas de Jaraguá. Os blocos terminavam de tocar em minha casa ao entardecer, festa antecipada do carnaval. Namoros feitos, outros desfeitos, a alegria do carnaval tomava conta da juventude.

Ao pôr-do-sol o povão voltava para suas casas. Cansados, os blocos recolhiam seus estandartes esperando o carnaval chegar.

Certa vez, no lusco-fusco do anoitecer, Arnaldo, aluno do NPOR, passou todo frajola por mim e Uchoa, dois guerreiros cansados. Ele deu um sorriso de superioridade mostrando sua companheira abraçada pela cintura. Era Guiomar, uma das piniqueiras (assim chamávamos maldosamente as empregadas domésticas) mais disputada, mais paquerada da região. Ele se dirigiu à praia agarrado na cintura fina daquela monumental mulata calipígia e desejada. A inveja é o pior sentimento do mundo. Demos apenas meia-hora. Na calada da noite, a areia fofa da praia absorvendo o barulho, fomos nos achegando em direção onde Arnaldo amava Guiomar.

Eles entretidos não perceberam que chegamos bem perto. Ao ver o casal abraçado, rolando na praia, virando-se, lambuzando-se de areia, demos um grito que assustou nosso amigo e a bela Guiomar: “É a Polícia!!!!”. Arnaldo nu, completamente melado de areia, levantou-se gritando incontinente: “Sou tenente do Exército Brasileiro, sou tenente do Exército!!!”. Só percebeu a brincadeira quando demos uma gostosa gargalhada. Nos retiramos, deixamos os dois pombinhos se amarem. Olhando para trás percebi dois vultos entrando no mar, na água calma e morna da Avenida. Num mergulho o casal tirava a areia do corpo, a fantasia natural de “bife à milanesa”, a derradeira do Banho de Mar à Fantasia.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 08 de fevereiro de 2020

SÃO TRINTA COPOS DE CHOPE...

 

SÃO TRINTA COPOS DE CHOPE…

Juçara quando aparecia de biquíni na praia, os homens encantavam-se. Alegre, liderava a turma jovem em noites frescas nos bancos da Avenida da Paz. Naquela época o ensino público era eficiente, ela passou no vestibular de medicina. Porfírio, colega de faculdade, tornou-se o amigo inseparável. Depois da praia, gostavam de conversar e tomar cerveja no Castelinho, bar instalado no coreto da Avenida. Na primeira cerveja, eles brindavam, batendo os copos, recitando um poema de Carlos Pena Filho.

“São trinta copos de chope… São trinta homens sentados… Trezentos desejos presos… Trinta mil sonhos frustrados… ”

Quando foi realizado um Congresso de Plantadores de Cana em Maceió. Juçara trabalhou como recepcionista. Todas as noites um senhor visitava o estande. Encantou-se com aquela jovem meiga, inteligente e alegre. Esse senhor, fazendeiro em Minas Gerais, separado da mulher, era rico e solitário. Juçara até que simpatizou com o mineiro que lhe prometeu o Céu, a Terra e o Mar se ela o quisesse. O homem apaixonou-se. Dias depois do Congresso ele retornou a Maceió, procurou Juçara. Conheceu os pais, queria casamento. Foi um reboliço na família. Um rico fazendeiro de 40 anos, apaixonado e louco para casar com aquela menina de  18 aninhos, iniciando o curso de Medicina.

Juçara, embora achasse o pretendente inteligente, não tinha amor suficiente para casamento. Outro problema era a faculdade, pois iria morar em uma fazenda no interior. Ela pediu tempo para pensar. Júlio, o fazendeiro apaixonado, deu o tempo que quisesse, ele esperaria por toda vida, seu amor era infinito e paciente.

Quando Porfírio soube que Juçara aceitara o casamento, levou um choque. Foi como se um feixe de flechas tivesse lhe atravessado o tórax, o coração.

Na véspera da viagem, encontraram-se na boca da noite no Castelinho. Juçara estava deslumbrante em um vestido amarelo, quase transparente. Emocionados brindaram à felicidade da noiva. Bateram os copos, recitaram o poema predileto. Quando olharam nos olhos, os dois marearam. A primeira lágrima caiu dos olhos de Porfírio e outras mais caíram, abraçaram-se juntos à mesa. Porfírio não se conteve, sussurrou no ouvido da doce amada: “Lhe amo, lhe amo, lhe amo e nunca lhe esquecerei…”

Juçara, segurando as emoções, confessou a verdade: estava casando por necessidade, o pai tinha câncer, o tratamento para poder sobreviver cinco ou dez anos, era caríssimo. Ele era sua própria vida, daí esse sacrifício. Pediu perdão a seu amado, dizendo que também jamais o esqueceria, e que lhe ajudasse nessa difícil decisão. Não sabia se certa ou errada. Seu pai, que não imaginava a história verdadeira, deu sua vida batalhando por ela, merecia essa loucura pragmática.

Certo momento, Juçara pediu para passear pelo calçadão da Avenida. De mãos dadas, feitos dois namorados, seguiram mudos, pensativos. O céu estava negro, escuro, um milhão de cintilantes estrelas. Em certo momento pararam. Impulsionados pelo amor e os hormônios, desceram à praia. Ao chegarem à areia morna, olharam-se, abraçaram-se. Ele beijou e lambeu o longo pescoço da amada, enquanto ela sussurrava seus ais e num grito abafado pediu: “Quero você, quero você, me possua…”

Anos se passaram, Porfírio pouco viu Juçara quando ela passava alguns dias em Maceió. Só aproximou-se uma vez para dar os pêsames no enterro de seu pai.

Durante o carnaval passado, Porfírio, coroa enxuto e alegre, bom folião, brincava entre amigas no Bloco da Nêga Fulô, de repente tomou maior susto ao deparar-se com uma mulher exuberante que dançava e pulava à sua frente. Era Juçara no esplendor de sua maturidade, pulando e cantando as marchinhas de carnavais antigos. Brincaram juntos, felizes da vida, terminaram a noite embriagados se enrolando na praia de Ponta Verde. Marcaram encontro no outro dia no Bar do Alípio às cinco da tarde.

Porfírio, o viúvo mais paquerado da cidade, no dia seguinte às 10 para cinco ele estava sentado no deck da Lagoa Mundaú, esperando a amada. Juçara desceu de um táxi com elegância e beleza, tinha no corpo colado o mesmo velho vestido amarelo de anos atrás, havia guardado e nunca usado. Aproximou-se sorrindo, deu um beijo em sua face, sentou-se a seu lado. Porfírio controlou a emoção, reconheceu o vestido. Juçara desabafou pela primeira vez na vida. Contou o sofrimento que teve com o marido mineiro, bem mais velho, extremamente ciumento, mesquinho, raparigueiro, “qualidades” que só apareceram depois do casamento. Proibiu-a de ir à cidade sem sua companhia, nem sequer para assistir um cinema. Tem dois filhos, sua felicidade, seu amparo para aguentar aquele homem violento, que às vezes bêbado dava-lhe murros e tapas, ainda acusando-a não ser virgem quando casaram-se, como se fosse um crime. Há seis meses teve coragem saiu de casa, separou-se do velho marido, mora em Belo Horizonte e quer voltar a estudar medicina.

O reflexo dourado da Lagoa Mundaú era um espetáculo de brilho e cores cintilantes tremeluzindo a água calma, cortada por canoas de velas brancas.

Quando o Sol começava a se esconder, a baixar lá para o fim do mundo para a noite chegar; aconteceu um beijo, terno, carinhoso, como se fossem velhos amantes. O garçom encheu os copos de cerveja, eles sorriram felizes, brindaram, recitando alto: “São trinta copos de chope… São trinta homens sentados… Trezentos desejos presos… Trinta mil sonhos frustrados…”


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 02 de fevereiro de 2020

O PRESENTE DE LUZIA

 

 

O PRESENTE DE LUZIA

Pedrinho chegou à puberdade como todo jovem com muito hormônio, a libido aperreando, sexo despertando, entretanto, suas duas paixões continuavam: velejar e nadar. Ele morava perto do Iate Clube Pajussara onde guardava o barco; desde cedo aprendeu o manejo das velas, campeão juvenil de snipe. Descia o barco da garagem, sozinho, velejava pela enseada, bordejava, virava, encantava-se com o mar verde esmeralda, às vezes azul turquesa, amava ficar na solidão enorme do mar.

Todo dia acordava cedo, vestia o calção de banho, atravessava a rua, corria, mergulhava na água tranquila, pequenas marolas, nadava rumo ao infinito, de repente retornava, às vezes acompanhado de botos ao lado como se fossem batedores protegendo o jovem nadador. Depois do mergulho matinal, Pedrinho tomava um bom café, colocava os livros na pasta, pegava bonde ou ônibus rumo ao Colégio Diocesano.

Pela tarde, descansava do almoço, estudava as matérias do dia um puxado construído no quintal, depois caía no mundo: jogar futebol na praia, ximbra, botão, muitos amigos, juventude livre e solta na praia de Pajuçara.

Certa tarde, Pedrinho foi guardar seus livros na puxada junto ao quarto de empregada. Teve vontade de ir ao banheiro entrou no quarto, ao abrir a porta, tomou um susto ao ver Luzia, a copeira, nua como veio ao mundo tomando banho no chuveiro, deu-lhe uma paralisia ao olhar a bela mulher completamente nua, precisou algum tempo para sair do banheiro. Emocionado retornou à puxada para terminar os deveres de casa, em sua cabeça, em seus pensamentos, na sua libido estava forte a imagem do corpo de Luzia. Sertaneja, 27 anos, abandonada pelo marido, trabalhava em casa de família para poder sustentar um filho que morava com os avós em Dois Riachos.

Pedrinho saiu do delírio erótico quando Luzia falou quase cochichando: “pode ir, já acabei”, deu um sorriso entre maroto e sem vergonha. Na tarde seguinte Pedrinho comia uma doce pinha na varanda do quintal, Luzia se achegou provocando, “Vá guardar seus livros, vou tomar banho, pode olhar, mas só olhar, está ouvindo?” O jovem ficou excitado, esperou Luzia entrar no quartinho, apanhou seus livros, dirigiu-se ao quintal, olhava para os lados, desconfiado, como quem pratica um mal feito, seu coração aos pulos, chegou perto da porta, abriu, ficou encantado, o sangue ferveu nas veias ao ver Luzia embaixo do chuveiro se esfregando. Pedrinho retornou ao seu quarto, sua mente via apenas Luzia esfregando coxas e nádegas com sabugo de milho. Naquela tarde homenageou Deus Onã.

Os banhos de Luzia ficaram em segredo entre os dois, toda tarde havia essa liturgia erótica no quintal. Passaram mais de três semanas nesse ritual. Pedrinho não suportou o segredo, se gabando contou a Juvêncio, seu melhor amigo, o que estava acontecendo às tardes no quintal. Juvêncio queria também ver mulher nua; com a recusa do amigo, chantageou, ameaçou espalhar para rua toda. Na tarde seguinte, Luzia tomou um susto ao ver os dois jovens abrirem a porta do quartinho, toda ensaboada, gritou, “feche a porta.”Ela não gostou, a partir desse dia trancava a porta à chave para tomar banho. Uma tristeza para o adolescente. Pedrinho “ficou de mal” do amigo Juvêncio por mais de dois meses. A imagem de Luzia alimentava os sonhos, as fantasias de Pedrinho, ele a olhava com ar de pidão, ela sorria matreiro e não mais permitiu que ele a visse tomando banho.

No dia do aniversário de Pedrinho, sua mãe caprichou num bolo de velas, convidou os amigos, saiu cervejinha, cuba libre, dançaram ao som de Ray Conniff. Final da festa, hora de dormir, ao subir para seu quarto, Pedrinho esbarrou-se com Luzia limpando a sala, ela sorriu oferecida e falou baixinho: “amanhã vou lhe dar meu presente, me espere às oito horas da noite na praia por trás dos Sete Coqueiros.”

No dia seguinte não saía da cabeça o encontro marcado, passou todo tempo pensando em Luzia. Faltavam 15 minutos para oito horas Pedrinho já estava sentado na areia branca por trás dos 7 Coqueiros. O céu estrelado brilhava na escuridão da lua nova, viu os minutos passarem, ansioso. Eram mais de oito e meia quando ouviu um psiu, sentiu um abraço por trás. Luzia deitou-o na areia, cochichou no ouvido: “é meu presente de aniversário.”

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 26 de janeiro de 2020

A MASSAGEM

 

 

A MASSAGEM

Dona Mercedes morreu no dia que completou 51 anos de casada. O Coronel Eustáquio enterrou a esposa na Fazenda Olho D’água das Flores, onde passaram suas vidas com muito amor, carinho e respeito. Mercedes era uma mulher ativa, de opiniões, deixava o marido pensar que ele mandava, entretanto, ele só fazia o que ela queria. No último desejo, pediu para ser enterrada junto ao túmulo do filho embaixo de uma enorme aroeira num morrete perto dos currais.

Assim foi feito. Os cinco filhos vieram de Maceió e enterraram a matriarca junto ao seu amado filho Bruno, que havia morrido aos 19 anos.

A morte da mulher foi outro baque na vida do coronel. Com 72 anos ele monta todo o dia um cavalo e sai fiscalizando, dando ordens pelo extenso pasto do gado nos arredores. Formou seus filhos: três advogados, uma assistente social e uma médica. Sua mágoa e preocupação é que nenhum deles, incluindo genros e netos, tem vocação para fazendeiro. O filho mais novo, Bruno, foi seu braço direito, seu orgulho, amava administrar as terras e o gado, não quis estudar, tinha um gênio briguento, gostava de cachaça e mulheres. Morreu de numa queda de cavalo, correndo uma vaquejada, estava bêbado derrubou o boi, mas caiu do cavalo. Quando ele lembra Bruno, dá uma dor no coração de saudade, era o filho querido, o companheiro nas andanças pela fazenda.

Depois que Dona Mercedes morreu o coronel Eustáquio enclausurou-se na fazenda. Só viajava a Maceió às quartas-feiras. Nunca foi mulherengo, mas gostava de se aliviar, como dizia, com uma garota de programa.

Havia dois anos da morte da esposa quando no final de ano a família se reuniu para o natal e aniversário do patriarca, 25 de dezembro. Festa tradicional da família, animada com filhos, netos, agregados e convidados. Na festa, Natália, a filha médica, notou que o coronel andava cansado. Exigiu que ele fizesse um checape.

Edgar, o genro, figura simpática, boa conversa, do ramo de comércio de imóveis e carros, as más línguas falam que seu casamento com a médica teve também um olho nos bens do velho, fazia tudo para agradar ao sogro. Ofereceu-se para acompanhar o velho coronel aos médicos indicados pela doutora. Foram dez dias entre consultas e exames. O doutor urologista examinou os resultados. Depois de apalpar o ventre, pediu ao coronel para ficar na posição que Napoleão perdeu a guerra, e fez o famoso toque retal. Constatou que a próstata estava volumosa e inflamada. Passou-lhe antibiótico e determinou ao Coronel para vir toda semana tomar aquela massagem na próstata, até diminuir o tamanho e acabar a inflamação.

À noite a filharada e os netos foram visitá-lo em seu confortável apartamento na orla da Jatiúca. Ele confidenciou para os filhos, que estava constrangido com o tratamento, que não ia mais levar dedada de médico nenhum. Seu fio-fó era órgão de saída, nada de entrada. Com determinação avisou que não voltaria ao consultório, tomaria apenas o remédio.

A doutora Natália, ao dormir, conversou com o marido sua preocupação com o pai, a massagem na próstata era necessária. Edgar homem de desembaraços e de soluções, nunca põe dificuldades, prometeu resolver o problema.

No outro dia pela manhã foi conversar com o do doutor urologista, acertando os detalhes de seu plano. Sua atendente bonita, sabia fazer massagem na próstata, veio a calhar. Com a conivência do doutor prosseguiu a estratégia. Na quarta-feira foi visitar o sogro levando recado do doutor que ele podia ser atendido também por uma massagista especial. Depois de muito relutar, o coronel foi espiar a massagista que estava no carro esperando. Ficou encantado com a beleza daquela morena simpática que lhe sorriu pecaminosamente. Com a jura do genro de não contar nem para a filha, o velho se deixou levar para um local apropriado. O que houve entre as quatro paredes, ninguém sabe. A próstata do coronel já deve ter curado há muito tempo, mas ele prossegue o tratamento. Fica feliz quando amanhece a quarta-feira, vem para Maceió, radiante, dia da massagem com a bonita Michelle que engorda seu salário em R$ 200, 00 toda semana.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 18 de janeiro de 2020

A COROA PODEROSA

 

 

A COROA PODEROSA

Gerson é um homão, trinta e poucos anos, mais de 1,80 metros de altura, corpo de atleta, cara bonita. Xodó das meninas no tempo de solteiro. Hoje advogado brilhante, ambicioso, atuante.

Ao contrário de muitos especialistas defensores de que a beleza feminina está no auge entre 17 e 22 anos, Gerson assegura que o auge da beleza feminina está na maturidade. Uma mulher de quarenta, cinqüenta, sessenta anos, sabe o que o homem gosta; é bela em sua elegância, em saber o que deseja.

Meses atrás, Gerson frequentava um curso de pós-graduação com alguns colegas advogados, promotores, juízes, inclusive uma advogada, cinquenta e poucos anos, senhora letrada, inteligente, de um bom humor notável. Ele teve uma empatia instantânea com essa madame, viúva, bela e gostosa.

Dora, três casamentos além de casos amorosos. O mais rumoroso, por certo, com um governador do Estado. Teve também um discreto caso com uma artista da rede Globo, que se apaixonou, passava fim de semana em Maceió, para estar com esse belo espécime de mulher.

Dora foi muito poderosa nos bastidores da política. Nas brigas do poder ela metia a mão de ferro, elegantemente, protegendo seus partidários no emaranhado da corte. Seja no poder Executivo, Judiciário ou Legislativo, durante o mandato de seu amante governador, ela foi ouvida, teve poder de decisão. Esse poder não conquistou à-toa, foi pela inteligência, firmeza e posições tomadas, principalmente na cama.

A coroa tem ânsia de viver. O mais de meio século não deixou marcas na jovem alma. Mulher alegre, corpo bem cuidado, bem moldado; teve ajuda, certamente, das academias de ginástica e cirurgiões plásticos.

Mulher de muita leitura, gosta de fazer cursos, atualizar-se, aprender. Gerson e Dora frequentavam o mesmo curso há dois meses. Todas as noites estudavam juntos, gostavam da companhia recíproca. Ele a via como uma irmã mais velha, mas havia atração, apreciava os decotes ousados dos vestidos de nossa musa.

Certa noite, os colegas foram terminar um trabalho em grupo no espaçoso apartamento de Dora na praia de Ponta Verde. Mais de duas horas de discussão numa mesa circular, deixaram a conclusão do trabalho para outro dia. Dora ofereceu um gostoso lanche: moqueca de siri mole, regado a vinho branco e uísque. Foi o ponto alto da noite. O grupo se divertiu até tarde, ouvindo boa música, papo alegre, inteligente. Gerson dedilhando um violão, cantou: “Dora, rainha do frevo e do maracatu…”. Recebeu um beijo lambido no ouvido.

Foi sugerido continuarem os trabalhos no sábado, no mesmo local.

Sábado pela manhã, Dora foi ao mercado comprou camarão e arabaiana, o prato da noite, filé de peixe ao molho de camarão. Ligou para todos os componentes do grupo, se desculpando, pedindo adiar o trabalho para terça-feira. Só não telefonou para Gerson.

uando ele, carregando livros e papéis embaixo do braço, pontualmente tocou a campanhia, Dora abriu a porta do apartamento, com um largo sorriso e um boa-noite, estava maravilhosa de vestido azul colado ao corpo. Gerson estranhou quando sua amiga falou no trabalho adiado. Convidou-o para entrar, seria uma companhia agradável se ficasse para jantar.

Sentaram-se na varanda com vista à praia iluminada por uma azulada lua bonita refletida no mar e nas palhas dos coqueiros. O uísque rolou, bons tira-gostos, até Dora servir o peixe com camarão.

Ao voltar para a varanda, colocou uma música suave, americana, iniciava assim: “Heaven I’am heaven…”, isso é, “Paraíso, estou no paraíso”.Gerson deu-lhe a mão, saíram dançando, escorregando pela sala, ele cantava a canção em seu ouvido, puxava seu corpo com vigor, iniciaram uma seção de carinho e carícias, até ela sussurrar, pediu para ser levada ao quarto. Num impulso, colocou-a nos braços como se fossem recém-casados, empurrou a porta, entrou no quarto, soltando-a ternamente na cama. O resto é silêncio, como diria Shakespeare.

Depois dessa noitada de muito amor, os dois continuam se encontrando secretamente no mínimo duas vezes por semana, para uma seção de matinê na suíte presidencial do belo apartamento da coroa, que continua poderosa.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 12 de janeiro de 2020

UMA HISTÓRIA DE AMOR

 

 

UMA HISTÓRIA DE AMOR

No longínquo ano de 1963, eu, tenente do Exército Brasileiro servindo na Bahia, passei as férias de verão, como de costume, em Maceió. Certo dia minha irmã Rosita convidou-me para visitar o acampamento das bandeirantes, com mil recomendações para não me enxerir com as moças. Quando olhei aquela galeguinha de 15 aninhos, não pude deixar de cantar uns versos da ciranda no ouvido: “Oh menininha você é tão bonitinha… Engraçadinha… Vou me casar com você…”

Anos depois, já como capitão no 20º BC em Maceió e fazia a Faculdade de Engenharia. Solteiro, com outros amigos, éramos os donos da cidade.

Até que um dia de 1968 encontrei aquela bandeirante bonitinha que havia retornado dos Estados Unidos. Ao me deparar novamente com a galeguinha, me apaixonei e logo cumpri a premonição da ciranda cantada em seu ouvido. No dia 9 de janeiro de 1970 casei-me com Vânia na Catedral Metropolitana de Maceió.

A despedida de solteiro foi no Bar do Miltinho. A noitada foi maravilhosa, o bar se encheu de amigos, colegas da faculdade, empresários, militares, pescadores, políticos, um padre. De repente chega um amigo da Viçosa com um Insquenta Muié, cantando: A minha turma que bebe um pouquinho… no bar do Miltinho… até o sol raiar.

Entrei na Catedral lotada, fardado de capitão pelos braços de Dona Zeca. A Banda de Música do 20º BC tocou belas músicas durante a cerimônia elegante. Depois da cerimônia, no sair da Igreja, os colegas do Exército fizeram a abóbada de aço com as espadas cruzando no ar, uma tradição no casamento militar.

Assim de passaram 50 anos daquele casamento alegre, com muito bom humor dos amigos e dos noivos. É preciso boa dose de amor e de tolerância para se passar 50 anos juntos. Nada é fácil, não houve céu de brigadeiro o tempo todo, algumas turbulências e até rotas de colisão.

Em 50 anos construímos juntos um belo patrimônio: 3 filhos e 3 netos, além de genro e nora.

Nesses anos de convivência tornei-me admirador dessa professora que aos 40 anos resolveu enfrentar um vestibular de Direito, formou-se e montou um escritório de advocacia. Essa advogada que passou quase dois anos sem folga, sem sábado e domingo, estudou e passou no concurso de Promotor de Justiça. Dessa mulher atarefada que arranja tempo para dedicar-se aos filhos crescidos, a levar os netos às aulas de inglês, de tênis, de natação. Dessa mulher que trabalha com amor e alegria e possui uma felicidade intrínseca e encantadora. Dessa mulher forte que não se deixa pisar. Dessa mulher que gosta de bons livros, de bons filmes, teatro, música, show e da cultura popular e me incentiva em minhas loucas invencionices. Dessa mulher animada que faz o passo atrás de um bloco de frevo nos dias de carnaval. Dessa mulher que gosta de viajar perambulando pelo mundo, Cartagena, Praga, Berlim, Nova York, Paraty, Lisboa. Dessa mulher que nunca deixou de ser professora, ensina aos netos, dá palestras nas Igrejas e nas Festas Literárias do Brasil afora. Dessa mulher que move montanhas defendendo seus direitos, como uma loba defende seus filhotes. Dessa alegre mulher que ama as colegas de colégio e infância e conserva o carinho de suas amigas em encontros e almoços, aproveitando essa bonita e última fase madura da vida.

Dessa menina que um dia encontrei em flor de seus 15 anos num acampamento de Bandeirantes, e eu tenente, cantei pra ela em premonição: “Ôh Galeguinha você é tão bonitinha… engraçadinha… vou me casar com você”. Sou um homem privilegiado, a única pessoa no mundo a conhecer profundamente a gentileza, a bondade, a perseverança, a força dessa mulher. Dessa minha mulher-amante, timoneira do barco de nossas vidas. Vânia aprendeu a remar com o tombo do navio, com o balanço do mar. Navegar foi preciso. Essa mulher segurou forte o leme nos poucos maremotos. Hoje navegamos apenas em calmaria, enxergando, ao longe, outros mares ou um porto final além do horizonte.

A inexorabilidade do tempo é fatal, qualquer dia desse eu parto para o além do horizonte. Quando eu não estiver mais a seu lado deixarei lembranças e quero que você sempre saiba que foi a razão do meu viver. Lhe amar foi para mim uma religião. E que nos seus beijos eu encontrava o calor que me brindava no amor e na paixão. Nós somos uma história de um amor como não há outro igual que me faz compreender todo o bem e todo o mal. Você deu luz a minha vida e quando eu não estiver mais aqui, lembre-se de mim com alegria cantando, penando e ainda me amando: “Já não estás mais a meu lado coração…”.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 29 de dezembro de 2019

ESPERANÇA EM 2020

 

 

ESPERANÇA EM 2020

Ano passado enviei uma mensagem de ano novo aos amigos com textos otimistas e humorados de autor anônimo. Complementei a mensagem com algumas frases por mim inventadas. Recebi várias respostas, foi do agrado geral. Nesse ano repito a mensagem adicionada de um complemento especial cheio de humor e malícia escrito especialmente por Chico Buarque de Holanda, segue a mensagem:

Amigo, no próximo ano:

Se existir guerra, que seja de travesseiro.
Se for pra prende, que seja o cabelo.
Se existir fome, que seja de amor.
Se for pra atirar, que seja o pau no gato-t-ó-tó
Se for para esquentar, que seja no sol.
Se for para atacar, que seja pelas pontas.
Se for para enganar, que seja o estômago.
Se for para armar, que arme um circo.
Se for para chorar, que seja de alegria.
Se for para assaltar, que seja a geladeira.
Se for para mentir, que seja a idade.
Se for para algemar, que se algeme na cama.
Se for para roubar, que seja um beijo.
Se for para afogar, afogue o ganso.
Se for para perder, que seja o medo.
Se for para brigar, que briguem as aranhas.
Se for para doer, que doa de saudade.
Se for para cair, que caia na gandaia.
Se for para morrer, que morra de amores.
Se for para violar, que viole um pinho.
Se for para tomar, que tome um vinho.
Se for para queimar, que queime um fumo.
Se for para garfar, que garfe um macarrone.
Se for para enforcar, que enforque a aula
Se for para ser feliz, que seja o tempo todo.

Recebi vários agradecimentos, entre eles um especial do meu querido escritor Ignácio Loyola Brandão, agora imortal da Academia Brasileira de Letras:

“Carlito, meu amigo.

Mandei para dezenas de pessoas seu texto de bom ano. Um sucesso sem precedentes. Maria Medeiros, atriz portuguesa que mora na França e é uma pessoa incrível, maravilhou-se. Mas a melhor resposta foi a do Chico Buarque. Ele agradeceu e complementou com um lado malicioso.

Se for pra cheirar que seja a flor.
Se for pra fumar que seja a cobra.
Se for pra picar que seja a mula.
Abraços. Ignácio”.

Pronto, agora sou parceiro de Chico Buarque em mensagem de ano novo. Em 2020 não esqueçam esse recado para adocicar a vida.

Um excelente ano novo, cheio de esperança. Essa que nunca morre.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 14 de dezembro de 2019

MARIA DO PONTUAL

 

 

MARIA DO PONTAL

Rosana com seus 16 anos, corpo de mulher, morena, vestido de chita, e a euforia de menina travessa, depois de algumas cervejas e muita conversa entregou-se ao namorado nas areias das Dunas da praia do Trapiche da Barra, numa bela noite de um milhão de estrelas cintilantes. Deu sua virgindade a Mané das Cabras, amigo de infância e namorado. Nove meses depois nasceu Maria, menina rechonchuda, sorridente, com ar matreiro irradiando alegria.

 

Mané das Cabras era apelido de Manoel da Silva por ter sido apanhado em flagrante com uma cabra. Quando Maria nasceu ele já havia se arribado para o sul do país. Tocava violão e cantava, queria ser músico famoso da Rede Globo. Maria foi registrada com pai desconhecido. Ela teve uma infância intensa, divertida no bairro do Pontal da Barra, andava pela praia, nadava na lagoa, roubava coco e melancia nos sítios da vizinhança, jogava futebol, ximbra e pião com os meninos. Era conhecida em toda redondeza por sua sapequice e simpatia, como Maria do Pontal. Quando tomou corpo de mulher, aos 15 anos, sua sensualidade cava a atenção. Tornou-se uma morena bonita, rosto arredondado, cabelos negros e crespos, nariz meio achatado, olhos amendoados de uma vivacidade incontrolável, e os lábios grossos pareciam constantemente molhados. Estudou na Escola Silvestre Péricles e teve a inclinação de ler romances, contos, poesias. Moça romântica apaixonou-se por um belo rapaz, filho de um rico comerciante. Gustavo, louro, olhos azuis contrastava com a beleza morena de Maria. A atração entre os dois terminou num quarto da mansão de praia da família. Quando souberam do desvirginamento de uma menor de idade, os pais receosos mandaram o galeguinho dos olhos azuis estudar em São Paulo. Foi a primeira decepção amorosa. Maria prometeu-se jamais se apaixonar.

Levou uma juventude livre, cuidou-se para não engravidar. Namoradeira, os homens se encantavam com seu o corpo, a beleza, a sabedoria na cama. Os sortudos que tiveram a ventura de passar uma noite em seus braços nunca esqueceram a desbragada noitada de amor. O frescor da boca de Maria ficava impregnado na mente, no âmago de quem experimentou. Ninguém, jamais esqueceu um simples beijo de Maria do Pontal.

Nessa época Lúcio, famoso arquiteto, separou-se da mulher. Deixou-a com o filho no apartamento e foi morar com um amigo de infância. Bruno, solteiro, morava no bairro das mulheres rendeiras, Pontal da Barra, numa casa discreta em frente à lagoa, preservava sua intimidade de homossexual. Lúcio, apesar da amizade, nunca teve relacionamento sexual com Bruno, se respeitavam, eram amigos, muito amigos, quase irmãos.

Certa tarde de sábado Lúcio tomava cerveja com convidados na varanda da casa de Bruno. Teve uma alegre surpresa quando entrou aquela jovem com trouxa de roupa na cabeça. Maria abriu a portinhola da frente sorrindo:

– Bruno!!!!!!Brunoca olha a roupa limpinha pra você sujar de novo!!!!

Seu sorriso enfeitiçou o novo morador. Lúcio acompanhou Maria e ajudou a colocar a trouxa na cama. Ela ficou encantada com a gentileza daquele homem educado, bonito, e gentil; uma raridade entre os homens conhecidos. O arquiteto acertou também com Maria, a lavagem de suas roupas.

Três semanas depois desse fato, Lúcio e Maria já dormiam juntos nos alvíssimos lençóis lavados e passados por Rosana, a melhor lavadeira da região. Foi a melhor fase de felicidade da vida Lúcio. Toda manhã ele ia trabalhar no seu escritório de arquitetura no centro da cidade, só chegava à noite em casa, cansado, mas no fundo, na maior ansiedade de ter Maria em seus braços. Vida encantadora, sem preconceitos, sem temores ou disputa de uma esposa impertinente e cobradora. Aliás, houve um bendito preconceito. Lúcio certa vez quis virar o disco, fazer sexo anal, porém, Maria tinha verdadeiro pavor, faria tudo que ele quisesse, menos isso. Ele respeitou sua opinião, sua determinação. Maria percebeu frustração em Júlio pela recusa. Na sexta-feira quando o arquiteto chegou do trabalho ávido em carinhos de seu amor, Rosa estava acompanhada de uma morena bonita tomando cerveja na varanda da casa. Apresentou Gal com um sorriso maroto. Quando pôde, cochichou no ouvido:

– Você não gosta de ir por trás? A Graça adora essa safadeza. Eu lhe trouxe de presente. Não me importo.

A partir desse dia Lúcio dormiu com as duas. Passou mais de um ano bígamo, aliás, ele dizia estar num paraíso, num sonho; interrompido quando viajou para um curso de seis meses na França. Como quem vai para o ar perde o lugar, ao voltar, Maria havia se casado, já morava em Munique.

O romance de Maria iniciou num dia de festa, ela acompanhou amigos à casa de um simpático alemão apaixonado por Alagoas, morador e curtidor da praia do Francês, era também festa de despedida, o alemão estava voltando para sua terra. Clemens quando foi apresentado à Maria não só ficou fascinado, disse para si mesmo que aquela jovem era o amor de sua vida, apesar da diferença de idade. Dois meses depois ela viajou de mala e cuia para Munique; casaram-se.

Hoje Lúcio, casado com uma colega arquiteta, vez em quando visita Bruno na mesma casa. Nunca esqueceu os melhores momentos de sua vida, quando era livre, sem maiores compromissos e tinha o amor e carinho de Maria do Pontal.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 30 de novembro de 2019

O PENTA

 

 

O PENTA

É notória e crescente a homossexualidade nos tempos atuais. Nos anos 60, em Maceió, contava-se a dedo os assumidos. A modernidade deu coragem e ânimo aos enrustidos saírem do armário e haver essa explosão. Eles estão certos, ninguém tem nada a ver com a preferência dos outros.

Nos anos dourados existia no bairro do Farol, perto de onde hoje é a TV Gazeta, o famoso Zeiga, uma pensão especial. O mais famoso hóspede atendia por Ramona, apelidado também de Mandrake, chegado à mágica, adorava fazer desaparecer coisas, ele era o líder. Tornou-se o bicha mais conhecido da cidade.

Certa vez aportou em Maceió, um pintor baiano de nome Sandoval Duarte. Rico e bonito organizou uma “vernissage” concorrida e badalada. As moças solteiras, as “socialites”, da época, ficaram encantadas com o charme daquele artista espirituoso e bonito, parecia um galã de “Roliúde”.

Logo foi revelada a opção sexual do grande pintor SANDUARTE. Houve “frisson” na sociedade alagoana. Sanduarte apaixonou-se, teve um escandaloso caso com um guapo muchacho, também coqueluche das meninas. Hoje, senhor respeitado e temido, exercendo alto cargo nos Poderes.

Em noite de Baile de Máscara do Clube Fênix, um forte rapaz fez sucesso com luxuosíssima fantasia bordada de lantejoulas e paetês. Ninguém sabia se masculino ou feminino. O sexo do folião só foi revelado durante a premiação, era homem, ganhou o concurso de fantasia de luxo, primeiro lugar. O vencedor era meu primo, sobrinho neto e homônimo de Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro. Nós o chamávamos, sem deboche, de Fulô. Foi morar no Rio de Janeiro, destino de muitos que iam dar expansão à sexualidade reprimida.

As lésbicas também eram poucas conhecidas, ou refreadas. Hoje estão aí aos montes, o homossexualismo feminino está em expansão extraordinária. A mulherada entrou com fervor no caminho da revolução de costumes. Hoje estão na direção e transformação do mundo. Assumiram cada vez mais o “sapatismo”. Desfilam com namoradas, dão preferência abertamente às mulheres, o que, aliás, comprovam bom gosto.

Aconteceu um fato emblemático com um amigo, vou chamá-lo de Rock, em homenagem a Rock Hudson, bonito ator de cinema que no final da vida revelou-se boiola. Esse amigo, depois do terceiro casamento, mora só num apartamento na praia de Cruz das Almas, ama a vida de boemia e mulheres. Há algum tempo ele foi para uma festa no Recife com a namorada, aliás, uma menina de programa promovida à condição de noiva, assim apresentou Elizabeth aos amigos no Recife.

No retorno quando seu carro passava numa curva perto da cidade de Novo Lino, foi cruzado, fechado por uma camionete. Saltaram quatro homens com revólveres na mão, apontando, gritando ser um assalto. Um negrinho magro, com cara de fuinha e voz de “foen” entrou e sentou-se no banco traseiro, encostou o frio cano da arma na nuca de Rock. Ele apavorado obedecia aos gritos do marginal, dirigiu o carro até um matagal.

Apareceram outros assaltantes. Arrecadaram cartões de crédito, dois mil reais em dinheiro, talão de cheques, celulares, joias e bijuterias da “noiva”. Eram quase cinco da tarde quando dois bandidos levaram Beth para outro local. Nas brenhas fizeram todo tipo de sacanagem sexual.

Enquanto isso, os meliantes seguraram Rock, mandaram se despir, deixando-o na posição que Napoleão perdeu a Guerra. Nesse momento o Fuinha estuprou o apavorado Rock. Foi doloroso, ele chorou angustiado.

Com o serviço terminado, os assaltantes deram um arranque na camionete, deixaram os dois no carro, levaram a chave.

Passava das nove da noite quando Rock e Beth bateram numa casa perto de Novo Lino. Foram socorridos. Dormiram num pequeno hotel, prestaram queixa à Polícia. No dia seguinte chegou uma chave extra do carro, trazida de Maceió.

O assalto deixou algumas sequelas, foram traumáticos os primeiros dias, principalmente para Rock, estuprado violentamente pelo Fuinha.

Existe uma relação muito forte entre a vítima e o algoz, é a chamada síndrome de Estocolmo. Rock não esqueceu o Fuinha, toda noite tinha sonhos eróticos sendo estuprado, ouvindo voz “foen”, vinha-lhe uma excitação estranha. Resolveu consultar um psiquiatra. Com três meses de análise, ele entendeu: o estupro revelou sua ambígua sexualidade.

Rock, hoje vive tranquilo, assumiu a bissexualidade. Quando dá uma comichão, quando a vontade chega sem controle, ele vai à noite à orla e escolhe um travesti para um programa.

No maior descaramento, afirma sorrindo, que é bissexual porque só existem dois sexos, se fossem cinco sexos como são os sentidos, ele seria PENTA.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 23 de novembro de 2019

VELHINHO APAIXONADO

 

 

VELHINHO APAIXONADO

Dagoberto desde menino teve apego ao dinheiro. Pensa em torno de cifrões, sonha com notas. Sua conversa é irritante sempre falando sobre a bolsa e os rendimentos. Herdou a sovinice de seu pai; rico comerciante e agiota. Seu Hermenegildo era homem ligado aos poderosos, metia-se em negócios e negociatas. Nasceu pobre, tornou-se rico. Na década de 60, embora semianalfabeto e rude, Hermenegildo entrava em qualquer palácio, em qualquer gabinete de deputado. Frequentador  assíduo da zona de Jaraguá tinha tratamento especial entre as raparigas e os donos das boates.

Dagoberto tem uma vida semelhante, embora mais letrado e mais fino no trato. O velho terminou seus dias ao lado da única esposa, morreu nos braços de Dona Eulália, mulher de fibra que aguentou mais de 40 anos de traição, raparigagem do marido, e ainda lhe deu carinho, amor e cinco filhos.

Já Dagoberto teve casamentos desmantelados. Sua primeira mulher era uma jovem bonita, família tradicional. Não aguentou as farras, as amantes, e a usura do marido. Com sete anos de casados ela pediu desquite. Noticiada a separação do jovem casal, o motivo alegado pelo próprio Dagoberto foi um par de chifres que Antônia colocou em sua testa. Ele deixou a esposa e dois filhos. Outra versão correu nos fuxicos da cidade: Dagoberto havia forjado as “provas” contra a esposa. Uma carta anônima e um bilhete foram os indícios falsos. Versão mais crédula pelo mau caráter de Dagoberto e a formação religiosa de Antônia, que muito sofreu.

Dagoberto, atualmente solteiro, vive de escusos negócios, falta pouco para gangster. Agiota oficial e informal de políticos, empresta dinheiro a juros altos, com garantia de casa ou carro.

Teve mais dois casamentos desfeitos, mais dois filhos. Mora num belo e luxuoso apartamento na praia de Ponta Verde.

Aprendeu a lidar com o computador para pesquisas, informações de negócios. Sua mania de homem solitário é namorar nas salas de bate-papo na Internet. Conversa até altas horas da noite. “Namorou” e conheceu algumas internautas. Ele se gaba de comer namoradas, conhecidas via Internet.

Numa viagem a São Paulo marcou encontro com Fernanda, “namorada” de bons papos no “chat”. Consultora da Bolsa, ela entende de finanças, excelente conversa.

Dagoberto ficou encantado quando Fernanda entrou no restaurante italiano. Elegante, parecia estar deslizando em uma passarela. Não era alta, nem baixa, sentou-se cruzando as pernas exibidas por uma saia curta. Pele rosada parecia porcelana, sem algum defeito. Ele deslumbrou-se com a jovem de cabelos e olhos negros, sobrancelhas grossas, bem delineadas, nariz afilado e uma boca carnuda que deixou Dagoberto alucinado, lembrava a boca da Angelina Jolie, sua atriz preferida.

Depois do jantar foram a uma casa de dança. Ela sabia que coroa gosta de dançar música suave, com os corpos agarrados. Terminaram a noitada numa confortável suíte do Hotel Pathernon. Quando Fernanda tirou a roupa, Dagoberto ficou louco e excitado. Abraçou-a, beijou-a na boca, no pescoço, derrubou-a na cama beijando-lhe o corpo. O resto é silêncio como diria Shakespeare.

Dagoberto empolgou-se com aquela jovem. Fernanda mostrava-se satisfeita com os carinhos, beijos, carícias do parceiro. Ele se sentiu mais homem, o macho daquela mulher.

Uma semana depois, ela aterrizou em Maceió. Ficaram morando de cama e mesa. Fernanda deu uma mãozinha no escritório. Além de boa de cama era ótima de negócio. Que mais queria Dagoberto? Viviam no céu, em lua-de-mel. Ganhava dinheiro na agiotagem e amava sua musa. Com quase um ano de convivência, Fernanda tornou-se assessora imprescindível ajudava nos pagamentos, no controle dos recebimentos e contas bancárias.

Numa noite de sexta-feira, voltando de uma reunião, Dagoberto não encontrou Fernanda no apartamento. Havia combinado jantar fora. Esperou mais um pouco, telefonou para o celular, deu fora do ar. Telefonou várias vezes. Ficou preocupado, Fernanda era pontual, ela dizia que a maior qualidade de um ser civilizado era a pontualidade. Às 21:30 ele resolveu mexer no guarda-roupa. Não havia sequer um vestido. Telefonou para alguns conhecidos, ninguém sabia do paradeiro da namorada. Foi ao aeroporto, depois de muita investigação descobriu que uma mulher, parecida com a descrição da namorada, havia tomado um avião para S. Paulo no voo das 15:00 horas. O nome de Fernanda não constava na lista de passageiro.

Dagoberto desesperado voltou para o apartamento, tentava lembrar algum amigo comum em São Paulo, não havia.

Na segunda-feira conferiu o desfalque. A namorada deu um abalo em suas contas bancárias de aproximadamente R$ 500.000,00. Fernanda tinha uma procuração para retiradas de pagamento aos funcionários, seu trabalho, sua ajuda.

Dagoberto fez as contas: 10 meses de convivência, média de duas transadas por semana, oito por mês. Custou cerca de R$ 6.250,00 cada vez. Ficou irritado e desesperado. Aconselhado por um investigador pegou um avião para São Paulo. Procurou a Polícia. Em uma Delegacia reconheceram a namorada pela fotografia. Fernanda chama-se Rosa Maria dos Santos, trambiqueira, especialista em golpe da Internet com velhinhos apaixonados. Difícil encontrá-la em São Paulo. Dagoberto sentiu-se humilhado quando o investigador tratou-o como velhinho apaixonado. Retornou ao lar, solteiro novamente, fica à beira do enfarte quando se lembra dos 500 mil.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 18 de novembro de 2019

ARGENTINA VETERANA

 

 

ARGENTINA VETERANA

Deixei de dirigir há mais de 10 anos, só vou de táxi; tornei-me amigo de taxistas. Gosto de conversar com esses motoristas anônimos sobre futebol, política (é um termômetro) e tudo o que acontece na cidade. Semana passada, peguei um taxi no posto em frente onde moro, informei o destino ao amigo taxista, o Arara. Fomos conversando, perguntei sobre o movimento dos turistas. Ele não se fez de rogado, gabola, ótimo contador de história. Enfrentando o trânsito louco, ele contou-me com entusiasmo sua última aventura.

– “O senhor não vai acreditar. Eu aguardava passageiro estacionado no posto, eram quase 10 horas da manhã, quando a argentina apareceu; coroa bonita, vestido transparente de renda branca, por baixo um biquíni florido. Sorrindo foi negociando o custo em levá-la à praia de Ipioca e ficar esperando até às duas da tarde, o almoço ela pagava. Fiz meus cálculos, ela aceitou. Sentou-se no banco dianteiro, partimos rumo ao litoral norte. A coroa se apresentou: Filipa, mora em Córdoba, fascinada por Maceió, está comprando um apartamento na Jatiúca, sempre passa férias e feriados, conhece todas as praias da cidade, é apaixonada por Ipioca. Ficou empolgada ao passarmos pelas novas ruas e avenidas em frente ao mar. Em Ipioca estacionei embaixo de uma árvore, Filipa desceu, rumou à barraca de praia, acompanhei-a à distância. Percebi quando pediu ao garçom uma cerveja. Eu apreciando ao longe. A argentina tirou o vestido, ficou de biquíni. Respirou fundo, de repente correu, entrou no mar, pulou as marolas e mergulhou.”

Interessadíssimo na história, perguntei: “que tal a coroa?”

– “Uma Deusa, corpo enxuto, tudo em seus lugares, foi campeã de natação na Argentina.” Respondeu o Arara entusiasmado. Continuou.- “A bonitona nadou um pouco. Saiu da água saltitando, feliz, alegre, sorrindo, deu-me um adeus ao longe, sentou-se na areia tomando um sol no corpo. De repente, retornou à mesa, pediu ao garçom mais cerveja e peixe frito, camarão. Na segunda cerveja ela virou-se, chamou-me com os dedos, atendi, sentei-me a seu lado. Num português com sotaque entendível, conversamos bastante. Ela trocou a cerveja por uísque, eu bebendo coca cola. Cada vez soltava-se mais, ela perguntou-me que tal a veterana? Só depois entendi que veterana é coroa em argentino, mulher madura, seminova. Respondi: “A senhora ganha de muita jovem”

Arara, todo orgulhoso confessou que houve um clima de paquera.

– “Filipa puxou assuntos picantes, sexo e coisa e tal. Ela perguntou-me se queria almoçar em algum restaurante ou se comeria ali, na barraca, respondi-lhe que o peixe estava ótimo, matava a fome com aquele delicioso camorim e camarão. Ela tomava uísque como se fosse cerveja, sorria, cantava, quase embriagada. Deu três horas, ela falou que não me importasse, pagava mais. Às quatro horas da tarde ela pagou a conta da barraca. Levantou-se, eu ajudei-a a levar o vestido, de biquíni entrou no carro, cantando e sorrindo. Ao sentar-se, de repente olhou para mim, puxou meu rosto, beijou-me a boca, ficamos grudados. Olhamos olhos nos olhos, ela deu as ordens, para o hotel. Parti com o carro, ansioso, conversando com a veterana que cantava e sorria No hotel a levei ao quarto. Nos abraçamos. Fomos ao banho. Passei um resto de tarde maravilhoso. Coroa extraordinária, a argentina, sabe tudo na cama. Nos amamos até às nove da noite. Pagou-me o combinado, deixei-a na cama já dormindo.”

Eu ansioso por saber se a argentina estava ainda na cidade, perguntei se ele a procurou, qual hotel que estava hospedava. Arara continuou sua história.

– “No dia seguinte fui ao hotel, encontrei-a no café da manhã, pediu-me para sentar, disse-me em seu espanhol. “Arara, me gustó sair con usted, pero, saio solamente una vez, sin repetir el hombre, una vez cada, una vez nada más, solamente una vez.” Levantou-se, subiu ao apartamento. Com alguns dias descobri> dois colegas taxistas tiveram a mesma aventura maravilhosa com a argentina. Vão completar dois meses, nunca mais avistei a veterana argentina”.

Chegamos ao nosso destino, Arara parou o taxi, deixou-me pensando na história, com uma ponta de inveja.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 12 de novembro de 2019

BACALHAU PODRE

 

 

BACALHAU PODRE

Marciel estava hospedado numa pousada em Boa Viagem; acordou-se ao amanhecer o dia, costume antigo. Contemplou o teto do quarto lembrando os acontecimentos dos últimos dias. A aventura com bela jovem, 30 anos mais nova; gordinha, simpática, inteligente e fogosa. Fez uma retrospectiva, um apanhado do novo ciclo de sua existência, de sua nova vida.

Naquele dia de verão completavam seis meses da morte da esposa. Deu uma dor no peito, a saudade da mulher bateu forte. Sua imagem veio junto a algumas lágrimas, foram mais de 30 anos de convivência. Levantou-se, foi ao banheiro, vestiu um velho calção de banho e partiu em direção ao mar. Marciel não abre mão da caminhada matinal, dá-lhe bem estar, oxigena o cérebro, rejuvenesce.

Durante a andança, enfiando o pé na areia molhada da praia de Boa Viagem, recordou o tempo de estudante no Recife. Ao passar em frente ao Edifício Acaiaca, o mais chique nos anos 60, lembrou as belas festas no apartamento de um amigo, terminavam ao amanhecer, tirava a ressaca com um mergulho naquele mar verde azulado, morno, tranquilo, de pequenas ondas.

De volta à pousada, em torno das nove horas, enquanto Marciel tomava um reforçado café da manhã, uma recepcionista ofereceu um passeio à Olinda. Ele acertou na hora. De bermuda no ônibus, sentou-se solitário numa poltrona dos fundos. Quando o motorista deu a partida, ouviu-se um grito. Era uma retardatária do passeio, atrasada. Ao subir, a moça levou uma vaia de seus amigos, que gozavam seus atrasos. Sentou-se junto a Marciel.

O ônibus partiu, ele a cumprimentou com a cabeça, a turista se apresentou: “Sou Débora, a sempre atrasada.” Durante o percurso conversaram amenidades.

Marciel tem costume de analisar as pessoas. Débora, mulher bonita de idade indefinida entre 35 a 40 anos. Cabelos castanhos escorridos, pele bem tostada, curtida pelo sol, olhos grandes e castanhos, narinas achatadas, boca grande e carnuda. Marciel, detalhista, percebeu que por baixo da canga azul havia belas pernas com penugem douradas. A decepção ficou por conta das unhas quebradas e mal pintadas, cabelos assanhados, e uma mancha de gordura no sutiã do biquíni. Concluiu que a moça bonita deveria ser relaxada e preguiçosa.

Outras informações sobre a companheira de passeio, foram dadas por ela mesma em conversa durante a viagem: solteira, não trabalhava, o pai tinha uma fazenda perto de Teresina. Estava fazendo turismo com amigos do Piauí. Gostava de viajar, mas era extremamente preguiçosa para acompanhar o grupo.

Ao chegar a Olinda, o guia iniciou um percurso mostrando as belezas da cidade patrimônio da humanidade. Débora se despediu dos companheiros apontando para um bar em frente à praia, local onde ficaria tomando sol quente e algumas cervejas geladas. Passou por Marciel e convidou:

– “Quem gosta de velharia é museu. Venha comigo, garanto como vai se divertir muito mais naquela barraca.” E prosseguiu seu caminho.

Marciel conhecia bem Olinda, preferiu acompanhar Débora rumo à praia. Ficaram bebericando e sorrindo com as aventuras de Marciel, um excelente contador de histórias.

Ao entardecer retornaram para o Recife. Na pousada, Marciel e a piauiense ficaram na beira da piscina bebericando uísque. Ele deu alguns mergulhos, Débora resistiu, não entrou na água. Jantaram tira-gosto.

Por volta das oito da noite, os dois estavam de pileque, resolveram terminar a noitada no apartamento de Débora. Assim que entraram, se atracaram, estavam de roupa de banho, se beijaram feitos dois animais. Finalmente ele deitou-a com carinho na cama, tirou-lhe o sutiã, beijou-lhe o corpo salgado. No momento que desceu a peça de baixo do biquíni, teve um inesperado mal-estar ao sentir um odor fétido vindo da parte íntima de sua musa. Uma inhaca parecida com bacalhau podre impregnou suas narinas, era fedor de carniça. O cheiro ácido atingiu o cérebro de nosso herói murchando toda sua virilidade. Brochou.

Marciel educadamente pediu perdão, estava bêbado. Num repente trancou-se no banheiro. Levantou a tampa do vaso, vomitou o que tinha no estômago. O cérebro estava comandado pela narina impregnada do podre cheiro da genitália de sua companheira.

Ao sair do banheiro, percebeu que Débora dormia, roncava. Aproveitou, e escapuliu para o seu apartamento. Tomou um demorado banho, uma hora de água morna tentando acabar o fedor impregnado nas narinas, no cérebro e na alma.

No dia seguinte, pela manhã, pagou a conta, tomou café. Ligou o carro e prosseguiu sua planejada viagem pelo Nordeste, rumo à Caruaru. Pensou naquela bela mulher, que por preguiça não cuidava de si, não tinha autoestima, nem sequer se lavava. Marciel, homem disposto ao trabalho e ao lazer, condenava qualquer tipo de preguiça e relaxamento. Pecado capital.

Durante a viagem, dirigindo sozinho pela estrada, veio-lhe a imagem de sua esposa que, por hábito, tomava banho três vezes ao dia; vivia limpa, bem tratada, unhas perfeitas, cabelos sedosos, pernas depiladas. De repente deu-se a magia, sentiu o suave perfume “Fleur de Rocalle” que a falecida usava. E o mais extraordinário, sentiu a presença da esposa com o discreto e inconfundível cheiro de suas partes mais íntimas. Arrepiou-se; e emocionado chorou de saudades.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 04 de novembro de 2019

O ET TARADO

 

 

O ET TARADO

Desde os primórdios, as grandes nações colonizadoras priorizaram o serviço de inteligência e informações, os espiões, os 007s. Os navegantes da Escola de Sagres, os descobridores, não passavam de um destacamento precursor em buscas de terras a serem exploradas. Na era moderna, o Trump não vive sem espionagem. Existe uma horda de espiões travestidos de ongueiros e religiosos embrenhados na Amazônia mapeando nossas riquezas. Astronautas são espiões “Hi-Tec”.

Assim como nós, terráqueos, ansiamos desvendar o Universo, outros mundos distantes têm agentes nos espionando e nós não percebemos. Na Terra existem extraterrestres que enviam informações para seus planetas. Nós não damos conta de quem seja, pode ser um vizinho, ou uma pessoa próxima. Recentemente fui visitar o amigo Frederico, internado num hospital psiquiátrico; a expectativa de receber o tal do precatório deixou-o avariado da cabeça. Ele mostrou-me um papel cheio de desenhos, garranchos, que achou no lixo do Hospital. Afirma ser documento de um E.T. Ele me garantiu que passou uma semana trabalhando para decodificá-lo e deu-me para que eu lesse o que conseguiu decifrar. Ele mesmo digitou no computador do hospital. Eis o documento decodificado:

“SUPREMO AHNIUQOD. Grande Chefe do planeta ATOX 666.

Desci do disco voador travestido de humano, estou na Terra, precisamente no Brasil, em uma cidade com o nome Maceió (vide mapa), onde vivem mais de um milhão de terráqueos. Existe uma faixa de areia branca chamada praia, repleta de uma planta alta e bonita, os coqueiros. A praia fica entre os prédios de moradia e o mar, uma vastidão de água salgada, não presta para os humanos beberem. A boniteza da cor desse mar, não se sabe se azul ou verde é impressionante, deve haver uma magia, deixa todos felizes, aqui o povo é bom e alegre. As terráqueas costumam deitarem-se na areia branca para se queimarem com os raios do Sol. As fêmeas daqui não são como as nossas, feito tábuas, pranchadas e verdes. As fêmeas daqui têm curvas, dá vontade de alisá-las, de agarrá-las; os terráqueos machos chamam de gostosas. As duas curvas da frente têm o nome de seios, ficam à mostra pelos decotes. As duas curvas maiores ficam por trás e abaixo, são chamadas de bunda. É muito bonita. Não existe no Universo coisa igual, os terráqueos gostam muito, mas nem todos podem pegá-las, alisá-las. Na praia as fêmeas usam uma tanga para mostrar os seios e a bunda. Ao ver um terráqueo passando óleo nas pernas e na bunda de uma gostosa deitada, pensei que eu também podia e alisei a bunda da fêmea; levei uma tapa na cara. Tive que desligar meu dispositivo de sensibilidade sexual endurecido. Tenho muito a aprender.

RIQUEZA – Existe muita riqueza, mas ela está nas mãos de poucas pessoas, os ricos. Esses ricos têm dinheiro e propriedade. A riqueza é mal dividida entre os terráqueos. Neste lugar onde estou, Maceió, tem açúcar, petróleo, salgema, coco e muitas outras fontes de riquezas, inclusive o turismo; por ser uma terra belíssima difícil de existir igual em todos os universos. O povo é dócil, os políticos, representantes do povo, fazem o querem. Eles vivem brigando pelo poder e roubam muito, até merenda de crianças. Se esse roubo acontecesse em nosso planeta, seriam condenados à morte.

Senhor Supremo, depois de três dias volto a escrever informações: Tudo continua como antes, estou ainda travestido de humano e me dando bem. Todos os dias, eu descubro mais costumes sobre as fêmeas. Fico no calçadão da praia apreciando elas passarem, com vontade de agarrar aquelas maravilhas. Quando tirei do bolso dinheiro daqui que falsifiquei para pagar uma bebida deliciosa chamada cerveja, uma fêmea, conhecida como rapariga, me abordou perguntando se não queria fazer um programa. Perguntei o que era programa e se eu podia alisá-la, Ela sorriu e falou no meu ouvido o que faria comigo. O sensibilizador estremeceu, fui para o apartamento do hotel.

Supremo, vocês no planeta ATOX 69, não podem imaginar o que seja transar aqui na Terra; não é feito aí que os filhos nascem em chocadeira. Aqui o macho e a fêmea se abraçam, é bom demais. Para evitar engravidar e não pegar doença, as raparigas exigem que eu use camisa de Vênus. Os nossos amigos de Vênus já estiveram por aqui, e trouxeram essa camisa, vou investigar.

Nesse momento estou no quarto do hotel esperando as raparigas, contratei duas. Vou passar a noite raparigando, é a melhor coisa do Universo. Depois eu conto com mais detalhes. Vou mandar essas informações, via Internox com cópia para o DR. Um abraço do subordinado. RAMLIG– 21.”

Essa foi a possível tradução do documento achado por Frederico. Depois que decodificou o papel achado no lixo, ele quer ir à ONU. Confidenciou-me convicto que o Hospital psiquiátrico está infiltrado de extraterrestre. Até seu médico, de barbicha bonita, o competente Dr. José Moreira, Fred tem certeza e prova, é um E.T. é esse cara que recebeu a cópia, o tal do DR.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 26 de outubro de 2019

JÚLIA & JÚLIO

 

 

JÚLIA & JÚLIO

Ana Júlia quando aparecia de biquíni na praia da Avenida Paz fascinava os homens. O pai, viúvo, funcionário público, esforçava-se para lhe dar conforto e educação. Ela estudava numa escola pública e não teve muita dificuldade em passar no vestibular de medicina.

Júlio Fonseca e Ana Júlia eram namorados, inseparáveis depois da praia, gostavam de conversar e tomar cerveja no Castelinho, um bar-restaurante instalado no coreto da Avenida. Na primeira cerveja, eles brindavam, batendo os copos, recitando um poema de Carlos Pena Filho:

“São trinta copos de chope… São trinta homens sentados… Trezentos desejos presos… Trinta mil sonhos frustrados…”

Os dois se entendiam, almas gêmeas, era tempo das jovens virgens antes do casamento. Naquela época houve um Congresso de Plantadores de Cana em Maceió. Ana Júlia foi trabalhar como recepcionista durante a semana. Todas as noites um senhor visitava o estande. Encantou-se com a jovem, alegre e sensual.

Fazendeiro em Minas Gerais, separado, rico, o coroa solitário e bonito apaixonou-se. Ana Júlia até que simpatizou, ele prometeu o Céu, a Terra e o Mar se ela o quisesse. Quinze dias depois do Congresso ele retornou a Maceió, procurou Júlia. Conheceu o pai da jovem, queria casamento. Foi um reboliço na família. Um rico fazendeiro de 30 anos, apaixonado e louco para casar com uma jovem de 18 anos, cursando a Faculdade de Medicina.

Quando Júlio soube pela própria namorada que iria casar, levou um choque, ficou nocauteado e mudo. Foi como se um feixe de flechas tivesse lhe atravessado o tórax, o coração. Descobriu que amava Júlia loucamente. Tudo muito de repente

Na véspera da viagem, eles se encontraram na boca da noite no Castelinho. A namorada estava deslumbrante. Emocionados brindaram ao futuro. Quando se olharam nos olhos, os dois marearam. Ele não se conteve, sussurrou no ouvido de Júlia: “Lhe amo, lhe amo, lhe amo e nunca lhe esquecerei…”

Os dois choraram abraçados. Quando refreou a comoção, Júlia abriu o coração: estava casando por necessidade, seu pai tinha câncer, o tratamento era caríssimo. O noivo prometeu levá-lo para um tratamento moderno em São Paulo. O pai, não imaginava a história verdadeira, deu sua vida batalhando por ela, merecia essa loucura pragmática. Tinha chegado sua vez de retribuir, mesmo sacrificando sua juventude.

De mãos dadas, os dois namorados passearam mudos pela Avenida. Em certo momento, desceram à praia. Num ímpeto natural, abraçaram-se.

Ele beijou e lambeu o longo pescoço da amada, enquanto ela sussurrava seus ais e num grito abafado pediu: “Quero você, quero você, me possua, entre em mim…”

Os dois se uniram abraçados, beijando na boca, chegaram juntos ao êxtase, à apoteose. Ouviram pássaros marinhos cantarem àquela hora da noite.

Uma semana depois Ana Júlia casou-se com o fazendeiro apaixonado. Ficou morando na fazenda em Três Corações, numa enorme casa de 8 quartos, 4 salas, 5 banheiros. Sem condições de estudar medicina.

Alguns anos se passaram, Júlio pouco viu Júlia quando ela passava em Maceió. Aproximou-se certa vez para dar os pêsames no enterro de seu pai. Havia certo afastamento, um tratamento respeitoso, ou medo deles mesmos.

Nesse ano da graça de 2019, Júlio, coroa enxuto e alegre, bom folião, preparou-se para o carnaval e foi desfilar no Bloco da Nêga Fulô no domingo.

Brincava entre casais amigos na rua, de repente tomou maior susto ao se deparar com uma mulher madura, exuberante que dançava e pulava. O coração bateu forte, feliz emoção ao reconhecer Júlia com o esplendor de sua maturidade e alegria, pulando e cantando as marchinhas de carnavais antigos. Abraçaram-se, em rápida conversa marcaram encontro no dia seguinte, segunda-feira de carnaval, almoçar no Restaurante Maré.

Embora Júlio seja um cidadão correto, engenheiro, casado com três filhos, a fidelidade nunca foi seu ponto forte. No outro dia ao meio-dia ele estava sentado no deck da Lagoa Mundaú. Júlia desceu de um táxi com elegância e beleza, Aproximou-se sorrindo, deu um beijo em sua face, sentou-se a seu lado.

Ela desabafou. Contou seu sofrimento com o marido mineiro, extremamente ciumento, violento, e raparigueiro, “qualidades” que só apareceram depois do casamento. Tem uma filha e uma neta, lindas. Certo dia, Ricardo teve um derrame, um AVC, ficou andando e falando com muita dificuldade. A cadeira de rodas tornou-se sua prisão.

Foi uma liberdade para Júlia, mudou radicalmente sua vida. Antes de viajar para Maceió, chegou-se bem perto de seu desvalido esposo e comunicou que estava tirando férias, viajando à sua amada e bela terra. As lágrimas correram nos olhos de Ricardo. Ela não sentiu peso de culpa, nem arrependimento. Deixou uma enfermeira cuidando do marido

Benedito, o garçom, encheu novamente os copos de cerveja, eles sorrindo, brindaram: “São trinta copos de chope… São trinta homens sentados… Trezentos desejos presos… Trinta mil sonhos frustrados…”

Terminaram a tarde num motel. Felizes como vivessem ainda nos gloriosos anos da juventude. Soltaram desejos presos, realizaram sonhos frustrados.

Naquela mesma tarde, em Minas Gerais, choveu muito. Trovoadas e relâmpagos caíram na distante fazenda, Ricardo dormia na suntuosa cama de casal. Só à noite a enfermeira percebeu: seu patrão abraçado ao travesseiro havia morrido.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 20 de outubro de 2019

O FUTURO É HOJE

 

 

O FUTURO É HOJE

-Josimar você não tem vergonha? Só faltava essa, casar com a filha de sua terceira esposa, sua enteada, uma menina, mais nova que você quase 40 anos. Não tem vergonha? Hoje ela está com 18 anos, novinha bonita, atraente, os homens gostam da juventude, mas quando você chegar aos 70 anos ela ainda estará no auge dos 30 anos. Será uma ponta do tamanho de um bonde.

Repreendia Virgínia, irmã de Josimar, solteirona, invicta, ligada à Igreja, autêntica filha de Maria, cheia de preconceitos e dogmas. Reza todos os dias pela alma de Josimar, seu único irmão, seu último parente, mas fica estarrecida com sua vida de mulherengo incorrigível.

Há alguns anos quando o irmão casou-se a primeira vez, Virgínia comemorou. Afinal o mano querido sairia da vida pecaminosa de solteiro, cheio de raparigas e amantes. Foi difícil para Josimar acostumar-se com a vida de casado. Nas sextas-feiras, ao meio dia, saía direto para o Bar do Pontal, ponto de encontro de suas amizades, inclusive algumas garotas suspeitas. Mesmo com o nascimento de seu filho, Josimar continuou sua vida de boêmio. O casamento durou cinco anos, a separação foi até um alívio para esposa. Josimar nunca deixou faltar nada na casa da ex-mulher e do filho. Ele tem um bom emprego, uma sinecura federal, aparece uma vez por semana, é um tremendo funcionário boa vida.

Certa vez apareceu uma prima da Bahia, toda frajola, morena da cor de melaço, encantou nosso herói, saiu com ele várias vezes, ficava nas preliminares, mas nada do jogo principal. Marta, a baiana, dizia que ali só entrava casando. Muita cantada, muita lábia gasta pelo boêmio, porém Marta resistiu bravamente. Quem não resistiu foi Josimar terminou casando-se na Igreja de São Joaquim na cidade baixa de Salvador, com uma alegre recepção na casa dos primos. Sua família e amigos viajaram para Bahia num ônibus fretado. Quem mais ficou alegre foi Virgínia pensando que a prima consertaria a vida do irmão mulherengo. Nos primeiros meses o casal vivia de mãos dadas em lua-de-mel, aparecia em todos os lugares, enamorados. Os amigos comentavam: quem diria? Como uma mulher pode transformar um homem.

Certo dia chegou um recado de Brasília do deputado mandando Josimar resolver uma questão em Delmiro Gouveia, sertão alagoano. Ele não é advogado, mas tem conversa convincente, sabe defender pertinentemente seus pontos de vista, mesmo que esteja errado. No sertão ele resolveu a questão mais cedo que pensava e retornou ao lar pensando na baiana do rabo grande, sua digníssima esposa. Ao entrar no apartamento ouviu um barulho estranho, no quarto deparou-se com uma imagem que até hoje está fixada em sua mente e em sua alma. A bela Marta deitada na cama com um dos funcionários do prédio. Deu-lhe uma dor no coração, saiu do apartamento, foi para um bar encher a cara de cachaça. Terminou o casamento com um chifre enorme que ainda hoje dói. Prometeu nunca mais casar na sua vida, dedicar-se apenas às raparigas.

Anos depois conheceu, por intermédio da irmã, Mariluce, uma viúva, madura, bonita coroa, com uma filha de 16 anos, Maria da Penha. Josimar se encantou, estava cansado da vida de solteirão, os amigos casados, ele já não conseguia uma conversa adequada à sua idade nas noitadas cheias de jovem. Com certo tempo acertou formalmente e casou-se pela terceira vez. Mãe e filha foram viver no apartamento de três quartos de Josimar. Ele ficou feliz com seu novo casamento e deu-se às maravilhas com Maria da Penha, dizia que a enteada era a filha que não teve.

Matriculou e custeou a moça na Faculdade de Direito. Quando podiam viajavam os três. Maria da Penha tinha o padrasto como confidente sobre seus namorados. Josimar dava-lhe vestidos, perfumes, até um carro seminovo a enteada ganhou. Mariluce ficava com ciúmes pelo tratamento dado à sua filha, achava que ela também merecia. O tempo foi passando até que estourou a bomba. Josimar apaixonado por Maria da Penha deixou a mulher e foi viver com a enteada, um escândalo. Ele está feliz da vida. Nem liga para as espinafrações que a querida irmã Virgínia lhe dirige, ao encontrá-lo. Responde à irmã.

– O Futuro é Hoje.

ESTA HISTÓRIA ESTÁ INSERIDA NO LIVRO “CONTOS LEVEMENTE ERÓTICOS” QUE SERÁ LANÇADO NA PRÓXIMA SEXTA-FEIRA, DIA 25 OUTUBRO ÀS 19 HORAS NA COBERTURA DO EDIFÍCIO EMPRESARIAL DELMANN RUA SAMPAIO MARQUES 25 – MACEIÓ – PAJUÇARA.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 11 de outubro de 2019

A COOPERATIVA

 

 

A COOPERATIVA

A moto corria solta pelo asfalto, ziguezagueava procurando brechas entre carros, ônibus, caminhões, no caótico trânsito do meio dia. Micheline dirigia a moto veloz como uma malabarista, imprudente como ela só. De repente fechou o sinal, ela, desajuizada, não freou, tentou atravessar a avenida, quase ao chegar do outro lado foi atropelada por um carro, a moto rodopiou, Micheline foi jogada longe no jardim da praça. Acordou-se no Pronto Socorro com pernas e braços cheios de hematomas, nada grave, seu capacete salvou-lhe a vida, segundo testemunhas. Foi constatado não ter osso quebrado, assim que fizeram os curativos, o médico deu-lhe alta, o hospital estava superlotado, recomendou repouso absoluto. Ao chegar em casa sua mãe assustou-se e deu o sermão esperado. “Eu não lhe disse, moto é um perigo, e agora como vai trabalhar? Menina desmiolada. Se aquiete, arranje um emprego num escritório, esse negócio de moto-taxista é para homem jovem.”

Na verdade Micheline não tem emprego fixo, nem seguro de saúde, ela é autônoma, moto-taxista, presta serviços a uma espécie de cooperativa. Para que Micheline possa trabalhar com mais calma, eficiência e dedicação, seis amigos privilegiados organizaram uma sociedade informal, uma cooperativa. Micheline presta serviços especiais aos cooperativados. É o serviço mais antigo da humanidade, até santa existiu nesse ramo, Santa Maria Madalena, prima de Jesus. Por tudo isso Micheline sente-se segura, os excelentes patrões não lhe deixam ao Deus dará. Ela tem certeza que terá cobertura nesse acidente.

Na manhã seguinte, ainda enfaixada, deu o primeiro telefonema; falou com o deputado explicando o acidente e a situação, estava em casa machucada, precisava de um adiantamento, ela pagaria com muito amor e carinho, ele sabia. O deputado não reclamou, ela merecia pela excelência dos serviços, ninguém é tão eficiente quanto Micheline, mas a repreendeu, precisava ser comportada nesse trânsito maluco, deixasse a loucura apenas para o trabalho, pediu o número da conta e mandou um assessor depositar boa quantia.

Micheline passou o resto do dia em contatos com os outros cooperativados, o coronel, o secretário de estado, o cientista político, o suplente de vereador e o professor universitário aposentado. Micheline ainda presta serviços, fora da cooperativa, sem conhecimento dos patrões, a um pastor e a uma linda advogada.

Seu verdadeiro nome é Maria das Dores, Micheline é nome de guerra depois que entrou no ramo. Quando o cientista político conheceu intimamente aquela morena alta, bonita, cabelos negros, sorriso escancarado e debochado, olhar de gata no cio, comentou para os amigos de roda de chope, havia dormido com a mulher do século e do sexo, a morena mais frajola e quente da cidade. Nos braços de um homem era a própria Messalina, libidinosa e voluptuosa, fazia programa há pouco tempo, entretanto, ela é única, ama o pecado, peca só por prazer e vive para pecar, como diria o poeta. Diverte-se e gosta dos prazeres da carne. Entre quatro paredes tudo lhe é permitido. Os amigos ficaram fascinados com as descrições pormenorizadas do cientista político.

Nesse mesmo dia o coronel telefonou, foi devidamente atendido. Ao encontrar com os amigos confirmou a eficiência da deusa marrom. Em uma semana todos constaram a perfeição e dedicação de Das Dores. Alguém teve a ideia da exclusividade entre eles. Foi quando formaram uma cooperativa, as despesas e os serviços prestados por Micheline são devidamente repartidos entre os seis amigos. Para ser mais eficiente no atendimento deram-lhe uma moto e um celular, além de um banho de loja, é a moto-taxista mais chique do Brasil. Seu nome de guerra, Micheline, é devido a uma preferência sexual, diz ela que se fosse homem seria boiola. Ela tem um amigo francês elegantíssimo, homossexual assumido de nome Michel, em homenagem a esse homem, ela apelidou-se de Micheline.

A moto-taxista ama duas coisas na vida, andar de moto e dar. Os cooperativados depositaram em sua conta um generoso montante, ela passou quinze dias recuperando-se. Restabelecida procurou os cooperativados que a socorreram. Ela pagou a dívida, bem paga, com calorosas tardes de amor. Micheline retornou à moto e ao trabalho, não toma juízo, ama a velocidade, continua correndo nas brechas do trânsito caótico. Apareceram novos clientes, atende um ou outro quando está ociosa, porém, a prioridade é dos cooperativados. Ela é séria em suas obrigações trabalhistas.

ESTA HISTÓRIA, BASEADA EM UM FATO REAL, ESTÁ INSERIDA NO LIVRO “CONTOS LEVEMENTE ERÓTICOS”, A SER LANÇADO DIA 25 OUT NA COBERTURA DO EDIFÍCIO DELMAN NA PAJUÇARA, EM MACEIÓ.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 06 de outubro de 2019

A TARADA DA JATIÚCA

 

 

A TARADA DA JATIÚCA

Ninfômana, segundo Aurélio Buarque de Holanda, o maior dicionarista da língua portuguesa, é uma mulher que tem tendência patológica ao abuso do coito, à compulsão ao amor carnal, ao ato sexual. Doença também chamada de uteromania, furor uterino, ou seja, no popular, simplesmente uma mulher tarada.

Depois dessa explicação médica-científica, posso contar o caso da loura gostosa que está atacando homens desavisados durante as caminhadas noturnas na orla da Jatiúca. Mais de oito ocorrências foram constatadas e comprovadas nas últimas semanas. A notícia já se espalhou na cidade, e logo aumentou o número de homens andando no calçadão nas noites mornas da praia de Jatiúca. Não deixa de ser um incentivo à saúde e à qualidade de vida.

Para os que me acusam de mentiroso, de inventar histórias, provo o acontecido com o depoimento de um homem íntegro e honesto, Bolívar; mais um que caiu na esparrela da tarada da Jatiúca. Ele contou-me a história como de fato aconteceu. Ainda está atordoado, só pensa na maravilhosa noite que passou com a loura sarada e tarada, idade indefinida entre 40 e 50 anos, e disposição sexual de uma adolescente transbordante de hormônios.

Bolívar é trabalhador, proprietário de duas revendas de veículo seminovo. Toda manhã é o primeiro a chegar à loja, só sai depois das dezenove horas, ao encerrar o expediente. Vendedor nato, nenhum de seus empregados tem o carisma, o fascínio de convencer ao cliente como o patrão. Bem casado, dois filhos, forma uma família exemplar. Toda noite, ao retornar do trabalho por volta das sete e meia, veste um short frouxo, um velho tênis e uma camisa larga, GG, tamanho maior que o seu. Bolívar caminha diariamente dez quilômetros na orla da Jatiúca. Depois entra numa roda de conversa com amigos respirando a brisa gostosa da noite. Ao voltar para casa, toma banho, veste um pijama, assiste um pouco de televisão. Gosta de novelas. É competente, no mínimo, três vezes por semana faz amor com Manuelita, sua querida mulher. Resumindo, é um cidadão comum, de bem com a vida.

Semana passada Bolívar confidenciou-me: Ele caminhava à noite na orla da Jatiúca. Ao passar pela Barraca do Siri, uma senhora correndo devagar, aproximou-se e perguntou se podia acompanhá-lo na caminhada, tinha receio de ser assaltada. Ele, gentil, tranquilizou-a, informou que não conhecia algum caso de assalto naquelas bandas. E que seria um prazer sua companhia. Os dois caminharam juntos em direção à praia de Cruz das Almas conversando amenidades. Ela apresentou-se, era paulista, morando em Maceió, a cidade mais aconchegante que encontrou, amou as praias e o povo da terra. Ao caminhar pela ciclovia por trás do Hotel Jatiúca, a loura achegou-se mais perto, Bolívar sentiu o inebriante perfume. Retornaram. A conversa estava mais que animada, contaram piadas picantes e inteligentes. Ao passar diante de um belo edifício, a bela coroa convidou Bolívar a tomar um drink em seu apartamento. Segurou sua mão, perguntou: vamos?

Ao entrar na quitinete nosso herói foi despido de maneira brutal. A mulher arrancou-lhe o velho calção frouxo e beijou seu peito cabeludo. Surpreso com tanta energia da parceira, ele correspondeu com a virilidade de homem de 50 anos. A loura tarada puxou-o para cama. Amaram-se feitos dois animais. Os detalhes da peleja, Bolívar não me contou. Entre uma e outra refrega, ele teve descanso apenas enquanto tomava banho e se reabastecia de azuladinha oferecida pela anfitriã. Foi uma noitada de uísque e amor com a bela coroa. Já passava da meia noite quando Bolívar entrou em casa. Manuelita, deitada, sonolenta, perguntou por onde andava. Ele respondeu: “conversando com os amigos na orla”. Tomou um banho, vestiu o pijama, dormiu como um anjo. Sonhou no meio de um bacanal com muitas louras saradas, tatuadas e taradas. No dia seguinte acordou-se ainda com efeito da pílula, apreciou a esposa apenas de calcinha. Não teve dúvida, pulou por cima. Manuelita acordou-se feliz da vida com a energia do maridão.

Quando Bolívar soube de outros casos iguais com a loura tarada, ele, agora, encerra o expediente mais cedo, inicia sua caminhada noturna olhando para os lados, caçando a galega. Já a encontrou duas vezes e ficou ciúme quando a viu andando, acompanhada, uma vez com um vereador, outra vez com conhecido surfista. Ao passar, ela piscou-lhe o olho, enchendo-o de esperança. Bolívar não desiste, contou-me que, continua caminhando toda noite, procurando, tem esperança e certeza em encontrar a loura, desacompanhada.

Como chegou o verão, o Sol está forte queimando as costas, braços e pernas, decidi trocar minhas caminhadas matinais por caminhadas noturnas. Agora, também caminho toda noite pela orla da Jatiúca. Quem sabe?


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 01 de outubro de 2019

PAPILLON

 

 

PAPILLON

Albuquerque frequenta a academia de natação, duas a três noites por semana. Tem esse vício em nadar contínuas braçadas, relaxar antes de dormir. Certa noite depois da natação, dormiu feito um menino, roncou feito um bode, teve um sonho, surreal, quase pesadelo: Ele se aproxima por trás de uma mulher, costas nuas, a nuca tatuada com uma borboleta colorida, asas abertas. Num impulso ele estende a mão tentando alcançar a mulher. De repente, a borboleta tatuada levanta voo batendo as asas por cima de seu nariz. Nesse momento a mulher vira-se, ela não tem rosto definido, falta-lhe nariz e boca, apenas dois olhos cinzas, ele se assusta. Albuquerque acordou-se ofegante, excitado, o nariz irritado, coçando. Sonhou algumas noites seguidas, a mesma mulher, a borboleta, o nariz coçando. O sonho ficou nítido em sua mente, coisa rara, durante o dia tentava interpretar a história, tinha certeza, conhecia aquela tatuagem, tinha visto a borboleta colorida num pescoço, não recordava a pessoa.

À noite custava a adormecer pensando no sonho. Tentou relaxar, apelou para cinema, andar na praia, escrever, saiu com casais amigos, bebeu além da conta, dormiu feito um príncipe, entretanto, o mesmo sonho veio-lhe na madrugada. Consultou a um psicólogo amigo, a conversa de uma hora não deu resultado prático. A borboleta tatuada na nuca não lhe saía da cabeça.

Foi à natação relaxar, a academia repleta de jovens, velhos, mulheres, exercitando ou nadando. Albuquerque nadou ininterruptamente oito piscinas, ao terminar 200 metros, boa marca para um sessentão, segurou-se na borda, pequeno descanso. Ele notou na raia vizinha uma mulher fazendo exercício de respiração, mergulhava, soltava o ar, emergia, respirava novamente. Seu coração disparou entre surpreso e emocionado, quando avistou por trás do pescoço da mulher, a tatuagem, a borboleta colorida. Encantado, extasiado ao ver a nuca tatuada, tentou conter a emoção, não pode conter o olhar insistente à nadadora, mulher madura, bem conservada, nem bonita, nem feia, ele olhava fixamente a borboleta. Certo momento ela tirou os óculos, olhos cinzas, segurou a escada da piscina, subiu. Albuquerque teve certeza, era a mulher do sonho. Ele também subiu, acompanhou-a discretamente, aproximou-se, num impulso puxou conversa.

– Essa borboleta tatuada lembrou-me o livro, Papillon. A história de um preso fugitivo na Guiana Francesa, ele tinha uma borboleta tatuada, era conhecido como Papillon, borboleta em francês.

– Interessante, eu gostaria de ler, qual livraria tem esse livro?

– Posso lhe emprestar, a senhora vem quando por aqui na academia?

– Toda noite eu nado a partir das sete horas.

– Amanhã trago o livro, a senhora vai gostar, tenho certeza. Fizeram um filme com o Dustin Hoffman.

– Até amanhã, despediu-se a nadadora saindo da academia.

Albuquerque ao chegar em casa tomou um bom café. Procurou o livro “Papillon”, não encontrou, ficou especulando, lembrou que havia doado alguns livros a uma Biblioteca Comunitária. Nessa noite teve o mesmo sonho, mudou um detalhe, o rosto da mulher era visível, era a nadadora.

No dia seguinte pela manhã foi a uma livraria e comprou o livro. À noite, antes das sete ele nadava, ao avistar a mulher, alegrou-se, cumprimentaram-se.

– Eu trouxe o livro. – disse-lhe arrancando um sorriso, saíram juntos da piscina, conversaram na lanchonete por meia hora. Na noite seguinte conversaram mais. Ela, professora de música, divorciada, dois filhos, não queria compromissos, gostava de ler, estava adorando o livro. Nessa noite, durante o sonho ele abraçou a nadadora, acordou-se excitado.

De conversa em conversa à beira da piscina, tornaram-se amigos, dois adultos, ele não teve dúvida em contar a história do sonho, confessou, só deixava de ter o sonho quando beijasse a borboleta, ela gargalhou. Marcaram encontro na outra tarde. Amizade colorida, sem compromisso, assim acertaram. Albuquerque não sonha mais com a mulher sem rosto, entretanto, em algumas tardes deliciosas, ao vivo e a cores beija a borboleta tatuada. Com carinho sussurra ao ouvido da nadadora: “Minha Papillon”.

ESTA HISTÓRIA FAZ PARTE DO LIVRO “CONTOS LEVEMENTE ERÓTICOS”. LANÇAMENTO: DIA 18 DE OUTUBRO ÀS 18 HORAS NA COBERTURA DO EDIFÍCIO DELMAN EMPRESARIAL, RUA SAMPAIO MARQUES 25 – PAJUÇARA-MACEIÓ


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 20 de setembro de 2019

O SITIO DA BICA DA PEDRA

 

 

O SÍTIO DA BICA DA PEDRA

Era uma vez, em Maceió, uma jovem, bela, recatada e do lar, filha de um comerciante de sapatos na Rua do Comércio. Fernanda, aluna do Colégio São José, aprendeu com a mãe a costurar, cozinhar, tocar piano e ser rainha de casa. O pai, extremamente religioso, só deixava a filha sair à rua ou às festas, se acompanhada dos irmãos. Claro que sua virgindade permaneceu invicta até o casamento. A beleza e sensualidade exuberante de Fernanda chamavam a atenção. Numa festa de 15 anos, conheceu Albérico Albuquerque, mancebo de família rica, estudante de Direito no Recife, bonito, másculo, xodó das mulheres, passava férias de final de ano na cidade.

Albérico encantou-se por Fernanda, a bela. Iniciaram um namoro de portão de casa, horário e vigilância rígidos. Dentro de dois anos, casaram-se, apesar da resistência dos pais do noivo, queriam um casamento para o filho dentro do circuito açucareiro. Albérico, já exercia a função de advogado das empresas familiares; impôs-se e casou-se, com direito a lua de mel na Europa.

Três anos se passaram, o casal bonito chamava a atenção. Albérico não quis filho no início do casamento; Fernanda se frustrava. O ritmo de amor na cama diminuiu, às vezes mais de um mês sem um carinho. Em conversa com a prima e confidente, Claudinha, Fernanda ouviu com atenção o relato das peripécias sexuais da prima na cama com o marido. Claudinha não podia viver sem aqueles carinhos especiais. Fernanda encantou-se e excitou-se com os detalhes contados pela prima, ascendeu-lhe uma fogueira em suas entranhas, quase adormecidas.

À noite, depois do banho, Fernanda vestiu minúsculo lingerie preto, estava divina e escandalosamente sensual. Albérico sequer olhou para esposa, disse apenas estar cansado, deitou-se. Ela não entendeu, nem admitiu aquela apatia. Abraçou o marido, atacou com volúpia, mãos e boca entornaram o corpo másculo. Para sua surpresa, Albérico levantou-se, olhou para esposa e a repreendeu: – “Quem faz isso é prostituta. Quem lhe ensinou? Você quer ser quenga?”. Dizendo-se muito cansado foi dormir em outro quarto.

Fernanda, entristeceu e chorou. Seus instintos desejavam aqueles carinhos ensinados pela prima. Ficou a perguntar-se se era uma tarada, uma quenga. Custou a dormir. No dia seguinte nem Albérico, nem Fernanda, conversaram sobre o acontecimento da noite anterior.

O casal gostava de passar fim de semana no bucólico sítio na Bica da Pedra, beirando a lagoa Manguaba. Certo domingo, Fernanda teve que retornar a Maceió mais cedo, o motorista viria buscar Albérico perto da noite; deixou o marido cheio de uísque deitado na rede. Com quinze minutos dirigindo, ela sentiu falta da bolsa, naquela época não havia celular, Fernanda resolveu retornar ao sítio. Ao entrar na casa, notou alguma coisa fora do normal, não havia vestígio do marido. Ao segurar a bolsa em cima da mesa, ouviu um barulho em seu quarto. Abriu a porta e tomou um choque; essa cena permaneceu na memória para o resto da vida. O belo Albérico, nu, por cima da filha do morador, uma garota de 16 anos. Fernanda soltou um grito, “Filho de uma puta”, correu, entrou no carro. Chorou até chegar em casa.

Era noite quando Fernanda parou de chorar. Tomou um banho, nua, olhou-se no espelho, achou-se bonita. Colocou um belo vestido, perfumou-se, pegou um táxi em direção ao Zinga Bar na praia de Riacho Doce. Avistou alguns conhecidos, sentou-se à mesa com amigas e amigos. A partir dessa noite, escandalizou a província saindo com homens solteiros e casados. A história de Fernanda e Albérico tornou-se o fato mais comentado pelos fuxiqueiros em todas as esquinas, bares e lares da cidade.

Fernanda foi morar ao Rio de Janeiro. Amou a balada carioca dos anos 60/70. Bonita e gostosa frequentou os bares e boates de Ipanema e Copacabana. Caiu na noitada carioca. Fez sucesso entre artistas, políticos, desocupados. Arranjou um emprego, depois do meio dia. A nova vida terminou arrastando-a aos braços de muitos homens, famosos ou não. Fez sucesso, mestra em todas as posições do Kama Sutra. Até que um dia um senador do Paraná apaixonou-se, deu-lhe apartamento, joias e um emprego no Senado. Os anos passaram-se, teve dois filhos com o Senador, foi-lhe fiel até a morte. Hoje, em seu apartamento em Copacabana, Fernanda olha pela janela o mar azul, relembra da juventude presa, recatada e do lar. Tem planos de morar, passar o resto da vida, no sítio da Bica da Pedra.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 14 de setembro de 2019

COCO VERDE

 

 

COCO VERDE

Ao completar 50 anos, Laurinha, bela mineira de Juiz de Fora, engenheira ambiental, sensível, preocupada com o bem estar comum, ganhou do ex marido uma viagem ao Nordeste, iniciando em Maceió. Desceu no Aeroporto Zumbi dos Palmares, pegou um táxi direto ao Hotel Atlantic na praia da Jatiúca. Ao descortinar a janela do apartamento encantou-se com o mar azul turquesa esverdeado, a praia de areia branca e os coqueiros enfileirados feito sentinelas vigilantes. Sentiu uma sensação de bem estar, de amor, de paixão pelo belo cenário em seu redor. Foi amor à primeira vista.

Eram quatro horas da tarde, ela vestiu um biquíni que pouco encobria o corpo firme e conservado de uma mulher madura. Desceu à praia e caminhou descalça na areia fina por mais de meia hora, como se estivesse tomando posse do lugar. Estava fascinada com tanta beleza. –“Esta é minha praia”, disse para si mesma. Retornou caminhando à beira mar, sentindo no corpo o respingo das marolas molhando seus pés. No calçadão tomou água de coco, sentou-se num banco, absorta, embevecida com o Sol se pondo lá para o fim do mundo. O entardecer alaranjado deu-lhe um sentimento de paz e tranquilidade.

No Hotel conheceu um grupo de turistas, coroas; convidaram Laurinha para uma volta noturna na cidade. Foi uma noitada agradável na casa de dança Burguenvíllia. Conheceu um advogado alagoano, moreno, sessentão, contumaz frequentador daquela casa onde se divertem os solteiros mais descolados da cidade. Tenorinho é uma figura polêmica, cheio de conversas fantasiosas, encanta e diverte qualquer roda. Uma vida pessoal com muitos atropelos, três casamentos desfeitos. Tenório se gaba com amigos de ser o maior caçador de turista nas noitadas maceioenses. Laurinha caiu em suas garras, acordou-se em seus braços num pequeno apartamento na praia da Ponta Verde.

Foram três semanas e meia de amor. Laurinha deixou para conhecer o Nordeste em outra viagem. Tenório ficou deslumbrado com as mãos mágicas da parceira, além de engenheira, ela é excelente massoterapeuta. Nas horas vagas de amor, eles fizeram turismo nas praias do Litoral Norte, Litoral Sul. Laurinha, católica praticante, encantou-se com as igrejas, o Museu de Arte Sacra da bela cidade barroca e histórica de Marechal Deodoro. As férias acabaram. A mineira retornou à sua terra, muitas lembranças e saudades daqueles dias nos braços de Tenorinho. Em Juiz de Fora contou às amigas suas aventuras e os passeios maravilhosos com um alagoano bem humorado, baixinho, de seu tamanho.

Três meses depois aconteceu um feriadão. Laurinha não teve dúvida, comprou passagem, instalou-se novamente no Hotel Atlantic. Ela retornou com todo charme da mulher mineira, pensando em curtir as praias, os belos coqueiros, tomar água de coco, olhar para o azul do mar. Assim que pôde fez a surpresa: telefonou para Tenorinho. Acontece que o pilantra, surpreendido, deu uma desculpa esfarrapada. Ele estava dando assistência a uma turista norueguesa. Laurinha não se comoveu, percebeu que sua paixão não era o homem, sua paixão era aquela cidade tropical, a suave brisa, e a beleza inimaginável da cor do mar. Na manhã seguinte caminhou na praia, mergulhou no azul piscina, satisfeita da vida porque estava em sua terra adotada e adorada. Sabia o caminho da noitada partiu para o Burguenvíllia, não ficou solteira durante o feriadão. Esqueceu Tenório desde que desligou o telefone.

Agora, tornou-se rotina, todas as férias e feriadões, Laurinha viaja à Maceió. Fez vários amigos na cidade, frequentadora do Orákulo, do Caldinho do Vieira, sem esquecer o Burguenvíllia. Outros namorados aconteceram. Reviu o Tenorinho algumas vezes, ele convidou, insistiu em levá-la a passeios, ela negou apenas com um gesto, balançando a cabeça.

Dezembro passado Laurinha entrou em férias, alugou um apartamento mobiliado na praia da Jatiúca. Brindou o Réveillon na praia. Juntou-se aos amigos, muitos fogos, dançou ao ar livre, divertiu-se curtindo até o amanhecer do novo ano. Acordou-se depois do meio-dia, foi à varanda do apartamento, bocejou, estirou-se com preguiça no corpo, deu vontade de tomar uma água de coco. Desceu à praia, pediu ao rapaz abrir um coco. Ele cortou com uma rapidez fantástica. Laurinha ficou impressionada com a perícia e o corpo musculoso, espadaúdo e brilhante do guapo moreno. Puxou conversa; amou a alegria, a simplicidade do jovem Cícero, o vendedor de coco. Ela tomou água de coco por mais três vezes. Dia seguinte, ao entardecer, pediu ao Cícero para levar cinco cocos verdes em seu apartamento. Ao chegar, o jovem colocou os cocos descascados na cozinha. Ela o convidou para sentar, ele sentou-se. Ela ofereceu-se para fazer-lhe uma massagem, transaram. Durante o resto das férias, o jovem Cícero, todos os dias, alegre, levou coco para sua amiga mineira. Às vezes dormiu relaxado com a massagem. Laurinha cada vez mais ama Maceió, curtindo a vida e sedenta de água de coco.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 08 de setembro de 2019

A MANICURE

 

 

A MANICURE

– Depois de velho você ficou relaxado, coisa feia! Não corta o cabelo, unhas grandes, vou contratar manicure. Se eu morrer você vai virar lobisomem. – Vivia reclamando Dona Sílvia aos ouvidos de Fonseca.

Certo sábado, pela manhã, apresentou-se no apartamento uma morena sorridente, Aparecida, manicure. Dona Sílvia tirou o marido da leitura dos jornais na varanda, hora de fazer as unhas. Ele levantou-se, mais para livrar-se da insistente mulher. Sentou-se na poltrona, cumprimentou a manicure, acionou o controle remoto da televisão. Colocou os pés numa bacia de água quente para amolecer as unhas. Dona Sílvia deixou o marido entregue à manicure, foi às compras, sábado é dia de Shopping, encontro de amigas, só retornaria na hora do almoço.

Durante o cortar das unhas, Aparecida alisou a mão de Fonseca de uma forma suave, ele sentiu uma sensação gostosa, carícia no toque de mãos. Olhou para manicure e ficou inquieto ao perceber o generoso decote, seios duros, empinados. Há tempos não se excitava só em olhar uma mulher. Puxou conversa.

– Você é a boa manicure, sabe cortar com suavidade, onde aprendeu essa delicadeza?

– Eu precisava de uma profissão, ganhar dinheiro para me sustentar, tenho uma filha. Uma amiga me ensinou e fiz um curso no SENAC, hoje tenho bons fregueses, não paro de cortar unhas, os clientes gostam. Ser manicure foi muito bom para mim. O que ganho está dando para sobreviver.

– E seu marido, pai de sua filha, não lhe ajuda?

– Tenho marido não. Namorei um vizinho, ele me engravidou, eu era ainda menina, tinha 15 anos. O desgraçado danou-se para o Rio de Janeiro, sonhava ser cantor de rádio e televisão. Há mais de cinco anos não tenho notícias do vagabundo, me disseram que é traficante no morro. Eu moro com minha mãe.

Conversaram bastante. Aparecida contou sua vida, semelhante às jovens da periferia do Nordeste. Ao terminar, ele olhou os pés, as mãos, admirou as unhas simetricamente cortadas, perfeitas. Perguntou o preço do serviço, pagou R$ 35,00, cinco a mais do valor pedido. Aparecida agradeceu, guardou o material. Fonseca ficou encantado com o rebolar do corpo moreno dentro do vestido branco, quase transparente. Ela despediu-se perguntando quando retornava.

– Venha no próximo sábado. – Fonseca disse com entusiasmo.

Na hora do almoço Dona Sílvia inspecionou as mãos, os pés, do marido, aprovou, perguntou se havia gostado da manicure, Fonseca fez-se indiferente, entretanto, a jovem não saía da cabeça.

Fonseca alimentou-se de fantasia, sonhava com a morena acariciando seus pés. Ficava feliz desde sexta-feira. Em conversas enquanto cortava unhas, tornaram-se amigos, íntimos, certa vez ela confessou ter sido garota de programa, não gostou. Numa manhã de sábado, ao pagar a manicure, Fonseca encorajou-se, alisou o pescoço da jovem e deu-lhe um beijo na testa. Ela reclamou baixinho, com ar de cumplicidade: “Não Seu Fonseca, não…” Ele a trouxe num abraço apertado, beijou-lhe a boca. Deitaram-se no tapete comprado na Capadócia, fizeram amor pela primeira vez.

Dona Sílvia ao chegar notou a cara de felicidade do marido tomando uma cervejinha, cantando na varanda, achando o mar e a vida bonita. Convidou a esposa para almoçar fora, variar de comida, de tempero, foram à Barraca Pedra Virada na orla da Ponta Verde, encontraram amigos, passaram uma tarde maravilhosa conversando, uísque de combustível. Ao chegar em casa amaram-se como nunca mais tinham amado. Dona Sílvia, antes de adormecer, conseguiu perguntar: – O que houve com você, hoje?

No sábado seguinte Fonseca conversou sério com a manicure, não ficava bem fazer amor dentro de sua casa, era falta de respeito. Marcou, estabeleceu com Aparecida. Uma vez por semana, eles se encontram para uma deliciosa tarde de amor num motel. Dentro do apartamento nunca mais aconteceu. Afinal Fonseca é um cidadão de respeito.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 01 de setembro de 2019

JOCÃO

 

 

JOCÃO

Em Maceió havia mentiroso, aliás, o maior mentiroso do mundo, Jocão. Era assíduo frequentador do Café Colombo na Rua do Comércio, ponto de convergência de intelectuais, políticos, artistas, boêmios e outros desocupados. Jocão ao entrar se achegava às melhores rodas. Todos gostavam de suas divertidas histórias. Escolhia uma mesa onde não houvesse possibilidades de pagar a conta, arrastava uma cadeira, sentava, entrava na conversa. Logo perguntavam pelas novidades. Era a senha, Jocão, com sua fértil imaginação, primoroso contador de histórias, iniciava uma fantástica trama inventada na hora.

Certa tarde ele contou como se tornou o maior criador de codorna do Brasil. De sua fazenda no Carrapato exportava codorna e ovo para todo mundo. Tudo começou numa visita a Pedrinho, coletor estadual de Fernão Velho. Na despedida, Pedrinho embrulhou alguns ovos de codorna num papel de jornal para Jocão cozinhá-los em casa. Ele colocou o embrulho no bolso do paletó.

Já havia passado mais de um mês quando Jocão ouviu piados no quarto. Investigou de onde vinham aqueles pios parecidos com os de pombos. Ao abrir o guarda-roupa desvendou-se o mistério: no bolso do paletó estavam oito bugrelos de codorna nascidos dos ovos, presente de Pedrinho esquecidos no paletó.

Ele retirou os bugrelos, deu de comer pirão de farinha de mandioca. Os bichinhos foram crescendo. Reproduziram-se com rapidez, ele teve de colocá-los em sua fazenda no Carrapato. Já era considerado o maior produtor de codorna do país, talvez do mundo. Tudo por mera sorte.

Depois de contar a mentira, sentia-se à vontade entre os amigos, pedia mais cerveja e tira-gosto. Pagava a conta com suas fantasiosas histórias.

No tempo da II Guerra Mundial, muitas vezes Maceió entrou em “black-out”. Todas as casas, todas as ruas apagavam as luzes. Carros e ônibus não circulavam. A cidade totalmente às escuras se precavendo de um ataque aéreo ou de submarinos alemães. Havia uma rigorosa fiscalização pela defesa civil procurando alguma falha, alguma luminosidade para corrigir.

No final da tarde posterior a um desses rigorosos “black-out” Jocão apareceu nas escadarias da Associação Comercial, onde se juntavam os grandes comerciantes e homens do mundo dos negócios.

Assim que viram Jocão foram perguntando pela novidade. Ele não se fez de rogado e iniciou sua história.

“- Eu quase não dormi nessa noite de black-out, os aviões da fiscalização sobrevoaram o tempo todo minha casa. Parecia que havia alguma coisa errada. Um avião passou tão baixo que meu vizinho acendeu o cigarro no fogo do motor do avião. Ouvi no rádio que havia um foco intenso de luz na rua onde moro, pedia à população procurar a luminosidade senão os submarinos bombardeavam Maceió. De repente minha casa foi invadida por soldados do 20º BC. Tinham identificado o “holofote” na janela de minha casa. Tudo foi esclarecido, a forte luminosidade era o anel de brilhante de minha esposa que refletia a luz da Lua. A luz foi identificada por um oficial em posição na cabeça do cais do porto, depois que os aviões deram o alarme. Cheguei a ser preso. Só sai do quartel hoje pela manhã.”.

Jocão se aborrecia quando o chamavam de mentiroso. Certa vez no Café Colombo pediram para contar uma mentira. Ele ficou triste, calado e muito sentido. Logo esclareceu, sua mulher havia falecido. Estava por ali para espairecer um pouco e ver se arranjava algum dinheiro, ajuda para o enterro.

Os boêmios solidários fizeram uma arrecadação, deram a quantia para Jocão, que além de embolsar o dinheiro, pegou algumas garrafas de cerveja, um taco de presunto, deixou na conta dos amigos e foi chorar a defunta.

Um bêbado e um garçom foram designados para comparecerem ao enterro da mulher do Jocão no dia seguinte às 10 horas, representando os frequentadores do Café Colombo.

Ao chegarem perto da casa de Jocão na Rua Santa Maria (hoje Guedes Gondim) estranharam a falta de movimento e não ter cortinas negras nas janelas, como era costume nos enterros saídos das casas do morto.

De repente Jocão abriu a porta. Os representantes do Café Colombo perguntaram a hora do enterro. Para espanto dos visitantes, nosso herói gritou para dentro de casa: “Bastinha, venha ver quem veio para seu enterro”.

Complementou para os dois companheiros: “Vocês não pediram para eu contar uma mentira?”.

Sua mulher apareceu dando uma bela gargalhada. Convidou os amigos para uma irrecusável rodada de cerveja com tira-gosto de charque. A alegre “defunta” se divertia com as invencionices de seu marido, Jocão, o maior mentiroso do mundo, nasceu e viveu na cidade de Maceió. Até hoje contam suas fanfarrices e mentiras bem humoradas.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 23 de agosto de 2019

QUEM É ESSA MULHER?

 

 

QUEM É ESSA MULHER?

Quem é essa mulher que me acorda às seis horas da manhã e me beija com a boca de hortelã? Diz que é para me cuidar e me leva para nadar. Quem é essa mulher que todo dia ela faz tudo sempre igual? Depois do café da manhã sai com suas pastas embaixo do braço direto ao escritório e divide com o genro e a filha o trabalho de clientes em busca de seus direitos. Quem é essa professora que aos 40 anos resolveu enfrentar um vestibular de Direito, formou-se e montou um escritório de advocacia? Quem é essa advogada que passou quase dois anos sem folga, sem sábado e domingo, estudou e passou no concurso de Promotor de Justiça? Quem é essa promotora que deixava sua casa, seu marido e filhos durante a semana para assegurar a Justiça no interior do Estado? Quem é essa mulher que poderia estar desfrutando de uma aposentadoria merecida, porém, reabriu o escritório e trabalha todos os dias? Quem é essa mulher atarefada que arranja tempo para dedicar-se aos filhos crescidos, a levar os netos às aulas de inglês, de tênis, de natação? Quem é essa mulher síndica do prédio onde mora, administra com dedicação como fosse sua casa? Quem é essa mulher que trabalha com amor e alegria e possui uma felicidade intrínseca e encantadora? Quem é essa mulher que percebeu dois pequenos coqueiros morrendo na praia, comprou dois pés de coqueiros, ela mesma reimplantou e os coqueiros cresceram viçosos sob sua vigilância? Quem é essa mulher que quando enxerga um lixo acumulado no meio da rua, telefona à Prefeitura para que venham limpar sua cidade. Quem é essa mulher que quando percebe o esgotamento sanitário vazando com a água em dejetos aciona a Casal para que possa consertar o bueiro fétido? Quem é essa mulher que cuidou do pai moribundo com amor e carinho, trouxe-o para sua casa, fez o que pode e o que não pode até o final de seus dias? Quem é essa mulher que leva comida a um cão abandonado no quintal de uma casa e nos dias de sábado dá banho e conforto ao pobre animal? Quem é essa mulher forte que não se deixa pisar? Quem é essa mulher que gosta de bons livros, de bons filmes, teatro, música, show e da cultura popular? Quem é essa sertaneja de Major Isidoro que ama o linguajar matuto de seu povo, das danças, dos coloridos folguedos e folclores? Quem é essa mulher animada que faz o passo atrás de um bloco de frevo nos dias de carnaval? Quem é essa mulher que gosta de viajar perambulando pelo mundo, Cartagena, Praga, Berlim, Nova York, Paraty, Lisboa, ou a amada Penedo? Quem é essa mulher brasileira, cidadã da pátria amada, idolatrada, salve, salve? Quem é essa mulher que nunca deixou de ser professora, ensina aos netos, dá palestras nas Igrejas e nas Festas Literárias do Brasil afora? Quem é essa mulher que move montanhas defendendo seus direitos, como uma loba defende seus filhotes? Quem é essa mulher que paga a faculdade das filhas da secretária? Quem é essa alegre mulher que ama as colegas de colégio e infância, conserva o carinho de suas amigas em encontros e almoços, aproveitando a fase madura da vida.

Quem é essa mulher que desde menina, gostou dos livros, dos estudos, que teve uma juventude feliz em sua Maceió e até New Jersey? Quem é essa menina que um dia encontrei em flor de seus 15 anos num acampamento de Bandeirantes, e eu tenente, cantei pra ela em premonição: “Ôh Galeguinha você é tão bonitinha… engraçadinha… vou me casar com você”. Poucos anos depois entramos na Catedral Metropolitana trocando alianças. Essa mulher hoje completa 70 anos e o tempo não desfez sua beleza, continua tão bonita quanto a adolescente galeguinha bandeirante que encontrei um dia, acampada na praia do Pontal.

Sou um ser privilegiado, a única pessoa no mundo a conhecer profundamente a gentileza, a bondade, a perseverança, a força dessa mulher divina, que toda noite me jura eterno amor, não me deixa dizer não, e me beija com a boca de paixão. Essa é minha mulher, minha amada, amante, timoneira do barco de nossas vidas; mas, nem tudo foi um mar de rosa. Vânia aprendeu a remar com o tombo do navio, com o balanço do mar. Navegar foi preciso. Essa mulher segurou forte o leme nos maremotos. Hoje navegamos em calmaria, enxergando, ao longe, outros mares ou um porto final além do horizonte.

(Escrevi esta crônica para Vânia quando ela completou 70 anos, em agosto de 2018. Vou reeditá-la todos os anos, pelo resto da vida, no dia 22 de agosto, até o resto de meus dias, até ancorar no porto final; não está tão longe)


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 17 de agosto de 2019

O LEILÃO

 

O LEILÃO

O fato se deu há alguns anos quando a humanidade era ingênua, quando não se ousava pensar em tenebrosas transações, ainda não despertara a revolução sexual e as mudanças de costumes. O mundo era dos coronéis de engenho.

Naquela época morava em Atalaia, aprazível cidade do interior de Alagoas, uma jovem bonita de nome Mariá. Os homens quando a viam sentiam o desejo pulsar nas veias, na mente e na alma. Bela cafuza, exótica e exuberante, cabelos negros escorridos, rosto redondo, olhos pequenos, lábios carnudos e encarnados. Mariá era conhecida como Índia, filha de cortador de cana, pobre e analfabeta, os homens andavam atrás das saias daquela alegre morena. Porém ela mantinha-se virgem, um apelo e conselho do pai com quem vivia numa casa de taipa.

Certo dia o pai morreu, de cachaça, sua mãe havia fugido com um motorista de caminhão, arribou estrada afora, tornou-se prostituta estradeira, foi o maior desgosto do marido, ele entregou-se à bebida. Mariá ficou só no mundo. Aconselhada por amigas foi tentar sobreviver na capital. Arranjou trabalho de empregada doméstica numa casa. Nos primeiros dias foi desejada e assediada pelo patrão, pelos dois filhos e pelo avô. O bom velhinho quando olhou a Índia pensou que ainda era moço, vivia cantando a bela empregada. Aperreada a todo o momento, Mariá não aguentou a pressão, pediu as contas à patroa. Ao sair do emprego ficou perambulando pela Avenida da Paz, teve sorte, conheceu Cícero, um generoso homossexual que a levou para sua casa, pediu a mãe para lhe dar guarida até ela arranjar emprego. Na casa de Cícero não se podia pagar empregada. Mariá fez alguns trabalhos em troca da comida e dormida. Difícil uma analfabeta achar emprego. Certa vez uma vizinha aconselhou: -“Menina você é muito bonita, os homens lhe desejam, vá ganhar dinheiro no cabaré.” -“Eu sou virgem”, respondeu Mariá. -“Sua virgindade vale ouro, muito coronel pagaria um dinheirão para tirar-lhe o cabaço”, a vizinha insistia na conversa.

A conversa com a vizinha ficou atentando o juízo de Mariá. Numa bela noite ela procurou a vizinha, pediu para levá-la a algum cabaré, queria apenas conhecer. Ao chegar à Boate Tabariz, no bairro boêmio de Jaraguá, subiram a íngreme escada. Mariá empolgou-se com a beleza do salão. O dono do cabaré, conhecido como Mossoró, o rei da noite, examinou-a com um olhar de conhecedor. A amiga falou ao proxeneta: -“Pai Velho, olhe o presente que trouxe para você, uma bela Índia”. Aproximou-se, cochichou no ouvido do Negão: -“É virgem”.

Mossoró, conhecedor profundo das almas das mulheres da vida, interessou-se por Mariá, o fato de ser virgem, deixou-lhe empolgado. Havia quem desse uma fortuna pelo cabaço daquela jovem. Mandou-a esperar, Mariá estava deslumbrada com a música do conjunto, a alegria da casa, os pares dançando no salão. Mossoró levou-a ao escritório, um quarto especial. Puxou do bolso uma nota de gorjeta para vizinha e despachou-a, ficou sozinho com a Índia, era todo sorriso, simpático. Ele passava confiança às suas quengas. Fez algumas perguntas à Mariá. De repente pediu-lhe para tirar a roupa. A moça desabotoou os laços nos ombros, o vestido de chita caiu no chão, desabrochou a beleza nua da jovem, o sangue esquentou as veias do Pai Velho, conteve-se. Se não fosse virgem ele seria o primeiro, contudo, aquele cabaço valia ouro. Disse para Mariá – “Você vai passar alguns dias apenas aparecendo no salão. Amanhã vai ao Comércio, com uma das meninas, comprar três vestidos na moda. Toda noite fique bem bonita se mostrando de mesa em mesa, não vá para o quarto com nenhum homem, diga que é virgem, eu vou arranjar alguém especial para lhe tirar a virgindade, depois você fica trabalhando para mim, aqui na boate.”

Toda noite Mossoró anunciava o leilão da Índia, dia 22 de março, com Show de Reinaldo, uma trupe divertida de travestis, e inauguração da luz negra no salão. Na noite marcada, a Boate estava cheia; políticos, coronéis, usineiros, reservaram mesa. Foi uma das maiores festas na história do bairro boêmio de Jaraguá. O ganhador do leilão foi um rico fazendeiro, colecionador de cabaços, ele tinha um colar, cada conta do colar representava uma virgem. Pagou uma fortuna pela Índia. A festa tornou-se inesquecível. No bares, nos cabarés, nas biroscas do cais do porto de Jaraguá, por muitos anos os boêmios contaram a história do Leilão da Índia arrematada por um rico fazendeiro.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 10 de agosto de 2019

A TENTAÇÃO DE LÚCIFER

 

 

A TENTAÇÃO DE LÚCIFER

Aristóteles é um homem digno, esteio de nossa sociedade, advogado emérito, conhecedor profundo das leis. Desde os tempos do Colégio Diocesano (Marista), foi um aluno exemplar ligado aos princípios morais da civilização cristã. Um apologista aos bons costumes e à moral da educação ocidental. Jovem politicamente correto. Membro de uma tradicional família das Alagoas, ele nunca teve problemas financeiros, conhece o mundo e hoje é um sessentão conservado dedicado. Faz sua caminhada matinal, além de não relaxar na musculação da Academia. Semana passada caminhando numa bela manhã de sol pelo calçadão da praia de Jatiúca, eu fui abraço por trás, era Aristóteles, alegre, sorrindo, andou a meu lado, conversamos descontraidamente, até que meu amigo filosofou.

– Tudo pode acontecer com qualquer cidadão do mundo, com qualquer cristão, com qualquer homem de bem.

Eu fiquei surpreso com o pensamento espontâneo e tempestivo, perguntei o que havia acontecido. Aristóteles baixou o ritmo da caminhada confidenciou-me sua história quase sussurrando.

– O Satanás está solto, provocando! Veja você meu irmão, um homem como eu, crente em Deus, assisto à missa todo domingo, temente ao castigo divino, caí na tentação do Cão. O Diabo tomou forma de uma morena da cor de mel, de um sorriso cativante, de uma tentação encantadoramente diabólica. Ângela, minha querida e santa mulher, contratou essa moça para trabalhar em casa. A capeta veste um short desfiado para suas atividades domésticas. Normal para ela, para mim, uma sedução. O sangue ferveu em minhas veias ao me deparar com as pernas roliças, perfeitas, daquela mulher. Todo dia Ângela sai para a casa dos filhos, ver os netos, eu fico sozinho trabalhando no quarto que transformei em escritório. Anália, a moça, é esperta, na cozinha prepara um gostoso almoço, ela tem mãos de ouro, mãos encantadas, em tudo que pega, dá vida. Até engordei, contrariando meu zeloso médico. A diabinha em forma de mulher percebeu meus olhares para seu corpo fascinante. Certo dia, por volta das 10 da manhã, ela entrou no meu gabinete, eu trabalhava em cima de um processo difícil. Anália varria distraída, vestia short de jeans desfiado salientando o maravilhoso traseiro. Acabou-se minha concentração, eu olhava com o rabo do olho para a endiabrada, o sangue esquentava. O Demônio conhece bem as fraquezas humanas. Ela se aproximou bem perto do birô, perguntou se eu era advogado, se soltava preso da cadeia. Foi direta, contou-me que um amigo, um ex-namorado, que tirou sua virgindade quando era mais jovem (achei uma provocação, detalhe desnecessário de contar), estava na prisão, assaltou um posto de gasolina. No maior dengo, me chamando de patrão, disse que faria tudo, tudo mesmo (outra provocação da diabinha) para soltar o amigo. Eu me contive, a satânica de voz angelical, chegou-se bem junto, o decote mostrava os seios pequenos e duros. Levantei-me respirando fundo, disse que iria pensar no caso, evitei continuar olhando, estava à beira do pecado. Sai do escritório antes que fizesse uma besteira.

À noite contei à Ângela sobre o namorado da moça, omiti os detalhes do Demônio que me acendeu uma fantasia libidinosa. No sábado fui com a jovem Anália à cadeia conversar com o marginal. Como não houve ferimento e ser primário, solicitei habeas-corpus para o preso esperar o julgamento em liberdade. No retorno da prisão, conversávamos sobre os procedimentos quando de repente, ela falou no maior descaramento, notava meus olhares e queria agradecer com amor, pelo que fiz por ela. Entramos num motel da Via Expressa. Foi uma tarde maravilhosa de amor. A diaba sabe tudo na cama, me ensinou o caminho do purgatório. Ainda não tive coragem de me confessar, se eu morresse hoje, iria para o inferno!

Fico torcendo para chegar a quinta-feira, dia marcado para desfrutar de minha tinhosa num motel. Em casa me seguro para não agarrá-la, estou encantado com a diabinha. Nunca pensei que um dia poderia ser envolvido pelos caprichos do Demônio. Esse pecado pode acontecer com qualquer cristão, o Cão sabe quando provocar nossas fraquezas. Até veste short.

Perto de casa nos despedimos, atravessei a avenida pensando, avaliando como Lúcifer se aproveita da imperfeição humana. É preciso ter cuidado para não cair em tentação.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 02 de agosto de 2019

O CASAMENTO DE ROSALVA

 

 

O CASAMENTO DE ROSALVA

Rosalva só falava, só vivia, só pensava em seu casamento. Um ano e três meses de planejamento e preparação. Escolheu a melhor igreja da cidade; o vestido, um primor, era ótima costureira. Vivia trocando a relação dos 150 convidados. Mais de um ano vivendo de expectativa do casamento. Aqueles momentos de preparação, de organização e planejamento, faziam de Rosalva a mulher mais feliz do mundo. Parte do dinheiro que seu pai deixou de herança ela gastaria na cerimônia e recepção. Gostava de ouvir as sugestões das amigas. O noivo, Cândido, não era o que se pode chamar de trabalhador, tinha uma boa conversa, discurso revoltado com a situação do país, era conformado com uma sinecura no Governo, arranjado pelo primo deputado. Ajudava Rosalva em alguns preparativos. Quando os noivos estavam a sós, se grudavam em abraços, beijos e amassos, entretanto, a virgindade foi preservada, tal como prometera ao pai antes dele morrer, um pastor antiquado. Só daria depois de casada.

 

 

Afinal o dia do casamento, um bispo fez uma bela pregação, Rosalva emocionou-se ao ouvir citar o pai, o casamento foi bonito como ela queria. Preparou-se durante mais de um ano para uma cerimônia de uma hora e uma recepção aos amigos e parentes. Ela estava feliz, realizada.

Lua-de-mel em Salvador, Cândido fez e aconteceu, ensinou pormenores, Rosalva gostou, uma semana e meia de amor, o noivo mostrou sabedoria e competência, a esposa era só felicidade.

Afinal a festa acabou. E agora Cândido José? Como acostumar-se à vida de casado? Ele até que fez força para ficar em casa sossegado, mas foi difícil se conter. Começou a frequentar os bares da vizinhança enquanto Rosalva ensinava em dois colégios. Cândido não ia ao trabalho, dizia ganhar pouco para trabalhar, contudo, adorava no final do mês ver depositado o pequeno salário. Outro emprego, a preguiça não deixava, desculpava ser funcionário público não podia assinar carteira. Essa vida de malandro foi prevista pelas amigas.

Ela trabalhava dois turnos, teve que contratar uma jovem diarista para faxina e serviços gerais duas vezes na semana. O almoço e o jantar o casal preparava no momento conveniente. Assim foram os primeiros anos de casamento.

Certa tarde houve um problema na escola, muita chuva, pingueiras, não havia condições de aulas, alunos e professores foram dispensados. Rosalva ficou alegre, naquele dia faziam dois anos de casados. Pensou numa tarde de chuva e amor com Cândido, o bom de cama. Foi ao supermercado, comprou um galeto na brasa, algumas cervejas. Radiante faria uma surpresa a seu marido. Eram ainda três horas da tarde. Ao chegar em casa, abriu a porta e percebeu vozes no quarto de empregada, colocou os pacotes na mesa, aproximou-se devagar, ouviu o diálogo entre surpresa e irada.

– Seu Cândido o senhor me prometeu um agrado, estou precisando, pelo menos 50 real, vá seu cara, eu não fiz o que você queria?

– Lindinalva entenda, é uma questão de princípio, eu não dou dinheiro à mulher, dou presente; essa calcinha vermelha não fui eu que dei? Você é gostosa, estou doidão por você, lhe dou presente, mas, dinheiro não, é contra meus princípios, um homem de bem como eu, tem que ter princípios.

Os dois seminus sentados na cama foram surpreendidos com a fúria de Rosalva batendo com um rodo grosso em suas cabeças, gritando incontida.

– Para fora de minha casa, dois safados. Vou mandar lhe capar!

Cândido nem tentou se explicar, ao sentir a força irada da esposa, de cueca, escafedeu-se pelas portas do fundo, correu pela rua do jeito que estava; nunca teve coragem de retornar ao lar. A morena levou uma surra de rodo e panela. Rosalva juntou os pertences do marido no meio da rua, tocou fogo. Foi o assunto da semana na vizinhança.

Por orientação de uma advogada, Rosalva entrou com uma ação por traição e danos morais. Semana passada saiu a sentença, o juiz condenou Cândido a pagar R$ 30 mil como indenização das despesas do casamento que Marilda bancou. Como ele vai pagar, é outra questão.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 27 de julho de 2019

FESTA EM JARAGUÁ

 

 

FESTA EM JARAGUÁ

Ninguém sabia seu nome, que dirá sobrenome. Os amigos conheciam como Pafinha, apelido carinhoso. Moça bonita de pele clara, cabelos escuros escorridos, olhos vivos, harmonizavam com a boca rosada permanentemente num debochado sorriso. Pafinha tinha a beleza da juventude e a graça de quem é feliz, era linda.

Corpo miúdo, curvas nítidas, cintura fina e seios abundantes faziam dessa menina uma mulher atraente. A traseira bem torneada era desejo e fantasia de muitos homens.

Todos amavam aquela jovem com ar de moleca sapeca e linda. Vivia a vida como se fosse acabar amanhã. Pafinha trabalhava na Boate Tabariz, era a rapariga predileta do famoso dono da noite de Maceió, o popular Mossoró. Nativa de Pariconha, sertão das Alagoas, sua família passava fome com a seca. Aos 16 anos, só havia conhecido miséria e pobreza. Um cabo de polícia a deflorou. Como ele era casado, prometeu aos pais da moça, amigação, uma casa montada na capital. Depois de muito discutir, os pais liberaram a filha para morar com o cabo na capital. O cabo viajou com Pafinha num fim de semana, e deixou-a na zona das putas em Jaraguá, entrego-a aos cuidados do Mossoró, o dono da casa de mulheres mais famosa da cidade.

Tornar-se prostituta foi uma grande transformação. Cursou a Universidade da Vida. Pafinha era a mais querida do cabaré, conhecia e tratava os frequentadores da boate pelo nome. Podia ser senador, deputado, coronel ou capitão. Era o xodó de Jaraguá. Ela era linda, apaixonou-se por um jovem deputado, rapaz novo, iniciando a carreira política. Quando o deputado aparecia, corria para os braços de seu amor.

Naquela época havia um bingo nas tardes de domingo, numa área do bairro do Trapiche da Barra, era a fonte de recurso para construção de um grande estádio de futebol (o atual Rei Pelé). Os prêmios convidativos: carros, camionetes e caminhões. Mossoró não perdia um bingo e levava suas meninas, comprava uma cartela para cada uma. Certo domingo, Pafinha teve sorte. Faltava apenas a pedra 27, uma torcida eletrizante entre as jovens alegres. Quando chamaram 27, foi uma explosão de alegria e abraços. Pafinha ganhou um carro IMPALA. Um conhecido senhor negociava prêmios de bingos, comprou o carro na hora. Foi dinheiro que Pafinha jamais pensou possuir.

Na mesma noite ela iniciou uma festa no bairro boêmio de Jaraguá. Todos queriam abraçá-la ou pedir dinheiro emprestado. A festa durou oito noites. Pafinha não tinha noção de economia, seu coração solidário e generoso emprestou e deu muito dinheiro. Fez festa no Verde, no Duque e no Sovaco do Urubu, a ZBM, Zona do Baixo Meretrício, frequentada por estivadores, pescadores, catraieiros, os pobres amigos de copo e de cruz. Pagava tudo.

Uma semana de alegria e diversão durou a festa de Pafinha. Só acabou quando ela percebeu que não tinha mais um centavo do dinheiro do bingo. Ficou pobre novamente.

Na praia da Avenida da Paz, no trecho mais perto do cais havia uma birosca frequentada por embarcadiços, pescadores, desocupados, desempregados. As raparigas de Jaraguá ao se acordarem por volta do meio-dia vestiam o maiô e devam um mergulho na praia, se refrescando da noitada anterior.

Pafinha sempre presente ajudava a comer o delicioso tira-gosto de panã ou arabaiana, contava casos da noite no cabaré. Seu Rodolfo, velho pescador, era o melhor contador de historias de peixes enormes, da mãe d’água, sereias, afogamentos, de botos salvando vidas empurrando os afogados até a praia.

Pafinha aprendeu a nadar, boiava e mergulhava se purificando na água do mar até o pôr-do-sol alaranjar o céu, depois das seis da tarde era hora de trabalho no Cabaré. A sertaneja dizia que seu destino estava naquele mar azul com matizes esverdeados.

A história da Pafinha ainda hoje é contada nas biroscas e bares de Jaraguá. Tornou-se lenda, dizem as testemunhas que ela numa tarde desapareceu no banho de mar, deixou-se levar pela correnteza. Iemanjá veio buscá-la e a transformou em um boto que vagueia vigilante na enseada da praia da Avenida da Paz, salvando os afogados.

Há muito tempo não acontece afogamento no mar de Jaraguá e Avenida. Um boto nas águas perto do cais mergulha vigilante, empurra até a praia os banhistas desavisados ou crianças mais afoitas. Depois retorna junto ao cardume, brincando alegre com seus pareias.

À noite, nos bares do mercado e na zona da boemia, marinheiros, pescadores, contam histórias de salvamentos milagrosos. Atribuem esses milagres ao boto presepeiro, alegre e lindo. Para o povo do cais do porto, Pafinha é uma espécie de santa protetora das putas, dos boêmios, dos bêbados e afogados de Jaraguá.

ESSA E OUTRAS HISTÓRIAS DO BAIRRO HISTÓRICO DE JARAGUÁ, MACEIÓ, SERÃO CONTADAS DIA 27 DE JULHO, AMANHÃ, SÁBADO, ÀS 17 HORAS, NA PETISCARIA SEU JORGE (EM FRENTE AO DIVINA GULA). ENQUANTO LUIZ POMPE CANTA MÚSICAS QUE TEM A VER COM CADA HISTÓRIA. INFORMAÇÕES: 9.9319.0843


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 20 de julho de 2019

O MASSACRE EM YÁ-RÁ-GUÁ

 

 

O MASSACRE EM YA-RÁ-GUÁ

Ya-Rá-Guá (enseada do ancoradouro) é o nome indígena originário do bairro de Jaraguá, o Marco Zero, onde começou a cidade de Maceió. Quando deu início a era da industrialização no mundo, navios de toda parte fundeavam no ancoradouro natural na enseada de Jaraguá. Naquela época o bairro teve um grande desenvolvimento urbano e econômico devido ao efervescente comércio. Jaraguá vivia na euforia de muitos negócios, exportação de açúcar, algodão, e importação de materiais industrializados para o consumo da população. O ancoradouro natural tinha uma ponte de desembarque e Jaraguá tornou-se um dos portos mais movimentados do Brasil. Na Praça da Recebedoria, hoje Praça Dois Leões, em torno da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo, moravam estivadores, embarcadiços, pescadores, homens que tinham o mar como sustento.

Os vizinhos se conheciam, havia casamento entre eles, era como fosse uma família. Augusta era a moça mais bonita da redondeza, 16 anos, filha de Seu Augusto, estivador, homem forte, rude e de Dona Sinhá. Ele ficava de olho naqueles que admiravam a beleza de sua alegre filha. Menina sapeca, ela corria na praia, subia nas amendoeiras da Avenida da Paz, a todos encantava. Mas só um ela se agradava, Gumercindo, jovem espadaúdo, tomou corpo de homem aos 18 anos, forte musculatura, o corpo forjado carregando sacos de açúcar na ponte de desembarque; depois se tornou embarcadiço. Os pais de Augusta permitiram o namoro. Era do gosto das famílias.

Certa tarde de domingo, uma pequena patrulha da Força Policial, comandada pelo Cabo Sobral, fazia ronda na Praça da Recebedoria. Quando o cabo viu a moça de roupa domingueira, encantou-se, ficou deslumbrado com a beleza de Augusta. Todo domingo o cabo admirava a menina de seus sonhos passando para missa na Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Certo dia ele se apresentou e falou com o pai da moça. Não se conformou em saber que a bela Augusta estava comprometida com um embarcadiço. Não admitia uma negativa, ele um cabo da Força Policial, autoridade, de tradicional família (sua família deu nome à belíssima praia do Sobral, continuação da Avenida da Paz).

No dia 10 de janeiro havia a festa de Bom Jesus dos Navegantes. As embarcações singravam na enseada da praia da Avenida – Jaraguá, os barcos competiam na ornamentação, muitos fogos, muita alegria. À noite a festa se prolongava na Praça da Recebedoria. Colocavam tendas para leilões, bingos, tablados onde se dançava e jogava. Improvisavam bares servindo cachaça e tira-gosto para animar a moçada.

Nas casas eram organizadas festas particulares frequentadas pelos vizinhos e convidados. Gumercindo havia chegado de Penedo numa barcaça. Os amigos encheram a festa na casa de Augustão, pai da aniversariante, a moça mais bonita da cidade.

O Cabo Sobral, ao longe, assistia a animação na casa de Augusto, ficou com despeito quando viu pela janela Gumercindo dançando coco com a amada Augusta na maior felicidade. O Cabo, bêbado, tentou entrar na casa de Augusto, foi barrado na porta por Simplício, irmão do dono da casa. O cabo quis alterar, apareceram alguns estivadores, ele recuou. Depois de certo tempo, o Cabo Sobral, policial arruaceiro, retornou com mais cinco policiais. Foram rechaçados a murros e pontapés, a briga generalizou-se. Uma peixeirada deixou um policial morto estirado na rua.

Cabo Sobral e seus homens bateram em retirada. Retornou ao quartel. Armou mais de 20 soldados, fez um discurso incitando vingar o companheiro assassinado pelos estivadores. Montados a cavalos galoparam até a praça atropelando e atirando em quem estivesse pela frente. Os donos das casas pularam muro, fugiram da sanha dos policiais. Na casa de Augusto, todos dispersaram. Dois músicos ficaram guardando seus instrumentos, foram feridos pelas balas dos policiais. Na praça, os ambulantes, que nada tinham a ver com a história, correram para o interior da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Os soldados do Cabo Sobral entraram na igreja, a cavalo, atirando em todos inocentes.

No dia seguinte o governador soube da chacina, estava escandalizado, entretanto, permitiu que os cadáveres, mais de 20, fossem ajuntados em uma carroça de bonde, e enterrados numa vala comum no cemitério de Jaraguá.

O massacre foi abafado pela imprensa. Nenhuma notícia foi publicada em jornais, não houve um registro sobre a ocorrência. Até a Igreja foi conivente para abafar o caso, determinou a interdição do templo católico. A Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo da freguesia de Jaraguá ficou fechada por 22 anos. Mas o povo, os moradores do bairro de Jaraguá não esqueceram. Ainda hoje, por tradição oral, os netos e bisnetos de Gumercindo e Augusta contam a história do insano massacre de Jaraguá.

ESSA E OUTRAS HISTÓRIAS DO BAIRRO HISTÓRICO DE JARAGUÁ, MACEIÓ, SERÃO CONTADAS DIA 27 DE JULHO (SÁBADO), ÀS 17 HORAS, NA PETISCARIA SEU JORGE (EM FRENTE AO DIVINA GULA). ENQUANTO LUIZ POMPE CANTA MÚSICAS QUE TEM A VER COM CADA HISTÓRIA. INFORMAÇÕES: 9.9319.0843


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 13 de julho de 2019

NO ESCURINHO DO CINEMA

 

 

NO ESCURINHO DO CINEMA

Nos anos 60, a maior diversão da juventude era, com certeza, o cinema. No Centro da cidade, bem instalado na Rua do Comércio, o Cine São Luiz reinava em Maceió, como o mais frequentado. Havia os cinemas dos bairros: o Cine Rex ficava na aprazível, Pajuçara, bairro da classe média alta, gente grã-fina, porém, o cinema era aberto a todos. A moçada da Rua do Cravo e imediações lotava o cinema para assistir filmes de cowboys e seriados. O cine Plaza, ficava no bairro do Poço, fui frequentador assíduo. O Cine Lux na Ponta Grossa fazia a alegria da pivetada dos bairros vizinhos. E o Cine Ideal na Levada passava as melhores séries, “voltem na próxima semana”. Nos anos 80 o Cine Ideal foi transformado em cinema pornô.

Certa vez fui jurado em um concurso literário. Fiquei impressionado com uma crônica bem escrita por um cidadão, homossexual, de Maragogi. Uma crônica- depoimento, onde confessava o que acontecia em suas tardes no Ideal. Quando ele sentia vontade, quando dava comichão no rabo, entrava no cinema com o filme já iniciado. Não demorava, alguém encostava, se oferecendo como parceiro; em pé, encostado à parede, eles satisfaziam-se mutuamente. Na crônica ele chegava a detalhes impressionantes. Outra jurada, professora da Universidade, arquivou aquela crônica como documento para estudos de comportamentos sexuais dos anos 80. É bom esclarecer aos apressadinhos meninos do arco-íris que o Cine Ideal já fechou há alguns anos.

Na década de 50 o cinema mais chique no centro da cidade, o Cinearte passou a ser chamado São Luiz (minha mãe em lapso de memória às vezes chamava de Capitólio, seu nome original nos anos 30). Foi a época do cinemascope e tecnicolor, o auge dos grandes filmes americanos: “Suplício de Uma Saudade”; “Tarde Demais para Esquecer”; “Juventude Transviada”, entre outros. No início de uma paquera, o jovem marcava encontro no São Luiz, pedindo a moça para guardar seu lugar. Ao iniciar o filme, no escurinho do cinema, ele sentava-se ao lado. Às vezes, no primeiro dia, pegava na mão, era a glória, ter pegado na mão no primeiro dia. Quando era uma moça já calejada, marcava encontro nas cadeiras de trás, mais discreto para o beijo na boca, o alisar e outras carícias mais íntimas. À noite o cara se gabava com os amigos que tinha feito maior “sabão” com uma jovem no São Luiz.

As matinês do São Luiz eram bem frequentadas, os maloqueiros de Maceió se juntavam para fazer presepadas. Certa vez no filme “Sansão e Dalila”, numa cena, Dalila caminha numa estrada, a câmara focalizava ela andando de costas. De repente, Dalila para, vira a cabeça, olha para trás e dá um adeus com mão direita. Becker, um dos maiores presepeiros de Maceió, ficou para assistir outra seção do filme. Quando apareceu a cena de Dalila caminhando, Becker deu um grito: “Tchau Dalila!!!”. Nesse momento, na tela, Dalila parou, olhou para trás, deu adeus. O cinema veio a baixo, às gargalhadas. Outra vez durante um filme de terror, maior tensão, maior perigo, todos entretidos no filme, de repente, Becker em cima, no balcão, jogou uma galinha viva. O barulho que a galinha fez batendo as asas e o cacarejando alto, deu um susto apavorante na plateia. Parou o filme, tentaram inutilmente pegar meu querido amigo Becker.

Havia um rapaz de uma das famílias mais distintas de Maceió que nasceu com problema, tinha idade mental de cinco anos, vivia perambulando pela Rua do Comércio, todos gostavam de Celinho. Ele assistia várias vezes os filmes no São Luiz. O gerente compadeceu. Propôs a Celinho entrar de graça e ser fiscal do cinema e disse quais suas funções: Não deixar pivete fazer maloqueiragem; não deixar fumar; não deixar se masturbar; beijar podia. Celinho repetia para memorizar: “Não pode fumar, não pode gritar, não pode se masturbar”

Celinho até que ajudou, quando percebia um cigarro aceso, aproximava-se: “Cigarro não! É proibido!”, o cara apagava. Ele ficava louco porque não podia identificar os meninos gritando nas matinês. Certa vez, Celinho encostado com a barriga na mureta notou um casal suspeito nas duas últimas cadeiras. Andou de ponta de pés até constatar a cena: a namorada segurava alguma coisa por dentro da braguilha do namorado. Celinho não advertiu, emocionado com o primeiro flagrante foi gritando:

– “Ela tá masturbando ele! Tá masturbando. Não pode, não pode.”

O cinema veio abaixo numa só vaia. O casal saiu apressadinho pedindo licença entre as cadeiras. Por azar a moça foi identificada pela moçada da Rua do Comércio. Por muito tempo ficou conhecida como “Mãozinha de Ouro”. Celinho foi chamado pelo paciente administrador comunicando que ele devia ser discreto quando chamasse a atenção, ele entendeu. Celinho por muito tempo assistiu todos os filmes do São Luiz gratuitamente e zeloso, repreendia discretamente quem fumasse, quem gritasse ou quem se masturbasse, o que acontecia algumas vezes em filmes impróprios a 18 anos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 06 de julho de 2019

O TROCA-TROCA

 

 

O TROCA-TROCA

Cardoso é malandro desde menino, na juventude fez parelha com um primo, viviam os dois matando aulas, pensando sempre em sacanagem, em tirar vantagem. Seu primo dedicou-se à malandragem profissional, tornou-se deputado, e Cardoso seu dileto primo, assessor para assuntos prescindíveis. Trabalho maneiro, ele frequenta a Assembleia duas vezes por semana, onde lê revistas, jornais, paquera as funcionárias e conversa com um ou outro eleitor do deputado.

Certa vez chegou-lhe às mãos uma revista masculina. Ao ler uma seção chamada Fórum, onde as pessoas se abrem em fantasias sexuais, chamou-lhe atenção um anúncio de um jovem casal de Santa Catarina radicado em Aracaju a fim de fazer swing, ou seja, o troca-troca de casais. Esse anúncio aguçou o espírito de aventura de Cardoso. Fantasiou a beleza da galeguinha catarinense. Passou a tarde meditando, pensando, idealizando a sacanagem. Havia uma dificuldade, o casal pedia o envio antecipado da certidão de casamento. Só depois fariam troca de fotos, e por fim marcariam o encontro dos casais. Cardoso é bom marido, bem casado, jamais pensaria troca de casais envolvendo sua esposa, amor de sua vida.

De repente apareceu na sala a gostosa Maria do Rosário, assessora de outro deputado. Se houvesse dispensa do serviço de funcionários da Assembleia que já tinham comido Rosarinho, ficariam poucos homens no prédio.

Cardoso não perdeu tempo, conversou com sua amiga e comida nas horas vagas. Mostrou o anúncio do casal catarinense morando em Sergipe, expôs o plano: falsificar uma certidão de casamento. No dia seguinte, Maria do Rosário e Cardoso, com meia hora na sala de xérox, saíram com uma perfeita cópia de certidão de casamento entre Carlos Antônio Cardoso e Maria do Rosário Costa e Silva. No mesmo dia remeteu a cópia da certidão, com endereço da Rosarinho e seu EMAIL para o endereço da caixa postal de Aracajú, via Sedex, como orientaram.

No início da semana, Cardoso recebeu um EMAIL do catarinense aprovando a certidão e enviando a foto do casal. Cardoso ao olhar a foto da galega catarinense ficou louco, mais bonita que a Vera Fischer. Convocou a parceira Maria do Rosário, tiraram fotos juntos, ele enviou por Email para Franz, o catarinense.

Com detalhes acertados, marcaram encontro no Restaurante Flexa de Aracaju, na estrada. Cardoso inventou para esposa uma viagem a serviço do deputado para Salvador e numa bela manhã de sexta-feira rumou com Rosarinho pela estrada do litoral sul.

Exatamente às 11 horas o casal entrou no Restaurante Flexa. Quando Cardoso reconheceu o outro casal sentado em uma mesa, deu-lhe uma sensação de felicidade. A mulher do cara era mais empolgante ao vivo, loura dos olhos verdes, sorriso perfeito, dentes brancos, exalando sensualidade. Aproximaram-se da mesa, o casal levantou-se, cumprimentaram-se. Os quatros sentados à mesa conversaram amenidades. Rosarinho saiu-se muito bem, com os detalhes de sua suposta família, combinados e inventados por Cardoso. Ela também estava entusiasmada, o catarinense era um jovem bonito, atlético e bem humorado.

Como combinaram, seguiram no carro de Cardoso para Salvador. Conversaram bastante durante as três horas viagem, quebrando o gelo, descontraindo. Ao chegar ao hotel em Salvador, cada qual foi com a mulher do outro para o quarto.

Cardoso educadamente esperou Helga, era o nome da deusa, tomar banho. Ela apareceu vestida numa maravilhoso e curto lingerie de renda preta. Cardoso, contente, cantarolando, tomou seu banho, vestiu um pijaminha. Ao sair do banheiro, deparou-se com uma cena inesquecível: sua parceira Helga, deitada na cama, cotovelos entre o travesseiro, lia uma revista, suas pernas balançavam langorosamente por cima da linda bunda levemente coberta pela calcinha de renda preta. Cardoso deitou-se a seu lado, começou com um beijo no rosto, e o resto é silêncio, como diria Shakespeare.

Teve que repetir mais duas vezes durante a noite, com intervalos para bons papos, doses de uísques e ajuda do azuladinho. A catarinense gostava do amor, tinha furor-uterino. Com a boca, ela era inigualável. Ao acordarem cumpriram novamente a santa obrigação. No café da manhã se encontraram com Maria do Rosário e o Galegão, felizes da vida.

Retornaram de Salvador no domingo, entraram em Aracaju para deixar o casal, onde conheceram os dois filhos lourinhos. Marcaram um novo encontro. Um mês depois, repetiram a dose, dessa vez no Recife. Eles queriam ir à Maceió para conhecer os filhos do casal. Cardoso com medo que a brincadeira fosse mais longe, deu desculpas, disse que estava se separando de Rosarinho, assim cortava a regra do jogo e terminaram o brinquedinho de troca-troca. Ficaram apenas lembranças daqueles dois fins de semana. Para Cardoso ficou inesquecível a cena de Helga no lingerie de renda preta, deitada, esperando…

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 29 de junho de 2019

A MULHER DO TENENTE

 

A MULHER DO TENENTE

 

Ele era tenente, alto, forte, atleta, campeão de vôlei e basquete. Mas gostava mesmo era de outro jogo mais maneiro, um carteado. Aos domingos sempre almoçava em minha casa, assim que chegava entrava na rodada domingueira de pôquer baratinho, que meu pai jogava com alguns vizinhos.

Eu, no início da adolescência, admirava aquele tenente desenvolto, risonho e franco. Porém, a maior admiração era o que ele tinha de mais bonito, sua mulher. Quando o tenente sentava para jogar, ela dizia não entender como podiam perder uma praia tão bonita como a da Avenida da Paz. E me chamava para acompanhá-la, dar um mergulho. Aos domingos eu ficava em casa de propósito, à espera do jovem casal e desse convite.

Ela me abraçava pelo ombro e descíamos à praia, sentávamos na areia branca e fina tomando sol. A Deusa era olhada e desejada por todos os homens de todas as idades. Ficavam contemplando o ritual, a divina tirava devagar a blusa e o short até aparecer seu biquíni cavado sempre em tecidos floridos. Deixava que o Sol e os olhos pecaminosos dos homens, inclusive os meus, tomassem conta daquele corpo perfeito, pernas esguias douradas, dava um irresistível desejo de alisá-las. Ela pedia que a chamasse quando estivesse na hora do almoço para dar o último mergulho e irmos juntos para casa. Na hora do futebol, eu ficava me gabando, fazendo inveja em ter uma amiga carioca. Os companheiros se babavam e os mais velhos queriam saber tudo sobre aquela mulher. Antes do almoço mergulhávamos juntos, ficávamos na brincadeira de dar caldo um no outro, cruzando nossas pernas embaixo d’água ela gostava daquele jogo, de propósito alimentava minhas fantasias.

Havia um grande advogado em Maceió, com fama de competente e mulherengo. Um dia a bela criatura teve que recorrer ao Doutor sobre uma herança. O famoso causídico, tremendo canalha, passou a maior cantada em nossa Deusa. Ela discreta, com classe se esquivou, terminou a conversa, foi embora, prometendo nunca mais voltar àquele escritório.

Só porque vestia roupas leves, sensuais, andava de biquíni nas praias e nos clubes, a típica carioca, o Doutor fez um erro de avaliação e continuou no assédio por telefone. Mas a moça era honesta, aguentou quanto pôde o assédio. Até que um dia, acabou a tolerância, contou toda a hist6ria para seu tenente, alto, forte e bonito.

O marido mandou a esposa marcar um encontro na própria casa dizendo que ele havia viajado. No dia, na hora, sem atrasar um minuto o Doutor bateu em sua porta. Logo ao entrar, ela constrangida, mandou-o sentar-se. Mas o Doutor estava com a cabeça virada, agarrou-a, tentando tirar-lhe o vestido.

No momento em que tentava despi-la, apareceu o tenente na sala empunhando uma pistola 45.

O susto deu um branco literalmente no doutor, ficou da cor de papel, gaguejava tentando explicar. O medo foi enorme, o Doutor cagou-se na calça, e pedia suplicante: “Não me mate, não me mate.” Ajoelhou-se chorando.

O tenente disse-lhe que o mandaria às profundas do inferno, onde jamais cantaria uma mulher honesta. O famoso advogado chorava e gemia, pedia perdão. O tenente deixou prolongar por um tempo o pavor e o choro do conquistador. Certo momento ele pediu a mulher trazer-lhe um copo dos grandes na cozinha. Pegou o copo, desabotoou a braguilha e num jato forte mijou dentro. Levantou o copo cheio de xixi com a mão esquerda e a pistola com a direita, disse alto em bom tom: “Não lhe mato, mas você vai beber o todo esse mijo.”

O Doutor não teve dúvida pegou o copo, colocou os lábios na borda e tomou aquele liquido amarelo, quente e espumante. Quando terminou, tremia de medo, continuava chorando. Nesse momento o tenente foi ríspido: “Vá embora seu filho de uma puta e nunca mais cruze comigo ou com minha mulher, na próxima vez, sem perdão, meto uma bala nos seus cornos.”

Eu ouvi essa história contada pelo próprio tenente a meu pai. Sentado perto dos dois, como se estivesse organizando a coleção de selos, prestando atenção à história, emocionado. No domingo seguinte desci à praia mais cedo. Quando a musa apareceu na praia me deu um alô com as mãos perguntando: “Onde está meu cavalheiro? Nem me esperou.”

Aproximou-se abrindo os braços, me abraçou forte. Ao deitar-se na areia, olhei fascinado seu apetitoso corpo e lembrei-me da história. Pensei. “Se o tenente descobre meus desejos, vou terminar comendo cocô.”


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 22 de junho de 2019

A VINGANÇA DE JOSINA

 

 

A VINGANÇA DE JOSINA

 

Bernardo, como fazem todos os novos ricos, construiu uma bela casa na praia da Barra de São Miguel. Tem uma verdadeira paixão e vaidade daquela bela casa. Vive cheia de amigos, a maioria de seu interesse comercial e político. Usa a mansão praieira como forma de relações públicas com almoços, boas bebidas. Ficou rico como laranja de autoridades poderosas que deviam estar na cadeia por usurpar dinheiro público,

Na quinta-feira antes do carnaval, Bernardo foi à casa de praia da Barra de São Miguel a fim de prepará-la para receber amigos durante a folia. Sua doce mulher, Josina sempre viveu em harmonia, mesmo com algumas desconfianças da integridade conjugal do marido. Quando solteiro, Bernardo foi um incorrigível raparigueiro, por conta disso havia resquícios de sua fama. Na verdade, nunca perdeu a mania, o vício de mulher. Durante os 10 anos de casados ele pulou a cerca várias vezes, muito discretamente.

Da varanda da casa Bernardo contemplava a bela vista da praia quando apareceu Lucinha, filha da faxineira para ajudá-lo na arrumação. Ele alegrou-se ao vê-la, “secava” a jovem desde que ela retornou de São Paulo, onde foi morar há três anos com menino no bucho em busca do pai. Em Sampa o marido desapareceu. Ela tentou sobreviver, foi difícil, teve de retornar à casa da mãe. Lucinha com seus 24 aninhos tem consciência de sua beleza e do corpo bem torneado; usa uma provocativa minissaia expondo o belo espécime feminino. Em São Paulo fez alguns programas, aprendeu coisas inacreditáveis.

Começaram a arrumação da casa. O patrão ficou perturbado ao olhar aquela moça varrendo o chão, limpando vidraça. Os dois sozinhos naquela casa geraram um clima propício à sensualidade. Em certo momento ele não se conteve, achegou-se à jovem, alisou seu cabelo, seus braços, ela sorria em cumplicidade, “Que é isso? Doutor Bernardo!” Deitaram-se no tapete da sala, abraçaram-se, beijaram-se, amaram-se até a apoteose gritante. Estavam estirados no chão abraçados quando a porta se abriu. Josina chocou-se com a cena. Foi um flagrante constrangedor, ela gritou com ódio: “Você me paga. Seu filho de uma puta!” Bateu a porta, retornou à Maceió, dirigindo nervosa, aos prantos.

Bernardo não teve coragem de voltar para casa. Procurou amigos, parentes, contou a história, pediu para que fizessem a ponte da paz, ele estava arrependido, nunca mais aconteceria, e outras promessas vãs que todos os pecadores cometem. Josina irredutível mandou recado que ele não tivesse a ousadia em procurá-la.

Sábado de carnaval, tristonho Bernardo acordou na casa na Barra, pensava muito, avaliando a bobeira que havia feito. À noite foi dar uma volta no carnaval de rua no centro da pequena cidade balneário. Teve um susto quando viu Josina com um short curto, barriguinha de fora, charmosa, dançando na rua, pulando com amigos. O ciúme subiu-lhe à cabeça, os olhos dos dois se cruzaram. Até que certa hora o álcool deu coragem, Bernardo aproximou-se Josina. Ela o empurrou, disse que chamava a polícia. Levaram-no bêbado para casa. No domingo estava com depressão. À noite foi pior. Ao ver Josina abraçando e beijando a boca de um jovem surfista, Bernardo partiu para cima da mulher, puxou-a pelo braço tentando arrastá-la para casa, nesse momento levou um soco do acompanhante. Levaram novamente o ridículo bêbado para dormir. Durante o resto do carnaval ele procurou, mas não conseguiu encontrar Josina. Ela desapareceu de casa com roupas e pertences.

Bernardo soube notícia da mulher dias depois, quando ela já estava em Paris. Na quarta-feira de cinzas assim que o banco abriu, Josina transferiu R$ 420.000,00 da conta conjunta para sua conta particular, viajou para o Recife, de lá tomou um avião para Europa. Não sabe quando volta, o jovem surfista está fazendo companhia em seus passeios parisiense e em sua cama no hotel à beira do Sena. Vingança de mulher nem o cão dá conta!


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 15 de junho de 2019

ENTRE CHUVAS, RAIOS E TROVOADAS
 

ENTRE CHUVAS, RAIOS E TROVOADAS

 

Quando Gerônimo acertou o pagamento da pousada no Recife, Seu Manoel, o proprietário, pediu-lhe um favor: Levar de carona à Maceió, Lilian, sua jovem sobrinha. Gentil, ele disse ser um prazer, embora gostasse mais de dirigir solitário nas estradas. Partiram pelas três e meia da tarde. A jovem acomodou-se a seu lado no banco da frente, não o cumprimentou. Tinha um “walkman” grudado ao corpo e os fones no ouvido. Constantemente ouvindo música durante a viagem numa pose de quem estava fazendo um favor ter sua companhia. Gerônimo sentiu um desconforto com o comportamento pedante da jovem. Lilian era graciosa como qualquer moça. Corpo bem formado, sua pele rosada contrastava sob a blusa de malha branca, desenhada com motivos modernos, cobrindo seios abundantes. Seu rosto suave, cabelos castanhos, uma bela jovem, pena ser tão soberba, pensou Gerônimo, enquanto analisava a sua companhia acidental.

A viagem transcorreu monótona, sem diálogo, a moça só ouvia música e gesticulava como se estivesse dançando. Esgotado o repertório do “walkman”, Lilian retirou os fones do ouvido e sem pedir licença, ligou o rádio do carro, procurou um som jovem, ficou a ouvir calada. Gerônimo ainda tentou conversar alguma coisa, desistiu diante do mutismo da moça. Com duas horas de viagem bateu uma chuva grossa persistente. Gerônimo parou num posto de combustível para abastecer e lanchar. Depois do lanche, pela primeira vez Lilian falou.

– “Deixe, que a minha conta eu pago. Faço questão de não lhe dar despesas.”

Gerônimo respondeu brincando.

– “Na próxima você paga”.

Depois de dirigir mais 15 minutos ainda sob um intenso temporal, encontrou uma fila de carros parados. Gerônimo perguntou a um guarda rodoviário o que havia acontecido, ele respondeu que o aterro da cabeça de uma pequena ponte estava com problemas devido à enxurrada, o D.E.R. proibiu a passagem pela ponte. Estava perigoso enfrentar um desvio até Maceió àquela hora, escurecia. Aconselhou a dormir em Palmares e continuar a viagem no outro dia pela manhã, quando a ponte estivesse liberada. Gerônimo perguntou a opinião de Lilian. Ela fez um gesto com os ombros, como se dissesse tanto faz. Ele precavido voltou até o posto. Recomendaram um hotel na cidade.

Acertou na portaria, pediu dois quartos. A chuva não parava, marcou com Lilian para jantarem no próprio hotel às 19:30 h. Quando Gerônimo desceu na hora combinada, Lilian já havia jantado, subia as escadas para seu quarto, sem sequer dar um boa-noite. Ele não entendia aquela grossura. Jantou, recolheu-se cedo. Deitou-se de pijaminha bermuda esperando o sono. Relâmpagos cortavam o ar e trovões ribombavam incessantemente, custou a dormir. Ainda não era meia-noite quando foi despertado por fortes batidas na porta de seu quarto, a voz aflita de Lilian pedia, desesperada: “Por favor, abra aqui. Abra a porta!” Gerônimo deixou a cama num salto. Abriu a porta, Lilian entrou correndo, enrolada no cobertor, deitando-se na cama, confessou com voz trêmula morrer de medo de trovão. Gerônimo surpreso e fascinado pelo encanto da moça, agora humilde, buscou confortá-la, mandou que ela dormisse à vontade; ele dormiria na outra cama. Foi surpresa e emoção para o sessentão, quando ela puxou-o pelo braço pedindo: “Vem para perto de mim cara!”

Ela levantou o lençol, estava nua. Ao mesmo tempo em que o abraçou. Lilian, tremendo, levantou o rosto beijando voluptuosamente seu “motorista” na boca.

A noite longa transcorreu com muita chuva, muitos trovões e muitos ais. A louca ninfeta sabia tudo do amor, perfeita nos carinhos e na hora certa.

Dia seguinte, quando Gerônimo acordou, Lilian não estava na cama. Olhou para o céu pela janela, o tempo havia melhorado, mas continuava chuvoso. Tomou banho, arrumou a mala e desceu. Quando saiu do café, Lilian estava pronta sentada numa poltrona com a mala, esperando a partida.

Entraram no carro, a jovem tomou a mesma posição, calada como se nada tivesse acontecido. Não cumprimentou o companheiro de amor da noite de raios e trovões. Durante a viagem o fone não saiu do ouvido. Nem sequer disse um “obrigado” quando ele a deixou num edifício no bairro da Pajuçara.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 09 de junho de 2019

40 ANOS DE ESPERA

 

40 ANOS DE ESPERA

 

Leopoldo encontrou Silvinha no Aeroporto do Galeão, cumprimentou-a com alegria. Sentiu uma pontada no coração ao ver sua ex-namorada de juventude, bonita e conservada. Os dois viajavam para Maceió.

Ao entrar no avião ela tomou uma poltrona na frente, no meio, enquanto Léo ficou na traseira. Ao decolar, Leopoldo notou, a poltrona ao lado de Silvinha estava vaga. Certo momento ele se achegou com um livro na mão.

– Ôi! Posso sentar-me?

– Quanta honra para mim – Disse a amiga sorrindo.

– Menina, você está linda. Difícil uma mulher ficar assim em sua idade.

– Querido Léo, sempre gentil. Conservar o corpo e a cabeça é uma obrigação de nossa geração. Exige sacrifício, dieta, caminhada, yoga. A plástica ajuda. Você também parece estar em forma para um boêmio que sempre foi e é ainda. Acompanho sua vida ao longe.

– Estou no terceiro casamento, sempre procurando pelo amor, sou um romântico. E você continua casada com aquele médico carioca? Tem netos? Eu tenho dois.

– Tenho três netos. O médico carioca me deixou por uma jovem. Que livro é esse?

– “O Amor no Tempo do Cólera”. Já leu?

– Ótimo livro! Achei lindo o cara esperar 50 anos por seu amor, até que um dia conseguiu. Diferente de você, meu amigo que teve tantos amores na vida. Ainda continua mulherengo?

– Silvinha, na verdade, nunca lhe esqueci. Nós namoramos dois anos, lembra? Éramos apaixonados. Um namoro bonito, eu não conseguia olhar para outra moça, só havia você. O tempo e a distância foram cruéis, nos afastaram. Eu parti para estudar agronomia em Minas. No primeiro ano nós suportamos a distância com belas cartas e as gostosas férias. Depois seu pai foi trabalhar no Amazonas. Aí danou-se, a distância fez você me esquecer e namorar o carioca.

– De fato. Eu chorava como uma adolescente apaixonada, não queria ir para Manaus, mas fui obrigada. Era uma menina de 17 anos, naquela época não tinha força. Jurei nunca mais me apaixonar para não sofrer. Só pensava em você, coisa de adolescente.

– Passei umas férias frustradas em Maceió. No carnaval caia na folia para lhe esquecer. Talvez minha fama de mulherengo, namorador tenha sido a frustração de ter lhe perdido. Quando você foi para o Amazonas a tristeza bateu em minha porta. Quer saber? No fundo ainda resta alguma coisa daquele amor juvenil num cantinho do peito.

– Ai que lindo! Assim não vale. Não mexa com meus sentimentos. Hoje você está com o cão atazanando. Fique quieto menino. Você é um homem casado.

– Menina, sempre fui louco e tarado por você. Vou lhe confessar: Quando você tinha 14 anos já era moça feita e ia lá para casa brincar com minhas irmãs, ainda não namorávamos. Eu inventava de brincar de professor, deixava cair o lápis e ficava olhando por baixo da mesa suas maravilhosas pernas, você sempre de calcinha branca.

– Meu Deus!!! Começamos a namorar nos meus 15 anos. Naquele tempo namorado não transava, mas você era adiantado nos agarrados e quando entrávamos no mar da praia da Avenida eu ficava louca. Nosso namoro era considerado escandaloso para época. Menino sem juízo!

– Você era minha paixão. Quantas vezes eu me possui em sua intenção!

– Eu também, em muitas noites insones pensava em seus carinhos.

– Quando você voltou do Amazonas noiva de um médico do Rio de Janeiro, deu-me uma tremenda dor de corno, com todo o ciúme do mundo. Nesse dia fui à zona de Jaraguá e tomei o maior porre.

– Engraçado, no dia de meu casamento eu estava feliz, confesso, mas fiquei lhe procurando entre os convidados, não lhe vi. Todas as viagens que fiz a Maceió eu tinha uma vontade louca de lhe ver. Passei minha vida no Rio, gosto de lá, meus filhos também. Criei raízes. Embora eu tenha me machucado com o ex-marido, continuo minha vida em Ipanema. Venho a Maceió para passear e rever amigos.

– Que tal me rever?

– Ei! Estamos chegando, olhe que mar lindo de minha terra!

– Não fuja da conversa. Quero lhe ver amanhã. Vamos almoçar juntos?

– Almoçar? Toda Maceió vai saber! Você está louco?

– Num local discreto. Conheço uma suíte linda em Jacarecica.

– Você sempre objetivo. Menino impossível. Que tal me pegar às três da tarde defronte o coreto da Avenida. Está bom?

– Está ótimo!

O avião aterrissou, Leopoldo segurou a mão de Silvinha e cochichou em seu ouvido.

– Vá de calcinha branca, por favor. São mais de 40 anos de espera!


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 01 de junho de 2019

O EMPREGO

 

 

O EMPREGO

 

– Às vezes me dá vontade de trair o Zeferino. Sinto uma dor no peito, raiva, pela moleza de meu marido. Tenho vontade de sair por aí, transar, sou a mulher mais carente e idiota do mundo. Confessava Eugênia à amiga Gabriela.

 

– Até que entendo sua vontade, mas esse negócio de trair, na maioria das vezes dá o arrependimento, piora a depressão. Faça as coisas que o coração mandar, porém, tenha calma, reflita para depois não se arrepender. Aconselhou Gabriela.

– Você condena essa vontade de eu trair?

– Quem sou eu para julgar? Para condenar alguém. Como amiga posso dar uma opinião, apenas isso. É uma situação passageira, por isso aconselho pensar, o travesseiro noturno ou uma volta na orla contemplando o mar, refletindo, acalma o coração, faz bem a depressão.

– Gabriela, o problema maior é o meu desprezo pelo Zeferino, nunca pensei, ele é um cara fraco, perdedor, desde que foi despedido do emprego há mais de sete meses, vive dentro de casa, esperando um trabalho cair do céu. Todo dia é uma desculpa ou uma mentira de promessa de emprego, culpando o governo. Eu sustento a casa, comida, água, luz, telefone, o colégio do Carlinhos, tudo com o trabalho de cabeleireira no meu salão de beleza. Não tenho descanso nem aos domingos, para sustentar a casa. O Zeferino nem aí, só sai para o botequim, chega na hora do jantar, o português da bodega já não vende fiado. É uma tristeza. Minha única reação é não transar quando ele se achega querendo coisas. Uma noite me pegou a pulso, não sei mais o que fazer. Que ele merece um chifre, merece. Tenho um cliente, coroa alinhado, elegante, faz cabelo e unhas toda semana, olha demais para mim, conversamos muito, eu deixo meu decote bem aberto ele fica contemplando, mas é um homem sério. Da última vez que ele foi ao salão, estava lendo numa revista uma reportagem sobre mulheres e sexo. Eu sorri perguntando se ele gostava da fruta. O coroa deu uma gargalhada, respondeu-me na hora: “gosto e é bom.” Apesar de ele ter chegado aos sessenta anos, tenho certeza, se eu quiser, sai comigo.

– Eugênia veja o que vai fazer. A melhor solução para briga ou desentendimento é o diálogo. Faça uma força, fale francamente, com o Zeferino, diga tudo que pensa, pressione para ele arranjar um emprego, nem que seja de varredor, não é desonra alguma.

Eugênia foi para casa, tirou o fim-de-semana para refletir. Sábado ao entardecer foi contemplar o mar azul-esverdeado da praia de Jatiúca. Pensou bastante nas palavras da amiga Gabriela, psicóloga. Consultou seu coração e à mente, pensou no Zeferino, no Carlinhos e no sessentão cheiroso. Quando retornou em casa teve uma conversa franca com o marido naquela noite.

– Que ares de felicidades são esses? Perguntou- lhe Gabriela, dias depois. Vejo que resolveu seus problemas, gostei dessa transformação jovial, acabou-se a tristeza, a depressão, voltou sua alegria.

– Minha amiga, tudo começou com o contemplar do belo verde mar, me senti bem, pensei no que meu coração queria. A primeira decisão foi ter uma conversa aberta com o Zeferino, disse que estava a fim de me separar, fui franca, critiquei as grossuras dele comigo, a preguiça de arranjar trabalho. Finalmente acertamos outra chance no casamento, eu ajudaria a procurar-lhe emprego. As coisas foram se arrumando, estamos vivendo melhor, ele agora tem um emprego arranjado por mim, ajuda no sustento da casa e sua autoestima melhorou.

– Ainda bem que você apagou a ideia, a vontade de trair com o coroa elegante. Disse Gabriela sorrindo.

– É o que você pensa. O coroa elegante chama-se Francisco, com ele arranjei um trabalho de almoxarife para o Zeferino. O Doutor é engenheiro, tem uma construtora. Homem generoso e discreto. Aqui para nós, satisfiz minha vontade. Apesar da idade, o coroa ainda é ótimo, suas invencionices na cama me deixam louca.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 25 de maio de 2019

DEVIA TER DADO

 

DEVIA TER DADO

 

Afrânio aparentava boa saúde, caminhava diariamente às 17 horas pela orla. Naquela tarde Afrânio, andando, sentiu um mal estar, dor no peito, caiu no chão. Socorreram, colocaram-no em um taxi, avisaram à Paula, sua esposa, levaram o infartado ao Hospital, ao chegar estava morto. Foi uma choradeira entre parentes e amigos, os dois filhos que moram em São Paulo pegariam o primeiro avião. A notícia correu rápida no Facebook, postaram o laço preto, a foto e as notícias fúnebres elogiosas. “Alagoas fica menor. Morre Afrânio Cavalcanti grande empresário, o velório será o Parque das Flores e o enterro às 17 horas de amanhã.” Afrânio era muito querido, gentil, trabalhador, bom pai de família. Teve vários casos, mas nunca se prendeu a alguma de suas aventuras. A esposa minimizava esse defeito para viver bem.

O Parque das Flores logo ficou repleto, as duas amigas Paula e Ritinha abraçadas diante do caixão choravam em desespero aquela tragédia, os amigos consolavam a viúva. Foram 31 anos de casados, eles viviam em harmonia possível. Quando os filhos foram para o Sul estudar e ficaram por lá, o casal ficou mais amigo, precisavam um do outro. Paula chorava aos prantos diante do marido inerte no caixão, sabia que nunca mais teria seu bom humor, seu carinho e as noites gostosas de amor, afinal, Afrânio era sábio de cama.

Deram um calmante à Paula, ela deitou-se nos aposentos do velório. Ritinha acordada aguentou no salão olhando para o defunto, estava chocada, desesperada, arrependida, havia descoberto naquele momento doloroso que amava Afrânio, marido de sua melhor amiga, sua cabeça pensava em perda, lamento e traição, quando apareceu a amiga Miriam convidando-a a um passeio pela alameda iluminada do cemitério. Sentaram-se no banco embaixo de enormes pés de eucaliptos. Foi naquele momento que ela desabafava junto à amiga.

– ”Eu devia ter dado a ele.” Continuou abrindo seu coração para Miriam.

– “Eu e Paula sempre fomos grandes amigas. Depois que me separei do Arnaldo, comecei a sair com o casal, Afrânio cheio de bom humor vivia me arranjando namorado, até que dei algumas escapulidas com alguns. Ano passado na praia de Paripueira em um passeio na piscina natural, eu estava segurando a jangada com o corpo dentro d’água, de repente, senti um corpo junto ao meu por baixo d’água, entrelaçou-me entre as pernas, deu-me uma gostosa excitação, olhei nos olhos de Afrânio e balancei a cabeça negando amavelmente. Aquele momento me agradou confesso, eu adorei. Dias depois me encontrei com Afrânio no Shopping, ele convidou-me para um sorvete. Sentamos, ele perguntou se eu acreditava que um homem podia amar duas mulheres? Porque me amava e era tarado por mim. Já pensou? Eu quase sessentona. Mandei que ele se aquietasse, já não era mais menino, não ligou, continuou a conversa. Fez-me a proposta indecente. Por que não um encontro em vez em quando num motelzinho gostoso? Não precisava Paula saber.

Eu saí do Shopping excitada com a proposta, porém, havia uma amiga no meio do caminho. Afrânio quando podia, dizia-se apaixonado, eu resisti durante esse tempo todo. Hoje eu o vendo morto, inerte, a vida acabada, fiquei num profundo sentimento de perda e de arrependimento. Eu devia ter dado a ele, Miriam”.
Retornaram ao velório, Ritinha procurou Paula, ela estava sozinha no quarto, sentada na cama, deu duas batidas no colchão com a mão, convidando a amiga sentar-se. Abraçaram-se. A viúva puxou conversa.

– “Minha querida amiga, Afrânio gostava muito de você, muito mesmo, eu não sentia ciúme. Ele lhe tinha um carinho especial, eu percebia. Agora que tudo acabou, diga-me, até por curiosidade, continuarei sua amiga seja qual for a resposta. Vocês transavam?”.

Deu-se um momento longo de profundo silêncio.

– “Paula vou lhe contar a verdade, fui-lhe amiga fiel com muito esforço. Afrânio tentou, tentou muitas vezes, insistente. Confesso várias vezes tive vontade, só não dei, para não lhe trair”.

– “E eu pensava que vocês transavam. Você devia ter dado, o bichinho queria tanto.” Disse Paula chorando, beijando a testa da amiga.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 18 de maio de 2019

O ENCONTRO NA PISCINA

 

 

O ENCONTRO NA PISCINA

 

Eram cinco e pouco da tarde quando Francisco Ubaldo entrou na Academia de Ginástica. No banheiro vestiu a sunga, a touca e os óculos. Mergulhou na piscina iniciando suas primeiras braçadas; ao completar 200 metros segurou na borda, um pequeno descanso. Ao perceber, ao lado, a mulher da última raia, teve uma estranha sensação, a touca e os óculos cobriam parte de seu rosto, porém, o nariz e a boca lhes eram familiares. Continuou nadando, observando a nadadora, até que ela terminou. Ao subir a escada da piscina, a senhora retirou a touca e os óculos. O coração juvenil de Ubaldo bateu mais forte ao reconhecer, Nikoleta, amiga e namorada nos bons tempos da juventude. Imediatamente, num impulso, subiu à beira da piscina. Aproximou-se da amiga. Nikoleta, a grega, logo o reconheceu. Deram um abraço afetuoso e alegre.

– Menina como você está em forma, o tempo foi bondoso com você.

– Meu querido, Ubaldo, sempre gentil. Uma mulher para se conservar aos 70 anos precisa muita força de vontade, natação, musculação, fechar a boca, aqui e ali um bisturi. Você está bem, um galã, como a gente dizia. Um pão. – Deu uma gargalhada.

-Sou um idoso com disposição de trabalhar e cuidar da saúde. E você? Como vai o marido rico de Minas Gerais?

– Agora estou solteira. Uma velha divorciada. Já imaginou?

Naquele momento ouviu-se a voz de uma jovem na entrada da Academia.

-Vovó, vovó, está na minha hora da aula de inglês, vamos embora.

-Sou escrava das netas. Tenho de ir. Vou ficar dois meses aqui na terrinha.

-Quero lhe ver. Precisamos conversar. Lembrar o passado maravilhoso, nossa bela juventude. Vai fazer bem para nós dois. Vamos tomar um café hoje à noite? Espere-me às 8 horas em frente à Feirinha de Artesanato na Pajuçara.

– Tenho medo de suas intenções. Mesmo assim, estarei lhe esperando, às oito.

Em um bar discreto, bem decorado, à meia luz, o garçom encheu as duas taças de vinho, eles brindaram. Nikoleta esguia, elegante num vestido preto, decotado, beleza discreta e sensual de uma setentona bem conservada.

– Estou feliz em vê-la. Tenho todo tempo do mundo essa noite. Conte sua vida.

-Minha vida andou encrencada. Depois de mais 40 anos meu casamento simplesmente desmoronou: O Doutor arranjou uma namorada e numa noite de tensa discussão ele deu duas tapas em minha cara. Imperdoável. Não quero falar sobre isso. E você? Acompanhei sua tragédia, de longe.

-Tragédia mesmo, Nikoleta. Casei-me com Iracema, tivemos dois filhos, Matheus e Thiago. Lindos e fortes. Aos 10 anos foi descoberto um problema no coração de Matheus. Iracema dedicou sua vida a Matheus, que necessitava mais cuidados. Já adolescente Matheus, meu querido filho, morreu em um desastre de carro após uma noitada. Iracema apagou-se para vida. Não cuidava de Thiago, nem de mim, nem da casa. Até hoje ela vive apática. Não teve terapia que desse jeito. O mundo acabou-se para ela; envelheceu, está em cima de uma cama. Thiago casou-se cedo, mora perto, todo dia vai ver a mãe. Também não quero falar sobre tragédia nessa noite inesperada de alegria.

Depois das confissões mútuas, entraram nas recordações de juventude, da Faculdade, dos bailes, dos carnavais. Da loucura dos dois em pleno carnaval, enquanto rolava o frevo na Rua do Comércio com blocos e corso, eles se desgarravam da turma, desciam à praia e tomavam banho de mar, nus, na Avenida da Paz. Lembraram-se dos movimentos políticos. Ubaldo chegou a ser preso distribuindo panfleto. Passou quatro dias no DOPS, ela visitava-o todos os dias. Um amor lindo entre aqueles dois jovens. De repente Ubaldo segurou na mão de Nikoleta, olhou nos seus olhos que faiscavam, beijou-lhe a boca.

– Nikoleta, minha querida grega. O destino, às vezes, é cruel, nos separou, mas nunca lhe esqueci. Você foi e sempre será o grande amor de minha vida. Não somos mais jovens, vamos aproveitar o resto do tempo que nos falta.

Saíram do bar. No motel delicadamente foram se ajudando a se despirem. Deitaram na cama. Beijos ardentes e saudosos. O despertar da libido e do desejo com lábios e mãos carinhosos. Fizeram amor, amor maduro, amor carinho, amor de bocas, dedos e corpo se misturando, os dois num êxtase de mais de 40 anos de saudades.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 05 de maio de 2019

GUILHERME BRAGA

 

 

GUILHERME BRAGA

 

Sábado pela manhã esperando o médico para realizar um exame da próstata, encontrei o amigo Jair na mesma situação. Ele olhou-me, e risonho filosofou.

– Antigamente no dia de sábado nos encontrávamos sempre num bar ou birosca para uma cervejinha gelada e uma boa conversa. Hoje perto dos oitenta estamos nos encontrando nos consultórios médicos e laboratórios, mas não há outro jeito de chegar a nossa idade.

 

 

Na verdade o que mais dói é irmos ao cemitério despedirmos de amigos de infância e juventude. A semana passada foi dolorosa, morreu Cristina Braga no domingo e oito dias depois seu marido, meu querido, Guilherme Braga. Nossa amizade vem desde os anos 50 na Avenida da Paz, no futebol praieiro, no jogo de botão, ximbra ou o pião. Depois vem a vida e nos separa, cada qual no seu canto e em cada canto uma dor, mas sempre encontrava Guilherme, figura alegre, bem humorada com incríveis histórias.

Amigos de infância não se podem fazê-los, são apenas aqueles poucos. Há alguns anos foi criada a Confraria dos Meninos da Avenida, onde os ex-moradores da Avenida da Paz reúnem-se mensalmente e no final do ano. Guilherme era um dos membros constantes, sua presença, suas histórias, alegravam os Meninos da Avenida. Guilherme fará muita falta ao nosso convívio, à sua cidade, Maceió.

Quando morre um amigo mais chegado, lembro-me do poema de John Donne que diz mais ou menos assim: “Nenhum homem é uma ilha, todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes: Por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

Finalizo essa homenagem ao amigo Guilherme, repassando o texto escrito por seu querido primo, o cineasta Cacá Diegues, lido por seu irmão, Nelsinho, durante a missa.

“Elegia de Cacá Diegues para Guilherme: Guilherme Braga sempre foi minha principal referência de Maceió, durante toda a minha vida. Mesmo morando longe de Alagoas, era ele quem me aproximava da cidade e de seus costumes, me atualizando sobre os acontecimentos gerais e particulares de minha terra e de minha família. Filho da irmã de minha mãe, Guilherme era portanto meu primo-irmão. Mas mais irmão do que primo.

Todo lugar desse mundo tem sempre quem o representa melhor, por motivos distintos e variáveis. No caso de Guilherme Braga, ele era a pessoa mais facilmente identificável com o estado e a cidade. Não apenas por seu amor a ambos, como também pela sua compreensão do que Alagoas e Maceió significavam em sua generosa vida e na vida de todos nós.

Qualquer dúvida, bastava consulta-lo para entendermos porque Fulano, tão cheio de evidentes pecados ou longe do retrato-falado do cargo, tinha se tornado Senador, Deputado, Governador, Prefeito ou seja lá o que for. Assim como para passarmos a achar natural o casamento entre Cicrana e Beltrano, que aparentemente se odiavam tanto, por família, política ou pura antipatia. Guilherme sabia de tudo e nos explicava, em detalhe, cada movimento ocorrido nessa terra misteriosa e surrealista, tão bela quanto inesperada. Tão inexplicável.

Desde que viemos ao mundo, com pouquíssima diferença de idade, nos tornamos parceiros no futebol de praia e na vadiagem da Avenida da Paz. Eu ainda era menino, quando meus pais deixaram Maceió e nos mudamos para o Rio de Janeiro. Mas nem assim deixei de vê-lo a cada ano, sem faltar nenhum. Acho que se isso tivesse acontecido, aí sim eu estaria distante de minha terra, perderia de vez o sentido dela.

Hoje, quase chegando aos oitenta anos de idade, vejo Guilherme partir como quem vê partir um pedaço tão grande da vida. Ele deixa, dentro de mim, um exemplo de afeto inesgotável. Além do humor com que via tudo no mundo e que vai me fazer muita falta. A única compensação é a de que ninguém poderá nos tirar a alegria de sua lembrança.

A memória é a maior formadora do caráter de uma pessoa; a minha estará sempre inspirada nele.

Cacá Diegues, 29 de abril de 2019


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 30 de abril de 2019

AS DELÍCIAS DA NOSSA JUVENTUDE

 

 

AS DELÍCIAS DA NOSSA JUVENTUDE

 

Uma das maiores satisfação, alegria da vida, é comer. A arte culinária é peculiar, tem suas características regionais. Nessa cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, Maceió, a gastronomia está entre os melhores prazeres do cidadão. Degustar faz parte de nosso lazer, de nossa cultura. Lembrando que até um bispo, Don Pero Fernandes Sardinha foi devorado, em banquete antropofágico nas areias brancas da praia de Barra de São Miguel, por nossos ancestrais, os índios caetés.

Nossa juventude foi marcada por pratos e doces inesquecíveis. Ainda tenho em minha mente e em meu paladar, alguns pratos feitos em casa por minha mãe, excelente cozinheira, caprichava nos almoços dominicais, caruru, galinha à cabidela, arabaiana ao olho de camarão, sururu de capote, ou feijoada de feijão mulatinho incrementada com charque, toucinho, tripa de porco, linguiça, carne do sol, couve, jerimum, quiabo, maxixe.

Havia pratos, hoje preparados em óleo vegetal, na época cozidos com banha de porco, o sarapatel, o fígado e o bife de panela. Sem esquecer-se do cozido, das macarronadas e peixadas de todo tipo.

Quando íamos ao centro da cidade invariavelmente lanchávamos em sorveterias da moda, Bar e Sorveteria Elegante em frente ao Beco do Moeda, frequentado pelas senhoras consumidoras das lojas da Rua do Comércio e seus filhos. Mesas de ferro com tampo de mármore, sorvetes de frutas regionais e pudins servidos em taças de metal niquelado.

Depois do sorvete, o chocolate caseiro em barras, duas cores, vendido pelo Seu Portela na loja especializada em óculos, vendia mais chocolate que óculos. Era imperdível o sorvete de chocolate crocante na Sorveteria Xangai de Seu Fon, Rua da Alegria.

Ainda sinto o gosto e o cheiro das doces de nossa infância, ficaram para sempre entranhados nas narinas e glândulas paladares.

Acrescento à lista, os ambulantes que passavam na praia da Avenida da Paz. Depois do almoço ficávamos à espera de Seu Primitivo empurrando o carrinho de sorvete. Sempre dois sabores, coco e maracujá, coco e mangaba, coco e cajá, coco e goiaba, ele raspava o sorvete com uma colher enchendo o carlito ( assim era chamada a casquinha).

Ao entardecer, o China aboletava o tabuleiro de quebra-queixo embaixo de alguma amendoeira na Avenida. Ficávamos encantados com a rapidez do corte vertical, um pouco inclinado. O China colocava o doce duro em pedaço de papel colorido e entregava o quebra-queixo, cocada dura queimada com amendoim.

A moçada se deliciava com o algodão doce, rodado na hora numa panela com fogo, esquentava o açúcar fazendo enorme nuvem parecida com algodão. Complementava tomando um raspadinho, gelo raspado dentro de um copo cheio de garapa de coco, maçã ou misto, uma delícia. Ainda passava o carrinho do caldo de cana, caiana!

Defronte ao coreto havia um futebol organizado. Depois do banho-de-mar, os jovens iniciavam papos e paqueras sentados na areia. Invariavelmente aparecia o Gaguinho empurrando o carrinho de sorvete XAXADO, delícia feita de frutas nordestinas. Gaguinho parava na roda oferecendo seu delicioso sorvete com um português peculiar: “Quem vão quererem? Quem vão quererem? Podem pedirem!”

Ele vendia fiado, depois do almoço passava na casa de cada um com a conta do sorvete consumido.

As tardes na Rua do Comércio eram imperdíveis, jovens encostados nos automóveis (limpando carro) curtiam as estudantes que desfilavam, flertando, marcando encontro nas Sorveterias DK-1 ou Gut-Gut, saborosos sorvetes de frutas de todas as qualidades, ponto de encontro da moçada bonita.

Quando o Comércio fechava às 18 horas, nossa turma descia rumo à Avenida da Paz com uma parada obrigatória na esquina do trilho de ferro, ao lado do Arcebispado, para saborear um suco maracujá com pão doce. Nunca ninguém no mundo até hoje conseguiu fazer um suco igual àquele, o sumo da divindade. Os deuses da gula, em vez de água, devem beber aquele suco puro de maracujá.

É preciso um estudo mais profundo sobre comidas, salgados e doces dos anos dourados; fazem parte de nossa história. A gastronomia é significativa à cultura do nordestino.

A modernidade acabou com os doces de nossa infância. Hoje, proliferam no mundo as lanchonetes dos Shoppings, sanduíches com gosto de sola de sapato, sofisticadas fábricas de obesidade inventadas pelos americanos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 21 de abril de 2019

A MORENA DO REBOQUE

 

 

A MORENA DO REBOQUE

 

Pedrão nasceu na cidade de Maragogi. Criou-se correndo pelas praias, trepando em coqueiros e mergulhando no mar azul esverdeado. Um dia, seu pai resolveu morar na capital onde os filhos teriam melhores oportunidades de estudo. No início foi um drama morar na casa apertada no bairro do Jacintinho, onde Seu Manoel, o pai, montou uma barraca de frutas e com ela conseguiu com muita dificuldade educar os filhos.

 

Pedrão compreendia o sacrifício do pai, foi bom estudante, ao terminar a Faculdade de Engenharia tinha 20 anos. Com 1:86 metros de altura meteu-se no esporte, jogava voleibol pela Fênix, o clube mais sofisticado e rico do estado. Na Fênix conheceu Cecília, paixão repentina que tornou-se mais forte com a proibição do namoro pela família da moça, descobriram que Pedrão era filho de um barraqueiro no Jacintinho.

Cecília engravidou, não houve jeito, a família além de rica era religiosa e preconceituosa. Casaram-se com separação de bens. Pedrão teve que assinar muitos papéis para entrar na família açucareira.

Deram-lhe um emprego na construtora do grupo. Assim nosso amigo viveu por mais de 25 anos. Ganhava bem, trabalhava mais ainda, sempre teve excelente produtividade como engenheiro. Nunca a família sequer cogitou em colocá-lo como sócio. A sogra e alguns cunhados o esnobavam por sua origem humilde. No início do casamento ainda desabafava com a mulher, mas quando Cecília tornou-se uma mulher madura, acabou sua doçura, só pensava em dinheiro e acumular imóveis. Durante esse período ele teve algumas brigas, duas vezes saiu de casa. As brigas eram sempre por dinheiro e posses. Cecília passava na cara a diferença das origens.

Os dois filhos cresceram, a mais velha, bióloga, vive no Canadá estudando e dando para todo mundo, uma vida libertina para o desgosto dos pais. Mesmo assim Aninha é apegada a Pedrão, nunca negou apoio à filha.

No verão do ano passado, depois de uma discussão com Cecília, Pedrão pegou seu belo carro, foi rodar sem rumo pelo litoral como gostava de fazer para espairecer. De repente estava chegando à Maragogi. Eram duas da tarde, hora de comer uma lagosta na manteiga no restaurante do Mano em São Bento. Ao encostar o carro, se distraiu e bateu na traseira de um reboque que desmoronou, espatifando-se no chão, rolando coco para todo lado. No mesmo instante ele viu alguém sair do carro velho atrelado ao reboque. Tomou um susto quando surgiu uma bela morena, parecendo entre 30 a 40 anos. Saiu do carro, dirigindo-se a ele, às gargalhadas:

“- Moço olhe o que você fez com meu reboque e meus coquinhos…”

Pedrão se prontificou. Pagava tudo, não queria briga, principalmente com ela que foi tão afável. Ele pensava que ia surgir alguém do carro com um revólver, ou um cacete para brigar, apareceu aquela mulher bem humorada, parecendo estar de bem com a vida, levando até na brincadeira aquele acidente em que perdeu seu reboque. Depois de calcular os prejuízos, Pedrão assinou o cheque na hora. E foi comer sua lagosta. Ao pedir a primeira cerveja, notou que a morena do reboque sentou-se numa mesa com uma amiga. Momentos depois Pedrão foi conversar com as duas. Divertiu-se, deu gargalhadas como nunca mais tinha acontecido. A alegre morena, Laura era viúva, sem filho. Seu marido havia deixado um sítio de coqueiros, de onde tirava o sustento.

Passaram a tarde conversando, por conta da bebida e empatia entre os dois, rolou uma paquera. À noite, meio bêbados se hospedaram no Hotel Salinas, onde fizeram amor até adormecer.

Pedrão hoje vive com Laurinha, a paixão de sua vida. Largou a mulher, o bom emprego, vive no sítio em Maragogi ajudando seu amor na administração. Acorda com os galos cantando e com os carinhos de sua amada. Pela manhã lê algum livro, entra na internet, assiste o noticiário na TV. Mais tarde caminha na praia, toma banho de mar, come uma moqueca preparada pela mulher amada. À noite vai conversar e escutar histórias com os moradores e pescadores do povoado, tomando talagadas de cachaça até deitar-se nos braços da doce amada.

Descobriu a felicidade. Ele que tanto trabalhou, tentou se realizar com dinheiro, foi escravo do poder e da riqueza, mudou de vida, basta-lhe tão pouco para ser feliz. Apenas um sítio de coqueiros, uma praia de areia branca, um mar que não tem tamanho, o dia para vadiar, e o amor da morena do reboque.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 13 de abril de 2019

O VOO DO SEU PORTELA

 

 

O VOO DO SEU PORTELA

O fato aconteceu na praia da Avenida da Paz. Apareceu em Maceió um português fazendo demonstrações aéreas com um avião teco-teco. Seu proprietário fazia apresentações em todas as cidades que passava, vivia desse biscate.
 
 

O avião de nome Garoto decolava e pousava na praia da Avenida durante a maré baixa, perto do Sobral, local mais deserto. Suas apresentações eram piruetas, parafusos, folhas secas e outras acrobacias.

Como não podia cobrar dos expectadores que ficavam na praia observando, ele cobrava de quem se arriscava a dar uma voada com ele durante suas peripécias aéreas. Um de cada vez porque só havia um lugar além do piloto. Cada voo de cinco minutos, o português cobrava cinco mil réis.

Numa tarde bonita e ensolarada de verão, o português fazia magníficas exibições nos céus da praia da Avenida. O povo assistindo o espetáculo vibrava com o arrojo do piloto, uma maravilha de exibição.

Entre os candidatos ao voo surgiu Seu Portela, figura altamente conhecida na cidade, onde tinha uma loja no centro, na Rua do Comércio.

Eram aproximadamente quatro da tarde quando chegou sua vez. O português colocou Seu Portela na poltrona, prendeu-o com o cinto de segurança, deu-lhe todas as recomendações e assumiu o comando do Garoto.

Taxiou pela beira da praia de areia dura e extensa, tomou velocidade e decolou em direção ao mar. Rapidamente atingiu a altitude necessária e iniciou as acrobacias aéreas.

Não demorou muito. Após um arrojado “looping”, deu sinal que estava retornando à praia. Os inúmeros expectadores acharam estranho. Por que em tão pouco tempo o Garoto retornava ao solo? Seria alguma complicação mecânica? Alguma pane? O teco-teco estava a perigo? Eram as perguntas que faziam entre eles. Formou-se maior expectativa.

O avião pousou abruptamente e de repente o piloto desembarcou, deixando seu Portela na aeronave.

O lusitano gritava em direção ao povaréu apreensivo que estava plantado na Avenida, perguntava se alguém dispunha de uma capa para emprestar-lhe, pois havia uma situação de emergência.

Quem teria, numa tarde maceioense ensolarada de verão, na beira da praia, uma capa para emprestar a quem quer que seja?

Com a resposta negativa, o português buscou uma alternativa e conseguiu com um pescador que morava em uma casa de taipa e palha ali próxima, um pedaço de pano, ou melhor, uma rota vela de jangada.

Com o trapo na mão o piloto retornou correndo à aeronave, ajudou o seu Portela a desembarcar e envolveu-o com o velho molambo, levando-o para um local onde conseguiu meios para que o levassem rapidamente para sua residência. Nessa altura a moçada perguntava o que teria ocorrido.

Acontece que por onde seu Portela passou, entre o avião até a Avenida, deixou um rastro líquido e escuro na areia branca da praia, juntamente com uma catinga, com o fedor de merda, insuportável para quem estava mais próximo.

Sem esconder, o nobre piloto português contou a história: Assim que levantaram voo, o seu Portela num grito pediu para descer. Como o piloto já estava preparado para o “looping”, não atendeu aos pedidos e deu aquelas voltas com o teco-teco se curvando no ar, enquanto o acompanhante gritava de medo. Só depois de o português ouvir seu Portela gritar que estava todo cagado, ele resolveu aterrizar.

Foi uma gargalhada geral, os comentários e as galhofas espalharam-se entre as pessoas presentes que estavam assistindo ao espetáculo e assim foi se espalhando na Rua do Comércio, em Jaraguá, no Farol, na Ponta Grossa. À noite Maceió todo já sabia da cagada do seu Portela no avião.

Por vários dias que se seguiram o comentário era o mesmo, nas escolas, nos bares, nos lares, na zona, nas barbearias, o assunto era a aventura de seu Portela no voo do Garoto.

Os estudantes assumiram a chacota, passavam em frente da lojinha de seu Portela na Rua do Comércio, se divertiam cantando uma modinha que um jovem compôs em alusão a desventura aérea do comerciante. Aliás, muito tocada no carnaval daquele ano:

“Marchinha do seu Portela” 
Eu fui alegre
Passear de avião
Para mostrar
Que sou cabra valentão
Mas vejam só,
Que eu não posso andar voando
He He…………
Estou me cagando, estou me cagando.
Portela não seja frouxo,
Não coma mais sururu
Quando subir no Garoto
Arroche as pregas do……..”bolso”.

Seu Portela tinha bom humor e levou também na gozação. Se importasse com o acontecido, até hoje, em seu túmulo o povo estaria gozando o seu inesquecível e histórico voo nos céus da Avenida da Paz.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 31 de março de 2019

FESTA DE SANTO AMARO DA PARIPUEIRA

 

 

FESTA DE SANTO AMARO DA PARIPUEIRA

 

Praia de Paripueira

Pablo Victor Gagliano nasceu em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, criança bonita de chamar atenção, um bebê rosado, lourinho de olhos verdes. Na juventude era cortejado pelo mulherio, as moças e coroas se apaixonavam ao conversar com aquele rapaz elegante, gentil e bonito.

Ao formar-se em engenharia química foi convidado para trabalhar numa indústria instalada em Maceió. Ele apaixonou-se pela cidade, nunca havia imaginado uma cor do mar tão bela, as praias, um paraíso cheio de coqueirais, ficou morando na bela terra do poeta Lêdo Ivo, de quem era fã e já havia lido seus livros. As jovens da cidade caíram em cima de Pablo. Além de bonito e educado, ele tinha um comportamento exemplar. Não era chegado às noitadas, nem às farras com garotas de programa comuns ao pessoal da terra. Era o genro que toda mãe deseja. Sua vida de solteiro não durou muito, apareceu Regina, uma bela morena de cabelos cacheados, lábios grossos e de uma simpatia contagiante. Ele rendeu-se aos encantos da moça e casou-se em numa festa de arromba, como quis Dona Mercedes, sua sogra.

Pablo em pouco tempo fez um pé de meia e construiu sua casa de praia na belíssima Paripueira, sua paixão. Uma casa grande onde nas férias levava seus dois filhos, passava todo o verão, não perdia a alegre e tradicional Festa de Santo Amaro, início de janeiro, com muita música, bebida, folguedos e quermesse da Igreja.

Quando os filhos se tornaram adolescentes preferiam ficar em Maceió. Era um desgosto para Pablo. Por conta disso ele transformou sua enorme casa numa pousada. Há alguns anos ele a administra em fim de semana. Às vezes Regina prefere ficar em Maceió, entretanto, ele sempre vai fiscalizar os serviços na pousada por Dona Cícera, a arrumadeira, e pelo jovem Gerson, administrador, porteiro, faz tudo da Pousada Cruz Alta.

Regina sempre foi ciumenta, mesmo sem Pablo dar motivos. As mulheres olham com admiração e excitação para seu lindo marido, às vezes se insinuando, afinal o cara é um tipão de coroa, porém, o comportamento dele é exemplar.

Pablo, de repente, ficou relaxado com os deveres conjugais junto à esposa. Só faziam amor quando Regina insistia, o que a deixou encucada. Até que, certo dia ela leu numa revista que o primeiro sintoma de um homem que está traindo é a frieza sexual com a esposa.

Regina procurou Audálio, detetive especializado, no Edifício Breda. Depois de um mês de investigação seguindo o suspeito, ele nada encontrou. Mostrou fotografias do marido no trabalho, nas ruas, na pousada, tomando banho de mar, sempre desacompanhado. Durante as noites que ela não o acompanhava, ele dormia sozinho em Paripueira. O experiente Audálio concluiu que o marido estava passando apenas por uma fase sem entusiasmo, embolsou o dinheiro combinado e entregou-lhe as fotos. Regina não ficou contente com as investigações. Ela sentia no corpo e no comportamento a mudança do marido.

No início de janeiro, Regina inventou que não podia acompanhar o marido à Festa de Santo Amaro em Paripueira, pediu desculpas por não ir. Ele disse que não havia problema e partiu feliz da vida para seu paraíso.

Ela percebeu essa alegria no ar. Deixou o maridão viajar. Ao anoitecer, sem avisar, partiu célere em busca de um flagrante do marido com alguma sirigaita. Eram sete da noite quando Regina entrou na pousada perguntando pelo esposo. Dona Cícera e o administrador, o jovem Gerson, disseram que estava no quarto assistindo televisão. Regina bateu à porta com força, Pablo custou a atender. Assim que abriu, a esposa entrou de repente perguntando quem estava com ele, queria conhecer a puta de seu marido. Pablo ficou assustado. Regina procurou no banheiro, armário, guarda-roupa, quando percebeu que ele estava sozinho, começou a chorar. Só parou quando foi consolada pelo paciente marido. Dormiram na pousada, Pablo nessa noite empenhou-se em suas obrigações conjugais.

No dia seguinte, Regina depois do almoço retornou à Maceió. Pegou suas coisas e partiu. Quando dirigia pela estrada, no meio do caminho, lembrou que havia deixado os óculos escuros que havia comprado na Alemanha. Retornou imediatamente. A porta do quarto não estava na chave, ao abrir, surpreendeu-lhe a cena chocante. Seu belíssimo marido estava abraçando o administrador Gerson, alisando seus cabelos, beijando seu rosto. Regina avançou que nem uma leoa deu uma tapa no marido, saiu correndo, tomou o carro retornando para sua casa.

Regina hoje, um ano depois, mudou seu modo de vida, não se sabe se por vingança ou por prazer. Quem quiser encontrá-la todo fim de semana está nas baladas de Maceió, dançando, bebendo, namorando.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 24 de março de 2019

A PRESENÇA DE ISAURA

 

 

A PRESENÇA DE ISAURA

 

Na fila da loteria, Heleno contemplava o belo pescoço da senhora em sua frente. De repente, a mulher virou o rosto, ele reconheceu Isaura, ficou feliz ao rever um amor de sua juventude.

Uma alegria para ambos. Continuaram contando suas vidas, sentados à mesa, tomando sorvete. Há muitos anos não se viam.

– E aí, Heleno, você continua mulherengo?

– Estou solteiro. Dois casamentos não deram certo. Sou ainda o romântico incorrigível procurando alguém para lhe substituir. Nunca encontrei!

– Você é um danado! Sempre gentil!

– Não é gentileza, Isa. Depois de tantos anos, sou um setentão e você está beirando; uma mulher casada, respeito seu marido, mas posso dizer sem mágoa, você sempre foi a mulher de minha vida, nunca lhe esqueci, conservo esse amor bonito dentro de mim. Esse negócio de dizer que sou mulherengo é verdade, depois que você se casou, descambei para as raparigas, tornei-me um grande boêmio, tive muitas mulheres, minha vida desregrada foi fruto da dor-de-cotovelo por você me ter abandonado.

– De fato, nosso amor foi bonito, todos comentavam nossa paixão, nosso namoro avançado. Naquela época namorados não transavam, mas você queria muito. Uma paixão louca! Era tarado por mim. Precisei me segurar para continuar virgem. Terminamos o namoro, mas, você teve culpa, queria todas as mulheres do mundo, namorou uma amiga minha.

– Lembra da boia na praia da Avenida? Eu colocava a boia de pneu de caminhão dentro d’água, você estirava seu corpo fazendo os braços de remo, e me segurava na borda da boia, por baixo as coisas aconteciam, ninguém percebia. À noite eu subia às casas de raparigas de Jaraguá. Descarregava meu desejo incontido pensando em você.

– Menino sem-vergonha! Como a gente era feliz!

– Como está o Josafá, o homem mais feliz do mundo, o homem que tem você nos braços há mais de 30 anos?

– Heleno, vou ser sincera. Desculpe o desabafo, afinal você é um amigo confiável. Namorei com Josafá, não era aquela coisa louca de nosso namoro. Casamos, construímos nossa família. São dois filhos e um neto. Ano passado tive duas tristezas na vida. Descobri que Josafá tem uma amante, menina nova, sustentada por ele há mais de três anos. Encheu-me de mágoa. E o pior, descobri um câncer na minha mama esquerda. Já me operei, tenho como tratar do câncer, os médicos dizem que posso controlar a doença e viver muitos anos. Mas o meu marido não dá mais para controlar, ele está apaixonado por essa sirigaita. Eu vivo só, ninguém sabe o que se passa comigo, vivo indignada dentro de minha dignidade.

Heleno apertou sua mão, olhou nos seus olhos.

– Minha querida Isa, não aguente isso, deixe a merda desse marido. Eu ainda lhe amo, sempre lhe amarei, estou à sua espera o dia que você quiser, pelo resto da vida. Amanhã pela tarde estarei viajando, vou passar quase um mês no navio COSTA MARU, sai do cais do porto direto para Recife e Europa, atravessando o Oceano Atlântico. Quando eu retornar quero conversar com você. Está certo? Você promete que vai me ver? Me dê o número de seu celular.

Despediram-se com beijo no rosto.

À noite o Josafá chegou meio tarde e meio bêbado. Na hora de dormir, Isaura alisou o corpo do marido, beijou-lhe o pescoço, foi se achegando como pedisse carinho, um pouco de atenção. Nesse momento ele falou aborrecido, grosseiro.

– Não quero, não quero pegar sua doença. Você está com câncer. Porra!

Deu-lhe um empurrão, virou-se para o lado e adormeceu.

Humilhada e ofendida, chorando baixinho, Isaura correu ao banheiro, sentou-se na privada e caiu em prantos, chorou muito. Certo momento se recuperou, respirou fundo, levantou-se, olhou-se no espelho, só de calcinha, levantou os braços, rodou, achou-se uma mulher bonita, conservada, atraente. Veio-lhe um sentimento forte de amor próprio, jurou para nunca mais chorar por Josafá, e que curaria o câncer.

Retornou à cama, custou a adormecer. Fez um retrospecto de sua vida, ninguém mais dependia dela, vivia praticamente só, os filhos independentes. Pensou no que restava de futuro, hipócrita e humilhante, junto à Josafá.

Eram oito horas da manhã quando ela levantou-se. Tomou café, trocou de roupa, foi ao cabeleireiro, à manicure. No shopping comprou roupas, foi ao banco, almoçou. Chegou em casa por volta das duas horas, arrumou a mala, escreveu uma carta simples para Josafá. Tomou um táxi.

O navio Costa Maru repleto de passageiros desencostava do cais. Na balaustrada do convés Heleno contemplava o mar, o casario da Avenida da Paz se afastando, diminuindo de tamanho. Ele estava embevecido com a cor do mar de sua terra, quando, de repente, sentiu uma mão por cima da sua. Ao olhar de lado teve a mais bela visão de sua vida: a presença de Isaura.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 05 de janeiro de 2019

A CLIENTE

 

 
A CLIENTE

Ivan nasceu em Palmeira dos Índios, estudou medicina em Maceió. Durante a juventude encantava às jovens, hoje maduro ainda esbanja charme. Joga tênis três vezes por semana. No clube as mulheres suspiram admirando o porte de homem bonito, atlético, espadaúdo.

Sua carreira de médico tem comportamento exemplar, nunca correspondeu os assédios das fãs clientes, é respeitador, ético em sua profissão, jamais se envolveu com alguma paciente, entretanto, não é um santo.

Certa tarde em seu consultório particular, a atendente anunciou Chiara, nova cliente. Ao entrar, a bela mulher passou o olhar em volta, gostando do ambiente limpo e bem decorado. Sorriso nos lábios cumprimentou o doutor Ivan. Ele respondeu, olhou nos olhos da senhora, perguntou o que a trazia ao consultório.

– “Uma dor por aqui, doutor” – apontou a área do ventre.

Ivan fez uma série de perguntas preenchendo a ficha médica, surpreendeu-se com a idade da mulher, 45 anos, nacionalidade italiana, falava bem o português, parecia ter 30, bem conservada, loura de pele rosada, olhos azuis. Ao terminar pediu para ela descalçar os sapatos e subir na balança. Ivan escrevia, ao levantar a vista, o coração bateu forte, encantado com a surpresa. Chiara estava em cima da balança apenas de calcinha de renda vermelha. Seu corpo bem delineado e a sensualidade exuberante deixou o doutor com o sangue fervendo nas veias. Ivan aproximou-se, nervoso, mediu o peso e altura daquela mulher extraordinariamente bela, bem pertinho, deu-lhe uma vontade imensa de abraçar-lhe. Controlou-se, pediu para vestir-se e retornar à cadeira.

Novamente cara a cara com a paciente, Ivan prescreveu exames, tomografia e radiografia do ventre. Ela recebeu a requisição, olhou nos olhos de Ivan, perguntou:

-Não vai fazer o toque vaginal?

O médico controlou-se, afirmou não ser preciso, com o resultado dos exames ele avaliaria com precisão o que estava de anormal com ela.

Chiara sorriu olhando para o doutor, segurou sua mão, confessou:

– Doutor, quero esclarecer-lhe a situação, falando bem claro, eu tenho uma fantasia: desde que lhe vi jogando no Jaraguá Tênis Clube, tive uma atração imediata. Soube que era médico, deu-me uma imensa vontade de fazer amor com você de jaleco em seu consultório. Sou casada, não tenho problemas com o marido, hoje tenho essa oportunidade única, quero você apenas uma vez, satisfazer minha fantasia, sonho quase todas as noites nós dois nos abraçando, rolando no chão de seu consultório.

– Dona Chiara, por favor, a senhora é uma belíssima mulher, provocou-me uma atração enorme, aonde a senhora quiser, no Rio, no Recife, no Japão, na Alemanha, no motel de Jacarecica, podemos nos encontrar. Eu invento uma viagem, vamos passar uma lua-de-mel em Fortaleza? Aqui não posso, tenho um profundo respeito por minha profissão, meu consultório é um sacro-santo local onde exerço a medicina, me proíbe qualquer relacionamento com paciente. Por favor, não torne difícil para mim, você é bela, sensualíssima, gostosa, compreenda, se quebrar minha ética ficarei profundamente magoado comigo mesmo, por favor.

– Meu sonho é lhe amar no consultório, minha fantasia é ser abraçada pelo doutor de jaleco, fora disso não existe fantasia, não quero.

Levantou-se, deu meia volta, ao se aproximar da porta trancou-a a chave, virou-se, num átimo deixou o vestido cair, tirou e segurou a calcinha vermelha de renda pelos dedos. Ivan partiu rápido, chamou-a de louca, ajudou apressadamente a vesti-la, pediu não retornar ao consultório. A cliente saiu pisando forte, aborrecida. Ivan fechou a porta, respirou fundo, de repente deu quatro murros na parede, sangrou a mão.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 30 de dezembro de 2018

WALQUÍRIA

 

WALQUÍRIA

Praia do Miaí – Coruripe – Alagoas

Certa noite Messias sentiu-se mal, suava frio, chamou o filho. Foi levado desfalecido à emergência do Hospital. A sorte foi ter encontrado o atendimento Dr. Wanderley que diagnosticou um enfarto e providenciaram operação de urgência.

As mãos do Dr. Wanderley fizeram milagre mais uma vez. O caso de Messias foi grave. Ficou em coma pós-operatório durante uma semana. Teve sonhos constantes, repetidos, que ficaram gravados no inconsciente: um enorme pássaro branco revoando em círculo por sobre sua cabeça. Em certo momento transformava-se em uma mulher alada, seminua, com véus soltos envolvendo um corpo apetitoso, sensual. Voava e encostava-se ao doente provocando agradável excitação. Logo Messias teve alta com rigorosa dieta alimentar e orientação: menos trabalho e evitar preocupação. No que Messias respeitou. Mês passado pediu licença ao médico para dirigir até seu sítio perto de Piaçabuçu.

Ao passar pela ponte por cima das águas verdes e cristalinas da Lagoa Mundaú, percebeu que uma morena, vestida com short jeans esfarrapado, mochila no ombro, pedia carona.

Messias freou o carro, a moça achegou-se e perguntou para onde ia o nosso herói.

– “À Piaçabucu, e você? Por acaso é assaltante?”.

A morena abriu a porta do carro, sentou-se a seu lado, sorriu para Messias.

– “E o senhor, por acaso é estuprador?” “Estou viajando, de carona, à Penedo.”

Messias gostou da bem humorada companhia, divertia-se com as conversas da morena, Walquíria o nome dela.

De repente, na estrada, ouviu o cantar de freio. Messias assustou-se com um caminhão desgovernado em sentido contrário, atravessou em sua frente raspando seu carro e caiu em uma barreira abaixo do acostamento. Messias, branco como uma folha de papel, nervoso, conseguiu parar o carro. Respirou fundo, susto imenso, quase que o caminhão arrebenta seu carro, ele e a moça. Foi socorrer o motorista do caminhão. Não precisou, ele saiu sozinho da cabine, ileso, com um forte cheiro de cachaça. O cara estava bêbado. A Polícia passava na hora fez o atendimento.

Prosseguiram a viajem, de repente a caroneira falou baixinho: “Viu? Se você não tivesse parado para me dar carona tinha batido de frente ao caminhão. Salvei sua vida.” Essa observação deu um frio na barriga de Messias.

Walquíria era divertida e pela esplendida estrada litorânea foram cantando e contando histórias. Ao passar na praia do Miaí, Messias tirou o carro do asfalto, entrou na extensa praia de areia dura que serviu de estrada até a foz do Rio São Francisco.

-“É a estrada mais bonita do mundo”. Dizia. De num lado um exuberante verde coqueiral e do outro o mar azul-esverdeado. Fez da praia a estrada. Parou para tirar fotos em um casco antigo de um navio afundado à beira-mar. Pediram a um jangadeiro para fotografá-los imitando os personagens do filme Titanic. Messias em pé no que restava da proa e Walquíria encostada, ambos de braços abertos. Ele ficou excitado e veio-lhe a imagem do sonho em coma: a mulher alada se esfregando.

Almoçaram em Piaçabuçu no restaurante do Santiago à beira do Rio São Francisco. Ele entrou rápido no sítio e resolveu levar a morena a Penedo.

A tarde fresca era de um azul estonteante, convidativa para o ócio. Subiram ao Restaurante Rocheira. Comeram jacaré, tomaram uísque, cerveja e uma boa cachacinha apreciando Velho Chico refletindo o Sol no belo e velho Penedo.

Conversaram e se beijaram. Era quase meia noite quando retornaram ao hotel cantando pelas estreitas e bucólicas ruas da cidade. Ao chegar ao Hotel São Francisco hospedaram-se num belo e enorme apartamento. Tomaram banho abraçados, beijaram-se, fizeram amor. Nos mais intensos momentos de prazer, as imagens do sonho em coma apareciam na mente de Messias. A mulher alada junto a seu corpo. Messias sentiu a morte e a vida. Dormiu feliz e sonhou com o pássaro branco sobrevoando.

No dia seguinte, ao acordar, Walquíria não estava na cama. Na portaria lhe informaram que ela seguiu sem informar o destino. Deixou um bilhete: “Messias querido, cuide-se, ame muito, ame a vida, é o maior bem que um ser humano possui. Sou um anjo, cuido da vida e da morte. Hoje salvei sua vida, mas não posso lhe proteger a toda hora. Beijos de sua Walquíria”.

Messias sorriu com o bem humorado bilhete da amiga casual, morena, meiga, sensual, de fato, um anjo. Ficou a refletir: ter freado para dar carona à Walquíria evitou seu carro entrar embaixo do caminhão desgovernado. Poderiam ter morrido, ele e ela. Pensou na noite de intenso amor com a amiga. Ele se sentia feliz. Estava alegre. Será que algum dia encontraria Walquíria?

Depois de ligar para casa, Messias puxou do celular a fotografia do navio na praia do Miaí. Na foto ele sorria de braços abertos, sozinho. Ao perceber que Walquíria, seu anjo, não aparecia na fotografia, Messias emocionou-se, ficou arrepiado da cabeça aos pés, e chorou. Não sabia se de tristeza ou de alegria.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 15 de dezembro de 2018

O QUATIPURU

 

 
O QUATIPURU

Vi pela primeira vez um quatipuru numa aldeia de índio quando eu comandava a 9ª Companhia de Fronteira, Roraima. O bicho parece um esquilo pequeno. Existe uma crendice, uma lenda corre pela Amazônia, que ter o rabo de quatipuru pendurado no pescoço, dá sorte. Muita gente cria como animal de estimação, depois vende o rabo, é o amuleto mais usado na região.

Na 9ª Companhia de Fronteira tornei-me amigo do Sargento Perna, descendente de índios Ianomâmis, troncudo, pardo, perspicaz, ladino e muito alegre. Tinha duas manias: jogar futebol e mulher. Metido a conquistador.

O sargento Perna me dizia que estava passando uma péssima fase de urucubaca, tinham lhe colocado mal olhado ou ele havia pisado em rastro de corno. Andava num azar inacreditável! Um amigo, pajé de uma tribo, aconselhou-o a usar um rabo de quatipuru num colar para sair dessa má sorte. Perna aproveitou a ocasião para contar sua história azarenta:

– “Tenente, o senhor acredite que minha mulher, Laura, veio do Pará passar alguns dias comigo, meus filhos estudam num colégio de Belém. Aqui em Boa Vista para passar o tempo e combater a solidão, eu tive casos amorosos com algumas mulheres da cidade. O problema é que arranjei uma lavadeira, belezura de morena, pele limpa, rosto bonito arredondado, jovem mulher que nem a índia Iracema. Quando a cunhatã vai à minha casa aos sábados e se abaixa colocando a trouxa de roupas limpas na cama, eu chego por trás, abraço, e a gente começa o serviço. Sábado passado ela apareceu de vestido transparente, sem nada por baixo, o pano fino dava para ver tudo, fiquei doidinho. Minha mulher tinha saído para fazer compras, não voltaria tão cedo. Não resisti, me atravanquei com a moleca. De repente ouvi o grito de Laura: “O que é isso Perna”?” Eu só pude responder: “É muito azar!”. Ela havia esquecido a bolsa e voltou para casa inesperadamente. No outro dia arrumou as malas, pegou o avião para Belém, sem conversar comigo. Viu que azar, meu chefe?

Ainda por cima, não passei nos exames físicos para entrar na tropa de Suez. Perdi de servir no exterior na tropa de paz da ONU, também por azar.

Um pajé amigo receitou rabo de quatipuru, mas aqui por essas bandas de Roraima é difícil. Há dias que procuro e não encontro um rabo para vender”.

Fiz ver ao Sargento Perna que não se deve dar crédito à crendice. Convidei-o à minha casa para tomar uma cerveja venezuelana Polar a bebida de maior consumo em Boa Vista, e continuar a conversa.

Dias depois um avião da FAB aterrissou em Boa Vista. O sargento Perna pediu uma semana para desconto em férias, pegava uma carona naquele avião para Belém, tentaria fazer as pazes com a esposa. Viajei também no mesmo avião, fui resolver problemas do quartel em Manaus.

Quando o avião decolou o Sargento Perna me apontou para uma vistosa mulher no banco lateral levava numa gaiola um animal parecido com esquilo:

– “É um quatipuru !” Disse-me Perna.

Ele olhava obcecado pelo bichinho enquanto sobrevoava a selva amazônica. Certa hora o avião entrou numa nuvem baixa, densa de chuva, a carcaça tremeu, os viajantes soltaram gritos de susto e de medo. Houve uma queda de altura, os pacotes bateram no teto, muitos gritos. Eu fiquei apavorado, mas meu companheiro de viagem, Sargento Perna, continuava vidrado, como se estivesse hipnotizado, não tirava o olho do quatipuru.

Até que avião estabilizou. A madame da gaiola começou a chorar, teve um ataque de nervos, falava alto, sem controle.

– “Vai morrer, ai o meu quatipuruzinho vai morrer”.

Mais preocupada com o bicho que dela própria, chorava:

– “Meu quatipuru vai morrer, levou um corte na cabeça, está sangrando. O bichinho vai morrer!”

Nesse momento, o Sargento Perna levantou-se, dirigiu-se à madame gostosa, perguntou alto e em bom tom:

– “Se ele morrer, a senhora me dá o rabo?”

Foi mal interpretado, todos passageiros olharam o Perna com olhar de reprovação. A mulher não se conteve, fuzilando-o com indignação:

– “Me respeite ouviu? O senhor é autoridade, mas exijo respeito. Sou mulher séria, honesta. Não dou o rabo a ninguém”

Nosso herói percebendo o mal entendido retificou falando baixo:

– “O rabo do quatipuru, eu quero é o rabo do quatipuru!!!!!”

O avião já sobrevoava o Rio Negro, em poucos minutos pousou no aeroporto de Manaus. Ao chegar a Belém, o sargento Perna ao mercado “Ver o Peso”, onde se vende de tudo. Conseguiu seu amuleto finalmente, um rabo de quatipuru. Em casa fez as pazes com a esposa. Retornou à Roraima, tornou-se o maior conquistador das mulheres da cidade. Não tirava o amuleto no pescoço sequer para tomar banho. Sorte certa. Gabava-se de seu desempenho sexual, acreditando ser também obra do rabo do quatipuru.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 01 de dezembro de 2018

O MAR DE MACEIÓ

 

 
O MAR DE MACEIÓ

Praia da Jatiúca de minha varanda

Da varanda não canso de me extasiar com o mar da Jatiúca, azul turquesa com matizes verde ou será verde esmeralda azulado? Cor única no universo, privilégio dessa bela terra. Minha intenção era escrever uma crônica sobre essa exuberante visão, entretanto prefiro, com licença de meus queridos leitores, repassar o que dois jornalistas escreveram sobre o Mar de Maceió.

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O Mar de Maceió, Supera Todas as Expectativas

Bem que Sebastião Nery tentou me avisar que o mar de Maceió era maravilhoso, de águas quentes e limpas, mais de nada adiantou sair de casa preparada levando na bagagem todos aqueles objetivos e elogios rasgados preferidos pelo ilustre jornalista baiano. Por mais que estejamos preparados à experiência que se tem ao chegar em Maceió é muito maior e, de tão incrível, da até para chamá-la de um verdadeiro choque sensorial.

O que mais poderia descrever o fato de acordar sai em direção à praia e dar de cara com um mar que ate então você jamais viu? O mar de Maceió não é qualquer um. Depois de conhecer o esplendor do mar de Alagoas, a gente entende que todos os outros se transformaram em protótipos. Maceió tem o que poderia se chamar de um mar definitivo.

Olhar para aquela beleza liquida é como ser atropelado como vagalhão luminoso e, a partir daí, começa a flutuar num paraíso de águas. Quem conhece as Praias do Francês, Ponta Verde, Maragogi e a fantástica Praia do Gunga sabe muito bem do que eu estou falando.

Na capital de Alagoas o maior prazer é sentar e deixar a paisagem perfeita entra pela retina: os coqueiros inclinados na areia dançando com o vento, a harmoniosa mistura musical da brisa com as outras quebrando ao fundo, o colorado preciso dos guarda-sóis combinando com as toalhas e trajes de banho e o branco das velas enfurnadas rasgando o mar e o céu, dois dos azuis mais belos que existe na face da Terra.

O sol de Maceió aprendeu as regras da hospitalidade com o povo alagoano e, misturado à brisa fresca, toca os banhistas de maneira delicada e generosa. E ao fundo surge aquela imensidão verde-azul-turquesa real radiante, às vezes fosforescendo, que ganha cores de prata na lua-cheia e toques de ouro no amanhecer ou no pôr-do-sol.

Em Maceió, as férias se transformam numa regalia para os cinco sentidos e os visitantes mergulhados num mundo que aguça a percepção e a sensibilidade. Eu não quero outro em minha vida. Daqui para frente, quando pensar em mar, estarei sempre pensando no de Maceió.

Artigo da jornalista CLÁUDIA TONACO publicado na coluna VIAGENS GERAIS no jornal O TEMPO de Minas Gerais

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O DIA EM QUE DEUS CRIOU ALAGOAS

Escrevi certa vez que Deus, além de brasileiro era alagoano. Em verdade não se cria um Estado com tantas belezas, sem cumplicidade.

Sou capaz de imaginar o dia da criação de Alagoas.
“Ô São Pedro pegue o estoque de azul mais puro e jogue dentro das manhãs encharcadas de sol, faça do mar um espelho do céu, polvilhando de jangadas brancas; quero os entardeceres sangrentos no horizonte e aquelas lagoas que estávamos guardando para uso particular, coloque-as nesse paraíso.

E tem mais, São Pedro, dê a esse Estado um cheiro sensual de melaço e cubra seus campos com os verdes dos canaviais; as praias ora, as praias deverão ser fascinantemente belas, sob a vigilância de altivos e fiéis coqueiros.
Faça piscina natural dentro do mar, coloque um povo hospitaleiro e bom e que a terra seja fértil e a comida típica melhor que nosso maná.

Dê o nome de Alagoas. E a capital, pela ciganice e beleza de suas noites, deverá chamar-se Maceió e sua padroeira Nossa Senhora dos Prazeres”.

Noaldo Dantas – Poeta paraibano


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 26 de novembro de 2018

ANA DO CANAÃ

 

ANA DO CANAÃ

Bairro Boêmio de Jaraguá

No sugestivo ano de 1969, as boates de mulheres do bairro boêmio de Jaraguá foram transferidas para uma região longe do Centro de Maceió, tornou-se o bairro do Canaã.

Segundo a lenda, numa bela manhã de um verão, a esposa de um Secretário do Estado, moradora da praia da Pajuçara, tomou rumo ao mercado da Levada às seis horas da manhã. Ao passar no trecho da Rua Sá e Albuquerque no bairro boêmio de Jaraguá onde ficavam os cabarés bem concorridos, a distinta senhora tomou um susto, ficou chocada ao ver a cena, um bêbado retardatário depois de descer a escadaria do cabaré, com a bexiga apertada, tirou o maranhão para fora e descontraidamente fazia xixi no meio fio da calçada, em frente à Boate Alhambra.

Horrorizada com a cena, ficou perturbada com o tamanho, foi ao mercado pensando somente naquela visão matinal. Ao chegar em casa contou o fato ao poderoso marido. Nesse mesmo dia foi publicada uma portaria do Secretário de Segurança determinando o fechamento de todos os cabarés de Jaraguá, dando um prazo de 60 dias para mudança, tendo a única opção a região onde situava o loteamento chamado de Canaã.

As inquilinas das casas, jovens formosas, caíram no choro, pensando no desemprego Houve muitos pedidos de deputados e outras autoridades, frequentadores assíduos, clientes da melhor espécie, mas o Secretário, com apoio do governador foi inclemente. Em 60 dias não funcionavam mais os lupanares em Jaraguá.

Os empresários do amor tiveram que transferir-se em pouco tempo. Alguns se instalaram provisoriamente. O dono da noite da cidade, o famoso Mossoró comprou uma casa na região, restaurou e inaugurou a mais badalada casa de mulheres do Estado, a Boate Areia Branca, fez história na boemia alagoana nos anos 60/70.

Entre os empresários, donos de cabarés, havia uma mulher, Ana, respeitada pela valentia, Era baixinha, troncuda, cara de índia, sem muita conversa, e disposta. Ficou na história do povo, contada por muitos anos, a valentia de Ana quando acabou uma briga entre dois homens em seu cabaré, ela puxou uma peixeira de 7 polegadas, os dois briguentos se soltaram cada um para seu lado respeitando o brilho da peixeira e a ordem de Ana: “Acabem essa briga!”

Ana arranjou uma casa no Canaã onde instalou suas belas mulheres. Era uma casa antiga, na entrada um belo portão de ferro batido, feito artesanalmente, em desenhos arabescos.

Certa vez o jovem Cacau, acompanhado pelos amigos Sidrack e Canhoto bateram à porta da casa de Ana por volta de duas horas da manhã. A zona já estava fechada, Ana mandou dizer que não abria o cabaré, suas funcionárias precisavam descansar, tinham trabalho pesado no outro dia. Jovens não se conformam com um não. Os três insistiram, bateram palmas, chamaram algumas mulheres conhecidas pelo nome. De repente a Ana apareceu, braba, com as mãos nos quadris mandou os jovens desaparecerem, não abriria o cabaré de maneira nenhuma. Como o portão de ferro estava na corrente e cadeado, Cacau resolveu abrir à força, teve a infeliz ideia em puxar o portão com uma corda amarrada no jipe. Ele havia bebido, estava louco para ver Genoveva Brotinho, sua namorada. Naquela época, prostitutas tinham namorados.

Cacau amarrou a uma ponta da corda no portão, a outra ponta no para-choque traseiro do jipe, arrochou até ficar bem seguro. Aboletou-se no assento, os amigos ajudavam a operação da abertura do portão, preparados para entrar na casa e encontrar as raparigas.

Cacau ligou o carro, engrenou a primeira marcha de força, acelerou o jipe puxando o portão, esperando abri-lo. Quando, de repente, ouviu-se um estalo forte, o portão foi arrancado, e puxou toda parede da frente da casa que foi se desmoronando até formar um monte de entulho no chão.

Quando sentiu o estrago, Cacau gritou para os amigos, eles subindo no jipe sem capota e fugiram em velocidade, arrastando no chão o portão da casa que batia no calçamento tirando faíscas e fazia barulhos metálicos A certa altura, Cacau parou o jipe, desamarraram o portão, deixando-o à beira da rua. No dia seguinte souberam que Ana prometeu vingança. Passaram mais de um ano sem frequentar os cabarés do Canaã, com medo da valente Ana.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 10 de novembro de 2018

A VOLTA AO MUNDO EM 5.237 DIAS

 

 
A VOLTA AO MUNDO EM 5.237 DIAS

Anunciada tinha apenas 10 anos quando aconteceu o acidente de carro. Seu pai morreu e ela teve sérias fraturas, passou mais de dois meses no hospital, sobreviveu graças a uma promessa, segundo sua mãe, mulher controladora e mandona. Quando Anunciada completou 16 anos foi internada num convento, cumprindo a promessa de Dona Zélia. A jovem tornou-se frágil, temente a Deus e à mãe, aceitou resignada seu destino, ser freira. Estava em paz consigo, dois anos interna preparando-se para o noviciado, quando apareceu no convento o Padre Ramalho, ainda moço, beirando os 30 anos, alto, forte, alegre e bonito. Mexeu no coração e nas vísceras de Anunciada. A imagem do padre deu-lhe inquietude, desconcentração, insônia. A recíproca foi verdadeira, o padre encantou-se com a morenice, os olhos amendoados, os cabelos negros daquela noviça meiga. O Demônio atenta, e fez com que Anunciada ficasse como ajudante do padre durante as missas e preparativos. Com mais dois meses, os dois jovens estavam enfeitiçados. Aconteceu o previsto pelo Cão. Numa noite de lua nova, por trás da sacristia, o sangue escorreu pelas pernas de Anunciada. Continuaram encontrando-se, amando-se, até que um dia a madre superiora teve certeza que havia alguma coisa entre os dois, só pelos olhares e tomou uma decisão. Entregou a freirinha em sua casa afirmando falta de vocação, Deus perdoaria a promessa.

Anunciada ficou um mês e doze dias trancada em seu quarto, só saía para comer. Chorava a noite toda, a mãe pensava ser frustração em não ser freira, nunca imaginou que era saudade do Padre Ramalho. Noites insones se possuindo. Certa tarde Manuela, sua prima, foi visitá-la, conseguiu tirá-la daquele estado letárgico. Mostrou-lhe as noitadas de Maceió. A partir daquela data Anunciada dedicou-se à boemia e aos homens.

Em certo janeiro ensoralado um turista grego, passageiro do Maru Costa, convidou-a para conhecer o navio. Fizeram amor no camarote. Ao acordar-se no dia seguinte, o transatlântico atracava no Recife, havia viajado como clandestina. Daí aceitar o emprego de “massagista” no navio foi um pulo. No dia seguinte o Maru Costa partiu para Tenerife, sete dias de viagem pelo Oceano Atlântico. Não foi difícil arranjar clientes. Comprou roupas a bordo. À noite entrava nos salões encantando homens e mulheres. Na semana de viagem ganhou tanto dinheiro que não acreditou. Com apenas 19 aninhos tornou-se “massagista” de alto luxo. Teve uma conversa com o comandante, ficou no camarote como viajante permanente. Anunciada engrenou sua vida, enviava cartas e dinheiro para mãe orgulhosa com a filha, dizia ser comissária de bordo.

A divina brasileira, como a chamavam, ficou embarcada em camarote privado durante semanas, meses, anos. Percorrendo o mundo.

Anunciada exerceu a profissão de massagista durante 14 anos, 4 meses e 2 dias inquilina do Maru Costa. Apenas uma vez retornou à Maceió, de avião, para o enterro de sua mãe. No Parque das Flores todos queriam falar ou ver a menina Anunciada que um dia partiu sem destino, continuava solteira, charmosa, rica, misteriosa. A bela mulher abafou, vestido negro decotado, não passou mais dias na cidade porque o navio ia partir de Sydney na Austrália para Amsterdã na Holanda. O comandante telefonou pedindo sua presença, ela fazia parte do patrimônio no navio.

Assim Anunciada viajou por todo mundo, conheceu homens de toda espécie, escandinavos, latinos, asiáticos, africanos. O felizardo que passou uma noite com Anunciada na cama, jamais a esqueceu. Durante esses anos ela teve 875 propostas de casamento, todas recusadas, seu destino é a liberdade, dizia. O nome de Anunciada ainda corre nos quatro cantos do mundo como de fosse uma feiticeira do amor. Quando o navio atracava nos portos já havia fila de clientes para receber a brasileira nos hotéis da cidade. Seu nome tornou-se lenda na Europa, no mundo.

Até que o navio Maru Costa teve sérios problemas, antes de se aposentar, antes de o explodirem, fez seu último cruzeiro, por coincidência o mesmo roteiro em que Anunciada embarcou anos atrás. Deu uma tristeza na “massagista”, sentia-se parte do navio. Ela estava disposta a esconder-se e explodir-se junto com o navio. Quando o Maru Costa atracou em Maceió de passagem, o céu estava ensolarado, o mar era verde esmeralda com matizes azuis. O coração de Anunciada disparou, acabou a depressão, arrumou-se, pegou suas malas, desembarcou para sempre em sua terra.

Quem quiser conhecer nossa heroína, Maria Anunciada, é só visitar uma casa de massagem no bairro da Serraria. Ainda bela, aos 34 anos, ela atende com mais três jovens massagistas. Dizem que os clientes da casa preferem a coroa, por sua experiência e sabedoria. Os mais íntimos, ao ouvirem suas histórias, perguntam, “dos homens que teve a seus pés, qual o que mais amou”. Ela não hesita, afirma com segurança, sorrindo: “O primeiro amor ninguém esquece.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 02 de novembro de 2018

A PELERINE

 

A PELERINE

Adalberon cursava a Academia Militar das Agulhas Negras nos anos 60. Orgulhava-se de ser cadete e adorava se exibir. Fazia sucesso entre as garotas quando chegava à Maceió nas férias.

No seu último ano do curso, ele aproveitou uma semana de férias de junho voou para sua terra. Foi convidado para uma festa de 15 anos muito badalada na sociedade alagoana. O pai da moça, um rico deputado, morava numa mansão na praia de Pajuçara.

Decoração suntuosa, mesas espalhadas nas salas, muita bebida e comida. A Orquestra Tabajara de Severino Araújo animava o aniversário de Betinha.

Os jovens dançavam no imenso salão iluminado por quatro vistosos lustres. Adalberon vestiu sua farda de gala, como chovia, ele levou também sua pelerine azul marinho, capa longa usada como integrante do uniforme do cadete, que cobre os ombros e a parte superior do corpo, com fendas para os braços.

Quando a orquestra iniciou uma bonita música Adalberon avistou uma jovem no canto da sala com olhares insistentes para ele. Num impulso caminhou em direção à bela moça vestida de preto. Aproximou-se; antes de ele convidá-la para dançar, a moça abriu os braços dizendo que já o esperava. Juntaram seus corpos rodopiando o salão com um abraço apertado. Os dois se olhavam como se uma paixão momentânea houvesse surgido.

Certo momento ele perguntou por seu nome. Ela se chamava Neuza, a melhor amiga de Betinha, a aniversariante. Ele também se apresentou dizendo que no final do ano se formava na Academia Militar. Neuza respondeu apertando a mão de Adalberon com sua mão fria. – “Eu já sabia!”.

O cadete ficou impressionado com a beleza pálida da jovem. Contou suas histórias e fanfarronice na Academia Militar. Ela mostrou-se bastante interessada, juntou seu corpo ao do cadete, e assim ficaram dançando por muito tempo, mudos, apenas se afastando algumas vezes para se olharem. Caso de paixão fulminante. Certa hora, Neuza lhe falou que devia ir para casa, tinha prometido chegar antes da meia-noite. Ele se ofereceu para levá-la. Na saída da mansão apanhou a pelerine. Como a chuva era intensa, num gesto elegante, Adalberon cobriu sua companheira com a pelerine protegendo-a da chuva e correram em direção ao ponto de ônibus.

Tomaram o ônibus “Pajuçara–Trapiche da Barra”, estava quase vazio. Sentaram-se num banco do fundo, conversaram como se conhecessem há muitos anos. Quando passava pela Avenida da Paz, Adalberon puxou o rosto de Neuza e deu um beijo ardente em seus frios lábios. De repente percebeu que ela chorava. Continuaram aos beijos e abraços durante o resto do percurso.

Perto da Praça da Faculdade de Medicina Neuza tocou a campainha, o ônibus parou, eles desceram. Ela pediu para não acompanhá-la, morava perto, no dia seguinte devolveria a pelerine.

Adalberon seguiu com olhar os passos de Neuza até ela desaparecer na escuridão da rua, no oitão do Cemitério Nossa Senhora da Piedade.

Pela manhã o cadete apaixonado acordou-se com a figura da namorada gravada na cabeça e no coração. Quando o relógio bateu sete horas da noite Adalberon estava na Praça da Faculdade olhando os passantes em busca de um vulto parecido com sua amada. Deu voltas no quarteirão, passou dezenas de vezes na rua em que ela desapareceu. Perguntou a algumas pessoas se conhecia Neuza. Até que uma senhora se assustou quando indagada, informou que ela havia morado naquela casa, apontando para um bangalô.

Adalberon encheu-se de coragem, bateu à porta. Atendeu uma senhora com aparência triste. Ficou trêmula e assustada quando o rapaz perguntou se Neuza ainda morava naquela casa.

A velha mulher sentou-se numa cadeira da varanda e perguntou quem era o rapaz. Ele disse ser amigo de Neuza, contou como havia conhecido, tinham marcado encontro naquela noite na praça.

Adalberon arrepiou-se do dedo do pé aos cabelos da cabeça quando a triste senhora respondeu que no dia anterior tinha feito um ano de sua morte num desastre de carro. O marido da triste senhora ao ouvir a história emudeceu.

Quando acalmaram Adalberon contou detalhes do encontro da festa. Inclusive que havia deixado com Neuza sua pelerine.

Os três resolveram ir ao cemitério. Entraram pela alameda principal até a capela, havia um velório noturno, uma família chorava seu morto. Desviaram para direita onde estava a sepultura de Neuza. Ao se aproximarem deu-se a grande surpresa, a pelerine azul marinho cobria o túmulo de Neuza. Os três emocionados ficaram no cemitério até mais tarde quando Adalberon retirou-se para casa. Só conseguiu dormir ao tomar oito doses de uísque conversando com o pai.

Contam no bairro que uma misteriosa mulher vagueia pelos arredores do cemitério depois da meia-noite. Muitos moradores do Prado e do Trapiche juram ter visto a mulher de preto circulando pelas ruas.

57 anos se passaram desse acontecimento, o Coronel Adalberon todos os anos viaja à Maceió, cumpre a obrigação em colocar um buquê de rosas brancas e rezar um terço no túmulo de Neuza.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 28 de outubro de 2018

A MULHER DO TENENTE

 

 
A MULHER DO TENENTE

Avenida da Paz, Maceió, anos 50

Ele era tenente, alto, forte e atleta, campeão de vôlei e basquete. Mas gostava mesmo era de outro jogo mais maneiro, um carteado. Aos domingos sempre almoçava em minha casa, assim que chegava entrava na rodada domingueira de pôquer baratinho, que meu pai jogava com alguns vizinhos.

Eu, no início da adolescência, admirava aquele tenente desenvolto, risonho e franco. Porém, a maior admiração era o que ele tinha de mais bonito, sua mulher. Quando o tenente sentava para jogar, ela dizia não entender como podiam perder uma praia tão bonita como a da Avenida da Paz. E me chamava para acompanhá-la, dar um mergulho. Aos domingos eu ficava em casa de propósito, à espera do jovem casal e desse convite.

Ela me abraçava pelo ombro e descíamos à praia, sentávamos na areia branca e fina embaixo da sombrinha. A Deusa era olhada e desejada por todos os homens de todas as idades. Ficavam contemplando o ritual, a divina tirava devagar a blusa e o short até aparecer seu biquíni cavado sempre em tecidos floridos. Acredito que tenha sido o primeiro biquíni usado nas praias de Maceió.

Estirava a toalha na areia, pegava um livro e deixava que o Sol e os olhos pecaminosos dos homens, inclusive os meus, tomassem conta daquele corpo perfeito, pernas esguias douradas, penugens lourinhas oxigenadas, como se fossem enfeites, dava um irresistível desejo de alisá-las. Ela pedia que lhe chamasse quando estivesse na hora do almoço para dar o último mergulho e irmos juntos para casa. Na hora do futebol, eu deixava aquela mulher deitada ia bater minha pelada. Ficava me gabando, fazendo inveja em ter uma amiga carioca. Os amigos e os mais velhos queriam saber tudo sobre aquele monumento. Antes do almoço mergulhávamos juntos, ficávamos na brincadeira de dar caldo um no outro, cruzando nossas pernas embaixo d’água ela gostava daquele jogo, de propósito alimentava minhas fantasias.

Havia um grande advogado em Maceió, com fama de competente e mulherengo. Um dia a bela criatura teve que recorrer ao doutor sobre uma herança. O famoso causídico que era um tremendo canalha, passou a maior cantada em nossa Deusa. Ela discreta, com classe se esquivou, terminou a conversa, foi embora, prometendo nunca mais voltar àquele escritório.

Só porque vestia roupas leves, sensuais, andava de biquíni nas praias e nos clubes, era uma moça extrovertida, a típica carioca, o doutor fez um erro de avaliação e continuou no assédio, por telefone ou quando a via. Mas a moça era honesta, aguentou quanto pôde o assédio. Até que um dia, acabou a tolerância, contou toda a hist6ria para seu tenente, alto, forte e bonito.

Ele mandou a esposa marcar um encontro na própria casa dizendo que o marido viajaria. No dia, na hora, sem atrasar um minuto o doutor bateu em sua porta. Logo ao entrar, ela constrangida, mandou-o sentar-se. Mas o doutor estava com a cabeça virada, agarrou-a, sem as preliminares que a hora exige.

No momento em que tentava abraçá-la, apareceu o tenente na sala empunhando uma pistola 45.

O susto deu um branco literalmente no doutor, ficou da cor de papel, gaguejava tentando explicar. O medo foi enorme, o doutor cagou-se na calça, e pedia suplicante: “Não me mate, não me mate.” Ajoelhou-se chorando.

O tenente disse-lhe que o mandaria às profundas do inferno, onde jamais cantaria uma mulher honesta. O famoso advogado chorava e gemia, pedia perdão. O tenente deixou prolongar por um tempo a expectativa, gozando do choro do conquistador. Certo momento ele pediu a mulher trazer-lhe um copo grande na cozinha. Pegou o copo, desabotoou a braguilha e num jato forte mijou dentro do copo. Levantou o copo cheio de xixi com a mão esquerda e a pistola com a direita, disse alto em bom tom: “Não lhe mato, mas você vai beber o meu mijo.”

O doutor não teve dúvida pegou o copo, colocou os lábios na borda e tomou aquele liquido amarelo, ainda quente e espumante. Quando terminou, tremia de medo, de pavor. Nesse momento o tenente foi ríspido: “Vá embora seu filho de uma puta e nunca mais cruze comigo ou com minha mulher, na próxima vez, sem perdão, meto uma bala nos seus cornos.”

Eu ouvi essa história contada pelo próprio tenente a meu pai. Sentado perto dos dois, eu fazia que estava organizando a coleção de selos como quem não quer nada, emocionado prestando atenção à história. No domingo seguinte desci à praia mais cedo. Quando a musa apareceu na praia me deu um alô com as mãos perguntando: “Onde está meu cavalheiro que não me esperou?”

Aproximou-se abrindo os braços, me abraçou forte. Ao deitar-se na areia, fascinado olhei suas apetitosas pernas, lembrei-me da história. Pensei. “Se o tenente descobre meus desejos, vou terminar comendo cocô.”


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 23 de outubro de 2018

MÁRIO LIMA

 

 
 
MÁRIO LIMA

Nesse mês de outubro de 2018 meu pai faria 110 anos. Eu o amava, eu o admirava. O general Mário Lima educou os filhos pelo exemplo, por suas atitudes. Homem de pouco falar, de muito agir, dedicou sua vida à família, aos amigos e principalmente à sua terra. Foi um homem íntegro, capaz, corajoso; uma das grandes figuras do século XX das Alagoas.

Iniciou sua vida adulta muito cedo, fez concurso para a Escola Militar de Realengo. Ao sair aspirante em 1930 foi servir no 5º Regimento de Infantaria em Lorena, interior de São Paulo. No início de 1932 conseguiu transferência para o 20º Batalhão de Caçadores em Maceió. O destino foi cruel, em julho de 1932 rebentou a Revolução Constitucionalista (ou separatista) de São Paulo. O 20º BC foi uma das tropas legalistas designada para lutar contra os revoltosos paulistas. O tenente Mário Lima embarcou como comandante da 1ª Companhia de Fuzileiros do 20º BC no porto de Maceió para combater os paulistas, combater seus amigos do 5º RI, cujo comandante era destacado revoltoso. A revolução de 1932 foi o maior genocídio do Brasil, morreram milhares de brasileiros. Recentemente fiquei com maior orgulho quando li um livro sobre a Revolução de 1932, o tenente Mário Lima aparece como herói daquela guerra. Arriscou sua vida no meio do tiroteio arrastando para trincheira um capitão e um soldado, feridos, no campo de batalha. No livro tem o depoimento de um soldado do 5º Regimento de Infantaria que recusou atirar contra a tropa do 20º BC, pois seu ex chefe, tenente Mário Lima, estava naquela tropa. Os paulistas perderam a guerra. O Vale do Paraíba foi ocupado pelas tropas legalistas, o mais sangrento campo de batalha da História do Brasil, brasileiros contra brasileiros. O tenente Mário Lima foi designado como “prefeito de ocupação” do Vale do Paraíba, teve uma atuação humanitária com os irmãos brasileiros revoltosos que perderam a guerra. Essas e outras histórias constam no livro dos próprios paulistas, do historiador Wanderley Gomes Sardinha.

Mário Lima serviu por muitos anos em Maceió. Seu trabalho extrapolava as atividades militares. Desportista, meteu-se em futebol, equitação, foi até juiz de históricas partidas de futebol. Quando havia um CRB x CSA era juiz de fora ou o tenente Mário Lima para apitar, embora ele fosse notório torcedor do CRB a diretoria do CSA aprovava sua atuação como juiz da partida. Foi presidente da FAD, do CRB, Fênix. Até recentemente, o campeão do primeiro turno do campeonato alagoano ganhava a Taça Mário Lima.

Serviu quase toda vida no 20º BC, ele chamava com muito orgulho de “Meu Batalhão”. Sua vida social dentro da comunidade foi intensa. Quando coronel comandante do 20º BC, no início dos nos 50, Alagoas passava uma fase política conturbada, Mário Lima teve uma atuação destemida, evitou um grande derramamento de sangue, garantiu com a tropa do Exército a eleição. Foi um homem que soube diferençar exageros. Amenizou a cadeia de muitos comunistas. Ao se reformar do Exército dedicou-se ao trabalho na Santa Casa, no Orfanato São Domingos, na TELASA e tornou-se professor de matemática, para ajudar a criar os filhos.

No domingo anterior ao carnaval havia o banho de mar à fantasia na Avenida da Paz. Mário Lima, cedo, preparava dois caldeirões de laco-paco, batida de maracujá e mel de abelha, para servir aos blocos que visitavam sua casa. Após o desfile defronte à Fênix, todos os blocos, Vulcão, Bomba Atômica, Cavaleiro dos Montes, Vou Botar Fora, entre outros, dirigiam-se à nossa casa. Os músicos eram servidos com laco-paco, cerveja, tira-gosto. Em seguida tocavam frevos rasgados e nós caíamos no passo naquele enorme terraço. Quando o bloco saía, acompanhávamos até a Avenida, retornando correndo para pegar outro bloco que já esquentava a garganta. Tornou-se tradição a visita de blocos durante o banho de mar à fantasia na casa da Silvério Jorge. Os amigos caíam no passo com muita alegria, não perdiam o carnaval improvisado.

Hoje, domingo sem festa e sem fantasia, lembro os carnavais passados e meu velho amigo, meu pai, meu herói, Mário Lima. Ele ainda habita nossas recordações, nossas mentes e corações. Estaria preocupado com a situação do país, era um democrata. Semana passada encontrei uma carta que meu pai enviou em 1956 quando eu cursava a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, me aconselhava:

“..Pensa sempre no bem do Brasil. Sirva mesmo de rumo aos teus atos e ações o pensamento constante na grandeza da Pátria querida. Porém jamais te cumplicies aos aventureiros da política malsã que infelizmente ainda infesta o Brasil. Seja sempre digno, mantenha sempre bem alto o alvo de tuas ambições e afetos; porém também sempre te lembres que são injustificáveis as “quarteladas” e a “ditadura”…

Guardo essa carta há 62 anos, minha bíblia.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 12 de outubro de 2018

O PEQUENO PRÍNCIPE

 

 
O PEQUENO PRÍNCIPE

Ninguém sabe de onde veio, nem ele, certeza apenas que sua origem é sertaneja. A mãe o abandonou na Praça do Centenário quando Maurício não havia completado dez anos. Era um menino bonito de chamar atenção. Olhos azuis, vivos, ficavam procurando se fixar em algum lugar, pareciam pedir socorro. Abandonado, sozinho, ficou a vagar pela cidade grande, sua pele alva e cabelos louros mostravam sua descendência de holandeses fugitivos, expulsos de Pernambuco pelas tropas portuguesas que se esconderam, se embrenharam, se fixaram no sertão nordestino. Esses holandeses se miscigenaram com caboclos, aparecendo essa raça de galegos  sertanejos que os índios Xucurus de Palmeira dos Índios chamaram de mirigongos.

O menino enjeitado, triste e assustado, andou durante dias pelas ruas de Maceió, dormindo sob marquises, faminto, encontrou um bando de meninos abandonados. Foi uma alegria ter aqueles amigos, logo se tornou um líder entre os menores que perambulavam pelo centro da cidade, Praça Deodoro e arredores. Viviam de pouca esmola, do que achavam no lixo, e de alguns roubos fortuitos. Assim ficou Maurício nas ruas, abandonado por mais de quatro anos pela cidade, sem escola, sem casa, sem documentos. Sua família eram os colegas de rua, de cola e de cruz.

Maurício andava por toda Maceió, certa tarde ficou a futucar um container de lixo numa rua da Jatiúca. Alzira, moradora de um prédio vizinho, olhando da janela, teve pena do menor abandonado, agradou-lhe a silhueta daquele menino esguio, louro, cabelo escorrido até os ombros, com vestes maltrapilhas, parecia o Pequeno Príncipe mendigo. De repente, ao acaso, ele olhou para a coroa, sorriu. Ela respondeu-lhe com outro sorriso e com a mão direita aberta deu um sinal para ele esperar. Alzira desceu com um bolo na mão, ao aproximar, sentiu uma forte empatia, um afeto maternal pela criança. Maurício recebeu o enorme bolo com alegria, dividiu com os amigos, fizeram uma festa. A partir daquela data, todo o dia, o menino cheira-cola aparecia em frente do edifício, a coroa lhe dava o que comer.

Alzira havia completado 41 anos no dia que conheceu Maurício, dizia para si mesma que foi um presente de Deus. Mulher sofrida teve o coração despedaçado, noiva durante 19 anos de um médico, na véspera do casamento, ele fugiu com uma aluna da Faculdade. Um trauma para Alzira, ainda hoje mulher bonita, vistosa, mesmo quarentona, tem muito charme, é o que se pode chamar de coroa gostosa. Desde sua decepção amorosa mora sozinha, não quis mais namoro ou sexo, permaneceu virgem.

Esse menino veio preencher sua carência afetiva, com pouco tempo ele ficou morando no quarto de empregada, almoçava com a única empregada, tornou-se secretário para compras e outros afazeres. Alzira ficou apegada com o adolescente, durante as noites ensinava o alfabeto, a contar, até que o matriculou no Colégio Diocesano onde os Irmãos Maristas têm curso noturno para os necessitados que não podem pagar colégio.

Maurício é caladão, casmurro por natureza. Depois de algum tempo, Alzira descobriu que o sonho dele era uma prancha de surf. Deu-lhe uma prancha de presente. O jovem ficou feliz da vida correu para surfar na praia de Cruz das Almas. De bom coração nunca abandonou os amigos de rua, quando vai ao surf, seus amigos de rua, pegam carona na prancha. Quando ele pode, arranja dinheiro ou comida para seus ex-colegas. Maurício é alma boa.

Com os anos Maurício tornou-se um forte e belo rapaz, típico surfista. Estudioso, vai fazer vestibular de Direito, quer ser um bom advogado, o que torna mais feliz ainda sua mentora, Dona Alzira, como ele a chama.

Maurício deixou a dependência de empregada, agora dorme em seu próprio quarto. Mostra sempre sua gratidão, tem verdadeiro afeto e carinho por sua protetora que mudou sua vida, que lhe deu o que um jovem da classe média pode ter. Está aprendendo a dirigir, carro prometido se passar no vestibular. Para Alzira é como se fosse um filho, aliás, mais que um filho. Nas refeições divide com ele a mesa. Segundo línguas ferinas, invencionice dos que não tem o que fazer, durante a noite, divide também a gostosa cama forrada de colcha de linho e travesseiros de marcela. Alzira anda na maior felicidade, apenas um problema: administrar o ciúme das paqueras que dão em cima de seu belo Pequeno Príncipe.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 06 de outubro de 2018

OS OITO CADETES

 

 
OS OITO CADETES

Recentemente visitei a bela cidade de Resende. Fui comemorar com colegas o 57º aniversário de formatura de minha turma na Academia Militar das Agulhas Negras. Ao ultrapassar novamente o Portão Monumental da Academia vieram-me lembranças e emoções do jovem cadete que fui. Assim que entrei, caminhei pelos quatro cantos da escola de minha vida, revi as pérgolas, a enorme biblioteca, o refeitório, os apartamentos onde dormíamos. Os campos de futebol, atletismo, ginásio, piscina. Na AMAN se pratica um bom esporte. Revi as salas onde todo dia assistíamos aulas de, Português, Física, Psicologia, Direito, e tantas outras matérias, matemáticas e humanas, como também instrução militar, tática e emprego de tropas. Naquelas salas aconteciam provas mensais, o professor entregava a prova, saía da sala, ninguém  filava (colava), fazia parte no Código de Honra, não escrito.

Ficamos em Resende alguns dias, relembrando nossas vidas juntas naquela imensa AMAN, depois cada qual foi servir em um canto do Brasil. Eu deixei o Exército como Capitão, a maioria dos colegas seguiu a carreira militar, fizeram vários cursos de aperfeiçoamento, de Estado Maior, da Escola Superior de Guerra, alguns foram para o estrangeiro, Eu como tenente passei dois anos comandando um Pelotão de Fronteira em Roraima, uma experiência de vivência humana extraordinária. Companheiros de turma são como irmãos, durante seis anos de convívio diário os colegas passam a ser uma nova família. Nas noitadas dessa gostosa semana reuníamos os casais para longas conversas relembrando fatos e lendas que se incorporaram às nossas vidas, como a história dos oito cadetes.

No início de 1944, tempo de II Guerra Mundial, a construção da Academia Militar das Agulha Negras havia parado por falta de verbas; funcionava no Rio a velha Escola Militar de Realengo, instituição que formou muitos militares.

Naquela época uma das diversões do cadete era montar a cavalo nos dias de folga. Oito amigos nos fins de semana costumavam cavalgar. Oito companheiros saíam sempre juntos. Em algumas noites eles costumavam cavalgar até uma boate de mulheres que havia perto de Realengo. Época de frio os oitos cadetes vestiam pelerine (capa militar azul marinho sem mangas), botas e o quepe a Príncipe Danilo, o mulherio se assanhava quando eles apareciam. Faziam visitas constantes à casa das mulheres. Os cadetes cavalgavam, dançavam, sempre cobertos com a elegante pelerine. Era proibido frequentar cabarés, se fossem apanhados pela Patrulha Militar pegariam alguns dias de cadeia, com certeza.

Certa noite, depois de dançar, depois de se deitarem com as “namoradas”, os oito amigos montaram nos cavalos escondidos no mato e dispararam pela estrada de barro retornando à velha Escola Militar do Realengo. Quando passavam por uma rua, por volta das 23 horas, viram numa esquina escura quatro homens assaltando, batendo num senhor que pedia clemência, que não o matassem. Os cadetes, os oitos cavaleiros, não precisaram combinar, puxaram as rédeas e os cavalos dirigiram-se para o local do assalto, com destemor e rapidez desmontaram dos cavalos ainda a galope e agarraram os quatro bandidos. Os cadetes socorreram o cidadão que já devia ter mais de 60 anos, e prenderam os marginais. Entregaram os facínoras numa delegacia próxima, e o velho ferido foi deixado num hospital.

Na segunda-feira durante a formatura matinal, o comandante da Escola pediu à tropa para que os cadetes que tinham salvado a vida de um cidadão no sábado á noite se apresentarem, pois, o filho desse senhor estava na Escola para agradecer. Os oito amigos não se revelaram com receio de pegar cadeia. Ninguém se acusou. No dia seguinte, depois do comandante muito insistir e prometer que não haveria punição, os oito cadetes reuniram-se resolveram se apresentaram ao comandante e ao rapaz. Foram levados à presença do cidadão no hospital. O senhor era nada mais nada menos que Henrique Lage, um dos homens mais ricos do Brasil, donos de empresas, inclusive o Loyd Nacional, companhia de navios que fazia a costa brasileira. O senhor agradeceu aos cadetes e perguntou qual a precisão de cada um, eles dissessem o que precisavam, uma casa, um carro, ou o que fosse, seria o agradecimento por ter salvado a sua vida. Os oito amigos pediram para pensar. Reuniram-se, discutiram muito.

No dia seguinte foram ao ricaço, nada queriam para eles, pediam que ele ajudasse a terminar a construção da Academia Militar das Agulhas Negras que estava paralisada. O velho milionário deu a ordem para fazer um levantamento do que faltava para terminar a Academia. Mandou buscar o mais fino mármore de Carrara na Itália para o revestimento, comprou todo o piso da Academia em granito. Até hoje perdura a suntuosidade naquele belíssimo conjunto arquitetônico. A AMAN é considerada a mais bonita Academia Militar do mundo, graças à digna história dos oito cadetes, hoje anônimos militares reformados de nomes esquecidos ou mortos, mas o belo gesto, a coragem, o destemor e o amor à sua Escola tornaram-se lenda, sempre lembrada nas reuniões militares.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 29 de setembro de 2018

MANGA ROSA

 

 
MANGA ROSA

– “Delícia!” Exclamou Albérico chupando a terceira manga rosa na varanda do sítio do amigo Alfredo. Estavam sentados à mesa conversando enquanto as esposas catavam frutas no bem cuidado sítio.

– “É daquela mangueira, a mais cheia, mais viçosa, maior que as outras e plantadas na mesma época.” Apontou Alfredo.

– “Que adubo você colocou nessa mangueira? meu amigo!”

– “Uma história inacreditável, não contei a ninguém, apenas Severino, meu caseiro, sabe. Se você tiver paciência conto a história. É segredo, nem sua esposa, ninguém pode saber, promete?”

-“Prometo e escuto, desde que me traga mais manga”.

Alfredo trouxe um prato de manga rosa colocou-o na mesa. Iniciou o relato.

– “Há dez anos, quando estava me separei de Rita, todos os dias eu almoçava num restaurante na Rua da Praia. A garçonete de nome Rosa chamou-me a atenção, beleza singela, loura, pele branca rosada pelo sol. Simpática, eu lhe dava boas gorjetas, ficamos amigos. Certo dia me assustei quando perguntou se eu queria transar com ela. Claro que sim, partimos para um motel. Três meses de encontros, contou-me sua história, polonesa, seu nome verdadeiro, Rozowe Komorowski, os pais vieram para o Brasil quando ela tinha 5 anos, moraram em Santa Catarina. Rosa tinha um problema no coração, não podia fazer esforço, cansava, um médico afirmou, não chegaria aos 18 anos, já estava com 26; mais nova que eu 31 anos. Seus pais morreram num desastre, sozinha no mundo, Rosa resolveu morar no Nordeste, terra de sol, povo alegre. Estava em Maceió há nove meses, ficou encantada com tanta luz, céu e mar azul esverdeado, terra bonita para viver e morrer. Arranjou um modesto emprego, sua vida tão finita, não dava valor a dinheiro, emprego, apenas para se sustentar, comprar remédios, não tinha envolvimento sério com namorado, agora se apegava a um homem maduro, estava passando uma fase feliz em sua vida, aproveitava todos os momentos.”

Alfredo apertou os olhos marejados, respirou, continuou a contar.

-“Naquela época apareceu esse sítio em Marechal Deodoro margeando a Lagoa Manguaba, Rosa se apaixonou pelo local, deu maior força. Comprei o sítio, tomei gosto, iniciei plantação, adoro frutas. Passava o fim de semana no sítio com Rosa, discretamente, eu não aparecia em público com a namorada, me sentia ridículo, mais velho. Ela não se importava, queria apenas ficar comigo. Seus olhos brilhavam de felicidade ao chegar aqui, amava esse lugar.

Viajamos a São Paulo, levei-a a um cardiologista famoso, diagnosticou o mesmo problema, deixei seu nome na fila de espera de transplante do coração. Rosa não mais trabalhou, a meu pedido, aluguei um pequeno apartamento beira mar na Jatiúca, toda manhã minha namorada ia à praia, à noite eu lhe visitava. Assim passei dois anos vivendo, amando aquela jovem alegre, cheia de vida, mesmo sabendo que poderia morrer a qualquer instante.

Rosa adorava manga. Certo dia fiz-lhe uma surpresa, comprei oito enormes mudas, tipos variados de mangueiras. Num sábado entulhamos o carro, Rosa feliz da vida acompanhou a abertura dos buracos, plantio das mudas. Sorriu-me pedindo, “quando eu morrer me enterre nesse sítio e plante por cima uma mangueira”. Levei na brincadeira. À noite nos amamos, pela madrugada ouvi um ronco, acendi o abajur, olhei de lado, Rosa de boca aberta, olhos semicerrados, balancei-a, havia morrido. Fiquei inerte, pensando na vida, na namorada morta. Ao amanhecer contei a história a Severino, ele concordou, abrimos uma cova, enterramos Rosa, plantamos uma mangueira por cima.

Jamais, nesses dez anos, alguém desconfiou ou procurou por Rosa. Todo sábado venho vê-la. Casei-me novamente, nunca contarei à minha esposa e a mais ninguém a história dessa mangueira florida, viçosa e bela, plantada por cima de Rosa.”

Enternecido Albérico colocou o braço por cima de Alfredo, disse apenas. “Por favor, é segredo sagrado.”


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 21 de setembro de 2018

AMOR NO TEMPO DO VELHO CHICO

 

 
AMOR NO TEMPO DO VELHO CHICO

Penedo cidade da pedra; penedo, rocha, rochedo. Penedo das ruas estreitas, dos casarões repletos de história. Penedo do Velho Chico, bela cidade para se viver um grande amor. Muitos amores aconteceram tendo o Rio São Francisco por testemunha, muitas histórias de amor se escondem nos seus belos casarões. Penedo, paixão, belas histórias de amor. Penedo de Mauro e Heloísa.

Mais de meio século nos separam daquele Penedo dos casarões, das famílias tradicionais. Heloísa nasceu no berço da aristocracia alagoana família secular, ainda menina chamava atenção pela beleza, pelo bom humor e inteligência. Além da Escola ela tinha aulas particulares de piano, tornou-se uma das maiores pianistas das Alagoas. Certa vez, Paschoal Carlos Magno ao ouvir Heloísa executando as Bachianas de Villa Lobo, implorou a seus para que a moça estudasse no conservatório de música na capital do país, o Rio de Janeiro. Ela não ligou a negativa do pai, Heloísa adorava sua cidade, Penedo.

Aos 16 anos encontrou um jovem falante que a sensibilizou numa festa de rua de natal, foi paixão simultânea. Acontece que o jovem Mauro, também de família tradicional, apenas com 18 anos já era um dos grandes boêmios da cidade, frequentador assíduo da zona do Camartelo, gostava do chamego com as mulheres dos cabarés. Certa noite foi recolhido à cadeia por arruaças numa boate. Vivia nos botequins e na boemia. Tinha a seu favor a simpatia e uma eloquência encantadora. Inteligente, bom aluno planejava fazer vestibular na Faculdade de Direito em Maceió. Assim como os polos antagônicos se atraem, Heloísa ficou atraída, encantada com o bonito rapaz. Os pais consentiram o namoro com muitas restrições. Formavam um belo casal. Viviam uma paixão de jovens românticos em passeios às margens do velho Chico.

Mauro fazia força para ficar sossegado, mas não resistia, à noite caía na gandaia. Na zona do Camartelo era conhecido por todas as raparigas. Certa vez virou a noite, o dia amanhecia quando ele e os amigos bêbados fizeram uma serenata no casarão da família de Heloísa. O pai pediu que ela acabasse aquele namoro, houve pressão. Ela deu mais uma chance para o namorado.

No início de fevereiro o pai de Mauro faleceu. Foi um enterro comovente, era muito querido na cidade. Quinze dias depois iniciava o animado carnaval de Penedo. Heloísa como não podia brincar devido ao falecimento do sogro, foi passar o carnaval na fazenda em Piranhas. Quando retornou na quarta-feira de cinzas, as amigas contaram tudo. Mauro não aguentou os acordes metálicos do frevo, caiu no passo durante os três dias de carnaval na rua e no clube. Heloísa no mesmo instante escreveu uma carta acabando o namoro e mandou entregar a carta a Mauro. Foi definitivo. A família de Heloísa não admitiu a falta de respeito de Mauro com o pai morto há pouco tempo e ele brincar o carnaval.

Cada qual para seu lado. Muitos anos se passaram, Heloísa casou-se com um primo em Penedo, continuou uma virtuosa pianista, quando enviuvou teve o consolo de seus 5 filhos e 8 netos. Mauro cursou a Faculdade de Direito, tornou-se um famoso advogado. Ainda hoje trabalha duro em seu escritório, também ficou viúvo com 5 filhos e 8 netos.

No início desse ano Mauro levou um amigo paulista, historiador, a Penedo. Visitou a Fundação Casa do Penedo, um museu vivo onde se respira história, sonho e invenção do Dr. Francisco Salles, um penedense amante da terra. Certa hora Mauro ouviu um piano belíssimo, ele comovido com a música ao longe perguntou de onde vinha. Alguém informou que era festa de aniversário de uma senhora muita querida, Dona Heloísa. Seu coração voltou à juventude. Pediu licença aos amigos, caminhou em direção à música suave do piano que envolvia a bela noite. Entrou no casarão como se fosse um convidado. Seu coração encheu-se de ternura ao ver Heloísa embevecida tocando seu velho piano. O tempo não foi cruel com ela, tornou-se uma linda senhora. De repente Heloísa olhou ao lado, seus olhos cruzaram com os de Mauro, reconheceu seu amor de sua juventude. Um sentimento forte tomou conta, uma alegria invadiu sua alma, inspirou-se, tocou como nunca havia tocado. Ao terminar a audição, feliz da vida foi cumprimentar seu amigo, seu amor de juventude.

Mauro e Heloísa conversaram bastante, almoçaram juntos no dia seguinte. Encontraram-se várias vezes em Maceió e Penedo. Precisou muita discussão, muita vontade e força para que vencessem a resistência dos filhos. Atualmente Mauro e Heloísa estão viajando pelo mundo. Desfrutando do grande amor, amor maduro. Venceram a resistência dos filhos e netos de ambos os lados, estão em plena lua-de-mel, às vezes recordando os velhos tempos e como era o amor no tempo do Velho Chico.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 15 de setembro de 2018

O CACHIMBO DA VOVÓ

 



Geraldo nasceu e criou-se no povoado da praia do Francês, um paraíso encrustado na cidade histórica de Marechal Deodoro. Ainda menino aprendeu a surfar nas ondas do mar azul. Embora houvesse uma escola, Geraldinho gostava mesmo das ondas. Seus pais insistiam nos estudos, mas, ele achava que a vida era aquele pedaço de paraíso (pensando bem ele estava certo).

Para ajudar a manter a família, ainda adolescente foi trabalhar no bar de seu pai que era o sustento da família, mulher e mais seis filhos homens. Quando amanhecia o dia, Geraldinho pegava sua velha prancha e se deixava levar pelas ondas perfeitas para o surf. À noite o bar de seu pai fechava, Geraldinho ficava conversando com amigos ou turistas, contando as tomadas nas ondas ou percorria o povoado catando alguma garota disponível a deitar com ele na praia. Não queria compromisso, só ficar.

 

 

Certa noite um artista famoso fez um show em Marechal Deodoro e depois, altas horas entrou num bar para tomar uma cervejinha e fumar liamba. O artista estava empolgado com a pequena plateia do bar, tocou violão, cantou, e contou sua vida. De como saiu de Monteiro, uma pequena cidade da Paraíba e tornou-se astro do Brasil. Precisou muito sacrifício, muita dedicação, aprendeu a compor e todos os dias ensaiava no mínimo quatro horas de violão. Quando completou 20 anos arribou de Monteiro e foi para São Paulo. Passou mais de quatro anos tocando no metrô de São Paulo até que um cara ouviu o artista tocando e convidou-o para um Grupo Musical. O Grupo mudou sua vida, vivia de pequenos shows. Sempre compondo músicas novas. Certa noite um olheiro, empresário, depois de um show, o chamou para uma conversa, havia gostado de sua maneira de tocar, ele propôs parceria em suas músicas e assinaram um contrato fazendo show solo, deu-lhe um nome artístico. Ficou famoso, tem um bom apartamento em São Paulo, um bom carro e ótimas mulheres. Mas lutou bastante para conseguir a fama.

Depois da conversa com o cantor, Geraldinho pediu arranjou um violão usado, velho. Ele iniciou a aprendizagem, danou-se a dedilhar. Colocou na cabeça ser músico, compositor, cantor da Rede Globo. Os cinco irmãos, o pai, e a mãe reclamavam do som alto que Géo tirava de seu pinho dentro de casa. Até que teve a ideia de aprender os acordes no sítio de sua velha avó nos arredores do povoado. Quando fechava o bar ao entardecer, Geraldo pedalava sua velha bicicleta até o sítio, ficava sentado embaixo das mangueiras dedilhando as cordas, jantava coma avó. Ele sentia que tinha talento, sonhava tocar para o povo, um belo show. Por muito tempo Geraldinho estabeleceu um roteiro, ao acordar pegava umas ondas, o surf fazia parte de sua vida, depois trabalhava no bar do pai e ao anoitecer aprendia a tocar seu violão e cantar.

Naquela idade os amigos ofereceram um cigarrinho de maconha, ele fumou e adorou. A liamba tornou-se companhia nas aulas musicais autodidatas, embaixo das mangueiras.

Toda noite ao chegar, sua avó pedia para ele fazer seu cachimbo, ou seja, cortar o fumo de rolo e socar, bem socado no cachimbo. A macróbia colocava em sua boca, já torta, e dava baforada até tarde da noite quando chegava o sono.

Certa vez, a avó estava triste, confessou para o neto estar chateada com Malvina, sua filha, depois que o marido largou-a, ela caiu na gandaia, não podia ver homem, e o pior, ela soube que Malvina estava se prostituindo para os turistas, uma vergonha. Precisava fechar as pernas daquela jovem. O neto nada comentou, ele também comia sua gostosa tia.

Certa noite, Geraldinho enquanto socava o cachimbo da avó, com pena de sua tristeza, teve a ideia de colocar um pouco de maconha misturado com o fumo do cachimbo. Com todo cuidado socou bem socado, metade fumo de corda e a outra metade maconha da boa, conseguida com amigos. Levou o cachimbo cheio e bem socado para a avó, e foi dedilhar sua viola embaixo da mangueira. Em pouco tempo, ele ouviu os sorrisos da velhinha, eufórica. De repente ela apareceu às gargalhadas, chegou perto do neto e pediu para tocar músicas de Nelson Gonçalves e danou-se a cantar, “Boemia aqui me tens de regresso… e suplicante te peço… a minha nova inscrição…” Passou a noite sorrindo, cantando e fumando.

Daquela noite em diante, a velhinha só queria que Geraldinho preparasse seu cachimbo. Quando ele não aparecia, a velhinha reclamava. Só ele sabia socar com maestria seu cachimbo.

Em poucos anos Geraldinho aprendeu a tocar violão, e sua avó, sem nunca imaginar, tornou-se uma velhinha maconheira até morrer, nas vésperas do neto se arribar para São Paulo.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 09 de setembro de 2018

ENTRE O PURGATÓRIO E O INFERNO

 

ENTRE O PURGATÓRIO E O INFERNO

Outro dia encontrei Horácio, amigo de juventude, ele abriu-me os braços com um vasto sorriso.

– Você é minha alegria do domingo, amo suas histórias, é nosso Nelson Rodrigues. Abro sempre o Jornal na página de sua crônica, minha primeira leitura.

Eu fiquei lisonjeado com a observação de um homem tão digno, esteio de nossa sociedade, advogado emérito, conhecedor profundo das leis. Conheço Horácio desde os tempos do Colégio Diocesano (Marista), foi um aluno exemplar, religioso, ligado aos princípios morais da civilização cristã. Um apologista aos bons costumes. Jovem que hoje poderíamos classificá-lo de politicamente correto. Fiz ver que sou apenas um despretensioso contador de história do cotidiano, aproveitador de acontecimentos da vida real sem muitos méritos.

 

 

Semana passada numa bela manhã de sol eu andava pelo calçadão da praia de Jatiúca, fui abraço por trás, era Horácio, estava alegre. Continuamos caminhando e conversando.

– Tudo pode acontecer com qualquer cidadão do mundo, com qualquer cristão, com qualquer homem de bem.

Surpreso com a aquela confidência tempestiva, eu perguntei o que havia acontecido. Horácio baixou o ritmo da caminhada e da voz eloquente.

-O Satanás está solto, provocando. Veja você meu irmão, um homem como eu, crente em Deus, assisto à missa todo domingo, temente ao castigo divino, caí na tentação do Cão. O Diabo tomou forma de uma moça da cor de mel, sorriso cativante, lábios grossos, de uma simpatia avassaladora, diabólica. Ângela, minha querida e santa mulher, contratou essa moça para trabalhar em nossa casa. A empregada veste um short desfiado, rasgado, como é moda, para suas atividades domésticas. Normal para ela, para mim, uma tentação. O sangue ferveu em minhas veias ao me deparar com as pernas roliças, perfeitas, daquela mulher. Todo dia Ângela sai para o trabalho, eu fico sozinho trabalhando num quarto que transformei em escritório. Severina, esperta, na cozinha prepara um gostoso almoço, ela tem mãos de ouro, mãos encantadas, em tudo que pega, dá vida. Tenho até engordado, contrariando meu zeloso médico, Dr. Diógenes Bernardes.

A diabinha em forma de mulher percebeu meus olhares para seu corpo fascinante. Certo dia, por volta das 10 da manhã, ela entrou no meu gabinete, eu trabalhava em cima de um processo difícil. Marinete varria distraída, vestia short de jeans desfiado salientando o maravilhoso traseiro. Acabou-se minha concentração, eu olhava com o rabo do olho para a endiabrada, o sangue esquentava. O Demônio conhece bem as fraquezas humanas. Ela se aproximou, perguntou se eu era advogado, se tirava preso da cadeia. Foi direta, contou-me que um amigo, um ex-namorado, que tirou sua virgindade (achei uma provocação, detalhe desnecessário da história), estava na prisão, assaltou um posto de gasolina. No maior dengo, me chamando de patrão, disse que faria tudo, tudo mesmo (outra provocação da diabinha) para soltar o amigo. Eu me contive, a satânica de voz angelical, chegou-se bem junto, o decote mostrava os seios pequenos e duros. Levantei-me respirando fundo, disse que iria pensar no caso, evitei continuar olhando, estava à beira do pecado. Sai do escritório antes que fizesse uma besteira.

À noite contei à Ângela, omiti os detalhes demoníacos que me acenderam a lascívia. Minha mulher pediu para que eu fizesse essa caridade, tentar soltar o rapaz. No sábado fui com a jovem Marinete à cadeia conversar com o marginal. Como não houve ferimento e ser primário, solicitei habeas-corpus para o preso esperar o julgamento em liberdade. No retorno da prisão, conversávamos sobre os procedimentos quando de repente ela falou no maior descaramento que notava meus olhares e queria agradecer na cama pelo que fiz por ela. Entramos num motel da Via Expressa. Meu amigo foi uma tarde maravilhosa de amor. A diaba sabe tudo, aprendi coisas que não imaginava acontecer numa cama. Ainda não tive coragem de me confessar a um padre na Igreja, se eu morresse hoje, estaria entre o purgatório e o inferno.

Depois disso tudo, não baixei o fogo, fico torcendo para chegar a quinta-feira, dia marcado para desfrutar de minha tinhosa num motel às cinco da tarde. Em casa me controlo para não agarrá-la, estou encantado com a diabinha. Nunca pensei que um dia poderia ser envolvido pelos caprichos do Demônio. Esse pecado pode acontecer com qualquer cristão, o Diabo sabe quando e como provocar nossas fraquezas.

Perto de casa nos despedimos, atravessei a rua pensando, avaliando como Lúcifer se aproveita da imperfeição humana.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 01 de setembro de 2018

A RAINHA GUINEVERE E A DIANA DO PASTORIL

 

 
 
A RAINHA GUINEVERE E A DIANA DO PASTORIL.

Depois que se aposentou, o vício de Odorico é o computador, toda noite depois do Jornal Nacional ele senta-se na bancada abre a tela, a partir daquele momento o homem entra no mundo irreal, navegando nos “sites” de conversas com o apelido de Lancelot. Acontece que apareceu uma Guinevere. Ele se deu bem com a distinta rainha. Conversaram horas seguidas, teclando o computador.

Odorico, homem de pouca conversa ao vivo, soltou-se nas conversas virtuais com sua nova amiga Guinevere. Passaram-se meses, as conversas entraram em detalhes e intimidades. Ele confessou ser casado ter filhos e netos. Guinevere revelou ter um caso esporádico com um alemão, mas se considerava solteira.
Marta, sua esposa, brincava com a nova mania do marido, Odorico preferia ficar no computador a ir ao cinema. Às vezes, ela frustrava-se ao dormir de banho tomado, cheirosinha, esperando os afagos do marido, e ele entretido, teclando, esquecido do mundo real.

Certa tarde, Odorico estava em casa sossegado, descansando depois do almoço quando tocou o telefone. Ao atender, se identificou, ficou surpreso, abalado quando uma voz de mulher falou do outro lado.

– Adivinhe querido sou eu? Guinevere. Não resisti ao levar uma amiga no aeroporto hoje pela manhã, ela veio para Maceió, tomei o mesmo avião, vim conhecer meu Lancelot. Estou a sua espera a qualquer hora nesse maravilhoso hotel. Sei que é loucura, mas que fazer? Sou mulher de impulsos juvenis.

Marta estava perto perguntou quem era no telefone.

– É o Benevides, um amigo de São Paulo fez um curso comigo no Banco, está em Maceió e me quer ver.

Depois do Jornal Nacional, durante a novela, arriscou convidar a esposa ir até o Hotel onde estava o amigo. Ele tinha certeza da recusa de Marta. Danou-se para o hotel.

Quando Guinevere apareceu, surpreendeu Odorico ao ver a elegante senhora, passava dos setenta (ninguém diria), de uma beleza encantadora, conservada e atraente. Abraçaram-se, dirigiram-se à beira da piscina. Em certo momento ela segurou na mão de Odorico, olhou em seus olhos, disse apenas, “Vamos?”

Arrastou-o para o apartamento, onde passaram momentos de amor agradável, maduro.

No dia seguinte Odorico inventou uma viagem a seu sítio em Penedo. Apanhou Guinevere no hotel, partiram para o litoral sul das Alagoas. Visitaram a cidade barroca de Marechal Deodoro, a praia do Francês, Barra de São Miguel, Coruripe, aonde Odorico entrou dirigindo na praia extensa de areia até a Foz do São Francisco. Almoçaram na Praia do Peba. Guinevere encantada ficou mais quatro dias em Maceió. Odorico deu a assistência que pode até ela viajar, antes ela confessou ser uma despedida da vida de solteira, na outra semana viajava para Frankfurt onde ia morar com o alemão. Jamais esqueceria Lancelot e esses dias maravilhosos em Maceió.

Odorico sentiu saudade, havia gostado daquela aventura com a Rainha Guinevere, bela setentona, com muito caldo a dar.
Mês passado ele entrou em uma roda de conversa na internet com o apelido de Guerreiro. Alguém se identificou como Diana do Pastoril. Gostou da interessante conterrânea. Depois de algumas semanas, ele ousou marcar um encontro.

Às quatro da tarde no Shopping em frente ao cinema ele sentou-se à mesa, como havia combinado, vestindo camisa azul. A Diana iria de saia azul e blusa encarnada, Odorico ficou espreitando a chegada.

Passaram-se 15 minutos, ele disfarçava comendo um pastel, com a impressão que todos olhavam para ele; aquele complexo de culpa que se tem quando se faz algo errado. Cumprimentou alguns amigos que passaram. Ficou nervoso ao ver, ao longe, Aninha, sua cunhada, gostosa solteirona. Ele ficou agoniado, com vontade de ir embora. Mas, seu espírito aventureiro fazia-o ficar naquele lugar, mesmo se sentindo alvo de todos os olhares. Mais de 30 minutos de espera levantou-se para dar uma volta, quando Aninha se aproximou perguntando.

– Será que você é o Guerreiro?.

Compreendeu que Diana era a própria cunhada. Ela para não se decepcionar, veio conhecer o parceiro, o Guerreiro, sem o vestir o combinado.

Os dois sorriram em cumplicidade. Odorico pediu discrição e segredo. A bela cunhada, foi de uma discrição exemplar, até porque durante o inesperado encontro aflorou uma empatia contida há muitos anos. O velho Guerreiro hoje tem novo hábito, em algum dia da semana, ensaia folguedos nordestinos com a Diana, cunhada predileta, deixando marcas de amor nos limpos lençóis dos motéis da orla de Jacarecica.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 26 de agosto de 2018

QUEM É ESSA MULHER?

 

QUEM É ESSA MULHER?

Quem é essa mulher que me acorda às seis horas da manhã e me beija com a boca de hortelã? Diz que é para me cuidar e me leva para nadar. Quem é essa mulher que todo dia ela faz tudo sempre igual? Depois do café da manhã sai com suas pastas embaixo do braço direto ao escritório e divide com o genro e a filha o trabalho de clientes em busca de seus direitos. Quem é essa professora que aos 40 anos resolveu enfrentar um vestibular de Direito, formou-se e montou um escritório de advocacia? Quem é essa advogada que passou quase dois anos sem folga, sem sábado e domingo, estudou e passou no concurso de Promotor de Justiça? Quem é essa promotora que deixava sua casa, seu marido e filhos durante a semana para assegurar a Justiça no interior do Estado? Quem é essa mulher que poderia estar desfrutando de uma aposentadoria merecida, porém, reabriu o escritório e trabalha todos os dias? Quem é essa mulher atarefada que arranja tempo para dedicar-se aos filhos crescidos, a levar os netos às aulas de inglês, de tênis, de natação? Quem é essa mulher síndica do prédio onde mora, administra com dedicação como fosse sua casa? Quem é essa mulher que trabalha com amor e alegria e possui uma felicidade intrínseca e encantadora? Quem é essa mulher que percebeu dois pequenos coqueiros morrendo na praia, comprou dois pés de coqueiros, ela mesma reimplantou e os coqueiros cresceram viçosos sob sua vigilância?

 

 

Quem é essa mulher que quando enxerga um lixo acumulado no meio da rua, telefona à Prefeitura para que venham limpar sua cidade. Quem é essa mulher que quando percebe o esgotamento sanitário vazando com a água em dejetos aciona a Casal para que possa consertar o bueiro fétido? Quem é essa mulher que cuidou do pai moribundo com amor e carinho, trouxe-o para sua casa, fez o que pode e o que não pode até o final de seus dias? Quem é essa mulher que leva comida a um cão abandonado no quintal de uma casa e nos dias de sábado dá banho e conforto ao pobre animal? Quem é essa mulher forte que não se deixa pisar? Quem é essa mulher que gosta de bons livros, de bons filmes, teatro, música, show e da cultura popular? Quem é essa sertaneja de Major Isidoro que ama o linguajar matuto de seu povo, das danças, dos coloridos folguedos e folclores?

Quem é essa mulher animada que faz o passo atrás de um bloco de frevo nos dias de carnaval? Quem é essa mulher que gosta de viajar perambulando pelo mundo, Cartagena, Praga, Berlim, Nova York, Paraty, Lisboa, ou a amada Penedo? Quem é essa mulher brasileira, cidadã da pátria amada, idolatrada, salve, salve? Quem é essa mulher que nunca deixou de ser professora, ensina aos netos, dá palestras nas Igrejas e nas Festas Literárias do Brasil afora? Quem é essa mulher que move montanhas defendendo seus direitos, como uma loba defende seus filhotes? Quem é essa mulher que paga a faculdade das filhas da secretária? Quem é essa alegre mulher que ama as colegas de colégio e infância, conserva o carinho de suas amigas em encontros e almoços, aproveitando a fase madura da vida.

Quem é essa mulher que desde menina, gostou dos livros, dos estudos, que teve uma juventude feliz em sua Maceió e até New Jersey? Quem é essa menina que um dia encontrei em flor de seus 15 anos num acampamento de Bandeirantes, e eu tenente, cantei pra ela em premonição: “Ôh Galeguinha você é tão bonitinha… engraçadinha… vou me casar com você”. Poucos anos depois entramos na Catedral Metropolitana trocando alianças. Essa mulher hoje completa 70 anos e o tempo não desfez sua beleza, continua tão bonita quanto a adolescente galeguinha bandeirante que encontrei um dia, acampada na praia do Pontal.

Sou um ser privilegiado, a única pessoa no mundo a conhecer profundamente a gentileza, a bondade, a perseverança, a força dessa mulher divina, que toda noite me jura eterno amor, não me deixa dizer não, e me beija com a boca de paixão. Essa é minha mulher, minha amada, amante, timoneira do barco de nossas vidas; mas, nem tudo foi um mar de rosa. Vânia aprendeu a remar com o tombo do navio, com o balanço do mar. Navegar foi preciso. Essa mulher segurou forte o leme nos maremotos. Hoje navegamos em calmaria, enxergando, ao longe, outros mares ou um porto final além do horizonte.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 13 de agosto de 2018

DE PARATY AO JACINTINHO

 

DE PARATY AO JACINTINHO

Paraty é uma linda cidade antiga, barroca, colonial, localizado entre o Rio de Janeiro e São Paulo, perto de Minas Gerais, ou seja, fica no centro cultural e econômico do país. Paraty tem uma população em torno de 40.000 habitantes. E tem um ótimo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Foi nessa cidade que uma grande editora inglesa iniciou um dos melhores eventos culturais do Brasil em 2003, a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). Contando com a presença de escritores nacionais e estrangeiros que participam de palestras e debates nos prédios históricos ou em tendas armadas nas ruas. A cada ano, a festa é dedicada à memória de um grande escritor. Já foram homenageados vários escritores como, Vinícius de Moraes; Guimarães Rosa; Clarice Lispector; Jorge Amado; Nelson Rodrigues; Machado de Assis; Manuel Bandeira; Gilberto Freyre; Millôr Fernandes; Graciliano Ramos, entre outros. Nesse ano de 2018 a homenageada foi a poeta Hilda Hilst. O custo da FLIP é de aproximadamente R$ 6.300.000,00 (seis milhões e trezentos mil reais), captados pela Lei Rouanet. Tem como objetivo maior a comercialização de livros. Depois da FLIP apareceram nesses 16 anos mais de 500 festas literárias no Brasil.

 

 

Em 2009 fui convidado ao cargo de Secretário de Cultura da cidade histórica, colonial e barroca, Marechal Deodoro, Alagoas. Com apoio total do prefeito organizamos a 1ª Festa Literária de Marechal Deodoro, foi sucesso. A FLIMAR teve uma característica a mais, trabalhar no incentivo à leitura com alunos da rede de ensino. O índice de leitura de um país desenvolvido é de 12 livros lidos por cada habitante. Na América Latina o melhor índice de leitura é da Argentina, cada habitante lê a média de 4 livros por ano. No Brasil essa média é ridícula o brasileiro lê uma média de 1,5 livros por ano. Trabalhamos oito anos junto à Secretaria Municipal de Educação durante o ano letivo, a FLIMAR era o coroamento desse trabalho. Foi uma vitória quando em 2016 fizemos uma pesquisa com alunos da 8ª e 9ª série, eles leram uma média de cinco livros durante o ano. A UNESCO considerou um dos eventos mais efetivos de incentivo à leitura no Brasil. Eu estive na PUC no Rio de Janeiro, mostrando em vídeo os detalhes de nossos trabalhos na FLIMAR. Em 2017 entrou nova administração, não sei se continuaram o mesmo trabalho de leitura. Alguns municípios pediram-me orientação para realizar Festa Literária. Realizamos, como curador, a Festa Literária do Pontal da Barra, de Palmeira dos índios, do Conjunto Graciliano Ramos e agora numa grande ousadia estamos implantando a Festa Literária no Jacintinho, um dos bairros mais populosos, carentes e violentos de nossa cidade. E um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil.

O bairro, que atualmente possui aproximadamente duzentos mil habitantes, possui um comércio, formal e informal, bastante diversificado, funcionando inclusive nos finais de semana.

Até a década de 1940, o que é hoje o bairro mais populoso de Maceió, o Jacintinho, não passava de um imenso sítio com predominância da Mata Atlântica, e, em alguns trechos, pequenas casas de moradores. O nome é uma alusão ao rico proprietário Jacinto Athayde, descendente de portugueses, que construiu seu casarão no Poço (ainda hoje preservado) e a ladeira de pedra que dava acesso ao sítio. Na década de 50, o então governador Arnon de Mello inaugurou a energia elétrica. Mas a água consumida pela população era da cacimba do Reginaldo. Na administração do prefeito Sandoval Caju, construiu-se o grupo escolar João XXIII e uma maternidade. Só em 1968, o bairro ganhou a primeira linha de ônibus coletivo.

O Jacintinho é o verdadeiro “quebra-galho”. Aos domingos e feriados, quando o comercio central fecha suas portas, o do bairro está aberto, com lojas de todos os ramos de negócios, para atender a todo tipo de clientela.

É nesse bairro que a Prefeitura Municipal de Maceió, através da Secretaria Municipal de Ensino (SEMED) e da Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC) e outros órgãos da Prefeitura realizarão a 1ª Festa Literária do Jacintinho, a FLIJAÇA, entre 15 e 18 de agosto. A abertura será na quarta-feira dia 15 com um Concerto Musical da Banda do Exército Brasileiro. Nos dias 16, 17 e 18, a partir das 9:00 horas da manhã até às 22:00 horas, haverá uma série de atividades em vários toldos instalados na Praça do Mirante com apresentação de trabalhos dos alunos da rede escolar, palestra no auditório da Casa de Direito, livraria, biblioteca volante, exposição do artesanato dos moradores do Jacintinho, e no palco várias apresentações de conjunto do bairro, Concerto da Banda da Guarda Municipal, Dupla de Violeiro e no encerramento sábado um grande show com Naná Martins. Vale à pena conhecer o Jacintinho um belo bairro de nossa cidade.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 14 de julho de 2018

ORDENER CERQUEIRA

 

ORDENER CERQUEIRA

 

 

Segundo Aldemar Paiva, o genial compositor Capiba costumava dizer que o alagoano Ordener Cerqueira era o cara mais engraçado que ele conhecia. Ordener foi meu ídolo na infância e juventude. Eu me divertia ouvindo suas histórias. Amigo da família, dentista, consultório na Rua Boa Vista, ele contava que, quando eu era menino, meu pai, Coronel Mário Lima, trazia seis soldados para segurar e abrir minha boca. Só assim ele tratou meus dentes.

Durante sua juventude Ordener estudou no Liceu Alagoano. Havia um professor que dava aula sentado, tinha mania de colocar a mão esquerda na primeira gaveta do birô enquanto falava aos alunos. O preguiçoso professor tinha uma voz monocórdia que provocava sono. Certo dia, no quintal da casa de Ordener, apareceu um enorme caranguejo goiamum, azulado e brabo, uma pata maior que o casco. Ele conseguiu amarrar o caranguejo pelas patas e guardou-o. Na manhã seguinte, acondicionou em fibras de bananeira e levou-o para o Liceu. No intervalo, antes da aula chata do professor preguiçoso, Ordener soltou o arisco caranguejo na primeira gaveta, fechando-a. O professor entrou na sala, sentou-se na sua confortável cadeira. A certa altura, devagar, abriu a primeira gaveta e enfiou a mão. De repente deu um grito enquanto puxava o braço com o enorme caranguejo com a pata travada no dedo mindinho. Ele berrava apavorado, pedia socorro, enquanto a alunada vibrava, deliciava-se às gargalhadas. Acudiram, conseguiram abrir a pata presa no dedo. O professor aproveitou não deu mais aula, exigiu a expulsão do meliante que colocou o caranguejo na gaveta.

Ordener foi o inventor do pastoril dos estudantes. Nas vésperas de Natal, vários estudantes dançavam o pastoril fantasiados de pastoras. Ele era a vedete, a contra mestra, a primeira pastora do cordão azul. CSA doente.

Outra vez ele fazia teatro estudantil, Paixão de Cristo, peça encenada na semana santa. Ordener fazia o papel de Cristo, e o amigo, Luís Alves, o papel de Lázaro. Ensaiaram bastante até o dia da estreia, sábado à noite no Teatro Deodoro. Os dois boêmios não eram de perder um sábado, ele e Luís encheram a cara de cachaça durante o dia. Chegaram às sete horas da noite no Teatro com bafo de cana, cheios de birita. Luís estava mais bêbado, ainda bem que durante a peça não havia fala para o Lázaro, seu papel era ficar morto até quando Cristo (Ordener) mandasse levantar, quando Lázaro (Luís) levantava-se, ressuscitando.

A peça prosseguiu normalmente, até que veio a hora da cena: Luís (Lázaro) deitado no chão, morto, e Ordener (Jesus) falaram alto, comandando seu milagre:

“-Levanta-te Lázaro!”!

E Lázaro (Luís) continuou deitado, sem se mexer. Ordener (Jesus) para mostrar sua força divina, gritou mais alto ainda:

“–Levanta-te Lázaro!” ·.

E Lázaro continuou inabalável. Ordener não aguentou e chutando nas costas de Luís gritou contundente:

“- Levanta-te Lázaro!” “-Levanta-te Lázaro!”

Como Lázaro não respondia, Ordener perdeu a paciência e saiu naturalmente o impropério. “ -Levanta seu filho de uma puta!”

A plateia ficou atônita. Ordener dirigiu-se ao público como pedisse desculpas, com voz de pileque:

“-O Lázaro está bêbado!”

Gargalhada geral. Assim Alagoas perdeu de uma vez dois ótimos atores, foram expulsos do Grupo de Teatro Estudantil.

Meu tio Napoleão Peixoto, amigo de infância de Ordener, estava há 20 anos sem vir a Maceió. No dia que chegou me pediu para levá-lo ao consultório de Ordener. Chegamos por volta de 11 horas da manhã na Rua Boa Vista. Deixei Napoleão na sala, bati na porta. Ordener quando me viu, perguntou a razão da visita enquanto tratava os dentes de um moreno deitado na cadeira de boca aberta. “Surpresa”, falei sorrindo. No mesmo instante, Ordener deixou o cara com a cara para cima, pendurou a broca e limpando as mãos, veio me perguntando qual a surpresa. Eu apontei para Napoleão sentado em uma cadeira, a alegria foi tamanha ao reconhecer seu amigo de juventude, que se abraçaram chorando como se fossem irmãos. O encontro emocionou os clientes que aguardavam.

Ordener tirou seu avental e convidou para tomar uma cerveja para comemorar o encontro. Descemos até o Bar do Chope. Brindamos, entornamos algumas cervejas. De repente chegou a atendente, lembrando que o cliente ainda estava de boca aberta. Ele mandou recado: estava muito emocionado, sem condições psicológicas, pedia desculpas aos pacientes clientes, remarcasse.

Terminamos o encontro por volta das três da madrugada no Bar das Ostras, à beira da Lagoa Mundaú, cantando, no violão de Marcos Vinicius; “Ai, ai, que saudade ai que dó… viver longe de Maceió… As noitadas felizes nas Ostras… bons amigos que choram até… que saudades da Bica da Pedra… e dos banhos lá do Catolé…”

 

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 07 de julho de 2018

A HUNGRIA DE PUSKAS

 

 

A HUNGRIA DE PUSKAS

 

Estátua de Puskas em Budapeste

O futebol é o esporte mais surpreendente e mais empolgante do mundo. Foi inventado pelos ingleses e incorporado à cultura brasileira. Afinal o Brasil conquistou cinco campeonatos mundiais em 20 Copas realizadas. O brasileiro inventivo acrescentou gírias e filosofias ao mundo do futebol. Um exemplo significativo é a “Zebra”, sinônimo de um resultado inesperado, um time mais fraco ganhar do mais forte. Conta a lenda que durante um treino da Portuguesa do Rio, um jornalista perguntou ao técnico, o pernambucano Gentil Cardoso, o que ele esperava de seu time considerado pequeno enfrentar o poderoso Vasco da Gama. Gentil, um filósofo do futebol, respondeu ao repórter, “pode dar Zebra”. Uma metáfora ao Jogo do Bicho, onde diariamente é sorteado um número correspondente a um dos 25 bichos relacionados. A zebra não está na relação do jogo do bicho. A Portuguesa ganhou do Vasco por 2 x 1; na segunda-feira o Jornal dos Sports abriu a manchete: ‘DEU ZEBRA, VASCO PERDEU”. A partir desse dia entrou no linguajar do futebol a significativa metáfora da Zebra, e a loteria esportiva através da TV popularizou o termo.

Na história da Copa do Mundo a zebra já galopou nos quatros cantos do mundo, em todos os estádios, em todas as épocas. As duas maiores zebras consideradas pelos especialistas são inesquecíveis, na Copa de 1950 o incipiente futebol dos Estados Unidos derrotou e eliminou a poderosa Inglaterra por 1 x 0. A zebra galopou na Copa de 1966 no jogo Coreia do Norte 1 x 0 Itália. Em decisões da Copa uma zebra fez chorar mais de 80 milhões de brasileiros em 1950 quando o Uruguai ganhou a final do Brasil de 2 x1. Em 1974 a Alemanha ganhou a final contra a favorita Holanda. E em 1982 a Itália bateu no Brasil, uma das melhores seleções da história do futebol.

Grandes seleções foram formadas no mundo, o Brasil teve em sua história brilhantes seleções. Outros países formaram inesquecíveis equipes, como o Carrossel da Holanda em 1974, porém a mais brilhante seleção de todos os tempos foi a da Hungria entre 1950 e 1956. A seleção húngara formada basicamente pelo Honved, time do Exército da Hungria, tinha em suas fileiras craques extraordinários como, Puskas, Czibor, Kocsis, Hidegkuti, Bozsic.

A Seleção da Hungria passou quatro anos sem perder um jogo entre 1950 e 1954. Conquistou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Helsinque em 1952, e foi vice-campeã da Copa do Mundo de 1954 na Suíça, ao perder, uma autêntica zebra, para a Alemanha, depois de saírem vencendo por 2 a 0, os “Magiares Mágicos” levaram a virada por 3 a 2, na partida que ficaria conhecida pela eternidade como “O Milagre de Berna”.

Em 1956 aconteceu a Revolução Húngara, uma revolta popular contra as políticas impostas pela União Soviética. O movimento durou de 23 de outubro até 10 de novembro de 1956. A revolta espalhou-se pela Hungria, e o governo soviético caiu. O novo governo húngaro declarou a sua intenção de retirar-se do jugo soviético e anunciou eleições livres restabelecidas. Depois de negociar a retirada das forças soviéticas da Hungria, a URSS mudou de ideia e um grande exército soviético invadiu Budapeste e outras regiões do país. A resistência húngara durou até 10 de novembro. O novo governo soviético foi restabelecido na Hungria e suprimiu toda a oposição pública.

Alguns jogadores do time do Honved, formado por militares húngaros, como Puskas e outros craques, aproveitaram uma partida na Bélgica pela Copa dos Campeões, e não regressaram à Hungria. Puskas voltou a jogar em 1958, conseguiu naturalizar-se espanhol e defender o Real Madrid, ao lado de Di Stefano, Kopa, Didi. Foram novos anos de glórias para Puskas. Em oito temporadas, foi campeão mundial de clube, tricampeão da Copa dos Campeões, pentacampeão espanhol e vencedor de uma Copa do Rei. Foi artilheiro do Campeonato Espanhol quatro vezes. Puskas aposentou-se do futebol aos 40 anos, em 1967. Voltou à Hungria depois da queda do Muro de Berlim em 1989 quando terminaram as ditaduras comunistas nos países da Europa Oriental. Virou técnico, tendo inclusive dirigido a Seleção da Hungria em 1993. Em 2006, Puskas morreu em consequência de Alzheimer.

A FIFA em 2009 instituiu o Prêmio Puskas ao melhor gol do ano no mundo. Puskas, Pelé e Maradona são considerados os melhores jogadores da história do futebol. Ano passado fui à Budapeste tirei uma foto da estátua de Puskas em uma praça daquela belíssima e sofrida cidade.


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