02 de julho de 2019 | 03h00
É muito arriscada a estratégia do governo de atiçar manifestações, que agora têm até vídeos do chefe do GSI, general Augusto Heleno, de boné e camiseta amarela, pulando uma cerca, assumindo lugar de honra no palanque, empunhando microfone e vociferando contra os “canalhas” e “esquerdopatas”. O ponto alto do domingo.
A mensagem do filho do presidente termina com um tom épico. Após dizer que eles (quem?) vieram deixar “uma mensagem”, ele concluiu: “Creio que essa (?!) faz uma parte dela (da mensagem?!), mesmo que isso custe a minha vida!” O que é isso?
Na nota, um óbvio contraponto às manifestações de domingo, os governadores consideram as conversas entre Moro e procuradores da Lava Jato, reveladas pelo site The Intercept Brasil, como “de extrema gravidade” e condenam: “ao lixo o direito”... Eles são do PCdoB, do MDB, do PSB, além do PT, e calaram sobre a reforma da Previdência, fundamental para o futuro não só do Brasil, mas dos seus Estados.
Com o governo apoiando ostensivamente as manifestações pró-Lava Jato e os governadores nordestinos condenando, o Brasil aprofunda uma polarização insana que gera tensão e expectativas e alimenta manifestações. Por enquanto, elas são pacíficas, como destacou o presidente Jair Bolsonaro, mas o governo só tem seis meses. Até quando dura a paz nas ruas?
Em São Paulo, ficou bem claro como a polarização vai abrindo divisões dentro dos próprios movimentos. Boa parte da sociedade é cegamente a favor de Bolsonaro e boa parte, também cegamente, a favor de Lula. Mas há quem seja pró-Moro, mas não morra de amores por Bolsonaro, e quem seja pró-Bolsonaro, mas desconfiando das conversas de Moro e procuradores da Lava Jato, pelo combate à corrupção.
Divisões fortes, com o Nordeste se assumindo como um bolsão vermelho e o Sul, como a principal base bolsonarista – única região onde o presidente, em vez de cair, subiu no Ibope.
Em resumo: o governo estimula manifestações que, daqui e dali, atacam o Congresso, o Supremo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Governadores de uma região inteira invertem prioridades. O general do GSI assume pela primeira vez sua veia palanqueira, com viés belicoso. E o filho do presidente teme misteriosas forças ocultas, de dentro e de fora do governo, que podem até custar a sua vida.
Tudo isso quando o Planalto deveria estar comemorando o acordo com a União Europeia e as energias do presidente da República, do governo, dos governadores e da sociedade deveriam estar concentradas na reforma da Previdência.
Não é assim. Os mesmos manifestantes que defendem a reforma e atacam o Congresso não percebem que é ele, o Congresso, que está salvando a reforma, o equilíbrio fiscal e o futuro do País. Viva o Congresso! Aliás, um viva às instituições!
30 de junho de 2019 | 03h01
Não há exagero nem do governo, nem da agricultura, nem da indústria quando todos classificam o acordo do Mercosul com a União Europeia como o mais importante já fechado em toda a história do Brasil e do Mercosul. Afinal, envolve um mercado de 750 milhões de consumidores e um PIB de US$ 19 trilhões, com capacidade de alavancar, aos poucos, a retomada do crescimento econômico e os empregos, abrindo novos tempos para o Brasil.
Então, por que demorou tanto, longuíssimos 20 anos? Primeiro, porque as negociações são setor a setor e em três camadas: com a União Europeia, que reúne 28 países, com o Mercosul, com quatro sócios desiguais, e com os vários setores exportadores do próprio Brasil. O interesse dos produtores de etanol, por exemplo, é diferente do das montadoras de automóveis.
Mas não foi só isso. Além das dificuldades inerentes a negociações internacionais de grande porte, houve percalços políticos, com a danada da ideologia no meio. O processo começou em 1999, no segundo governo Fernando Henrique, mas perdeu força com Lula e Dilma Rousseff, que apostaram tudo no mercado interno e nas negociações multilaterais, relevando as bilaterais ou entre blocos – além de terem empurrado a Venezuela para o Mercosul, o que afugentou os líderes europeus.
Foi com Temer e Macri que o acordo avançou, consolidou-se, ganhou forma. Assim como Bolsonaro já encontrou o plano de privatizações e concessões pronto, com o cronograma e a lista de setores e empresas definidos, ele já tomou posse com o acordo Mercosul-UE bastante amadurecido, na cara do gol.
Talvez até – e isso só os europeus podem confirmar – só não tenha sido fechado no ano passado porque a UE achou mais prudente aguardar as eleições brasileiras e o desempenho do presidente eleito, que, aliás, não parecia tão simpático ao Mercosul na campanha. Detalhe: o craque das negociações na gestão Aloysio Nunes Ferreira, embaixador Otávio Brandelli, é o atual secretário-geral do Itamaraty com o chanceler Ernesto Araújo. Ele tinha toda a memória das negociações e foi personagem importante na reta final.
Nas avaliações tanto do governo quanto da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil vai aproveitar os ventos favoráveis e o céu é o limite. A isenção de tarifas e o aumento de cotas não começam amanhã, às 8 da manhã, elas demoram e têm uma transição que pode chegar a até 15 anos. Mas é, sim, um marco importantíssimo, que pode impulsionar as exportações brasileiras em US$ 100 bilhões e os investimentos em US$ 113 bilhões. Um alívio, no rastro de recessão e de anos de estagnação.
Depois de tantas palavras fora de hora, derrotas no STF e no Congresso, medidas provisórias e decretos grosseiramente errados e um chocante “show de besteiras” que mina sua popularidade, Bolsonaro agora tem o que comemorar, até mais do que as licitações de portos e aeroportos.
Bolsonaro, aliás, sai vitorioso também do G-20. A seu jeito, um tanto estabanado, ele ganhou elogios de Trump, respondeu à altura a Merkel, surpreendeu Macron, foi malcriado com Xi Ji Ping com boas razões, comprometeu-se com o Acordo de Paris e abriu mais a porta da OCDE para o Brasil. Tomara que aproveite o acordo com a UE e o bom momento para parar de fazer e falar “besteiras”, controlar os excessos do seu entorno e passar a governar, ou seja, a focar as prioridades do País.
28 de junho de 2019 | 03h14
25 de junho de 2019 | 03h00
Enquanto novas pesquisas de popularidade não vêm, o presidente Jair Bolsonaro bateu na mesa, mostrou aos generais quem manda, manteve seus filhos nomeando pessoas-chave e, engrenando uma segunda, na contramão do que dissera na campanha, deixou claro que vai disputar a reeleição.
Quanto à oportunidade: quando o governador João Doria começa a botar as manguinhas de fora, o ministro Sérgio Moro está na palma da mão do presidente e o vice Hamilton Mourão anda quieto como nunca. Detalhe: Bolsonaro falou em reeleição dele, não da chapa dele. Assim, demarcou território, botou os potenciais adversários nos devidos lugares e jogou a isca para seus eleitores e seu rebanho.
Personagem central já na campanha, o também general Augusto Heleno tinha a missão de dar conselhos, segurar os excessos e corrigir erros do presidente como a tal base militar dos EUA. Era assim. Agora, Bolsonaro manda, Heleno escuta. Para completar, Bolsonaro empurrou o general Floriano Peixoto para os Correios e pôs no seu lugar na Secretaria-Geral da Presidência o major PM Jorge Oliveira, amigão da família e ex-assessor do gabinete do “03”, deputado Eduardo Bolsonaro. Trocar um general do Exército por um major da PM na mesma função é esquisito, mas o presidente deu o seu recado: o governo é dele, ele faz o quer.
Outra mudança curiosa foi na articulação política: sai o deputado e chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, entra o general de quatro estrelas da ativa Luiz Eduardo Ramos, outro amigão do presidente. Ninguém aposta um tostão furado na permanência de Onyx por muito tempo no Planalto.
O ministro, porém, não tem do que reclamar. Diferentemente do general Juarez Cunha e do economista Joaquim Levy, ele não foi demitido pela imprensa. E, diferentemente dos generais Santos Cruz e Franklimberg de Freitas, ex-Funai, nem mesmo foi demitido. Vai ficando, comemorando a troca da articulação política pelo PPI, o programa de parceria de investimentos, bem estruturado, com cronograma definido e bilhões de reais à mão. A troca foi boa? Há controvérsias.
De toda forma, Onyx se livrou de um abacaxi, porque, seja um deputado, seja um general da reserva, seja um da ativa, não adianta. O problema da articulação política não é do titular, mas no presidente, que passou 28 anos na Câmara, mas se recusa a fazer política, a boa política.
No Congresso, a pergunta que não quer calar é: por que o presidente descarta o “banco de talentos” indicado por parlamentares, mas um só deputado, o “03”, já nomeou o chanceler, o primeiro e o segundo ministro da Educação, o presidente do BNDES e, agora, o secretário-geral da Presidência?
Câmara e Senado trabalham a pleno vapor, como, justiça seja feita, algumas áreas técnicas do governo. Enquanto isso, o presidente está no palanque, com criancinhas no colo, fazendo flexões, envolto por multidões e metido em camisas do Flamengo. Se a economia se recuperar, pode até dar certo. Se não, parece pouco para garantir a reeleição.
23 de junho de 2019 | 05h00
Ao responder ao senador Fabiano Contarato (Rede-ES) no depoimento ao Congresso, o ministro Sérgio Moro deu um xeque-mate não só na oposição e no Congresso, mas no Supremo, que julgará nesta terça-feira o pedido de suspeição de Moro e a consequente anulação de todo o processo que levou o ex-presidente Lula à prisão.
Os questionamentos, pertinentes, geraram um momento de tensão, mas Moro deu a volta por cima com uma dúvida que percorre os meios jurídicos e políticos e aflige a sociedade: “O sr., então, quer que se anule tudo?”
Xeque-mate, porque é disso que se trata nesse jogo de acusações entre os que condenam Moro pelos diálogos e os que podem até achar que não foram bonitos e corretos, mas nem por isso destroem as provas e o processo de julgamento por tribunais de segundo grau e, no caso do ex-presidente Lula, até pelo Superior Tribunal de Justiça, o STJ. O efeito, inclusive político, da anulação de “tudo” seria devastador.
O alerta de Moro vale para o Supremo, mais precisamente para a Segunda Turma, que se reúne na próxima terça-feira, pela primeira vez sob a presidência da ministra Cármen Lúcia, para tratar desse “tudo”. É nessas horas que eu não gostaria de estar na pele desses ministros, sofrendo enorme pressão de fora, de dentro e, em alguns casos, da própria alma, ou coração.
O pedido de suspeição de Moro, feito pela defesa de Lula em 2018, ganhou força e impacto com a revelação dos diálogos captados do celular do procurador Deltan Dallagnol. A PGR já se manifestou contra a suspeição de Moro e a anulação do processo, até porque há dúvidas sobre a veracidade integral e a abrangência dos diálogos. Mas a situação continua muito complexa.
Em votação anterior, Cármen Lúcia e Edson Fachin já se manifestaram contra a petição, mantendo as decisões de Moro e a condenação de Lula. Eles, entretanto, podem mudar o voto até a publicação do acórdão com a conclusão do julgamento e teriam, em tese, como alegar que surgiram “fatos novos”, ou seja, as revelações do site.
Logo, o julgamento recomeça, na prática, do zero a zero, sem comportar uma saída estratégica e um alívio para os cinco ministros: empurrar o abacaxi para o plenário. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski já tentaram isso antes e perderam. Não há como retomar a discussão.
Como o decano Celso de Mello é um “garantista” empedernido, a aposta seria de três votos a favor da anulação e dois contra. Só que decisões do STF jamais são simples assim, como uma continha aritmética. Anular “tudo” seria o fim do mundo, uma convulsão. Qual a aposta? Ou uma alternativa de meio termo, menos dramática que esse “tudo”, ou empurrar com a barriga.
PS: Aliás, investigadores acham que Lula e o PT, os beneficiados mais diretos dos diálogos de Moro, não foram os responsáveis pela invasão das contas de autoridades, que é crime. As suspeitas recaem sobre os próximos da fila da Lava Jato. Têm muito dinheiro e poder e não são partidos nem políticos. A ver.
21 de junho de 2019 | 03h01
Efeito colateral dos diálogos do então juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato: o Legislativo se une a parte do Judiciário para recolocar na agenda nacional a nova lei contra o abuso de autoridade, ou seja, contra excessos de agentes públicos. A proposta, que andava adormecida, ressurgiu do nada na pauta do Senado na semana passada.
Em intensas conversas e negociações políticas, naturais e legítimas em democracias, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, e do Supremo, Dias Toffoli, estão em ação. Pode não ser coincidência a derrota pessoal de Bolsonaro na votação do decreto das armas, nem a reapresentação do projeto de abuso de autoridade.
Cada um tem um papel: Maia é o centro das articulações e atua como porta-voz nos embates públicos com Bolsonaro e o governo. Toffoli, o mais político, ops!, o mais habilidoso dos três, mantém as pontes com o Planalto. Alcolumbre aderiu firmemente e, não por acaso, as novas surpresas para Bolsonaro partem do Senado.
A lei do abuso de autoridade sofreu o mesmo processo da reforma da Previdência: ambos foram recebidos inicialmente com enorme resistência, quando retomados há dois, três anos, mas vêm sendo mais e mais assimilados e já não parecem um bicho-papão.
Antes, como hoje, há dúvidas quanto à oportunidade, ou ao oportunismo, da proposta contra o abuso. Primeiro, foi tratada como reação do meio político contra as dez medidas de combate à corrupção lideradas pelo procurador Deltan Dallagnol e pela Lava Jato. Foi parar na gaveta, mas não morreu, estava só dormitando.
Agora, a questão volta pelas mãos de Alcolumbre, já com setores que são alvo direto das futuras regras, como a Justiça, a Polícia Federal, o Ministério Público admitindo, ao menos, discuti-la. O problema é se a opinião pública e os alvos entenderem que a proposta só acordou agora para aproveitar, e aprofundar, a aparente fraqueza do agora ministro Moro e os ataques à Lava Jato. Aí, volta tudo à gaveta de novo.
Um dos cuidados já está acertado: o crime de hermenêutica está fora da proposta, ou seja, não será possível processar ou responsabilizar um juiz por suas sentenças, mesmo que elas sejam derrotadas em instâncias superiores, pela simples divergência de interpretação jurídica.
É difícil, mas o ideal seria a tramitação simultânea no Congresso tanto do pacote anticrime de Moro, que parte do mundo político vê com desconfiança, quanto do projeto do abuso de autoridade, que, aí, é a força-tarefa e os empenhados na Lava Jato que têm restrições e temores.
Em resumo, é preciso efetivamente aperfeiçoar os mecanismos de combate à corrupção e ao crime organizado, mas é também necessário evitar excessos de autoridades e que qualquer agente da lei se sinta acima da lei. O inferno está cheio de boas intenções, não é mesmo?
Como diz o ministro Gilmar Mendes, “não se combate o crime cometendo outro crime”. A Lava Jato é um ganho incomensurável para o Brasil e, ao mesmo tempo, é preciso respeitar a Constituição, as leis e as regras. Todo o respeito e admiração a quem combate a corrupção, mas dentro da lei, jamais com abusos.
Por que o novo embaixador em Washington está demorando tanto, já que o anúncio da saída do atual foi antes da visita de Bolsonaro aos EUA? Temor da reação a mais uma vitória do guru Olavo de Carvalho?
18 de junho de 2019 | 03h00
Gustavo Bebianno, da linha de frente da campanha presidencial, quase foi ministro da Justiça, ganhou cargo e sala no Planalto e acabou virtualmente demitido por um tuíte do “02”, Carlos Bolsonaro.
Juarez de Paula, general da reserva, soube da sua demissão da presidência dos Correios após um café do presidente da República com jornalistas. Foi, aliás, um dos três generais demitidos numa única semana, na qual a principal vítima foi Santos Cruz, um dos oficiais de elite do Exército
Joaquim Levy, economista escolhido pelo superministro Paulo Guedes para a presidência do BNDES, foi demitido com requintes de crueldade: em pleno sábado, numa rápida entrevista de Bolsonaro para jornalistas, com termos indelicados e uma menção desrespeitosa ao próprio Guedes, dizendo que nem consultaria o ministro para demitir o seu subordinado.
É um jeito atrapalhado de fazer as coisas. Ninguém nega o direito ao presidente de nomear ou demitir ministros e auxiliares, mas para tudo há regras, jeito, protocolo. Tal como seu ídolo Donald Trump, Bolsonaro está exagerando ao jogar homens ao mar.
Com uma curiosidade: antes de cair, eles se tornam zumbis. A demissão de Vélez Rodríguez demorou 12 dias para ser anunciada, a de Santos Cruz, mais de um mês, a de Levy, sabe-se lá quanto tempo, e a do general dos Correios, anunciada na sexta, ainda não tem data para ser formalizada. Ontem mesmo, ele falou aos funcionários dos Correios num tom pouco usual, na base do “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. E deitou falação sobre a privatização da empresa, justamente o foco da crise com o presidente.
Por essas e outras, setores da opinião pública, do empresariado e do meio militar estão estranhando o estilo Bolsonaro. Antes, aplaudiam a “simplicidade” e o “jeitão descontraído” do presidente. Agora, desconfiam de que a simplicidade e o jeitão escamoteavam uma personalidade que reúne mandonismo, suscetibilidade a intrigas e ojeriza ao contraditório – o oposto do que se espera de um estadista.
Enquanto Bolsonaro apronta das suas, os postulantes de 2022 começam a se mexer. À frente deles, o afoito governador João Doria, homenageado, nada mais, nada menos, pelos mesmos anfitriões e na mesma casa que acolheu a campanha de Bolsonaro não faz muito tempo. A turma tem faro...
Quanto mais Bolsonaro surpreende (ou assusta), mais Doria ganha desenvoltura (e simpatizantes bolsonaristas). Aliás, um ataque especulativo semelhante pode estar ocorrendo contra o ministro Sérgio Moro, que entrou no alvo a partir de diálogos com os procuradores da Lava Jato divulgados pelo site The Intercept Brasil. A cada vez que Bolsonaro acena com um ministro evangélico para o Supremo, mais as ações de Moro caem nas bolsas de apostas, mais as do ainda juiz Marcelo Bretas sobem. Bretas é o Doria de Moro.
Bolsonaro não pode fazer com o ministro mais conhecido, mais admirado e mais amado do governo – o seu maior troféu – o que fez com Bebianno, Santos Cruz, Levy e Juarez de Paula, entre outros menos cotados e derrubados pelos seus filhos (como os presidentes da Apex). Mas, assim como ele não pode demitir Moro, Moro não tem para onde ir. Por ora, porque, depois, ninguém descarta a futura candidatura do ícone da Lava Jato à Presidência. É muito cedo, mas 2022 está começando.
16 de junho de 2019 | 03h00
Estão em campo dois Jair Bolsonaro: o populista paz e amor e o poderoso arrogante, capaz de confrontar os outros Poderes, humilhar o presidente do BNDES em público e demitir três generais na mesma semana, um deles, Santos Cruz, prestigiado como “pitbull” na campanha e defenestrado como o “pitbull” que reagiu ao guru Olavo de Carvalho e defendeu os colegas militares.
Bolsonaro também descobriu onde voltar a ser aplaudido e reverenciado como na campanha: nos estádios de futebol, como o general Emílio Médici, no auge do regime militar. A lembrança, aliás, é do próprio Bolsonaro. No jogo Flamengo x CSA, com o ministro Sérgio Moro, ambos foram mimados com aplausos e camisetas flamenguistas.
Foi a partir daí que, quatro dias depois do início da chamada “crise Moro”, com o vazamento de conversas do então juiz com procuradores da Lava Jato, que tanto Bolsonaro fez declarações a favor do ministro quanto o próprio deu entrevista ao Estado desafiando a publicação de novas mensagens.
Confirmou-se no estádio, ao vivo e em cores, que a sociedade não está dando bola para os diálogos de Moro com procuradores, que tanto impactaram o mundo jurídico, principalmente advogados e até mesmo ministros do Supremo. Moro continua sendo o grande herói do combate à corrupção e o maior troféu do governo.
Mas o Jair Bolsonaro beligerante continua em ação. A última foi virtualmente demitir Joaquim Levy do BNDES numa entrevista a jornalistas: “Estou com ele por aqui”, disse ontem, demonstrando que o poder está lhe subindo à cabeça e deixando uma só alternativa ao economista: sair ou sair.
Os dois outros generais demitidos foram Franklimberg Ribeiro de Freitas, da Funai, e Juarez de Paula Cunha, que, como Levy, soube pela imprensa da sua demissão dos Correios. Assim como Santos Cruz sucumbiu ao “grupo ideológico”, Franklimberg, que é indígena, não resistiu ao “grupo ruralista”. Já Juarez Cunha cometeu um erro: discordou da privatização dos Correios, que o presidente defende. Os militares relevaram essas duas demissões, mas não se pode dizer o mesmo no caso de Santos Cruz.
Enquanto se considera forte, Bolsonaro também confronta, ora o Judiciário, ora o Legislativo. Depois alivia para um e para outro, até a nova investida. Na própria sexta-feira, criticou a decisão do Supremo de criminalizar a homofobia e insistiu num ministro evangélico, ideia rechaçada na Corte. Para alguns, soa como provocação.
Não por isso, mas muito significativamente, o STF impôs uma derrota ao presidente no primeiro julgamento de interesse do governo, vetando o uso de decretos para a extinção de conselhos criados por lei. No mesmo dia, duas outras derrotas: no Senado, a CCJ considerou inconstitucional o decreto de porte de armas, uma das obsessões da família Bolsonaro, enquanto a Câmara anunciava que
Estados e municípios ficariam de fora da reforma da Previdência. Também durão, o ministro Paulo Guedes acusou o Congresso de “ceder ao lobby” e “abortar a reforma” ao reduzir a economia prevista para dez anos. Rodrigo Maia deu o troco, chamando o governo de “usina de crises”.
Enquanto Bolsonaro for identificado (com ou sem razão) como o único capaz de impedir o PT e combater a corrupção, a sociedade não lhe cobrará os erros e lhe atribuirá as vitórias conquistadas pelos outros. Só não se sabe até quando.
14 de junho de 2019 | 03h00
Estão se confirmando dois grandes temores dos militares, inclusive do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ainda na eleição presidencial: a contaminação política e a divisão das Forças Armadas. Elas perdem, o Brasil perde.
Ao demitir ontem o general Carlos Alberto dos Santos Cruz da Secretaria de Governo, Bolsonaro deu sinalizações negativas para a opinião pública e às Forças Armadas, em particular o Exército. A principal é que o guru Olavo de Carvalho andava calado, mas continua forte, capaz de fazer e desfazer ministros. A segunda é que os filhos do presidente mandam mais do que ministros e militares do governo. Gustavo Bebianno sabe perfeitamente disso.
A demissão reforça a insatisfação que vai se instalando entre militares de alta patente com decisões, manifestações, o estilo e o despreparo do presidente da República. O chefe do GSI, general Augusto Heleno, continua sendo o grande avalista de Bolsonaro, mas colegas dele, da ativa e da reserva, já não estão tão confiantes assim.
Bolsonaro não ignora esse descontentamento. Ele já vinha remoendo a ideia de demitir Santos Cruz há pelo menos três semanas, mas demorou para reduzir os danos e substituiu um general por outro, Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, comandante militar do Sudeste, com sede em São Paulo.
Ontem pela manhã, Bolsonaro chamou para uma conversa o seu amigo e ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, para lhe comunicar a demissão de Santos Cruz e fazer uma pergunta direta, sem rodeios: o substituto poderia ser um general da ativa do Exército? O ministro respondeu que sim e assim foi. Por último, um cuidado: antes de convidar o sucessor, Bolsonaro ligou para o comandante do Exército, general Edson Pujol, pedindo licença. Um gesto preventivo.
Ramos é da ativa, ocupa um dos principais postos da hierarquia militar e tem assento no Alto Comando do Exército, diferentemente dos outros generais e militares do governo, todos eles da reserva, como o vice Hamilton Mourão, Heleno, Fernando e o próprio Santos Cruz. A escolha de Ramos, assim, é parte da estratégia de Bolsonaro de amenizar o impacto e as reações negativas à queda de um general que é muito respeitado, como profissional e como caráter, no meio militar.
Elogiado em todas as Forças Armadas, Santos Cruz ganhou ainda mais apoio e respeito ao assumir corajosamente, como sempre deve fazer o bom soldado, a defesa dos generais e dos militares achincalhados em termos inacreditáveis por Olavo de Carvalho. Só que, enquanto Santos Cruz partia para o ataque contra o guru, Bolsonaro e seus filhos não paravam de enaltecê-lo, com postagens nas redes sociais, lugar de honra em jantar nos EUA, notas oficiais, até a principal medalha do Itamaraty.
Para complicar ainda mais o quadro, Santos Cruz mantinha uma boa relação com o Ministério da Economia, que coleciona críticas à Secretaria de Comunicação e à Casa Civil, consideradas frágeis na articulação e na divulgação da reforma da Previdência e fortes em intrigas, fofocas e disputas de poder.
No último gesto, Santos Cruz desejou saúde, felicidade e sucesso “ao presidente Bolsonaro e seus familiares”. Essa disciplina ajuda os militares a tomar partido na nova crise. O general caiu pela força moral, por defender os generais e atacar seus detratores. Uma demissão assim tem tudo para deixar cicatrizes.
11 de junho de 2019 | 03h00
O efeito da divulgação da troca de mensagens do então juiz Sérgio Moro com procuradores é menos jurídico e mais político. É improvável que isso mude alguma coisa, por exemplo, nas condenações do ex-presidente Lula. Mas é provável que deixem Moro debaixo de chuvas e trovoadas, principalmente se os hackers tiverem bem mais do que já foi publicado.
Bom para Moro isso tudo não é. As mensagens confirmam sua forte ligação com procuradores, principalmente com Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato. E a independência da Justiça? Juízes não devem e não podem manter relações promíscuas nem com a defesa nem com a acusação.
No próprio documentário O mecanismo, dirigido por José Padilha e baseado no livro Lava Jato, do jornalista Vladimir Neto, essa relação já é retratada. Todo mundo sabia. Agora todo mundo finge que não e está chocado? E as idas de ministros do Supremo a palácios presidenciais, cervejadas de advogados com procurador-geral da República, visitas “de improviso” de advogados de Lula ao ministro da Justiça? Sem falar na intensa troca de mensagens de todos com todos.
Para conferir ainda mais complexidade à história, há o ataque de hackers. É óbvio que a ação não foi isolada e aleatória. Foi, sim, uma ação orquestrada, concentrada nos principais atores da Lava Jato. Além de Moro, os procuradores de Curitiba, o desembargador Abel Gomes, do Rio, e outros personagens-chave em Brasília. Os celulares invadidos não eram de quaisquer procuradores e juízes, mas de procuradores e juízes da Lava Jato.
Impossível a Polícia Federal chegar aos autores? Impossível não é, até pela máxima de que “não há crime perfeito”. Basta um vacilo, um descuido, um rastro e a investigação pode evoluir como um rastilho de pólvora. E Moro não é só o chefe da PF, mas é um sólido aliado da instituição na Lava Jato, tanto quanto dos procuradores.
Agora, há duas questões pairando no ar e impedindo qualquer conclusão precipitada: se há outros trechos e se essas novas revelações podem ser mais diretas e mais devastadoras do que as que já vazaram até aqui pelo site The Intercept Brasil. Até lá, lembre-se que Sérgio Moro tem o lombo curtido e está bastante acostumado a “apanhar” desde os cinco anos de Lava Jato, testando forças com poderosos do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e com as maiores fortunas do País.
Uma coisa é certa: a ida de Moro para a Justiça foi muito melhor para Bolsonaro do que para o próprio Moro e pode até ser que ele vá dormir toda noite pensando se fez bem ou não, à sua biografia, à sua vida privada e até à Lava Jato, ao virar ministro de um governo tão estranho, adepto de armas, empenhado em beneficiar maus motoristas etc. Mas não são esses hackers e as mensagens que saíram até agora que irão derrubá-lo. Muito menos do pedestal na opinião pública.
Como bem disse Fernando Henrique Cardoso ontem, houve “comentários impróprios”, mas o resto é “tempestade em copo d’água”.
09 de junho de 2019 | 05h00
Apesar de relações instáveis e oscilantes com o Legislativo, o presidente Jair Bolsonaromarcou um gol no Judiciário: a licença dada pelo Supremo para que as empresas e bancos estatais vendam ativos sem licitação e sem consultar o Congresso. E, como disse o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, não foi uma vitória só do governo, mas do Brasil.
Aliás, essa tendência começou no governo Collor, avançou com FHC e, com ressalvas, foi mantida por Lula. A fase mais intervencionista e filosoficamente estatizante foi a de Dilma, com suas canetadas gerando desconfiança sobre o cumprimento de contratos e a independência das empresas.
Pela decisão do STF, as “empresas mães”, como Petrobrás, Eletrobrás e Banco do Brasil, só podem ser vendidas com licitação e aprovação de leis específicas na Câmara e no Senado. Mas essas empresas têm poder e independência para traçar suas políticas, executar suas estratégias e manter ou não suas subsidiárias, algo natural em países desenvolvidos e liberais.
Desde a campanha, o agora presidente já anunciava a intenção de abrir a economia e chegou a admitir a privatização até da Petrobrás, se não tivesse outro jeito. É muito difícil um governo, mesmo à direita, mesmo ultraliberal, chegar a tanto, mas o País já está maduro o suficiente para separar o joio do trigo. Manter a exploração e o refino com a Petrobrás faz todo sentido. Mas por que a distribuição? E para que manter mais de 30 subsidiárias?
Depois dos votos do relator Ricardo Lewandowski e do ministro Edson Fachin, contra as vendas sem aval do Congresso, quem mais chamou a atenção foi Luiz Roberto Barroso, que resume um personagem em ascensão da cena brasileira: “à esquerda” nas questões de costume e “à direita” na economia. Ou seja, liberal em ambas, enquanto a tal esquerda enferrujada mantém ojeriza à abertura que gera investimentos e empregos e a tal direita insiste numa visão retrógrada e desgarrada da realidade em costumes.
Dá um frio na barriga quando os 11 ministros do STF são chamados a julgar, às vezes a toque de caixa, assuntos altamente complexos, com imenso impacto sobre o País e a sociedade e sobre os quais eles não têm a mínima intimidade. A previsão de votos vai pela ideologia de cada um. Fulano é mais à esquerda? Então vota assim. Sicrano é à direita? Então, vota assado.
Guedes, porém, entrou em campo, deu aulas sobre o que estava em julgamento e, afinal, os ministros, mesmo não sendo economistas, conhecem as leis e estão antenados com a dinâmica do mundo e do Brasil. Não há mais como ignorar o inchaço do Estado e que a máquina, a burocracia, a folha e as aposentadorias devoram os recursos.
Essa é também a percepção do Congresso, onde mais de 70% dos parlamentares vêm acompanhando o voto da liderança do governo. Bolsonaro, porém, abriu um canal direto com o presidente do STF, Dias Toffoli, que ele nunca conseguiu – ou quis – com os da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Se fosse para apostar, daria para dizer que nenhum dos 11 ministros é bolsonarista ou simpatiza com o regime. Mas as relações com a Corte andam bem mais fáceis do que com o Legislativo. Aliás, em que pé ficou mesmo o tal pacto?
07 de junho de 2019 | 03h00
O presidente Jair Bolsonaro anuncia o fim da “indústria da multa”, mas pode estar reforçando a “indústria da morte” com a obsessão pelas armas, o estímulo para converter carros em armas e a sensação de que, ao virar presidente, está livre para tornar suas convicções pessoais em agenda de Estado. Os papos com filhos e amigos agora viram MPs, decretos, projetos de lei. Danem-se especialistas, dados e pesquisas científicas.
Japão, Canadá, França e Espanha reduziram a mais da metade as mortes no trânsito. Como? Com educação, abordagem policial e penas duras para infratores. E o Brasil? Se depender do presidente da República, o Brasil vai na contramão, a mais de 100 km/h. Os radares estão ameaçados e os maus motoristas poderão cometer o dobro das barbaridades até perder a carteira, não terão de se preocupar com cadeirinhas e estarão livres de comprovar que não usaram algum tipo de droga, mesmo que dirijam ônibus e caminhões.
Não satisfeito com a reação, o presidente engatou a segunda e disse que, por ele, os pontos para cassar a carteira não deveriam ser “só” 40, mas 60. Divirtam-se os que pisam no acelerador, avançam o sinal, estacionam em calçadas e vagas de idosos e deficientes.
É possível que a base eleitoral de Bolsonaro ache tudo isso o maior barato, mas esse barato pode custar muito caro – em vidas humanas, em lesões irreversíveis e em custos para o sistema público de saúde, já tão depauperado.
Essas medidas, porém, combinam com a leniência de Bolsonaro em outras áreas, como Meio Ambiente. Pescar em áreas protegidas pode, desmatar fica mais fácil, transformar santuários em “Cancúns” está no horizonte, a carreira de agente ambiental corre risco. Ambientalistas são tratados como esquerdistas que atravancam o progresso, um perigo para o Ocidente.
Direitos Humanos? Deve ser coisa de gente que estuda Sociologia, Filosofia, Antropologia, vistas como inutilidades que alimentam a “balbúrdia” nas universidades públicas, aliás, elas próprias alvo da tesoura ideológica implacável do novo governo. E temos a ministra Damares e o chanceler Araújo, com o guru Olavo de Carvalho, pairando sobre tudo e todos.
E Bolsonaro tinha de declarar apoio ao craque Neymar, acusado de estupro e agressões por uma moça? “Ele está em um momento difícil, mas acredito nele. Neymar, hoje à noite estamos juntos!”, avisou o presidente, antes de ir ao jogo Brasil-Catar e visitar o jogador num hospital em Brasília.
Não se deve demonizar nem santificar Neymar, mas vai... numa mesa de bar, qualquer um pode achar que Neymar é culpado ou inocente e que a moça é isso e aquilo, mas um presidente da República? Ele assistiu à cena? Ouviu Neymar? A moça? Teve acesso aos autos? Tem informação de bastidores?
Verdade ou não, a mensagem subliminar do presidente é que ele não acha nada demais um estuprozinho daqui, uma agressãozinha dali. Afinal, minimizou a gravidade da situação, assumiu sem pestanejar a versão do craque e desqualificou a moça. Homens sempre têm razão.
Espantado com as mudanças propostas por Bolsonaro, o criador e presidente por dez anos da Frente do Trânsito da Câmara, ex-deputado Beto Albuquerque (PSB), acusa: “O Brasil está na contramão, ou andando de marcha a ré”. Não é só no trânsito, deputado!
04 de junho de 2019 | 03h00
O destino do PSDB e do DEM está diretamente vinculado ao futuro do bolsonarismo e ao sucesso ou fracasso do governo Jair Bolsonaro. A direita foi ocupada pelo capitão. Logo, tucanos e democratas têm de perseguir o centro. Com Bolsonaro fraco, pela centro-direita. Com Bolsonaro forte, pela centro-esquerda, invertendo o movimento tucano à direita para se contrapor à força do PT e das esquerdas em 2002, 2006, 2010 e 2014.
Se o Congresso aprovar a reforma da Previdência, se a meta do governo for mantida, se a reforma tiver o impacto esperado na economia, se isso significar a volta dos empregos... Se, se e se, Bolsonaro pode ser um sucesso e PSDB e DEM vão continuar “ensanduichados” entre a esquerda, à frente o PT, e a direita, com o poder na mão.
Pesquisa Ideia Big Data divulgada domingo pelo Estado mostra que a soma dos eleitores que aprovam ou aprovam totalmente o governo era de 49% em janeiro e hoje despencou para 31%, enquanto os que desaprovam ou desaprovam totalmente pularam de 21% para 36%. O núcleo duro do bolsonarismo, que votou no “mito” já no primeiro turno, parece estar resistindo, mas o mesmo não se pode dizer dos que aderiram no segundo turno, como forma de dizer “não” ao PT, à esquerda e ao establishment. Esses começam a demonstrar desconfiança e a desembarcar.
PSDB e DEM se articulam para recolher os náufragos, mas cheios de cuidados e dedos, porque eleitor não aceita quem torce contra o governo, ou contra o presidente. Fatalmente, seria entendido como torcer contra o Brasil.
Nem João Doria, pelo PSDB, nem Rodrigo Maia, do DEM, jamais declarariam e possivelmente jamais iriam tão longe quanto o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical, que pregou a desidratação da reforma da Previdência assim: “Precisamos de uma reforma que não garanta a reeleição do Bolsonaro”. Um escândalo.
Doria e Maia, porém, observam os movimentos tanto do presidente quanto da sua base eleitoral com um cálculo naturalmente político. Ambos defendem decididamente a reforma da Previdência, mas com nuances. Como governador de São Paulo, Doria precisa de uma sintonia fina com o Planalto e com Bolsonaro, a quem apoia desde a campanha. Como presidente da Câmara, Maia fala grosso e é direto na defesa do Congresso e da política contra os ataques bolsonaristas.
Entre os dois, Geraldo Alckmin, despojado de cargos e candidaturas, pede que o PSDB tenha a “coragem de criticar” o governo Bolsonaro, “pôr o dedo na ferida” e “não bajular os poderosos”. E manifestou solidariedade a Maia, contra “esses oportunistas políticos por 30 anos, ele (Bolsonaro) e a família inteira”.
O DEM tem as presidências da Câmara e do Senado e três ministérios poderosos. Já o PSDB tem esqueletos para tirar do armário: Aécio, Richa, Perillo... Os dois partidos mantêm uma aliança que vem desde 1994, mas só o andar da carruagem e do bolsonarismo vai dizer o que lhes reserva o futuro. Vão continuar aliados ou virar adversários para disputar o centro? Em qualquer hipótese, PSDB e DEM dependem de Bolsonaro, do seu sucesso ou fracasso.
02 de junho de 2019 | 03h01
Por óbvio, o Parlamento parla e o Executivo executa. O presidente Jair Bolsonaro subverte essa lógica, ao executar pouco e estar se candidatando a ser o presidente mais falante da história da República, mas a principal questão nem é essa, é se Bolsonaro realmente tem um plano de governo para executar no País.
Pode ser que haja pesquisas no Planalto, pode ser que não, mas o fato é que Bolsonaro exercita o prazer de sair por aí pensando alto, falando o que bem entende e repetindo a sua tão bem sucedida campanha presidencial, em que era o centro das atrações e dos aplausos e nunca apresentou um plano de governo real. Um homem comum que veio por desígnios de Deus para mudar o País.
Se há praticantes católicos, espíritas, muçulmanos, judeus ou umbandistas no Supremo, não se sabe ou não é importante saber, até porque o Estado é laico e o critério religião não cabe na nomeação de ministros, que devem ter alto saber jurídico, independência e respeitabilidade. Se as pessoas acham que um ou outro não tem, é outra história.
O presidente do STF, Dias Toffoli, muito hábil, é desses que está bem com todo mundo e tem boa química com Bolsonaro, a ponto de ser convidado para um café do presidente com a bancada feminina aliada. Um peixe fora d’água. Mas Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello reagiram à altura à fala sobre homofobia e “ministro evangélico”.
O PIB recua, o desemprego resiste e a estudantada volta às ruas, mas Bolsonaro atravessou a rua a pé até o plenário da Câmara, mantém os lives de internet sobre temas gerais e já traçou um rango em restaurante de estrada com caminhoneiros, uma das ameaças sobre o governo – e sobre a economia. E lá veio mais falação: “Estou comendo o pão que o diabo amassou”, lamentou-se o presidente, que estimulou os convivas não apenas a ter armas, como a usá-las.
Ao longo da semana, ele sinalizou que tende a vetar a proibição de cobrança para despachar malas em aviões, reconhecendo que, se vetar, os passageiros não vão gostar; se não vetar, as empresas é que vão reclamar. Ah, se os diabos perseguissem os presidentes por decisões tão simples...
Na mesma fala, um ato falho. Apesar de tentar corrigir, ele admitiu que pesa na sua decisão o fato de a volta da bagagem gratuita ter sido proposta pelo PT. E saiu-se com essa: “Os caras (do PT) são socialistas, comunistas, estatizantes e gostam de pobre. Quanto mais pobre tiver, melhor”.
Pena que a área de Humanas esteja em baixa, porque a declaração merece análise sociológica, filosófica, política, psicológica. Primeiro, porque a declaração é pró-PT. Segundo, porque “gostar de pobre” é um dever de governantes e políticos. Terceiro: pobre anda mesmo de avião?
Assim, as manchetes são ocupadas, de um lado, pela economia patinando e o desemprego assolando e, de outro, pelas falas de Bolsonaro sobre suas crenças, seus desabafos e seus “foras”. Aparentemente, o presidente gosta de todo o foco nele, não no governo e nas soluções para o País.
31 de maio de 2019 | 05h00
A expectativa de que esta fosse a melhor semana do presidente Jair Bolsonaro, em seus cinco meses de governo, ruiu ontem com o anúncio do PIB negativo e o despertar de um velho ator da política brasileira: a estudantada. Uma nova fase de recessão entrou no radar e o bolsonarismo conseguiu acionar o antibolsonarismo.
Dizem que “alegria de pobre dura pouco”, mas, desta vez, foi a alegria do presidente que durou apenas três dias. Já na quinta-feira, o desânimo voltou a turvar o ambiente político, econômico e, consequentemente, social. Agora, com uma novidade: o intocável Paulo Guedes começa a ser arranhado. Só a promessa de reforma da Previdência não está mais dando para o gasto.
Um dos erros é provocar, sistematicamente, um setor com alto poder de mobilização, a educação. O primeiro ministro, Vélez Rodríguez, foi engolido por um redemoinho ideológico. O segundo, Abraham Weintraub, já assumiu cutucando a onça com vara curta.
Ambos veem esquerdistas por todos os lados, mas Weintraub foi das palavras aos atos, com cortes no orçamento das universidades, desdém pela área de Humanas e redução das pesquisas (sem falar na desconfiança de órgãos de excelência como IBGE e Fiocruz, que têm fortes laços com a academia). De tanto insistir, o governo conseguiu devolver os estudantes às ruas, depois de anos e anos de preguiça, leniência e alegre promiscuidade da UNE com o poder na era PT.
Bolsonaro teve uma inegável vitória com as manifestações de domingo. Agora, está zero a zero. Os atos a favor dele tinham pauta genérica, com público aberto, e os de ontem tinham foco específico, reunindo estudantes, professores e suas famílias, mas também ocorreram em todos os Estados e no DF. Fazendo as contas, o resultado é que os times entraram em campo e não vão sair tão cedo. É bom para o governo ter “povo” nas ruas o tempo todo? Difícil achar que sim.
Foi embalado pelo apoio de domingo que o presidente resgatou a proposta de um “pacto nacional” feita pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli. Fala-se em pacto quando o ambiente político e econômico não é bom, recorre-se à “governabilidade” e o grande beneficiário é sempre o mesmo: o presidente da República.
Todos os presidentes pós-redemocratização tentaram articular em algum momento um pacto em torno de si, mas o único grande pacto realmente efetivo no País foi o governo Itamar Franco, na base do “quem pariu Mateus que o embale”. Todas as forças políticas relevantes, exceto o PT, cumpriram o compromisso de garantir uma travessia tranquila de dois anos após o impeachment/renúncia de Collor.
Para qualquer pacto é preciso uma disposição de acertar e de somar, não dividir. Se a previsão do PIB cai pela 13.ª semana, a sensação é de que o governo não está acertando. E os atos de ontem funcionam como um banho de água fria. Os bolsonaristas vão ter de fazer muita manifestação para tentar reverter o desânimo, mas nem eles nem Paulo Guedes podem tudo. O presidente precisa dar uma forcinha.
28 de maio de 2019 | 03h00
O principal resultado das manifestações de domingo foi confirmar que a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência não foi só um episódio e que o bolsonarismo vingou. Ocupou um vácuo político na campanha e se consolida com a rejeição ao que o próprio presidente chama de “velha política” e os seus filhos e os olavistas desdenham como “establishment”, mas tem um nome: instituições, à frente os Poderes da República.
A economia derrete, mas o presidente dá prioridade a armas e transforma suas crenças pessoais em política de Estado, contra a defesa do meio ambiente, as universidades, as pesquisas, a área de Humanas. E ele rechaça os políticos, mas dá um excesso de poder nunca visto aos próprios filhos – aliás, políticos, um deles enrolado com um esquema no Rio que pode ser tudo, menos uma saudável “nova política”.
O bolsonarismo, porém, não está nem aí para isso. Prefere acreditar, e alardear pelas redes sociais, que é tudo fake news, perseguição de uma imprensa esquerdista e mal-intencionada. O que importa para o bolsonarismo não é Bolsonaro, é o que ele representa. Bolsonaro é fraco, mas a simbologia (ou o marketing) dele é forte.
Quem foi às ruas no domingo, em mais de 150 municípios, de todas as unidades da Federação, comprou a ideia de que ele é como um Dom Quixote contra os males e os maus do Brasil. Mas eles precisam tomar cuidado. A existência do bolsonarismo automaticamente projeta o antibolsonarismo. Manifestações a favor (aliás, inéditas em início de governos) chamam manifestações contra. Isso significa uma polarização perigosa: o “nós contra eles” da era do PT, com o sinal contrário.
As multidões de domingo foram uma demonstração de força e produziram fotos poderosas, mas elas já lançam até os potenciais líderes de hoje e do futuro. Quem desponta entre os bolsonaristas é Sérgio Moro, mas ele é muito além disso: rechaçado por petistas, é endeusado por diferentes frentes e setores da sociedade.
E quem surge no horizonte para comandar o antibolsarismo? O presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Quanto mais o bolsonarismo eleger Maia como inimigo número um, mais ele ganha força no antibolsonarismo, difuso e ainda confuso, mas real.
Maia e o DEM, porém, devem se descolar o quanto antes do Centrão, que Jair Bolsonaro chama de “palavrão” e transformou, habilmente, na síntese de tudo o que há de ruim, de podre, de execrável na política. Apesar de ter sido filiado a siglas que são, ou bem poderiam ser, desse bloco, como PP, PTB, PRB e o próprio PFL, que deu origem ao DEM de Rodrigo Maia.
Outra ironia nessa história é que Centrão e bolsonarismo estão unidos em torno de pelo menos uma bandeira: a reforma da Previdência. Nunca se viu manifestação a favor da reforma, só contra. Pois, agora, os bolsonaristas nas ruas e o Centrão no Congresso é que vão aprovar a reforma e garantir não apenas a aposentadoria das novas gerações, mas também as chances de recuperação econômica do País. Tudo o que Bolsonaro precisa fazer é não atrapalhar. Ou parar de atrapalhar.
12 de maio de 2019 | 05h00
Está cada vez mais claro que os alvos do presidente Jair Bolsonaro são ditados por ideologia, numa guerra santa contra “esquerdopatas”, reais ou imaginários, em áreas estratégicas do País. De um lado, escancara a posse e o porte de armas. De outro, atira em universidades, pesquisas, área de Humanas, ambiente, ONGs e conselhos.
Pois o presidente Bolsonaro governa como se não houvesse nada além de direita versus esquerda. Depois de tantos anos sujeito aos erros da esquerda, o Brasil está à mercê dos erros da direita.
Desde a campanha, Bolsonaro já demonstra, no mínimo, um desconhecimento e um desdém pela preservação e a sustentabilidade. Seu chanceler, Ernesto Araujo, foi além ao falar ironicamente em “ambientalismo”, que seria uma militância a serviço das esquerdas internacionais, junto com Direitos Humanos, por exemplo, para destruir os valores cristãos do Ocidente.
Depois, Bolsonaro pensou até em extinguir o ministério. Desistiu, mas escolhendo um ministro praticamente alheio à problemática ambiental, o advogado e administrador Ricardo Salles. E, ao assumir a Presidência, passou a usar o cargo para uma revanche.
Em janeiro, o Ibama anulou a multa aplicada ao cidadão Jair Bolsonaro por pescar na Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis (RJ), o que é proibido por lei. Em março, o fiscal que cumpriu a lei foi exonerado. Na semana passada, a retaliação foi ampliada para a própria Estação de Tamoios, quando o agora presidente, numa “visão progressista”, disse que ela “não preserva nada” e defendeu transformá-la na “Cancún brasileira”, trazendo bilhões de reais para o turismo.
Essas investidas combinam à perfeição com todos os passos do Ministério do Meio Ambiente, que pretende, por exemplo, liberar leilões de exploração de petróleo no Parque Nacional de Abrolhos (BA), um santuário ecológico admirado em todo o mundo.
Além de trocar especialistas e técnicos do Ibama e do Instituto Chico Mendes por militares, o ministro também anuncia, como vem noticiando o Estado, que vai promover uma revisão geral das 334 áreas de proteção ambiental do País e abrir a concessão de paraísos como os Lençóis Maranhenses (MA), a Chapada dos Guimarães (MT) e o Parque Nacional de Jericoacoara (CE) à iniciativa privada. Nada contra a iniciativa privada, mas é preciso saber exatamente como e com que objetivos esses tesouros nacionais serão usados.
Oito ex-ministros do Meio Ambiente, de diferentes partidos e tendências, estão estupefatos e preocupados. Eles defendem o diálogo e focam no governo, não em Salles. Acham que ele não sabe nada da agenda ambiental federal, estadual e internacional e “age como o ministro da agricultura, da exploração e da mineração na área ambiental”.
Bolsonaro previu “um tsunami” nesta semana. Não se sabe o que será. O fato é que ele atrai a ira de professores, estudantes, artistas, ambientalistas, a área de direitos humanos e a comunidade internacional. Mas isso é política. O principal é que o meio ambiente não comporta arrependimento. Depois de destruir, é impossível recompor.
10 de maio de 2019 | 03h00
Parece obsessão e é mesmo: com tantos problemas gravíssimos no Brasil, econômicos, fiscais, sociais, éticos, o presidente Jair Bolsonaro só pensa em ampliar a posse e agora escancarar o porte de armas a níveis nunca antes vistos ou imaginados. Assim, causa a euforia dos armamentistas e o pânico dos que são contra.
Por trás dos decretos, está a paixão incontida do presidente por armas, uma paixão que ele transferiu de pai para filho e transformou em política de governo num país onde tiroteios, balas perdidas e mortes de policiais, criminosos, cidadãos e cidadãs comuns são parte da paisagem. Multiplicar as armas em circulação vai reduzir esse banho de sangue? Se até policiais justificadamente armados morrem nos confrontos a tiros, por que os leigos estarão mais protegidos?
São tantos os absurdos que cada jornal pôde escolher sua manchete, cada telejornal abordou um ângulo, cada coluna deu um enfoque diferente. Foi uma farra de novidades a serem anunciadas, digeridas e, por muitos, repelidas. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse um tanto constrangido que a medida é “em função das eleições”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou estudos sobre a constitucionalidade. Partidos e entidades começam a entrar na justiça. Aparentemente, só os bolsonaristas de raiz, além de quem faz das armas um negócio e tanto, estão soltando fogos. Enquanto não soltam tiros.
Armas que sempre foram de uso restrito das Forças Armadas vão passar a circular por aí em mãos de leigos. Quem mora em área rural está liberado para portar um revólver no coldre. Usuários de aviões sentarão lado a lado de pessoas armadas. Crianças e adolescentes não precisarão mais de autorização judicial para aprenderem a atirar, basta os pais deixarem – ou melhor, incentivarem.
Na solenidade do Planalto, Bolsonaro produziu uma foto histórica, cercado de políticos de terno e gravata, fazendo gestos que simbolizam armas. Pou! Fogo! Mas, mesmo nesse meio, o presidente se limitou a anunciar que o decreto facilitaria o porte de armas para caçadores, colecionadores, atiradores esportivos e praças das Forças Armadas. Que nada!
No dia seguinte, a edição do DOU trazia uma lista de 20 categorias liberadas para saírem em ruas, avenidas, locais públicos em geral, com suas armas fartamente carregadas. O atual limite de 50 cartuchos deu um salto estonteante para mil.
Não precisarão mais comprovar a efetiva necessidade de portar armas todos os políticos com mandato no País, advogados indiscriminadamente, caminhoneiros autônomos, habitantes de áreas rurais acima de 25 anos, até jornalistas que atuem na área policial. Em 2018, os brasileiros com porte de armas somavam 36,7 mil. Agora, vão disparar para perto de 20 milhões. Um grande, imenso e incerto faroeste. E com 13 milhões de desempregados.
Com seus decretos, armas, cartuchos e Olavos, o presidente só mantém o que já tem: sua tropa na internet. Ele precisa olhar para o que está perdendo e ampliar sua agenda. Ou melhor: conectar a agenda e o governo com a realidade.
07 de maio de 2019 | 03h00
Muitos perguntam o que está por trás da guerra entre “olavetes” e militares, ou melhor, de “olavetes” contra os generais do governo. Simples. Trata-se da velha disputa de poder, mas também a disputa pelo coração, a mente e a tutela do presidente Jair Bolsonaro. Quanto mais fraco, mais ele se torna refém dos dois lados.
Os militares do Planalto e arredores se contorciam e apanhavam calados, mas tudo tem limite. O vice-presidente Hamilton Mourão reagiu e agora calou. O ministro Santos Cruz também reagiu e entrou no alvo da enxurrada de palavrões como “bosta engomada”.
Foi por isso que o ex-comandante Eduardo Villas Bôas entrou na guerra. Ele tem força e liderança, como várias vezes já dito aqui neste espaço, e ninguém como ele para dar um basta e repor as coisas nos seus devidos lugares, já que o capitão Bolsonaro não faz nada e ainda permite (ou estimula?) o apoio dos seus filhos aos desaforos aviltantes dos olavistas aos generais.
Bolsonaro diz que “a melhor resposta é ficar quieto”, mas agraciar Olavo de Carvalho com o grau máximo da Ordem de Rio Branco (condecoração do Itamaraty) não significa ficar “quieto”, mas sim tomar partido. E a paciência dos disciplinados militares foi se esgotando e, com Villas Bôas, a reação mudou de patamar. Ele é o principal líder militar e tem respeito nas Forças, no meio político, na opinião pública e até em setores da esquerda. Isso é uma virtude e um trunfo, não um defeito, como quer fazer crer o tal Olavo.
Segundo o general, o “filósofo da Virgínia”, como é chamado, não passa de um “Trotski da direita”, apoiado no seus “vazio existencial” e na “total falta de princípios básicos de educação, de respeito e de humildade”.
Importante é que, na reação, Villas Bôas ratifica um alerta insistentemente feito pelos de bom senso, que não são obcecados por ideologia e querem que o País melhore e entre nos eixos: “Substituir uma ideologia pela outra não contribui (...) para soluções concretas para os problemas brasileiros”.
Só falta acusarem o ex-comandante de esquerdopata... Aliás, não falta mais. O próprio Olavo já partiu para essa baixaria e quem quiser se irritar leia os comentários da turba à manifestação do general. Uma saraivada de ironias e críticas misturando ignorância com má-fé, bolsonaristas radicais com o que parece uma tropa de robôs esquerdistas. Tem de tudo, menos inteligência e bons propósitos.
Se Bolsonaro falou efetivamente algo relevante ontem, após os palavrões de Olavo de Carvalho, de uma conversa de mais de uma hora com Santos Cruz e da reação de Villas Bôas foi que... “há coisas muito mais importantes para discutir no Brasil”. Ninguém discorda.
A lista é longa: a previsão de crescimento cai pela décima semana consecutiva, o desemprego cresce, Bolsa e dólar voláteis, violência insana, o MEC investe contra universidades, incerteza sobre a reforma da Previdência... Querem mais?
Bolsonaro, porém, está tão “quieto” diante das infâmias do guru do seu governo como diante dos grandes problemas nacionais. “Olavetes” atacam os generais porque os dois lados disputam quem vai tomar conta da bagunça.
05 de maio de 2019 | 05h00
O número de mortos pela polícia no Brasil aumentou 18% neste trimestre, em relação ao ano passado. Em São Paulo, 8%. No Rio, 439 vítimas, o maior número em 20 anos. Esse resultado não é à toa. Reflete o ambiente e a apologia oficial a favor das armas, do recrudescimento policial, da expansão do “excludente de ilicitude” (dispensa de punição para crimes em circunstâncias específicas).
Todos concordam que a violência no Brasil está fora de controle contra homens, mulheres, velhos, jovens e crianças. Logo, o País precisa endurecer. Como? Com leis mais rígidas, a aplicação efetiva e rápida dessas leis e as tais medidas preventivas das quais a gente ouve falar desde criancinha: educação, saúde, igualdade, inclusão social.
As mortes em operações policiais crescem, como vimos, e o presidente anuncia que o “excludente de ilicitude” deve ser expandido dos centros urbanos para o campo e de agentes públicos para produtores rurais, que se livrariam de punições por matarem invasores de suas propriedades.
Mais uma vez, uma ressalva: sim, há peculiaridades no caso de agricultores que em geral moram em lugares isolados, longe de postos policiais e até mesmo de qualquer vizinho. Assim, até quem é contra o armamento de civis defende exceções para eles. Mas daí a lhes dar o direito de matar (invasores, depois desafetos...) sem condenação é uma outra história.
A proposta tem de passar pelos deputados e senadores e, assim como “avisou” a Bolsonaro que declaração de guerra contra outro País tem de passar pelo Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pôs novamente o pé na porta e avisou que é contra a medida. É difícil passar no Congresso algo que Maia não goste.
Ele, porém, precisa dar um empurrão no pacote do ministro da Justiça, Sérgio Moro, de combate à corrupção e ao crime organizado. Aparentemente, as novas regras contra a corrupção assustam Suas Excelências, sabe-se lá por que... Por conta disso, a parte do pacote que foca diretamente nas quadrilhas e crimes comuns vai ficando também para trás.
Em 2017, foram assassinados 163 policiais no Rio:163 vidas trucidadas, 163 famílias destroçadas, um Estado inteiro em choque, o País traumatizado. É inadmissível, mas que não se tente reagir ao assassinato de policiais matando a torto e a direito criminosos, suspeitos e músicos, sem caracterizar efetivamente confronto armado e legítima defesa, uma exigência do Estado de Direito.
Sair “mirando a cabecinha”, com mais armas, mais mortes e mais “efeitos colaterais”, remete a barbárie, não a controle da violência.
Outro. Bolsonaro anuncia “um dos nossos” para a Procuradoria-Geral da República (PGR). Olavão vai emplacar mais um.
03 de maio de 2019 | 03h00
Além do próprio Juan Guaidó, os grandes derrotados com a operação estabanada da oposição na Venezuela foram os serviços de inteligência dos EUA. Guaidó agiu e o governo Trump avalizou tudo com base na informação errada de que haveria uma deserção em massa da cúpula das Forças Armadas. Como tristemente se viu, não foi o que ocorreu. Pelo contrário.
Nenhum dos milhares de generais declarou apoio à oposição, enquanto Maduro exibiu fotos marchando com militares e manifestações de comandantes e das ruas. Manteve apoio militar e mostrou força popular. A Casa Branca está tonta, o Planalto está pessimista e tudo é incerto.
Os generais brasileiros, porém, não dependem só de informações da Secretaria de Estado e do Pentágono (que, aliás, não se entendem), pois têm contato direto, apesar de informal, com militares venezuelanos. Na terça-feira, enquanto todos se perguntavam onde Maduro havia se metido, o vice-presidente Hamilton Mourão já sabia que ele estava em Tiuna. O problema, para eles, é que os militares venezuelanos são “cúmplices” e não vão ceder só com promessa de anistia. Sabem que, se Maduro cair, lá se vai a promessa.
O regime Chávez-Maduro segue cegamente Cuba, onde não existem duas palavras: negociação e recuo. Logo, tudo é no “vai ou racha”. E, além de não arredar pé, Maduro usou o blefe da oposição a seu favor: Guaidó sai mais fraco do que entrou; Maduro ganhou sobrevida e tende a aumentar a repressão.
O mais preocupante é que Guaidó parece ter perdido gás, fôlego, jogando dúvidas sobre o futuro da oposição venezuelana, que já entrou em campo com Henrique Capriles, depois com Leopoldo López e tenta desesperadamente viabilizar Juan Guaidó, sem sucesso. Um atrás do outro, eles vão perdendo as condições para liderar uma saída para o país, pobre país.
Nos EUA, fala-se que “todas as alternativas estão sobre a mesa” e admite-se uma intervenção militar “como último recurso”. No Brasil, o tom é mais cauteloso, mas uma coisa é certa: os militares agem diplomaticamente e recusam qualquer aventura armada contra Maduro, enquanto o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e os tais olavistas sempre dão um jeito de deixar essa solução no ar.
Até mesmo quando Bolsonaro abriu o território nacional para os EUA enviarem ajuda humanitária à Venezuela – o que Maduro chamou de “cavalo de Troia” –, os militares já reagiram mal: “Entramos numa fria”, dizia uma alta patente.
Agora, enquanto Bolsonaro nega que Guaidó tenha sido derrotado, um general atrás do outro diz o que todo mundo sabe: a operação desta semana foi um fracasso, Guaidó foi o grande fracassado e o cenário é totalmente incerto. A oposição age no escuro, a inteligência americana falhou, não há informações confiáveis e Maduro vai ficando. A esta altura, o Brasil só tem uma ambição: descolar-se do desastre e do amadorismo da terça-feira.
Medalha. Grau máximo da Ordem do Rio Branco para quem chama o vice de “idiota” e trata os generais aos palavrões?! Eu, hein!
30 de abril de 2019 | 05h00
O presidente Jair Bolsonaro deu boas notícias ontem a um setor fundamental não apenas para o seu governo, mas para a própria economia brasileira: o agronegócio. A questão é que, ao agradar ao setor, o presidente está desagradando a outros setores. “Vai dar o que falar”, admitiu ele após uma das notícias. Acertou em cheio.
Bolsonaro também aproveitou a Agrishow, a maior feira de agronegócio da América Latina, para anunciar que enviará ao Congresso uma proposta para isentar de punição o produtor rural que atirar em invasores de sua propriedade. Para o pessoal de Direitos Humanos, corresponde a uma licença para matar. E não só invasores, mas concorrentes e desafetos.
O setor responde por 23% do PIB, ou seja, por praticamente um quarto de todos os bens e serviços produzidos no País. Também é responsável por 32% da mão de obra e foi o segundo setor que mais cresceu em 2018, apesar de todas as dificuldades.
Além disso, já passou da hora de amplos setores da opinião pública e da academia deixarem de acreditar que a área rural e a agricultura são “atrasadas”. A área rural é conservadora em costumes, sim, mas a agricultura, definitivamente, não é atrasada. As gerações foram se sofisticando, estudando nas melhores escolas, especializando-se mundo afora, investindo nas tecnologias mais up-to-date. Se os patrões modernizaram-se, as condições de trabalho igualmente avançaram muito ao longo das décadas.
O Brasil está entre os três maiores exportadores agrícolas do mundo. Logo, é uma potência nessa área e só chegou lá porque trabalha com maquinário, sementes e defensivos agrícolas altamente sofisticados – e que exigem mão de obra proporcionalmente bem capacitada.
Todas essas condições já tão especiais ganharam foco e tendem a ser potencializadas no atual governo. Afinal, a agricultura foi uma das primeiras e mais decisivas áreas a aderir à campanha de Jair Bolsonaro à Presidência da República, no rastro do desencanto do setor e das regiões Sul e Centro-Oeste com o PSDB.
Para arrematar, Bolsonaro escolheu para o Ministério da Agricultura a engenheira agrônoma e empresária Tereza Cristina, deputada do DEM de Mato Grosso do Sul e presidente da bancada ruralista.
Tudo muito bem, tudo muito bom, mas nada disso pode significar liberdade para Bolsonaro insistir em imitar Dilma e continuar metendo a colher ora na Petrobrás, ora no Banco do Brasil. Ou bem o governo é liberal, ou bem não é. Não pode dizer uma coisa e o presidente fazer outra. Aliás, fazer uma atrás da outra.
28 de abril de 2019 | 05h00
Pergunte-se a generais, ministros, assessores e até a jornalistas com acesso ao gabinete presidencial qual a impressão que têm do presidente Jair Bolsonaro e, após alguns segundos de reflexão, a resposta será, invariavelmente, a mesma: “O presidente é uma pessoa muito simples”. Parece bom, mas pode ser ruim.
Uma pessoa simples, ainda mais se rica, poderosa e sofisticada intelectualmente, é o máximo. Um líder simples, que tem pouca informação, é ingênuo nas relações com as pessoas e tem baixa compreensão de questões complexas é “simplesmente” preocupante. Fica ao sabor de miudezas e intrigas internas, sem entender o todo ao seu redor.
Ao admitir uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos com a reforma da Previdência, quando a área econômica traçou a meta de mais de R$ 1,2 trilhão, Bolsonaro ajuda ou atrapalha? É uma fala simples ou um erro espantoso?
E não é a primeira vez que ele reduz a margem de manobra nas negociações, queimando já na CCJ parte da gordura reservada para a Comissão Especial. Ele, que votou contra a reforma em governos anteriores, já disse até que nem gosta muito da ideia...
Daí as sucessivas reações públicas do deputado Rodrigo Maia, as veladas do Ministério da Economia e agora a advertência contundente do presidente da Comissão Especial da Câmara, Marcelo Ramos (PP-AM): quanto mais o presidente calar a boca, menos ele atrapalha.
Bolsonaro também foi (excessivamente?) simples no discurso em Davos e no pronunciamento na TV após a aprovação da reforma na CCJ, mas gerou novas polêmicas com duas medidas claramente ideológicas: o veto a uma propaganda do Banco do Brasil focada na diversidade e o anúncio de que o MEC vai enxugar investimentos na área de Humanas nas universidades.
É a “Síndrome Marielle”. Assim como desdenha o assassinato brutal de uma vereadora pobre, negra, gay e envolvida em causas sociais, o atual governo rejeita publicidade com a meninada branca, negra, trans, com tatuagem, cabelo colorido. E acha que Filosofia, Sociologia e Antropologia são mero diletantismo esquerdista. Será?
A peça do BB visava atrair a clientela jovem e massificar o aplicativo pelo celular. Logo, não poderia ser conservadora, nem só para o nicho branco e recatado. E é verdade que a oferta de vagas das universidades deve ter conexão com a demanda de profissões no setor privado e público, mas daí a desqualificar as profissões que pesquisam e analisam a dinâmica da sociedade e projetam cenários sociais, econômicos e políticos para o País?
Tem gente que gosta, tem gente que se espanta com as falas e as imagens marqueteiras do presidente com chinelos, calças de ginástica, mesas de fórmica, copos de geleia, abraços em criancinhas, almoços no bandejão de Davos e do Planalto, frases sobre gringos no Brasil atrás de mulheres. O grave é quando a “simplicidade” embaça a visão de mundo e ameaça a reforma da Previdência e avanços tão importantes da sociedade. A diversidade e as áreas sociais e humanas estão na primeira fila.
26 de abril de 2019 | 05h02
Segurança (57%), vá lá. Afinal, o ministro Sérgio Moro é um ícone da Lava Jato e apresentou rapidamente um pacote que ataca a corrupção e o crime organizado, dois dos mais graves e cruéis males nacionais.
Mas Educação (51%)?! O pobre MEC vai tão mal que o ministro Ricardo Vélez Rodríguez caiu em menos de três meses. Aliás, caíram ele e todos os principais nomes da pasta, embolados numa guerra – entre “olavetes”, militares e técnicos – insana e pautada por um único mote: a ideologia.
O presidente Jair Bolsonaro e o seu governo não dão importância para a sustentabilidade, como se a proteção do ar, de florestas, rios e mares fosse um estorvo. Há até ministros que acusam ambientalistas de esquerdistas, globalistas, inimigos do Ocidente e desprezíveis – ou perigosos.
Já na formação do governo, a intenção de Bolsonaro era empurrar o Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura, o que equivaleria a jogar os coelhos na boca do leão. Há óbvios conflitos de interesse entre os dois setores: a agricultura luta para expandir suas terras e o meio ambiente guerreia exatamente para manter preservadas grande áreas do País. Isso já dizia tudo e Bolsonaro voltou atrás por pressão interna e até internacional.
Foi assim que o Ministério do Meio Ambiente conseguiu manter sua autonomia. Bem, em parte. O presidente teve dificuldades para escolher um ministro e chegou ao advogado e administrador Ricardo Salles quase por exclusão: ele foi secretário de Meio Ambiente de São Paulo de 2013 a 2014 e tem uma visão “pragmática” da área, bem próxima à do presidente e seu entorno. Mas as coisas por lá andam áridas.
A presidente do Ibama caiu logo no início, o do Instituto Chico Mendes (ICMBio) acaba de pedir demissão e, com ele, a diretoria do órgão. Salles, que já tem sete militares no comando da pasta, substituiu os antigos diretores, especialistas no setor e com currículos reluzentes, por policiais militares de São Paulo. Com todo respeito aos policiais, particularmente os paulistas, será que foi uma boa troca?
Há também questões práticas. Bolsonaro já desautorizou a destruição de tratores e caminhões flagrados cometendo crimes em áreas de difícil acesso e, portanto, que exigiriam um enorme gasto de dinheiro público para serem retirados. A lei permite a destruição. O presidente proibiu o cumprimento da lei.
E o que dizer da exploração de petróleo ao redor de Abrolhos, na Bahia, um paraíso que é orgulho nacional? E da história mal contada do afastamento do fiscal que multou o então deputado Jair Bolsonaro por pesca ilegal em área protegida? O fiscal foi punido por cumprir a lei?
Justiça se faça: não se pode comprometer o desenvolvimento nem penalizar empreendimentos com alvarás, papéis e carimbos que atendem mais à burocracia e à ideologia do que ao interesse nacional. Mas que não se caia no oposto, jogando a proteção ambiental para o alto e destruindo tudo em nome do “progresso”. O Ibope não detectará isso agora, mas o futuro certamente cobrará seu preço. Tarde demais.
23 de abril de 2019 | 05h00
Na sua última conversa olho no olho com o deputado Rodrigo Maia, em 9 de março, no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro lhe perguntou sobre as perspectivas da reforma da Previdência na CCJ da Câmara. Maia foi otimista: tudo tranquilo, a votação na CCJ seria rápida e fácil. O problema seria depois, na Comissão Especial.
Obviamente, o culpado número um é Bolsonaro, que, em não ajudando, só atrapalha. Passou obscuros 28 anos no Congresso Nacional, não aprendeu nada e ainda por cima permite que o “louco”, “mágico”, “guru de seita”, “futurólogo”, “astrólogo” e “adivinho” Olavo de Carvalho (os adjetivos são do líder do PSL, Delegado Waldir) acabe minando o seu governo.
Apesar do absurdo, o vídeo foi divulgado também pelo filho do presidente e, ontem, o porta-voz do Planalto, depois de tentar criticar o guru, encerrou dizendo que “o presidente tem convicção de que ‘o professor’, pelo seu espírito patriótico, está tentando contribuir com a mudança e o futuro do Brasil”. Logo, a família toma partido do “louco” contra os generais e os políticos que mergulharam fundo no projeto Bolsonaro.
Com uma sinalização dessa grandeza – de que o governo está dividido, sem rumo, é uma bagunça, vive uma guerra –, o PSL se sente desobrigado de lealdade, de unidade, de discrição. E de votar a reforma da Previdência, o projeto dos projetos para tirar o País do atoleiro. Um entra com pedido de impeachment do vice-presidente da República, outro lidera uma debandada em massa do partido, o líder diz que, se os militares tiram casquinha da reforma, os delegados, como ele próprio, também têm direito.
Como o presidente reage à balbúrdia? Muda o “estilo”. Com ares de gente como a gente, visita escolinhas, abraça crianças, elogia a imprensa, distribui sorrisos, seguindo o manual mais primário do velho populismo nacional e latino-americano. Há controvérsias se tal remédio é eficaz para os males do governo.
Mas, como o presidencialismo é forte e a oposição está fraca, o culpado número 1 tem aquela blindagem forjada no constrangimento, na reverência, na psicologia pró-poder. E é aí que entra o culpado número 2, desprovido de todas essas armaduras e dando bons motivos para os adversários. Quem vem a ser? Onyx Lorenzoni, o chefe da Casa Civil e articulador político oficial do Planalto.
Com elegância e jeito, a turma do ministro Paulo Guedes já começa a se perguntar se Onyx não está “sobrecarregado” com tantas tarefas e tantas frentes no Executivo e no Congresso. Sem nenhuma elegância e jeito, o líder e delegado Waldir já também aponta o dedo e cobra resultados. Quanto a Rodrigo Maia? Bem... esse não tem muito a dizer de Onyx. Os dois já não se davam bem mesmo.
O fato é que Bolsonaro não preside, seu articulador não articula, seus líderes não lideram e seus correligionários batem cabeça. Enquanto isso, Maia tem uma tropa de 300 deputados – o Centrão –, e Guedes extrapola a trincheira técnica para atacar na seara política. A reforma da Previdência depende deles, mas com um dado cruel. Se der errado, os canhões se voltam contra eles. Se der certo, os louros e insígnias vão para os ombros de Bolsonaro.
21 de abril de 2019 | 06h42
O fatídico telefonema do presidente Jair Bolsonaro suspendendo o reajuste do diesel (na versão oficial, só “pedindo explicações”) pode ter chocado o mercado e surpreendido muita gente, mas não os ministros e assessores, já habituados com um argumento recorrente do presidente a favor ou contra alguma medida: “mas o meu eleitor...”, “e o meu eleitor?”
Exemplos mais evidentes: ambientalistas e agricultores, agricultores e caminhoneiros, evangélicos e bolsonaristas LGBT, servidores e liberais reformistas... Aliás, dois times aguerridos a favor do Bolsonaro na campanha disputam hoje o Fla-Flu do governo: os sóbrios militares e os desenvoltos “olavetes”, da seita de Olavo de Carvalho.
Enquanto Bolsonaro continua atrás dos eleitores perdidos e seu governo se enrola em ideologias, numa guerra direita versus esquerda, o mercado continua iludido, querendo acreditar que o presidente é Paulo Guedes.
Alguém precisa dizer aos grandes empresários, investidores, banqueiros e economistas que o presidente se chama Jair Messias Bolsonaro. Que é como é. Sempre foi. E é quem tem a faca e o queijo, a caneta e o Diário Oficial na mão.
Enquanto Bolsonaro toma decisões tentando agradar a fantasmas desiguais do passado – “meu eleitor, meu eleitor” –, Guedes está imbuído de uma missão quase santa: a de fazer o Brasil dar certo. Mas ele não vai conseguir sozinho. Nem sem a convicção, o compromisso e a ação de Bolsonaro.
Guedes parece passional, tem lá seus entreveros, mas é determinado e frio no cumprimento de suas metas. Ainda bem, porque não está fácil atuar em tantas frentes e levar tantas bordoadas. Ou sustos.
Bolsonaro derrubar as Bolsas e derreter R$ 32 bilhões da Petrobrás num único dia, sem sequer informar a seu ministro da Economia?Para acalmar os ânimos dos caminhoneiros atiçando o dos investidores? O governo sofrer derrota em cima de derrota na CCJ da Câmara? Por incompetência do Planalto e inapetência política do presidente?
Guedes vive dizendo que não é político, não entende nada disso, mas arregaçou as mangas, aliou-se a Rodrigo Maia, assimilou Davi Alcolumbre, convocou Rogério Marinho, vai ao Congresso, abre as portas do gabinete aos políticos. Faz o que pode. Mas não pode tudo.
Enquanto Bolsonaro argumenta com “meus eleitores”, sem perceber os conflitos de interesse entre eles, Guedes, com seus erros e acertos, pensa nos 200 milhões de brasileiros, no ajuste fiscal, no futuro. Não está nem aí para votos, gurus, “olavetes”, guerras com militares. E, se alguém não pode cair, é ele. Guedes é o pilar do governo.
O presidente estava nos seus melhores dias na quinta-feira, em São Paulo, reconhecendo o papel da imprensa, abraçando jornalista e distribuindo simpatia. Encarnou muito bem o “Bolsonarinho paz e amor”.
19 de abril de 2019 | 05h00
Ao sair da defesa para o ataque contra as fake news e os aloprados da internet, o Supremo virou uma metralhadora giratória que mistura, no mesmo alvo, notícia com fake news, jornalismo com linchamento das redes sociais. Nesse tiroteio, as balas ricocheteiam e atingem o próprio Supremo e diretamente seu presidente, Dias Toffoli.
A justificativa ruiu e os apoios evaporaram quando Toffoli e Moraes usaram o inquérito não só para defender o Supremo e atacar fake news, mas para determinar uma ação incompatível com a Constituição, a democracia e, portanto, o Supremo: a censura da revista Crusoé e do site O Antagonista. E por quê? Por uma reportagem com base em documentos oficiais.
A instituição se dividiu, com ministros acusando Toffoli e Moraes de usar o regimento interno a seu bel-prazer, porque o artigo 43 confere poder ao presidente de abrir inquérito de ofício quando a agressão é nas dependências do STF, o que não é o caso, certo? Mas o que detonou o bombardeio de críticas foi a censura, contrariando a Constituição e a liberdade de imprensa em favor do presidente da Corte.
Em meio a manifestações pela democracia, contra a censura, veio a operação de busca e apreensão da PF contra quem faz ameaças ao Supremo e a seus membros pelas redes, inclusive contra o general Paulo Chagas, ex-candidato ao governo do DF, que reagiu com ironia e insinuações.
O ápice da guerra, porém, foi quando a procuradora Raquel Dodge desautorizou a investigação do Supremo contra fake news, anulando todas as consequências resultantes dela, e o ministro Moraes negou. Criado o impasse, os dois lados tiveram de negociar e ceder. Moraes revogou ontem a censura aos sites, mas mantendo a investigação contra fake news e ataques ao STF. Tenta, assim, recuperar o discurso da autodefesa.
Quem deve estar soltando fogos é o presidente Jair Bolsonaro, que sai da linha de fogo, defende a liberdade de expressão e deixa o Supremo e seus ministros na mira da opinião pública. Ambos, presidente e STF, se autossabotam, com uma diferença: Bolsonaro faz um monte de bobagens, mas tem generais e economistas para apagar os incêndios, já o Supremo faz um monte de bobagens e os 11 ministros se limitam a jogar as culpas e labaredas uns para os outros.
Toffoli, aliás, cometeu um erro espetacular. A reportagem “O amigo do amigo do meu pai” só ganhou repercussão e teve impacto depois da censura, pois contém uma mera insinuação, com Marcelo Odebrecht confirmando que Toffoli – amigo de Lula, que é amigo de Emílio Odebrecht –, é o tal “amigo” da delação. Mas era acusado de quê?
Só depois da censura a coisa mudou de patamar: todos correram para ler a reportagem e as insinuações passaram a pairar como suspeitas. O “amigo” era só uma citação, agora virou suspeito. E as instituições é que pagam o pato.
16 de abril de 2019 | 05h00
E quem foi Paulo Freire? Um católico e humanista que dedicou toda a vida à educação como instrumento de inclusão social, igualdade e emancipação dos povos. Sua meta, ou seu sonho, era alfabetizar e tornar cidadãos milhões de adultos brasileiros que nunca tiveram acesso a escola, a saúde e a futuro.
Seu método, reconhecido no mundo todo, respeitava as peculiaridades e o hábitat dos alunos. Ele ensinava pedreiros a ler com a palavra “tijolo”. Dezenas de países lhe renderam homenagens e ainda hoje rendem, mais de vinte anos após sua morte. Para o mundo, um educador revolucionário. Para o regime militar no seu próprio país, um comunista perigoso.
Quem acusa Paulo Freire por todas as mazelas da educação brasileira não conhece sua obra, nem quer conhecê-la. É o oposto! Se o Brasil tivesse enraizado e massificado o método de Paulo Freire, a educação estaria melhor e a situação da população automaticamente estaria muito melhor.
Em vez disso, este nosso país continental e tão desigual optou por oferecer educação de ótima qualidade para quem pode pagar (e pagar caro!), jogando uma geração atrás da outra de pobres e miseráveis à sua própria sorte, em escolas precárias, com professores mal pagos, métodos ineficientes. E, se os pais são analfabetos ou semianalfabetos, o futuro dos filhos já está virtualmente predefinido desde o berço.
Eleito com 57 milhões de votos, exalando inquestionável legitimidade, o presidente Jair Bolsonaro deveria fazer o contrário do que vem fazendo: rechaçar ditadores sanguinários e abjetos e reverenciar um educador que dedicou sua vida inteira ao bem, aos desvalidos. Nunca perseguiu, matou, torturou. Seu “crime”, pelo qual passou mais de uma década exilado, foi acreditar que as pessoas têm direitos iguais e potencial para evoluir e fazer a Nação evoluir.
Conselhos. O governo determinou a revisão dos cerca de 700 conselhos da administração pública federal, como passo para a extinção da maioria deles. A decisão tem um lado bom e outro preocupante.
Realmente, há décadas muitos conselhos só servem para complementar salários de altos funcionários. Ou seja, como “boquinhas”.
Mas há conselhos ambientais, indigenistas e penitenciários, entre outros, que são fundamentais para o debate, o confronto de ideias, a formação de consensos. Para desburocratizar e economizar, tudo bem. Para corte ideológico, como foi com Ilona Szabó, é uma péssima ideia.
14 de abril de 2019 | 03h00
Independência do Banco Central, ponto positivo para o presidente Jair Bolsonaro. Ingerência na Petrobrás, ponto negativo para Bolsonaro. Na primeira, ele cumpriu a promessa liberal e modernizante de campanha, afinado com o ministro Paulo Guedes. Na segunda, foi intervencionista e atrasado, repetindo um dos erros grosseiros de Dilma Rousseff.
Ao saber do aumento, Bolsonaro agiu a la Dilma: mandou cancelar, sem avaliar consequências. Estava pensando no impacto sobre a inflação e a economia? Na sua popularidade? Ou nos caminhoneiros? Fortes e audaciosos, eles tiveram apoio do então deputado Jair Bolsonaro no teste de força com o governo Temer. Ganharam, causaram um colapso de abastecimento e interromperam a retomada do crescimento. Agora, voltam à carga e ameaçaram nova paralisação em 30 de março. Abortaram a ideia, mas deram seu recado.
Em vez de ajudar, o presidente piorou as coisas ao tentar justificar sua impulsividade. Diante de microfones, ele questionou como o preço do diesel pode subir 5,7%, se a inflação ficou abaixo de 5% (na verdade, 3,9%). Logo, ele desconhece que a inflação é a média de uma cesta de preços, uns sobem, outros caem. Na campanha, chamava o “Posto Ipiranga” para socorrê-lo. Agora, decidiu da própria cabeça, mesmo dizendo, candidamente: “Não sou economista, já falei que não entendo de economia”. E lascou: “Quem entendia afundou o Brasil, certo?”
Referia-se à economista Dilma, que contaminava as decisões da economia com suas convicções políticas e ideológicas. Adoeceu a Petrobrás e, com uma canetada, desestruturou o setor elétrico e passou aos investidores internacionais a mensagem de desrespeito não só ao liberalismo, mas aos próprios contratos. Dilma, porém, nunca enganou ninguém. Até tentou se ajustar à realidade nomeando Joaquim Levy como chefão da economia, mas ela foi o que sempre foi: estatizante, intervencionista, uma brizolista estacionada na década de 1960. Bolsonaro não. Ele pode até ser tudo isso, mas se elegeu com um discurso, uma promessa e um Posto Ipiranga em sentido contrário. Daí o rebuliço no mercado e nas mentes.
Quando se fala da quebradeira da Petrobrás nos anos do PT, associa-se à corrupção, ao aparelhamento, ao fatiamento partidário da maior e mais simbólica companhia do País. Mas não foi só isso. Um dado relevante na tragédia foi a política de preços populista do ex-presidente Lula e sua sucessora. Como vender abaixo dos preços internacionais? Só de 2014 a 2017, os prejuízos bateram em R$ 72 bilhões.
O presidente Bolsonaro tem todo o fim de semana para conversar, ouvir, ler e refletir para, na terça-feira, decidir se ele quer ser o Bolsonaro intervencionista e estatizante dos seus 28 anos de Congresso ou o Bolsonaro liberal e privatizante da campanha. Vai ter de optar entre Dilma Rousseff e Paulo Guedes e, de preferência, parar de sabotar o seu próprio governo.
12 de abril de 2019 | 03h00
Há dois balanços dos cem primeiros dias do governo Jair Bolsonaro: o do próprio Bolsonaro, que admite “mar revolto”, mas vê “céu de brigadeiro”, e o da opinião pública, que só vê o “mar revolto” que engoliu 15 pontos na popularidade do presidente.
Muito além dessas questões pontuais, que geram acalorados debates, a palavra-chave dos cem dias de Bolsonaro é: ideologia. Enquanto condena o excesso de ideologia da era PT, o presidente se pauta, a cada ato, a cada fala, a cada viagem, exatamente por um excesso de ideologia. Só que do avesso.
O nome mais simbólico desses cem dias não foi de nenhum ministro, como Paulo Guedesou Sérgio Moro, nem mesmo do próprio presidente. Todas as tentativas de decifrar a “nova era” passam por Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo e agora eminência parda do governo, capaz de encantar os filhos de Bolsonaro, de sentar-se no lugar de honra de um jantar para o presidente, de xingar o vice Hamilton Mourão e generais do governo. E mais: de nomear os ministros das Relações Exteriores e da Educação, grandes responsáveis pelo “mar revolto”.
É por excesso de ideologia que o MEC está como está, o Itamaraty refaz a história e promove dança de cadeiras, o vice, os generais e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, têm de consertar os erros com a China e o mundo árabe. E o que Bolsonaro ganha com isso? Nada além de dor de cabeça e apoio de quem já o apoia.
Um destaque nos cem dias é, inequivocamente, a desenvoltura dos três filhos mais velhos do presidente. Flávio recuou diante das confusões do motorista todo-poderoso. Eduardo arvorou-se chanceler e infiltrou sua turma por toda parte, até na Apex, como denuncia o embaixador Mário Vilalva, o segundo presidente do órgão a ser defenestrado em três meses.
Quanto a Carlos, que se refestelou no Rolls-Royce presidencial na posse: ele cuida da infantaria e da cavalaria da internet. A campanha acabou, mas o “menino” continua brincando de games contra inimigos de “esquerda”. Aparentemente, todo mundo que não é bolsonarista é de “esquerda”, “petista” ou “comunista”.
Intrigante é Bolsonaro querer “uma garotada que não se interesse por política”. Como assim? A política move o mundo. Aliás, seus três filhos são políticos e ele chegou a emancipar Carlos, aos 17 anos, para disputar um mandato e virar político. O que é bom para seus filhos não é bom para os filhos dos outros?
A grande aposta do presidente, porém, nada tem de ideológica: é a reforma da Previdência, que não é de esquerda, centro ou direita, nem mesmo do seu governo. É do País.
Até aqui, as previsões de crescimento da economia caem, mês a mês, enquanto o desemprego resiste, desesperador. Um sintoma de que a reforma vai ser aprovada e inverter essa tendência é a pergunta que passou a circular fortemente em Brasília: e depois da reforma, como vai ficar o governo Bolsonaro? Taí, é uma boa pergunta.
09 de abril de 2019 | 05h00
O presidente foi para os EUA no dia 17, voltou, foi ao Chile, voltou, foi a Israel, voltou. Mas os embaixadores continuam exatamente onde estavam, como almas penadas. O que mudou, nesse meio tempo, foi o número dos que estavam com os dias contados.
O tempo vai passando e Amaral vai ficando. Ele já estava fazendo as malas, arrumando as gavetas, cuidando das conveniências da família, quando o Itamaraty deu uma contraordem, mandou parar tudo e aguardar novas orientações. Que ainda não chegaram, provavelmente porque alguém deve ter feito as contas: quanto custa a mudança de mais de 40 diplomatas?
Sérgio Amaral não é Vélez Rodríguez nem causou tanta confusão, tanto rebuliço, tantas demissões e tantos recuos, mas sofre nesses três meses o mesmo processo que atingiu o agora ex-ministro da Educação: fica no limbo, sabendo de seu destino pela mídia.
Assim como ele, embaixadores brasileiros pelo mundo afora, na Europa, na Ásia, na África, nas Américas. E, claro, seus assessores diretos, sejam diplomatas, sejam funcionários. Em consequência, suas famílias.
Se há insegurança entre os que saem, há também entre os que podem entrar. Para Washington, o vice Mourão queria o cientista político Murillo de Aragão, da consultoria Arko Advice, um frequentador assíduo da Vice-Presidência. Já a cúpula do Itamaraty preferia o embaixador de carreira Nestor Forster, do grupo de Ernesto Araújo. Os dois enfrentam resistências e obstáculos concretos para assumir o que é, nada mais, nada menos, a embaixada mais importante do Brasil. Aliás, de todos os países.
No MEC, sai Vélez, filósofo, e entra Abraham Weintraub, um homem das finanças, mas uma coisa é certa: a ideologia fica. Além de professores universitários, ambos são também arraigadamente de direita, conservadores nos costumes, simpatizantes das ideias do tal guru Olavo de Carvalho. Lembram-se daquela velha corrente que via comunistas em toda a parte, até debaixo das camas das famílias brasileiras?
Agora, é acompanhar a montagem da equipe e identificar os impostos por Olavo de Carvalho, os indicados pelos militares e os simplesmente técnicos, que querem ver o ministério andar. Sim, porque a Educação está paralisada. Mas a guerra no ministério continua.
07 de abril de 2019 | 05h00
A inexplicável relutância em demitir Ricardo Vélez Rodríguez do importantíssimo Ministério da Educação diz muito da personalidade do cidadão Jair Bolsonaro e do desconforto do presidente Jair Bolsonaro no cargo. Aliás, foi ele mesmo quem disse que “não nasceu para ser presidente, nasceu para ser militar”. O que também é controverso, já que saiu cedo do Exército, como capitão, e não saiu nada bem.
É um mistério e esse mistério fica ainda pior porque Bolsonaro já tinha decidido a demissão antes da viagem a Israel, mas preferiu ficar fritando o ministro em público do que fazer o que tinha de fazer. Por fim, avisou na sexta que pretende defenestrá-lo amanhã. Avisar três dias antes, pela mídia, que pretende demitir alguém?!
Bolsonaro já falou mal da gestão do MEC na TV, admitiu que faltam ao ministro habilidades essenciais para a função (comando, autoridade, capacidade para escolher pessoas...) e chamou Vélez ao Planalto na véspera da viagem. Mas... continuou contando, impassível, as demissões no ministério: uma, cinco, dez, vinte...
A coisa degringolou de tal forma que, só pela Secretaria Executiva, já passaram quatro pessoas, mas o chefe continua e não consegue nem demitir seus auxiliares diretos. Por fim, a ordem parte diretamente da Casa Civil, à revelia do ministro. Será que ele é o último a saber?
Além das demissões em massa, Vélez deu sucessivas demonstrações de não mandar em nada e em ninguém, surpreendido ora com a ordem para as escolas desprezarem a lei e filmarem as crianças cantando o Hino Nacional, ora com a decisão do segundo escalão de suspender a avaliação da alfabetização das crianças. Deus do céu!
Cem dias depois de ter desbancado Mozart Ramos, do Instituto Ayrton Senna, Vélez não tem apoio de absolutamente ninguém: da opinião pública, do setor, de especialistas em educação, muito menos dos militares. Já perdeu até o aval do guru Olavo de Carvalho, que acaba de chamá-lo de “traiçoeiro” e entregá-lo à própria sorte. O problema, portanto, não é Vélez, é Bolsonaro.
No meio do furacão, o ministro finge que não é com ele, vai ficando e passando humilhação. Será que o presidente prefere que ele peça demissão a demiti-lo? Se for assim, a conversa entre os dois não vai ser bonita, porque o ministro está confrontando o chefe e com a seguinte mensagem: daqui não saio, se quiser que me tire. Detalhe: Vélez não consta da agenda oficial do presidente para segunda-feira.
É uma situação absurda, surreal, que expõe o ministro, o presidente, o governo e – o mais grave – paralisa um ministério fundamental para o País, o desenvolvimento, as famílias, o futuro. O MEC parou. O Fies? O Enem? A política educacional?
Essa situação deixa uma reflexão no ar. Vélez foi escolhido por ideologia e gurus e virou uma ilha cercada de “olavetes” e militares. Já seu antecessor Mendonça Filho (DEM) foi uma indicação política, pôs na Secretaria Executiva a craque Maria Helena Guimarães Castro e montou uma equipe técnica. Qual dos dois é melhor para o MEC?
A culpa não é de gurus, generais e partidos, nem do próprio Vélez. Jabuti não sobe em árvore e não foi Vélez quem obrigou Bolsonaro a nomeá-lo. Ele é resultado de um processo muito particular de escolhas e só está no cargo por determinação, e agora por falta de determinação, de uma única pessoa: Jair Bolsonaro.
05 de abril de 2019 | 03h00
Foram dois movimentos em sentido contrário. Ontem, o presidente Jair Bolsonarofinalmente recebeu em palácio os “velhos políticos” dos “velhos partidos” e da “velha política”. Na véspera, o PSL, sigla do presidente, havia lavado as mãos e abandonado o ministro Paulo Guedes na CCJ, cara a cara com os leões da oposição.
Já as cenas na CCJ foram lamentáveis, com a ausência dos governistas e a esquerda despertando após um sono profundo desde as eleições. Bolsonaro vem chocando setores da opinião pública e despenca nas pesquisas, mas isso não tem nada a ver com PT, PCdoB e seus primos, mas sim com arroubos de “olavetes”, inexperiência dos aliados, agressividade da tropa da internet e erros crassos do próprio Bolsonaro e de seus filhos. Não é nem por mérito nem por culpa da oposição.
Mas, se as esquerdas perderam, o grande derrotado foi o PSL. A oposição articulou-se antes, traçou uma estratégia, chegou cedo e ocupou todos os espaços – as primeiras cadeiras e as primeiras perguntas. Onde estavam os líder do governo, do PSL, das siglas aliadas? Ninguém sabe, ninguém viu. Para piorar, a experiência e disciplina dos petistas contrastaram com a falta de traquejo do jovem presidente da CCJ, Felipe Francischini, de 27 anos, e do relator da reforma, Marcelo Freitas, que, enquanto deputado, continua sendo um bom e articulado delegado.
Aliás, após o encontro de Paulo Guedes com a bancada do PSL, no ministério, brincou-se que, enfim, estava formada a “tropa de elite” para a defesa da reforma. Foi uma alusão clara às variadas patentes do partido do presidente, que tem general, coronel, delegado, major... E, por isso, tem muito a aprender dos meandros do Congresso, da malícia da ação parlamentar.
Ontem, a metáfora já era outra: Guedes é um bom centroavante e foi bem no ataque, o que falhou foi a defesa. Ele se apresentou à CCJ, uma semana atrasado, com a mesma cara e o mesmo estilo, sem maquiagem e sem fantasia. Paulo Guedes foi Paulo Guedes, não pretendeu ser o político que não é, o tribuno que nunca foi. Isso implica usar um tom técnico e respeitar sua própria personalidade. Em nome de quê deveria engolir calado os ataques, ironias e tchutchuquices?
O importante é mostrar incansavelmente que aquele espetáculo lamentável foi com um grupo específico e não representa a disposição do Congresso em relação à reforma da Previdência. Afinal, nem a CCJ é o plenário nem a esquerda domina a Câmara. Os ataques ao ministro, principal articulador da reforma, não foram “do Congresso”, foram “da oposição”, que é minoritária.
02 de abril de 2019 | 05h00
Depois de apoiar a reeleição de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro agora apoia, com gestos, mais do que palavras, a reeleição de Binyamin Netanyahu, com quem rezou ontem no Muro das Lamentações, em Israel. Nada disso é trivial em diplomacia e política externa. Bolsonaro, porém, é Bolsonaro.
Com esse voluntarismo, o mesmo presidente que mandou desconvidar Ilona Szabó de uma mera suplência de um mero conselho não consegue demitir o ministro que transformou o MEC num vexame. A ideologia derrubou Szabó. A ideologia mantém Vélez.
Ele, o guru, também já provocou o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, pelo fato de ele dar entrevistas para a mídia e conversar com jornalistas: “Você não tem vergonha, Heleno?”
A metralhadora giratória desviou-se agora para o ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo. Aquele que faz a cabeça dos filhos de Bolsonaro escreve para quem quiser ler que o general “não presta”, é um “monstro de auto-adoração e empáfia” e dono de “uma mediocridade invejosa”.
Na coleção de ataques, há até um de puro sarcasmo, dizendo que, a partir de agora, quando se irritar, vai reagir gritando: “Santos Cruzes!”. Um achincalhe com um ministro, um general, uma pessoa séria, que tem gabinete no Palácio do Planalto, a poucos passos do presidente da República. E Bolsonaro não diz nada? Não acha nada?
Se não se mete com Olavo de Carvalho e não toma uma providência para salvar o MEC do desastre, Bolsonaro é corajoso ao reverenciar Trump e Netanyahu, ao atacar o presidente da Câmara e ao demitir o leal amigo Gustavo Bebianno, depois de agredi-lo pelas redes sociais, com ajuda do filho.
A guerra entre “olavetes”, militares e técnicos não é exclusiva do MEC, mas sim uma realidade no governo, com algumas exceções, como Economia e Justiça. O Brasil está assistindo a essa guerra intestina a céu aberto, à luz do dia, sem que o presidente da República arbitre.
O vice Mourão já me disse que não iria rebater mais Olavo de Carvalho e explicou: “Não se polemiza com maluco”. Mas Santos Cruz cansou de ouvir calado e revidou. O guru não saiu mais do Twitter e não parou mais de xingar. Será que é isso o que ele quer? Propaganda gratuita?
Aliás, ao insistir na comemoração do 31 de Março, que virou “rememoração”, o presidente provocou um tsunami de depoimentos dolorosos contra a ditadura militar. Não satisfeito, surgiu na lista do WhatsApp do Planalto, domingo à noite, um vídeo quase anônimo enaltecendo o golpe. Sem explicação, Mourão deu de ombros: “É decisão dele”...
31 de março de 2019 | 05h05
Muita coisa começou a fazer sentido quando o jovem Filipe Martins, assessor internacional da Presidência e amigo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, publicou no Twitter: “O establishment acusou o golpe. Eles estão com medo. É hora de continuar batendo no sistema sem parar, sem precipitar e sem retroceder”.
O que é o “establishment” a ser combatido? O Congresso, o Supremo e a mídia independente. Isso lembra alguma coisa? Sim, lembra a Venezuela de Hugo Chávez, com sinal trocado.
Chávez, coronel da reserva do Exército, aliou-se às Forças Armadas e a parte da esquerda para combater o establishment e implantar um regime ao seu gosto. Bolsonaro, capitão da reserva, atraiu os militares, a direita e os conservadores para criar uma “nova era”.
A destruição da Venezuela começou com ataques frontais e uma intensa propaganda contra parlamentares, funcionários, ministros da Alta Corte, jornalistas, e aqui tudo isso é ainda mais rápido, mas as instituições são mais sólidas. Lá, não sobrou nada. A Venezuela vai demorar décadas para se recuperar.
Como Chávez, Bolsonaro também se alia estrategicamente com o capital e as forças de combate à corrupção. Entram aí as figuras decisivas de Paulo Guedes e Sérgio Moro, que são legítimos integrantes do establishment, mas ampliam aliados e conferem grandeza e bons propósitos ao regime.
Guedes é um economista liberal que passou a vida ao largo do setor público e está determinado a repor o Brasil nos trilhos do desenvolvimento. Moro é um juiz que atuou sempre no setor público e se apegou à chance de ampliar a Lava Jato para nível nacional e contra o crime organizado.
Desde a campanha, o economista Pérsio Arida, um dos cérebros mais brilhantes de sua geração, já questionava como poderia funcionar a aliança Bolsonaro-Guedes. O histórico do agora presidente expõe uma alma corporativista, estatizante e nacionalista à antiga. Já seu ministro da Economia é o oposto: liberal, privatizante, globalizante.
Logo, não é surpresa Bolsonaro despejar a reforma da Previdência no Congresso e lavar as mãos, enquanto Guedes se esfalfa com o deputado Rodrigo Maia, outro liberal do establishment, para fazer a reforma acontecer e “salvar o futuro dos nossos netos”.
Quanto a Moro, ronda uma dúvida: a Lava Jato, que foca políticos, partidos e grandes empresários, está em que lado dessa guerra dos bolsonaristas contra o establishment? Vai manter sua ação contra vícios, métodos, desvios e seus agentes, ou vai usar sua ação para engrossar o exército de Bolsonaro, seus filhos, gurus, apadrinhados e soldados da internet contra o Judiciário, o Legislativo, a mídia?
Moro é caladão, discreto, determinado, mas é um atento observador e acaba de orientar “os meninos” a baixarem a bola para a Lava Jato não assumir um lado nessa guerra. Os meninos são os procuradores, à frente Deltan Dallagnol.
Se há um exército contra as instituições, surge outro para protegê-las. Quem tem discernimento nos dois lados quer mudança, mas sem implodir Congresso, Judiciário, mídia. A reação de Rodrigo Maia contra ataques à política não é pessoal, é institucional. Ao resistir às crescentes agressões a ministros, Dias Toffoli blinda o Supremo. E Moro defende negociação: “Precisamos construir, não destruir. Ou nos unimos na beira do precipício ou nos encontramos juntos no fundo do abismo”.
29 de março de 2019 | 03h00
Com tantas prioridades, Brasília anda em círculos, num chove e não molha que não leva a nada e atrapalha tudo: a troca de desaforos entre os presidentes da República e da Câmara e a queda do ministro da Educação, que já foi decidida pelo chefe Jair Bolsonaro e é questão de tempo – horas, ou dias.
Já imaginaram se o deputado devolvesse na mesma moeda e desafiasse Bolsonaro a duelar com insinuações contra a família? Ele não faz isso porque seria um golpe abaixo da linha da cintura e também porque tem boas relações com o senador Flávio Bolsonaro, que também é do Rio.
Funciona mais ou menos assim: todo mundo deixa Bolsonaro brincando com os filhos nas redes sociais e vai tocar a reforma da Previdência, o pacote anticrime o que mais for importante para o próprio governo e para o País sair do buraco e recuperar um lugar ao sol.
Moro repõe seus projetos na lista de prioridades, tanto na Câmara quanto no Senado, mas com um cuidado: falar mais no combate ao crime organizado e deixar o endurecimento das regras contra corrupção (que atinge partidos e políticos) a reboque. Um pequeno ajuste, ou uma pequena inversão, para reduzir resistências.
Guedes, que já deu seu recado – “Não tenho apego a cargo” –, vai fazer o que Bolsonaro se recusa a fazer e o vice Hamilton Mourão já faz naturalmente: abrir as portas do seu gabinete para grupos de parlamentares, de prefeitos, de governadores. Ou seja: ele vai articular apoio político.
Quanto ao ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez: esse é caso perdido. Bolsonaro ora diz que é fake news, ora confirma, ora é dúbio, mas a verdade é uma só e óbvia: ele já decidiu demitir Vélez, a pessoa errada, no lugar errado, na hora errada.
Aliás, o próprio Bolsonaro disse em entrevista à Rede Bandeirantes o que todo mundo sabe: “O MEC não está dando certo”. E explicou por quê: “Você tem que ter poder de comando, exercer autoridade, indicar pessoas corretas”. Vélez não comanda nada, nem sabia do adiamento da avaliação da alfabetização; não tem autoridade, já que os técnicos, os militares e os “olavetes” da pasta se engalfinham à luz do dia; e há controvérsias se ele realmente escolheu as pessoas corretas para cada órgão, depois de seis recuos e 15 exonerações. Em três meses, nada andou no MEC.
Vélez não tem apoio do setor, nem dos generais, e acabou de perder o do padrinho Olavo de Carvalho. Logo, só falta uma coisa: arranjar alguém disposto a descascar “esse abacaxi do tamanho de um bonde”, segundo o ministro. Um abacaxi com bilhões de reais de orçamento e bilhões de problemas a resolver.
Moro. A foto de Maia com Bolsonaro, dias atrás, teve 3.700 curtidas no Instagram. A dele com Moro, ontem, bateu em 6.500 até as 16 horas e continuava crescendo. Brigar com Moro é pior do que com Bolsonaro.
26 de março de 2019 | 03h00
Ao mandar soltar o ex-presidente Temer, o desembargador Antonio Ivan Athié tirou um imenso peso do Supremo Tribunal Federal, que vem sendo atacado pelos bolsonaristas de internet e criticado duramente pela opinião pública em geral. Foi um alívio.
A comparação foi inevitável desde o primeiro momento: o ex-presidente Lula, que também coleciona inquéritos, prestou depoimento, foi indiciado, virou réu, foi condenado em primeira instância e finalmente pelo TRF-4 até ser preso. Temer nem sequer tinha sido ouvido e já foi parar atrás das grades preventivamente.
Fosse Gilmar ou Barroso que mandasse soltar Temer, a turba da internet iria à loucura e as pessoas comuns ficariam ainda mais indignadas contra o Supremo. Se fosse Gilmar, sempre apontado como o ministro que “solta todo mundo”, a coisa ficaria ainda mais feia. Nessas horas, não importam as razões, o julgamento técnico, as argumentações. Os partidários querem massacres em praça pública, os leigos querem sangue.
O primeiro teste do STF foi com o pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro Moreira Franco, do mesmo partido, o MDB, e do mesmo grupo político de Temer. Mas, nesse caso, o relator Marco Aurélio Mello saiu-se muito bem: alegou que não fazia sentido queimar etapas (o TRF-2 e o STJ) e a decisão não cabia ao STF.
É aí que entra a polêmica figura do desembargador Athié, que, entre tantas façanhas, já ficou afastado por sete anos da magistratura, sob acusação de estelionato. Sete anos?! Estelionato?! E foi ele também que reclamou da mania de chamarem propinas de propinas, já que em muitos casos não passam de “gorjeta”. É muita cara de pau. Logo, desqualifica e turva a decisão favorável ao ex-presidente.
Pode fazer o maior sentido mandar livrar Temer da prisão provisória, não só do ponto de vista político, mas principalmente jurídico, além de ser um enorme alívio para o Supremo e seus ministros, que se livraram de ter de anunciá-la. O fato de ter sido Athié, porém, enfraquece a decisão pró-Temer, aumenta o clima de desconfiança, joga ainda mais irritação sobre a Justiça. O STF se livrou por enquanto, a Justiça não. As instituições se confundem com seus personagens.
Círculo virtuoso. Viagem aos EUA, Bovespa em 100 mil pontos, o sucesso dos leilões de aeroportos... Era o momento certo para o presidente Jair Bolsonaro decolar, mas parece que ele gosta mesmo é de ficar patinando nos ataques ao Congresso, à política, ao presidente da Câmara. Prefere manter a guerra na internet e abortar o círculo virtuoso.
24 de março de 2019 | 05h01
Mais uma semana infernal no Congresso, no Executivo, no Judiciário, no mercado e, muito especialmente, no twitter. Começou e terminou com o presidente Jair Bolsonaro ajustando as posições brasileiras às de Donald Trump, enquanto o Brasil pegava fogo. Mais um ex-presidente preso, o presidente da Câmara em pé de guerra e os filhos do presidente desgovernados nas redes sociais.
Nada, porém, foi tão nocivo às chances da reforma da Previdência quanto os ataques de bolsonaristas e até do governo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é, nada mais, nada menos, a peça principal para a aprovação da proposta no Congresso.
Quando liguei para ele, Rodrigo Maia contra-atacou: “Não tem governo. É um governo vazio, que não tem ideia, proposta, articulação”. E continuou: “Para dissimular, criou esse confronto do bem contra o mal, do bonito contra o feio, do quente contra o frio. Eles são o bem, os bonitos, os quentes. E nós, os políticos, somos os maus, os feios. É só para manter a base ultraconservadora na internet”.
Bolsonaro sabe que a reforma da Previdência é questão de vida ou morte para o País e para o governo dele, mas finge que não queria, que não é com ele. “Ele tira o corpo fora e vende a imagem de que nós é que estamos obrigando o governo a fazer a reforma”, diz Maia.
Ainda na sexta-feira, o filho 01, senador Flávio Bolsonaro, tentou consertar o estrago (pelo twitter...) e elogiou o presidente da Câmara: “Assim como nós, ele está engajado em fazer o Brasil dar certo”. Maia devolveu o elogio, mas com ressalva: “O Flávio é bom, mas ele é do Parlamento, não do Executivo”.
É assim que o governo, em vez de aglutinar, vai dividindo, afastando, criando atritos, dificultando não só a reforma da Previdência como a sua própria vida. O 01 tem mais noção política e mais responsabilidade, mas o 02 e 0 03 precisam lembrar que Bolsonaro não governa para seus eleitores, muito menos para os eleitores genuínos (que votaram efetivamente nele, não contra o PT). Governa para todos.
O Planalto não pode correr o risco de perder o apoio de Maia, porque ele abriria uma longa fila de adversários, o DEM, o PSDB, o MDB, parte dos evangélicos do PRB e vai por aí afora. O que sobraria? O PSL, novo inexperiente e dividido?
O pior é que a culpa da guerra de guerrilhas na internet sempre cai sobre os filhos, mas Maia tem uma certeza: “É tudo patrocinado por ele”. Quem é ele? Jair Bolsonaro.
23 de março de 2019 | 05h00
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem a versão de que nunca antes neste País uma viagem do presidente brasileiro aos Estados Unidos teve tantos resultados maravilhosos, nem a crítica de que a primeira visita bilateral do presidente Jair Bolsonaro foi um fiasco marcado por um entreguismo humilhante.
Objetivamente, a visita a Donald Trump rendeu decisões importantes no médio e longo prazos e o que chocou foi o excesso de ideologia e o esforço inédito do presidente brasileiro em agradar ao americano, afinando o discurso em praticamente todas as áreas.
Também na linha de agradar a Donald Trump, Bolsonaro foi para cima dos imigrantes ilegais brasileiros nos EUA. A maioria deles, acusou, “tem más intenções”. Pegou tão mal que Bolsonaro teve de pedir desculpas em público e o Planalto mandou retirar e depois “editar” a entrevista no site oficial.
O pior, porém, foi Bolsonaro apoiar a reeleição de Trump em 2020. Nada poderia ser tão antidiplomático, tão surpreendente. E se Trump não disputar? E se sofrer impeachment? E se perder para os democratas? A posição do presidente brasileiro configura ingerência em assuntos internos e pode custar caro ao Brasil mais adiante.
Curioso fazer o cruzamento entre as manifestações do presidente e do seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro. Foi ele, Eduardo, quem primeiro meteu na cabeça um boné com a inscrição “Trump 2020” e disse que os pobres imigrantes brasileiros – que, aliás, votaram em massa em Bolsonaro – são “uma vergonha”. E também foi Eduardo quem declarou que “o Brasil” apoia a decisão (ou obsessão) de Trump de construir um muro entre o seu país e o México. Que “Brasil”, cara pálida?
Se Eduardo Bolsonaro brilhou, ofuscou o chanceler Ernesto Araújo e deixou o Itamaraty de lado, a filha e o genro de Trump, Ivanka e Jared Kushner, assim como o secretário de Estado, Mike Pompeo, não deram o ar da presença. Se a visita de Bolsonaro era tão importante, como eles sumiram e o secretário de Estado viajou?
A ausência de Pompeo foi pretexto para excluir Araújo da reunião de Trump e Bolsonaro no Salão Oval, da qual só Eduardo participou. Nesse tipo de reunião, participam pelo menos chanceleres, ministros da Economia, embaixador em Washington, subsecretário para o Hemisfério Ocidental, tomadores de notas. Virou um tête-à-tête, com Eduardo de quebra.
Bolsonaro também ajustou o tom brasileiro sobre a Venezuela ao gosto de Trump. Enquanto generais e diplomatas brasileiros são veementes ao dizer “não” para uma ação militar, Bolsonaro foi vago, falou que discussões secretas não são reveladas e, mais tarde, acrescentou: “diplomacia em primeiro lugar, até as últimas consequências”. Ficou claro que a possibilidade, por mais absurda, está “on the table”.
Bolsonaro tem de enfrentar uma negociação duríssima para obter o maior troféu da viagem: o aval dos EUA para entrar na OCDE. Trump condicionou o apoio à decisão do Brasil de abrir mão dos privilégios que a OMC concede a países emergentes. Ou seja: o Brasil vai ter de renunciar à condição de emergente e se arvorar desenvolvido.
A única coisa que não pode acontecer é o Brasil abdicar já da condição preferencial da OMC e ficar esperando dois ou três anos para entrar, se entrar, na OCDE. As duas medidas têm de ser, no mínimo, simultâneas. Quanto ao reconhecimento do Brasil como aliado extra-Otan dos EUA, é basicamente um título honorífico. A Argentina já o ostenta desde 1998. E daí?
Bem, o acordo de salvaguardas para o uso comercial da Base de Alcântara (MA), negociado por 20 anos, é um bom negócio para ambos. Uma enorme economia para eles, como admitiu Trump. Uma janela de oportunidades para nós, como todos reconhecem. E houve acordos importantes nas áreas de energia, defesa e segurança, além de promessas de abertura comercial e conversas sobre agricultura.
Logo, foi bom, como sempre foi bom. FHC trouxe US$ 40 bilhões do FMI para enfrentar a crise do Brasil do início dos anos 2000. Lula acertou uma grande reestruturação das relações bilaterais, com impacto muito positivo para o Brasil. A diferença é que nunca antes neste País o presidente se esforçou tanto para dizer amém a tudo que Washington quer.
A viagem seguinte do presidente foi ao Chile, onde os países da América do Sul descartaram a Unasul e começaram a construir o Prosul. A Unasul foi uma ideia megalomaníaca do venezuelano Hugo Chávez, até com banco e agência de notícias comuns, na era do “bolivarianismo”. Chávez morreu, a Venezuela afundou e houve a forte guinada da esquerda para a direita na região. O Prosul reflete isso. Trata-se de um fórum de debates e de desenvolvimento com nítido carimbo liberal.
A próxima parada de Bolsonaro é Israel, um dos focos da política externa brasileira na “nova era”. Há um problema de oportunidade, já que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, aliado de Bolsonaro, foi indiciado por corrupção. Mas, antes mesmo da viagem, o Brasil já revê sua posição histórica na ONU e votou ontem, em Genebra, contra uma resolução que pede o fim da ocupação israelense nas Colinas do Golan, a libertação de sírios presos em complexos israelenses e condena violações de direitos humanos. O Brasil, portanto, votou do jeitinho que Trump gosta.
22 de março de 2019 | 05h00
Não há surpresa na prisão do ex-presidente Michel Temer, alvo de dez inquéritos e agora sem foro privilegiado, mas há uma preocupação: foi também um lance na guerra do Ministério Público e da Justiça contra o Supremo e o Congresso? Álcool na fogueira?
A prisão foi determinada pelo juiz Marcelo Bretas, do Rio, e por uma quarta frente contra Temer: a roubalheira na Eletronuclear e nas obras de Angra 3. E veio no rastro da decisão do Supremo – por um voto de diferença – de jogar para a Justiça Eleitoral os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro conectados com caixa 2 de campanha. Segundo o MP, foi “o fim da Lava Jato”.
No centro da guerra e da polêmica está uma pergunta bastante objetiva: há ou não justificativa para a prisão temporária (por tempo indeterminado), particularmente por se tratar de um ex-presidente da República?
Na versão de juristas e políticos que acusam procuradores e policiais federais de atropelarem leis e regras em nome do combate à corrupção, a prisão de Temer é injustificada, porque ele é réu primário, tem endereço certo, não ameaça a ordem pública. Logo, poderia ter sido simplesmente chamado a prestar esclarecimentos, sem prisão.
Na entrevista coletiva, porém, os procuradores classificaram Temer como “chefe da organização criminosa” e elencaram três motivos para a prisão temporária: 1) os desvios ocorrem há 40 anos e podem chegar R$ 1,8 bilhão; 2) é preciso “reparar os danos”, impedindo que o resultado da propina evapore; 3) a quadrilha estava destruindo todos os papéis dos escritórios e até coletando dados dos investigadores.
Esse embate sobre a legalidade da prisão pode incendiar de vez não apenas as relações entre Supremo e MP como incendiar de vez a irritação popular contra a mais alta Corte do País. Basta que a defesa de Temer apresente pedido de habeas corpus e um dos ministros mande soltar o ex-presidente. Já imaginou? A tentativa de Bretas e dos procuradores é tirar Gilmar Mendes e empurrar a relatoria do eventual HC para Luís Roberto Barroso ou Edson Fachin, ambos pró-Lava Jato.
No Congresso, o efeito é imprevisível, mas não é absurdo dizer que há uma confluência de fatores adversários à votação da reforma da Previdência. Assim como a delação de Joesley Batista abortou a aprovação no governo Temer, agora há a percepção de que o MP, ao prender o ex-presidente, atacou o MDB e cutucou o mundo político. E mais: a proposta dos militares e a queda brusca de Bolsonaro no Ibope, com apenas três meses.
O PT odeia Temer, mas sua prisão pode promover uma aliança entre parte da esquerda e parte da direita, contra o MP e atropelando a pauta do governo. Em vez de priorizar o pacote do ministro Sérgio Moro contra a corrupção e o crime organizado, o Congresso poderá ressuscitar justamente o oposto: a proposta contra o abuso de autoridade.
Por mais que haja um bilhão e 800 milhões de razões para a prisão de Michel Temer, que era só questão de tempo, “há muito mais mistério entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia”.
19 de março de 2019 | 05h00
Foi um alívio quando a visita oficial do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos começou efetivamente ontem, com os principais recados dados e os primeiros atos assinados. E por que o alívio? Porque a prévia da viagem tinha sido assustadora.
Mas, no dia seguinte, lá estava o autor da múltipla grosseria sendo reverenciado pela comitiva brasileira. Como se Bolsonaro endossasse ou fizesse vista grossa para o ataque ao vice, ele foi ladeado no jantar por Olavo de Carvalho, guru tupiniquim, e Steve Bannon, guru planetário. Ambos, porém, são polêmicos e enfrentam fortes reações, um no Brasil, outro nos EUA.
Bem, mas a viagem de Bolsonaro começou de verdade ontem, depois desse festival ideológico, e os resultados começaram a aparecer. No Brasil, o Diário Oficial da União, como previsto, dispensou de visto não apenas turistas, empresários, artistas e desportistas americanos, mas também japoneses, australianos e canadenses, por um período de 90 dias, prorrogáveis por mais 90. Nos EUA, os dois lados assinaram o acordo para uso comercial da Base de Alcântara, bom para eles, bom para nós, e discutido por 20 anos.
Tanto a dispensa unilateral de vistos quanto o lançamento de satélites americanos a partir de Alcântara já foram rechaçados pela diplomacia e pelas Forças Armadas no Brasil, com base no mesmo princípio: a defesa da soberania nacional. Os tempos, porém, são outros e ambas as decisões estão sendo facilmente assimiláveis.
Apesar da enorme resistência do Itamaraty à inexistência de reciprocidade na concessão de vistos – a dispensa daqui corresponderia à dispensa lá –, o embaixador aposentado Marcílio Marques Moreira, ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Collor de Mello, defende a medida e até a abertura unilateral do comércio.
“Ambas as iniciativas merecem ser respeitadas e mesmo aplaudidas, pois irão trazer bons benefícios para nosso país.” No caso dos vistos, acrescenta: “Trazer mais turistas para o Brasil não significa só trazer relevantes ganhos em moeda forte em favor do consumo e da nossa balança em conta-corrente, mas também para futuros investidores”. Uma coisa puxa a outra.
Quanto ao uso da Base de Alcântara, os termos do Acordo de Salvaguardas foram longamente discutidos, sofreram incontáveis mudanças e são considerados positivos tanto para os EUA quanto para o Brasil.
Nos discursos de ontem, Bolsonaro e Paulo Guedes criticaram os anos de esquerda no Brasil e fizeram a pregação da abertura da economia, das privatizações, do pragmatismo, do fim dos entraves para investimentos e negócios. Tudo que os investidores querem ouvir.
Bolsonaro acertando o tom nos EUA, o sucesso do leilão de aeroportos (desenhado no governo Temer) e a Bovespa batendo nos 100 mil pontos abrem um novo ciclo virtuoso, com efeito, inclusive, na aprovação da reforma da Previdência.
Se for assim, o tal guru, o besteirol dos filhos, as chantagens de evangélicos e as suspeitas sobre as reais intenções dos militares ficam para trás. Mas Bolsonaro precisa querer.
17 de março de 2019 | 03h00
O Brasil de Bolsonaro e os EUA de Trump fazem juras de amor e assinam atos importantes a partir de hoje, quando Bolsonaro desembarca em Washington com tratamento vip, direito a hospedagem na exclusiva Blair House e entrevista ao lado de Trump no Rose Garden, que são deferências especiais, concedidas a muito poucos.
A ideia já tinha sido apresentada pelo ministro do Turismo de Michel Temer, Henrique Eduardo Alves (que acabou preso), mas só valeu para a Olimpíada do Rio, como forma de incentivar a vinda desses estrangeiros – que têm baixo índice de risco e carteiras recheadas. Mas foi temporário, agora será permanente. Diplomatas acham que é coisa de país sem autoestima e Bolsonaro pretende negociar a dispensa de visto para brasileiros irem aos EUA. Duvido que o Tio Sam tope.
Depois de desperdiçar Davos e ocupar seis dos 45 minutos a que tinha direito para atrair o interesse do mundo para o Brasil, Bolsonaro terá novamente todos os holofotes e não pode amarelar, fugir de entrevista e posar de “simplesinho”, mas, sobretudo, é preciso afastar a ideia de um alinhamento automático com os EUA.
Bolsonaro gosta da ideia, assim como seu filho Eduardo, o chanceler Araújo e o guru Olavo de Carvalho, que já trocou o Brasil pelos EUA. Já os diplomatas de várias gerações se opõem e o que conta mesmo no governo é um outro foco de resistência ao tal alinhamento automático: os militares, que prezam muito a noção de soberania. Aliás, nem aos próprios EUA encanta a ideia de se jogar de cabeça num governo que está mal começando. Pode ser um sucesso, pode não ser. Logo, aproximação é ótimo; alinhamento automático é excessivo.
Além das relações bilaterais, que avançam muito, Bolsonaro e Trump vão discutir questões regionais (Venezuela, por pressuposto) e internacionais, as mais cabeludas. China, Oriente Médio, Coreia do Norte e Irã estão na agenda, mas Bolsonaro deve ter algumas coisas em mente. A China é o maior parceiro comercial brasileiro, o Brasil desde sempre independente na disputa Israel-Palestina e... nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.
Depois dos EUA, ele vai ao Chile e no final do mês a Israel, onde Benjamin Netanyahu é um aliado e fez a gentileza de vir ao Brasil para prestigiar a vitória de Bolsonaro, mas agora está às voltas com a Justiça. Tudo bem ir a Israel, a questão é de oportunidade.
O avião está decolando e lança Bolsonaro no seu primeiro teste realmente diplomático. Vai precisar de inteligência, sorte, jeito, discursos escritos e muitos conselhos para se superar. O Bolsonaro de Washington tem de ser muito melhor do que o Bolsonaro de Davos.
15 de março de 2019 | 03h00
Um por um, lentamente, os atingidos por fake news e calúnias pela internet começam a reagir. O Estado abriu a fila, depois de uma deturpação grosseira da declaração de uma repórter. Agora, é o próprio Supremo Tribunal Federal que cansou de “apanhar” nas redes e resolveu abrir investigação para identificar os criminosos. É uma postura corajosa, que não é apenas um direito como um dever.
A tropa bolsonarista aprofundou a prática e ganhou adesões pelo país afora. Foi um sucesso na eleição. Está sendo particularmente danoso no exercício do governo, quando é difícil distinguir o que é coisa de malucos agindo por conta própria e o que é movimento articulado e executado sob orientação de gente do próprio governo.
É razoável supor que, após a reação corajosa do Estado e agora da investigação do Supremo – ambos em legítima defesa –, que outras vítimas se sintam animadas a dar um basta, não importa de onde, de que partidos, de que forças, eles partam. Tudo tem limite. Vamos ver se as fake news também.
Por trás da decisão do Supremo, está também a irritação diante de uma investida crescente contra o tribunal, contra ministros, contra até familiares. Essas coisas são assim: começam daqui, evoluem para ali e, de repente, contaminam a sociedade e ficam fora de controle. Aliás, já atingem o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ninguém lucra com isso, nem o Judiciário, nem o Executivo, nem o Legislativo.
Ninguém está acima da lei, ninguém pode sair por aí fazendo o que bem entende e as autoridades estão sujeitas a fiscalização e a críticas públicas. Mas... de fiscalização e críticas a agressões e mentiras, calúnias e difamação vai uma diferença enorme.
Quem circula na área econômica do governo detecta ânimo, energia, uma sensação de que “agora vai”. A reforma da Previdência vai passar sem problemas na CCJ da Câmara, o presidente Jair Bolsonaro entrou em campo, os presidentes da Câmara e do Senado jogam um bolão, a sociedade percebe que chegou a hora da reforma. É agora ou nunca. E nunca significa o colapso.
Há ali, também, uma frenética conexão com as outras áreas do governo, como Infraestrutura, Minas e Energia, Agricultura e Justiça, até para preparar o “day after” da reforma: iniciar o regime de capitalização, desindexar o orçamento, destravar investimentos, garantir crescimento (hoje estagnado) do País.
Paulo Guedes, que se articula também com os demais Poderes, prevê e comemora um “círculo virtuoso”, mas guerra pela internet, ataques à mídia e ao STF, manifestações fora de propósito, nada disso ajuda. Não atrapalhem, por favor!
12 de março de 2019 | 03h00
A melhor frase de todos os dias carnavalescos e de todas essas inacreditáveis confusões que o governo cria contra ele mesmo partiu do cada vez mais bem-humorado vice Hamilton Mourão: “O Olavo de Carvalho agora acha que sou comunista. Paciência...”.
Assim, somos todos vermelhos, o vice-presidente, os oito ministros militares, as TVs, os rádios, os jornais, as revistas e os jornalistas. Não conseguimos sequer entender o governo cutucando a China para agradar a Donald Trump e o chanceler Ernesto Araújo voltando no tempo para atacar a “China Maoista” que ameaça o Ocidente.
Muitos perguntam de onde vem todo esse poder de Olavo de Carvalho e o que ele é de fato. Filósofo, astrólogo, agitador, mentor, líder ou guru? Sabe-se lá, mas uma coisa é certa: ele manda muito no governo. Por quê? Porque tem forte influência sobre os três filhos de Bolsonaro, o 01, o 02 e o 03.
Graças a essa aproximação, foi Olavo de Carvalho quem, morando no distante Estado da Virgínia, nos EUA, conseguiu alçar o embaixador júnior Ernesto Araújo a chanceler e o teólogo Ricardo Vélez Rodríguez a ministro da Educação. São duas áreas superestratégicas, importantíssimas, e viraram foco de problemas, críticas e fofocas.
Talvez por isso o “comunista” Hamilton Mourão tenha sido chamado para escorar Araújo. Vai ver o vice está doido para trazer de volta o petista Celso Amorim! Aliás, o vice e os ministros Augusto Heleno, Santos Cruz, quem sabe o porta-voz, Otávio do Rêgo Barros? A turma vermelha...
Na Educação, a coisa está pegando fogo, depois que o Planalto mandou rebaixar os “olavetes” para postos acessórios e o mentor, líder, guru ou o que seja não gostou e mandou todo mundo cair fora.
Em pleno domingo, o presidente chamou Vélez Rodríguez ao Palácio da Alvorada e mandou exonerar o coronel da FAB Wagner Roquetti da Direção de Programas da Secretaria Executiva do MEC. Soou assim: se afastaram os outros, afaste-se também o opositor deles. Zero a zero. E a Educação?!
Pelo Twitter, vício do governo, Vélez agradeceu a Roquetti “pelo seu desempenho” e pelo “decidido apoio à gestão e preservação da lisura na administração dos recursos públicos”. Ficou a dúvida: se é assim tão bom, por que então foi exonerado?
Enquanto o pau quebra entre Olavo de Carvalho e Hamilton Mourão e entre “olavetes” e militares, os filhos do presidente e o próprio presidente continuam fingindo que não há nada errado no governo, guerreando pela internet e atirando contra a mídia e os jornalistas.
O caso da colega Constança Rezende é exemplar: foi uma armação com efeito bumerangue. Um “estudante” pede ajuda para um trabalho; um “jornalista” publica o texto no exterior deturpando o que foi dito; um site bolsonarista reproduz a versão farsesca no Brasil; o presidente repercute pelas redes sociais.
Presidente, seu problema não é a imprensa nem os jornalistas, que apenas publicam os problemas que o senhor e seu entorno criam e amplificam. O inimigo mora ao lado.
10 de março de 2019 | 05h00
A proposta das Forças Armadas para a previdência dos militares é, na verdade, um pacote que tira de um lado (o da previdência) e põe no outro (nos soldos). A intenção é cobrar cota de sacrifício até de pensionistas, mas criando gratificações para os da ativa que fizerem cursos, como compensação para perdas acumuladas há décadas.
“Sempre perguntam se nós não vamos contribuir com a reforma. Mas nunca deixamos de contribuir”, diz o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Para ele, os militares são sempre os primeiros a sofrer cortes, “para o bem do País”, e acabaram com soldos muito defasados em relação à inflação e às carreiras de Estado. “Em relação ao Judiciário e ao Legislativo, nem se fala.”
O ministro entrega nesta semana a proposta dos militares à equipe econômica e à área jurídica do governo e estima levá-la ao Congresso até início de abril. Esse é um passo importante para esvaziar as desconfianças dos parlamentares, inclusive da base aliada, que resistem a privilégios para militares.
Azevedo e Silva foi pessoalmente à residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na quinta-feira passada, não só para antecipar a ideia geral da proposta para os militares como para falar das compensações: “Vamos subir a receita, mas também equilibrar melhor as despesas”, resumiu.
Maia pensa como o ministro Paulo Guedes e o secretário Rogério Marinho: os militares não podem aproveitar a reforma para compensar defasagens antigas. No mínimo, a conta tem de zerar. Pelo projeto, só vai zerar no quinto ano. Até lá, eles ficam no lucro.
Além de aumentar o tempo de contribuição dos militares, de 30 para 35 anos, a proposta prevê aumento da alíquota para todos, de 11% para 14%, com um detalhe: viúvas, cadetes e recrutas, hoje isentos, também passarão a contribuir com o mesmo porcentual.
Do outro lado, está a recuperação de uma das vantagens perdidas com a MP 2215, do final do governo FHC, mexendo nas gratificações pelos vários cursos que, sargentos ou oficiais, eles têm de fazer ao longo da carreira. Gratificação não tem impacto na previdência, aumento de salário teria. Está descartada a volta de auxílio-moradia, pensão para as filhas, ida para a reserva com um posto acima e licença especial.
Uma facilidade para aprovação do pacote militar, conforme enfatizou o próprio presidente Jair Bolsonaro, é que não precisa emenda constitucional, só projetos de lei. É fato, mas não exagera! Uma semana na Câmara e outra no Senado, só em sonho.
O grande esforço não só das Forças Armadas, mas da própria cúpula do governo – até porque as coisas se confundem – é martelar que os militares não estão incluídos no regime de previdência. Têm regime próprio e, aliás, estão fora das normas trabalhistas: não têm hora extra, adicional noturno, adicional de periculosidade.
Se elas tivessem esses benefícios, um tenente atuando na fronteira com a Venezuela ou nas enchentes na BR 163 (Cuiabá-Santarém) mais do que dobraria seu salário – que é mais baixo do que seus correspondentes civis no serviço público.
Uma terceira frente, além dos soldos e da previdência diferenciada, é o orçamento para as atividades-fim e os projetos estratégicos do Exército, Marinha e Aeronáutica que, como diz o ministro, “precisam de condições para sustentar a paz”.
Ter Bolsonaro, oito militares no topo do Executivo e mais de cem no segundo escalão é faca de dois gumes: é bem mais fácil para as três Forças defenderem seus pleitos no governo, mas gera desconfianças e confrontos fora dele. Principalmente quando se vende o militar como santo e o político como demônio. É melhor para o governo e para o presidente calibrar melhor o tom. A reforma passa e o Brasil ganha.
08 de março de 2019 | 03h00
Além de causar perplexidade de novo ontem, ao dizer que “liberdade e democracia só existem quando as Forças Armadas assim o querem”, Bolsonaro enumerou os seus aliados no governo e incluiu aí “aqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa (Brasil)”.
Tudo isso vai ficar mais claro no encontro de Bolsonaro com Trump, dia 19. Além da gorda pauta bilateral de negócios, cooperação e facilitação de trânsito de pessoas e produtos, os dois terão muito a conversar sobre temas globais e regionais e interesses estratégicos de EUA e Brasil, como Venezuela e China.
Setores do Itamaraty lembram que Bolsonaro deixou muito claro na campanha eleitoral o que pensava, o que significava e o que pretendia. Logo, o eleitorado chancelou uma forte guinada ideológica no poder e isso, evidentemente, tem reflexo direto no Itamaraty. Na montagem do gabinete, na distribuição das peças no tabuleiro e na própria política externa.
A equipe do chanceler rechaça “caça às bruxas” e diz que os movimentos são naturais. Mudou o governo, muda o Itamaraty. Quanto à política externa, a intenção é “quebrar a inércia”. Ou seja: rever conceitos, práticas e hábitos que vêm de décadas, de governo após governo, como se fossem cláusulas pétreas. “É desligar o botão automático”, resumiu um dos artífices das mudanças, sempre enfatizando que tudo está sendo suave, sem solavancos.
Uma das “verdades absolutas” é justamente que o multilateralismo tem de se sobrepor a tudo. “Por quê?”, pergunta ele. Decisões de organismos internacionais são boas quando são boas para o Brasil. Não são quando não convêm ao País. Simples assim. Quer dizer... mais ou menos simples, porque a ONU tem seus problemas, mas é fonte de estabilidade internacional, e a OMC, útil nas guerras comerciais, é fundamental para países médios como o Brasil. E vai por aí afora.
Quanto aos temas mais bombásticos da campanha, eles trariam enorme prejuízo ao Brasil e foram estacionando no caminho para o poder: embaixada em Jerusalém, retirada do Acordo do Clima, cacetadas na China. Parecem bem distantes.
Após reduzir a estrutura do Itamaraty – “escolher pessoas para cargos, não cargos para pessoas”, diz Araújo –, há sérias dificuldades para fechar postos no exterior criados pelo ex-chanceler Celso Amorim como forma de atrair votos para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Criar é fácil, fechar é que são elas. É o oposto do “soft power”, é como dizer aos países: “Vocês não têm a menor importância”.
E a exoneração do embaixador Paulo Roberto de Almeida por críticas ao chanceler? Resposta: não é nenhuma novidade, que o digam os embaixadores Moscardo, Bustani e Samuel Pinheiro Guimarães no governo FHC. Turma é turma.
05 de março de 2019 | 03h00
Isso gera ruídos e constrangimentos. Nesses dois meses de governo, eles não foram poucos. Aliás, já começaram na transição, com o anúncio, e depois o “desanúncio”, da fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Ministros e assessores primeiro intuíram, e depois concluíram, que é preciso muita atenção ao que o presidente diz ou divulga pelas redes sociais, para poder apagar os incêndios rapidamente.
O mais desembaraçado para desmentir uma afirmação de Bolsonaro foi o ministro do GSI, Augusto Heleno, um general da reserva que joga vôlei e tem jogo de cintura. Depois de Bolsonaro dizer, e o chanceler Ernesto Araújo confirmar, que o Brasil poderia ceder território para uma base militar americana, Heleno deu uma entrevista definitiva: “Fizeram um auê por nada. Não tem nada disso”. Nunca mais se falou em base militar.
O último desmentido partiu do vice-presidente Hamilton Mourão, cada dia mais político, mais cuidadoso. Bolsonaro tinha admitido reduzir a idade mínima das mulheres para 60 anos na reforma e desistir de pagar só R$ 400 para miseráveis. A área econômica reagiu, o mercado sacolejou e lá se foi o vice reduzir tudo a um “mal-entendido”.
Em vez de enxugar ou extinguir conselhos, o presidente anda precisando do contrário: um conselho para monitorar suas manifestações públicas, seja sobre bases, seja sobre a “nova Previdência”, seja sobre imposto, seja sobre o que for. Como já disse Onyx Lorenzoni, qualquer coisa que o presidente disser, ou tuitar, tem “muita força”. Logo, toda prudência é necessária, todo cuidado é pouco.
Louve-se, novamente, a capacidade de Bolsonaro de recuar quando necessário, mas buscar consensos e segurança antes de falar, e não depois, evita dissabores e constrangimentos. Em outras palavras, “é melhor prevenir do que remediar”.
Educação. Segundo o presidente, pelo Twitter, o Brasil gasta mais em Educação em relação ao PIB do que a média de países desenvolvidos (cerca de R$ 130 bilhões em 2016) e ocupa as últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Um escândalo! Mas isso não se combate com ideologia, teologia e fantasmas. O setor precisa mesmo é de administração: planejamento, ações, qualificação e, eventualmente, punições.
03 de março de 2019 | 05h00
Com essa confusão toda e os filhos do presidente a mil por hora nas redes sociais, eis a pergunta que não quer calar em Brasília: Sérgio Moro, um ídolo nacional, com grande visibilidade internacional, começa a se arrepender de ter trocado a magistratura pelo governo Bolsonaro? Até quando ele aguenta?
Bolsonaro não acatou nenhum dos sete principais pontos da proposta de Moro para a posse de armas e está desconfiado com o Coaf, que o ministro atraiu para a sua pasta e foi o órgão que flagrou a desenvoltura financeira do motorista Fabrício Queiroz no gabinete do 01 no Rio.
Moro também passou pelo constrangimento de dizer que aceitava “o pedido de desculpas” do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, por caixa 2 eleitoral, enquanto o Ministério da Justiça elaborava um projeto justamente para tornar crime o caixa 2. E vem se enrolando ao falar sobre esse tema, muito sensível para políticos e partidos.
O mais frontal golpe contra a autoridade de Moro, porém, foi a ordem do presidente para desconvidar a cientista política Ilona Szabó para um conselho sobre política criminal e penitenciária. Ela foi escolhida por ser altamente qualificada, ter ideias próximas às de Moro e por tê-lo impressionado num debate em Davos. E foi dispensada porque os bolsonaristas de internet não admitiram alguém que pensa diferente deles. Entre o ministro e as redes, o presidente optou pelas redes.
Como na queda de Gustavo Bebianno, os filhos do presidente assumem protagonismo. Um dia depois de Bolsonaro dizer que “nenhum filho manda no governo” e avisar que as manifestações de Carlos Bolsonaro passariam a “ter filtro”, Flávio e Eduardo usaram as redes para meter o sarrafo na escolhida de Moro. Na prática, confrontaram o “superministro”.
De Flávio: “Meu ponto de vista é como essa Ilana Szabó aceita fazer parte do governo Bolsonaro. É muita cara de pau junto com uma vontade louca de sabotar, só pode”. De Eduardo: “Após exoneração de Ilana Szabó outro que era contra o projeto anti-crime de Moro pede para sair. O desarmamentista Renato Sérgio de Lima, do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, dispensou-se em solidariedade a Szabó. #grandedia”.
Mas o pior foi o post de Eduardo sobre o pedido do ex-presidente Lula para ir ao enterro do netinho de sete anos: “Absurdo até se cogitar isso, só deixa o larápio em voga posando de coitado.” Diante de uma dor imensa como essa, não há adversários, há seres humanos. É quando as pessoas mostram sua verdadeira alma.
É, presidente, pode até ser que os “meninos” não mandem no seu governo, mas há controvérsias...
01 de março de 2019 | 03h00
Aos poucos, mas claramente, o presidente Jair Bolsonaro vai entendendo algumas premissas básicas do cargo, mas é aos poucos mesmo. Ele reluta, reclama de conselhos, ameaça não mudar nada e vai cedendo, mas mantendo a teimosia, ou uma implicância desnecessária e seletiva que não ajuda em nada.
É capaz, até, de fazer o que nenhum outro integrante da base aliada ao Planalto faz: bater de frente com o 03, o deputado Eduardo Bolsonaro. Vivem aos tapas e beijos, mas não rompem e estão ambos empenhados em ajudar Bolsonaro, o governo e a aprovação da “Nova Previdência” – apesar de declarações antigas dele contra a reforma. Mas o pai também era contra. Isso é passado. Poder é poder.
Outra questão é como vai se materializar o pragmatismo da nova líder para negociar com o Congresso: vem aí distribuição de cargos de segundo e terceiro escalões? Liberação de emendas parlamentares? Projetos camaradas para a base aliada?
Caindo na real, após dois meses de mandato, Bolsonaro também começou a perceber que é bacana, e pode até ser divertido, governar com os filhos via redes sociais, mas isso não é tudo e pode ser perigoso. Redes sociais que aplaudem também apedrejam.
Assim, Bolsonaro inaugurou ontem algo comum em qualquer governo: conversas com jornalistas. É quando os presidentes abrem o coração, explicam suas decisões, projetam os próximos passos para os responsáveis pela cobertura e pela análise política. Olho no olho, tornam-se personagens de carne e osso, com seus defeitos e qualidades.
É inexplicável que tenha deixado de fora jornalistas do Estado, da Folha e do jornal O Globo. Isso lembra Lula, que começou discriminando um jornalista daqui, outro dali, e, no fim, metia no Planalto ou no Alvorada até os tais “blogs sujos”, braços armados do PT na internet. Com Dilma, era pior. Assim como desdenhava a política, ela desdenhava o jornalismo.
Bolsonaro não disse que faria tudo diferente? Deveria começar com o tratamento igual da mídia, lembrando que há repórteres que passam dias inteiros no Planalto, cobrem os presidentes e os ministros do núcleo duro do poder e devem ser respeitados, levados em consideração e bem informados. Além de precisar de notícias, eles precisam entender a notícia.
Todo governo tem dificuldades no começo, mas Bolsonaro, como diz FHC, está exagerando. Até quando acerta, dá um jeito de atrapalhar o acerto. Os filhos e os ministros da Educação, das Relações Exteriores, dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente também não ajudam e pegou mal Sérgio Moro desconvidar a prestigiada cientista política Ilona Szabó para um conselho da Justiça. O governo tem muito a melhorar.
26 Fevereiro 2019 | 03h00
Depende da opinião pública, das lideranças políticas, do comando do Judiciário e das Forças Armadas do país garantir a deposição do ditador, que impediu a entrada de remédios e alimentos que aliviariam a dor de seu povo e perde os apoios que lhe restam. Maduro é um cadáver político e deve acordar de sua insanidade, antes que um tresloucado transforme a metáfora em realidade.
O vice americano, Mike Pence, postou-se ao lado do autoproclamado presidente Juan Guaidó e tornou-se a estrela do Grupo de Lima em Bogotá. Ameaçou os militares venezuelanos – “Vocês serão responsabilizados” – e incitou as outras nações a seguirem o exemplo dos EUA, congelando ativos dos líderes chavistas e da petroleira PDVSA em seus países.
Enquanto Pence brilhava na Colômbia, a subsecretária de Estado para o Hemisfério Sul, Kimberly Breier, desembarcava no Brasil para encontros com o presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e... o deputado Eduardo Bolsonaro. Em pauta, a Venezuela.
Por que o deputado? Porque ele não é só filho do presidente da República, como também “o cara” da política externa da “nova era”, que sabatina os candidatos a chanceler, bate o martelo no de sua preferência, foi o primeiro enviado do novo governo à Casa Branca.
Não satisfeito em meter na cabeça um boné da campanha de reeleição de Donald Trump, Eduardo Bolsonaro acaba de divulgar um vídeo dele próprio apoiando ardorosamente, ao microfone, um muro entre os EUA e os mexicanos.
Seria ótimo saber o que Forças Armadas, os grandes diplomatas, os nacionalistas e os simplesmente de bom senso pensam disso no Brasil. Inclusive o vice Mourão, que teve uma participação devidamente prudente em Bogotá. Aliás, essa é a palavra-chave: prudência.
O Grande Irmão. A colega Renata Cafardo informa que o MEC enviou e-mail a escolas públicas e particulares, exigindo, ops!, recomendando que elas leiam diante da Bandeira, gravem e enviem ao ministério o vídeo da leitura de uma mensagem do ministro Vélez Rodrigues para alunos, professores e funcionários, que termina com o lema bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!” Uso das crianças para fins políticos, seja para que lado for, é o fim da picada.
24 Fevereiro 2019 | 05h00
Uma das grandes preocupações do governo brasileiro é com o grau de beligerância entre Venezuela e Colômbia. Segundo Mourão, que é general de exército, “80% do dispositivo militar venezuelano é voltado para a fronteira com a Colômbia. Na fronteira com o Brasil, tudo o que Maduro tem é uma brigada de engenharia de selva muito capenga”.
Parece absurdo, mas as potências reagem ao colapso da Venezuela, que mata pessoas e gera o êxodo de milhares de famílias, como questão meramente ideológica. Os EUA tentam recuperar a velha hegemonia na América Latina, a China e a Rússia usam o pobre país contra a grande potência, ou contra um mundo unipolar.
A ação brasileira, a reboque dos EUA, combina com o discurso de campanha do presidente Jair Bolsonaro e com os escritos do chanceler Ernesto Araújo, mas deixa setores produtivos, exportadores e até oficiais de alta patente de cabelo em pé. Segundo um deles, que não quis se identificar, “nós entramos numa fria”. E explicou: “Não faz muito sentido essa aliança tão incondicional com os EUA. Qualquer consequência negativa (da ação na Venezuela) não vai recair sobre eles, vai recair sobre nós”.
A verdade é que era impossível simplesmente lavar as mãos diante do caos na Venezuela, mas são poucas as alternativas. As pontes diplomáticas implodiram, uma invasão militar é fora de cogitação e não dá para recuar. O impasse é que o Brasil tem de fazer alguma coisa, mas não tem ideia do que fazer.
Um grande complicador, como reconhece o vice Mourão, é a falta de canais com o governo e as instituições venezuelanas. “Estamos sem informações fidedignas, sem tem com quem falar e em quem confiar”, admitiu. Como já dito neste espaço, militares brasileiros olham com desconfiança os venezuelanos, considerados muito vulneráveis à corrupção.
Quanto mais o regime fazia água, mais oficiais iam sendo promovidos e hoje há 1.300 generais, o que seria cômico, não fosse trágico. Essa gente toda está pendurada na PDVSA (a petroleira equivalente à Petrobrás), nos projetos e obras ao longo do Rio Orinoco, em confortáveis embaixadas mundo afora.
Quem sofre é o povo, como sempre na história. A Venezuela virou um bunker de Maduro, enquanto Brasil, Colômbia e Chile, entre outros, quebram a cabeça para intervir sem uso de armas. “Ninguém vai entrar numa canoa furada”, diz Mourão, rechaçando ação militar. Ainda bem, mas só fazer show na fronteira não vai resolver nada. Qual a alternativa?
22 Fevereiro 2019 | 03h00
É altamente constrangedor, mas a verdade é que o último elo de sustentação do agonizante regime de Nicolás Maduro são as Forças Armadas da Venezuela e elas são, antes mesmo de Hugo Chávez, incluídas entre as mais corruptas das Américas.
Maduro é tratado no Brasil, no governo e fora dele (exceto em parte do PT), como patético, mas, ainda assim, perigoso. As Forças Armadas são fundamentais para apagar esse último adjetivo, mas insistem em apoiá-lo.
A situação é delicada por vários motivos, principalmente porque há um cerco de 50 países à Venezuela, isolada, desabastecida, em desgraça, mas ninguém sabe, ou diz, qual a saída de fora para dentro. Em articulação, ou até arregimentados pelos EUA, o Brasil e a Colômbia atraíram para si não apenas os holofotes, mas a responsabilidade pela solução do problema, e sem a via diplomática, implodida por Maduro. Sem a via diplomática, o que resta?
No mais, a gravíssima crise na Venezuela envia claros sinais para o Brasil, até porque, lá, o regime Chávez surgiu de um acordo entre a cúpula das Forças Armadas e parcelas da esquerda, sendo o próprio Chávez o instrumento e uma síntese dessa aliança. No Brasil, a “nova era” é resultado da indignação das Forças Armadas, muito particularmente do Exército, e de parcelas da direita, sendo Bolsonaro o instrumento e uma síntese dessa aliança.
Lá e cá, o estopim foi a exaustão, dos militares, de setores políticos e da própria população, diante da desordem, da corrupção, dos abusos das elites. Logo, os objetivos foram os melhores possíveis, mas, entre a teoria e a prática, entre a intenção e a execução, há um inferno cheio de variados demônios.
Como todo autoritário, convicto de que é dono da verdade, da pureza, das melhores intenções e da solução, Chávez foi cometendo um erro atrás do outro, até chegar ao mais dramático deles: não preparou um sucessor e, ao morrer, jogou o seu país no colo de Maduro, despreparado e irresponsável.
O mais chocante é que, assim como deram suporte à aventura Chávez, os militares garantiram a ascensão de Maduro. Logo, como lamentam generais brasileiros, os dois fatores confluíram: a velha corrupção arraigada nos comandos venezuelanos e a nova e doce sensação de poder, com a política entrando e inundando os quartéis.
Os militares brasileiros não têm absolutamente nada a ver com os venezuelanos. Profissionais, muito bem treinados, respeitados no mundo todo e sempre líderes das pesquisas, eles estão no centro das discussões sobre as saídas para o país vizinho, mas com uma certeza: o uso da força não é uma dessas saídas.
19 Fevereiro 2019 | 03h00
O governo Jair Bolsonaro repete os governos de Lula e Dilma Rousseff: quando alguma coisa vai mal, a culpa é da mídia. Os presidentes fazem tudo certo, os ministros são impecáveis, as coisas vão sempre às mil maravilhas e só quem não reconhece isso são tevês, rádios, jornais, revistas. Os “inimigos do Brasil”.
Esse script da vitimização, usado com muito êxito por Lula nos seus oito anos, passa por jogar eleitores, eleitoras e incautos em geral contra a mídia que divulga informações – na maioria oficiais –, relata fatos muitas vezes desagradáveis sobre os poderosos, publica entrevistas de adversários e de antigos aliados cheios de mágoa.
A novela Gustavo Bebianno tem esse script. O presidente da República grava entrevista chamando o ministro de mentiroso e dizendo que ele pode “voltar às origens”. O filho do presidente, vereador Carlos Bolsonaro, reafirma que o ministro é mentiroso e divulga o áudio de um “não” do pai para ele. E, a partir daí, Bebianno vira uma fera ferida, cheio de ameaças.
E de quem é a culpa? Do presidente? Não. Do filho? Não. Do ministro? Não. Do PSL? Não. A culpa, gente, é da imprensa, que divulgou todas essas etapas sem retoque, a verdade como ela é.
Circulam textos falando que a imprensa faz uma “defesa apaixonada” de Bebianno porque tem uma ideia fixa: derrubar o presidente Bolsonaro. Seria cômico, não fosse trágico, que muita gente “esclarecida” acredite e divulgue esse tipo de coisa. É jogar os fatos fora, tampar bocas, olhos e ouvidos para não enfrentar a realidade e poder engolir qualquer coisa que o “Grande Irmão” diga ou mande dizer.
Fatos são fatos e, contra fatos, não há argumentos. Bebianno era um ilustre desconhecido, virou advogado de Bolsonaro, depois presidente do PSL durante a campanha e – diferentemente do que dizem – foi um dos primeiros ministros anunciado por Bolsonaro após se eleger presidente. E com gabinete no Palácio do Planalto, um dos dois únicos civis no coração do poder.
Fosse o governo de A, B ou C, de direita ou esquerda, a queda e a troca de desaforos em público seriam um escândalo e ocupariam as capas dos jornais e os horários nobres, ainda mais pelas circunstâncias: é a primeira crise de um governo que só começou há um mês e meio, um dos pivôs é um amigo do presidente e outro é um dos filhos dele, em meio ao constrangimento e a uma saraivada de críticas ao excesso de poder do 01, do 02 e do 03.
Saem os (poucos) amigos, aumentam os (muitos) militares. Quem assume a vaga do ex-amigo Bebianno é o general de divisão Floriano Peixoto, que é o oitavo militar no primeiro escalão do governo Bolsonaro e deixa o ministro Onyx Lorenzoni na incômoda posição de único civil com destaque no Planalto e adjacências. Uma ilha.
Bebianno vai, mas as dúvidas ficam. Ele vai falar tudo o que sabe? Vai manter a versão de que Bolsonaro é “muito fraco”? E a investigação sobre o “laranjal” do partido do presidente, o PSL, vai evaporar?
Como lembrança, Bebianno luta jiu-jítsu, arte marcial japonesa que utiliza golpes de alavancas, torções e pressões para derrubar e dominar os oponentes. Bolsonaro passa a ser o grande oponente. Jogar a culpa na mídia não resolve nada.
17 Fevereiro 2019 | 04h00
A queda estrondosa do ministro Gustavo Bebianno e a confirmação de que o Brasil vive a era da “filhocracia” reforçam uma tendência clara: quanto mais o presidente Jair Bolsonaro tropeça nos próprios pés, mais os militares se aprumam, ganham poder e se infiltram em todos os setores do governo, não mais apenas em áreas fortes do Exército, como a infraestrutura, mas até em política externa, educação e meio ambiente.
“Não se pode brincar com isso, os superintendentes é que concedem licenças e alvarás e eu não sou obrigado a conhecer gente confiável em todos os Estados, no Amapá, no Acre, em tantos lugares em que nunca fui”, diz Salles.
No caso da Educação, houve até quem sonhasse em ter um general no MEC, mas a ideia não vingou porque a reação poderia ser de surpresa, primeiro, e de confronto, depois. Mas o que não falta no governo é gente enaltecendo os colégios e institutos militares, que de fato são de excelência, e articulando um processo de longo prazo para militarizar o ensino público.
A experiência-piloto pode ser no Distrito Federal, onde o governador Ibaneis Rocha criou por portaria a “gestão compartilhada” das escolas, entre as secretarias da Educação e da Segurança, e assim empurrar policiais militares e bombeiros da reserva para 40 escolas até o fim do ano. Isso implica “mais disciplina”, com Hino Nacional todo dia, alunos de fardas e marchando.
Assustados com a violência que grassa no DF – quanto mais violenta a região, mais violenta a escola –, pais e mães até se animam com a ideia, mas os pedagogos, assustados, argumentam que “militarização” das escolas é muito diferente de policiamento ostensivo para garantir a segurança de alunos e professores.
Aliás, fica uma dúvida: se o presidente da República pode usar chinelo e camiseta de time de futebol em reunião com ministros, com foto distribuída publicamente, por que alunos têm de vestir fardas, as meninas precisam andar de coque e os meninos de cabelo curto?
Os generais que cercam (em vários sentidos) Bolsonaro no Planalto também têm posições muito claras sobre política externa e agem para o fim das maluquices e a volta do pragmatismo. Se combatem a “esquerdização” do Itamaraty após a era Lula, eles também não gostaram dos excessos do chanceler Ernesto Araújo para o outro lado e trataram de reequilibrar as coisas.
Enquanto recebiam representantes da China e do mundo árabe para amenizar o mal-estar causado pelo novo governo, também amansavam o próprio Araújo, que foi escolhido por Eduardo Bolsonaro, o 02 do presidente, e agora parou de escrever aquelas excentricidades. Ele parece bem mais razoável ao vivo do que por escrito.
Por fim, foram os generais Hamilton Mourão, Augusto Heleno e Santos Cruz que se investiram de uma função política ao tentar – inutilmente, aliás – apagar o incêndio que está torrando o ministro Gustavo Bebianno, um dos dois únicos civis com algum poder no Planalto de Bolsonaro. O outro é Onyx Lorenzoni. Ele que se cuide, enquanto Paulo Guedes, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se blindam da crise e tocam o que interessa: a reforma da Previdência e a recuperação da economia.
15 Fevereiro 2019 | 03h00
Nunca antes neste País se viu uma mera troca de chefia do Centro de Comunicação do Exército (Cecomsex) se transformar num super evento, não apenas pela grande presença de militares e civis como também pela duração. O papo foi longe.
O general que entra é Richard Nunes e o que sai é Otávio do Rêgo Barros, que virou porta-voz do presidente Jair Bolsonaro. Esse foi um chamariz para a solenidade e pesou também a eficiência e a gentileza no trato de Rêgo Barros com a mídia, mas o fator principal para o sucesso foi a força do Exército neste momento. Todo mundo sente o cheiro do poder.
Atenção: está-se falando especificamente do Exército, não genericamente dos militares ou das Forças Armadas. Aliás, uma curiosidade da transmissão de cargo é que, naquela selva verde, só havia uma farda azul da FAB e uma branca da Marinha. Eram os dois oficiais da imprensa nas duas Forças, que riam quando alguém brincava que pareciam “peixes fora d’água”.
O Exército está em alta. Ocupa quase todos os postos do Planalto e, além de não criar problemas, tem de resolver problemas criados pelos outros. Inclusive, ou principalmente, pelo próprio presidente e seus três filhos, o 01, o 02 e o 03. Numa fase da ditadura, quando cutucavam o presidente Figueiredo, ele ameaçava acionar o ministro do Exército, linha dura: “Chama o Pires!”. Agora, quando é preciso segurar os filhos do presidente, os generais gritam por um moderado: “Chama o Heleno!”.
No centro da festa, estavam justamente os generais Augusto Heleno, chefe do GSI e apagador-geral de incêndios da República, e Eduardo Villas Bôas, que o assessora no GSI. Ambos têm enorme responsabilidade para salvar o barco, que está sacudindo depois que o PSL foi flagrado fazendo peraltices e o filho 02 do presidente, Carlos Bolsonaro, desmentiu pelo twitter o ministro Gustavo Bebianno, presidente do partido nas eleições e agora sob risco de cair da Secretaria-Geral da Presidência e “voltar às origens”.
Todos ali sabiam que, num clima como esses, só uma pessoa tem coragem, legitimidade, respeito e jeito para alertar o presidente contra o excesso de poder dos filhos e para o excesso de problemas que eles estão jogando no colo do pai. Esta pessoa é Heleno. Os militares recorrem a ele, a quem cabe dizer verdades difíceis a Bolsonaro.
Na crise de Bebianno, porém, quem matou a charada foi o Estado, ao recompor a cronologia da quarta-feira, que deveria ser de comemoração da alta de Bolsonaro e virou uma guerra entre o filho do presidente e um dos únicos civis com algum poder no Planalto.
E qual foi a charada? Os mundos político, militar e econômico passaram o dia crucificando Carlos Bolsonaro por ter tido a audácia e o voluntarismo de atacar um ministro. Mas a história é diferente. Primeiro, o presidente desmentiu Bebianno ao gravar a entrevista para a TV Record ainda no Hospital Albert Einstein. Só depois, enquanto o presidente voava para Brasília, Carlos divulgou o desmentido do pai pelo twitter, inclusive com o áudio em que ele se recusa a falar com Bebianno. Por fim, Bolsonaro retuitou o ataque de Carlos.
Ou seja: todo mundo incomodado, aflito e preocupado com o ato de Carlos, mas o problema era outro: não foi o filho quem gerou o problema, nem foi o pai quem tomou partido dele a posteriori. Foi o presidente quem atacou o ministro, Carlos só amplificou a posição do pai. Logo, Carlos não age da própria cabeça, ele é a voz do presidente.
Conclusões: 1) desta vez, o problema não foi Carlos, foi Jair; 2) Bebianno está frito, mas ele também tem muito óleo na frigideira; 3) Se é assim com Bebianno, o que será com os demais? 4) Heleno pode fazer queixa de Carlos para Jair, mas pode dar uma bronca no presidente?
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
12 Fevereiro 2019 | 03h00
Razões para animosidade até há, mas alguém pode explicar por que, raios, o governo Bolsonaro precisava abrir mais um flanco e mirar na secular e poderosa Igreja Católica? Logo quando precisa concentrar energias e ampliar o leque de aliados para aprovar a reforma da Previdência e o pacote anticorrupção?
Daí o governo abrir uma guerra com bispos e padres não é prudente, nem um bom negócio. A Igreja Católica pode não estar no seu melhor momento, com suspeitas, denúncias e perda de fiéis para as denominações evangélicas, mas ainda é... a Igreja Católica. Está em toda parte, tem ramificação, tem eco, tem contato direto com as populações mais distantes e mais desamparadas pelo Estado. E canais no exterior.
Para piorar, setores de inteligência do governo parecem confundir e embolar bispos progressistas e padres que atuam na ponta com ambientalistas e indigenistas num mesmo saco de esquerda e de oposição.
Pela excelente manchete de Tânia Monteiro, no Estado, o que acendeu a luz amarela do Planalto foram relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertando para a possibilidade de os inimigos do governo aproveitarem o Sínodo da Amazônia, no Vaticano, em outubro, como plataforma para criticar o governo Bolsonaro e ganhar espaço na mídia internacional – que, vale lembrar, tem sido muito refratária a Bolsonaro desde a campanha.
Em nota, o GSI, ao qual a Abin é vinculada, diz que alguns temas do Sínodo “tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional” e encerra avisando: “cabe ao Brasil cuidar da Amazônia brasileira”.
Todo cuidado é pouco, porém, para não multiplicar os fantasmas. O governo já trata o Itamaraty, a mídia, o Coaf, as ONGs, as universidades e as escolas, além dos ambientalistas e indigenistas... como inimigos. Aliás, como esquerdistas ávidos para destruir os valores cristãos do Ocidente e, junto com eles, o próprio governo brasileiro.
É assim, criando fantasmas e inimigos comuns, que o bolsonarismo vai alimentando seu “braço armado” na internet, que atira para todo lado, indiscriminadamente. Não viu, não ouviu, não leu ou não entendeu nada, mas já não gostou. Incluir a Igreja Católica nesse balaio para quê?
Papel de pão. Ricardo Boechat viveu a mil por hora até o fim. Trabalhava muito, apurava notícia o tempo todo, curtia a vida ao máximo, teve seis filhos. Ácido nas críticas aos poderosos, tinha um humor especial. Até contra ele próprio.
Eu era colunista do Estado em Brasília, ele era diretor da Sucursal do jornal no Rio. Fui fazer uma entrevista, passei na redação e achei os colegas com uma cara meio esquisita. É que ele tinha passado a noite na farra e levado uma bronca em casa, estava na maior ressaca e ia chegar um pouco atrasado, de cara inchada.
De repente, abre-se a porta e eis que entra o Boechat. Como? Morrendo de vergonha, encolhido, com um saco de pão metido na cabeça, desses de papel, só com dois furos na área dos olhos. “Vão desculpando aí...” Quem não desculparia?
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
10 Fevereiro 2019 | 03h00
O Brasil está perplexo, irritado, desanimado e a palavra-chave por trás das três catástrofes foi dada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge: “Estamos vendo fatos e desastres evitáveis, preveníveis e precisamos estar atentos a eles”. De todas as tragédias, a maior tragédia é descobrir que todas aquelas perdas seriam perfeitamente “evitáveis” se todos e cada um cumprissem com responsabilidade suas funções.
O que foi Brumadinho? De certa forma, uma repetição espantosa do crime de Mariana, em que setor público, companhias privadas e legisladores se embolaram numa valsa macabra de descaso, negligência, omissão, quem sabe embalada pela velha e arraigada corrupção. Uma represa ultrapassada, fiscalização precária, alertas frágeis e ignorados, refeitório e administração como alvo diretos. Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas daqueles que foram soterrados, agonizando na lama.
Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas daqueles que seriam a saída para o futuro e arderam em chamas, sem chance de escapar.
O que foi o temporal que matou sete pessoas na cidade maravilhosa? A história anunciada de desabamentos, destruição e mortes que se repete a cada ano, a cada verão, a cada temporal, embalada pela incapacidade dos governos, pela má-educação da população, por erros que se eternizam.
Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas daqueles que afundaram na água, asfixiados, impotentes para reagir.
O que foi a morte dos 13 bandidos no bucólico (e perigoso) morro de Santa Tereza? Armados até os dentes e cada vez mais audaciosos, eles montaram um bunker para reagir à polícia. Foram dizimados, na maior chacina de criminosos desde 2007 no Rio. Por trás dessa única cena, uma realidade carioca e nacional: a violência fora de controle. Não se combatem as causas, se passa a eliminar o efeito. Na “nova era”, vão ter de matar milhões de bandidos. Uma carnificina.
Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas das vítimas daqueles criminosos, mas também os dos próprios criminosos mortos. Por trás de cada um, provavelmente há a história de uma criança sem futuro.
Nós, a Nação dessas mães, pais, avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas de toda essa tragédia coletiva, nos perguntamos: onde foi que erramos? São muitas respostas, uma dor que dói na alma e estremece o corpo, mas uma coisa é certa: os representantes do povo, os funcionários do povo e quem deveria proteger o povo estavam mais preocupados em combater os adversários do que garantir a segurança e o bem-estar das pessoas.
Na guerra entre direita e esquerda - que não acabou, só piora -, os vencedores são o descaso, a incompetência, a corrupção e a impunidade. O Brasil está em choque.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
08 Fevereiro 2019 | 03h00
Elogiável o presidente Jair Bolsonaro manter a sociedade informada sobre o seu quadro clínico, com boletins e entrevistas do porta-voz, Otávio Rêgo Barros. Dito isso, não é possível achar que a situação está absolutamente sob controle, após dez dias no hospital Albert Einstein. Não é tão tranquila e reconhecer isso não é “sensacionalismo”, como advertiu Bolsonaro pelo Twitter, mas sim trabalhar com a realidade.
A bolsa seria retirada em dezembro, mas adiaram para janeiro. A cirurgia era estimada em três horas, mas durou sete. Ele sairia do hospital na quarta-feira passada, mas os médicos adiaram a alta, sem nova previsão. Primeiro, enjoo e vômitos. Depois, febre. Em seguida, volta ao semi-intensivo. E, ontem, a notícia de que, apesar dos antibióticos, os exames de tórax detectaram pneumonia. Bom não é.
Assim, o que incomoda na internação de Bolsonaro, mais longa do que o previsto e mais difícil do que o desejável, é que ele continua sendo coadjuvante no seu governo, assim como na sua campanha à Presidência. Após a facada, a campanha andou sozinha e Bolsonaro se limitava a posts pelas redes sociais e a entrevistas pontuais à mídia mais camarada. Com a terceira cirurgia, ele está comandando o País a partir do hospital e do Twitter e o governo também anda sozinho.
Na campanha, o resultado foi a forte entrada em cena de seus três filhos mais velhos, Flávio, agora senador, Eduardo, o deputado metido em política externa, e Carlos, o responsável pela imagem do pai. No governo, o resultado é um constrangimento: a desenvoltura do vice Hamilton Mourão.
General de quatro estrelas, bem preparado, com opiniões fortes sobre tudo e sem papas na língua, Mourão deu de ombros à ordem de Bolsonaro para todos calarem a boca durante as eleições e também dá de ombros à sugestão (em falta de uma palavra melhor) de Augusto Heleno, seu colega de farda e de Alto-Comando do Exército, no mesmo sentido. Não calou a boca na campanha, não cala agora no governo.
Bolsonaro e seu entorno providenciaram um “gabinete de emergência” no hospital, mas as visitas estão vetadas, as videoconferências não deslancharam e eles não estão conseguindo evitar o protagonismo do vice-presidente.
Se mudança houve, foi no tom de Mourão. Na eleição, conservador e polêmico. No governo, equilibrado e até surpreendente. Já falou com naturalidade sobre aborto, embaixada em Israel e ameaças contra o ex-deputado Jean Wyllys. E, ontem, recebeu a CUT, nada mais nada menos. Mourão politicamente correto?
Homem saudável e razoavelmente jovem, Jair Bolsonaro deve estar louco para ter alta logo e assumir, de fato, a Presidência. Bons votos!
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
05 Fevereiro 2019 | 05h00
O governo começou de fato nesta segunda-feira, 4, com a abertura oficial do Ano Legislativo, o anúncio do pacote antiviolência e anticorrupção e a divulgação pelo Estadoda minuta da reforma da Previdência. Foi o melhor e mais produtivo dia da Presidência de Jair Bolsonaro desde a posse.
Estrategicamente, Moro detalhou seu pacote primeiro para governadores e falou várias vezes nos “anseios da sociedade”. Tanto um empurrão de governadores quanto a pressão popular costumam ser tiro e queda para a aprovação de projetos no Congresso.
Também pode assustar os congressistas, mas recebe aplausos da sociedade, o endurecimento das regras: o confisco de bens que ultrapassem valores obtidos com rendimentos comprovadamente lícitos; regime fechado desde o início da pena por corrupção e peculato; presídio de segurança máxima para condenados por organização criminosa que forem pegos com armas.
Nos casos de prisão em segunda instância, mais rigor no confisco de bens e obstáculos para regime aberto e semiaberto para corrupto, assim como a criminalização do caixa 2, haverá resistências no Congresso, mas a pressão virá de fora para dentro, da opinião pública para os plenários. A previsão é de uma divisão entre novos e antigos parlamentares, muitos de barbas de molho e já refratários desde as frustradas 10 Medidas Contra a Corrupção.
Mais complicado, exigindo um sério debate com especialistas, é a tentativa de redução ou até mesmo isenção de pena para policial que cometer assassinato. Militares, policiais e a família Bolsonaro são entusiastas dessa medida, mas não se pode dizer o mesmo de entidades de direitos humanos. Preventivamente, Moro avisa que “não existe licença para matar”, mas é justamente isso que essas entidades acusam.
Na economia, outra área vital para o governo Bolsonaro – e para o País – houve dois movimentos para esquentar os debates sobre a reformada Previdência. Um foi a publicação da minuta que prevê idade igual para homens e mulheres – 65 anos – e 40 anos de contribuição para a aposentadoria integral.
O outro movimento foi o compromisso dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, com a agenda do governo, particularmente na questão da Previdência. Para Maia, a aprovação da reforma é fundamental até como “indicador de que há condições para aprovar outras medidas para o desenvolvimento do País”. Alcolumbre defendeu os “ajustes prementes e necessários” e avisou que “não há como evitar a avaliação de reformas sensíveis e a primeira delas é a reforma da Previdência”.
Uma segunda-feira, portanto, muito produtiva, com o governo saindo do papel, as propostas se materializando, o Congresso se posicionando e a sociedade tendo, enfim, dados concretos para debater. Pena que, internado, Bolsonaro não tenha podido participar e comemorar diretamente. Ele voltou para o semi-intensivo e não vai mais ter alta nesta quarta, 6. Não é bom para ele nem para o governo nessa hora vital.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
03 Fevereiro 2019 | 03h00
Experiente e audacioso, o senador alagoano foi considerado favorito até a quinta-feira, quando começou a receber um turbilhão de más notícias: a vitória apertada (7 x 5) para a senadora Simone Tebet no MDB, 50 votos do plenário a favor da eleição aberta, a determinação do opositor Davi Alcolumbre (DEM-AP) e a histeria de Kátia Abreu, que teve efeito oposto.
Renan não acordou otimista nem mesmo depois que Dias Toffoli, do STF, providencialmente determinou o voto secreto. Os senadores deram de ombros a Toffoli, ao STF e ao próprio regimento do Senado e, um a um, abriam seu voto, desafiadoramente. Na segunda votação, quando os apoiadores do próprio Renan começaram a fazer o mesmo, só restou jogar a toalha.
O presidente Jair Bolsonaro foi prudente e sai ileso da guerra pelas presidências da Câmara e do Senado, mas é cedo para se dizer o mesmo do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Ele bancou Alcolumbre, que ganhou por um mísero voto, e cutucou um adversário implacável. Como bem sabem FHC, Lula e Dilma, Renan é um precioso aliado ou um temível adversário.
Onyx torceu o nariz para a reeleição de Rodrigo Maia e, quando o Planalto abriu o olho, Maia já tinha cristalizado sua vitória. O PSL aderiu e Jair Bolsonaro reagiu bem, mas Maia pode exibir orgulhosa independência. Outro erro de Onyx foi optar pelo desconhecido Alcolumbre e dar a chance ao seu partido, o DEM, de levar três ministérios importantes, mais a presidência das duas Casas. Se o partido ratear, a culpa vai cair no chefe da Casa Civil.
O foco de poder de Onyx é Jair Bolsonaro, o que, obviamente, não é pouco. O presidente é grato a ele porque, lá atrás, aquele gaúcho do DEM jogou todas as suas fichas na campanha do capitão, contra o seu partido e todas previsões. Comprou na baixa. Já o vice Mourão deixa claro que não tem nada a ver com Onyx, o general Heleno (GSI) mantém distância e olhar crítico, Eduardo Bolsonaro já bateu de frente, Paulo Guedes corre por fora, Bebianno (Secretaria-Geral), padrinho do recente casamento de Onyx, tem lá seus próprios planos de poder e vem, discretamente, ganhando espaços na articulação política.
O Legislativo sabe para onde os ventos sopram, tem canal direto com Paulo Guedes e Bebianno e tem à disposição Flávio e Eduardo Bolsonaro, para emergências. Todo mundo sabe para onde os ventos sopram. Onyx respira aliviado com o resultado de ontem, mas que se prepare para a independência e os canais próprios de Maia, o troco de Renan num Senado dividido ao meio e as dificuldades que o coadjuvante Alcolumbre vai enfrentar para assumir protagonismo. A vida de Onyx não parece fácil nem no governo nem na nova composição da Câmara e do Senado.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
01 Fevereiro 2019 | 03h00
No front interno, Bolsonaro consumiu a maior parte do tempo confraternizando com militares em posses e almoços. Aliás, só discursou em uma: a do novo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo. Isso é catequizar os já catequizados. O importante seria ampliar o leque político para atrair o centro, onde há ainda setores refratários, ou desconfiados.
Já não bastasse o senador, o motorista, a mulher e a filha deste darem de ombros para o MP, Flávio entrou no STF para suspender a investigação e vai perder hoje, quando o ministro Marco Aurélio derrubar a liminar da suspensão. Nem pode reclamar. Quem não deve não teme, certo?
Não foram “esquerdopatas” que exigiram explicações, foram os próprios generais do entorno do gabinete presidencial, inclusive, talvez principalmente, o vice-presidente Hamilton Mourão. Aliás, um capítulo à parte na campanha, na transição e no primeiro mês.
Se Bolsonaro foi obrigado vez ou outra a recuar de decisões na fase de transição, ao assumir, ele precisou ser desmentido pela própria equipe, ora por um ministro, ora por um alto assessor, ao falar de IOF, IR, reforma da Previdência. Isso mexe com o mercado, os humores e a percepção sobre a competência do presidente.
Até o general Augusto Heleno, do GSI, teve de recorrer ao seu jogo de cintura para desmentir a intenção de ter uma base militar americana em solo brasileiro. Segundo Heleno, fizeram um “auê” por nada. Mas ele certamente sabe que quem fez o “auê” foi o próprio Bolsonaro. Possivelmente, por ter confundido a “base” de Alcântara com base militar. Erro elementar.
Brumadinho foi um ponto positivo para Bolsonaro, rápido ao ir já no primeiro momento à área e mobilizar a equipe. A tragédia alavancou o ministro Ricardo Salles e serviu de alerta contra o certo desdém do próprio presidente e de parte dos ministros diante do meio ambiente.
A partir de hoje, Bolsonaro e seu governo entram numa segunda fase: a de tourear um Congresso que parece dividido entre os neófitos, que não sabem muito bem a que vieram, e os muito experientes, que são craques em pressionar governos. Em especial governos que precisam aprovar reformas difíceis e compensar, na economia, o que falta no desempenho do próprio presidente.
Rodrigo Maia será uma mão na roda na presidência da Câmara, mas o Senado tem tudo para virar problema, com o super experiente Renan Calheiros.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
29 Janeiro 2019 | 03h00
Segundo ele, a esquerda tem mania de se apossar da defesa do ambiente como se fosse a única preocupada com a preservação do planeta, mas, ora, ora, tanto a tragédia de Mariana quanto a de Brumadinho ocorreram ou durante ou em seguida aos governos da petista Dilma Rousseff em Brasília e Fernando Pimentel em Minas.
Logo, o ministro não quer que a discussão seja entre esquerda e direita, mas ele bem que deu um empurrãozinho para que assim seja. E lembrou que, logo no início, o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a região mineira e sete ministros foram pessoalmente lá. Tomara que esse empenho no calor dos acontecimentos decante em medidas realmente eficazes. Já imaginaram uma terceira Mariana?
Em outras palavras, ela também disse à Rádio Eldorado que a questão não é de direita ou esquerda e apontou o dedo em várias direções. Segundo Marina, “é um erro demonizar os agentes ambientalistas” e há três culpados no rompimento de represas: a ganância do setor privado, a falta de ética na política e a flexibilização oportunista de regras pelo setor público.
Como ministra de Lula, e ainda no PT, Marina vivenciou intensos debates e embates com Dilma, chefe da Casa Civil. Uma exigia rigor nos licenciamentos e na fiscalização. A outra, pretendendo-se mais pragmática, queria apressar licenças e agilizar empreendimentos.
A questão central, portanto, não é ideológica, é o velho embate entre ambientalistas, chamados de “puristas” (ou “sonháticos”?), e os que defendem “passar o trator” e dar toda a prioridade a represas, plantações, pecuária. O “desenvolvimento” a qualquer custo.
Como novo ingrediente, o governo Bolsonaro demonstra desdém pelo meio ambiente, quase empurrou a pasta para a Agricultura e abriga um chanceler que acusa o “ambientalismo” de ser uma espécie de facção da esquerda mundial para destruir o Ocidente.
Para Marina, Brumadinho é um alerta para o governo Bolsonaro, que “sucateou e diminuiu o ministério de alto a baixo”. Ela exemplificou: a Agência Nacional de Águas e o Serviço Florestal saíram da pasta e os contratos com ONGs ambientalistas foram suspensos. E cutucou: “Pela primeira vez um ministro do Meio Ambiente assumiu com discurso de interesse dos ruralistas”.
Para Salles, o alerta é “para toda a sociedade”. Mas, com tantos mortos e centenas de desaparecidos, que Brumadinho sacuda os poderosos, provoque debates, gere punições e, sobretudo, relembre a todos, principalmente ao novo governo, sim, que Meio Ambiente não é uma questão supérflua, diletante nem coisa de esquerdopatas. Assim como mata pessoas e destrói famílias inteiras, ameaça o próprio futuro do planeta e da humanidade.
Discutam muito senhores e senhoras de esquerda e de direita, mas que o setor privado não privilegie a ganância em detrimento da vida, os governos não flexibilizem regras para favorecer negócios e os políticos tenham ética e respeitem seus mandatos e seus eleitores.
Utopia? Pode ser. Mas não há alternativa: é salvar ou salvar o futuro da humanidade. Quem ameaçá-lo e quem for culpado por tragédias e mortes não apenas deve, mas tem de ser punido pesadamente. Aliás, e os culpados por Mariana, por onde andam?
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
20 Janeiro 2019 | 05h00
Adversários ácidos e públicos, o senador Renan Calheiros e o procurador Deltan Dallagnol podem ter um encontro marcado para setembro deste ano, quando Renan espera estar de volta à presidência do Senado e Deltan estará concorrendo a procurador-geral da República. Inimigos, disputam o apoio, mesmo que velado, do presidente Jair Bolsonaro.
Renan acaba de chamar Deltan de “ser possuído”, mas ele também reúne uma coleção de adversários e ambos seriam facilmente apontados como “seres possuídos”. Apesar disso, o governo Bolsonaro – a “nova era” – dá sinais de apoio a Deltan na PGR e pode ficar entre Renan e Fernando Collor no Senado. Seis por meia dúzia.
Renan é do MDB, esteve na linha de frente dos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma, fez dobradinha com o PT em Alagoas em 2018 e tem “problemas” na Justiça. Mas, como parlamentar, é competente, praticamente fechou o cerco a seu favor, e o PSL está aprendendo pragmatismo rapidamente.
Do outro lado, Dallagnol é porta-voz da Lava Jato e conquistou notoriedade com o PowerPoint de 2016 em que apontou Lula como “maestro da orquestra criminosa” e relevou as provas como “pedaços da realidade que geram convicção”. Ministros do STF, juristas e, claro, petistas, ficaram de cabelo em pé.
O mandato de dois anos de Raquel Dodge só vence em setembro, mas desde já a “República de Curitiba” faz campanha por Dallagnol. Dodge denunciou Lula, Aécio e o próprio Temer, que a nomeou. Seu “pecado” foi denunciar também Bolsonaro, por um discurso sobre quilombolas que ela considerou racista.
Para os “curitibanos”, “é preciso uma chacoalhada na PGR”, não há lei exigindo lista tríplice para o cargo e o procurador da Lava Jato seria o homem certo, no lugar certo, na hora certa. Aliás, como todos os paranaenses ou os que fizeram carreira no Estado e estão em alta: Sérgio Moro, Maurício Valeixo, Gebran Neto, Edson Fachin, Felix Fischer, Roberto Leonel, Igor Romário de Paula, Erika Marena e Fabiano Bordignon. É o que eles próprios chamam de “alinhamento dos astros”. Uma sorte e um gol de Bolsonaro.
Prudência. Lá se foram três semanas e o governo não para de produzir manchetes surpreendentes e as piores envolvem o filho do presidente, Flávio Bolsonaro. Primeiro, ele pediu para suspender investigações sobre seu gabinete na Alerj, sem ser o investigado. Depois viu-se por quê: as dezenas de depósitos em dinheiro na sua conta.
Não satisfeito em transferir o Serviço Florestal para a Agricultura, o governo nomeou para o cargo um ruralista antiflorestas derrotado nas eleições. Raposa tomando conta do galinheiro.
Após tantos elogios de Jair e Eduardo Bolsonaro a Murilo Resende Ferreira, por que ele não resistiu mais que 24 horas na coordenação do Enem? E a guerra contra ONGs? E a discussão sobre a China? E o relatório do Human Rights Watch?
Como fecho de ouro da semana, o vice Mourão verbaliza na revista Época o que todos se perguntam: “Terá Ernesto (Araújo) condições de tocar (...) a política externa do Brasil?”. Atenção, bolsonaristas de internet: Mourão não é petista, comunista nem esquerdopata. Aliás, o alerta é dele: “Está faltando prudência”.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
18 Janeiro 2019 | 03h00
Desde o início, as reações à história levantada pelo Coaf e divulgada pelo Estado têm sido erradas do ponto de vista jurídico, político e midiático. Não é admissível que o policial militar e ex-assessor Fabrício Queiroz, sua mulher e suas filhas não apareçam para depor. É um desrespeito inaceitável com as instituições republicanas. Para piorar, Fabrício alegou questões de saúde para não depor, enquanto aparecia bem serelepe em entrevista à TV. Sem falar na dancinha do hospital...
Depois de também não atender ao chamado do MP-RJ (no caso dele um mero convite), Flávio Bolsonaro agora parte para uma estratégia de altíssimo risco. Ele havia dito que não tem nada a ver com isso e que o assessor do seu gabinete é quem deveria se explicar. Se não tem nada a ver com isso, por que entrar com pedido de suspensão de investigações junto ao Supremo?
No caso de Luiz Fux, a situação é mais do que apenas constrangedora, como admitem seus colegas no Supremo. Ferrenho defensor do fim do foro privilegiado, ele usou justamente o foro para privilegiar o filho do presidente. E com argumentações questionáveis, segundo seus próprios pares, que passaram o dia ontem trocando telefonemas, informações e impressões.
Em sua decisão, Fux – que responde pelo STF nessa segunda fase do recesso do Judiciário – alegou que Flávio Bolsonaro foi eleito senador e assumirá o mandato e ganhará foro privilegiado em primeiro de fevereiro e, segundo o ministro, cabe ao plenário decidir o que deve ou não se encaixar no foro.
Só que... a decisão do plenário foi clara: o foro no STF para senadores e deputados vale para crimes cometidos durante o mandato e em função do mandato. No caso de Flávio Bolsonaro: 1) até agora, não há crime; 2) se houve algum foi quando ele era deputado estadual no Rio; 3) nada disso tem a ver com o seu futuro mandato no Senado.
Logo, tudo isso demonstra um certo desespero e joga ainda mais suspeitas, intrigas e especulações sobre os envolvidos. Uma delas, que circulava ontem em Brasília, é de que as investigações estariam evoluindo rapidamente e deixando não apenas Flávio como o próprio pai, agora presidente, numa situação delicada. A conta de Fabrício não seria abastecida só pelos funcionários? E seria um “caixa comum” da família?
O fato é que o tema viralizou na internet – um front em que as tropas bolsonaristas venceram a guerra das eleições e vinham ganhando as batalhas de governo. Isso pode mudar e os generais não estão mais sozinhos ao pedir explicações. Seus soldados nas redes também querem entender o que acontecia no gabinete de Flávio, que dinheiro era aquele, de onde vinha e para onde ia. Os Bolsonaro ganharam as eleições, não um habeas corpus para fazerem o que bem entendem. Ninguém está mais acima da lei, lembram?
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
15 Janeiro 2019 | 03h00
Assim como Lula e Tarso Genro foram os principais responsáveis por manter Cesare Battisti no Brasil, a eleição do presidente Jair Bolsonaro foi decisiva para mudar o destino dele, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos na Itália.
Quem determinou a prisão de Cesare Battisti (aliás, de forma bem atrapalhada) foi o ministro Luiz Fux, do STF, ao revogar em dezembro de 2018 sua própria liminar, de outubro de 2017, que mantinha o refúgio. Quem autorizou a extradição foi o então presidente Michel Temer. E quem mandou Battisti direto para a Itália foi o presidente da Bolívia, Evo Morales.
Trazer Battisti para o Brasil e daqui enviá-lo para a Itália seria uma concessão política para dar um troféu a Bolsonaro. Mas seria também dar sorte ao azar. Vai que entram com um Habeas Corpus no STF? Vai que, como o Brasil não reconhece prisão perpétua, exigissem o máximo de 30 anos de pena?
Assim, quem mais capitalizou a extradição de Battisti da América do Sul direto para a prisão perpétua foi Morales, justamente um presidente de esquerda, que orbitava o bolivarianismo, ou “socialismo do século 21”, de Hugo Chávez, mas tem se mostrado pragmático, responsável e diplomático, a ponto de participar tanto da posse de Bolsonaro quanto de mais uma posse de Nicolás Maduro na Venezuela.
A fuga para a Bolívia, que durou um mês, foi uma derrapada da Polícia Federal. Corintianos, flamenguistas e marcianos sabiam, tanto quanto o próprio Battisti, que a extradição seria uma questão de tempo e era óbvio ululante que ele faria o que sempre fez em dois terços da vida: fugir. Só a PF não sabia? Não estava de vigília?
Mas a fuga para a Bolívia foi também um erro de cálculo de Battisti, que buscou um refúgio tão óbvio quanto foi a sua própria fuga, não só pela proximidade da Bolívia como também porque esse é um dos últimos países ainda carimbados como “de esquerda” nos arredores do Brasil. O que ele não contava é que Morales pode continuar sendo de esquerda, mas não tem nada de bobo. Bater de frente com Itália e Brasil por uma causa perdida não estava certamente nos seus planos.
Assim, Bolsonaro até se esforçou, mas perdeu a chance de ostentar o troféu Battisti para a Itália, a Europa e o mundo, mas isso não lhe tira o mérito de ter deixado claro todo o tempo que faria justiça contra o condenado e a favor de um país irmão como a Itália. Tudo aconteceu tão rápido exatamente por sua determinação e sinalização política nesse sentido. O que, aliás, as autoridades italianas reconhecem e agradecem.
Como ministro da Justiça, Tarso Genro driblou os pareceres do seu próprio ministério, do Itamaraty e do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) para alegar que Battisti era “condenado político” e mantê-lo no Brasil. No apagar das luzes de seu governo, Lula deu de ombros para a decisão do Supremo e confirmou o refúgio. Mas os ventos mudaram e, com eles, a sorte do italiano.
Isso remete ao banqueiro Salvatore Cacciola, extraditado do Mônaco para o Brasil, e ao ex-BB Henrique Pizzolato, que fugiu para a Itália e voltou direto para a prisão. O mundo está ficando muito pequeno para criminosos. A Justiça ainda tarda, mas começa a não falhar.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
13 Janeiro 2019 | 05h00
A estreia do governo Jair Bolsonaro produziu menos decisões e metas do que recuos e confusões. A sociedade, o mercado e o próprio governo não sabem até agora qual será a proposta para a Previdência, nem mesmo as idades mínimas para homens e mulheres e o regime para as três Forças. Mas todo mundo descobriu que o presidente fala sem pensar e estar devidamente informado, os ministros são obrigados a desmenti-lo e está uma confusão.
Mesmo a reunião do Conselho de Governo, que inclui o presidente, o vice e os 22 ministros, foi decepcionante. A expectativa era de que, no final, algum dos ministros (na falta de um porta-voz) desse uma luz sobre as prioridades em cada área: Educação, Saúde... Mas tudo o que anunciaram foi um projeto – que não é meta de governo – para flexibilizar a posse de armas, o que, aliás, pode aumentar o já alto número de mortes por armas de fogo.
Bolsonaro também suspendeu a reforma agrária, depois suspendeu a suspensão; jogou no ar restrições ao acordo Boeing-Embraer e só depois foi discutir o assunto com os ministros; o chanceler postou no Twitter que o presidente da Apex tinha pedido demissão, mas ele foi trabalhar normalmente; um vídeo antigo da ministra da Família contra a Teoria da Evolução provocou crítica até do colega de Ciência e Tecnologia.
Enquanto isso, o filho do presidente, seu ex-assessor Fabrício Queiroz e a família deste se recusam a prestar esclarecimentos ao Ministério Público e o filho do vice-presidente triplica salário em banco público. Sem falar no chefe da Casa Civil, que não explica por que as notas dos gastos de seu gabinete de deputado vieram de uma única empresa, da qual era o único cliente.
Nesta terceira semana, que o trem entre nos trilhos, Bolsonaro passe a falar com conhecimento do que está falando, os ministros comecem a anunciar seus planos e metas, cessem as confusões e o governo assuma alguma normalidade. Já está mais do que na hora.
Foi ao ar ontem na BBC World News o primeiro de três episódios sobre o Brasil de junho de 2013 a Jair Bolsonaro. Repórter, entrevistador e produtor executivo da série, intitulada “O que aconteceu com o Brasil”, o jornalista Kennedy Alencar ouviu as expectativas de quatro ex-presidentes sobre Bolsonaro. As respostas:
Temer: “Ou você vive numa democracia, e democracia significa convivência harmônica do Executivo, Legislativo e Judiciário, ou você vai para uma ditadura. Eu acho que ele vai preservar a democracia”.
Dilma: “Eu espero que seja possível a gente ter um governo de extrema-direita sem comprometer a democracia. Eu espero, mas nós estamos vivendo um momento que eu acho muito difícil internacionalmente para a democracia”.
Lula: Vamos ver para onde Bolsonaro irá levar o País. A razão da vitória dele é sabida por quem conhece história: quando se nega a política, o que vem depois é sempre pior”.
FHC: “Eu acho que ele simplifica tudo e pensa que a força resolve. Esse é o maior medo que eu tenho, é dele ser um incapaz de governar”.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
11 Janeiro 2019 | 03h00
Quem dá uma olhada na agenda do presidente Jair Bolsonaro nota que, desde a posse na semana passada, ele privilegia um setor da vida nacional: o militar. São almoços, jantares, posses, reuniões, e não só com o contingente do Exército no Planalto, mas com oficiais das três Forças. Pela ordem, Exército, Marinha e, lá no fim, mais distante, a Aeronáutica.
Além disso, a agenda de Bolsonaro nesta semana incluiu almoço na Marinha e, dois dias depois, trajeto de lancha e participação na posse do novo comandante da Força, almirante Ilques Barbosa Júnior. Incluiu também a transmissão de cargo no Comando da Aeronáutica, para o brigadeiro Antonio Carlos Bermudez, e jantar com oficiais das três Forças. Não é obrigação, é prazer de velhos camaradas.
Manchete de ontem do Estado mostra que o rombo da previdência dos militares é de R$ 40,5 bilhões e foi o que mais cresceu de 2017 para 2018: 12,5%, quando o dos servidores civis aumentou 5,22% e o do INSS, 7,4%. Metade dos militares se aposenta entre 45 e 50 anos, com média de aposentadoria de R$ 13,7 mil. No INSS, R$ 1,8 mil.
Dados contundentes, mas os militares alegam que têm carreiras diferenciadas, mudam várias vezes, suas mulheres não conseguem se firmar num emprego, não podem fazer greve, não têm horas extras nem FGTS. Consideram-se um “seguro” para o País e seguros eficazes custam caro.
Em fila, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, o ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, e o comandante Ilques Barbosa já se manifestaram, em discursos e entrevistas, contra a inclusão dos militares na reforma que, em resumo, é “de todo mundo”. Insistem num regime diferenciado e não falam sobre idade mínima, uma questão-chave na previdência “dos outros”, os servidores civis e os trabalhadores do INSS.
Além disso, os militares pedem – e Bolsonaro já acenou positivamente – a revisão da MP 2.215, de 2001, último ano de FHC, que mexeu, por exemplo, no auxílio-moradia e na promoção automática de patente na passagem para a reserva.
São questões que envolvem mais do que direito, justiça ou injustiça. O maior problema econômico são o inchaço da máquina pública, o rombo nas contas e o peso da Previdência nisso. Como diz o pessoal de Paulo Guedes, todos têm de dar sua parte no sacrifício. Corte para todos e privilégios e mais gastos só para militares seria politicamente ruim e um marketing negativo para o governo, os militares e o próprio Bolsonaro.
Mal comparando, é como a promoção do filho do vice Mourão no Banco do Brasil, com o triplo do salário. Não se questiona a competência do rapaz, mas, sim, a oportunidade. Bom para o governo não é.
Os primeiros quatro dias foram suficientes para apontar a principal fonte de problemas na “nova era”: Jair Messias Bolsonaro, que não só surpreendeu como chocou militares, diplomatas e políticos ao lançar a ideia de uma base militar americana em território brasileiro no futuro. Um prato feito para a oposição.
Dentre as três ideias, a mais explosiva foi a de oferecer de mão beijada para o governo Donald Trump a instalação de uma base militar dos EUA em solo brasileiro. Como assim?
Na hipótese (remotíssima, claro) de uma guerra entre eles, chineses e russos estariam tentados a jogar uma bomba na base? Ou seja, no Brasil e na América do Sul? Em tese, poderia ser.
De tão esdrúxula, a proposta foi recebida por diplomatas e militares como um “equívoco” do presidente, que teria confundido o Centro de Lançamento de Alcântara (MA) com uma base militar. O que está em estudo é um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (TSA em inglês) para permitir o uso comercial de Alcântara em lançamento de satélites, aliás, não apenas pelos EUA, mas também por outros parceiros. Base militar é outra coisa, totalmente diferente. É abrir mão do controle de uma parte do território para um outro país, no caso os EUA.
Quando a Venezuela ameaçou sediar uma base russa, em 2009, gerou uma gritaria estridente não só do Brasil, mas de toda a região. Se condena uma base russa na Venezuela, ou uma americana no Equador, por que permitir que o Brasil hospede uma dos EUA?
O único registro de base militar estrangeira no Brasil foi na Segunda Guerra, quando Getúlio Vargas autorizou, em 1942, que os americanos usassem o geograficamente estratégico Rio Grande do Norte para reabastecimento de aeronaves e decolagem rumo à África. Outros tempos...
Hoje, ceder território para uma base militar estrangeira é de uma subserviência constrangedora, que os militares e os diplomatas não podem aceitar em nenhuma hipótese. Aliás, nem eles nem o Congresso Nacional a quem, pelo artigo 49, inciso II da Constituição, cabe aprovar qualquer tipo de base temporária em solo nacional. Nessa, Jair Bolsonaro não apenas deu palanque para o ex-chanceler Celso Amorim – inimigo número 1 da “nova diplomacia” –, como pode unir oposição, situação, esquerda e direita. Contra o governo.
O secretário da Receita, Marcos Cintra, e depois o ministro Onyx Lorenzoni vieram a público desmentir, ops!, tentar explicar as declarações de Bolsonaro sobre IR, IOF e idade mínima de aposentadoria.
Já o chanceler Ernesto Araujo não se fez de rogado e, em Lima, não excluiu a possibilidade de uma base americana, “dentro de uma agenda mais ampla com os EUA”, e foi além. Na sua opinião, “não haveria problema numa base”. Isso é que é alinhamento automático! Com os Estados Unidos e com os erros do chefe.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
06 Janeiro 2019 | 03h00
A decisão do Grupo de Lima de não reconhecer um novo mandato para Nicolás Maduro na Venezuela – aliás, por todos os motivos do mundo – marca a volta firme e determinada da influência direta dos Estados Unidos nos rumos da América Latina, particularmente da América do Sul. Washington, que não integra o grupo, participou ativamente da articulação.
Além das questões mais objetivas, comércio, negócios, investimentos e cooperação, essas “oportunidades” incluem uma presença política efetiva de Washington na região, com reflexos óbvios sobre posições conjuntas nos arranjos regionais, como no caso do Grupo de Lima, ou em organismos multilaterais, como a própria ONU.
Dos 13 países, o único a não subscrever a declaração enxotando Maduro da convivência regional foi o México, onde a eleição de López Obrador foi na contramão da América Latina. Brasil, Argentina, Paraguai, Chile e de certa forma o Equador aderiram à “direita, volver”, somando-se à Colômbia e Peru, mas o México foi para a esquerda. Não, diga-se, a ponto de pular no naufrágio do “bolivarianismo”.
O papel do Brasil nesse novo ambiente, tão favorável – ou entusiasmante – para os EUA, é decisivo. Não só como o maior, mais populoso e mais rico país da região, mas principalmente pela ascensão de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo, com Olavo de Carvalho pairando sobre eles.
Não é trivial ter um chanceler de um país dessas dimensões assumindo publicamente que só Deus pode salvar o Ocidente e seus valores cristãos e, no fim, nomear o presidente Donald Trump como esse Deus tão poderoso. Também não é nada trivial, mas sim pueril, que o presidente eleito mande o próprio filho como a cara e a voz do Brasil em visitas até a membros da Casa Branca em Washington. Os sinais são de alinhamento automático aos EUA e de veneração a Trump.
Registre-se, porém, a cautela com que Pompeo respondeu sobre a conveniência e oportunidade de um alinhamento automático do Brasil aos EUA já. Em vez de fogos e comemorações, disse sóbria e vagamente que os dois países terão “um bom alinhamento nas suas políticas”.
Como bastidor: antes de saber exatamente a que Bolsonaro veio e até onde pode chegar, não convém a Washington um engajamento tão simbólico com o governo que está só começando. Forte aproximação, com certeza, mas o momento é de observação, acompanhamento, para ver como as coisas caminham.
De outro lado, grandes diplomatas e especialistas em política externa lembram que nem no regime militar houve sempre alinhamento automático aos EUA. E mais: alertam que, se Bolsonaro ainda é uma incógnita aqui, Trump vive tempos conturbados lá, perdendo subordinados um atrás do outro, sob acusações de relações heterodoxas com a Rússia e leniência com a Arábia Saudita.
Logo, o melhor é também observar e acompanhar, até por reciprocidade subjetiva. Como diziam nossas velhas tias, “prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. Taí, elas dariam boas diplomatas.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
04 Janeiro 2019 | 03h00
Por isso, a transmissão de cargo mais instigante e concorrida foi a do general Fernando Azevedo e Silva na Defesa. De tão disputada, foi no Clube do Exército. De tão importante, foi a única com discurso do presidente.
O que eles conversaram não se sabe, mas sabe-se que Villas Bôas, infelizmente acometido de uma doença degenerativa, é o maior líder militar, um homem inteligente, articulado, simpático e que, bem antes das eleições, já vinha assuntando sobre quem seria o candidato ideal para trazer a direita de volta ao poder. Bolsonaro? O ruralista Ronaldo Caiado? Algum empresário?
Pode nem ter sido a primeira opção, pode nem ter sido o ideal, mas quem enfrentou o desafio, viabilizou-se para a tarefa e conquistou o apoio dos integrantes das três Forças foi o capitão que saiu pela porta dos fundos do Exército, integrou o baixo clero da Câmara 28 anos e agora se cerca de militares nos cargos mais sensíveis.
No mesmo discurso para seus velhos pares, Bolsonaro fez questão de esclarecer uma outra dúvida: quem enfiou o general da reserva Hamilton Mourão na vice? Há quem jure que foram os militares, mas Bolsonaro disse que ouviu outras pessoas, mas a decisão foi dele, pessoal. “Não tem mais capitão nem general. Agora, somos todos soldados a serviço do Brasil.”
O novo ministro Fernando Azevedo e Silva admitiu que “são tempos difíceis de escassez”, mas já defendendo a “urgente reestruturação” e “novos atrativos” para a carreira militar. E Bolsonaro acenou com a revisão da MP de 2001 que acabou com a promoção automática dos militares que passam para a reserva, além do auxílio-moradia e do adicional de inatividade dos militares.
Se há algo que separa Bolsonaro e Villas Bôas, parece ser a relação com Fernando Henrique Cardoso, que é pródigo de elogios ao comandante do Exército e tem uma velha rixa com o atual presidente. Depois de citar Sarney, Collor e Itamar e suas decisões relativas aos militares, desdenhou: “Depois, tivemos o outro governo, os senhores sabem qual foi. Tivemos alguns problemas, em especial comigo”.
Para Bolsonaro, as Forças Armadas são “obstáculo para quem quer usurpar o poder”, mas quem se apossou do poder político e alijou os civis por 20 anos foram elas. E há quem veja no novo governo a volta dos militares. Observando as posses, os discursos e a bajulação, porém, os ministros militares estão entre os mais sensatos, menos bajuladores e se comportam como quem veio não pelo gosto pelo poder, mas para ajudar a resgatar a ordem no País e na gestão pública. Ao jeito deles.
Destaque-se, aliás, a compreensão do general Fernando sobre a imprensa: “Mais do que reproduzir notícias, ela nos avisa, nos cobra quando necessário e sempre ajuda a dar transparência às nossas atividades”. Vamos combinar: melhor do que muito civil e bem melhor do que muito bolsonarista de internet.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
01 Janeiro 2019 | 05h00
Se 2018 foi um ano peculiaríssimo, de muita polarização e grandes emoções, 2019 será um ano tenso, com muita coisa por fazer e grandes interrogações, mas a maioria vitoriosa torce para dar certo, boa parte dos derrotados ou alheios também e, por enquanto, só a minoria da minoria esfrega as mãos para dar errado.
Goste-se ou não, Bolsonaro venceu e está nas mãos dele aprofundar a recuperação da economia, abrir perspectivas, investimentos e empregos, reprimir a corrupção, distribuir renda e fazer o Estado funcionar como Estado e a iniciativa privada, como iniciativa privada. Disso tudo depende o bem-estar dos brasileiros.
Esses números dizem muito da situação política. Assim como seus opositores têm de reconhecer a sua legitimidade, Bolsonaro precisa admitir que teve o voto de menos de 40% e vai governar para 100% dos eleitores – e da população. Vai ter de avançar, ceder e buscar o consenso, sempre negociando com o Congresso e prestando contas à opinião pública. A mídia, por mais agredida, continuará no seu papel de apurar e cobrar.
A posse será animada e festiva, como sempre, mas o esquema de segurança será particularmente rigoroso, cheio de limitações. Faltar guarda-chuva e carrinho de bebê é curioso e limitante, principalmente na época chuvosa de Brasília, mas será que vai faltar também a missa na catedral de Brasília?
Bolsonaro assume com a força do voto, mas particularmente da classe média alta, de parte das corporações, do agronegócio e... das denominações evangélicas. É importante registrar, de outro lado, o clima de confronto do novo governo com o Nordeste, uma das regiões mais populosas, críticas e queridas do Brasil. A única em que o vermelho do PT prevaleceu e Bolsonaro perdeu.
É um mau sinal Bolsonaro não ter nenhum nordestino na linha de frente do seu governo, mas é muito pior o Nordeste não enviar nenhum dos seus governadores eleitos para a posse. É birra juvenil, a ideologia prevalecendo sobre os interesses da região, dos Estados e da sua gente. O governo Bolsonaro perde pouco, o Nordeste tem muito a perder nessa guerra.
Aliás, qual será o comportamento do presidente do Senado, Eunício Oliveira, na solenidade de hoje no Congresso? Aliado do PT no Ceará, derrotado nas urnas, ressentido, será que ele vai disfarçar o desconforto? E Bolsonaro, vai assumir integralmente o papel republicano e fingir que está tudo bem entre ele e o senador?
Mas esses são detalhes, curiosidades para fotógrafos, porque o mais importante hoje será a esperança, a expectativa, os discursos, a apresentação do novo presidente no parlatório de mármore do Planalto. Se é para apostar, ele e Michelle Bolsonaro desfilarão em carro aberto, no velho Rolls-Royce que dá uma pitada de glamour à democracia.
Hoje, é dia da festa. Amanhã, começa um longo caminho para Bolsonaro e seu governo, que vão consumir boa parte da energia do primeiro semestre na reforma da Previdência, difícil e inevitável, e enfrentarão incontáveis obstáculos. Sucesso a ambos, presidente e governo. O sucesso deles é a sorte do povo brasileiro. Feliz Ano Novo para o Brasil!
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
23 Dezembro 2018 | 03h00
“O Brasil é um transatlântico navegando em mares internacionais turbulentos e precisa ser conduzido com prudência, numa rota que a gente conhece e a diplomacia brasileira sempre seguiu, com a Constituição, as leis, o bom senso e a altivez.”
Segundo ele, que termina seu mandato no Senado e não disputou a eleição, “a mudança no Brasil é muito forte, muito importante, até mais do que as alternâncias anteriores, porque é até uma mudança cultural”. Logo, diz, “é natural que haja ajustes na política externa, como em qualquer área, porque a política é um ato do tempo”.
Para Nunes Ferreira, política e ideologia nem sempre se confundem, os diplomatas têm carreira de Estado e, como os militares, trabalham com todos os governos, de esquerda, direita ou centro. O Barão do Rio Branco, ex-chanceler e ícone da política externa brasileira, era ideologicamente monarquista, mas atuou politicamente para consolidar a República.
Citou ainda os grandes diplomatas da época do general Ernesto Geisel e do chanceler Azeredo da Silveira, que eram ironizados como “os barbudinhos do Itamaraty”, mas “fizeram uma excepcional inflexão na política externa, com base no pragmatismo responsável que perdura até hoje”.
Diplomatas estão por trás das reportagens condescendentes com Lula e Dilma e críticas a Bolsonaro? “Isso é uma grande bobagem”, responde. “O PT é o único partido que construiu e cultiva conexões externas com partidos, jornais, organizações e universidades.” Por isso, não pelo Itamaraty ou por diplomatas, prevaleceu no exterior uma visão equivocada do impeachment de Dilma e da prisão de Lula.
O único líder que tentou furar esse bloqueio foi Fernando Henrique Cardoso, já como ex-presidente, mas sem sucesso. Além dele, o DEM, ainda quando PFL, começou a construir conexões com partidos liberais, especialmente da Europa, mas essa tentativa também não se consolidou.
O chanceler releva a mania de Bolsonaro e Araújo de seguirem Trump em tudo e prega bom senso. “Nós já nos livramos de um antiamericanismo ginasiano de certas esquerdas”, diz, destacando que a guinada na política externa começou com Michel Temer, que mudou o tom e a ação em relação à Venezuela e avançou em convergências, acordos e cooperação com os EUA, como na Base de Alcântara.
Para Nunes Ferreira, o futuro governo pode mudar muita coisa, mas tenderá a recuar em outras frentes, porque não é razoável sair do Acordo de Paris e do Pacto Global de Imigração, virar as costas para a ONU, a OMC e o Mercosul e confrontar o mundo árabe com a embaixada em Jerusalém, tudo ao mesmo tempo.
De toda forma, ele tem uma certeza: “O mundo não vai acabar. O Brasil vai continuar sendo a grande segurança alimentar, o grande exportador de minérios, um País amigável. E vai continuar na América Latina, não vai mudar nem de hemisfério nem de continente”.
Traduzindo: Bolsonaro pode quase tudo, Araújo pode muito, mas ninguém vai virar o País de pernas para o ar, nem reinventar a roda.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
21 Dezembro 2018 | 03h00
Às vésperas do Natal e da posse de Jair Bolsonaro na Presidência, as bruxas estão soltas em Brasília, com decisões contundentes, ou chocantes, para todo lado. A reverência do ministro Marco Aurélio Mello ao ex-presidente Lula, o pendor corporativista do ministro Ricardo Lewandowski, o deputado Rodrigo Maia esquecendo que é economista...
E mais: a PGR na cola do presidente Michel Temer nos estertores do mandato, a PF revirando imóveis de Aécio Neves, as revelações sobre Gilberto Kassab ameaçando sua posse na Casa Civil de Doria e a condenação de Ricardo Salles por improbidade administrativa pairando sobre sua vaga no Meio Ambiente de Bolsonaro.
E o motorista milionário do gabinete do senador eleito Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio? Esse fantasma incomoda o clã Bolsonaro e pode incorporar hoje, quando Fabrício Queiroz finalmente deve depor ao Ministério Público sobre suas movimentações bancárias “atípicas”.
Flávio diz que não tem nada a ver com isso, mas qualquer deslize ou incongruência no depoimento de Fabrício, hoje, vai cair naturalmente nas costas de Flávio. Tudo acontecia no seu gabinete, envolvendo seus funcionários, tendo como pivô um motorista que era amigo dos Bolsonaro e que empregava ali a própria família. E, afinal, o gabinete não era do motorista, era do deputado Flávio.
Para tensionar ainda mais o ambiente, o ministro Marco Aurélio concedeu liminar para soltar os condenados só em segunda instância no exato dia em que Bolsonaro fazia a primeira reunião com o vice, Hamilton Mourão, e seus 22 ministros. A liminar parecia encomendada para Lula, ficou pairando sobre a reunião na Granja do Torto, mais do que as preocupações com Saúde e Educação, por exemplo.
Mello, que virou ministro pelas mãos do seu primo Fernando Collor, parece ter um fetiche político por Lula, o adversário de Collor em 1989, ícone das esquerdas. O ministro, porém, jura que sua liminar não foi para Lula: “Nem olho a capa dos processos, só o conteúdo. E nem sei qual a situação do ex-presidente hoje”. A percepção generalizada em Brasília é outra.
O fato é que, ao agir como o desembargador Rogério Favreto, que decidiu soltar Lula durante um plantão do TRF-4, Mello faz o ano terminar com o STF divididíssimo no plenário e no foco da irritação popular. Além disso, Lewandowski obrigou o governo a antecipar o reajuste do funcionalismo, uma bagatela de R$ 4 bilhões, e o saco de bondades não foi exclusividade dele. No exercício da Presidência, Rodrigo Maia dispensou os municípios de cumprirem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Para completar, as posses de Kassab, em São Paulo, e de Salles, em Brasília, viraram dúvidas, apesar de o caso de Kassab ser tão assustador quanto o de Aécio, mas o de Salles não envolver corrupção, só administração. E a PGR acabou com a alegria de Temer ao apresentar a terceira denúncia contra ele. Temer sai da Presidência, mas os processos não saem dele.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
18 Dezembro 2018 | 05h00
Depois de acertar com Michel Temer a extradição do italiano Cesare Battisti e de abandonar o Pacto Global de Migração exatamente enquanto estava sendo assinado pelo Brasil e outros 160 países, o futuro governo poderá ser ainda mais audacioso na política externa, com uma dupla canelada: o rompimento de relações tanto com a Venezuelaquanto com Cuba.
A decisão de desconvidar os dois presidentes não foi consensual no núcleo duro do futuro governo, mas Bolsonaro e seu chanceler, o diplomata Ernesto Araújo, foram inflexíveis. Nada de Maduro e de Díaz-Canel na posse.
No núcleo duro bolsonarista, todo ele igualmente contra os regimes de Cuba e Venezuela, a discussão foi quanto ao que seria melhor para o Brasil. O lado perdedor, que queria manter o convite, preferia que o protocolo fosse mantido e a “desfeita” fosse de Maduro e Díaz-Canel, pois eles certamente não viriam de qualquer forma. Essa desfeita deixaria o Brasil na posição de vítima e daria um bom pretexto para o rompimento de relações após a posse.
Na discussão, que incluiu civis e militares, esse lado ponderou que a política externa “não pode ser ideológica”. Se era para desconvidar Cuba e Venezuela, por que não a Bolívia, alguns países da África ou a própria China, que é o maior parceiro comercial, mas mantém um regime de esquerda?
Bolsonaro, porém, não deu ouvidos a essa ponderação e foi na linha de Ernesto Araújo, que tem pressa no afastamento dos dois regimes para mostrar, logo de cara, a guinada da política externa brasileira. O próximo passo será formalizar o rompimento o quanto antes.
Essa é uma ação diplomática absolutamente fora de padrão, mas as relações do Brasil com Cuba vão de mal a pior desde o impeachment de Dilma Rousseff, quando Havana retirou a embaixadora de Brasília e nunca mais a substituiu, além de jamais ter respondido ao pedido de agréement para um embaixador brasileiro em Havana.
Se já eram ruins com Michel Temer, as relações se deterioraram de vez com a eleição de Jair Bolsonaro e a retirada dos médicos cubanos. Foi uma decisão de Havana, mas não tão unilateral assim, já que Bolsonaro já vinha criticando o formato do programa e formação dos profissionais da Ilha.
Quanto à Venezuela, foi um dos primeiros, senão o primeiro país a rechaçar o impeachment de Dilma e a posse de Temer, ao que o novo chanceler na época, José Serra, respondeu num tom muito mais duro e político do que cuidadoso e diplomático. Diante da posse de Bolsonaro, qualquer chance de reaproximação implodiu de vez.
Pergunta-se agora o que acontece com a dinheirama que o BNDES da era Lula e Dilma despejou em Cuba e na Venezuela (aliás, para financiar projetos da Odebrecht). Vai micar? Essa é uma ótima pergunta.
Depois do “bastam um soldado e um cabo para fechar o Supremo”, Eduardo Bolsonarodefende a pena de morte. Quem vai mandar o “garoto” calar a boca?
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
16 Dezembro 2018 | 05h00
Apesar do foco na Economia, com Paulo Guedes, e na Justiça, com Sérgio Moro, a formação de pelo menos duas outras áreas merecem aplauso no futuro governo Jair Bolsonaro: a Agricultura e a Infraestrutura. Além de serem grandes geradoras de empregos, o que é urgente, ambas são fundamentais para o desenvolvimento, a recuperação da nossa combalida economia.
Na Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, capitão reformado do Exército, como Bolsonaro, tem três troféus: passou num concurso para a única vaga de consultor legislativo da Câmara, foi o primeiro de turma no Instituto Militar de Engenharia (IME) e tem a maior média de notas de engenharia civil na história da instituição.
Nos agrotóxicos, é pragmática: a questão não é usar ou não, é calibrar o uso com segurança e eficácia. “Ninguém planta nada sem defensivos agrícolas, isso não existe. O que precisamos é racionalizar o uso e preservar as garantias.” Esse debate é uma guerra, mas ela prefere diplomacia, está costurando apoios, explicando, convencendo.
Outra questão-chave para o agronegócio, um dos mais poderosos do mundo e essencial para manter o Brasil flutuando na recessão de 2014, 2015 e 2016, é a infraestrutura. Sem estradas, pontes, ferrovias e portos, não tem como escoar a produção. No mínimo, com segurança e competitividade. E aí entra o ministro Tarcísio Freitas.
Ele já assume com o PPI a pleno vapor no governo Temer, com R$ 239 bilhões à mão. Assim, Bolsonaro fará dois golaços já na largada, com a concessão, em março, de mais doze aeroportos, inclusive Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), e a licitação da concessão da Ferrovia Norte-Sul. A expectativa é a conexão ferroviária de Mato Grosso à Norte-Sul, unindo os portos de Itaqui, ao norte, e de Santos, ao sul. “Sem um real do orçamento”, diz ele, um privatista convicto.
Suas prioridades: 1) transferência de ativos à iniciativa privada (privatização, concessão...); 2) tirar os esqueletos do armário, como passivos de concessões que falharam, caso de Viracopos (SP); 3) decidir o que fazer com as obras públicas paradas (uma das tragédias brasileiras) e garantir eficácia nas futuras. Suas palavras de ordem: planejamento, racionalidade, previsibilidade e credibilidade, tudo o que os brasileiros precisam e os investidores internacionais exigem. O momento é favorável ao Brasil, com México adernando à esquerda, Argentina em crise, ambiente político duvidoso em alguns e falta de escala nos demais. Onde investir? No Brasil, claro.
Assim caminha o futuro governo, com grandes nomes e expectativas na economia de Guedes, no combate à corrupção com Moro, mais segurança na agricultura e audácia na infraestrutura. Agora, é cuidar para que a política não atrapalhe. Na reforma da Previdência, é aprovar ou aprovar.
Além disso, Bolsonaro precisa ter consciência de que seus filhos estão excessivamente sob os holofotes e isso nunca dá certo. Com um funcionário atrás do outro assombrando a família no submundo da Alerj e pairando sobre o próprio pai em Brasília, ninguém vai falar de agricultura e infraestrutura, só de fantasmas.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
14 Dezembro 2018 | 05h00
Se há três áreas em que o Brasil tem protagonismo consolidado nos foros internacionais, essas áreas são meio ambiente, direitos humanos e migração. O temor é o Brasil encolher e retroceder justamente nas três, não só pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, mas também pelo futuro chanceler Ernesto Araújo e suas ideias extravagantes.
O Brasil também pode se orgulhar de, depois de vinte anos, ter feito a transição do regime militar para a democracia sem um único tiro, uma única gota de sangue, e assim passou a ser uma voz ouvida e respeitada na área de direitos humanos – apesar de tudo, principalmente do horror medieval nas penitenciárias e cadeias comuns.
“Foi mais do que surpreendente, foi chocante”, disse Nunes Ferreira por telefone, depois de ter reagido a Ernesto Araújo pelo mesmo veículo que ele usara para negar o pacto de migração: o Twitter. Novos tempos.
São sinais preocupantes da política externa, já rechaçados pela China, pelo Egito, agora pela Alemanha, que põe o pé no freio no acordo União Europeia-Mercosul, e pela Liga Árabe, que acaba de entregar uma carta no Itamaraty questionando a mudança da embaixada brasileira, de Tel-Aviv para Jerusalém, o que agrada a Israel e irrita todo o mundo árabe.
Essas manifestações e ações de Araújo – logo, de Bolsonaro – seguem um único mentor, Donald Trump, e uma ideologia, o antimultilateralismo. Sai a adesão aos órgãos multilaterais ou regionais, como ONU, OMC, Mercosul, e entra em cena um nacionalismo a la Trump: voltado para dentro, voluntarioso, arrogante, de confronto.
Todas as sinalizações externas do governo Bolsonaro replicam, sem tirar nem por, as posições de Trump: contra o Acordo de Paris, contra o Pacto de Migração, beligerância com a China, alinhamento explícito a Israel, implicância com a ONU e a OMC... Só que, assim como o Brasil não são os EUA, Bolsonaro não é Trump. E nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.
Se as exportações, a agricultura, a pecuária, os minérios e os programas de cooperação passarem a ser afetados, a coisa pode deixar de ser só pitoresca e ficar séria. Até por isso, já começa o recuo na resistência à China.
Não falta quem questione o próprio papel do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, e suas credenciais para ser a voz e a cara do Brasil no exterior. Sabatinar o futuro chanceler?! Falar pelo Brasil nos EUA sem passar pela embaixada ou pelos consulados?!
Se o PT rachou o Itamaraty, essa postura e essas ingerências também vão rachar. A tendência é virar uma guerra e guerras nunca são boas.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
11 Dezembro 2018 | 05h00
Presidir o País é tomar decisões muitas vezes duras, desagradar a interesses e mediar conflitos, ciúmes e invejas na própria equipe, o que exige força popular e política. Logo, é preciso ter uma excelente comunicação com a sociedade e uma negociação azeitada com o Congresso.
Jornais, revistas, rádios e TVs são canais não só tradicionais, mas também legítimos e de grande alcance para a mediação entre poderosos e sociedade, eleitos e eleitores. Dispensá-los, ou desdenhá-los, é apostar numa anarquia na comunicação entres os três Poderes e os cidadãos e cidadãs.
Mas e Rodrigo Maia? Por que trabalhar contra a reeleição dele à presidência da Câmara e ainda por cima alardear publicamente? Maia é do DEM que, dos partidos médios a grandes, é o que saiu menos chamuscado da Lava Jato. Basta comparar com o MDB de Renan, o PT, o PP, o PTB, o PSDB... Até por isso, emplacou a Casa Civil e os ministérios da Agricultura e da Saúde. Não por pressão ou reivindicação, mas porque o partido tem bons quadros.
Além de a sigla ser muito conveniente, ninguém como Rodrigo Maia reúne tantas condições para ser uma mão na roda para o futuro governo no Congresso. Já está no cargo, negocia bem com esquerda, centro e direita, conhece o regimento e, principalmente, é um economista identificado com a agenda, as reformas e a equipe de Paulo Guedes. Quem melhor do que ele para tocar a reforma da Previdência?
Entre os erros políticos de Bolsonaro, está desperdiçar a oferta de Michel Temer para aprovar em dezembro a primeira fase da reforma previdenciária. Jogou fora essa chance de dividir o ônus e ficar com todo o bônus, está descartando Rodrigo Maia e ainda não providenciou um adversário à altura de Renan no Senado.
A reforma da Previdência não é só a primeira nem só a mais importante. Ela é “A” reforma. Os investidores internacionais olham para o Brasil com lupa e com a caneta na mão. Mas só vão usá-la se essa reforma passar, sinalizando ajuste fiscal e enxugamento do Estado. É o desafio mais dramático do novo governo, do “novo tempo”, do “novo Congresso” e das “novas mídias”. Desprezar intermediação e negociação pode ser uma péssima ideia.
Governador eleito do Rio, Wilson Witzel está em Israel com o presidente e o vice do PSL, todos com suas mulheres. As despesas são pagas pelo partido, mas fica a pergunta: qual será a cor do guardanapo na cabeça desta vez?
Eliane Cantanhêde, colunista
09 Dezembro 2018 | 04h00
A lua de mel do presidente Jair Bolsonaro com o poder está acabando cedo demais e ele sai hoje de sua pior semana depois da euforia da vitória e de abrir imensas expectativas na população brasileira, tão machucada pela decepção com a política, erros crassos de governo, corrupção galopante, a divisão do “nós e eles”. A promessa era fazer “tudo diferente”. E agora?
O pivô é o PM Fabrício Queiroz, o que remete à ligação muito próxima e agora explosiva do presidente Michel Temer com o coronel aposentado também da PM João Baptista Lima Filho, apontado como “operador” de Temer para mil e uma utilidades, inclusive a reforma da casa da filha. Um PM pode não ter nada a ver com o outro, mas é importante a história ser muito bem esclarecida.
Hasselmann, que não tem papas na língua, nem sutileza na escrita, quer ser líder do partido do presidente na Câmara e partiu para cima do Major Olímpio. E mais: quando o racha vazou, ela subiu ainda mais o tom, postando na internet que ele “comanda o partido com truculência, aos gritos, com ameaças”.
Para tentar manter a tropa unida, Bolsonaro reúne a bancada do PSL na quarta-feira, depois de MDB, PSDB, PRB e PR. Mas, se repetir o script com os demais, vai dizer à sua própria bancada que o fim do “toma lá, dá cá” é para valer e não vai se meter em disputa no Congresso. Ou seja, não esperem muito dele.
Para piorar, o outro filho do presidente eleito, o deputado e chanceler extraoficial Eduardo Bolsonaro, está no centro da confusão. É Joice quem adverte, em conversa também pelo WhatsApp e revelada pelo O Globo: “Filho de presidente carrega o peso de ser filho de presidente e isso pode prejudicar o partido e até mesmo virar vidraça para o presidente”. Quem haveria de discordar?
Na conversa, Eduardo alegou que não pode “botar a cara publicamente” (só nos EUA?) para não atiçar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que só pensa em manter o cargo. Qual o temor? Que Maia, desagradado, use esse restinho de ano para por em plenário pautas bombas que podem explodir as contas públicas em mais R$ 50 bilhões.
Por falar nisso, Bolsonaro está às voltas com os filhos, a conta do assessor, o PSL, os demais partidos, o Meio Ambiente e a reforma da Previdência, mas o medo de Rodrigo Maia é fichinha diante da reverência aos militares. Eles estão calados em público, mas nos bastidores há enorme ebulição por aumento dos soldos, há anos defasados. O capitão da reserva Jair Bolsonaro vai dizer “não”?
Ele, aliás, cancelou a ida a Pirassununga para uma cerimônia justamente da FAB, a prima pobre no novo governo, porque precisa se cuidar, descansar, manter as energias. Nunca se pode esquecer - ele próprio, principalmente -, que foi esfaqueado, passou por cirurgias complexas, carrega uma bolsa de colostomia e ainda sofre resquícios de infecção. Quem tem proximidade com o futuro presidente diz que ele está “muito pálido”. Vamos combinar que motivo não falta.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo
07 Dezembro 2018 | 05h01
Não foi por acaso que a Funai virou batata quente e os ministérios de Meio Ambiente e de Direitos Humanos ficaram no fim da fila da composição do futuro governo. Simplesmente, esses são temas desconhecidos pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, e por todo seu grupo de poder. Eles rejeitam tudo o que foi feito nas três áreas, mas não sabem exatamente o que por no lugar.
Se o chefe pensa assim, nenhum chefiado queria assumir a Funai, as reservas, os índios, os alvarás. Sérgio Moro (Justiça) já está “muito sobrecarregado”, segundo o próprio Bolsonaro. Tereza Cristina (Agricultura) ponderou que não seria adequado cuidar de dois polos tão conflitantes (agricultura e índios vivem de terras, ou melhor, disputam terras). A sensação era de que o abacaxi acabaria no Planalto. Caiu em Direitos Humanos.
Já as manifestações do seu futuro ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, denotam uma aversão mais grave e profunda. O “ambientalismo” seria instrumento do comunismo internacional para subjugar os países e dominar o mundo. Logo, o ministro do Meio Ambiente teria de ser alguém radicalmente contra o meio ambiente? Fica a dúvida.
Quanto aos Direitos Humanos, a questão é ainda mais complexa, porque em todos os governos pós-redemocratização o foco esteve na reabertura dos arquivos da ditadura militar e na denúncia aos desaparecimentos, mortes e torturas. Obviamente, não será mais assim, não só porque Bolsonaro é militar reformado como se cercou de generais e fez manifestações de apoio à tortura e ao coronel Brilhante Ustra.
Então, manter ou não um ministério para Direitos Humanos? A discussão afunilou para o Ministério de Família, Mulheres e Direitos Humanos, com a Funai de apêndice, mas a coisa encrencou quando o pastor e senador Magno Malta, que perdeu a eleição, foi preterido para o cargo e a agora poderosa bancada evangélica resolveu se meter. O senador não podia, mas a pastora Damares Alves, assessora dele, pôde. Por tabela.
Montagem de ministério – como, de resto, de qualquer equipe – é sempre difícil, mexe com interesses, ambições, vaidades, amizades, inimizades. Logo, é compreensível que Bolsonaro tenha varado novembro sem conseguir fechar todos os 22 nomes e passado a ouvir muito antes de decidir.
Mas, mais do que nomes, aguardam-se informações sobre as intenções do novo governo para meio ambiente, índios, direitos humanos, família, mulheres. Vamos combinar, entra governo, sai governo, e todos esses temas têm a ver diretamente com as pessoas, o Brasil de hoje e o do futuro. Aliás, não só o Brasil, mas o mundo.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
04 Dezembro 2018 | 03h00
Prestem atenção a todas as capas dos jornais de ontem: o presidente eleito, Jair Bolsonaro, no centro da cena, empunhando a taça do Palmeiras, em meio a uma multidão em festa. Não foi por acaso, não foi a primeira nem será a última vez. Essa cena será comum, fará parte do dia a dia do governo e do País.
O general Sérgio Etchegoyen, do GSI, ratificou ontem um alerta do seu sucessor, o também general Augusto Heleno: há ameaças a Bolsonaro e ele deve se preservar e ser cauteloso, inclusive na posse. Mas, além de a Polícia Federal ter investigado as ameaças e não endossar o mesmo grau de temor, Bolsonaro construiu sua imagem pública e sua campanha no contato com multidões, gosta disso, fica feliz. Não vai abdicar dessa parte boa do poder.
Nesse papel, aliás, terá a grande ajuda de um personagem chave: Michelle Bolsonaro, mulher bonita, jovem, despojada, que estudou libras, é mãe da única filha do presidente e vem de uma cidade satélite de classe média baixa do DF. Nem todos vão entender essa afirmação, mas é um luxo, um orgulho, ter uma primeira-dama da Ceilândia num País desigual como o Brasil.
Enquanto Bolsonaro anima plateias e arquibancadas, seu vice, Hamilton Mourão, terá vida própria e os demais generais do Planalto e arredores vão ser cães de guarda do governo, centralizando informações estratégicas (inclusive sobre potenciais colaboradores) e controlando o dinheiro público, a eficiência da administração, o avanço da infraestrutura e as grandes obras.
Até Dilma Rousseff, com todas as suas idiossincrasias, reconhecia que os militares, especialmente do Exército, eram imbatíveis ao garantir eficiência, segurança, prazos e valores de obras públicas. Como também elogiava a Defesa Cibernética do Exército.
Paulo Guedes manda e desmanda na economia, com um time recebido com entusiasmo pelo mercado. Sérgio Moro cria uma superestrutura, ou super-Lava Jato, ou ainda super-PF contra a corrupção e o crime organizado, com amplo apoio popular. Espera-se que também com apoio do Congresso...
As áreas temáticas estão bem entregues, com o almirante Bento Albuquerque em Minas e Energia, a agrônoma Tereza Cristina na Agricultura e o astronauta, engenheiro do ITA e tenente-coronel da reserva da FAB Marcos Pontes em Ciência e Tecnologia. Saúde, com Luiz Henrique Mandetta, e Cidadania, com Osmar Terra, também estão em boas mãos.
Em meio a tudo isso, há dúvidas sobre o grau de autonomia e a munição de Onyx Lorenzoni na articulação política e Gustavo Bebianno na Secretaria-Geral. São duas ilhas civis num Planalto superlotado de militares, aliás, de generais.
Mas, se há áreas potencialmente explosivas, são Relações Exteriores e Educação, enquanto Seu Lobo não vem para Meio Ambiente e Direitos Humanos, cercadas de preconceito com a forte guinada à direita no País e com os filhos do presidente mandando mais do que a maioria dos ministros, e em áreas estratégicas.
O governo vai tomando forma, agradando mais do que desagradando e deixando interrogações no ar. Mas uma coisa é certa: depois de subir a rampa, Bolsonaro continuará em campanha. Ele pegou o gosto.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
02 Dezembro 2018 | 03h00
De Marina Silva, respeitada pelo mundo afora por suas posições a favor do meio ambiente: “é mais do que constrangedor, é vergonhoso” o presidente eleito, Jair Bolsonaro, retirar a candidatura do Brasil para sediar a COP 25 e alardear que vai sair do Acordo de Paris. Pois não é que ela tem razão?
Bolsonaro despreza e seu chanceler, Ernesto Araújo, ironiza a questão como “climatismo”. Assim como o “globalismo” e o “antinatalismo”, o “climatismo” e outros ismos seriam parte de um complô perverso contra o Ocidente. Já que o marxismo não conseguiu dominar o mundo pela economia, raciocina o futuro ministro, tenta via domínio cultural.
A União Europeia, por exemplo, condicionou a aliança com o Mercosul ao Acordo de Paris e o presidente Temer já assumiu o compromisso de Estado nesse sentido, mas Bolsonaro torce o nariz para esse acordo e Araújo explica por que em seus textos. E agora? Tudo combinado? Também é difícil entender o motivo para se meter numa guerra de gigantes, EUA e China, só porque Trump quer barrar o avanço chinês e impôs sobretaxas ao país. O que ganhamos, tomando partido? Nada.
O saldo comercial com a China foi de US$ 50 bi em 2017, maior do que com UE e Mercosul, com superávit de US$ 32 bi a nosso favor. O PT pode até ter “eleito” a China como parceiro número um por ideologia, mas há também pragmatismo e complementariedade. A China é o grande comprador e o Brasil um grande vendedor de commodities. Aliás, reataram relações em 1974, no regime militar.
O mesmo vale para a mudança da embaixada do Brasil para Jerusalém. Trump mudou a dos EUA? Problema dele. O Brasil mantém desde sempre a neutralidade no Oriente Médio, tem profundos laços afetivos, culturais e econômicos com o mundo árabe e, mesmo com a má vontade do PT com Israel, manteve livres as fronteiras comerciais e de cooperação. Bolsonaro pode ampliar essas fronteiras sem dar um tapa na Palestina.
Foi o filho do presidente eleito, deputado Eduardo Bolsonaro, quem se comprometeu com isso em solo americano. Aliás, por que alçar o próprio filho à condição de gênio e interlocutor na política externa, capaz de fazer a primeira viagem internacional e até de sabatinar o futuro chanceler?
Até isso lembra Trump nos EUA, onde a filha Ivanka e o genro Jared Kushner são os únicos com real desenvoltura na Casa Branca, enquanto o presidente vai jogando ao mar um homem atrás do outro e uma mulher atrás da outra de sua equipe. Detalhe: a “expertise” de Kushner, assessor sênior, é justamente a área externa e... o Oriente Médio.
No encontro com John Bolton, no Rio, Bolsonaro quis mostrar a imagem de homem simples e uma falsa intimidade, com um café da manhã sem toalha, com copo de geleia, suco de caixinha e biscoitos, como se fosse para um parente, um velho amigo. Mas era um encontro de trabalho entre um futuro presidente da oitava economia do mundo e o secretário de Segurança da maior potência.
O correto é não trocar a ideologia do PT pela de quem quer que seja, nem caneladas por “relação carnal” com os EUA (como a Argentina tentou), nem punhos de renda por copos de geleia. Aliás, não se trata só de diplomacia, mas de puro bom senso.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
30 Novembro 2018 | 03h00
O Ministério da Justiça atraiu de novo a segurança pública, cresceu tanto que está virando uma grande Polícia Federal. Cuida de vários assuntos, mas os principais postos, quadros e recursos irão para as investigações contra corrupção, crime organizado e violência urbana.
Na prática, porém, Moro valeu-se de sua própria experiência de juiz criminal e ícone da Lava Jato e das duas mais contundentes promessas de campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro: acabar com a corrupção desbragada e a insegurança dos cidadãos e cidadãs de Norte a Sul.
Assim, a expectativa quanto ao trabalho de Moro é imensa e, quanto mais alta a expectativa, maior o risco de frustração. A sociedade está exausta de tanta corrupção, mas está ainda mais desesperada com a insegurança. Se o tempo passa e nada acontece, há o temor de Moro ser confrontado pela mãe irada com o assassinato da filha, o pai desesperado com mais um assalto na sua loja, todos achando que nada mudou e, injustamente, frise-se, cobrando: “E esse Moro, não faz nada?”.
Pior: ele não pode, por pressão da sociedade, sofreguidão do novo governo ou excesso de exigência consigo mesmo, sair numa corrida desabalada para mostrar serviço e resultados logo. Tudo é um processo. E em andamento.
A PF já é um exemplo de eficiência e bate recordes, mesmo em tempos de orçamento curto e olhares tortos dos poderosos de plantão. Com dez mil homens (contra 20 mil do FBI nos EUA), apreendeu 60 toneladas de cocaína neste ano até agora e realizou 297 operações contra corrupção e desvio de recursos, sem incidentes graves.
O momento mais tenso foi em 6 de setembro, com a facada que quase matou Bolsonaro. Três dias antes, o diretor-geral da PF, Rogério Galloro, se reuniu com o candidato e pediu que tivesse mais cautela, usasse colete à prova de balas e evitasse ficar vulnerável em manifestações com milhares de pessoas. Ele não lhe deu ouvidos.
Galloro estava nos EUA, numa reunião com autoridades policiais do País, quando um assessor lhe mostrou a notícia pelo celular. Minutos depois, o delegado americano que se sentava à sua frente recebeu a mesma notícia. A reunião acabou abruptamente e ele voltou ao País.
Antes de passar o bastão para o seu velho colega e também delegado Maurício Valeixo, Galloro fica devendo uma espécie de balanço sobre sua curta gestão de menos de um ano, focando em duas investigações bem avançadas, mas sem conclusão: o próprio esfaqueamento de Bolsonaro, considerado até agora o um ato insano e solitário, e o assassinato de Marielle Franco. Neste caso, pode haver fortes novidades.
Se a expectativa nacional é de que Moro vire tudo do avesso, o mais provável é que continue e aprofunde ainda mais um bom trabalho que já vem sendo feito pela PF, MP, Receita e Justiça. Muito já foi feito, falta ainda muito a fazer.
Taí, essa ficou difícil de entender no futuro governo Jair Bolsonaro: um general na articulação com o Congresso? Duas explicações plausíveis: ou vai mudar tudo ou pôr um general é para intimidar deputados e senadores e inibir pedidos de verbas e cargos que os militares – como, de resto, a sociedade – consideram pouco republicanos.
Além do próprio presidente, que passou para a reserva como capitão, temos o vice Hamilton Mourão, general de Exército (quatro estrelas) que saiu recentemente do Alto-Comando e ainda tem um pé, e amigos, lá dentro.
Entram para a linha de frente do governo também os generais Fernando Azevedo Silva, na Defesa, Carlos Alberto Santos Cruz, na Secretaria de Governo, e Joaquim Brandão, a ser anunciado para a Infraestrutura, juntando Transportes e Comunicações.
E tem mais: um dos homens fortes na formatação do projeto de poder é o general Sérgio Etchegoyen, atual chefe do GSI, homem inteligente, preparado, de grande linhagem militar e boa capacidade de articulação com políticos e sociedade civil. Não faz sentido deixá-lo fora do governo. Só falta saber exatamente onde se encaixará.
Uma falha na montagem é o excesso de verde-oliva, ou seja, de Exército, e a ausência do branco da Marinha e do azul da Aeronáutica, que teve uma espécie de prêmio de consolação: o futuro ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, é tenente-coronel da reserva da Aeronáutica e formado em engenharia pelo ITA, o instituto de excelência da Força Aérea. Mas ele não foi escolhido por nada disso, mas por ser astronauta, uma estrela.
O Palácio do Planalto e seu anexo (onde é a Vice-Presidência) vão ficar lotados de militares, mas, além do incômodo nas duas outras Forças, há um outro problema: os civis, Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil) não estariam ficando asfixiados nessa composição?
Lorenzoni já está perdendo a coordenação dos ministérios para o vice Mourão e nunca se viu vice coordenar ministros. Além disso, ele pode estar sofrendo novo ataque especulativo, porque atua desde já como articulador político do governo, promovendo encontros, almoços e jantares com líderes partidários, mas o secretário de Governo, que será o general Santos Cruz, é que vai coordenar os projetos. Até onde vai a atuação de um e até onde vai a do outro? Não está claro.
Essa questão é chave para o êxito do futuro governo, que assume com um baita rombo nas contas públicas, já levou uma lambada do Senado com o aumento dos salários dos ministros do Judiciário (sancionado ontem por Temer) e pode ficar refém de um Congresso sempre insubordinado, que sabe usar o seu poder e já ameaça impor nova derrota a um governo que nem começou.
Em 2017, muitos parlamentares renegociaram suas dívidas com o governo obtendo descontos de até 90% de juros e 70% de multas. Quem sai perdendo é o Tesouro. E o Estado alerta que os congressistas de 2019 têm R$ 660 milhões de dívidas com a União, a começar de Jader Barbalho (R$ 135 milhões). Ou a articulação política do Planalto joga unida, azeitada e competente, ou vem aí mais uma derrota. Aí, já pode esquecer a reforma da Previdência.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
25 Novembro 2018 | 07h21
Assim como o “Escola sem Partido” significa na verdade trocar um partido por outro, a nova ordem está trocando a “ideologização da esquerda” pela “ideologização da direita”, sob a mesma inspiração, grandiloquência, antipetismo, atingindo em cheio duas das áreas mais sensíveis: Relações Exteriores, com o diplomata Ernesto Araújo, e Educação, com o filósofo Ricardo Vélez Rodríguez.
Assim como Ernesto Araújo causou enorme perplexidade ao ver o “globalismo” como complô interplanetário liderado pela “China maoista” para exterminar o Ocidente e os valores cristãos, Vélez Rodríguez se coloca como um Dom Quixote na guerra pela preservação do “valores tradicionais de nossa sociedade”. Ambos, aliás, pelo mesmo veículo: seu blog anti-PT e pró-Bolsonaro.
Ou seja: na visão do novo governo, o Itamaraty e as escolas estão infestados de comunistas, contaminados pela ideologia marxista, servindo de instrumentos para o “climatismo” e o “antinatalismo”, conceitos criados por Araújo para explicar como os ambientalistas, abortistas e ateus se articulam para, ardilosamente, destruir o mundo.
No “Novo Brasil”, portanto, há o risco de expurgos, dedos em riste, dossiês, acusações, suspeitas, danças estonteante de cadeiras, sabatinas para apurar a ideologia de servidores e professores concursados e “depurar” o Estado. Ou é só impressão, um temor delirante? Tomara que sim.
Num campo mais concreto: assim como o futuro chanceler deve explicações sobre como projetar a imagem do Brasil, atrair investimentos, melhorar as condições de comércio e fortalecer parcerias, espera-se que o ministro da Educação diga com clareza o que ele pretende fazer pela... educação.
Pela valorização dos professores, qualidade do aprendizado, a escola como fator de igualdade de oportunidades, a qualificação dos jovens, a excelência das universidades. No primeiro texto depois de anunciado, ele prometeu focar nos municípios, na perspectiva individual e nas diferenças regionais. E terminou com a saudação bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Com Mozart Neves, sabia-se o que ele significava e pretendia, porque ele não divaga sobre ideologias e ameaças fantasmagóricas e é, sim, uma reluzente referência do Instituto Ayrton Senna. Precisa dizer mais? Por isso, foi descartado com tanta ligeireza e escorraçado pela bancada evangélicas, que testou forças e ganhou.
Talvez fosse melhor Jair Bolsonaro trocar a metafísica do distante Olavo de Carvalho pelos critérios de Paulo Guedes. Vamos combinar que as escolhas do ministro da Fazenda para salvar a economia do País estão sendo bem mais pragmáticas, úteis e consensuais do que as do filósofo erudito para salvar o mundo e o Brasil dos próprios demônios dele.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
23 Novembro 2018 | 03h00
Há quem seja rechaçado pelos seus defeitos e há quem seja pelas suas virtudes. É neste segundo caso que se encaixa o doutor Mozart Neves, educador, engenheiro químico, ex-reitor da UFPE, ex-secretário de Educação de Pernambuco e diretor do Instituo Ayrton Senna, uma das referências em Educação no Brasil.
Então, o que há de errado? Resposta: a bancada evangélica acha que ele é bom demais. Tão bom que não quer “politicar” ainda mais a educação com o “escola sem partido”, como certamente discorda também da escola pública com religião. Nem partido nem religião nas escolas brasileiras. E Bolsonaro foi obrigado a optar entre a simbologia do Instituto Ayrton Senna e o desejo de poder da Bancada Evangélica.
Falta contemplar a Frente Evangélica, essa contra uma escola “desideologizada”, e a da Bala, ou melhor, do desarmamento. O deputado Alberto Fraga, derrotado para o Governo do DF, tentou pular no barco, mas não colou. O que será que a turma dele vai reivindicar agora?
A lição que Bolsonaro vai aprendendo, mesmo se tenta resistir a ela, é que a democracia tem suas manhas. Quem tem mais votos ganha a eleição e quem perde respeita o resultado, mantendo o direito de minoria de fazer oposição. Isso vale tanto para os parlamentares quanto para o presidente.
O Congresso extrapolou todos os limites na prática do toma lá, dá cá e nas sucessivas tentativas de mudar leis e regras para garantir a impunidade dos enrolados em suspeitas e denúncias. E Bolsonaro se elegeu com a promessa de mudar o jogo, fazer diferente, não ceder a chantagens. OK. Excelente.
Ele, porém, não pode simplesmente jogar o tabuleiro e as peças fora. Pode até tentar impor o jogo dele, mas vai ter de jogar. O mesmo “povo” que lhe deu o mandato enviou junto os deputados e senadores, essenciais não só para aprovar leis, medidas, emendas, mas para o sucesso ou não do seu governo.
O teste de forças com a Frente Evangélica, uma das principais forças do bolsonarismo, é um aviso do que Bolsonaro vai enfrentar na Presidência, como qualquer presidente. E a corda bamba é a mesma: se cair para um lado, a opinião pública grita; se for para o outro, vai largando náufragos de mau humor, prontos a dar o troco na primeira votação. Não raro, e dependendo da irritação, na primeira, a segunda, na terceira...
Presidentes (assim como crianças, homens, mulheres, patrões e empregados) não fazem tudo o que querem, mas o que podem. A grande sabedoria é poder fazer o máximo do que querem, atraindo atenção, simpatia, boa vontade e sólidas alianças. Depende de talento, personalidade, experiência, vontade e equipe. Ah! E saber perder, quando necessário.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
20 Novembro 2018 | 03h00
O governo Jair Bolsonaro pode até não ser um “governo militar”, como generais, almirantes e civis ligados ao futuro presidente fazem fila para garantir, mas que está ficando parecido, lá isso está. Até com um superministro civil definindo a pauta, a cara e a personalidade da economia.
Hoje, o economista Paulo Guedes vai assumindo poderes equivalentes a Campos, Delfim e Simonsen, com o presidente eleito cumprindo à risca sua promessa de dar independência ao ministro. Ou “carta branca”, como o próprio Bolsonaro definiu ontem.
Durante a eleição, uma das grandes interrogações que rondavam a campanha de Bolsonaro era o quanto, ou até onde, ele conseguiria reprimir sua alma corporativista, estatizante, nada liberal. Na própria campanha, ele deu pano pra manga a esses temores, ao desdizer Paulo Guedes e negar a privatização da Eletrobrás, empresa considerada privatizável por nove entre dez economistas, só não pelos políticos que mantém ali suas boquinhas.
Na formação do governo, Guedes vai em frente e não apenas o mercado, mas também os especialistas e o setor produtivo elogiam suas escolhas, como Roberto Campos Neto (olha a simbologia!) no Banco Central, uma das poucas áreas poupadas por Lula e Dilma e bem mantida por Temer. Ou como Roberto Castello Branco na Petrobrás, tão atacada, mas já saneada por Pedro Parente e Ivan Monteiro.
Aplausos também para Joaquim Levy, no BNDES, que serviu aos “campeões nacionais”, mas vem sendo revirado do avesso com Temer; Mansueto Almeida com mão de ferro e antipedaladas na Secretaria do Tesouro; Ivan Monteiro, saindo da Petrobrás para o Banco do Brasil, sua casa original.
Como no regime militar, esses nomes de ponta da economia não têm deuses nem partidos, ostentam diplomas das melhores universidades, especialmente dos EUA, e transitam bem de Fernando Henrique para Lula, Dilma, Temer e agora Bolsonaro. Como transitam facilmente entre os setores privado e público. A exceção, por enquanto, é o neto do ministro, embaixador e senador Roberto Campos, o ícone do liberalismo nacional. Ele, o neto, fez toda a carreira na área financeira privada.
Além dos economistas do regime militar, há que se trazer à tona os grandes economistas que um dia foram apelidados de “tucanos”, articularam o Plano Real, ajustaram o País, voltaram para a iniciativa privada e se dividiram em 2018 entre Alckmin, Marina, Amoêdo e independência. Eles criaram uma “escola”.
Enquanto o super Guedes recruta economistas liberais, Bolsonaro cede mais e mais poder e espaço no Planalto aos oriundos do Exército, em especial ao vice, general Hamilton Mourão. Eles continuam jurando que o governo não será militar, mas há controvérsias.
Petrobrás. Apesar da versão de que “os generais” reivindicavam a presidência da Petrobrás, militares ligados a Bolsonaro garantiam desde 30/10 que seria um civil. E foi.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
18 Novembro 2018 | 05h00
A esquerda insana imagina uma imensa articulação internacional, quiçá intergaláctica, para as forças pró-finanças e anticivilização dominarem os países e trucidarem os povos, inclusive o Brasil e os brasileiros. E a direita delirante vê globalistas, China maoísta, esquerda internacional, ambientalistas, abortistas, corintianos, flamenguistas, marcianos e jupiterianos destruindo a civilização ocidental cristã. O ponto em comum entre os dois polos é o horror à globalização, um processo sem volta. Uma nova guerra mundial? Ou o fim do mundo?
Um mesmo personagem faz furor na história em quadrinhos que se mistura com a realidade do Brasil, mas num duplo papel. Ele é excêntrico, grandalhão, usa um topete curioso e cabelos cor de laranja e tem um harém à sua disposição. “Dono” da maior potência política, econômica e bélica, ele faz e fala o que quer. Para a esquerda, ele é o grande vilão a ameaçar a Terra. Para a direita, o único herói, ou Deus, capaz de salvar o Ocidente e os valores cristãos que vêm sendo devorados pela esquerda.
O que interessa, de fato, na posse do presidente eleito Jair Bolsonaro, em 2019, é como, com que equipe, com quais parceiros e em que prazo o Brasil vai voltar a crescer, gerar empregos, garantir educação e saúde, avançar na ciência e na tecnologia, investir na infraestrutura, combater a violência e aprofundar a guerra contra a corrupção.
Tudo isso passa pelos ministérios da Economia e das Relações Exteriores e por boas escolhas para as demais pastas. Bolsonaro vinha sendo aplaudido pelos nomes para o GSI, Justiça, Agricultura, Ciência e Tecnologia, pelo compromisso de delegar a formação da equipe econômica para o superministro Paulo Guedes, um liberal, e pela capacidade de ouvir e recuar quando necessário.
O anúncio do diplomata Ernesto Araújo para o Itamaraty, porém, interrompeu os aplausos, atraiu críticas e salpicou o futuro governo de interrogações. As declarações do próprio Bolsonaro sobre política externa já tinham criado ruídos e respostas estridentes da China, do Egito, do Mercosul, de especialistas em comércio e em relações internacionais. E agora, com a intensa circulação dos textos do futuro chanceler a favor do “deus” Trump, contra a “China Maoísta”, o “climatismo”, o “antinatalismo”, o “vazio cultural da Europa”?
O objetivo da política externa e a expertise de diplomatas é atrair simpatia para o Brasil, abrir horizontes, atrair investimentos, facilitar negócios e garantir fartos superávits nas relações comerciais. Se até o maior parceiro comercial e responsável pelo maior superávit é tratado a caneladas, fica difícil. Nem Donald Trump, metido numa capa vistosa, escalando o Empire State, enfrentando demônios e invasores marcianos poderá salvar o Brasil. Aliás, o herói Trump já enfrenta muitos vilões, assim como o vilão Trump já persegue muitos super-heróis. Ele não está nem aí para o Brasil.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
16 Novembro 2018 | 05h00
O presidente eleito Jair Bolsonaro ficou fascinado com o diplomata Ernesto Araújo, não apenas porque ele endeusa Donald Trump e demoniza o PT, mas porque consegue uma façanha espetacular: conferir um arcabouço teórico para as ideias atabalhoadas e descoordenadas que Bolsonaro lança no ar nas mais variadas áreas.
O cruzamento entre o que Bolsonaro dizia e o que Ernesto Araújo escrevia na campanha presidencial mostra de forma clara, óbvia, que os dois têm o mesmo pensamento sobre a vida e o mundo, apesar de formas bem diferentes. Um sai falando o que lhe vem na cabeça. O outro em textos grandiloquentes.
No seu blog “Metapolítica 17”, Ernesto Araújo alerta contra a “China maoísta que vai dominar o mundo” e, assim como o futuro presidente já falou em romper com o Acordo de Paris, ele ataca: “O climatismo é basicamente uma tática globalista de instilar o medo para obter mais poder”.
Também cria o conceito do “antinatalismo”: “A esquerda quer fazer tudo para que as pessoas não nasçam. Aborto, criminalização do desejo do homem pela mulher, contestação do patriarcado e da diferenciação entre os sexos, desmerecimento da reprodução, sexualização das crianças e dessexualização dos adultos...”. Logo, Ernesto Araújo, 51 anos, que jamais chefiou uma embaixada, além de ser nomeado para “botar pra quebrar” no Itamaraty – fechar postos e embaixadas, fazer uma profunda dança de cadeiras e alijar todos os que, sendo ou não, são acusados de petistas – é o pensamento vivo de Jair Bolsonaro.
Só falta saber o que vai ser da política externa. Endeusamento de Trump? Alinhamento automático a Washington, que nem o regime militar fez? Confronto com a China? Esvaziamento do Mercosul? Saída do Acordo de Paris? E a mudança da embaixada em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém?
Afora não ser trivial diplomatas usarem blogs contra e a favor de candidaturas partidárias, os textos de Araújo, como diz um brilhante embaixador, que não tem nada de petista, são “de filosofia, religião, comportamento, mas, quando virar chanceler de fato, é pão-pão, queijo-queijo”.
É ótimo o Brasil aprofundar suas relações com os Estados Unidos, parceiro tradicional, o maior mercado e o maior investidor do mundo, mas daí à volta a um alinhamento automático e a caneladas na China, na Europa, no Mercosul e no Oriente Médio já são outros quinhentos. A conta vem rápida e pesada. O Itamaraty está perplexo e os militares estão adorando, mas política externa é pragmatismo e defesa dos interesses políticos, econômicos, sociais e estratégicos do Brasil, que são bem diferentes dos americanos. Há uma nova onda ideológica e Ernesto Araújo é candidato a Celso Amorim às avessas.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
15 Novembro 2018 | 05h00
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, deu muitas voltas até chegar ao ponto zero e anunciar quem ele queria desde o início para Relações Exteriores: o diplomata “trumpista” e “bolsonarista” Ernesto Araújo, que é “júnior” (nunca exerceu a função de embaixador), mas encantou Bolsonaro como intelectual chegado aos clássicos, contrário ao globalismo, pró-Ocidente e fascinado por Donald Trump.
Na prática, porém, Araújo terá uma tarefa bem mais imediata: apagar incêndios criados por manifestações tão leigas quanto perigosas do futuro chefe sobre China, Egito, Palestina e mundo árabe, assim como assustou o Mercosul e a União Europeia. Sair da ONU? Do Acordo de Paris? Mudar a embaixada em Israel para Jerusalém?
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
13 Novembro 2018 | 05h00
Eunício Oliveira é do MDB, não tem nada de esquerda e apoiou Lula e Fernando Haddad pela força do PT no Nordeste, mas já no primeiro turno Haddad e o próprio Eunício perderam a eleição no Ceará. Coisa rara, o presidente do Senado não se reelegeu.
Para piorar, Paulo Guedes foi infeliz ao falar em “dar uma prensa” no Congresso e as relações entre Executivo e Legislativo começaram a azedar antes mesmo da posse de Bolsonaro e Guedes, em janeiro, e da nova Legislatura, em fevereiro.
Governar não é moleza, nem quando o eleito tem estrondoso apoio popular, partido consolidado, alianças sólidas, programa claro, grande experiência de administração e equipe azeitada. Estrondoso apoio popular Bolsonaro tem, mas o resto ele vai ter de aprender e construir com o carro andando, sem bater de frente com o Congresso.
O melhor será ele agir como já age com Michel Temer ou como Sérgio Moro com ele próprio. Bolsonaro é respeitoso com Temer, pela simbologia da Presidência. E Moro mantém suas posições, mas faz inflexões e releva as diferenças com Bolsonaro.
Se acerta nas escolhas para o Executivo – como Joaquim Levy no BNDES –, Bolsonaro tem de articular maiorias no Congresso, compreendendo a complexidade e a multiplicidade dos atores fundamentais para aprovar suas reformas e propostas. Ou seja, para que seu governo dê certo.
A opinião pública empurra Câmara e Senado para o colo do Planalto, mas, se os sapos azedam e a relação vira uma guerra, o governo paralisa e o Congresso começa a empurrar a opinião pública para longe do Planalto. É um jogo que vai além das vontades e exige sobretudo competência.
Três tempos, mesmo diagnóstico, mesmo temor. Coluna de 12/8: “Não se pode transformar embalagem de comportamento social numa candidatura militar e menos ainda numa promessa de governo militar. Além da ameaça para o Brasil, é um enorme risco para as próprias Forças Armadas”.
Coluna de 16/10: “Bolsonaro deveria (...) dar sinais de que não fará um “governo militar”, assim como os comandantes deveriam deixar claro que a candidatura, por mais apoios que tenha de militares, não é das Forças Armadas. Isso pode reduzir dois temores: o dos civis diante da volta do regime militar, e o dos militares diante da contaminação política dos comandos e das tropas”.
Comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, à Folha de S. Paulo de 11/11: “Estamos tratando com muito cuidado essa interpretação de que a eleição dele representa a volta dos militares ao poder. Absolutamente não é. Alguns militares foram eleitos, outros fazem parte da equipe dele, mas institucionalmente há uma separação. E nós estamos trabalhando com muita ênfase para caracterizar isso, porque queremos evitar que a política entre novamente nos quartéis”.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
11 Novembro 2018 | 05h00
Depois de uma profusão de manifestações equivocadas e até chocantes na política externa, e de começar a levar o troco, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, já tem uma carta na manga para virar o jogo: a extradição do terrorista Cesare Battisti. A ideia agrada a Itália e, por extensão, a toda a Europa. E é mais uma estocada no PT e na esquerda brasileira, com apoio do eleitorado conservador de Bolsonaro.
Há um problema: a decisão depende do Supremo e pode demorar, porque não tem consenso no plenário, quando os 11 ministros parecem enfim falar a mesma língua, na defesa da democracia, das instituições e do próprio Supremo.
Na Itália, mobilizou Justiça, polícia, governo, parlamento e opinião pública. No Brasil, virou debate nacional e foi parar no Supremo, que chegou a uma decisão salomônica: autorizou a extradição de Battisti, mas delegando ao presidente Lula a decisão final.
No apagar das luzes do seu governo, Lula concedeu o refúgio ao italiano, deixando críticas no meio jurídico, sequelas na relação com a Itália e uma nuvem de incertezas sobre próprio Battisti, agora casado, pai e com ocupação regular.
A Itália retaliou com luvas de pelica, quando o ex-diretor do BB Henrique Pizzolato fugiu para o país após condenado no mensalão e acabou preso. Pela reciprocidade, refúgio de Battisti no Brasil seria igual a refúgio de Pizzolato na Itália, e seus advogados alegavam que as prisões brasileiras eram medievais (o que não é de todo mentira) e ele acabaria morto (improvável).
Em vez da reciprocidade fria e pragmática, a Itália cumpriu todos os trâmites legais e extraditou Pizzolato para o Brasil, onde ele cumpriu pena, saiu vivinho da Silva da cadeia em 2017 e volta à tona como argumento a favor de devolver Battisti para Roma.
Sabe-se lá como os ministros do Supremo votarão. O argumento contra a extradição é que a decisão de Lula foi um “ato de soberania nacional” e não pode ser revista pela corte. O argumento a favor é que, se o STF delegou a Lula a decisão final, por que não delegaria agora para Temer, até 31 de dezembro, ou para Bolsonaro, a partir de então?
O julgamento de Battisti e seus desdobramentos, qualquer que seja o desfecho, tendem a ocupar a mídia, uma esquerda em baixa e uma direita em alta. Em vez de falar em sair da ONU e do Acordo de Paris, dar um chega-pra-lá na China e no Mercosul e mudar a embaixada para Jerusalém, Bolsonaro poderá badalar suas diferenças com o PT.
A União Europeia, já satisfeita com o recuo na fusão de Agricultura e Meio Ambiente, abaixaria o tom e a apreensão com Bolsonaro. No Brasil, os bolsonaristas entrariam em êxtase, a esquerda faria barulho e o meio jurídico se dividiria. Battisti, portanto, é candidato a troféu.
Ciro. Ao disputar a liderança da oposição, Ciro Gomes bate no PT e em Lula com a mesma ênfase com que, na campanha, atacava o PSDB e FHC para defender... o PT e Lula.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
09 Novembro 2018 | 05h00
O aumento dos salários dos ministros do Supremo foi a primeira derrota imposta pelo Senado ao governo Jair Bolsonaro, antes mesmo da posse, mas o tiro saiu pela culatra. O aumento atiçou a irritação popular contra o Congresso e os partidos. Bolsonaro ficou do “lado certo”, os políticos, do “lado errado”.
Derrota de Bolsonaro? Ou derrota do Brasil, do contribuinte, dos investimentos, da responsabilidade fiscal, do Congresso? O presidente Michel Temer, que poderia corrigir o erro, não pode nem o fará, porque já vinha negociando o aumento há meses com o presidente do STF, Dias Toffoli.
Após a ameaça a um jornal e a exclusão da imprensa escrita da primeira coletiva, ambas decisões inadmissíveis, ele vem cedendo à realidade de que a mídia incomoda, mas é parte fundamental da democracia. Deu entrevistas às TVs e responde a perguntas improvisadas pelos repórteres. Seus homens fortes têm dado declarações e coletivas sobre suas intenções: o general Augusto Heleno, o economista Paulo Guedes, o juiz Sérgio Moro. Só o vice Hamilton Mourão anda calado.
Aliás, os novos ministros são a outra surpresa positiva. Gostem-se ou não deles e esgoele-se ou não a oposição, o fato é que a opinião pública e o mercado receberam bem os já citados, particularmente Moro, assim como o militar e astronauta Marcos Pontes para Ciência e Tecnologia e, agora, a deputada, agrônoma e ruralista Tereza Cristina, aplaudida no próprio Congresso.
Ex-líder do PSB, ela mudou para o DEM por votar no impeachment de Dilma Rousseff e, se vira ministra por indicação da Frente Parlamentar do Agronegócio, é um trunfo por ser a primeira mulher no primeiro escalão e tem um plus: o DEM tende a ser uma mão na roda para Bolsonaro, porque os dois são complementares. O partido do presidente eleito, o PSL, deu um salto, virou a segunda bancada na Câmara e, logo, roubará o primeiro lugar do PT. Mas quantidade nem sempre é qualidade nem garante resultados.
O PSL é um amontoado de caras novas, que mal se conhecem entre elas e têm pouca ou nenhuma experiência de Congresso. Já o DEM é muito experiente, disciplinado, passou por uma renovação que alavancou líderes mais novos e modernos. E o partido tem muita identidade com a pauta liberal de Bolsonaro, ou melhor, de Paulo Guedes.
Bolsonaro quer um diplomata de carreira no Itamaraty (logo, please!) e pode levar militares para duas áreas que eles consideram pontos fortes do regime de 1964: Infraestrutura e, não se assuste, Educação.
Por último, Heleno vai para o Planalto. Na Defesa, ficaria voltado para as Forças Armadas. No GSI, órgão de inteligência, terá acesso direto ao presidente e às principais informações e segredos do País. Ele já tem natural influência sobre Bolsonaro e informação é poder. Logo, é forte candidato a eminência parda.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
04 Novembro 2018 | 05h00
Passou suavemente, quase despercebida, a frase do presidente eleito, capitão reformado Jair Bolsonaro, sobre seu vice, general de quatro estrelas da reserva Hamilton Mourão, mas ela diz e projeta muito de um governo que nem começou. “Tenho pouco contato com ele”, disse Bolsonaro, com um ar de pouco caso, deixando uma pulga atrás da orelha de atentos e curiosos.
Sua primeira vitória foi ultrapassar Janaína Paschoal, Marcos Pontes, Magno Malta, Luiz Philippe Orleans e Bragança na corrida pela vice. Entre professores, políticos, astronautas e príncipes, Bolsonaro ficou com um general gaúcho que surgiu no cenário político ainda na ativa, ao ser afastado da Secretaria de Economia e Finanças do Exército em 2017, não por coincidência, após defender intervenção militar.
Até aí, Bolsonaro e a campanha tratavam Mourão como um boquirroto, que sai falando tudo que passa pela cabeça sem atentar para as consequências, mas o caldo entornou quando ele se meteu a falar de intenções de governo. Defendeu uma Constituinte exclusiva, formada por “notáveis” e passando ao largo do Congresso eleito pelo povo, aliás, uma ideia lançada pelo ministro Tarso Genro no governo do PT.
O general também virou estrela das redes sociais ao chamar o 13º salário de “jabuticaba brasileira”, mesmo depois de Bolsonaro alertá-lo duas vezes para ter “cuidado” com o que dizia. As advertências entraram por um ouvido, saíram pelo outro. E, no pior momento da campanha, quando o PT acertou o passo e os bolsonaristas não paravam de dar tiro no pé, Bolsonaro deu um freio de arrumação: mandou Mourão e Paulo Guedescalarem a boca. O economista atendeu, o general se deu por desentendido.
Inteligente e preparado, seria grosseiro e injusto tratar Mourão como apenas folclórico, até porque suas falas não são sobre banalidades, mas sobre coisas sérias, num País onde os vices não são apenas enfeite. Na prática, vice está na antessala de assumir a Presidência.
Sarney só entrou na chapa do adversário Tancredo para dividir a base do governo militar e garantir a transição. Itamar virou vice de Collor para dar consistência política e partidária a uma aventura do PRN. Temer foi resultado de uma aliança PT-MDB para dominar o Congresso, apesar de Dilma. Todos viraram presidentes.
Os demais nem sempre foram reforço, mas dor de cabeça. Aureliano Chaves infernizou (com boas razões) o general Figueiredo, último presidente militar. José Alencar virou arauto contra os juros altos e sonhava ser presidente um dia, mas Lula conquistou-o com lábia e jeitinho. O vice dos sonhos de qualquer um, ou uma, foi Marco Maciel, o pernambucano intelectual suave e discreto que jamais criou problemas para FHC.
Convenhamos, Hamilton Mourão está mais para Aureliano do que para Maciel e pode dar muito trabalho ainda para o presidente Bolsonaro, com quem tem “pouco contato” e, quando tem, parece não dar tanta bola assim.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
02 Novembro 2018 | 05h00
Petistas, esquerdistas, condenados, investigados, juristas e advogados reagiram mal à ida do juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, mas, mais uma vez, eles estão em minoria e, no fim, o PT vai ficar falando sozinho. A grande maioria, principalmente nas redes sociais e no mercado financeiro, não foi só a favor, mas entusiasticamente a favor da novidade.
Ao resgatar para a Justiça o recém-criado Ministério da Segurança Pública, Moro terá uma Polícia Federal fortalecida, a Controladoria-Geral da República e, se a lei permitir, também o Coaf, unidade de inteligência para detectar movimentações atípicas e crimes financeiros transnacionais. Com ele, vai ser difícil “estancar a sangria”.
Bolsonaro, que disparou graças à condenação firme à corrupção, prometeu aparato e munição a Moro, seu maior troféu na formação do Ministério. Estava tão feliz pelo golaço que ontem mesmo deu entrevista coletiva, leve, coloquial. Só errou ao barrar os jornais, uma implicância boba. E atiçou a curiosidade ao admitir que tem “pouco contato” com o vice, general Hamilton Mourão, mas isso é outra história.
A ida de Sérgio Moro para a Justiça, porém, ainda vai dar muito pano para a manga da oposição, particularmente do PT. Ontem, petistas diziam que “caiu a máscara” de Moro e enumeravam decisões que tomou como magistrado que, segundo eles, prejudicaram diretamente o ex-presidente Lula, preso em Curitiba e impedido pela Lei da Ficha Limpa de concorrer contra Bolsonaro na eleição.
Segundo eles, tudo está explicado. O vazamento da conversa entre a então presidente Dilma Rousseff e Lula às vésperas da nomeação dele para a Casa Civil, com o foro privilegiado de brinde, além da divulgação de parte da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci contra Lula e o PT bem no meio da eleição. Agora, o partido promete passar das palavras aos atos, ou melhor, às ações para tentar até mesmo anular a condenação – logo, a prisão – de Lula.
Não dará em nada, mas chateia, cria saias, ou melhor, “togas-justas” no Supremo e engrossa o discurso de entidades internacionais que até agora ainda querem acreditar que o impeachment de Dilma foi “golpe” e que Lula é “preso político”.
Como se diz no jargão da economia, Moro já tinha precificado essa reação e essas acusações antes de desembarcar no Rio ontem para dizer sim a Jair Bolsonaro. Além da vaidade, da ambição profissional e do sonho de se firmar para sempre como o líder do combate à corrupção – tudo isso legítimo –, Moro aceitou o cargo com duas certezas: a de que dará um choque na corrupção sistêmica e a de que o Brasil nunca será como antes.
Boa sorte!
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
30 Outubro 2018 | 03h00
Já nos primeiros momentos e dias o presidente eleito, Jair Bolsonaro, dá indicações sobre o seu governo bem mais claras do que durante a longa campanha eleitoral. Ele mudou o tom, faz apelos à união dos brasileiros, deixa vazar nomes do futuro Ministério e decide que suas primeiras viagens internacionais serão aos Estados Unidos, ao Chile e a Israel. Isso diz tudo sobre o eixo da política externa.
Essa troca de mensagens, se foge à tradição pós-eleições, sobretudo eleições presidenciais, pelo menos sinaliza aos eleitores e à militância do PT e de Bolsonaro que o pior da guerra passou e é hora de uma trégua para respirar, recuperar forças e reduzir o nível de estresse no País.
Quando se descobriu que a agência americana NSA espionava a Petrobrás e até o gabinete presidencial no Brasil, a então presidente Dilma Rousseff, audaciosamente, mas com boa dose de razão, cancelou uma visita bilateral a Barack Obama em Washington. Apesar disso, as relações diplomáticas e os programas e acordos de cooperação não sofreram interrupção.
Com Bolsonaro e Trump, os dois países devem aprofundar acordos nas áreas de agricultura e saúde, por exemplo, mas especialmente na área militar, na segurança pública e na proteção de fronteiras, inclusive ampliando as trocas de informações e de experiência entre a inteligência dos dois países contra tráfico de drogas, armas e até pessoas.
Aí entra também o Chile, exemplo de economia aberta, liberal, beneficiário de amplos acordos bilaterais – vetados à época dos governos do PT – e refratário ao “bolivarianismo” da Venezuela. Assim como Colômbia, Peru, Argentina e Paraguai, o Chile está no foco da política externa de Bolsonaro.
O problema é a paixão por Israel, contrariando uma posição histórica do Brasil, de equilíbrio entre Israel e Palestina, e ele chegou a anunciar que, a exemplo de Trump, mudaria a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. Seria tomar partido numa guerra que não é do Brasil.
Além disso, preocuparam a diplomacia brasileira a intenção dele de abandonar a ONU e rechaçar o Acordo de Paris, sobre metas de contenção de gás carbônico. Nos dois casos, foi um Deus nos acuda que extrapolou as belas vidraças do Itamaraty, mas ele já voltou atrás em ambos. Agora é rezar para que não haja recuo do recuo.
Bolsonaro parece estar tateando, testando, indo e voltando, mas o importante é que ele sabe ouvir e recuar. Que seja assim na definição das prioridades, da pauta e dos rumos da política econômica, porque os holofotes estão em Bolsonaro, no economista Paulo Guedes e no tamanho e grau de convicção da conversão liberal e privatizante do presidente eleito. É o futuro que está em jogo.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
21 Outubro 2018 | 04h00
A polarização política chegou ao Itamaraty, com acusações mútuas de caça às bruxas e perspectiva de grandes mudanças a partir de janeiro de 2019, se o presidente for Jair Bolsonaro, como indicam as pesquisas. Nesse caso, haverá uma guinada na política externa e uma forte dança de cadeiras.
Na fila, The Economist, um bastião do liberalismo econômico internacional, Financial Times, Liberation, The New York Times e Le Figaro, além de importantes jornais da América Latina, no que o comando bolsonarista classifica de campanha externa contra o candidato e que atinge também organismos internacionais.
Ao acusarem diplomatas brasileiros de municiarem jornais e jornalistas estrangeiros, aliados do candidato do PSL apontam os que seriam “líderes da campanha”: os embaixadores aposentados Celso Amorim e José Viegas, que foram ministros da Defesa nos governos do PT e recebidos com desconfiança principalmente pelo Exército.
Amorim foi chanceler nos oito anos de Lula e participou ativamente da campanha dele à Presidência. Ao liderar a política externa “ativa e proativa”, ou Sul-Sul, Amorim direcionou o foco para países emergentes e alternativos e foi assim que a China desbancou os EUA como principal parceiro comercial brasileiro e Amorim forjou toda uma geração de diplomatas. Bolsonaristas dizem que são “todos petistas” e estão em cargos-chave que, aliás, citam de cor.
Paulo de Oliveira Campos, o POC, chefe do Cerimonial da Presidência de Lula, é embaixador em Paris; Mauro Vieira, ex-chanceler, na ONU, em Nova York; Antonio Patriota, também ex-chanceler de Dilma, em Roma; Antonio Simões, em Montevidéu, sede do Mercosul. Eles são a elite do Itamaraty. Patriota, por exemplo, é primeiro de turma.
Apesar de listar os “inimigos” sem cerimônia, a equipe de Bolsonaro acusa “os petistas do Itamaraty” de estarem fazendo listas de colegas que tenham manifestado apoio ou simpatia pelo capitão. Grosso modo, assim como há uma guerra de guerrilhas das duas campanhas na internet, ela poderia estar ocorrendo também na Casa de Rio Branco.
A campanha de Bolsonaro também diz que o “aparelhamento” do PT na administração pública, estatais, bancos públicos e agências reguladoras se estendeu a órgãos internacionais e cita a ex-ministra de Dilma Ideli Salvatti, que ganhou uma função na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.
É desses órgãos, segundo bolsonaristas, que saem as notícias negativas não apenas contra Bolsonaro, “mas contra o Brasil”, desde atribuir o impeachment de Dilma a um “golpe” até a manifestação de dois integrantes de um comitê da ONU “determinando” que Lula tinha de concorrer às eleições, mesmo preso em Curitiba.
A intenção de Bolsonaro, caso vença as eleições, é trazer de volta esses técnicos, fazer uma dança de cadeiras nas embaixadas e principais consulados, cancelar postos abertos por Amorim em pequenos países – que considera ser de alto custo e baixo retorno para o Brasil – e, principalmente, mudar a política externa.
Principais objetivos: “recuperar o pragmatismo, a liderança natural do Brasil na América do Sul e os parceiros tradicionais, como os EUA”. O primeiro alvo é a Venezuela. Com Bolsonaro na Presidência, será o fim da aliança com Nicolás Maduro, como na era PT, e da “leniência” com o regime dele, no governo Temer. Falta descobrir os “bolsonaristas do Itamaraty”. Até agora, estão por baixo dos panos.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
16 Outubro 2018 | 03h00
Há quatro décadas, o general Ernesto Geisel cansou das provocações dos “bolsões radicais, porém sinceros” e, com duas canetadas, reconduziu as Forças Armadas para a hierarquia, a disciplina e a ordem. Foi o fim da politização e o início de uma profissionalização militar que atravessou diferentes governos, dois impeachment e fortes crises.
Quanto mais o Ibope confirma a virtual vitória do capitão reformado Jair Bolsonaro e do seu vice, general da reserva Hamilton Mourão, mais cresce a dúvida: até que ponto um governo com forte apoio de militares e com participação de altas patentes poderá contaminar as Forças Armadas, com a volta da politização, dos grupos e das consequentes disputas internas de poder?
Na Venezuela, sempre tão jogada no colo do PT (e com boas razões), o regime Hugo Chávez começou exatamente assim como o governo Bolsonaro está para começar no Brasil: com o desgaste monumental do Congresso, dos partidos e dos políticos; um grau de corrupção insuportável; índices de violência assustadores; um discurso de descrédito da mídia, das instituições, das próprias eleições. Não é preciso dizer no que deu. A democracia, a economia, as empresas, o emprego, a imprensa e as condições sociais implodiram.
Bolsonaro se prepara para assumir com uma bancada própria na Câmara (o PSL elegeu 52 deputados, só atrás do PT) e espera que ruralistas, evangélicos, a “bancada da bala” e o próprio Centrão venham por gravidade. Assim, ele já pode dar um cala-boca nos que o imaginavam ilhado no Planalto, sem condições de governabilidade. Força no Congresso, ele deverá ter.
O problema é saber qual será a simbiose entre o governo Bolsonaro e as Forças Armadas. Mourão, Oswaldo Ferreira, Aléssio Ribeiro Souto e Augusto Heleno são da reserva, mas todos chegaram a generais de quatro estrelas, o mais alto grau da carreira, e conviveram a vida inteira com o atual Alto-Comando do Exército. Mourão, inclusive, fazia parte dele. As visões de mundo, de política e de comportamento são iguais, assim como a velha visão “nacionalista” da economia.
Além de condenar duramente a violência na campanha, Bolsonaro deveria também parar de defender a ditadura e dar sinais de que não fará um “governo militar”, assim como os comandantes deveriam deixar claro que a candidatura, por mais apoios que tenha de militares, não é das Forças Armadas. Isso pode reduzir dois temores: o dos civis diante da volta do regime militar, e o dos militares diante da contaminação política dos comandos e das tropas.
Para começar, ele deve parar de desacreditar as urnas eletrônicas, elogiadas no mundo todo. E deve desestimular as fake news grosseiras e os ataques ao MP, ao meio ambiente, às reservas indígenas, aos currículos das escolas e, claro, à mídia. Governo entra, governo sai, a mídia continua no mesmo lugar: crítica, vigilante, um contrapeso às verdades de ocasião e às tentações do poder. É seu papel na democracia.
FHC tem mágoa da mídia, o PT vivia às turras com a mídia, os bolsonaristas se unem contra a mídia. Mas, se é ruim com ela, é muito pior sem ela. Não é, Venezuela?
Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo
14 Outubro 2018 | 05h01
O PSDB, ou o que sobrou dele, tenta juntar os cacos e articular um bloco na Câmara com PPS, DEM e PSD para atuar no Congresso no próximo governo e servir de embrião para um novo partido moderado, de centro, com tendência à direita. Seria o que eles chamam de “Bloco da Sensatez”, pegando carona no alerta de Fernando Henrique Cardoso contra a “marcha da insensatez”.
Dê Jair Bolsonaro (PSL), como tudo indica, ou Fernando Haddad (PT), em franca desvantagem, a avaliação do bloco é que tempos muitos difíceis estão por vir no País e no Parlamento, com o novo governo batendo cabeça, cometendo erros crassos, e a oposição armada até os dentes. Por isso, seus articuladores jogam na mesa duas premissas de atuação: bom senso e responsabilidade.
Devastado pelas urnas e pela radicalização entre Bolsonaro e PT, o PSDB não enxerga um futuro, com FHC errático, Serra, Aécio e Alckmin fora de combate e João Doria, neófito, mais à direita e pouco confiável, tentando assumir o vácuo. No partido, há uma torcida contra Doria (que passou vexame com Bolsonaro) e a favor de Márcio França (PSB). Além de São Paulo, tucanos estão no segundo turno no RS, MT, RO, RR e a joia da coroa, Minas.
Além de Alckmin levar o troféu de pior desempenho da história do PSDB nas eleições, com menos de 5% dos votos, a bancada da Câmara foi quase dizimada. Dos seis últimos líderes, só um, Carlos Sampaio (SP), sobreviveu. Não voltam Antônio Imbassahy (BA), que perdeu a reeleição, e todos os que tentaram o Senado: Bruno Araújo (PE), Jutahy Jr. (BA), Nilson Leitão (MT) e Ricardo Tripoli (SP).
Também caíram tucanos de grande força na bancada do partido e de relevância na própria Câmara, como Luiz Carlos Hauly (PR), relator da reforma tributária, Rogério Marinho (RN), da trabalhista, Marcus Pestana (MG), vice-presidente da comissão da reforma da Previdência, e Floriano Pesaro (SP), um dos principais especialistas em programas sociais do Congresso.
Se a bancada tucana de São Paulo caiu à metade, de 13 para seis, a do próprio partido despencou do terceiro para o nono lugar da Câmara. O PSDB deixa de ser um dos principais partidos para se embolar entre os médios – e sem suas mais conhecidas estrelas. No Senado, Aluizio Nunes Ferreira nem disputou, Cássio Cunha Lima (PB), vice-presidente da Casa, e Paulo Bauer (SC) ficaram de fora.
Na avaliação interna, essa devastação é resultado de uma sequência de fatores e erros: Aécio Neves enrolado até a alma na Lava Jato, a prisão do ex-presidente da sigla Eduardo Azeredo, o “apetite” de governadores tucanos, a incapacidade de perceber os recados das ruas desde junho de 2013, o desdém pela força das redes sociais. Além, é claro, do próprio processo político.
O impeachment livrou Lula do peso Dilma e tirou a crise do colo do PT e jogou no de Michel Temer. Logo, o impeachment garantiu o PT no segundo turno, apesar de tudo, da prisão de Lula, das investigações, do mensalão e do petrolão. Basta comparar os índices de Lula com Dilma no governo e com Dilma fora do governo.
Correndo por fora, Bolsonaro virou “o cara”, enquanto o PSDB, como sempre dividido, tentava escorar o governo Temer e garantir as saídas da crise econômica. O hoje favorito para a Presidência simplesmente não existia antes do impeachment, que salvou o PT, e das gravações de Joesley Batista/Rodrigo Janot, que trucidaram Temer e implodiram o PSDB.
Assim, a queda de Dilma e a PGR de Janot definiram, junto com as ruas, o segundo turno de hoje entre o capitão e o PT. E Bolsonaro, se vencer, vai dever a vitória a Janot, Joesley, o desgaste político e o esgotamento da polarização PT versus PSDB. Agora, é se preparar para a crise já contratada para 2019. A “Bancada da Sensatez” vai ter muito trabalho.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
12 Outubro 2018 | 03h00
As últimas pesquisas foram recebidas com alívio, até com discreta comemoração, na campanha de Jair Bolsonaro, do PSL, que não só continua liderando com folga como mantém a diferença do fim do primeiro turno. Era de 17 pontos, agora é de 16. Ou seja, ele e Fernando Haddad, do PT, cresceram praticamente a mesma coisa, 12 um, 13 o outro, o que cristaliza o favoritismo de Bolsonaro. Só o “imponderável”, ou uma “hecatombe”, tiraria a vitória do capitão.
O pior já passou. Esse é o clima entre os bolsonaristas, que esperavam ansiosamente as primeiras pesquisas, temendo uma transferência maciça de votos de Ciro Gomes (PDT) para Haddad. Ciro ficou em terceiro lugar, com 12%, e isso poderia reduzir significativamente a distância entre o capitão e o petista. Mas não aconteceu e Ciro está voando para o exterior.
No PT, a conta é a seguinte: com 16 pontos de diferença, basta mudar oito pontos para um empate. Aritmeticamente está certo, porque, se um voto sai de um para o outro, a diferença entre eles cai dois pontos. Mas a questão não é aritmética, é político-eleitoral. E, aí, a conta não fecha. Numa eleição radicalizada como a atual, dificilmente haverá uma migração de votos de Bolsonaro para Haddad ou de Haddad para Bolsonaro. Quem votou num não vota no outro de jeito nenhum.
Em seguida vem Geraldo Alckmin, do PSDB, que chegou em quarto lugar, com menos de 5% dos votos. Para piorar, 54% dos seus eleitores, segundo a pesquisa, preferem Bolsonaro a Haddad. O resto é o resto, inclusive Marina Silva, que tem peso simbólico, mas perdeu relevância eleitoral, ao cair do segundo para o oitavo lugar, com 1%.
A pergunta que não quer calar, portanto, é: de onde Haddad poderá, ou poderia, tirar votos para virar o jogo?
Marinha. Do comandante da Marinha, almirante de esquadra Eduardo Leal, em conversa com a coluna: “O candidato ‘x’ ou ‘y’ pode ter muitos eleitores nas FA, mas as Forças Armadas não têm candidato. Repito: as FA, particularmente a Marinha do Brasil, não têm candidato. Não há nenhuma atividade, nenhuma campanha interna, nenhuma ação que possa nos associar a um dos dois candidatos. Estamos, institucionalmente, neutros”.
Ele é ainda mais enfático ao falar sobre a hipótese, ou temor, de uma futura intervenção militar: “Não há ambiente nem condições para qualquer tipo de golpe, muito menos para um golpe militar. As instituições são fortes, a iniciativa privada é forte, a mídia é forte e as FA cumprem suas atribuições dentro da Constituição”.
Heleno. Ao ser anunciado ontem como futuro ministro da Defesa de um eventual governo Bolsonaro, o general Augusto Heleno foi ao “Forte Apache” visitar o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, de quem é velho amigo. Pouco antes, ele disse à coluna que pretende “cumprir a Constituição, procurando atender as aspirações das FA e garantindo os interesses nacionais estratégicos, sob comando do presidente da República”.
Heleno, que na ativa foi comandante militar na Amazônia e das tropas brasileiras no Haiti, repetiu um bordão militar ao dizer que ainda não foi oficialmente convidado, mas não titubeará quando for, se Bolsonaro for eleito: “Missão dada é missão cumprida”. E acrescentou: “Cumprir a missão é ajudar o Brasil neste momento difícil e de acordo com o que for acontecendo. Estou preparado para o que acontecer e para o que eu for chamado”.
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
09 Outubro 2018 | 03h00
A melhor sacada do fim do primeiro turno foi o “Fica, Temer!”, que viralizou na internet, foi um dos assuntos mais comentados do Twitter mundial e resume bem a sensação no Brasil de 2018: “Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come”.
Já nas primeiras horas após o primeiro turno, o petista Fernando Haddad conclamava “os democratas” a aderirem à sua candidatura. A insinuação é clara: ele é o lado da democracia, o outro é o do obscurantismo. Com 4 milhões de votos para o Senado, Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, reagiu dizendo que “o lado das trevas” – o PT – não terá governabilidade.
Bolsonaro, capitão reformado do Exército, tem uma visão de mundo, e de direitos humanos, muito particular. E seu vice, um general que passou há pouco para a reserva, tem ideias exóticas. Já defendeu intervenção militar, condenou a “indolência dos índios” e a “malandragem dos negros” e está orgulhoso do “branqueamento” do neto. Hitler sorriu no túmulo.
Do outro lado, o que dizer do ex-presidente do PT José Dirceu e da atual presidente Gleisi Hoffmann? Ele avisa que não basta ganhar a eleição, o objetivo é “tomar o poder”. Ela é reincidente no apoio público a Nicolás Maduro na Venezuela, o que seria patético, não fosse trágico. Ou seria sádico?
Para sorte do pobre Brasil, 69% das pessoas já reagem a essas extravagâncias do PT e do bolsonarismo manifestando apoio à velha e boa democracia. Pode parecer pouco, mas é o maior índice desde a redemocratização.
Nessa disputa entre quem é mais autoritário e antidemocrático, o fato é que Bolsonaro virou moda, primeiro, e tsunami, no final, e entra no segundo turno como franco favorito. Teve 46% dos votos, mudou as eleições para os governos estaduais, varreu petistas como Dilma Rousseff, Eduardo Suplicy, Lindbergh Faria e Jorge Viana do Senado e pôs sua turma no lugar.
E que turma! Flávio no Rio, Major Olímpio em São Paulo, Carlos Viana em Minas. Ganhe ou não, Bolsonaro já tem uma superbancada também na Câmara: o insignificante PSL será a segunda força, atrás do PT, e ele fecha acordos no atacado, não no varejo. Em vez de convencer PP, PTB, PR, etc., negocia com a frente BBB – Bíblia, Boi e Bala. Assim, ele anula a crítica de que não teria maioria no Congresso e já se sente pronto a aprovar todo o seu programa, caso suba a rampa do Planalto, como tudo indica. O problema é saber qual é o seu programa, o que ele pretende aprovar...
O programa de Haddad é populista, intervencionista, um recuo do PT no tempo, mas pelo menos sabe-se qual é. Já o programa de Bolsonaro é uma incógnita envolta nas idiossincrasias entre a alma, o coração e as crenças do candidato e a alma, o coração, as crenças e o sólido conhecimento de seu homem para a economia, Paulo Guedes.
Até o dia 28, todos estarão falando abstratamente de autoritarismo versus democracia. Em janeiro, dê no que dê, o papo será outro: como combater concretamente o déficit do Estado e a crise econômica. Guedes quer pragmatismo e tesoura, mas Bolsonaro é estatizante e corporativista, logo, gastador. Nisso, sem dúvida, o capitão Bolsonaro e o professor Haddad são bem parecidos.