Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Eliane Cantanhêde domingo, 07 de outubro de 2018

CONFRONTO ENTRE LULISTAS E BOLSONARISTAS, MAS VIVA A DEMOCRACIA

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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As duas seitas

O confronto é entre duas seitas, lulistas e bolsonaristas, mas viva a democracia!

 
 

Jair Bolsonaro (PSL) virou onda sob os ventos conservadores que assolam o Brasil, mas a vitória em primeiro turno, se não impossível, parece improvável. A perspectiva é de um segundo turno entre duas seitas políticas, o bolsonarismo e o lulismo, alheias à crítica, à autocrítica e às divergências. A eleição passa, mas essa guerra vai continuar.

 Fernando Henrique, em 1994, e Lula, em 2002, tinham uma certa lógica, até onde a política consegue ter alguma lógica. Mas 2018 lembra mais 1989, com o “caçador de marajás” Fernando Collor (seria cômico, não fosse trágico), e 2014, com a “gerentona” Dilma Rousseff (o que é só trágico).

Collor crescendo, crescendo, e os brasileiros acreditando, festivamente, nos jargões, no teatro, sem refletir sobre o passado do candidato nem projetar o futuro presidente. Dilma liderou do início ao fim, sem que os eleitores, expostos a um marketing de muita qualidade técnica e pouca ética, enxergassem as pedaladas para driblar a realidade e cair no precipício logo ali.

 Assim chegamos a este 7 de outubro com o País sem racionalidade, dividido entre antipetismo e antibolsonarismo. Os eleitores só veem, ouvem e sentem o que querem, sem a dúvida, os prós e contra. Se a seita PT obedece a tudo o que seu mestre Lula mandar, a seita bolsonarista bate continência a todas as ordens do capitão Bolsonaro.

Para o PT, a Justiça, o MP, a PF, a Receita e a mídia estão errados, só Lula está certo. Não interessa que ele tenha dividido o País em “nós e eles”, mergulhado alegremente nas benesses de empreiteiras e bancos, institucionalizado a propina e fatiado a Petrobrás. Só que ele usou os ventos internacionais para dar crédito, consumo e bolsas à vontade e é adorado por um terço da população.

E por que Bolsonaro? “Porque sou contra o PT.” Sim, mas e o Bolsonaro? O que ele já fez, faz, é capaz de fazer? O que ele é, o que pensa? A equipe dele? O risco? Aí, a resposta é um muxoxo, uma certa preguiça para pensar, admitir que o candidato foi péssimo militar, é péssimo político, meteu a família inteira na política, nunca administrou nem padaria. Um “defensor da família” que já se separou quantas vezes mesmo? Algumas, aliás, de forma bem tumultuada.

Na hora do “vamos ver”, quando passam a festa e a transição e o eleito senta na cadeira para governar, começam os problemas. Em meio à tempestade, com 13 milhões de desempregados, pior ainda. Há, porém, uma diferença clara entre o que poderá ser o início Bolsonaro e o início Haddad. O capitão vai meter o pé na porta, botar pra quebrar, como gostam seus apoiadores. Mas Haddad vai chegar com jeito de professor, fala mansa, agregador. Quando todo mundo se acostumar, quem sabe até gostar, aí é que o PT “toma o poder”. Está na alma do partido aparelhar o Estado: bancos públicos, empresas, instituições, até organismos internacionais.

Quando Bolsonaro vier com tudo, o PT será de grande utilidade. Quando o PT intervier no governo Haddad, se for ele o vitorioso, a militância de Bolsonaro, forjada em junho de 2013 e encorpada pelas redes sociais, estará a postos. O confronto entre governo e oposição é saudável, democrático, mas como não aprofundar a polarização e o ódio que vai se instalando, replicado até mesmo no próprio Supremo?

Tempos difíceis virão: um provável segundo turno entre candidatos com índices inéditos de rejeição e um governo, seja qual for, que assume com déficit monumental, falta de dinheiro para tudo, necessidades urgentes, reformas inadiáveis, empresas fechando, milhões de desempregados e... uma oposição armada até os dentes.

Mas tem boa notícia: quanto maior a ameaça do autoritarismo, mais os brasileiros se lembram do valor da democracia. Bom voto e viva a democracia!


Eliane Cantanhêde sexta, 05 de outubro de 2018

OS ANTAGONISTAS

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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Os antagonistas

Bolsonaro reina entre mais ricos e escolarizados; Haddad, entre mais pobres e sem instrução 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

05 Outubro 2018 | 03h00

 

A melhor expressão do antagonismo entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) está no perfil dos seus eleitores e, particularmente, num dos segmentos das pesquisas: enquanto o favorito encanta os mais ricos e escolarizados, que acreditam no velho que se diz “novo”, o petista consolida a posição entre os de menor renda e instrução, que creem piamente no Pai Lula. Até nisso os dois representam os extremos.

 

Pelo Ibope/Estado/TV Globo, Bolsonaro, que virou o queridinho do mercado, cresceu cinco pontos e atingiu 51% entre os eleitores de maior renda familiar mensal. Na outra ponta, Haddad perdeu seis pontos entre os mais ricos, mas cresceu sete pontos e atingiu 33% entre os de menor renda.

Bolsonaro continua subindo e está com 43% entre os que têm maior nível de instrução, enquanto Haddad disparou oito pontos e foi para 34% no campo oposto, dos menos escolarizados, além de também crescer seis pontos entre os que têm só ensino fundamental completo.

Se Haddad lidera no Nordeste, com 36%, Bolsonaro está na frente em todas as demais regiões, inclusive no populoso Sudeste, onde o petista cresceu cinco pontos, mas só chega a 18%.

Esse dado combina com o desempenho dos candidatos do PT aos governos estatuais. Eles comem poeira em São Paulo, Rio e Espírito Santo e o governador Fernando Pimentel, que disputa a reeleição, está em segundo lugar em Minas.

Sem partido e coligações importantes, Bolsonaro não tem candidatos oficiais fortes nesses Estados, mas os favoritos já pulam no seu barco em São Paulo, por exemplo, onde ele lidera com folga para a Presidência. Vide João Doria, do PSDB.

Se teve três péssimas notícias na semana anterior – estagnação, rejeição e derrota para todos no segundo turno –, Bolsonaro inverteu o jogo na reta final do primeiro turno, em que voltou a crescer, está em empate técnico com Haddad no segundo turno e conquista apoios relevantes, não só para vencer a eleição, mas também para governar.

Assim como cresceu entre os mais ricos e escolarizados, ele também chegou a 43% entre os evangélicos e a 35% nas capitais, que têm maior poder de influência na eleição e sobre o Congresso.

Se não tem apoio formal de partidos nem sabe lidar com eles – já passou por nove, em sua longa, apesar de apagada, carreira política –, Bolsonaro recebeu a adesão oficial da considerável Frente Parlamentar da Agropecuária e, informal, da Frente Evangélica e da “bancada da bala”, que defende o armamento da população como forma de combate à violência. São todas frentes suprapartidárias, formadas por deputados e senadores de centro e, principalmente, de direita. E, se são fortes hoje, devem vir mais fortes ainda em 2019, surfando na clara onda de direita que assola o País e resulta em Bolsonaro. Ele é causa e, mais ainda, efeito dessa onda.

De qualquer forma, as pesquisas ainda não confirmam o entusiasmo e o discurso da campanha bolsonarista de que é possível vencer em primeiro turno. Pelo Ibope, ele tinha 38% dos votos válidos até quarta-feira. Impossível nada é, mas é bastante difícil que consiga 12 pontos nesses quatro dias para fechar a eleição já no domingo.

Pode ser um alento para Haddad, já que o segundo turno é uma segunda eleição, com tempo igual de TV e com intensa movimentação de políticos e eleitores para se recolocarem. Mas uma coisa é certa: Bolsonaro atravessou todo o primeiro turno em vantagem e chega ao segundo demonstrando força e colhendo adesões. Haddad herdou boa parte dos votos que seriam de Lula, mas está herdando também a imensa rejeição ao PT. A organicidade, a estratégia e a disciplina do partido não estão dando conta de reagir à altura.


Eliane Cantanhêde terça, 02 de outubro de 2018

PANDEMÔNIO INSTITUCIONAL

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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Pandemônio institucional

Ministros do Supremo desautorizam uns aos outros e juiz Moro entra na confusão

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

02 Outubro 2018 | 03h00

 

Exatamente na última semana das eleições, a Justiça toma decisões de deixar juristas, analistas e políticos de cabelo em pé. Em Brasília, o ministro Ricardo Lewandowski insiste em liberar o ex-presidente Lula para dar entrevistas, o que significa fazer campanha para o candidato do PT. Em Curitiba, o juiz Sérgio Moro retira o sigilo da delação premiada de Antonio Palocci, que atinge em cheio justamente Lula.

A “base teórica” dessa guerra de nervos vale para os dois lados: Lula nem é candidato, oras! Logo, pode dar entrevista da sua cela. Logo, não precisa de sigilo para a delação de Palocci, que foi o homem da economia e um dos personagens centrais de seu primeiro mandato na Presidência.

Lewandowski, amigo pessoal do casal Lula e Marisa Letícia e nomeado pelo então presidente para o Supremo, causou uma enorme surpresa na sexta-feira ao autorizar as entrevistas, mesmo sabendo (ou exatamente porque sabe) o peso de Lula na campanha de Fernando Haddad. Os demais ministros levaram um susto, considerando que uma decisão com tamanho impacto político deveria ter sido submetida ao plenário, não tomada individualmente, e por alguém tão ligado a Lula e ao PT.

Ao receber um questionamento sobre a decisão, o ministro Luiz Fux, numa outra canetada, desfez o que Lewandowski fizera. Outra surpresa. Afinal, não é trivial um colega desautorizar o outro, e tão rapidamente. O que Lewandowski fez? Deixou passar o fim de semana e ontem voltou à carga. Ficamos assim: Lewandowski autoriza, Fux desautoriza, Lewandowski autoriza novamente. E agora?

O Supremo repete assim a “Operação Tabajara” do TRF-4 de Porto Alegre, quando o desembargador Rogério Favreto – outro ligadíssimo ao PT – mandou soltar Lula num mero plantão. O juiz Moro negou, o relator negou, o presidente do tribunal negou. Um vexame histórico, com críticas das então presidentes do Supremo e do STJ e da procuradora-geral da República.

A PF ficou feito barata tonta: obedecer a Favreto, a Moro, ao relator ou ao presidente do TRF-4? E agora, obedece ao ministro X ou Y do Supremo? Durma-se com um barulho desses, enquanto o presidente Dias Toffoli articulava uma saída e bateu o martelo: não tem entrevista.

Foi nesse clima que Moro liberou a divulgação das delações de Palocci, relatando como Lula participou do fatiamento da Petrobrás entre os partidos e fazia um teatro com interlocutores para fingir que não sabia de nada, enquanto as campanhas de Dilma Rousseff atingiam até R$ 800 milhões, grande parte não declarada. Foi ou não foi uma retaliação de Moro à audácia de Lewandowski? Audácia se paga com audácia?

Some-se tudo isso às operações contra os governadores tucanos Beto Richa (PR), Marconi Perillo (GO) e Reinaldo Azambuja (MS), num momento crítico das campanhas e com curto espaço de tempo entre elas. Richa foi preso, inclusive, e seus índices nas pesquisas para o Senado despencaram. Foi por acaso? Atingindo governadores? De um único partido? A dias das eleições?

Não bastasse a polarização entre PT e extrema direita, o primeiro turno de 2018 caminha para o fim com interferência do MP, da Justiça e, talvez, da própria PF. É como se dissessem: não pegaram o PT? Então tem de pegar o PSDB bem na campanha.

Quem lucra com esse pandemônio institucional é... Jair Bolsonaro. Após revolucionar as redes sociais, atrair eleitores de alta escolaridade com um discurso vazio e juntar uma equipe um tanto atrapalhada, ele agora consegue agitar as ruas com manifestação contra e a favor. Essa é novidade. Aliás, como tudo nessa eleição, centrada num preso doido para falar e num esfaqueado que só lucra ficando calado.


Eliane Cantanhêde terça, 25 de setembro de 2018

FIM DA ZONA DE CONFORTO

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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Fim da zona de conforto

Ibope dá três más notícias para quem vota em Bolsonaro só para conter o PT

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

25 Setembro 2018 | 03h00

 

A pesquisa Ibope de ontem não é boa para o líder da eleição presidencial, Jair Bolsonaro (PSL). Fica claro que os ataques dos adversários estão dando resultado e o atingem diretamente, sobretudo os das mulheres nas redes sociais e os de Geraldo Alckmin (PSDB) na propaganda eleitoral da televisão.

Apesar de consolidado no primeiro lugar, com 28% das intenções de voto e 24% na sondagem espontânea, Bolsonaro teve três más notícias: a tendência de crescimento parou, sua rejeição subiu quatro pontos em uma semana e ele voltou a perder para todos os demais candidatos num eventual segundo turno, à exceção de Marina Silva (Rede), com quem empata em 39%.

O Ibope indica que a trégua para Bolsonaro após a facada se esgotou e a boa vontade com ele parou de ter efeito político-eleitoral. Resultado: a possibilidade de vencer já no primeiro turno praticamente evaporou e a eleição caminha para um segundo turno, como era mais provável desde o início.

Quem vota ou pensa em votar no capitão só para tentar impedir a volta do PT, e não por achá-lo melhor e mais apto para a Presidência, deve prestar atenção a dois índices decisivos. A rejeição dele, de 46%, vai se aproximando dos 50% e isso significa que praticamente metade dos eleitores não vota em Bolsonaro de jeito nenhum. Entre as mulheres, a rejeição já é de 54% e isso se reflete no segundo turno. Pela projeção, o petista Fernando Haddad bate Bolsonaro por 43% a 37%.

 

 

Esse resultado remete a uma frase que Alckmin vive repetindo na sua investida contra o capitão. Segundo o tucano, votar em Bolsonaro não é combater o PT, mas o contrário: “É o passaporte para a volta do PT”.

Com o foco em Bolsonaro, que está com uma vaga no segundo turno praticamente garantida, Fernando Haddad foi meio desprezado nas atenções de ontem da mídia e das análises. Ele, porém, continua crescendo e já vai a 22%, apenas seis pontos atrás de Bolsonaro. Se continuar nesse ritmo, tem chance de chegar em primeiro lugar à etapa final da eleição.

Aliás, a expectativa de antecipação do segundo turno já no primeiro não está se confirmando, pelo menos por enquanto. Se estivesse, teria havido uma explosão de Bolsonaro e Haddad e uma correspondente “desidratação” dos demais candidatos. Isso não aconteceu, pelo menos ainda.

Ciro Gomes resiste ao ataque especulativo do PT e se mantém estável em 11% pela terceira vez seguida no Ibope. Não cresce e está 11 pontos atrás de Haddad, mas não cai e está em segundo lugar no populoso Nordeste. Além disso, bate Bolsonaro por 11 pontos, de 46% a 35%, no segundo turno. Ou seja, está no jogo.

Alckmin, que dormiu no ponto muito tempo, achando que a eleição seria definida pelo apoio do Centrão e o imenso tempo de TV, finalmente acordou, politizou a campanha e parou de cair, até oscilando um ponto para cima, para 8%. Ou seja, assim como Ciro, está conseguindo conter a voracidade do PT sobre seus votos, Alckmin começou a conter a de Bolsonaro sobre os seus e tenta recuperar terreno. Aliás, um dado intrigante do Ibope é a queda do capitão no Sul: oito pontos. O que houve?

Marina continua minguando e está com 5%, tecnicamente empatada com João Amoêdo, Henrique Meirelles e Alvaro Dias. Saiu do segundo pelotão e passou a engrossar o terceiro. Nem chega a ser surpresa, já que Marina havia crescido com os votos do ex-presidente Lula, que agora têm dono. O problema do PT é fazer o encontro desses votos com esse dono em todo seu potencial.

Bolsonaro continua vencendo em quatro das cinco regiões e é, sem dúvida, muito forte. Mas Haddad se afirmou e vai dar muito trabalho e Ciro e Alckmin lutam bravamente.


Eliane Cantanhêde domingo, 23 de setembro de 2018

OS DOIS BRASIS - DIREITA SOLIDAMENTE NO SUL E CENTRO-OESTE, ESQUERDA DEFINITIVAMENTE NO NORDESTE

 

Os dois Brasis

Direita solidamente no Sul e Centro-Oeste, esquerda definitivamente no Nordeste

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

23 Setembro 2018 | 05h00

  

Ao empurrar a eleição para dois candidatos que representam os extremos, a polarização do processo político também divide claramente o Brasil, com a esquerda cada vez mais consolidada no Nordeste (27% do total do eleitorado) e a direita impondo-se no Sul (15%), com reflexo direto na eleição para a Presidência e para os governos estaduais.

Jair Bolsonaro (PSL) disparou em todas as regiões e chega a 37% no Sul e a 36% no Centro-Oeste, dois arraigados redutos da direita. Ratinho Júnior (PSD) no Paraná, Ronaldo Caiado (DEM) em Goiás e Mauro Carlesse (PHS) em Tocantins têm forte chances de vitória para seus governos já no primeiro turno.

No Nordeste, a situação se inverte. Fernando Haddad (PT) já lidera e, apesar da crise de Dilma Rousseff, que afetou diretamente os Estados, cinco dos governadores têm grandes chances de se reeleger no primeiro turno. Três são do PT: Rui Costa (BA), Camilo Santana (CE) e Wellington Dias (PI). O quarto é Flávio Dino (MA), do PCdoB. E o campeão é Renan Filho (AL), do MDB, com apoio do PT e de Lula.

 

 

Vão-se criando assim dois Brasis. Um se alinha com o discurso da bala, da segurança, da antipolítica, do antipetismo e do conservadorismo de costumes. O outro é grato às benesses sociais, suscetível às promessas populistas, desconhece a importância do equilíbrio fiscal, acha natural o aparelhamento do Estado e releva a pregação contra a corrupção. 

No Sudeste, com 43% do eleitorado e as três maiores economias do País – São Paulo, Rio e Minas –, Bolsonaro já atinge 30%. Com a decisão do governador Paulo Hartung de não disputar a reeleição, Renato Casagrande (PSB) pode se eleger em primeiro turno no Espírito Santo, um exemplo de gestão, mas no resto tem de tudo, inclusive surpresas. 

Bolsonaro engole os vestígios de esquerda no Rio, onde Eduardo Paes (DEM) lidera para o governo, e também a hegemonia do PSDB em São Paulo, onde João Doria empata com Paulo Skaf (MDB) e Geraldo Alckmin não deslancha para a Presidência. 

Outra surpresa é a divisão em Minas. O tucano Antonio Anastasia tem posição confortável para voltar ao governo e a petista Dilma está à frente para o Senado, dois anos depois do impeachment e de manter os direitos políticos graças, por exemplo, a Renan Calheiros, regiamente recompensado hoje na eleição do filho para o governo e da sua própria para o Senado em Alagoas.

Aliás, o MDB do presidente Michel Temer está bem na foto eleitoral, apesar de o partido ser um dos mais atingidos pelas prisões da Lava Jato e de Temer ser imbatível em impopularidade. Além de Renan Filho, candidato a campeão de votos no País, também Helder Barbalho pode se eleger em primeiro turno no Pará. Vem a ser filho de Jader Barbalho, outro ex-presidente do Senado bem enrolado na Justiça.

Tem-se, portanto, a direita solidamente no Sul e no Centro-Oeste e a esquerda definitivamente no populoso Nordeste, com o Norte mantendo hegemonias familiares e o Sudeste numa barafunda. A única coisa inquestionável é que Jair Bolsonaro, apesar de tudo, e de todos os riscos, lidera com folga em quatro das cinco regiões do País e nos Estados mais populosos. Isso tem cheiro de Fernando Collor em 1989, mas o PT também tem suas armas (eleitorais, frise-se).

Resta saber que tipo de movimento, ou de reação, começa a se desenhar com o manifesto de alerta de Fernando Henrique Cardoso, endossado por intelectuais tucanos. O Brasil está dividido entre a direita bolsonariana e a esquerda petista. O que isso projeta para o futuro? E vai ficar por isso mesmo? Ainda teremos muitos solavancos durante as eleições, mas principalmente depois. Apertem os cintos!


Eliane Cantanhêde sexta, 21 de setembro de 2018

QUEM MANDA EM QUEM

 

Quem manda em quem

Lula manda em Haddad, Bolsonaro tenta mandar em Mourão e Guedes

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

21 Setembro 2018 | 03h00

 

Enquanto Fernando Haddad (PT) não perde uma chance de reforçar que é pau-mandado do ex-presidente Lula, Jair Bolsonaro (PSL) faz o contrário e põe nos seus devidos lugares o vice, general Hamilton Mourão, e o “Posto Ipiranga”, economista Paulo Guedes.

 Do hospital, onde continua ativo nas redes sociais, o capitão Bolsonaro cortou as asinhas do general Mourão, que estava doido para substituir o paciente em debates e sabatinas – ou seja, assumir o papel de candidato à Presidência. Bolsonaro foi direto: ou ele vai pessoalmente aos debates, ou ninguém vai.

Também cuidou de conter os arroubos do economista Paulo Guedes, que defende imposto único e avançou o sinal ao admitir a recriação da CPMF. “Chega de impostos”, bradou Bolsonaro, tarde demais. Os adversários estão fazendo uma festa e reforçando a percepção de que, como o candidato não entende nada de economia (aliás, não só de economia...), o governo seria, na prática, de Guedes. Ou do general, que já defendeu intervenção militar.

 Todo o episódio confirma o alerta do economista Persio Arida: que o “estatizante e corporativista” Bolsonaro vai para um lado e o privatizante e liberal Guedes vai para o outro. E aí, que governo sai dessa confusão, caso subam a rampa do Planalto? Ou, como indagam os apressados do mercado, que pularam cedo na campanha Bolsonaro por medo do PT: “E a autonomia do Guedes?”. Não é tanto assim, até porque presidente é presidente, ministro da Fazenda é muito importante, mas é só ministro.
 
 

Do lado oposto, Lula é a força e a fraqueza de Haddad. A mais contundente confirmação disso foi a forma tortuosa e sofrida com que reagiu à pressão para dizer se, eleito, iria ou não tirar Lula da cadeia via indulto. Foram muitos talvez, quem sabe, muito pelo contrário, até que o governador de Minas, Fernando Pimentel, disse o que parece óbvio: sim, Haddad no Planalto significa Lula fora da cadeia.

Do ponto de vista eleitoral, trata-se do clássico “pregar para convertidos”, porque a ideia agrada a quem já naturalmente vota no PT. E não atrai votos de quem até simpatiza com o jeitão de Haddad, mas não é petista e não quer soltar Lula a qualquer custo, muito menos admite a volta dele no tapetão.

Foi por isso que, na milésima vez que lhe perguntaram a mesma coisa, Haddad jogou a toalha e garantiu que não, não vai dar indulto a Lula. Se é verdade ou não, não se sabe, mas ele mandou um recado para Pimentel, que teve de se retratar: ninguém fala por ele (a não ser Lula, claro).

Com essa balbúrdia, os dois favoritos dão farta munição a Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede). “O Brasil não aguenta mais um presidente fraco, que tenha de consultar o seu mentor”, atacou Ciro, ao lembrar o desastre Dilma Rousseff, outro “poste” de Lula. Ciro perdeu o segundo lugar para Haddad, mas tem uma vantagem sobre Alckmin e Marina: não caiu. Assim, se torna a opção mais à mão em caso de uma onda pelo “voto útil” de centro, contra os extremos.

Marina insiste numa campanha considerada elegante por uns e ingênua por outros, enquanto perde votos principalmente para Haddad. Ao contrário, Alckmin acordou, deu um pulo da cama e partiu para a guerra contra Bolsonaro e, no rastro, também contra Haddad. Suas peças na TV agora são duras, com cenas fortes, fazendo até conexão entre o Brasil e a Venezuela e entre Bolsonaro e Chávez. E foram reforçadas por uma carta de Fernando Henrique Cardoso contra a polarização.

Parece improvável que a guinada reverta a favor de Alckmin, mas pode quebrar a convicção antecipada de que a eleição será entre Bolsonaro e Haddad. No mínimo, é um alerta sobre o que pode vir por aí.


Eliane Cantanhêde terça, 18 de setembro de 2018

AMOR E ÓDIO NA ELEIÇÃO

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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Amor e ódio na eleição

Erros nas campanhas no 1.º turno e guerra de rejeições no 2.º: quem você odeia mais?

 
 

Jair Bolsonaro (PSL) é campeão de intenções de votos, mas também de rejeição. Fernando Haddad (PT) é quem mais cresce nas pesquisas, mas isso tem preço: quanto mais é conhecido e mais cresce, mais sua rejeição aumenta, praticamente na mesma rapidez e proporção.

Assim como encanta eleitores homens e de alta escolaridade, Bolsonaro é rechaçado por jovens, metade das mulheres e boa parte do eleitorado de baixa renda. E Haddad, assim como colhe os votos do ex-presidente Lula, herda a rejeição ao PT, que é muito forte, consolidada.

É nesse clima de “amor e ódio” aos dois líderes das pesquisas que o primeiro turno vai chegando ao fim, com os candidatos nervosos, suas equipes batendo cabeça e todos cometendo erros gritantes. A ansiedade bate à porta de uns e o desespero, à porta dos demais. O risco é o vale-tudo.

No hospital, Bolsonaro se livra de debates e sabatinas em que exibia todo o seu desconhecimento de economia, crise fiscal, investimentos, educação... Ao se preservar, porém, também sai do foco e deixa de fazer campanha numa hora decisiva e abre o flanco para o seu vice, general Hamilton Mourão, que está botando as asinhas de fora e acaba de produzir uma das pérolas da eleição: segundo ele, casa só com mãe e avó é “fábrica de desajustados” para o tráfico. O que é isso, minha gente?

 

 

Ao gravar um vídeo no leito hospitalar, Bolsonaro demonstrou duas fragilidades: a física e o medo do crescimento de Fernando Haddad. Acusou o golpe e saiu falando em “fraude” nas urnas, o que soa assim: “As urnas só são legítimas se eu vencer. Se eu perder, é fraude”. Bem democrático...

Haddad, que tem a campanha mais calculada e estratégica, ficou entre a cruz e a espada e optou. Para atrair os fiéis seguidores de Lula, ele se assume como pau-mandado do padrinho, diz que, se eleito, vai sempre pedir a bênção a ele na cela de Curitiba e deixa no ar a intenção de, no Planalto, conceder indulto para tirá-lo da cadeia. Mas, se isso aumenta a intenção de votos de Haddad, igualmente infla a rejeição a ele. Atiça o antipetismo, que não se esquece de que Lula, Dirceu, Palocci e todos os tesoureiros petistas foram presos pelo desmanche da Petrobrás.

Ciro Gomes continua sendo Ciro Gomes, expondo enfaticamente suas virtudes, mas incapaz de dissimular seus defeitos. E não é que o cabra macho cearense foi xingar, ameaçar e pedir a prisão de um repórter em Roraima?! Por uma pergunta mais do que legítima?! Mas o pior erro da campanha de Ciro é a estratégia errática. 

Ele tentou Lula, que bateu com a porta na cara dele. Tentou o PT e as esquerdas, que lhe surrupiaram o PSB. Concentrou baterias contra Geraldo Alckmin e jogou todas as culpas das mazelas do País no PSDB, defendendo Lula contra a prisão e Dilma contra o “golpe”. Só que seu “inimigo” não era Alckmin, eram o PT e Haddad, como fica claríssimo agora.

Já a campanha de Alckmin é bombardeada inclusive por tucanos, mas também por aliados, adversários, à direita e à esquerda. Um bom conselho seria o PSDB fazer fila, à frente Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, para aprender todos um pouco de política com... o economista Persio Arida.

Enquanto o PSDB, o PP, o MDB, etc. só abrem a boca para puxar Alckmin para baixo, Arida deu ao Estado a entrevista mais política, contundente e eficaz da campanha tucana, dizendo que Bolsonaro é um “engodo liberal”, como Hugo Chávez foi na Venezuela, e lembrando a esquizofrenia da campanha do capitão: o candidato é “estatizante e corporativo”, já o seu “Posto Ipiranga”, o economista liberal Paulo Guedes, é “mitômano” e não vai mandar nada.

E Marina Silva? O problema da campanha dela não é estratégia errada, mas a total falta de estratégia. 


Eliane Cantanhêde domingo, 16 de setembro de 2018

VETOS PRÓ-PT

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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Ventos pró-PT

Depois de passar Alckmin e Marina, Haddad tende a ultrapassar Ciro

 
 

A cada dia sua agonia e a cada uma das campanhas seu desafio, faltando apenas três semanas para as eleições mais tensas, agressivas e incertas desde a redemocratização de 1985. A consolidação de Jair Bolsonaro e o avanço de Fernando Haddad projetam a chegada da extrema direita ou a volta do PT ao poder e isso mexe com a alma e os escrúpulos dos demais candidatos, principalmente dos que estão embolados na disputa por uma vaga no segundo turno.

Bolsonaro (PSL) está confortável nas pesquisas, mas tem o desafio de fazer campanha depois de esfaqueado e de duas grandes cirurgias. Não pode se atirar nos “braços do povo” como faz há tempos em aeroportos e centros de cidades, não pode nem ao menos gravar vídeos para a propaganda eleitoral e não tem prazo para voltar à atividade política. Pior: sem o comandante, a tropa bate cabeça e seu vice, general Hamilton Mourão, já quer assumir o controle.

No lado oposto, Haddad (PT) vira o novo fenômeno de 2018 e enfrenta dois problemas. Um é ter de falar no ex-presidente Lula de manhã, de tarde, de noite e de madrugada, aumentando a percepção de que seria uma marionete de Lula, uma escada para a volta do próprio Lula à Presidência. O outro problema é que todos os candidatos batiam em Geraldo Alckmin (PSDB), mas agora desviam suas baterias para Haddad. E a artilharia mais pesada é justamente a forte rejeição ao PT em boa parte da sociedade. 

Atropelado por Haddad, Ciro Gomes (PDT) deve recuar para o terceiro lugar já na próxima rodada. Seu desafio é bater em Haddad – para manter sua posição, sobretudo no Nordeste –, sem atingir Lula, de quem pretende herdar votos de esquerda em todas as regiões. Ou seja, tem de bater em Haddad, mas endeusando Lula. O segundo problema de Ciro é... ele mesmo. Como pretende negociar reformas, programas e o bem do País com Congresso, opinião pública, empresários, trabalhadores e mídia, com seu temperamento explosivo? Numa hora, simpatia; na outra, destempero.

 

 

Alckmin precisa reverter a postura autodestrutiva dos tucanos, que persegue sua candidatura dia a dia, mês a mês, há mais de um ano, e acaba de gerar a entrevista do ex-presidente do PSDB Tasso Jereissati, criticando o passado, o presente e o futuro do PSDB. Numa hora dessas? Com aliados assim, e com um MP que manda prender e devassar governadores tucanos no auge da eleição, Alckmin não precisa de adversários. Mas ele conta com um efeito que ocorre em todas as eleições: a definição de voto de na reta final, nos últimos dias, até nas últimas horas. Esse movimento tende a ser pragmático, movido pela rejeição aos extremos e a favor do centro.

Marina Silva (Rede) reclama que, quando estava em segundo lugar, ninguém considerava um feito, mas bastou cair para o terceiro para já darem a sua candidatura como perdida, o que só intensifica a queda. O fato, porém, é que Marina tem um discurso poderoso, mas tem uma articulação política e partidária frágil e passa a sensação de que seria uma presidente fraca. Candidata forte, presidente fraca. Isso, que pesou decisivamente contra ela em 2010 (pelo PV) e 2014 (PSB), se repete em 2018. Com uma curiosidade (ou injustiça): ela tem a segunda maior rejeição. Por quê?

Há aflição e angústia também nas campanhas de Meirelles (MDB), Alvaro Dias (Podemos) e João Amoedo (Novo), que têm juntos 9% e, sem condições de virar o jogo e de vencer, cumprem o papel de derrotar um nome de centro e ajudar a polarização entre a extrema direita e a volta do PT. O mais prejudicado foi Alckmin, mas uma desistência dos três agora tenderia a favorecer Jair Bolsonaro, que, por ironia, é a melhor garantia de vitória de Haddad no segundo turno. Os ventos, portanto, sopram a favor do PT. Quem diria?


Eliane Cantanhêde sexta, 14 de setembro de 2018

TOFFOLI CÁ, HADDAD LÁ

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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Toffoli cá, Haddad lá

Campanha ganha novo ingrediente: o movimento para soltar Lula em 2019

 
 Nenhum candidato diz isso claramente, mas a posse do ministro Antonio Dias Toffoli na presidência do Supremo Tribunal Federal reforça um discurso crescente na campanha eleitoral: o de que a eleição do petista Fernando Haddad seria a porta aberta para a volta ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva.

Os dois movimentos, Toffoli no STF e o crescimento de Haddad nas pesquisas (8% pelo Ibope), convergem na mesma direção: a desconfiança de que Lula será solto de alguma forma em 2019.

 A intenção de Toffoli é pôr em pauta no plenário, logo no início do ano, a prisão após condenação em segunda instância. A antecessora Cármen Lúcia encerrou seu mandato cumprindo a promessa de não fazê-lo. Toffoli o fará. Como a última decisão sobre a questão foi por um único voto, não é impossível mudar.
 
 

E Haddad presidente seria não apenas Lula dando as cartas, como a possibilidade real de soltar Lula por indulto. Aliás, ele ou Ciro Gomes (PDT), que já admitiu publicamente a hipótese durante a campanha.

Há, porém, outros aspectos a serem considerados nos dois casos. Um deles é que, não raro, as pessoas se superam ao assumir imensos desafios e prezam, antes de seus compromissos políticos ou partidários, o seu próprio nome e a sua imagem para a história.

Toffoli, 50 anos, é o mais novo presidente da história do Supremo. Sua nomeação por Lula como ministro da Corte causou surpresa, perplexidade e crítica, não só pela idade, mas porque ele fora reprovado em duas provas para juiz, não era um nome brilhante no meio jurídico e tinha como credenciais ter sido advogado do PT, assessor da Casa Civil de José Dirceu e advogado-geral da União de Lula.

Toffoli, porém, de bobo não tem nada. Ao assumir a cadeira, informou-se, aproximou-se dos colegas, ganhou passe livre no gabinete de Gilmar Mendes, nomeado por FHC, identificado com o PSDB e considerado, goste-se ou não dele, um dos mais preparados e técnicos ministros do Supremo.

Foi assim também, na busca de reconhecimento e de negociação com os extremos, que Toffoli saiu do seu gabinete no STF, cruzou o Eixo Monumental e foi até o Quartel General do Exército conversar com o comandante, general Eduardo Villas Bôas.

Saiu dali com o nome do respeitado general Fernando de Azevedo e Silva para sua assessoria especial na presidência.

Gesto inteligente, sobretudo num momento em que o comandante do Exército alerta para a legitimidade do próximo presidente da República, o candidato líder nas pesquisas é um capitão reformado e seu vice é um general de quatro-estrelas que acaba de deixar a ativa. Sem maldade, apenas como constatação, Toffoli atraiu o “inimigo” para bem perto dele. E tem um canal direto com as Forças Armadas.

Quanto a Haddad: ele assumiu simultaneamente a candidatura pelo PT e uma vaga no “segundo pelotão”, aquele que disputa chegar ao segundo turno contra Jair Bolsonaro (PSL). E, assim, passa a ser alvo natural de todos os demais concorrentes, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Marina Silva.

A diferença é que Ciro disputa o espaço de esquerda diretamente com Haddad e não pode bater em Lula, para não afugentar votos principalmente do Nordeste, onde já lidera com 18%. Marina bate na polaridade PT x PSDB e Alckmin não tem restrições, está livre para bater. No seu discurso, Bolsonaro é “passaporte para a volta do PT” e Haddad, para a volta de Lula.

Logo, os três procuram uma brecha ao centro para furar o embate Bolsonaro-Haddad, que caracteriza a chegada da direita radical ou a volta do PT, Lula e Dilma. Em suma, Ciro, Alckmin e Marina são os candidatos do mesmo partido, o “voto útil”.


Eliane Cantanhêde terça, 11 de setembro de 2018

AS ONDAS CIRO E HADDAD - O EFEITO LULA ESTÁ SENDO MAIS EFICAZ PARA HADDAD DO QUE O EFEITO FACADA PARA BOLSONARO

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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As ondas Ciro e Haddad

O efeito Lula está sendo mais eficaz para Haddad do que o efeito facada para Bolsonaro

 

A não ser que o PT adote definitivamente uma postura suicida, as atenções e os holofotes vão se deslocar a partir desta terça-feira, 11, do ex-presidente Lula, que representa o passado, para o candidato Fernando Haddad, que acena com o futuro. Não se trata apenas da lei da política, mas da própria lei da vida. E, convenhamos, o fato de Lula estar preso potencializa esse movimento natural.

 Hoje é o dia fatal para o PT trocar a chapa, sob o risco de se autoexcluir da propaganda eleitoral e da própria campanha. É pegar ou largar. Derrotadas as derradeiras investidas do PT na Justiça (que, aliás, ninguém aguenta mais...), Lula começa a se isolar em Curitiba, enquanto Haddad vai subindo nos palanques, entrando em debates, participando de sabatinas. Enfim, candidato, não mais arremedo de candidato para cumprir os caprichos do chefe e padrinho.

Com Haddad assumindo a cabeça de chapa do PT e o resultado das novas pesquisas relativizando o impacto da facada em Jair Bolsonaro (PSL) nas intenções de voto – pelo menos até esta segunda-feira –, a eleição está, finalmente, tomando seu formato definitivo. Já não era sem tempo. A urna está bem aí.

 As pesquisas ganham em grau de realidade e de densidade com a exclusão de um Lula inelegível, a inclusão de um Haddad com bom potencial de crescimento e detectando o real tamanho da comoção, da irritação e do pânico diante do ataque ao primeiro colocado, o fenômeno de 2018.

O voto é irracional e racional. Bolsonaro é uma vítima e a facada foi uma ação violenta, criminosa, mas, racionalmente, não se vota num candidato a presidente da República porque ele sofreu um atentado, mas, sim, pelo que ele foi e pelo que é, representa, promete e tem reais condições de cumprir.

O Datafolha nacional desta segunda-feira, 10, mostra que Bolsonaro agregou dois pontos e passou para 24%, mas continua campeão de rejeição e perdendo para todos os demais no segundo turno. Ele deu um pulo, sim, pelo Ibope no Rio: de 25% para 33%. Mas, pelo Ibope em São Paulo, apenas oscilou um ponto, de 22% para 23%. Até aqui, tudo como antes no Quartel de Abrantes.

O outro resultado relevante das pesquisas desta segunda é que Fernando Haddad continua crescendo, devagar e sempre, e já tem lugar assegurado no segundo pelotão. Com a facada, Bolsonaro subiu dois pontos. Com a força de Lula, Haddad disparou cinco. Imaginem quando deixar de ser o “Andrade” no Nordeste.

Marina Silva (Rede) já tinha parado de crescer no Datafolha pré-facada, estagnada e empatada com Ciro Gomes (PDT) no segundo lugar, com 12%. No Datafolha pós-facada, ela levou um tombo de cinco pontos, de 16% para 11%. E Ciro passa a ser a bola da vez, ou a onda do momento. Cresceu três pontos, passou Marina e está com 13%.

Geraldo Alckmin (PSDB) chegou finalmente a dois dígitos, mas com uma oscilação de apenas um ponto. Saiu de 9% para 10% no Datafolha nacional e a melhor notícia para ele é que cresceu três pontos em São Paulo pelo Ibope e reduziu sua diferença para Bolsonaro, ainda primeiro no Estado, de sete para cinco pontos. Bolsonaro tem 23%, Alckmin, ex-governador quatro vezes, subiu de 15% para 18%.

Assim, Bolsonaro continua líder isolado no primeiro turno, mas com grandes dificuldades (ou grande rejeição) no segundo. O pelotão seguinte está embolado e tudo pode acontecer, com Ciro, Alckmin e Haddad disputando ponto a ponto, enquanto Marina perde fôlego.

Mas, hoje, a disputa pelo segundo turno não é entre candidatos, mas entre circunstâncias: Bolsonaro está consolidado e tem o efeito facada; Haddad conta com a transferência de votos de Lula e sua decantada capacidade para eleger postes. Agora, é a corrida contra o tempo.


Eliane Cantanhêde domingo, 09 de setembro de 2018

TODOS POR UM - SE LULA PODE FAZER CAMPANHA DA PRISÃO, POR QUE BOLSONARO NÃO PODERIA FAZER DO HOSPITAL?

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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Todos por um

Se Lula pode fazer campanha da prisão, por que Bolsonaro não poderia fazer do hospital?

 
A foto que circula por toda parte de Jair Bolsonaro na sala de cirurgia, de peito nu, anestesiado e ligado a aparelhos, é a confirmação contundente de que sua campanha continua, e continua ainda mais forte. Se Lula faz campanha da prisão, por que ele não pode fazer do hospital? Todos os demais candidatos estão imobilizados, Bolsonaro é o único que está realmente em campanha.

Na base de “todos por um”, Marina SilvaCiro GomesGeraldo AlckminHenrique MeirellesGuilherme Boulos, todos enfim capricharam no discurso pela democracia e na emocionada solidariedade ao adversário. E estão sem estratégia, de mãos atadas. Têm de confrontar o líder nas pesquisas, mas não podem confrontar a vítima de um ataque feroz.

 Que estratégia política haveria diante de uma facada para valer, com graves consequências, exigindo duas cirurgias? Qualquer coisa soando como estratégia seria, além de profundo mau gosto, um tiro pela culatra. A opinião pública, que adora tragédias e mártires, ficaria imediatamente indignada, talvez enojada.

PSDB, aliás, deu azar. Não teve tempo de mudar suas peças publicitárias da sexta e do sábado e elas são carregadas de críticas a Bolsonaro. Contra o candidato do PSL seria legítimo, talvez até necessário, mas à vítima de um ataque brutal e covarde, no meio da multidão, gravado e espalhado aos quatro ventos?

Bolsonaro passa por momentos dolorosos, com risco de morte, cirurgias, ambulâncias, transferência para São Paulo, mas andam cuidando diligentemente de fazer uso político máximo do crime e de suas dores. Ao lado de fotos da intimidade do, afinal, paciente, seus seguidores tentam massificar a versão de que ele, “o mártir”, foi esfaqueado “por contrariar interesses inconfessáveis de ricos, poderosos e corruptos”.

Até prova em contrário, nada confirma que tenha sido isso e tudo indica que o ataque não foi obra de “poderosos”, mas de tresloucados, “por questões pessoais”, “a mando de Deus”. De doentes inconsequentes, um deles com passagem pelo PSOL e pela polícia. Transformar uma ação insana num atentado político de grandes proporções é perigoso.

Assim, o Brasil vai vivendo de solavanco em solavanco. As denúncias de Rodrigo Janot contra o presidente da República interromperam as reformas e o reaquecimento da economia, a greve dos caminheiros jogou todos os indicadores ladeira abaixo, arrastando mais uma arrancada da economia e recuperação de empregos. E, por perversidade e descaso, as labaredas do Museu Nacional acabam por incinerar o resto de amor próprio brasileiro.

E pode piorar. A eleita em 2014 foi um desastre e caiu, o segundo lugar pode parar na cadeia, o líder nas pesquisas de 2018 já está entre as grades, seu substituto na liderança foi esfaqueado e os demais estão embolados, disputando quem será a “onda” da vez para tentar o segundo turno.

A queda do avião de Eduardo Campos, antes do início do horário eleitoral, teve importante impacto sobre as eleições passadas, mas jamais saberemos como teria sido se ele não tivesse morrido. O ataque a Jair Bolsonaro, com a propaganda no ar e os indecisos começando a se definir entre praticamente todos os candidatos, tem, obviamente, impacto na eleição deste ano. Logo saberemos exatamente qual é, e em que dimensão, mas ficaremos eternamente nos perguntando: e se Bolsonaro não tivesse sido esfaqueado?

PSOL. Criado a partir de uma costela à esquerda do PT, o PSOL não anda nos seus melhores dias. Cabo Daciolo ter sido do partido (depois, expulso) é só engraçado. O esfaqueador de Bolsonaro ter sido filiado é muito mais grave, não tem graça nenhuma. Para piorar, a UFRJ, responsável pelo Museu Nacional, está nas mãos de quem mesmo?


Eliane Cantanhêde sábado, 08 de setembro de 2018

CAMPANHA CATATÔNICA - A FACADA EM BOLSONARO ATINGE UMA PESSOA, O LÍDER NAS PESQUISAS E A PRÓPRIA ELEIÇÃO

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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Campanha catatônica

A facada em Bolsonaro atinge uma pessoa, o líder nas pesquisas e a própria eleição

 
 

O ataque contra Jair Bolsonaro é de extrema gravidade porque atinge uma pessoa, um deputado, o líder nas pesquisas presidenciais. E mais: afeta diretamente as eleições e joga a pobre democracia brasileira no perigoso terreno das fake news, do oportunismo político e do jogo das acusações levianas, recheadas de interesses os mais diversos e danosos.

O mais importante, neste primeiro momento, é a solidariedade humana com Bolsonaro. Goste-se ou não das suas ideias e do que projeta caso seja eleito presidente, ele é a vítima. Jamais podemos transformar vítimas em réus, como muitas vezes ocorre com mulheres estupradas, espancadas e até mortas. Vítimas são sempre e, simplesmente, vítimas.

Mas, a menos de um mês da eleição, e tratando-se de quem se trata, é fundamental também investigar eventuais motivações políticas, evitar a contaminação mortal das eleições e, principalmente, uma metralhadora giratória contra “culpados” que só têm “culpa” nas irresponsáveis ou manipuladas redes sociais. Se já estão fora do controle normalmente, imagine-se onde podem parar depois dessa tragédia...

O fato, em si, é lamentável e condenável sob todos os aspectos e une os candidatos dos diferentes partidos e tendências na indignação. Mas é preciso, a bem do processo, a bem da democracia, que fique restrito ao que é, não ao que querem que seja.

O criminoso atribuiu sua ação a “questões pessoais”, mas toda a sua vida e todas as suas ligações ou preferências políticas estão sendo levantadas, para que não pairem dúvidas nem fantasmas que às vezes duram anos ou décadas, aqui e lá fora. Vide os assassinatos de John Kennedy, na maior democracia do planeta, e de Celso Daniel e de PC Farias, nas nossas barbas.

No caso de Bolsonaro, nenhuma versão política está autorizada, não apenas pelo mero bom senso como pela gravidade que tudo isso assumiu. Não se invente que os bolsonaristas tentaram criar um “mártir”, nem que as esquerdas tentaram eliminar à faca um candidato que cresce à custa de armas, nem que sei lá quem tenta incriminar o partido tal ou qual para demonizá-lo no eleitorado, na opinião pública.

Até este momento, tudo isso não é apenas elucubração, é o mais torpe uso político de um ataque que poderia ter custado a vida de alguém, e alguém que lidera as pesquisas – e a rejeição – na corrida à Presidência da República.

O atentado ocorre justamente no dia seguinte à divulgação da pesquisa Ibope que mostra o crescimento de dois pontos nas intenções de votos de Bolsonaro, de 20% para 22%, confirmando a consolidação de sua liderança. Quem esperava que ele “esfarelaria” com a campanha enganou-se.

Mas, se é campeão de intenções de votos, ele é também campeão de rejeição. E, neste caso, a subida não foi apenas de dois pontos, mas de sete pontos: de 37% para 44%. Dizem os experts em pesquisas que uma rejeição acima de 40% costuma ser fatal para candidatos e o próprio Ibope ilustra com clareza essa constatação. 

Se é o favorito no primeiro turno, Bolsonaro perde no segundo, de nove a onze pontos, para Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. E empata em 37% a 36% com o petista Fernando Haddad, que só assumirá oficialmente a candidatura no dia 11, terça-feira. 

De toda forma, Jair Bolsonaro já conquistou o título de grande fenômeno destas eleições e a facada que o atingiu ontem atinge também todo o processo eleitoral, que está em suspenso. Ciro GomesMarina e Alckmin já tinham cancelado seus compromissos de campanha desde ontem e, se a eleição já era imprevisível, agora está catatônica.

Tudo parou, tudo congelou e o País inteiro só fala numa coisa: Bolsonaro. Inclusive, ou principalmente, os próprios adversários dele.


Eliane Cantanhêde terça, 04 de setembro de 2018

INDIGNAÇÃO - TEM DINHEIRO PARA TUDO, MENOS PARA EDUCAÇÃO, SAÚDE E MUITO MENOS CULTURA E MUSEUS

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
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Indignação

Tem dinheiro para tudo, menos para educação, saúde e muito menos cultura e museus

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

04 Setembro 2018 | 03h00

 

O Brasil é uma das maiores economias do mundo, despejou fortunas na Copa, na Olimpíada, nas “campeãs nacionais” JBS e Odebrecht e tem tanto dinheiro sobrando que o ex-governador do Rio nadava em joias, um dos envolvidos na Lava Jato estocava malas de dinheiro num apartamento vazio de Salvador, um outro devolveu US$ 100 milhões roubados à Petrobrás e vai por aí afora.

E os miseráveis? A geração de empregos? O dinheiro da Cultura? E a nossa história, o Museu Nacional, o da República, o do Ipiranga...? Para isso não há recursos, nem campeões nacionais, nem boa vontade, nem reconhecimento. Entra governo, sai governo, e o risco só aumenta, até que uma tragédia como a de domingo sacode o País. 

As labaredas que destruíram os 200 anos de história jogaram luz no descaso, na falta de prioridade, nos desvios milionários, na simbiose entre corrupção e colapso, no empurra-empurra da culpa. Um erro vai puxando o outro, num círculo vicioso que leva a níveis insuportáveis a indignação, em pleno ano de eleições gerais.

 O jornalista Sérgio Aguiar e eu adoramos o Museu da República, em Laranjeiras, no Rio, com peças lindas e tanta história que os personagens parecem eternizados ali. Uma parte, porém, estava bloqueada ao público, com goteiras e mofo. Era, nada mais nada menos, o quarto onde Getúlio Vargas “se despediu da vida para entrar para a história”. 
 
 

No Museu Nacional, a indignação começa com questões simples. Por que não tinha brigada de incêndio de plantão? Nem água suficiente para debelar o fogo? Nem detecção, alarme e sistema de combate a incêndios? O Ministério da Cultura diz que fechou um financiamento em junho com o BNDES para restaurar o museu e prevenir incêndios. Agora, as verbas vão sair...

Os governos nunca deram muita bola para cultura e vêm reduzindo os recursos do museu desde 2010, mas Dilma Rousseff, o senador Lindbergh Farias e o deputado Wadih Damous, do PT, trataram de “esquecer” que o descaso vem de governo em governo e foi mantido inclusive nos oito anos de Lula e nos seis da própria Dilma. Por isso, arranjaram dois culpados: o governo Michel Temer e o teto de gastos. Falsear a realidade não é fazer política, é má-fé.

Depois do leite derramado, como sempre, todos apressaram-se a prometer mundos e fundos para reconstruir o Museu Nacional, mas não há dinheiro que possa recuperar o tesouro que havia dentro daquele prédio. Temer soltou nota de pesar, o ministro da Educação acenou com recursos de emergência, o da Cultura, que não apareceu na festa dos 200 anos do museu, passou o dia ao vivo nas TVs, o reitor da UFRJ ficou rouco de tanto falar que fizera a parte dele.

Mas o pior de todos, o mais infeliz nas declarações foi o ministro Carlos Marun, que fez o governo Temer vestir uma carapuça que não era sua, ou só sua, e saiu criticando as “viúvas do museu”. Perdeu uma excelente chance, mais uma, de ficar calado numa hora dramática como essa.

A questão resvala até nas instituições que mais lucram no País, seja o governo liberal, seja do Partido dos Trabalhadores: os bancos. Todos os grandes têm belos centros culturais, mas, como cobra uma ex-dirigente do Museu da Imagem e do Som (MIS), por que não ajudam a preservar os museus públicos?

O Museu Nacional ardendo, com 90% do seu acervo, deixou em segundo plano as eleições, mas fez disparar a indignação caótica e as comparações mais incômodas nas redes sociais. Exemplo: segundo a ONG Contas Abertas, o Brasil gasta(va) com esse que é um dos principais museus do País praticamente a mesma coisa que consome com a lavagem de 19 carros oficiais da Câmara dos Deputados por ano. Pobre Brasil...


Eliane Cantanhêde domingo, 02 de setembro de 2018

SEM LULA LÁ

 

Sem Lula lá

Fachin ficou isolado no TSE ao forçar a elegibilidade de um inelegível 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

02 Setembro 2018 | 03h00

 

É de uma ironia incômoda que tenha sido justamente do relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, o único voto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a favor da candidatura à Presidência da República de alguém condenado e preso pela própria Lava Jato. Fachin perdeu de 6 a 1 no julgamento que impediu o ex-presidente Lula de continuar brincando com a Justiça e o eleitor.

 O voto de Fachin surpreende, e de certa forma choca, por partir de quem partiu e pela incongruência. O ministro reconheceu que Lula, como ficha suja, é flagrantemente inelegível. Mas considerou que uma recomendação de um comitê quase diletante da ONU se sobrepõe às leis brasileiras. Advogado, professor de Direito, relator da Lava Jato, ministro do Supremo e agora também do TSE, Fachin não sabe que:

1 – O Comitê de Direitos Humanos da ONU não representa Estados, apenas reúne peritos independentes, e não pode determinar nada, obrigar nada, só fazer relatórios?

2 – Dos 18 integrantes do comitê, apenas dois (dois!), segundo o relator do registro de Lula no TSE, Luiz Roberto Barroso, subscreveram o texto do comitê que pretendia manter Lula candidato fazendo campanha a partir da cela da PF de Curitiba?
 
3 – Ao produzir uma recomendação de tamanha ousadia, os dois peritos estrangeiros nem sequer se deram ao trabalho de ouvir o contraditório, de pedir informações ao Estado brasileiro sobre o que se passava internamente?

4 – A delegação permanente do Brasil em Genebra se manifestou oficialmente contra qualquer consequência prática da recomendação do comitê sobre as eleições no Brasil?

5 – O comitê, segundo Barroso, não tem nenhum papel jurisdicional e suas recomendações não têm efeito vinculante, não se sobrepõem às leis brasileiras, não são obrigatórias e, portanto, nem preveem alguma sanção caso ignoradas?

6 – O comitê é uma coisa, o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU é outra coisa? Esse, sim, representado por Estados?

No seu voto, Barroso lembrou que a definição dos candidatos é indispensável para a segurança jurídica da eleição. Logo, ao esticar ao máximo todas as etapas para manter a candidatura fake de Lula, o PT estava criando insegurança jurídica. Em bom português, tumultuando propositalmente o processo.

Todos os demais ministros, exceto Fachin, acataram o voto do relator, que barra a candidatura Lula, seus atos de campanha, sua propaganda na TV e seu nome na urna eletrônica, dando ao PT dez dias para trocar o candidato, ou seja, para assumir finalmente Fernando Haddad.

Muito respeitado no Paraná, Fachin ficou conhecido fora dele ao discursar em evento eleitoral de Dilma Rousseff. No STF, tem altos e baixos desde que acatou, de um dia para o outro, a denúncia de Rodrigo Janot contra o presidente da República, Michel Temer, baseada numa fita que não fora sequer submetida a perícia e cuja degravação da PGR não correspondia exatamente ao áudio.

Depois, o ministro passou a brilhar na opinião pública, por ser voto vencido, uma espécie de vítima, na segunda turma do Supremo, enfrentando Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que “soltam todo mundo” e até garantiram elegibilidade para o inelegível Demóstenes Torres.

Agora, Fachin ficou em posição inversa, pois foi ele quem tentou garantir elegibilidade para o inelegível Lula e ficou isolado no plenário do TSE.  Assim, volta a alimentar uma dúvida: afinal, quem é Edson Fachin?

Apesar de eventuais recursos, a eleição enfim ganha sua forma definitiva, com todos os candidatos assumidos e em condições de luta por uma vaga no segundo turno. Lula continua com imensa relevância no processo e, da cela, jogará todo o seu peso para eleger Haddad. Essa não é uma questão jurídica, é política e eleitoral. Ele é bom nisso.


Eliane Cantanhêde sexta, 31 de agosto de 2018

METRALHADORA GIRATÓRIA: CANDIDATOS BATEM UNS NOS OUTROS PARA SOBREVIVER E ENFRENTAR BOLSONARO

 

 

Metralhadora giratória

Os candidatos atiram uns nos outros, para sobreviver e enfrentar PT e Bolsonaro 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

31 Agosto 2018 | 03h00

 

Com o início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, hoje dos candidatos aos governos, amanhã dos presidenciáveis, a eleição muda totalmente de figura. Vão-se os senhores e senhoras elegantes e propositivos e entram no ar verdadeiros digladiadores. Sem defender propostas objetivas até aqui, agora partem para o ataque.

 Jair Bolsonaro já descartou vestir a fantasia de “Jairzinho Paz e Amor”, numa referência ao “Lulinha Paz e Amor” da eleição de 2002. E é ele, Bolsonaro, quem tem uma verdadeira metralhadora giratória contra PT, Marina, Alckmin, Ciro... Por quê? Porque é campeão simultaneamente de votos e de rejeição nos cenários sem Lula. Assim, ele tem fortes chances de chegar ao segundo turno e iguais chances de ser derrotado então por qualquer um dos demais. Assim, atira para todo lado.

Se chegar ao segundo turno contra Lula/Haddad, ele pode reunir todos contra ele e se tornar grande instrumento da vitória do PT. Seus eleitores atiram no que veem – Bolsonaro – e acertam no que não veem – o PT. Arriscam-se a conseguir o oposto do que pretendem: a volta do PT ao poder, na tentativa justamente de evitá-la.

Pelas pesquisas, Bolsonaro ainda bate Haddad, até porque ele nem candidato é ainda, mas perde de Alckmin, Marina, Ciro. Logo, mira Alckmin, Marina, Ciro, que, aliás, acusou o adversário de “Hitlerzinho tropical”, com uma diferença: Hitler, segundo ele, tinha mais recursos intelectuais.

Se apanham do líder das pesquisas sem Lula, os demais se engalfinham entre eles, disputando quem consegue derrotar tanto Bolsonaro quanto o PT no segundo turno. Nos bastidores, entre um cafezinho e outro, todos têm um alvo prioritário. Enquanto Bolsonaro vai de vento em popa e Haddad tem enorme potencial, os demais, aí incluídos João Amoedo, Alvaro Dias e Henrique Meirelles, parecem preocupados mesmo é com Alckmin.

Patinando nas pesquisas de primeiro turno, tirando o sono dos aliados, perdendo votos para Bolsonaro e Dias, por que se preocupar e gastar tempo, saliva e munição com o tucano? Pela percepção de que, com a coisa caminhando para um segundo turno entre Bolsonaro e PT, o tucano pode virar o principal beneficiário do voto útil contra os extremos.

A campanha de Alckmin, que não combina com tiro e guerra, parece cheia de dúvidas sobre como usar o imenso tempo de TV (40% do total). Contra o capitão, entrincheirado nas redes sociais? Ou contra o PT? Na estreia, partiu para cima de Bolsonaro e sua obsessão por armas. E ele reagiu.

Hoje, Marina Silva é quem se destaca no pelotão anti-PT e anti-Bolsonaro, mas ela, Ciro, Alckmin, Dias, Meirelles e Amoedo não parecem tirar votos dos dois, mas deles mesmos, estimulando uma corrida em círculo dos quase 40% de eleitores e eleitoras indefinidos, que pulam de um em um, sem saber em qual deles se fixar.

Marina e Ciro, com um risco adicional. Ambos lideram no Nordeste e dobram seus votos, ela para 16%, ele para 10%, quando Lula não está nas pesquisas. Mas, assim que o eleitor perceber que Haddad é Lula, eles tendem a perder esse diferencial e recuar, em vez de avançar.

Tudo somando, a eleição tem Bolsonaro consolidado de um lado, Haddad ameaçando de outro e o resto embolado e errando o alvo. Sem contar que Bolsonaro tem a turma da bala, do grito, da agressão, enquanto o PT não tem o menor prurido em acionar “aloprados” e já foi pego pagando mercenários para atirar mentiras nas redes contra adversários, jornalistas, analistas e eleitores anti-Lula/Haddad.

A propaganda eleitoral, portanto, começa em clima de guerra e sem limites. Salve-se quem puder! E salve-se a democracia!


Eliane Cantanhêde quinta, 30 de agosto de 2018

ARRASTÃO DO BOLSONARO

 

Arrastão do Bolsonaro

O candidato do PSL à Presidência avança sobre agronegócio, evangélicos e malufistas, eleitorados que pareciam ter 'dono', ou 'dona'

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

28 Agosto 2018 | 03h00

 

Nas pesquisas sem o ex-presidente Lula, Jair Bolsonaro (PSL) lidera em todas as regiões, menos no Nordeste, e avança sobre votos que seriam naturalmente de seus adversários em três segmentos ao menos: agronegócio, evangélicos e, como mostrou o Estado, até os velhos malufistas de São Paulo. Mas, se tem 20% a seu favor, ele precisa amansar os 37% que não votam nele de jeito nenhum e disputar os incríveis 38% ainda sem voto.

 Na opinião de Marina Silva (Rede), a segunda colocada, a transferência de votos para um neófito em disputas presidenciais como Bolsonaro, inclusive ou principalmente de setores evangélicos, se deve a um “populismo de extrema direita”. Ela reforça o perigo do populismo, tanto à direita quanto à esquerda, mas o difícil é o eleitor e a eleitora se darem conta disso.

Não fosse a solidez da agricultura, a recessão dilmista teria ido ainda mais fundo, teria sido mais danosa, e o agronegócio brasileiro não é apenas um dos mais competitivos do mundo como tem líderes, máquinas e logística modernos e sofisticados, mas continua sendo fortemente conservador em termos de costumes. Nada como um candidato que fale em ordem, tradição, família, Deus e... armas.

 Pelo Ibope, Bolsonaro lidera no Centro-Oeste, no Norte e no Sul, tirando votos que escaparam do PSDB. Há poucos dias, enquanto o tucano Geraldo Alckmin prometia tratores para a agricultura, ele acenava com liberação das armas, num discurso que anima mais a plateia, além de render mais reportagens e manchetes. Tratores eles já têm, mas a questão das armas ainda é polêmica e enfrenta muita resistência no Brasil. Ainda bem.

É com esse discurso também, de ordem, família..., que o capitão da reserva foi se infiltrando no eleitorado evangélico, fatiado em diferentes designações, espalhado por todo o País e mais engajado nas eleições do que qualquer outro grupo religioso. Apesar de ser a única candidata evangélica, Marina está sendo vítima direta desse ataque especulativo.

Em 2014, Marina teve 43% de votos evangélicos, mas hoje está com 12%, enquanto Bolsonaro abocanha 26% difusamente, ou seja, nos diferentes Estados e regiões. Com um detalhe: os evangélicos não são apenas fortes, eles continuam em ascensão. E, assim como há a Frente Parlamentar da Agricultura, há no Congresso uma forte bancada evangélica que tende a aumentar a partir de 2019 e ser uma mão na roda para qualquer presidente, em especial um que seja de um pequeno partido e não tenha feito coligações consistentes na eleição.

Pela reportagem do Estado, também os velhos e resilientes malufistas de São Paulo estão sendo fisgados pelo discurso de extrema direita de Bolsonaro. Com o declínio político do indescritível Paulo Maluf, eles vinham nas últimas eleições se bandeando para os candidatos do PSDB, que mandam e desmandam no Estado há décadas. Mas, enfim, parecem ter encontrado um substituto à altura para seu ídolo, agora em prisão domiciliar, com tornozeleira e tudo.

Curiosidade: uma das bandeiras de Bolsonaro é o combate à corrupção, mas vamos convir que Maluf não se encaixa aí. Nenhum Sérgio Cabral, nenhum Eduardo Cunha, ninguém tira o troféu de Maluf nessa área, porque “quem já foi rei nunca perde a majestade”. Assim, os votos malufistas vão para Bolsonaro pela a identidade de direita, a tradição, as armas, nada a ver com anticorrupção.

Além de 30% no Norte-Centro Oeste e dos 23% no Sul, Bolsonaro tem 21% no Sudeste, onde se concentram 43% dos eleitores, e só no Nordeste, com 13%, ele perde para Marina (17%) e Ciro Gomes (14%). Mas não se esqueçam: quanto mais Bolsonaro cresce nesses setores, mais ele aumenta sua rejeição em vários outros. No segundo turno, rejeição pode ser fatal.


Eliane Cantanhêde sexta, 17 de agosto de 2018

OPERAÇÃO TABAJARA 3 - CANDIDATURA DE LULA

 

 

Operação Tabajara 3

Insistir na candidatura Lula é repetir vexame no impeachment e no plantão do TRF-4 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

17 Agosto 2018 | 03h00

 

Tal como se uniu contra a tentativa de usar um plantão de fim de semana do TRF-4 para soltar o ex-presidente Lula em uma hora, o Judiciário brasileiro se une agora contra uma outra investida do PT: o registro da candidatura de Lula, gritantemente ilegal, de uma “inelegibilidade chapada”, como definiu o ministro Luiz Fux, do STF.

O registro da candidatura de Lula no final do último dia, sabendo que ela seria certamente impugnada, não é uma estratégia jurídica, mas sim uma articulação política. E o Judiciário, tomado em brios, não aceita ser usado em articulações políticas desse tipo.

O ministro Gilmar Mendes (STF) classificou de “Operação Tabajara” a tentativa de derrubar o impeachment de Dilma Rousseff, depois de aprovado pelo plenário da Câmara, com um papelzinho assinado pelo vice-presidente da Casa, Waldir Maranhão. As lideranças políticas e a opinião pública rechaçaram. Ficou patético.

Depois, veio a “Operação Tabajara 2”, quando o PT esperou o fim do expediente do TRF-4, numa sexta-feira, para jogar um pedido de habeas corpus no colo do plantonista, Rogério Favreto, ligadíssimo ao PT. O juiz Sérgio Moro, a PF, desembargadores, presidentes do STJ e do STF e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, negaram, zangados. Outro vexame.

Agora, a “Operação Tabajara 3”, definida dentro de uma cela da PF em Curitiba, onde Lula está preso: aguardar o último dia para registrar a chapa fake do PT, esticar ao máximo a “candidatura” Lula, constranger a Justiça, manter a militância petista gritando contra “os golpistas” e a favor do preso. Raquel Dodge, na condição de procuradora-geral eleitoral, não perdeu tempo. No mesmo dia, entrou com impugnação da chapa no TSE. E não foi a única.

Claro! A lei diz que quem tem menos de 35 anos, não é brasileiro nato e não é ficha-limpa não pode ser candidato à Presidência da República Federativa do Brasil. Lula tem mais de 35 anos e é brasileiro nato, mas foi condenado por um tribunal (o TRF-4), logo é ficha-suja, logo está impedido de concorrer.

É questão de tempo. Houve até quem defendesse uma impugnação “de ofício”, ou seja, determinada por um dos ministros do TSE com base na inelegibilidade evidente (ou “chapada”), mas outros ponderaram que, em se tratando de Lula, em se tratando de PT, em se tratando de uma eleição muito particular, seria melhor seguir o rito tradicional: registrar, notificar, ouvir a defesa, eventualmente pedir diligências, até dizer o óbvio, que não, Lula não será candidato porque está impedido pela lei.

Registre-se que, no script do PT e de Lula, algo deu muito errado: as manifestações que atravancaram o trânsito de Brasília em parte da semana. Foram milhares de militantes do MST, do PT, do PCdoB e dos mesmos aliados de sempre, com suas bandeiras vermelhas. Mas, se os petistas esperavam adesão do “povo”, continuam esperando.

E tem mais: o TSE e a Advocacia-Geral da União (AGU) querem desestimular as candidaturas falsas, daqueles que concorrem sub judice mesmo sabendo que são inelegíveis. Por isso, acertaram que os candidatos que fizerem campanha sub judice deverão ressarcir os cofres públicos caso cassados. Significa pagar os gastos da Justiça Eleitoral e também devolver os recursos do fundo eleitoral desperdiçados com candidaturas inúteis.

Enquanto o PT e Lula insistem na “Operação Tabajara 3”, quem fica sobrando na comédia são o “candidato a vice” Fernando Haddad e a “vice do vice” Manuela d’Ávila. A campanha eleitoral começou ontem, mas Lula está preso em Curitiba, Haddad está preso no PT e Manuela está simplesmente sobrando no “triplex”. O risco é esse pastelão ir parar na TV a partir do dia 31 de agosto, início da propaganda eleitoral.


Eliane Cantanhêde terça, 14 de agosto de 2018

BOLSONARO PELAS BORDAS

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
Conteúdo Exclusivo para Assinante

Bolsonaro pelas bordas

Enquanto PT e PSDB miram um o outro, Bolsonaro papa votos em todas as regiões

O Estado de S.Paulo

14 Agosto 2018 | 05h54

 

A Região Sudeste, com seus 43,4% dos votos, é uma incógnita, com São Paulo dividido, Rio uma bagunça e Minas, imprevisível. O Sul briga com sua tradição tucana, o Nordeste espera a ordem unida do ex-presidente Lula e Norte e Centro-Oeste podem dar soma zero: cada um tem em torno de 7,5% de votos e eles se compensam, ou se anulam.

Com 33 milhões de eleitores, São Paulo já começa com duas surpresas. Governado pelo PSDB há 25 anos e respirando sem aparelhos, enquanto Rio, Minas, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte afundam, o Estado está dando uma canseira nos tucanos: empate técnico de Jair Bolsonaro (PSL) com Geraldo Alckmin para a Presidência e de Paulo Skaf (MDB) com João Doria para o Bandeirantes.

Eleição após eleição, a campanha sempre começa com o discurso da “fadiga de material” dos tucanos em São Paulo, mas eles acabam ganhando. Na última vez, para a Prefeitura da capital (9 milhões de eleitores), com um troféu: apadrinhado por Alckmin, Doria ganhou em primeiro turno.

E agora? A tal “fadiga de material” deixou de ser só lenga-lenga? E pode até estar sendo ampliada pelo surgimento de Bolsonaro? Ele não é “novo”, depois de 27 anos de Congresso e com a filharada toda na política, mas se contrapõe a nomes considerados óbvios, como o próprio Alckmin, Marina Silva e Ciro Gomes, além de se colocar como o maior adversário do PT.

No caso de Doria, contam os acertos e a perseverança de Skaf, que construiu na Fiesp boa plataforma para o governo, na capital e no interior. E contam os erros e a precipitação de Doria, que, mal assumiu a principal prefeitura do País, saiu em campo tentando disputar a candidatura presidencial com Alckmin e, no fim, trocou o mandato pela eleição ao governo. O “povo” não esquece essas coisas facilmente.

No Rio, tudo pode acontecer e o melhor exemplo foi Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus, contra Marcelo Freixo, do PSOL – ¬ extrema-direita versus a extrema-esquerda para a prefeitura. Estado destruído, MDB desmontado, o ex-governador Sérgio Cabral na cadeia por bom tempo e, mesmo não sendo “chapa militar”, Bolsonaro deve colher votos de militares da reserva, fortes no Rio, enquanto o ex-prefeito Eduardo Paes (ex-DEM, ex-MDB, novamente DEM) tem fôlego para o governo.

E Minas? O ex-governador Antonio Anastasia está conseguindo se desvencilhar da forte ligação com Aécio Neves (agora candidato à Câmara) e lidera para o governo, mas a ex-presidente Dilma Rousseff não só manteve a elegibilidade como tenta usar o impeachment a seu favor para o Senado. PSDB lidera para o governo, PT para o Senado, enquanto Bolsonaro vai se afirmando no Estado e lucrando com a briga renhida entre PT e PSDB.

O Nordeste, com 26,6% do eleitorado, é Lula, tanto que os adversários do PT desistiram de dar tiro n’água com vice nordestino. A dúvida é se, com tão pouco tempo, basta Lula estalar os dedos para todo mundo votar em Fernando Haddad. Será? A esta altura, a região conhece Bolsonaro, mas não faz ideia de quem é esse tal Haddad. Como no Norte (7,8% dos votos).

Com 14,5% dos eleitores, o Sul costumava equilibrar o lulismo do Nordeste com uma tendência para o PSDB, como no Centro-Oeste (7,3%). Desta vez, há Alvaro Dias (Podemos) tirando casquinha dos problemas tucanos e Bolsonaro comendo pelas bordas.

A polaridade PT-PSDB, que dividia o País entre Nordeste e Sul, mudou muito de figura, com Bolsonaro enraizado no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste e ainda na expectativa de lucrar uns bons votinhos petistas no Nordeste e no Norte quando a Justiça Eleitoral acabar com a candidatura fake de Lula. Eleição não é razão. A razão só chega depois, quando o eleito tira a fantasia de candidato para governar. Acaba a festa, fica o medo.


Eliane Cantanhêde domingo, 12 de agosto de 2018

MILITARES NA BERLINDA

 

Militares na berlinda

Lamentável que a campanha resgate velhos estigmas e preconceitos, como o de que militares são toscos, turrões, alheios ao mundo fora da caserna - uns “brucutus”.

12 Agosto 2018 | 03h00

 
 

Se alguém acha que a atual campanha para a Presidência da República está sendo uma boa propaganda para a imagem dos militares, está redondamente enganado. Depois do capitão Jair Bolsonaro, o general Hamilton Mourão e agora o inacreditável Cabo Daciolo, que foi do PSOL e concorre a presidente pelo Patriota. Bom para quem? Na fala dele, sobra Deus e falta a letra “S”.

As Forças Armadas são a instituição mais admirada pela população em todas as pesquisas e os oficiais fazem sofisticados cursos na carreira, passam por escolas superiores de excelência, estudam geopolítica e estratégia. Demoraram anos para se livrar das marcas da ditadura, apesar de ainda não confortáveis com a abertura dos arquivos, e concluir esse ciclo da história.

Lamentável que a campanha resgate velhos estigmas e preconceitos, como o de que militares são toscos, turrões, alheios ao mundo fora da caserna - uns “brucutus”. Eles não são nada disso, mas o que dizer de Bolsonaro? Militar, largou a carreira como capitão por indisciplina e para ser vereador. Deputado desde 1991, no sétimo mandato, nunca se destacou no plenário, nas comissões, nem por projetos: dois em 27 anos. Candidato, demonstra evidente despreparo para governar um País complexo e mergulhado em crise como o Brasil.

Tem-se, pois, que o líder nas pesquisas, quando o nome do ex-presidente Lula não entra, é um militar que não é militar há quase 30 anos e um deputado que critica os colegas, mas é do “baixo clero”, usa imóvel funcional indevidamente e é acusado de desviar funcionários pagos pela Câmara para cuidar de sua casa no Rio. Ele, o filho mais velho, o segundo e o terceiro são políticos e até a ex-mulher tentou ser. Se a política é tão abjeta, o que a família inteira faz dentro dela? Um mistério.

Bolsonaro procurou seu vice entre astronauta, príncipe, pastor, general, socialite, advogada polêmica... O risco seria um príncipe presidindo nossa República ou o Brasil indo para o espaço com o astronauta. Prevaleceu o general Mourão, que já defendeu intervenção militar e já estreou como vice decretando a “indolência” dos índios e a “malandragem” dos negros. E o Exército é justamente reduto e símbolo dessa rica miscigenação brasileira.

Para piorar, os eleitores acabam de descobrir o Cabo Daciolo, que nem chegou a sargento, mas já se imagina presidente. Bombeiro, foi expulso da corporação depois de tentar invadir um quartel. Do PSOL, foi expulso por querer incluir Deus na Constituição. Uma piada, mas uma piada de mau gosto.

Antes mesmo de Daciolo aboletar-se no debate de presidenciáveis na Rede Bandeirantes, o ministro da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, já tinha dado o primeiro alerta de que as Forças Armadas não têm nada a ver com essas maluquices. Disse que vê “com naturalidade” Mourão na vice de Bolsonaro, mas frisando que não se trata de “uma chapa de militares”. Leia-se: “Não temos nada a ver com isso”.

Quem conhece de dentro as Forças Armadas e os generais Luna e Silva, Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, e Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, aplaudiu a fala: “Eles têm de se distanciar rapidamente dessa aventura do Bolsonaro, porque, depois que cola, não descola mais”.

Bolsonaro atraiu legiões de seguidores nas redes sociais com a condenação à corrupção e um discurso conservador e caro à expressiva parcela da população, senão à maioria, na área de costumes: família tradicional, papel das mulheres, drogas, aborto. Ok, é um direito de quem prega e de quem segue. Só não se pode transformar essa embalagem de comportamento social numa candidatura militar e menos ainda numa promessa de governo militar. Além da ameaça para o Brasil, é um enorme risco para as próprias Forças Armadas.


Eliane Cantanhêde sábado, 11 de agosto de 2018

ELE É SUA, PODE MATAR

 

 

Ela é ‘sua’, pode matar

Assassinatos, estupros e pancadaria contra mulheres são doenças da sociedade 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

10 Agosto 2018 | 03h00

 

Uma das cenas mais chocantes, e revoltantes, dos últimos tempos foi aquele assassino do Paraná espancando a própria mulher dentro do elevador do prédio onde moravam. Ele agredia a moça, uma advogada jovem e linda, sem ao menos franzir a testa. A expressão dele não era de ódio, era de poder. Como se esmurrasse uma coisa, um saco de batatas.

Trata-se de um casal de classe média alta, bonito, com curso superior, e o crime foi com requintes de crueldade, terminando com a queda da moça pela janela. Assim, a história ganhou enorme repercussão. Mas foi só mais uma, numa rotina de violência que atinge as mulheres de todas as classes sociais, em todas as regiões.

Segundo o anuário da violência, divulgado ontem, 2017 registrou um recorde de assassinatos no País, com impressionantes sete mortes de homens e mulheres por hora. Por hora! Mas os dados sobre as vítimas mulheres têm um lado particularmente assustador.

Foram 221 mil casos de violência doméstica no ano, 60 mil estupros e 4,5 mil assassinatos. O que que é isso, minha gente? Estão tratando as mulheres como coisa para usufruir e jogar fora a qualquer hora! E justamente quando a Lei Maria da Penha – um marco no combate à violência contra a mulher – completa 12 anos. Como “comemoração”, vimos, além do crime bárbaro e nojento do Paraná, uma onda de feminicídios e o cotidiano de mortandade de mulheres no Rio, nas demais capitais e no interior do País afora. Eles espancam, estupram, esfaqueiam e atiram em mulheres por serem mulheres. Em Brasília, um policial matou a mulher com um tiro na cara na casa da mãe dela, deixando órfãs duas filhas, de 11 e 8 anos. Outro assassino atirou a companheira pela janela. É como se esses homens se sentissem no direito de decidir sobre a vida e a morte da “sua” mulher. Logo, é uma doença não de um indivíduo, mas de uma sociedade inteira, com o Estado impassível – ou simplesmente impotente. Não se sabe o que é pior.

Mas, duro mesmo, é a complacência da própria sociedade. Não sai da minha cabeça como nenhum vizinho, vizinha, porteiro, ninguém ouviu os gritos de desespero da Tatiane Spitzner? Ela apanhou no carro, entrando no prédio, dentro do elevador, tentou escapar num andar, foi empurrada no seu próprio andar. E ninguém percebeu ou ouviu em nenhum minuto?

Há poucos anos, eu estava no salão quando a cabeleireira chamou a secretária: “Olha! Ele está dando nela de novo!”. A sequência de sopapos e chutes, num quarto do outro lado da rua, era acompanhada com uma espécie de torcida: “Ih! Agora foi na cara”, “Caiu, ela caiu!”. Ficaram as duas se distraindo com a cena, enquanto as clientes olhavam placidamente, lavavam as mãos.

Diante da minha perplexidade, reagiram com duas máximas que rondam a sociedade: 1) “Eu não vou me meter em briga da marido e mulher”; 2) “Se ela vive apanhando e continua com ele é porque gosta”.

E o Disque Mulher do DF e nacional? Não serviram para nada. Um simplesmente não atendeu, apesar de mais de uma hora de tentativas. No outro, a atendente queria saber o nome do agressor, o nome da vítima... que ninguém tinha. A má vontade era evidente, gritante.

Lá pelas tantas, apareceram dois policiais com ar de enfado, como se aquilo não fosse nada demais. Subiram, ninguém atendeu e eles foram embora. Simples assim. No dia seguinte, o casal sumiu. E aquela moça certamente vai engrossar as estatísticas de assassinatos. Se é que já não engrossa, como indigente.

Bem, em época de eleições, é urgente discutir economia, governabilidade, princípios. Mas não discutir a guerra urbana, a violência, a saúde, a educação e a mortandade das mulheres é jogar fora uma grande oportunidade. E manter tudo como está.


Eliane Cantanhêde sábado, 14 de julho de 2018

TODOS CONTRA UM

 

TODOS CONTRA UM

Eliane Cantanhêde

Que o PT é bom de marketing não há a mínima dúvida, mas insistir na versão de que o partido e o ex-presidente Lula foram os grandes vitoriosos, enquanto o TRF-4 e o juiz Sergio Moro foram os grandes derrotados na lambança de domingo já é demais. O pior é que tem quem acredite e passe adiante.

Para além do marketing, existe o fato, ou a realidade: quem ficou totalmente isolado durante todas as longas horas do imbróglio foi justamente quem o gerou, o desembargador Rogério Favreto, filiado ao PT por 20 anos, auxiliar dos presidentes Lula e Dilma Rousseff no Planalto e em ministérios e agora, como plantonista do TRF-4, autor do bombástico habeas corpus para soltar Lula.

Senão, vejamos. O juiz Sergio Moro o declarou “absolutamente incompetente” para derrubar uma decisão do TRF-4, ratificada, nada mais nada menos, pela mais alta Corte do País, o Supremo Tribunal Federal. A Polícia Federal, perplexa, como todo o meio jurídico e o próprio Brasil, alegou que não é obrigada a cumprir uma decisão ilegal e em meio a um evidente conflito de competência.

Dentro do próprio TRF-4, ninguém abriu a boca ou tomou qualquer atitude para apoiar, concordar ou ratificar a posição do plantonista de fim de semana. Ao contrário, o desembargador que é relator da Lava Jato, João Pedro Gebran Neto, suspendeu o habeas corpus assinado por ele. E quem bateu o martelo foi o próprio presidente do tribunal, Carlos Eduardo Thompson Flores, contra o HC de Favreto e a favor da suspensão decidida por Gebran.

Para fechar o cerco ─ e a condenação ao voluntarismo de Favreto ─ a própria presidente do Supremo, Cármen Lúcia, distribuiu nota em tom de advertência, pedindo Justiça “sem quebra de hierarquia”. Uma alusão direta à audácia do desembargador ao contrariar a 8.ª Turma do TRF-4 e, incrível!, o STF. Logo, foram todos contra um ─ o que se aproveitou de um plantão para botar fogo no circo.

E Moro? Há quem reclame porque ele estava de férias e não tinha nada que se meter na decisão de Favreto, representante de uma instância superior. Mas há muita gente que vai em sua defesa, de procuradores a atuais e ex-ministros do próprio Supremo, alegando que juízes não deixam de ser juízes porque estão de férias e ele tem pleno direito de se manifestar 24 horas por dia, esteja onde estiver.

Ok, essa divergência reflete o “ame-o ou deixe-o” que persegue Sergio Moro desde que ele virou a principal cara da Lava Jato, mas não tem nada de nova, muito menos o transforma no principal derrotado de um vexame que extrapola o TRF-4 e agrava ainda mais o momento conturbado, tenso e beligerante da Justiça brasileira, a começar da mais alta Corte do País.

A guerra agora está no CNJ e logo vai parar no STJ. Um punhado de advogados entrou contra Moro no CNJ, mas promotores e procuradores entraram contra Favreto. É um jogo de perde-perde, enquanto Lula continua preso, seus advogados juram que não tiveram nada a ver com aquele habeas corpus e nesta segunda-feira, 9, o PT novamente decidiu não decidir sobre a candidatura presidencial de outubro. Logo, o que Lula e o PT ganharam? Holofotes? Visibilidade? O velho “falem mal, mas falem de mim?”.

Quanto ao TRF-4, realmente ficou dividido e correndo atrás do prejuízo causado por Rogério Favreto, mas nada que se compare ao desgaste acumulado, por exemplo, pelo próprio Supremo. E pode piorar.

O presidente Temer vai para o exterior duas vezes em julho, os presidentes da Câmara e do Senado não podem substituí-lo, pois serão candidatos e a Presidência vai sobrar para Cármen Lúcia.

E quem assume o Supremo?

Dias Toffoli.

Vamos combinar que Toffoli no STF e Favreto no TRF-4 podem dar o que falar…

 

 

 


Eliane Cantanhêde domingo, 03 de junho de 2018

ISOLADOS E SOB ATAQUE: DE ECONOMISTAS A GENERAIS, HÁ QUEM ARRISQUE A SAÚDE E A IMAGEM PARA O PAÍS NÃO AFUNDAR

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde

Isolados e sob ataque

De economistas a generais, há quem arrisque a saúde e a imagem para o País não afundar 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

03 Junho 2018 | 03h00

A renúncia de Pedro Parente tem lá seus motivos, mas faltou algo essencial: senso de oportunidade. Ele sai a poucos meses das eleições e na pior hora não só para o governo como para ele próprio. Em vez de levar para casa o troféu de quem reconquistou o primeiro lugar do pódio para a Petrobrás, leva a queda espetacular nas Bolsas e o recuo à quarta colocação nacional.

Excelente gestor, um dos três pilares tucanos na economia de Michel Temer e lustroso integrante do “dream team” original do governo, Parente renunciou justamente no primeiro dia do fim da greve dos caminhoneiros, atrapalhando a comemoração e o descanso de fim de semana de uma equipe e um País exaustos. E foi assim que ele jogou luzes sobre um outro lado da moeda: os homens públicos que, isolados e sob feroz ataque, mantêm o barco navegando.

Nesses tempos de raiva e indignação contra tudo e contra todos, há que se reconhecer o esforço quase heroico dos homens de Estado que estão trabalhando 20 horas por dia, dando a cara a tapa na TV e enfrentando um rombo crescente no casco fiscal para levar o barco até 31 de dezembro, sob o lema de que o Brasil não pode parar.

Além de Eliseu Padilha (gestor) e Moreira Franco (formulador), do MDB e da entourage de Temer, há uma tripulação que sacoleja, mas não arreda pé da sua missão, como Raul Jungmann, Ilan Goldfajn, Eduardo Guardia, Sergio Etchegoyen, Eduardo Villas Bôas, Silva e Luna, Ademir Sobrinho e uma única mulher, Grace Mendonça. 

O governo é o mais impopular da história, o presidente Michel Temer continua sob pressão da Justiça, há milhões de desempregados, o cobertor dos recursos é curtíssimo, o Congresso é rebelde, e a mídia, implacável. E lá estão eles, por motivações e interesses distintos, mas com a disposição inarredável de não pular do barco e deixar o País afundar de vez.

Fora da Lava Jato, destaca-se Jungmann, que era deputado do PPS, ex-partidão, tomou posse na Defesa e estava pronto para disputar a reeleição por Pernambuco quando deu meia volta para assumir a nova pasta de Segurança e, agora, a linha de frente contra a crise dos caminhoneiros. Pela personalidade e determinação, lembra Nelson Jobim, que passou por Executivo (com FHC, Lula e Dilma), Legislativo (no então PMDB) e Judiciário, no Supremo.

São homens de Estado, como Ilan Goldfajn e Eduardo Guardia, que foram da equipe de Pedro Malan na Fazenda, ao que se saiba nunca se meteram em negociatas e têm como ambição servir como homens públicos, acertar nos seus propósitos e merecer reconhecimento. Economistas podem concordar ou criticar suas políticas, mas sem desmerecer seu talento e dedicação.

O senso de missão está impregnado nos generais, almirantes e brigadeiros da atual cúpula militar, que vêm de uma cultura de ordem e hierarquia e estão, pela Constituição, a serviço das autoridades constituídas e do presidente da República. O barco sacode, as ondas são assustadoras, não há frestas nas nuvens escuras e eles têm um objetivo: evitar que o Brasil afunde.

E surge um novo personagem que cresce, aparece e conquista não só assento no gabinete de crise do Planalto, mas também interlocução – e respeito – no Supremo, no STJ, na PGR, na área militar e na mídia. Trata-se de Grace Mendonça, da Advocacia-Geral da União (AGU).

Com tanta desgraça, tanto ódio, o governo está ilhado, em meio ao dilúvio, e é preciso lembrar que nem todo mundo é ladrão, mal-intencionado e opera para afundar o Brasil. Há muito marinheiro arriscando a saúde e a imagem para entregar o leme para o próximo presidente. Não é fácil, nessas condições de tempo e temperatura, botar a cara na TV e falar por este governo. Mas o mote deles não é um governo, é um País, o nosso País.


Eliane Cantanhêde quarta, 30 de maio de 2018

BRINCANDO DE GOLPE

 

Brincando de golpe

Tentar derrubar Temer da Presidência é o típico, e inútil, ‘chutar cachorro morto’

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

29 Maio 2018 | 03h00

Assim como nos aviões, são duas as decisões mais tensas de uma greve: quando e por que começar, quando e por que parar. A greve dos caminhoneiros começou na hora certa, jogou luz nas agruras do setor, criou um caos no País e foi um estrondoso sucesso. Os caminhoneiros, porém, estão perdendo o timing de acabar a greve e capitalizar as vitórias.

As pessoas apoiaram a revolta, mesmo sofrendo diretamente as consequências, porque se identificaram com as dificuldades dos caminhoneiros e, como eles, estão à beira de um ataque de nervos diante de tanta corrupção. Mas é improvável que apoiem agora, simultaneamente, o “Fora Temer”, o “Lula livre” e a “Intervenção militar já”. 

É uma salada indigesta. Pepino, abacaxi e pimenta não combinam e, cá para nós, focar o protesto na queda do presidente Michel Temer raia o ridículo, é como “chutar cachorro morto”. Faltando seis meses para o fim do governo? Com Temer já no chão? É muita artilharia para pouco alvo.

O governo cedeu exatamente em tudo que eles pediam: preço do diesel, redução de impostos, previsibilidade nos reajustes, tabela mínima de fretes e mudança nos pedágios federais, estaduais e municipais. Uma brincadeira que vai custar de R$ 9,5 bilhões a R$ 13,5 bilhões ao Tesouro. Leia-se: a você, leitor, leitora. Agora, a munição do governo acabou. Não há o que fazer. 

Eles exigiam mais do que 30 dias de suspensão de aumentos, o governo admitiu o dobro. Exigiam aprovação já, o governo assinou medidas provisórias, que entram em vigor imediatamente. Exigiam publicação do acordo no Diário Oficial da União, o governo fez uma edição extra. Depois de tudo, eles passaram a exigir o corte de R$ 0,46 nas bombas, antes de voltar à ativa. Estão enrolando. Com outras intenções?

Uma coisa é a paralisação de caminhoneiros com reivindicações justas. Outra coisa, muito diferente, é um movimento político com exigências difusas, até contraditórias, e absolutamente inexequíveis. A paralisação deixa de ser justa, perde a legitimidade e passa a ser um ataque oportunista, não a um governo agonizante, mas às instituições e a toda a sociedade.

Ontem, manifestantes já circulavam pela Praça dos Três Poderes e confrontavam o Palácio do Planalto, como ocorreu em junho de 2013. Amanhã, os petroleiros podem começar uma greve sem pauta, movida a ódio e a política. No que isso vai dar? Há um clima de insegurança, de temor, de exaustão, no qual o que mais falta é racionalidade. Não estão medindo as consequências.

Estão todos brincando com fogo: governo, caminhoneiros, os que amam Lula, os que odeiam Temer, os saudosos da ditadura militar... Mas todos eles, que comemoram e se divertem hoje, poderão ter muito o que chorar e espernear amanhã, porque todo esse ódio e essa “revolução” miram um governo em fim de festa, mas podem acabar fazendo a festa de quem menos eles esperam em outubro.

Diz a inteligência, e confirmam os estrategistas, que você só dá passos sabendo onde quer chegar. E deve saber o momento de parar, para renovar energias, ou até recuar, para não bater com a cara na parede. O que se vê hoje, nos radicais que ameaçam as vitórias dos caminhoneiros, e na turba que os aplaude maliciosa ou ingenuamente, é justamente a falta de objetivos, de propósitos. É se jogar de cabeça, sem pensar nos riscos, nos perigos.

Derrubar Temer e colocar Rodrigo Maia na Presidência não pode ser um objetivo sério, um propósito de boa-fé. É uma manifestação irracional de ódio, um desserviço ao Brasil, uma aventura com repercussões nefastas. Quem gosta de brincar com fogo parece torcer por um golpe, mas um golpe de verdade. Que não venham depois chorar sobre o leite derramado, tarde demais.


Eliane Cantanhêde sábado, 26 de maio de 2018

CAOS:CAMINHONEIROS PRODUZEM EFEITO CASCADA, ISOLAM O GOVERNO E PARAM O PAÍS

 

 

Caos

Caminhoneiros produzem efeito cascata, isolam o governo e param o País

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

25 Maio 2018 | 03h00

O “Partido dos Caminhoneiros” conseguiu o que MST, MTST, CUT e partidos de oposição ao governo Temer ameaçaram e não tiveram força para fazer, nem mesmo com a prisão de Lula: paralisar o País. É uma nova força política que pode ser qualquer coisa, menos um movimento de esquerda.

Assim como em junho de 2013, o protesto dos caminhoneiros também teve combustão espontânea, sem partidos por trás ou líderes carismáticos e estridentes. Ambos surgiram de repente, pegando todo mundo de surpresa e jogando o governo contra a parede.

+ Acordo do governo com caminhoneiros prevê prazo de 30 dias para reajuste de combustíveis

A motivação dos milhares de pessoas que foram às ruas em junho de 2013 foi o aumento das tarifas de transportes urbanos. A dos caminhoneiros neste maio de 2018 é o aumento diário dos combustíveis, principalmente do diesel. Os dois protestos encontraram ambiente propício, foram uma fagulha em palha seca e incendiaram os governos de Dilma, primeiro, e de Temer agora. O Brasil nunca mais foi o mesmo depois daquele junho. E muita coisa pode mudar a partir deste maio.

 Em 2013, homens e mulheres, jovens e velhos, gente de esquerda e de direita lotaram as ruas, e o que menos contou foram partidos e ideologias. Em 2018, há um acordo tácito entre os patrões e caminhoneiros, que fecharam estradas, produziram um efeito cascata e ameaçam com o colapso.

+ Petrobrás cai 14% e Ambev volta a ser a maior empresa da Bolsa

Litros de leite jogados fora, montanhas de hortaliças murchas, prateleiras vazias nas farmácias, tanques secos nos postos de gasolina, falta de água mineral e de combustível de aviação nos aeroportos... E os preços disparando. O que começou como um protesto de um setor, de uma categoria, virou um movimento nacional. 

Produtores rurais, empresas privadas e serviços públicos foram atingidos em cheio. E o que dizer do cidadão e da cidadã, já irados com a corrupção, desconfiados com as eleições, mal-humorados com o governo e estarrecidos com o aumento da gasolina? A crise, latente, explodiu de cima a baixo.

Como só iria acontecer, o governo Temer, já tão fraco e a caminho do fim, virou o principal alvo de várias frentes autônomas e conflitantes: caminhoneiros, confederações (como a dos Transportes e da Agricultura), Congresso, a própria Petrobrás e a mais poderosa de todas, a opinião pública.

+ Perguntas e respostas sobre a manifestação dos caminhoneiros

O estopim da crise foi o aumento do preço internacional do petróleo, a disparada do dólar e o trauma da Petrobrás, que afundou com Lula e Dilma não só pela corrupção, mas também pela manipulação política (ou populista) dos preços. Só que faltou cuidado. 

Assim como aumento de impostos, o de combustíveis é coisa para governos fortes, o que, definitivamente, não é o caso. Para piorar, a Petrobrás não apenas impôs o aumento, como impôs um aumento diário! Pode até fazer sentido empresarial, mas foi de uma audácia política incrível. E na hora errada.

Temer ficou entre os protestos e a política de preços independente da Petrobrás. Parente ficou entre uma solução política e uma sinalização perigosa para o mercado e para os investidores da companhia, que ontem caiu 14% na Bolsa. E o fim do mundo é (ou seria) ele ir embora.

Em ano eleitoral, o Congresso, à frente Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, aproveitou para tirar uma casquinha na crise e espicaçar ainda mais o Planalto. E os governadores? Tiraram o corpo fora.

O maior problema no fim deste governo (e no início do próximo) é a crise fiscal, o rombo das contas públicas. Como cortar impostos do diesel sem cobrir o buraco com alguma outra receita? Tira de um lado, tem de pôr do outro. E isso não é uma “maldade liberal”, é um dado aritmético e uma realidade social: quando 2 + 2 não somam 4 na contabilidade pública, quem quebra a cara é quem mais precisa do Estado brasileiro.


Eliane Cantanhêde quarta, 23 de maio de 2018

INJUSTAS E ILEGÍTIMAS - BRASIL NÃO É E NUNCA SERÁ UMA VENEZUELA

 

 

Injustas e ilegítimas

O Brasil não é e nunca será ‘uma Venezuela’, como bradam setores nacionais 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

22 Maio 2018 | 03h00

Sabem quando o Brasil vai virar “uma Venezuela”? Nunca, jamais, em tempo algum, porque a Venezuela não produz nada além de petróleo e o Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo e exporta de aviões, ônibus e automóveis a petróleo, minério de ferro e sapatos.

A Venezuela é castigada há décadas por uma elite mesquinha e antinacionalista, que se lambuzou do petróleo exuberante, estabeleceu-se nos EUA e nunca se preocupou com o desenvolvimento do país e a criação de uma planta industrial – e de empregos.

No Brasil, a elite é elite, com todos os seus defeitos e mesquinharias, mas aprimora-se, estuda fora, investe nas amplas potencialidades do País: clima fantástico, sol o ano inteiro, água doce e salgada, florestas abundantes. O agronegócio é moderno e sofisticado, a Embraer está sendo cobiçada pela Boeing, a Marcopolo exporta carrocerias de ônibus para toda parte. 

Enquanto na Venezuela as instituições estão aos frangalhos, no Brasil elas funcionam, seguem regras, são transparentes, até expostas, com os julgamentos mais importantes no Supremo e no Congresso transmitidos ao vivo. A imprensa é livre e atuante. São muitas críticas, até exacerbadas.

 Corrupção? Sim, a Venezuela é escandalosamente corrupta, desde as poderosas autoridades até os mais simples agentes públicos. Até para tomar vacina tem-se de pagar propina. 

No Brasil, como nós assistimos quase que diariamente, a corrupção é medida aos milhões de dólares, com uma promiscuidade doentia entre público e privado e corruptos tão audaciosos que são (ou foram, não se sabe ainda) capazes de destruir um Estado inteiro, como o Rio de Janeiro, e a principal estatal, a Petrobrás. Mas há uma diferença fundamentam entre Brasil e Venezuela: a Lava Jato!

Com boa vontade e alguma leitura, é possível entender como Hugo Chávez uniu a direita militar e a esquerda nacionalista e seu regime vicejou na Venezuela. O projeto Chávez fazia sentido, contra instituições falidas, corrupção crônica, inépcia, desvio das riquezas para os Estados Unidos.

No Brasil, apesar de todas as crises, da longa ditadura, de dois impeachments e, agora, 14 milhões de desempregados e uma violência urbana fora de controle, não há clima nem tanto motivação para golpes como o de Chávez na Venezuela.

Mas essa não é a principal diferença na política. A principal diferença é que, como no início deste texto, nunca, jamais, em tempo algum, um sujeito como Nicolás Maduro iria tão longe aqui. Tão longe no poder, tão longe na sua sanha destruidora do seu país, afundado numa crise política, econômica, social e humanitária sem precedentes.

Maduro acaba de ser eleito com 67,7% dos votos, mas só dos votos confirmados, porque a abstenção foi superior a 50%. E as eleições são questionadas gravemente não só dentro, mas também fora da Venezuela. Ácidas críticas chovem dos EUA, da Europa, das Américas, num crescendo em que só se excluem países como Rússia, China e o peculiar Irã.

Além de assinar uma nota duríssima do Grupo de Lima, que reúne países desde a Argentina até o Canadá, passando pela América Central, o Brasil foi além. Numa nota que foge ao padrão da diplomacia, via Itamaraty, o governo lamentou que a reeleição de Maduro, por mais seis anos (uma eternidade!), “carece de legitimidade e credibilidade”.

Acusou o país de não ter atendido aos insistentes chamados da comunidade internacional por eleições “livres, justas, transparentes e democráticas”. Logo, acusou-as de serem justamente o oposto. Não falou sozinho. E vai ficando claro que agora é guerra contra o regime Maduro e a favor do povo venezuelano, vilipendiado, faminto e sem futuro.


Eliane Cantanhêde quarta, 02 de maio de 2018

MINAS JÁ FOI MINAS - DILMA, AÉCIO, PIMENTEL...

 

Eliane Cantanhêde

Minas já foi Minas

Dilma, Aécio, Pimentel... não se fazem mais políticos mineiros como antigamente

Minas Gerais é um dos três principais Estados da Federação e tinha fama de ser, historicamente, o maior celeiro de políticos matreiros e competentes do País, as tais “raposas políticas”. Porém, se o Rio vive um caos e a eleição presidencial é uma grande interrogação, a situação de Minas não é nenhuma maravilha e a campanha no Estado é igualmente incerta.

Terceira maior economia do País, segunda maior população e segundo maior eleitorado (quase 11% do total), Minas continua sendo definidor de eleições presidenciais, mas seus principais partidos estão machucados e seus mais lustrosos líderes políticos andam em maus lençóis, devendo muitas explicações à Justiça, à Assembleia, à opinião pública.

Diferentemente de São Paulo e Rio, Minas aparece pouco na grande mídia e, em 2014, as análises políticas partiam de duas premissas: Dilma Rousseff ganharia no Nordeste e Aécio Neves levaria fácil em Minas, mas ele perdeu no primeiro e segundo turnos no seu Estado e seu candidato ao governo, Pimenta da Veiga, sofreu derrota fragorosa. Para arrematar, a aposta de Aécio perdeu feio, dois anos depois, para a prefeitura de Belo Horizonte.

De outro lado, Dilma ganhou no Nordeste e em Minas, seu Estado de origem, apesar de ser gaúcha por adoção, e seu ex-ministro, conselheiro e amigo Fernando Pimentel levou o governo e assim dividiu o “Triângulo das Bermudas” pelos três principais partidos: São Paulo manteve o PSDB, Rio continuou com o agora MDB (apesar de tudo...) e Minas foi do PSDB para o PT.

A guerra entre PT e PSDB é particularmente encarniçada em Minas, mas o resultado é que quem levou a prefeitura da capital em 2016 foi o empresário e dirigente desportivo Alexandre Kalil, do insignificante PHS, que se tornou o mais lustroso “outsider” da eleição no País, apresentando-se como apolítico e apartidário.

Kalil é, assim, o maior exemplo de que em Minas não se fazem mais políticos como antigamente, ou como Afonso Arinos, Milton Campos, Gustavo Capanema, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves e Itamar Franco, que tinham lá suas idiossincrasias, mas com imensa liderança ou matreirice política.

Os ex-governadores e ex-presidentes do PSDB Eduardo Azeredo e Aécio Neves estão mal, um com o pé na prisão, o outro réu no Supremo. E a Assembleia Legislativa acaba de acatar o pedido de impeachment do petista Fernando Pimentel, candidato à reeleição contra o ex-governador tucano Antonio Anastasia, caçado a laço pelo presidenciável Geraldo Alckmin. A contragosto, ele cedeu.

E por que tanto empenho do PSDB por Anastasia? O PT reina no Nordeste, o Rio virou a casa da mãe Joana, Álvaro Dias capitaliza o desencanto com Aécio no Sul e Jair Bolsonaro embrenhou-se pelo Centro-Oeste. Alckmin só terá chance se, além de recuperar São Paulo, conquistar Minas – algo que nem Aécio conseguiu.

Como complicador tanto para tucanos quanto para petistas, Dilma Rousseff resolveu aproveitar o jeitinho do Senado, que lhe cassou o mandato, mas manteve a elegibilidade, e quer disputar o Senado por Minas, apesar de alternar residência entre Rio e Porto Alegre. Se tende a tirar votos do PSDB, ela já entra rachando a aliança entre PT e MDB.

Depois do impeachment de Dilma e do colapso político de Aécio, os dois mineiros do segundo turno de 2014, sobra como consolo para Minas ser ainda o Estado mais cobiçado na escolha de vices. O empresário Josué Gomes da Silva é o melhor exemplo. De um Estado-chave, dono de uma das maiores fortunas do Brasil e filho do vice de Lula, José Alencar, ele se filiou a um partido, o PR, e tem tudo para ser o vice ideal e salvar a imagem da política mineira em outubro. Só falta o principal: querer.


Eliane Cantanhêde quarta, 25 de abril de 2018

PULGA ATRÁS DA ORELHA

 

Pulga atrás da orelha

Ao tornar Demóstenes Torres elegível, o STF lança uma boia para salvar candidatura Lula?

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

 

Dúvida atroz: por que o Congresso não reagiu ao Supremo Tribunal Federal, quederrubou a inelegibilidade do ex-senador Demóstenes Torres, cassado e tornado inelegível pelo Senado? E a independência entre os Poderes?

Há a suspeita de que Demóstenes foi beneficiado pelo Supremo para abrir caminho para outros políticos que estejam ou venham a estar inelegíveis. Por exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba. Se vale para Demóstenes, pode valer para outros. Se vale para outros, por que não para Lula?

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Em 2012, o plenário do Senado cassou o mandato e tornou Demóstenes inelegível por 8 anos após o fim da atual Legislatura, ou seja, até 2027. Entretanto, a Segunda Turma do Supremo (a boazinha) acaba de manter a cassação do atual mandato, mas derrubando a inelegibilidade. Estranho, não é?

 

Procurador do Ministério Público de Goiás e acusado de ser uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Senado, Demóstenes continua cassado, mas com direito a se candidatar em outubro de 2018. A Segunda Turma alegou que as provas contra ele haviam sido anuladas, porque ele tinha foro privilegiado e não poderia ser grampeado sem autorização do Supremo. E, se foram anuladas, está também anulada a inelegibilidade. Mas mantida a cassação (?!).

É o samba do Brasil doido e vale destacar que os votos para devolver a elegibilidade de Demóstenes foram, primeiro, uma liminar do ministro Dias Toffoli, acompanhado depois na turma por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. O resultado foi por 3 a 2, com votos contrários dos ministros Celso de Mello e Edson Fachin.

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“Estamos indo de encontro à decisão do Senado Federal”, disse Fachin com todas as letras, ao discordar de Toffoli, Gilmar e Lewandowski – que, aliás, presidiu a sessão do impeachment de Dilma Rousseff no Senado, que criou uma nova forma: cassação do mandato, mantida a elegibilidade. Ninguém entendeu nada, a não ser que houve um acordão entre as forças políticas, articulado pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros, e ratificado pelo então presidente do Supremo – o próprio Lewandowski.

Se a Segunda Turma do STF agora desautoriza uma consequência natural da cassação de Demóstenes (a inelegibilidade), por que senadores e deputados não se impregnaram de indignação e de brios institucionais para reclamar e clamar por autonomia?

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Por que os atuais presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia, não questionaram a decisão da Segunda Turma – agora do próprio Supremo –, alegando interferência entre Poderes? A resposta parece constrangedora, mas é razoavelmente simples: porque assim como “pau que dá em Chico dá em Francisco”, também funciona o contrário: decisões pró-Demóstenes hoje podem muito bem ser pró-Lula amanhã e depois, consolidadas, de todos os implicados que tenham se tornado inelegíveis.

A diferença entre Lula e Demóstenes, neste caso, é que o ex-presidente está automaticamente tornado inelegível pela Ficha Limpa, depois de condenado por um colegiado, o TRF-4. Se, e quando, ele registrar sua candidatura, ela será alvo de questionamento e a chapa deverá ser indeferida pela Justiça Eleitoral.

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Quanto a Demóstenes, ele foi cassado em 2012 e tornado automaticamente inelegível com base na Lei Complementar 64, de 1990, que estabelece causa e efeito: cassado, o político se torna inelegível por 8 anos.

Lula é ficha-suja, Demóstenes caiu na Lei 64, mas o fato é um só: assim como houve um jeitinho para Dilma e outro para Demóstenes, por que não haveria um para Lula e para sabe-se lá quantos depois? A Lava Jato não está com uma, mas com várias pulgas atrás da orelha.


Eliane Cantanhêde quinta, 19 de abril de 2018

AO DEUS-DARÁ - ALKMIN ESPREMIDO ENTRE JAQUIM E BOLSONARO

 

Alckmin está espremido entre Joaquim, a novidade, e Bolsonaro, que bate no teto

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

Todo dia aparece um presidenciável novo, Henrique Meirelles, João Amoêdo, Flávio Rocha, Guilherme Boulos, Manuela d’Ávila... Mas nenhum deles embaralhou o tabuleiro da eleição como o recém-chegado Joaquim Barbosa. O foco está nele.

Mas, afinal, que apito Joaquim toca? Ele é de esquerda, direita ou centro? Está preparado para combater a crise fiscal? Na verdade, ninguém sabe, ele continua calado, longe da campanha e contando com uma aura que anima amplos setores da classe média escolarizada e pode vir a encantar a baixa renda.

O PSB, já tão rachado, tem de correr atrás de recursos, tempo de TV e palanques estaduais. A questão é saber de onde virão esses reforços, já que Joaquim não é político, nunca teve partido nem fez campanha e não se sabe o que pensa. Esses fatores atraem eleitores, mas afastam aliados políticos.

A história de Joaquim é tão emocionante quanto a de Lula, de menino negro que saiu de um lar modesto, estudou, passou em concursos de ponta e virou ministro e presidente do Supremo. Mas que chance ele tem de levar o apoio do PT e de Lula? Joaquim presidiu a fase final do julgamento do mensalão, que expôs as entranhas do governo Lula e levou o mito petista José Dirceu à prisão.

 

 

Para o eleitorado, Joaquim é um símbolo do combate à corrupção e abriu caminho para o juiz Sérgio Moro e a Lava Jato. Para o PT, que um dia monopolizou a bandeira da ética na política, ele é o algoz do partido. Sem o PT, ele não levaria, ou não levará, PCdoB, PSOL e os aliados MST e MTST. E quem à direita ou ao centro lhe daria base e sustentação?

A direita está com Bolsonaro, que bateu no teto de 17% no Datafolha, e o centro vai de mal a pior, com muitos nomes lançados e nenhum convincente. Basta olhar para Geraldo Alckmin: governador do principal Estado, candidato de um dos três maiores partidos, com recall da eleição de 2006, mas não sai do lugar. Ou não empolga.

Como é possível que Alckmin, com todos esses fatores a seu favor, esteja embolado com Joaquim, que nem assumiu ainda a candidatura? E com Ciro Gomes, que já começou com “pescotapas” antes mesmo de entrar na campanha? E os espaços de crescimento para o tucano parecem bloqueados.

No Norte, Alckmin enfrenta uma resistência ao PSDB que vem desde as sistemáticas críticas tucanas à Zona Franca de Manaus. No Nordeste, bate de frente numa muralha petista que não cede nem com a prisão de Lula. No máximo, o eleitor subiu no muro e os índices de brancos e nulos dispararam para em torno de 35%.

E as regiões mais simpáticas e acessíveis ao PSDB não são mais as mesmas. No Sul, o paranaense Álvaro Dias, ex-tucano, capitaliza a decepção com Aécio Neves, que deve se tornar réu hoje no STF. No Centro-Oeste, Bolsonaro tem não apenas intenção de votos como até um exército voluntário financiando e distribuindo outdoors e adesivos de carros. Uma campanha de geração espontânea.

Resta a Alckmin o Sudeste, onde Joaquim vai crescer. Rio é bagunça. São Paulo, que deu 66% de aprovação ao tucano em 2006, agora dá 36%. E Minas derrotou o mineiro Aécio no primeiro e no segundo turnos de 2014 e é outro Estado onde Bolsonaro chegou para ficar. Ou seja, Alckmin está espremido entre Bolsonaro e Joaquim. E, se não for ele, quem capitaneará o “centro”? Até agora, ninguém sabe, ninguém viu.

Odebrecht. Em mensagem à coluna, a defesa de Marcelo Odebrecht nega que ele tenha dito que transformou a empreiteira em “banco de operações estruturadas”. Sim, mas é o que se deduziu quando ele disse ao juiz Sérgio Moro que a Odebrecht mantinha uma conta exclusiva para Lula. Quem mantém conta para cliente não é banco?


Eliane Cantanhêde quarta, 11 de abril de 2018

O MUNDO NÃO ACABOU. A PRISÃO DE LULA NÃO ABALOU O PAÍS, MAS MEXEU COM O MERCADO

 

O mundo não acabou

A prisão de Lula não abalou o País, mas mexeu com o mercado

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

10 Abril 2018 | 05h00

Foi só impressão ou o mundo não acabou, não houve comoção nacional e não explodiram manifestações de rua no sábado e no domingo contra a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente e o maior líder popular do Brasil desde o fim da ditadura militar?

Em São Paulo, Minas, Rio, Brasília, Recife, Salvador, Porto Alegre, Manaus e por aí afora a vida simplesmente continuou. Uma aglomeração aqui e acolá, numa capital ou outra, mas cidadãos e cidadãs foram à feira, à praia, ao shopping, à igreja, ou ficaram em casa descansando.

Pode significar que a prisão de um poderoso a mais ou a menos, entre tantas que já foram feitas e tantas que ainda virão, já não emociona. Ou que se fala na prisão de Lula há tanto tempo que isso amorteceu o impacto quando ela aconteceu. Já estava todo mundo preparado? Outra hipótese é que Lula já não é mais o Lula que saiu da Presidência com 80% de popularidade. Em torno de 30% dos eleitores dizem que pretendem votar nele, mas só os ideológicos, que se declaram de esquerda, se animaram a protestar, de preferência pela internet.

Os não ideológicos, que manifestam voto em Lula porque ele é o mais conhecido, ou porque guardam boas lembranças dos seus governos, ou porque imaginam que ele é quem mais vai melhorar a vida deles, não se mexeram. E podem mudar de candidato e ir até para Jair Bolsonaro, se ele prometer mundos e fundos. 

Por isso, as fotos de sábado distribuídas a centenas de países foram bonitas e fortes, mas fechadas num Lula cercado por militantes no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Se fossem fotos abertas, de um helicóptero, mostrariam só duas ruas cheias. Muito pouco para o grau de dramaticidade.

Se o “povo” não fez ruidosas manifestações por Lula, a prisão dele conseguiu o que nem o impeachment de Dilma havia conseguido: o clima ontem era de ressaca, mas o dólar foi a R$ 3,42, o maior valor desde dezembro de 2016, e a Bolsa caiu 1,78%.

A reação, pois, foi menos popular e mais do mercado – e não à prisão em si, mas pela nuvem de imprevisibilidade que ela joga sobre uma eleição já tão perigosamente imprevisível. Lula vai insistir na candidatura, mesmo preso em Curitiba? Se não, qual sua capacidade de transferência de votos para o plano B do PT? Que será quem? Bolsonaro, o segundo colocado, perde ou ganha com esse fato novo?

Uma coisa, porém, é certa. Se Lula fica preso alguns dias ou algumas semanas e sai no ombro dos militantes, seu poder na eleição é um. Se fica trancafiado durante meses, imobilizado ao longo da campanha, é outro. Por isso, a principal pergunta agora é o que acontecerá amanhã, quando o ministro Marco Aurélio Mello vai confrontar a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, e pôr “em mesa” a rediscussão da prisão após condenação em segunda instância.

Preventivamente, Cármen já tinha posto “em pauta” dois habeas corpus, um para soltar o ex-ministro Antonio Palocci, também preso em Curitiba, outro para livrar o deputado Paulo Maluf da prisão domiciliar, nos Jardins, em São Paulo. A questão é: o que tem prioridade? Os HCs de quem está preso ou um tema posto em mesa por um dos ministros?

Depois de resolvido esse imbróglio, vem aí mais uma batalha, com cinco ministros de um lado (a favor da prisão em segunda instância), cinco de outro (contra) e uma tonelada de responsabilidade nas costas da ministra Rosa Weber.

Mais uma vez, o resultado depende dela e o suspense é de tirar o fôlego, porque Rosa é contra a tese da prisão em segunda instância, mas vota contra HCs, inclusive o preventivo de Lula, em nome da “colegialidade”. Em bom português: se o Supremo tem 11 votos e um ministro é voto vencido, só lhe resta acatar a decisão da maioria. Se não, vira uma bagunça. E agora, o que Rosa fará?


Eliane Cantanhêde domingo, 08 de abril de 2018

PRODUTO DE EXPORTAÇÃO

 

Produto de exportação

Condenação de Lula é pelo triplex, mas longe de ser só pelo apartamento

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

08 Abril 2018 | 03h00

Na missa para Marisa Letícia, que virou comício para Lula, o ex-presidente usou de toda a emoção e de todo vigor retórico para clamar que seu grande crime foi dar comida, escola e universidade para pobre. Porém, assim como o impeachment de Dilma Rousseff foi pelas pedaladas, mas não só por elas, a prisão de Lula foi pelo triplex no Guarujá, mas não só por ele. Tanto as pedaladas como o triplex estão inseridos num contexto muito mais amplo, são peças de um todo.

O que as investigações desvendaram, e as fotos no triplex confirmam, é a íntima relação de Lula não apenas com uma empreiteira, a OAS de Léo Pinheiro, mas com as grandes empreiteiras, conhecidas compradoras de políticos. No topo, a Odebrecht.

Os depoimentos de Emílio e Marcelo Odebrecht sobre as contas secretas mantidas para o ex-presidente e geridas por Antonio Palocci, antes e depois da Fazenda, são uma aula de como Lula foi afundando nos braços pródigos, mas gulosos, das empreiteiras.

E foi nessa simbiose entre Lula e elas que o Brasil virou um exportador de corrupção para América Latina, Caribe, África e Europa. Começou na Venezuela de Hugo Chávez e se expandiu para Peru, Colômbia, Equador, Angola... com régios financiamentos do nosso BNDES e uma cereja do bolo: os marqueteiros de Lula incluídos no pacote.

Para Fernando Gabeira, há uma estratégia nas investidas do triângulo Lula-Odebrecht-BNDES em tantos países: a mistificação de Lula, sua transformação em líder mundial de massas. Mas o revertério pega de jeito não só ele, mas também os aliados que entraram no esquema internacional. Ou seria pura coincidência que Lula esteja às voltas com a Justiça ao mesmo tempo que outros ex-presidentes, como o do Peru.

Lula desceu a rampa do Planalto com 80% de popularidade e ficou ainda mais à vontade nas suas relações com as empreiteiras, mantendo o controle do BNDES com Dilma na Presidência e viajando pelo mundo nos aviões da Odebrecht.

Por trás da desgraça da nossa Petrobrás estão as grandes empreiteiras e seus controladores agora presos. E, por trás dos processos contra Lula, estão as mesmas empreiteiras e seus controladores: o do triplex, o do sítio de Atibaia, o do Instituto Lula... logo, há profunda conexão entre Lula e elas, uma clara relação de causa e efeito, um jogo em que todos ganhavam. E, como ganhavam, agora perdem juntos. Ou vão para a cadeia juntos.

No seu discurso de ontem, Lula se colocou como um novo “pai dos pobres”, a eterna “vítima das elites”, mas, se os ganhos sociais são inegáveis, quem mais lucrou na sua era foram o sistema financeiro e as empreiteiras, enquanto estatais, bancos públicos e fundos de pensão eram devorados. E ele atiçou a militância contra Moro e a mídia, jogando álcool na fogueira e isolando ainda mais o PT e as esquerdas. A baixa adesão à manifestação pró-Lula num dia histórico, e no berço do PT, já diz tudo.

Quanto a Dilma: ela efetivamente cometeu crime de responsabilidade com as pedaladas, além de governar com a velha e perigosa avaliação de que “um pouco de inflação não faz mal a ninguém” e gastar desbragadamente é “bom para povo” (que, obviamente, é quem depois paga a conta com juros e lágrimas). E vivia de canetadas: na quebra de contratos no setor elétrico, na exploração do pré-sal, na queda artificial dos juros.

Enfim, Dilma caiu porque o Brasil não aguentaria mais dois anos de Dilma, assim com Lula foi preso por ambição, cobiça e uma promiscuidade com empreiteiras (para ficar só nelas) incompatível com a Presidência da República e com a sua emocionante biografia e seu vibrante carisma.

Foi, além de tudo, uma traição à origem do PT, que nasceu para lutar por um País mais justo e mais ético – não para Lula chegar ao pódio e dali mergulhar alegremente nos tentáculos da Odebrecht e da OAS e nadar de braçada nas piores práticas do velho Brasil.


Eliane Cantanhêde sábado, 07 de abril de 2018

REPUBLIQUETA DE BANANA?

 

Republiqueta de banana?

A prisão de Lula é um aviso: quem comete crimes que ponha as barbas de molho

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

06 Abril 2018 | 03h00

Muitos comemoram, muitos choram, mas não há o que comemorar nem chorar na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, homem com biografia vibrante, que saiu do horror da miséria, sacudiu num pau de arara, virou o maior líder sindical da história recente, chegou à Presidência e saiu dela com 80% de aprovação. Mas fez tudo o que fez ao chegar ao poder.

Para o ministro Gilmar Mendes, a prisão de Lula “mancha a imagem do País”. Para a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, transforma o Brasil numa “republiqueta de bananas” aos olhos do mundo. É verdade que há grande mobilização das esquerdas brasileiras em defesa de Lula junto a governos, líderes e sociedades. Mas não é verdade que Lula seja uma “vítima das elites”, “um perseguido político”.

Assim como não se pode classificar de “golpe” o impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, não se pode chamar de “golpe” as sucessivas decisões que condenaram Lula a 12 anos e 1 mês de prisão.

Dilma se mostrou incompetente para gerir a política, a economia e as contas do País e efetivamente fez as “pedaladas” – deixou de transferir recursos do Tesouro para os bancos públicos pagarem os programas sociais. Por quê? Para mascarar o rombo das contas públicas e, pior, continuar gastando em ano eleitoral. É crime.

Quanto a Lula: a primeira condenação é pelo seu caso mais simples, o do triplex do Guarujá, mas isso está inserido num contexto muito mais complexo, que envolve várias outras ações, pelo sítio em Atibaia, pela Operação Zelotes, pelo Instituto Lula... E, principalmente, pela evidência (até pela fala do ex-ministro Antonio Palocci) de que Lula institucionalizou a corrupção. Corrupção sempre houve, mas articulada e operacionalizada a partir do Planalto e do Ministério da Fazenda?

O impeachment de Dilma seguiu todos os trâmites legais: o Supremo definiu o rito, a Câmara votou em dois turnos, o Senado também, a sessão final foi presidida pelo então presidente do Supremo. Tudo foi transmitido ao vivo para a população, sem uma só restrição às liberdades individuais.

E a prisão de Lula, por mais triste que seja, e é, seguiu todos os trâmites legais: investigação da Polícia Federal, do Ministério Público, da Receita, com julgamento em primeira instância, confirmada pelo TRF-4 e após tanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto o próprio Supremo Tribunal Federal negarem o pedido de habeas corpus apresentado por advogados de grande respeitabilidade.

Golpe? Que golpe? Lula apenas se tornou o foco e a síntese de um intenso debate que divide o Supremo, o Planalto, o Congresso, os partidos, os formadores de opinião e toda a sociedade brasileira. Deixar Lula livre em nome de sua biografia e de seu prestígio internacional, ou prosseguir firmemente num processo histórico de combate a uma corrupção estratosférica? Deixar Lula livre em nome de não se criminalizar todo o sistema político, ou manter o processo de depuração das instituições e dos quadros políticos? É disso que se trata.

Essas questões remetem para o voto do ministro Luís Roberto Barroso durante o julgamento no Supremo: um país não é justo quando garotos pobres com um baseado de maconha são jogados nas prisões, mas ricos, poderosos e famosos matam, roubam, corrompem e são corrompidos e nada acontece com eles. 

A presidente do PT defende o regime Maduro e acusa o Brasil de “republiqueta de banana”, mas é exatamente o oposto. O que se pretende é justamente que a justiça valha para todos e que o Brasil deixe de ser uma republiqueta que massacra os pobres e endeusa os poderosos.

A prisão de Lula, aliás, é um aviso: quem comete crimes que ponha as barbas de molho. Fim da farra.


Eliane Cantanhêde quinta, 05 de abril de 2018

ANÁLISE: MUDAR PARA QUÊ? MUDAR PARA QUEM?

 

Análise: 'Mudar para quê? Mudar para quem?'

O julgamento do Habeas Corpus para evitar a prisão do ex-presidente Lula consolidou a percepção de um acordão para tentar “estancar a sangria”

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

05 Abril 2018 | 01h36

O julgamento dessa quarta-feira do Habeas Corpus para evitar a prisão do ex-presidente Lula consolidou a percepção de um acordão para tentar “estancar a sangria” e salvar a pele não só de Lula, mas de todo o mundo político envolvido na Lava Jato. A “prova” desse acordão foi a aliança surpreendente, apesar de não inédita, entre três velhos adversários na corte: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.

Gilmar antecipou seu voto para voar de volta para Portugal e para pavimentar o caminho para Rosa Weber conceder o HC de Lula, dando-lhe o argumento de que não estava em jogo só um HC, mas um decisão de repercussão geral. Rosa é contra a tese de prisão em segunda instância, mas votou contra todos os HC de réus neste caso, com exceção de um, para seguir o entendimento da maioria do plenário em 2016. Derrotada, mas fiel à maioria.

Discretíssima, Rosa fez suspense até mesmo durante seu longo voto e só desfez esse suspense no finzinho da sua leitura. Contra Gilmar, ela considerou que o que estava sendo julgado era um HC concreto, específico, não a mudança geral da norma. Logo, prestigiou de novo o entendimento vigente da maioria.

Marco Aurélio e Lewandowski deram um pulo, mas era tarde demais. Como disse a presidente Carmen Lúcia, Rosa tinha sido claríssima contra o HC e a garantia de liberdade de Lula. Deixou, assim, um placar de 4 a 1 e a perspectiva de derrota de Lula.

“Mudar por quê? Mudar para quem?”. A dúvida manifestada por Luís Roberto Barroso resumiu a longa sessão de ontem e já vinha sendo repetida por Carmen Lúcia e pelo relator da Lava Jato, Edson Fachin, argumentando que o tribunal já votou três vezes a prisão em segunda instância, a última vez em 2016, e não houve fato novo nenhum que justifique uma revisão tão prematura.

A conclusão, sobretudo na subjetiva “sociedade”, seria de que o Supremo Tribunal Federal da República estaria mudando seu próprio entendimento para favorecer um único réu todo poderoso, ou seja, rendendo-se à força política de Lula e às pressões de seus aliados, que se autointitulam “de esquerda”.

Desse no que desse, porém, havia duas certezas dentro e fora do plenário do Supremo. A primeira é que qualquer resultado geraria fortes reações. A segunda é que a guerra para livrar Lula e os políticos da Lava Jato continua. E vai longe.


Eliane Cantanhêde terça, 03 de abril de 2018

O BRASIL TREME

 

 Brasil treme

Guerra pró e contra Lula no STF tem manifestos, protestos e ameaças 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

03 Abril 2018 | 03h00

Prender ou não prender Lula, essa é a questão por trás de uma guerra de torcidas poucas vezes vista no estádio chamado Supremo Tribunal Federal, onde 11 ministros estarão em campo amanhã, cercados por manifestantes barulhentos e expostos para milhões de telespectadores irados pelo País afora. 

As torcidas juram que falam “em tese”, ou agem “por princípio”, a favor ou contra a prisão após condenação em segunda instância, mas é óbvio que todos eles falam e agem motivados por algo bem concreto: o pedido de habeas corpus preventivo em favor do ex-presidente Lula. Até por isso a agitação só explode agora, na semana da decisão.

A evolução frenética e espantosa do número de apoiadores do manifesto a favor da prisão em segunda instância diz tudo. A coleta de assinaturas começou na quinta e logo já eram 500, chegaram a 1.500, pularam para 3 mil, dispararam para 4 mil e atingiam quase 5 mil ontem, na entrega ao Supremo.

Essa torcida, que reúne juízes, promotores e procuradores, tenta não personificar sua causa nem focar em Lula, alegando genericamente que acabar com a prisão em segunda instância vai ter um efeito cascata danoso para a sociedade e benéfico para homicidas, latrocidas, estupradores, traficantes... 

O contra-ataque partiu de entidades de advogados e defensores públicos, que também ontem entregaram manifesto ao Supremo, com 3.262 assinaturas, em sentido contrário: condenando a prisão após segunda instância. Argumentam que ninguém (especialmente ricos e poderosos?) pode ser considerado culpado e cumprir pena antes de esgotados todos os recursos (20 ou 30 anos depois?).

Enquanto os manifestos sacudiam os ânimos já exaltados da mais alta corte do País, o Distrito Federal, São Paulo, Minas e outros Estados tremiam – literalmente –, sob o efeito de um terremoto originado nas profundezas da Bolívia e transmitido em ondas para o Brasil. É justo: o Brasil exporta bombas da Odebrecht, os vizinhos pagam com terremotos.

Os tremores continuam hoje no Brasil, com manifestantes anti-Lula, ops!, a favor da prisão em segunda instância, na Praça dos Três Poderes, na Avenida Paulista e em várias capitais e grandes cidades. Amanhã, semifinal do campeonato, será a vez dos apoiadores de Lula, ops!, dos contrários à prisão em segunda instância, empunharem suas bandeiras vermelhas para pressionar o Supremo. Ou “sensibilizar os ministros”, como dizem de um lado e de outro.

Ontem, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, se reuniu com o diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, para discutir a segurança do prédio e dos ministros. Não só porque essas torcidas andam cada vez mais violentas, até dando tiros em caravanas, mas também pelas ameaças ao relator da Lava Jato, Edson Fachin. 

Foi por causa desse clima de Fla-Flu que Cármen Lúcia decidiu fazer um pronunciamento pela TV Justiça, pedindo “serenidade”. Não adianta muita coisa, mas é um dever do, ou da, presidente de um Poder falar pela instituição numa hora como essa.

Aliás, não é só o Supremo que está em pé de guerra, nem sujeito a ameaças, pressões, manifestos e terremotos. O que dizer do Congresso, onde os maiores partidos (PT, PSDB e MDB) veem seus quadros voando pela janela partidária sob o sopro da indignação popular? E do Planalto, com o cerco a Temer chegando a seus principais amigos e gerando o fantasma de uma terceira denúncia?

Dê no que dê amanhã no Supremo, o resultado vai ser gritaria, confusão, profusão de acusações. Se o HC de Lula for negado, a reação virá do PT, PCdoB, PSOL e seus movimentos satélites. Se for acatado, como tudo indica, a ira será de todo o resto. E o risco de Rosa Weber, coitada, será ganhar um pixuleco para chamar de seu.


Eliane Cantanhêde segunda, 02 de abril de 2018

STRIKE DE TOFFOLI - MINISTRO LIVRO DEMÓSTENES, MALUF E PICCIANI PARA JUSTIFICAR HC DE LULA?

 

"Strike” de Toffoli

Ministro livrou Demóstenes, Maluf e Picciani para justificar HC de Lula? 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

 

No recesso branco da semana passada, o Supremo fez um “strike” ao libertar condenados que, há tempos, são arroz de festa e símbolos no noticiário da corrupção. Aplainou, assim, o caminho para o habeas corpus (HC) a favor do ex-presidente Lula na próxima quarta-feira e para a revisão da prisão em segunda instância mais adiante.

 O procurador e ex-senador Demóstenes Torres, uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Congresso, foi cassado, condenado e estava inelegível até 2023, mas obteve uma liminar para disputar as eleições deste ano. Um espanto!

O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, conhecidíssimo há décadas por suspeitas de corrupção e tráfico de influência, ganhou um HC para sair da cadeia de Benfica e curtir sua condenação no lar, doce lar, da Barra da Tijuca, sem tornozeleira. Uma mudança e tanto.

 Na quarta-feira, o (ainda) deputado Paulo Maluf, que frequenta o noticiário policial desde os anos 1980 e foi condenado por crimes de quando era prefeito de São Paulo – de 1993 a 1996! –, passou mal de madrugada e ganhou um presentão no início da tarde: um HC para sair da Papuda, pegar uma UTI móvel e pousar anteontem na sua mansão dos Jardins, em São Paulo. Também sem tornozeleira. 

Picciani, 62, tirou um câncer e tem sequelas importantes. Maluf, 86, tem problemas cardíacos e diabetes. Mas por que eles estavam presos nessas condições? Porque usaram de seus cargos, de suas fortunas ou de uma infinidade de recursos para não serem presos quando deveriam ter sido. Agora, quando são, alegam que não podem mais ser...

Por trás das decisões a favor de Demóstenes, Picciani e Maluf, o mesmo ministro, com a mesma caneta: José Antonio Dias Toffoli, que não tinha doutorado nem mestrado, tinha levado duas bombas para juiz e só virou ministro da mais alta corte porque Lula quis. Ex-advogado do PT e advogado geral da União no governo Lula, ele pode até ser uma boa figura, mas lhe faltavam predicados para o Supremo.

Nos HCs de Picciani e Maluf, Toffoli foi contra a posição do relator da Lava Jato, Edson Fachin. Especificamente no de Maluf, foi além: desautorizou uma decisão em sentido contrário dada em dezembro por Fachin, o que não chega a ser inédito, mas também está longe de ser trivial. Fachin mandou prender Maluf, Toffoli mandou soltar três meses depois. 

Essa onda de bondades de Toffoli gerou projeções. A primeira é sobre o HC preventivo que pode livrar Lula da prisão na quarta-feira. Decisão difícil: o réu é Lula, a prisão em segunda instância passou por 6 a 5 em 2016, há pressões de todos os lados e 1,5 mil juízes e procuradores entregam manifesto amanhã à corte na linha de Sérgio Moro: contra a mudança.

Ao beneficiar Demóstenes, Picciani e Maluf, o ex-advogado do PT Dias Toffoli estava aplainando o terreno para amenizar o impacto de uma decisão pró Lula? Sem falar que ele é da segunda turma do STF, que livrou o líder do governo, Romero Jucá, e o empresário Jorge Gerdau no inquérito da operação Zelotes. Em seu voto, Toffoli acusou a denúncia da PGR de tentativa de “criminalizar a política”.

A outra projeção é sobre o STF após setembro, quando Toffoli substituirá Cármen Lúcia na presidência, num momento crucial para a Lava Jato e para políticos com mandato, do PT, PSDB, PMDB, PP, PTB.... Aliás, o mesmo Toffoli tinha pedido vistas do fim do foro privilegiado e o tema voltará à pauta em maio.

O foco estava em Cármen, Gilmar, Barroso e Rosa Weber, mas é Toffoli quem agora atrai todos os holofotes, a meses das eleições e quando está em jogo o destino do padrinho Lula. Audácia o ministro mostrou que tem. Até ao assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, apesar de tudo.


Eliane Cantanhêde terça, 27 de março de 2018

CORRETIVO NO ELEMENTO?

 

 

Corretivo no elemento?

Eleição ou guerra? Socos em repórteres, ovos e pedras, a ameaça de cadáveres...

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

27 Março 2018 | 03h00

O ex-presidente Lula saiu da sua zona de conforto e foi se meter na Região Sul, onde a recepção à sua caravana tem sido bastante diferente da que encontrou no Nordeste. Pedras, ovos, gritos e estradas bloqueadas estão mostrando não só a irritação contra Lula e o PT, mas também o grau de radicalização da campanha, que tende a piorar. 

Soou estranho, até uma provocação, Lula sair em caravana no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina justamente quando o TRF-4, de Porto Alegre, estaria confirmando a sua condenação a 12 anos e 1 mês. Primeiro, porque ele se pôs perigosamente próximo ao palco da decisão. Segundo, porque o Sul é refratário a Lula – e não é de hoje. Terceiro, porque a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que está na primeira fila das ações no STF, é do Paraná.

Rejeite-se qualquer tipo de violência e agressividade contra candidatos, que pode ir num crescendo e acabar virando uma nova modalidade de guerra de torcidas que, nos estádios, já coleciona feridos e mortos. Se Lula sobe no palanque antes da hora (e a Justiça Eleitoral não vê nada de mais), deixa o homem falar. Ouve quem quer. 

Feita a ressalva, preocupa também a reação de Lula, que não poupa ameaças de revide e, em São Miguel do Oeste (SC), recorreu a uma expressão nada democrática ao atiçar a polícia para entrar na casa de um manifestante e “dar um corretivo” nele. Como assim? Invadir a casa do cidadão? Dar um corretivo? Lula quer que a PM encha o “elemento” de pancada?

 

Pela força, simbologia e significado, vale a pena transcrever a fala do ex-presidente, que, um dia, décadas atrás, já foi alvo da polícia por defender a democracia e os direitos dos trabalhadores: “Tem um canalha esperando que a gente vá lá e dê uma surra nele. A gente não vai fazer isso. Eu espero que a PM tenha a responsabilidade de entrar naquela casa, pegar esse canalha e dar um corretivo nele”.

Os petistas e seus satélites nunca jogaram ovo em ninguém? Nunca atiraram pedra em protestos contra adversários? E Lula nunca ameaçou convocar o “exército do Stédile”, referindo-se a João Pedro Stédile, do MST? Então, é aquela velha história: pimenta nos olhos dos outros...

Se a campanha oficial nem começou e já chegamos à fase de ovadas e pedradas, o risco é a eleição sair do controle, estimulada pelo excesso de candidatos versus a falta de ideias e programas, pelos processos, condenações e salvos-condutos envolvendo um ex-presidente que é o líder das pesquisas.

Uma coisa não está clara, mesmo quando se lê o noticiário: quem são os que protestam contra Lula na Região Sul? Eles são vinculados a algum setor, igreja, movimento? E estavam ou não a serviço de uma outra candidatura e partido? Espontaneamente ou a soldo? Na versão de petistas, eles são da “extrema direita”. Apoiadores de Jair Bolsonaro, por exemplo?

Uma coisa é protesto contra mensalão, petrolão, triplex, sítio... Outra é o surgimento de milícias movidas a ideologia que querem confronto e pavor. Ainda mais depois de Gleisi dizer que, “para prender o Lula, vai ter que matar gente”. 

Ela falou isso quando a condenação de Lula já conduzia à conclusão lógica – e jurídica – de que ele acabaria sendo efetivamente preso. Só não foi, frise-se, por um salvo-conduto do STF que contraria o próprio entendimento do STF autorizando a prisão após segunda instância.

Se um lado ameaça com cadáveres e esmurra repórteres, enquanto outro reage com ovos e pedras, será eleição ou guerra campal?

(In)coerência. Os indignados com O Mecanismo, de José Padilha, são os mesmos que aplaudiram a cadeira “O Golpe de 2016”, na UnB, uma universidade pública. É a história da pimenta, de novo...


Eliane Cantanhêde quinta, 15 de março de 2018

PT PCdoB E PSOL PRESSIONAM SUPREMO POR LULA

 

PT, PCdoB e PSOL pressionam Supremo por Lula

Eliane Cantanhêde

14 Março 2018 | 14h02

Deputados do PT, do PCdoB e do PSOL, mais Paulinho da Força, do Solidariedade, irão hoje ao Supremo Tribunal Federal pressionar principalmente a presidente Cármen Lúcia para evitar a prisão o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva após a análise dos embargos declaratórios no TRF-4.

A caravana vai ao Supremo horas depois do encontro de Cármen Lúcia com o advogado de Lula José Paulo Sepulveda Pertence, que já presidiu à Corte e foi o padrinho de sua indicação para ocupar uma vaga de ministro, no governo justamente de Lula.

Não é o primeiro grupo de parlamentares a fazer pressão, porque deputadas e senadoras do PT e de partidos alinhados também já foram ao gabinete da presidente, aliás, sem hora marcada e exigindo que fossem recebidas. 

Cármen Lúcia avisou desde o início que não poria na pauta do plenário a revisão da prisão após condenação em segunda instância, alegando que essa questão já passou por três votações recentes e um novo julgamento, por causa de um único réu, seria “apequenar o STF”. Ela cumpriu a palavra, não incluindo o tema na pauta de abril. 

Ela é alvo de fortes pressões em sentido contrário, tanto de aliados de Lula, tanto de milhares de e-mails e telefonemas, na maioria defendendo que o STF mantenha a prisão segunda instância. Se nenhum ministro puser em mesa a questão em abril, Lula já poderá estar preso em maio.


Eliane Cantanhêde segunda, 05 de fevereiro de 2018

CABRAL COM GILMAR, LULA COM FACHIN

 

Cabral com Gilmar, Lula com Fachin

Eliane Cantanhêde

O ex-presidente Lula entrou com pedido de Habeas Corpus no Supremo nesta sexta-feira, 2/2, para tentar evitar ser preso e reabrir o debate sobre prisão após condenação em segunda instância, driblando a decisão da presidente Carmen Lucia de não por em pauta.

Agora ora é certo: o pedido de Habeas Corpus para o ex-governador Sérgio Cabral tentar voltar para o Rio caiu com o ministro Gilmar Mendes. E, assim, como o HC de Cabral foi destacado para Gilmar porque o ministro cuida de casos correlatos, o de Lula tem tudo para cair com o ministro Edson Fachin, que é relator da Lava Jato.

O Habeas Corpus de Lula é preventivo, para tentar evitar que ele seja preso após os embargos declaratorios da defesa no TRF-4, que o condenou a 12 anos e um mês pelo triplex do Guarujá. 

A expectativa é de que Fachin leve o HC de Lula à segunda turma e ao plenário, o que, na prática, significaria reabrir a discussão sobre cumprimento de pena após condenação em segunda instância. A presidente Carmen Lucia tinha anunciado publicamente que não poria a questão em pauta.


Eliane Cantanhêde quinta, 01 de fevereiro de 2018

TEMER, CÁRMEN LÚCIA E A DEFESA DAS INSTITUIÇÕES

 

Temer, Cármen Lúcia e a defesa das instituições 

Eliane Cantanhêde

31 Janeiro 2018 | 13h28

O início do ano do Judiciário, nesta quinta, 1/2, deve servir para a reafirmação e a defesa dos três Poderes, com abertura feita pela presidente do Supremo, ministra Cármen Lucia, e possibilidade de um discurso otimista do presidente Michel Temer, exaltando as instituições e a estabilidade democrática do País. O regimento do STF permite que ele fale.

Rompendo o silêncio e o recolhimento após as duas denúncias da Procuradoria Geral da República, Temer não apenas voltou a dar entrevistas a tevês, rádios e jornais como retomou o diálogo mais amiúde com a cúpula dos outros poderes, particularmente com Carmen Lucia.

Ele estava esperando inclusive uma oportunidade assim para se encontrar com a ministra e com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunicio Oliveira, para replicar internamente o teor do seu discurso no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, quando disse que “o Brasil voltou”. 

A solenidade começa às 9h no Supremo Tribubal Federal, com as presenças das dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunicio Oliveira. Oficialmente, eles também podem discursar. Já os presidentes de tribunais superiores estarão presentes, mas sem direito a fala.

No ano passado, a reabertura oficial do Judiciário foi numa cerimônia rápida, praticamente resumida a uma homenagem ao ministro Teori Zavaski, morto dias antes, em janeiro, num acidente aéreo.

Neste ano, o clima é tenso por uma outra circunstância: a condenação do ex-presidente Lula em primeira e segunda instâncias, abrindo a possibilidade de sua prisão, de uma série de recursos ao STJ e ao Supremo e de reações agressivas de petistas ao Judiciário.

Há, ainda, a questão corporativa, com o Judiciário sujeito a uma saraivada de críticas por privilégios, como o auxílio-moradia sem critério, e a prática comum de juízes e desembargadores recebendo muito acima do teto constitucional, que é justamente o salário dos ministros do STF e serve até para o presidente da República.


Eliane Cantanhêde quinta, 25 de janeiro de 2018

CANDIDATURA DE LULA, UMA FICÇÃO

 

Candidatura Lula, uma ficção

Logo Lula vai perceber que politizar suas dificuldades na Justiça dá munição a sua tropa, mas não muda a realidade

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

 

O relator João Pedro Gebran contou uma história com princípio, meio e fim para comprovar que o ex-presidente Lula ganhou o triplex da OAS em troca de desvios na Petrobras. O revisor Leandro Paulsen discorreu do mensalão ao petrolão para concluir que Lula foi responsável pelos esquemas de corrupção e se beneficiou deles. E o desembargador Victor Laus já abriu sua fala deixando evidente um acórdão por unanimidade.

Foi assim que o TRF-4 ratificou a condenação de Lula pelo juiz Sérgio Moro e ampliou sua pena de 9 anos e meio para 12 anos e um mês, tornando a candidatura Lula à Presidência praticamente uma ficção. Condenado em segunda instância, réu em seis outros processos e indiciado em mais três, Lula não tem a mínima condição de se candidatar nem a ministro do Trabalho na vaga da deputada Cristiane Brasil, quanto mais a presidente. 

Como previsto, houve manifestações tímidas a favor da condenação e protestos ruidosos, e vermelhos, contra. Mas o mundo não acabou, o país não parou e a vida continua, com a previsão de recursos na Justiça e uma frenética rearticulação das campanhas, a começar, claro, no PT. 

Lula esgotou uma das suas armas mais poderosas tentando “sensibilizar” o TRF-4: a pressão dos movimentos alinhados. Logo vai perceber que politizar suas dificuldades na Justiça dá munição a sua tropa, mas não muda a realidade. Se há sobrevida, é à custa dos recursos no próprio TRF-4, no STJ e no Supremo, mas eles não reabrem a discussão do mérito, do conteúdo do inquérito, apenas possibilitam questionamentos de forma. Esticam a agonia, mas não mudam os fatos e Lula deve concentrar energias para não parar na cadeia. 

A grande dúvida é se muitos que apoiam Jair Bolsonaro por medo de Lula se sentirão liberados para opções menos radicais e se os que votam no PSDB pela polarização com o PT buscarão novos caminhos. A saída inevitável do líder das pesquisas mexe bastante o tabuleiro eleitoral, mas o resultado era profundamente incerto com Lula e continua profundamente incerto sem ele.


Eliane Cantanhêde quarta, 13 de dezembro de 2017

2017: UM ANO QUE JÁ VAI TARDE

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde

Um ano que já vai tarde

2017 é um ano sem marca, com muita notícia, muita espuma e pouco resultado

 

O ano de 2017 vai acabando sem grandes marcas, ou com marcas mais negativas do que positivas. A três semanas do 31 de dezembro, cadê a reforma da Previdência? No que a Lava Jato andou? Que político com mandato foi julgado pelo Supremo? E o choque de empregos, que ninguém sabe, ninguém viu?

Assim, o ano teve, ou está tendo, muita emoção, muita notícia e muita espuma, mas poucos resultados efetivamente concretos, e o tempo que lhe resta parece pouco para uma surpresa realmente impactante. Tudo sempre pode acontecer, até mesmo nada. Parece o caso.

A reforma empacou por um problema comezinho: falta de votos. O PMDB titubeou, o PSDB está perdido no meio da multidão e ambos serviram de pretexto para os demais partidos da base aliada cruzarem os braços. O novo coordenador político do governo, Carlos Marun, assume na quinta-feira e admite quase candidamente que espera uma “onda positiva”. Ah, bem!

Já a oposição surfa num populismo barato, puxado pelo ex-presidente Lula, que está careca de saber que a reforma é fundamental e que não vai ameaçar as aposentadorias, mas sim garantir que elas sejam mantidas no futuro. Assim como Lula não gastou um tico de sua imensa popularidade para aprovar uma reforma que sabia essencial, agora ele lidera a gritaria da sua “esquerda” contra as mudanças com o único intuito de atrapalhar a vida do presidente Michel Temer, já, e a campanha dos adversários do PT, em 2018. E o interesse nacional? Conta?

 

Na Lava Jato e seus desdobramentos, tivemos um ano de grandes turbulências com duas denúncias consecutivas da PGR contra o presidente da República. Convenhamos, nada trivial. Mas deu em quê? Num desgaste enorme de Temer, na paralisia do governo, no troca-troca infernal para “convencer” os deputados a votarem contra. No fim, as denúncias foram derrotadas e Temer ficou, mas ficou fraco. E a turma da J&F foi para a cadeia.

Curitiba fez o que tinha de fazer e praticamente esgotou sua parte nesse latifúndio (o da Lava Jato), até mesmo com a transferência de quadros da PF e do MP para outros Estados. Mas a diligência de lá não parece se reproduzir no resto do País, com exceção do Rio, onde toda a cúpula política foi parar em Benfica, e do DF, onde as coisas estão acontecendo.

O nó continua sendo no Supremo. Alguém lembra da “lista do Janot”, que virou “do Fachin”? E as investigações sobre os campeões Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, por onde andam? E sobre a presidente do PT, Gleisi Hoffmann? Todos disputarão as eleições, lépidos e fagueiros.

Se o Supremo julgou alguma coisa, foram o “caso Aécio”, para os plenários ratificarem ou não medidas cautelares contra parlamentares, e a revisão do foro privilegiado, que joga a responsabilidade para instâncias inferiores, mas não garante que a Justiça seja feita. Aliás, o próprio ministro Luís Roberto Barroso, arauto do fim do foro, já admitiu isso publicamente. E esse julgamento nem acabou...

No Congresso, idas e vindas, sem chegar a lugar nenhum. De um lado, as dez medidas contra a corrupção viraram um Frankenstein e estão jogadas em alguma gaveta. De outro, a atualização da Lei Contra Abuso de Autoridade fez que ia, mas não foi.

Ok, a economia dá sinais de ânimo, mas, além da Previdência, Temer é obcecado por um choque de empregos. Há um aumento de oferta de vagas, mês a mês, mas muito longe de poder ser chamado de “choque”. A recuperação é lenta, enquanto o País e o presidente têm pressa.

Então, qual a marca de 2017? Nenhuma. Foi, ou está sendo, um ano em que aconteceu tudo, mas não resultou em nada. Vai saindo de fininho, deixando uma enorme interrogação sobre o decisivo 2018.


Eliane Cantanhêde domingo, 10 de dezembro de 2017

SEMANA DE HORRORES - CONVENÇÃO DO PSDB FECHOU UMA SEMANA DE ESCÁRNIO E IRRITAÇÃO POLÍTICA

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde

Semana de horrores

Convenção do PSDB fechou uma semana de escárnio e irritação na política

 

A convenção nacional do PSDB encerrou ontem uma semana de horrores na política, com personagens relevantes produzindo cenas inacreditáveis de escárnio. Lula choca pela cara de pau, a oposição mergulha no mais irresponsável populismo, a base governista dá shows de fisiologismo e os tucanos afundam em descrédito, enquanto o governo vai perdendo a guerra que realmente interessa ao País: a reforma da Previdência.  

O troféu cara de pau vai para Lula, sempre ele, que aproveitou um comício em Maricá, único município do Rio governado pelo PT, para pronunciar duas barbaridades. Segundo ele, “a Lava Jato não pode fazer o que está fazendo com o Rio”. E mais: “Porque dizem que meia dúzia roubou, não podem causar o prejuízo que estão causando à Petrobrás”. É de amargar.

 

Quem quebrou o Rio foi a Lava Jato?! E quem quase quebrou a Petrobrás, liderando aquela “meia dúzia”?! Você responde, porque o juiz Sérgio Moro, ocupadíssimo tentando dar um jeito no que fizeram não só no Rio, mas no País, avisa que não bate boca com condenado.

Por falar no Rio, o ex-governador Sérgio Cabral e sua mulher, Adriana Ancelmo, vão fazer um curso de Teologia na Faculdade Batista do Paraná. Um curso a distância, claro, já que os dois, como “vítimas” da Lava Jato e de seus desdobramentos, estão passando uns tempos no Presídio de Benfica. De Teologia?! Numa faculdade do Paraná de Moro?!

Outra contribuição para a semana veio do campeão de votos para a Câmara (1,3 milhão de votos em 2010). Depois de sete anos de mandato, o deputado Tiririca subiu à tribuna para fazer o seu discurso de “oi, tchau” e se disse “decepcionado” e “com vergonha” da política. Típico caso de “cuspir no prato em que comeu”, o que desmente seu slogan de campanha: “Tiririca, pior do que está não fica”. Ficou.

O governo Michel Temer participou do festival, claro. Quando a Coluna do Estadão publicou, todo mundo achou absurdo, mas, sim, aliados confirmam que a coordenação política do Planalto vai para... o deputado Carlos Marun, que liderou a tropa de choque contra a cassação do notório Eduardo Cunha e o presenteia com guloseimas na cadeia em Curitiba. 

É assim que saem o tucano Antonio Imbassahy e o PSDB e entram (no coração, na alma e no bolso do governo) Marun e o Centrão. O governo Temer vira definitivamente o governo do Centrão, mas nem assim consegue aprovar a reforma da Previdência, deixando sérias dúvidas sobre ônus e bônus e sobre uma candidatura comum para 2018.

Para não parecer que tudo isso é coisa só de Brasil, Donald Trump desengavetou uma decisão dos anos 1990, deu uma canetada transferindo a embaixada americana em Israel para Jerusalém e jogou pólvora no incêndio da Cisjordânia? Que Brasil é esse? Que potência é essa? Que mundo é esse?

É assim que Geraldo Alckmin assume a presidência do PSDB e traça sua estratégia para 2018 com base na velha política, como se nada tivesse mudado. Mudou, governador! Os cidadãos estão enojados, movimentos reformistas se consolidam, a busca do “novo” é real e as redes sociais vieram para ficar – e crescer. Ao fugir ao seu próprio programa e à responsabilidade pela transição, o PSDB não apenas “envelheceu”, como diz Armínio Fraga. Está caindo na vala comum. E, se é para cair na vala comum, que vençam os Lula, os Cabral, os Bolsonaro, os Tiririca. Depois, é só botar a culpa de tudo na Lava Jato. E, em vez de seguir em frente, andar para trás.

PARA INGLÊS VER

Atenção ao Judiciário nesta semana: de um lado, publicam-se as planilhas com os salários e as regalias, como se fosse para mudar; de outro, o CNJ garante as regalias, o auxílio-moradia e otras cositas más, exatamente para manter tudo como está.

 


Eliane Cantanhêde terça, 28 de novembro de 2017

ALCKMIN POR W. O. – SEM DÓRIA, SEM HUCK E COM O PSDB NA MÃO, ALCKMIN VAI SE TORNANDO A OPÇÃO DE CENTRO

 

COLUNISTA
Eliane Cantanhêde
O Estado de São Paulo

Alckmin por W.O.

Sem Doria, sem Huck e com o PSDB na mão, Alckmin vai se tornando a opção de centro

 

O governador Geraldo Alckmin ganhou dois presentes ontem para a sua corrida para a Presidência da República. Primeiro, Luciano Huck fingiu que ia, mas não foi. Depois, os tucanos Tasso Jereissati e Marconi Perillo abriram mão da presidência do PSDB para ele. Sem João Doria, sem Huck e com o partido na mão, o caminho de Alckmin para 2018 fica bem mais fácil.

Agora, falta combinar com outro tipo de adversário: os eleitores. Alckmin tem deixado clara desde o início a intenção de concorrer e tem trunfos nada desprezíveis: o recall de 2006, o governo do principal Estado, o fato de São Paulo ter sobrevivido à crise um tanto melhor do que os outros e uma preferência no PSDB que Doria nunca chegou a de fato ameaçar. Mas, apesar de todas essas vitrines, ele não deslancha nas pesquisas. Equivale a dizer que não convence?

Afoito, audacioso, Doria chegou a ultrapassar os índices de Alckmin ao se apresentar como “o novo” e sair viajando pelo País, mas foi com muita sede ao pote. Acabou perdendo fôlego e ressaltando qualidades do governador e padrinho, como a prudência.

Como mostrou claramente a pesquisa Barômetro Político Estadão-Ipsos, Doria murchou, mas a ansiedade da sociedade pelo “novo” continuou e Huck ocupou o espaço. Não se tratava de pesquisa de intenção de votos, mas de aprovação e desaprovação, e Huck disparou depois de dar claros sinais de ter sido mordido pela mosca azul. Suas conversas políticas, sua opção pelo PPS, sua adesão a movimentos como o Agora! e o RenovaBR, tudo isso animou não apenas agentes políticos, mas a opinião pública.

 Nessa fase, valiam o “se colar, colou” e o “falem mal, mas falem de mim”. Muitos falaram mal e Huck não resistiu à pressão – ou à tensão. Quando escrevi que sua eventual candidatura estava deixando de ser brincadeira e virando coisa séria, não negou, mas ressalvou que “não estava na hora de assoprar a brasa”. E quando o PPS parecia criar um fato consumado, avisou: “De fato, tenho me mexido para entender o tamanho da encrenca, mas daí a mudar os rumos da minha vida vai uma boa distância”.

Ao saber da pesquisa Estadão-Ipsos, Huck deixou uma fresta: “Tenho responsabilidade, não vou ficar impassível diante do retrocesso, dos dois extremos (Lula e Bolsonaro)”. Mas, no mesmo dia, começou a redigir o artigo que acabou divulgando ontem e que termina com uma outra disposição de luta: “Contem comigo, mas não como candidato a presidente”.

Pesaram na decisão o fator família, o fator salário e o fator zona de conforto. Celebridades são retratadas pela mídia alegres e felizes. Políticos têm suas vidas devassadas. Convenhamos, não é, ou não seria, uma troca atrativa.

É assim que o roteiro da eleição de 1989 vai se reproduzindo na de 2018. Uma foi a primeira eleição direta após um longo e tenebroso inverno. Deu em Collor. A outra está refletindo a descrença com a política tradicional e a busca por novas formas e novos nomes. Mas o risco é dar justamente numa das principais estrelas da Lava Jato ou num novo aventureiro.

Listam-se Marina e Ciro, ora Joaquim Barbosa, ora Doria, ora Huck, mas, assim como em 1989, as pesquisas vão cristalizando Lula, uma candidatura incerta e não sabida, e Bolsonaro, que enfrenta fortes e mais do que compreensíveis resistências. Alckmin pode não ser um salvador da Pátria, mas vai se consolidando menos pelas qualidades, mais pelos defeitos e ameaças dos rivais.

Outra visão. Sem querer responder à ministra Cármen Lúcia, mas já respondendo, o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto tomou partido contra a decisão das medidas cautelares para parlamentares: “A separação entre os Poderes precede a harmonia, que é justamente resultado da separação”.


Eliane Cantanhêde sexta, 24 de novembro de 2017

ESTOURO DA BOIADA - REVISÃO DO FORO VAI LIVRAR O SUPREMO DO PESO
COLUNISTA
Eliane Cantanhêde

Estouro da boiada

Revisão do foro vai livrar o Supremo do peso e jogar 90% na primeira instância

 

Vem aí um grande estouro da boiada com o fim anunciado do foro privilegiado para deputados e senadores em caso de crimes comuns e anteriores ao mandato. O Supremo se livra de cerca de 800 privilegiados, a vida dos juízes de primeira instância vai mudar um bocado e muitos parlamentares vão começar a refletir se vale mesmo a pena disputar a reeleição.

Os advogados terão muito trabalho e seus honorários polpudos estão garantidos. O primeiro cálculo é em que casos vale ou não a pena tirar seus clientes poderosos do Supremo para enfrentar a primeira instância nos Estados. Para alguns investigados, pode ser o paraíso. Para outros, o inferno. Depende das relações que tenham na Justiça local e, obviamente, o caráter e compromisso de cada juiz.

Em tese, um juiz amigão pode ajudar bastante, mas um que seja amigão do adversário pode ser tentado a usar sua prerrogativa de autorizar quebra de sigilos telefônicos, fiscais e bancários. E há muitas dúvidas de ordem prática.

Antes de pedir vista, o ministro Dias Toffoli já antecipou algumas dessas dúvidas em perguntas ao relator Luís Roberto Barroso que vão virar uma enxurrada de embargos, petições e questionamentos ao STF. Por exemplo: o que acontece com o deputado acusado de receber propina como prefeito, mas que continuou recebendo na Câmara? 

Hoje, há um sobe e desce de instância dependendo de qual mandato o político tem em cada momento. Mas, apesar do adiamento do resultado final e das dúvidas, o fato é que o Supremo deu um passo não apenas para acabar com um de tantos privilégios e tornar a Justiça mais igual, como também um passo de reencontro com a opinião pública.

Note-se que o STF é dividido ao meio, mas a decisão é inegavelmente majoritária. Ao decidir antecipar o seu voto, o decano Celso de Mello teve a evidente intenção de sedimentar uma decisão praticamente consensual e dar uma resposta, e um alívio, para a sociedade. Foi um sinal, um símbolo.

A decisão é comemorada de Norte a Sul por movimentos de combate à corrupção e por cidadãos e cidadãs exaustos com a extensão e os valores desviados do público para o privado. Entretanto, a questão não é tão simples assim. Os princípios de igualdade são inquestionáveis, mas todos sabemos o quanto, entre o discurso e a prática, vai uma distância enorme. Passada a festa, vai ficar claro que acabar ou revisar o foro não é uma panaceia para todos os males da Justiça nacional.

O que move a ira da sociedade contra o foro privilegiado é principalmente a lentidão do Supremo, mas a Corte julgou, condenou e mandou prender rapidamente no mensalão, enquanto o ex-governador Eduardo Azeredo está sendo julgado até hoje em Minas, seu Estado, por eventos de 20 anos atrás.

Já era previsto um placar com margem folgada (considerando o ministro Ricardo Lewandowski, que está de licença) e o pedido de vista. Se houve uma surpresa foi a força da argumentação dos vitoriosos e o isolamento de Toffoli e de Gilmar Mendes.

Eles foram acompanhados em parte por Alexandre de Moraes, criando uma situação curiosa: Gilmar tem relações diretas com o presidente Michel Temer, Toffoli teve um encontro em particular com Temer às vésperas da votação e Moraes foi ministro da Justiça do atual governo, que o indicou para o STF.

O presidente trabalha para manter o foro privilegiado tal como está? E com que objetivo? A resposta pode estar no Congresso, que vota simultaneamente uma emenda à Constituição que revisa o foro não só para parlamentares, mas para quase todas as autoridades, até mesmo juízes. E pode fazer o contrário com ex-presidentes: hoje, eles não têm foro privilegiado, mas passariam a ter. Já imaginaram Lula sem Sérgio Moro nos calcanhares?


Eliane Cantanhêde quarta, 22 de novembro de 2017

ALERTA GERAL! JOGAR POLÍTICOS NA PRIMEIRA INSTÂNCIA, COM SUPERINTENDENTES CAMARADAS DA PF, É RISCO!
 
 

21 Novembro 2017 | 03h00

 

Alerta geral!

Jogar os políticos na primeira instância, com superintendentes camaradas da PF, é risco

 

O discurso de posse do delegado Fernando Segovia na Direção-Geral da Polícia Federal foi bem recebido, mas ele desperta dúvidas sobre o destino da Lava Jato e joga o foco em duas questões entrelaçadas: o fim do foro privilegiado para políticos e a substituição dos superintendentes da PF nos Estados. Pelo sim, pelo não, convém ficar de olho.

O risco é o deputado ou senador investigado sair da alçada do Supremo Tribunal Federal (STF) e o governador escapar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para cair no colo de um juiz amigo e de um superintendente da PF camarada.

A PF tem sete diretores. Um deles, o corregedor, tem mandato e independe da troca do diretor-geral, mas Segovia trocou todos os outros seis. Dois dos novos têm a simpatia do seu antecessor, Leandro Daiello, e os demais foram escolhas diretas do próprio Segovia, até mesmo na área de inteligência. 

A dúvida maior é quanto aos superintendentes estaduais, lembrando que Segovia, apadrinhado por políticos, não pela cúpula da corporação, já foi superintendente no Maranhão dos Sarney. Se ele desanda a nomear superintendentes indicados por políticos, especialmente por investigados, a sinalização será clara: ele foi posto lá para “estancar a sangria”, como prega o líder do governo no Senado, Romero Jucá, referindo-se à Lava Jato. 

É justo dar um voto de confiança a Segovia, que é jovem, tem boa ficha funcional, prometeu reforçar o time da PF no STF e fez um giro pelos gabinetes da presidente do Supremo, Cármen Lucia, e da procuradora-geral, Raquel Dodge, para mostrar a que veio. Só ficou estranho o encontro dele com o presidente Michel Temer. O chefe do diretor-geral da PF é o ministro da Justiça.

Mas é bom acompanhar a escolha dos superintendentes, em especial do próprio Maranhão, onde os Sarney têm lá suas encrencas, e no Rio Grande do Sul, onde se destaca o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, citado na Lava Jato e um dos padrinhos de Segovia. Os novos superintendentes têm de ser como a mulher de César: além de serem, eles têm de parecer honestos e profissionais.

Quanto ao foro privilegiado para 513 deputados federais e 81 senadores, há consenso de que é mesmo um privilégio, como o próprio nome já diz. Daí uma forte pressão da opinião pública e da própria cúpula da Lava Jato para rever isso. O curioso é que tanto investigadores quanto investigados defendem o fim do foro. E por que quem desfruta do privilégio quer acabar com ele? Pelo combate à corrupção, ou por que preferem ser investigados e julgados nos seus Estados?

É por isso que, em vez do “fim” do foro privilegiado, é melhor a sua “revisão”, com regras, limites e quem deve ou não ser alvo do STF e STJ. Tarefa para especialistas do direito e da política.

É fato, e é óbvio, que a primeira instância é muito mais célere do que o STF, soterrado por uma avalanche de processos e sem os meios para os casos de colarinho-branco, altamente complexos. Mas nem todo o juiz de primeira instância é um Sérgio Moro, de Curitiba, um Marcelo Bretas, do Rio, ou um Vallisney de Souza, do DF.

Vamos pensar sobre as relações entre o governador, o prefeito, o juiz, o superintendente da PF e o padre em capitais menores e em cidades do interior. Será que não se conhecem? Não frequentam as mesmas festas e restaurantes? Os filhos não são amigos? Aliás, não são padrinhos dos filhos uns dos outros?

No Senado, muitos já foram governadores e prefeitos e são pais de quem hoje ocupa essas posições. É melhor para um senador ser julgado no STF ou por juízes das suas relações? Então, a Lava Jato está num momento decisivo, com a nova procuradora-geral, o novo chefe da PF e o Supremo julgando a questão do foro nesta semana. Alerta geral!

 


Eliane Cantanhêde sexta, 17 de novembro de 2017

O RIO DE JANEIRO CHORA

 

O Rio de Janeiro chora

Governadores, secretários, deputados, membros do TCE, empresários... Quem escapa?

 

17 Novembro 2017 | 03h00

 

Aos que até hoje condenam a transferência da capital da República, ironizam a “ilha da fantasia” e imaginam que Brasília é a origem de todos os males e o centro da corrupção brasileira: já imaginaram se a capital continuasse no Rio de Janeiro?

A Lava Jato explodiu esquemas em vários Estados do País, inclusive no DF, mas nada tão avassalador quanto no Rio, pela abrangência, pelos valores e pela diversidade de órgãos, partidos, personagens. Onde o MP, a PF e a Justiça mexem, há escândalos. Nada escapa.

O símbolo disso é o ex-governador Sérgio Cabral, que se arvorava até candidato à Presidência da República, enquanto dilapidava o patrimônio público e vivia como magnata com sua mulher, Adriana Ancelmo. Só faltou um apartamento com R$ 51 milhões em dinheiro vivo. 

Não escapam nem os secretários de Cabral, nem mesmo Sérgio Côrtes, da Saúde. Da Saúde!!! Mas o Rio não tem só um, mas pelo menos três ex-governadores enrolados. Além do megalomaníaco Cabral, estão na mira Anthony e Rosinha Garotinho que, diante do sucessor, parecem ladrões de galinha, mas também são de colarinho-branco e têm fama de espertos. 

Os desmandos no Rio, que continua lindo, não se resumem ao Executivo. O presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, foi preso com dois outros deputados estaduais e é a ponta de um iceberg. Dá para imaginar as falcatruas na Alerj? E na família Picciani? São três filhos: Leonardo, ministro de Dilma e de Temer, Rafael, deputado estadual, e Felipe, empresário, que também foi preso. Agora, é saber se os pares dos Picciani na Alerj vão impedir a prisão do chefão. Chegariam a tanto?

É também do Rio o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, um outro peixe graúdo a cair na rede da Lava Jato na Baía da Guanabara e agora passando um tempo em Curitiba. Mas grandes, médios e pequenos empresários brilham nesse cardume. 

Como o espaço é curto, fiquemos nos grandes, como Eike Batista, do grupo X, e Jacob Barata Filho, o “rei do ônibus”. E o vice-almirante da reserva Othon Silva, que presidiu a Eletronuclear, controlada pela Eletrobrás? Difícil entender como alguém que entraria para a História como pai do programa nuclear brasileiro joga tudo no lixo por corrupção, pelo vil metal. 

O que dizer do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que, de acordo com o TCU, gerou um prejuízo de US$ 12,5 bilhões à Petrobrás? A própria Petrobrás, aliás, tem sede no Rio, uma coleção de ex-diretores e gerentes condenados e três ex-presidentes respondendo por corrupção e/ou má gestão, como Aldemir Bendine, que Dilma tirou do Banco do Brasil e jogou na petroleira, apesar da Lava Jato e da má fama do nomeado. 

E já que se falou de TCU, que tal o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ)? Dos sete conselheiros, cinco, inclusive o presidente, Aloysio Neves, são acusados de corrupção pela Operação O Quinto do Ouro, por aceitarem propinas à época do governo Sérgio Cabral. A eles se junta mais um ex-conselheiro. Por enquanto... 

Haveria ainda muito a dizer sobre o passado macabro do lindo Estado do Rio, mas é preciso também refletir sobre o presente e o futuro. No presente, o governador Pezão negocia dívidas com o mesmo empenho com que precisa se descolar do padrinho Cabral. E o futuro é incerto e não sabido, com Eduardo Paes, César Maia e Rodrigo Maia, todos três batendo na trave da Lava Jato e seus desdobramentos.

Enquanto isso, quem sofre é a população carioca, sem salários, sem 13.º, sem saúde e educação e ameaçada por ladrões e assassinos sanguinários. Nem uma inofensiva moradora de rua escapou da barbárie. Só falta o Cristo Redentor chorar.

 


Eliane Cantanhêde terça, 14 de novembro de 2017

EM VEZ DO CENTRO, O CENTRÃO
 

Em vez do centro, o Centrão

Racha no PSDB, saída do governo e confronto com o PMDB implodem o centro em 2018

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

14 Novembro 2017 | 03h00

A saída de Bruno Araújo do Ministério das Cidades é mais uma confirmação do que a de José Serra do Itamaraty já indicara: o sonho de boa parte dos tucanos de reviver as glórias da transição com Itamar Franco desfez-se melancolicamente, reavivando o ensinamento de Karl Marx de que a história só se repete ora como tragédia ora como farsa.

Itamar também teve um início atribulado, com sucessivas trocas de ministros da Fazenda, mas chegou ao fim do mandato com gosto de vitória, lugar garantido na história e um candidato imbatível à sua sucessão. Para esse resultado, ele (baiano de nascimento) contou com sua astúcia mineira e com a participação efetiva dos políticos e economistas tucanos, liderados por Fernando Henrique.

Michel Temer também ascendeu à Presidência por um impeachment e com dois trunfos semelhantes ao de Itamar: alta (apesar de disfarçada) capacidade política, aliada a uma baixa pretensão futura. Foi assim, comparando condições e personagens, que José Serra liderou a ala tucana favorável à tese do “quem pariu Matheus que o embale”: se o PSDB foi decisivo ao tirar Dilma Rousseff para estancar a quebradeira do País, tinha responsabilidade com a gestão Temer. Não poderia simplesmente aboletar-se no conforto da arquibancada. 

À constatação somou-se o cálculo político: Temer tinha os predicados para dar certo, uma base sólida no Congresso, os quadros técnicos tucanos e, no final das contas, boas chances de interferir ativamente na sucessão de 2018. A favor de quem, se o PMDB tem tamanho, mas não tem nomes? Do PSDB. 

O sonho, portanto, era que Temer se transformasse num cabo eleitoral e tanto e apoiasse o próprio Serra, por exemplo, repetindo a relação de Itamar com Fernando Henrique. Mas sonhos são sonhos. A realidade é muito diferente e pode virar pesadelo.

Temer não era Itamar, Serra não era FHC, não havia Plano Real a ser inventado, a Lava Jato se voltou pesadamente contra o PMDB e as duas denúncias de Rodrigo Janot contra o presidente fizeram o resto. Em vez de batalhar para ser um protagonista de 2018, Temer teve de lutar para salvar o pescoço e foi perdendo apoios no PSDB e ganhando mais e mais pressões do Centrão.

Serra saiu de fininho do Itamaraty, acossado por dores de coluna e revelações da Lava Jato, e a situação no PSDB inverteu-se: Serra passou a lavar as mãos para os destinos do governo e Aécio Neves – que operado contra a participação dos tucanos no governo – assumiu o comando da ala favorável a continuar no primeiro escalão. Geraldo Alckmin? Esteve em cima do muro quando o partido entrou e continua em cima do mundo quando está pulando fora.

A demissão de Bruno Araújo abre a porta de saída do PSDB do governo e deixa Temer à mercê do Centrão – PP, PTB, PR, PSD – dando novos contornos para 2018. Uma coisa é um governo Temer com o PSDB, outra muito diferente é sem ele. Assim como uma coisa é uma campanha com PSDB e PMDB do mesmo lado, outra muito diferente é os dois concorrendo entre eles.

Temer conta com a recuperação da economia e dos empregos para entrar em campo, firme e forte, a favor de seu candidato. Nesse caso, ainda incerto e não sabido, Temer e o PMDB serão “players” muito importantes, mas sem um nome considerado realmente competitivo. E o PSDB viverá uma angústia oposta: terá um candidato forte, mas com que unidade, com quais forças políticas, com alguma convicção de vitória?

Assim como Temer não repete Itamar, dificilmente surgirá um novo Fernando Henrique nessa barafunda entre tucanos e tucanos, tucanos e peemedebistas e tucanos e governo. Enquanto o PSDB racha ao meio e o centro se pulveriza, Lula consolida sua liderança pela esquerda e Bolsonaro cristaliza sua imagem de anti-Lula pela direita.


Eliane Cantanhêde segunda, 13 de novembro de 2017

BRUXAS? FOGUEIRA?
 

Bruxas? Fogueiras?

A crise política, econômica e ética induz a um contra-ataque do conservadorismo? 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

12 Novembro 2017 | 05h05

Há ou não uma onda conservadora no Brasil, arrastando a política, a economia, o comportamento e a visão de mundo das pessoas? Essa questão é impulsionada pela ascensão do deputado Jair Bolsonaro ao segundo lugar nas pesquisas presidenciais, pelos assassinatos de mulheres (pelo menos quatro horrendos na semana passada!) e por militantes que botam fogo num boneco representando a pensadora Judith Butler, defensora da identidade de gênero. Fogueiras?! Bruxas?!

É daí a importância de uma pesquisa do movimento Agora!, com o instituto Ideia Big Data, feita face a face com 3 mil brasileiros e brasileiras de 38 cidades de todas as regiões, entre 31 de outubro e 6 de novembro. A grande maioria desdenhou de um salvador da Pátria na política, mas quase metade concorda que “bandido bom é bandido morto”.

Diante da pergunta sobre o “salvador da Pátria”, 72,8% concordaram que não há isso em política, enquanto, na pregação do “bandido morto”, impressionantes 44,8% disseram sim, 22,2% ficaram em cima do muro e 31,4% discordaram. E quanto à pena de morte? Dividiram-se exatamente ao meio: 47,9% defendem para crimes hediondos, 47,3% são contra mesmo assim. 

Significa que cidadãos e cidadãs estão mais bem informados sobre a política, suas práticas e seus personagens, mas reagindo enviesadamente à violência de Norte a Sul, com bandidos armados até os dentes. No Rio, já são 117 policiais mortos neste ano (até anteontem). Se até a polícia está à mercê, imaginem-se trabalhadores, idosos e crianças, até em escolas? 

O resultado também reflete essa exaustão com a violência quando a pergunta é sobre direitos humanos. Devem valer para todos, até mesmo para bandidos? 62,4% concordam que sim, mas a resposta contrária teve um alto índice, em se tratando de uma área tão fundamental: 33,8% acham que não. Como se estivesse aí a solução do problema. Não está, muito pelo contrário.

Pessoas do mesmo sexo devem ter o direito de se casar? Para 65,5%, sim. Para 29,7%, não. Mas nem todos os favoráveis aprovam que esses casais adotem crianças: 62,6% sim, 34,6% não. Já no caso da legalização do uso da maconha, há equilíbrio: 55,4% são contra, mas 41,2% já se manifestam a favor.

Por coincidência, mas justamente quando uma comissão especial da Câmara tenta voltar à estaca zero e impedir o direito ao aborto até nos três casos em que já é legal (estupro, anencefalia e risco de morte para a grávida), a Ideia Big Data perguntou se mulheres que fazem aborto devem ser punidas criminalmente. Para 60%, não. Mas, para 31%, sim. Parece pouco, mas não é. Até porque os grupos contrários à descriminalização são mais organizados e têm maior poder de pressão sobre o Congresso, como as igrejas.

Numa eleição, políticos engolem suas convicções e crenças para papagaiar o que as pesquisas dizem, sobretudo as pesquisas qualitativas. O candidato defende a descriminalização do aborto? Depende. Em casa e in pectore, pode ser. Na campanha, pode ser ou não, dependendo do que os eleitores querem ouvir.

Uma pena e um desserviço, porque campanhas são para debates, divergências, confronto de ideias, e devem servir para educar cidadãos e cidadãs para a igualdade, a liberdade, a justiça e o bem comum, acima dos privilégios individuais. Políticos são líderes e líderes têm de ter coragem e responsabilidade com avanços, não com recuos populistas.

A americana Judith Butler, recebida com gritos e agressões em São Paulo (que vergonha!), avisa que pode demorar mais ou menos, mas a vitória sobre a intolerância é certa: “As pessoas querem viver com liberdade, com alegria, não com vergonha e com censura. Temos a alegria e a liberdade do nosso lado. Por isso, vamos vencer”. Amém.


Eliane Cantanhêde sexta, 10 de novembro de 2017

UM SHOW DE AUTOFAGIA. PSDB: ERA UMA VEZ UM PARTIDO
 

Um show de autofagia

Aécio Neves e Tasso Jereissati personificam racha tucano. Era uma vez um partido... 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

10 Novembro 2017 | 03h00

O senador Aécio Neves virou o queridinho do eleitorado anti-PT e anti-Lula e chegou bem perto de virar presidente da República em 2014, mas virou uma alma penada assombrando o PSDB, partido cujas tendências suicidas vêm piorando desde que Fernando Henrique desceu a rampa do Planalto. Piorando, aliás, com ajuda do próprio Aécio.

Com que autoridade Aécio pode pôr o dedo na cara do também senador Tasso Jereissati e destituí-lo da presidência interina do PSDB? O passado o condena, depois de ter-se aliado oportunisticamente a Lula contra José Serra, em 2002 e 2010, e contra Geraldo Alckmin, em 2006. E o presente não deixa pedra sobre pedra na sua construção política.

Aécio salvou o mandato num julgamento apertado no Supremo e depois numa canetada vergonhosa do Conselho de Ética do Senado, comandado há 12 anos pelo senador sarneysista João Alberto justamente para evitar que funcione como conselho de ética e aja com a mínima ética. Isso, porém, é só um capítulo da história, porque o drama continua e Aécio ainda é o terceiro senador com maior número de inquéritos no STF. 

Além da questão jurídica, há a política. O Brasil inteiro considerava Aécio imbatível em Minas, que governou duas vezes, mas ele perdeu o primeiro e o segundo turno para Dilma Rousseff no Estado e seus candidatos perderam a eleição para o governo e depois para a prefeitura de Belo Horizonte. Sua liderança política parece esfarelar. Ou não era tanta quanto s eimaginava. 

Ninguém é culpado até prova em contrário. Logo, não seria justo condenar Aécio, que nem sequer foi julgado ainda. Mas sua situação é delicada, seu futuro é incerto e ele deveria ter sobriedade, discrição e prudência, em vez de se arrogar uma liderança que efetivamente não tem mais. Em vez de pretender ser presidente do PSDB, deveria se preservar para uma longa jornada na Justiça e na polícia.

Isso significa que Jereissati tem toda razão e efetivo poder sobre o PSDB? Há controvérsias. Enquanto político, ele sempre age como bom e velho “coronel” do Ceará, cheio de certezas e de mandonismo. Na presidência interina do PSDB não foi diferente.

Ao oficializar sua candidatura à presidência efetiva do partido, na convenção de dezembro, Jereissati defendeu uma bandeira cara a uma sociedade tão perplexa: “a distância, definitivamente, desse show de fisiologia”. Como defendeu também uma necessidade urgente dos tucanos: “reconectar-se com as ruas”.

Ninguém lhe tira a razão objetiva, mas é preciso especificar o que ele chama de “show de fisiologia”. Uma inovação do governo Michel Temer? Uma prática exclusiva do PMDB? Como agiria um presidente tucano acossado por duas denúncias cercadas de dúvidas, excessos, suspeição? Desprezaria o “show de fisiologia” e os instrumentos do presidencialismo para escapar? Aliás, o PMDB não foi um aliado decisivo para os anos tucanos? Ah! E Renan Calheiros nunca foi ministro da Justiça de FHC?

É assim que o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman se alia a Aécio para tirar Jereissati da frente, assumir a presidência do PSDB e abrir passagem para o governador Marconi Perillo na presidência do partido no ano eleitoral. Goldman, é bom lembrar, já foi xingado pelo prefeito e presidenciável João Doria como “um fracassado” que vive “de pijamas”. Esse é o clima tucano.

Se o governo Temer é um “show de fisiologia”, o PSDB dá um show de hipocrisia e de autofagia. Se fosse só problema do partido, tudo bem, mas o Brasil precisa de um centro unido, com credibilidade e quadros técnicos capazes de superar a crise e levar a economia e o País adiante. Sem o PSDB, não há centro. Sem o centro, não há luz no fim do túnel.

 


Eliane Cantanhêde sábado, 04 de novembro de 2017

ME ENGANA QUE EU GOSTO
 

Me engana que eu gosto

Luislinda Valois, Lula e Bolsonaro, exemplos de mistificação para tirar vantagem 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

03 Novembro 2017 | 03h00

Políticos vivem de mistificações e muitos deles, ao mesmo tempo em que se colocam como vítimas por serem negros, mulheres, (ex) pobres ou de recantos longínquos do País, usam essas mesmas condições para se fazerem populares e abocanharem privilégios. Ninguém desconhece que o Brasil tem ranços racistas e machistas e que a principal origem de nossas piores mazelas está na desigualdade social, mas usar essa triste realidade para detratar os adversários, de um lado, e obter simpatias e boquinhas, do outro, é ilegítimo e cínico.

A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois (PSDB), é desembargadora aposentada, mulher das leis, mas, quando a lei afeta seus interesses, aí são outros quinhentos. Como mostrou a Coluna do Estadão, ela tentou furar o teto salarial do funcionalismo, de R$ 33,7 mil, e acumular R$ 61,4 mil com aposentadoria e salário de ministra, alegando que a adequação à lei, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo”. Logo, quis tirar vantagem com a conexão entre sua condição de negra e a escravidão, quando o teto vale (ou deveria valer) para brancos, negros, mulatos, asiáticos... 

Curiosamente, não há registro de nenhuma manifestação de Valois contra a portaria do trabalho escravo que mobilizou o País. Se alguém no governo botou a boca no trombone, foi a secretária nacional de Cidadania, Flávia Piovesan – aliás, exonerada na quarta-feira pela Casa Civil. Alegação: ela já estava a caminho mesmo de Washington, para representar o Brasil na Comissão de Direitos Humanos da OEA. Ah, bom! 

O caso Luislinda Valois remete a um outro personagem que, há décadas, usa a seu favor a imagem de pobre, migrante nordestino, operário e... “de esquerda”. Sim, Luiz Inácio Lula da Silva, o inimputável, o que pode tudo, ganhar presentes de empreiteiras, fatiar a propina da Petrobrás, ratear estatais e fundos de pensão entre os “cumpanheiro”, jogar as culpas na mulher já falecida, lavar as mãos diante dos erros da pupila feita presidente da República.

Se Valois quis driblar a lei por ser negra e argumentar contra a escravidão (dela, não dos outros), Lula sempre se pôs acima de críticas, de regras e agora da lei porque tem a biografia que tem. E como cuida bem dessa biografia! Em nome dela e da mítica do nordestino pobre e “perseguido pelas elites”, ele preferiu aceitar sítio, triplex na praia e apartamento em frente ao seu de presente, em vez de simplesmente comprá-los. Seu dinheiro legal dava e sobrava para isso. Mas perder a aura de pobrezinho? Jamais. Esse é o seu “trunfo”.

A mitificação vale também para o presidenciável Jair Bolsonaro, que se faz passar por “militar” até hoje, angariando apoios e simpatias nas bases das Forças Armadas e de saudosistas da ditadura, apesar de estar na reserva do Exército desde 1988, como capitão, estar na política desde 1990, há quase 30 anos, e desfrutar do seu sétimo mandato como deputado federal.

Para se consolidar no segundo lugar das pesquisas e escamotear sua falta de condições para disputar a Presidência, o que ficou chocantemente evidente em suas últimas entrevistas, Bolsonaro se esconde por trás da fantasia de “militar”, da mesma forma como Lula usa a de “pobre e do povo”, e Valois, a de “negra vítima da escravidão”.

São todas mistificações para dourar a realidade ou “enganar um bobo, na casca do ovo”. Não um, mas milhões de bobos que não conseguem ver que Lula, o campeão das pesquisas, é réu seis vezes, já condenado uma vez, e deixou de ser pobre há décadas. E que Bolsonaro, o segundo colocado, foi um militar expelido prematuramente da tropa e é um político medíocre, que só sai do anonimato raramente e à custa de bandeiras do atraso. Só não vê quem não quer.


Eliane Cantanhêde terça, 31 de outubro de 2017

ESTRESSE OU RESSACA? - FERIADO É PAUSA PARA PENSAR
 

Estresse ou ressaca?

Num ano difícil para governo, Congresso e Supremo, feriado é pausa para pensar 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

31 Outubro 2017 | 03h00

Finalmente chove em Brasília, após uma seca insuportável e em meio a um racionamento de água cruel e constrangedor, mas os três Poderes não vão comemorar, com o Feriado de Finados bem na quinta-feira. O presidente Michel Temer se recupera em São Paulo, parlamentares e ministros do STF viajam e há um enorme estresse – ou “ressaca”, como prefere o presidente da Câmara, Rodrigo Maia – no Executivo, no Legislativo e no Judiciário.

O Executivo atravessou o ano às voltas com as denúncias da PGR contra Temer e atuais ministros, prisão de ex-ministros, arrocho fiscal, recuos embaraçosos e impopularidade recorde do presidente, apesar de o governo, objetivamente, vir ganhando todas as votações fundamentais.

No Legislativo, é muito desgastante derrubar não só uma, mas duas denúncias contra o presidente da República no mesmo ano. E um ano pré-eleitoral, com boa parte do Congresso em compasso de espera, enquanto a rebordosa da Lava Jato não chega contra quem tem mandato e foro privilegiado. Deputados e senadores dividem-se em oposição e governo e quanto ao mandato de Temer, mas se unem no pavor ao bicho-papão da Lava Jato. 

E o Judiciário chega a novembro cambaleando, com uma profunda divisão interna liderada por Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, julgamentos de imensa complexidade e responsabilidade, tudo isso transmitido ao vivo e em cores, com a “plateia” pressionando por mais rapidez e dureza nas decisões contra políticos e poderosos. 

É assim que a semana começou ontem com as revisões do Orçamento de 2018, mas deve durar só até amanhã, véspera do feriado. Ninguém é de ferro. O próprio Rodrigo Maia, espremido entre as pressões do Planalto e dos seus pares, viajou para Israel, Portugal e Espanha até a semana que vem. Sem ele por perto, difícil imaginar alguma decisão bombástica no Congresso ou um movimento incisivo do governo, que já foi longe demais ao mexer no Orçamento por MP e contrariá-lo. 

Mas nem em semanas assim as negociações nos três Poderes param, apenas ocorrem nos bastidores, e o foco neste momento está justamente no futuro da Lava Jato. Enquanto a Fundação Getulio Vargas e a Transparência Internacional articulam centenas de entidades por medidas que aprofundem o combate à corrupção, o Congresso vai na contramão, retoma a Lei do Abuso de Autoridade e costura projetos para, por exemplo, restringir conduções coercitivas e delações premiadas com investigados presos – consideradas, “delações sob tortura psicológica”.

O STF está dividido ao meio, com a presidente Cármen Lúcia tentando contemplar correntes divergentes e o decano Celso de Mello oscilando entre um lado e outro. É em meio a essa divisão que os 11 ministros podem derrubar a prisão de condenados em segunda instância, sem esperar o “transitado em julgado”.

Logo, o feriado serve como pausa para pensar, descansar, recuperar energias e traçar estratégias para agir, cada qual na sua direção. Isso não é ruim, é positivo. Ressalvadas as agressões grosseiras e desnecessárias entre Gilmar e Barroso, é assim, com polêmica, avanços e recuos, divergência e construção de convergências, que a democracia brasileira vai amadurecendo e a cidadania encorpando. Além de burra, a unanimidade é coisa de ditadura.

É bom também que esse debate sobre um futuro da Lava Jato que seja eficaz, mas dentro das leis e das regras, seja aqui e agora e desenhe o cenário para 2018. Há uma repetição enfadonha de pesquisas com Lula e Bolsonaro na frente e uma profusão de nomes novos ou reincidentes, mas eles são só nomes, nada mais que nomes. É o processo que define os candidatos, não os nomes que determinam o processo.

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Eliane Cantanhêde segunda, 30 de outubro de 2017

O FILHO DE CESAR MAIA
 

O filho de Cesar Maia

Temer desce, Rodrigo Maia sobe. Cresceu, encorpou e está cheio de minhocas na cabeça. 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

29 Outubro 2017 | 03h00

Michel Temer foi o grande vencedor na votação das duas denúncias de Rodrigo Janot, certo? Nem tanto, porque Temer vem encolhendo a cada pesquisa, a cada delação e a cada ginástica para salvar o pescoço na Câmara. E, quanto mais ele encolhe, mais Rodrigo Maia infla.

Derrotada a segunda denúncia na Câmara, quem ocupou os espaços na mídia não foi Temer, foi Maia. Isso diz muito. Diz, por exemplo, que Temer venceu, mas está em contagem regressiva para virar passado, enquanto Maia afirma-se no presente e se lança para o futuro. 

Há uma fatalidade histórica nessa balança entre Temer e Maia: presidentes fracos, Congresso forte. Foi assim com Sarney e Ulysses o tempo todo, com Fernando Henrique e Antônio Carlos Magalhães em alguns momentos e com Dilma e Eduardo Cunha, principalmente no fim da era PT.

Como o próprio Maia repete, por mais fraco que seja, um presidente sempre é forte, porque tem os “instrumentos” – a caneta, por exemplo. Mas, se a principal meta de Temer é a reforma da Previdência, ele só tem alguma chance se Maia usar seus próprios “instrumentos”.

É Maia quem define a pauta, “esquece” ou não pedidos de impeachment, articula com os líderes, conhece cada deputado, sabe ler (e, quando necessário, manipular) o regimento. Temer tem o pão e quer fazer um sanduíche, mas é Maia quem está com a faca e o queijo na mão.

Até o impeachment de Dilma, só quem acompanha a política de perto sabia quem era Rodrigo Maia, “o filho do Cesar Maia”, que tem eleições apertadas no Rio e teve míseros 3% para a prefeitura em 2012. Mas o menino cresceu, encorpou, está cheio de minhocas na cabeça. Depois de abanar a mosca azul na primeira denúncia, não voltou a ser cotado para o lugar de Temer numa “emergência”, mas, dia sim, dia não, tem de negar que seja candidato ao governo do Rio ou à Presidência em 2018. 

Terra arrasada, o Estado de Cabral e Pezão é propício a novos nomes, e a presidência da Câmara é alavanca poderosa e chance única de exposição. A primeira entrevista após a votação da denúncia de Temer foi de Maia, que não saiu mais de TVs, rádios, jornais e blogs. Ele, porém, está convencido que a calamidade no Rio exige a experiência dos ex-prefeitos Cesar Maia e Eduardo Paes.

Quanto à Presidência: se até o Luciano Huck é lembrado, por que não quem já é o segundo na linha sucessória? O campeão das pesquisas é réu em sete processos, já condenado em um, seguido de um deputado cuja principal credencial é ter sido militar há décadas. E, quando há tantos nomes, é porque nenhum é levado a sério. Sempre cabe mais um.

Rodrigo Maia, porém, demonstra alguma maturidade ao repetir sempre que conhece sua real dimensão e que, ao contrário de um Ulysses, não tem estatura, por ora, para tal audácia. Sua obsessão é encorpar o DEM, tenha que nome vier a ter, e ele se enfurece quando o PMDB de Temer e Romero Jucá intercepta potenciais adesões ao seu partido. Mexeu com o DEM, mexeu com Maia. Mas o DEM errou ao não aproveitar o excesso de exposição e o vento a favor para soltar o balão Maia para 2018. Não para ganhar, mas para fortalecer a sigla e os trunfos de negociação.

Independente do que o futuro lhe reserva, Rodrigo Maia, aos 47 anos, assumiu protagonismo na crise e Temer não tem alternativa: com ele, a reforma da Previdência já é muito difícil; sem ele, fica praticamente impossível. Como, aliás, fica muito difícil até governar.

PUGILATO

Assim como Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso dividem o ringue na Lava Jato. Quem ganha? Ninguém. Todos perdem, mas quem perde mais é o Supremo Tribunal Federal do nosso pobre Brasil.

 


Eliane Cantanhêde sexta, 27 de outubro de 2017

NUVENS DE INCERTEZAS PARA 2018: LAVA-JATO E GOVERNO TEMER
 

Nuvens de incertezas

Ainda assustador, 2018 depende do futuro da Lava Jato e do governo Temer

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

27 Outubro 2017 | 05h00

As duas coisas andam juntas, vão definir os cenários de 2018 e foram o foco da semana: os novos passos da Lava Jato e o futuro do governo Michel Temer, ambos envoltos em nuvens de incertezas. Até aqui, a maior operação de combate à corrupção no planeta é um sucesso e Temer tem vencido de forma surpreendente suas batalhas mais inglórias. E agora?

Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, realizado na terça-feira, acendeu uma luz amarela e deixou um misto de tristeza, de um lado, e de instinto de luta, de outro. E a votação da segunda denúncia contra Temer, anteontem, gerou a crença de que ele termina o mandato e uma torcida para que a recuperação da economia avance.

No fórum, promoveu-se o confronto do passado bem-sucedido da Mãos Limpas e da Lava Jato com o presente desalentador da operação na Itália e o futuro incerto na do Brasil. Se a italiana inspirou a brasileira, agora serve de alerta. 

Segundo os magistrados Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo, que participaram do momento áureo da Mãos Limpas, tudo começou muito bem, mas deu em nada. Melancolicamente, eles relataram que os corruptos se uniram, perderam de vez a vergonha, criaram uma rede de salvaguardas legais e se tornaram ainda mais poderosos. 

Cada um a seu estilo, o contido juiz Sérgio Moro e o bem falante procurador Deltan Dallagnol identificaram objetivamente os perigos imediatos que poderiam empurrar a Lava Jato para o mesmo destino da Mãos Limpas: um recuo na possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, manter intocável o foro privilegiado de políticos com mandato, atacar os instrumentos das delações premiadas e das prisões cautelares.

Um pacote assim garantiria a velha e resiliente impunidade que transforma o Brasil num país cruel para a base da pirâmide e indecente para o topo. Mas onde está concentrado o debate dessas questões? Não é no Legislativo e no Executivo, onde se acotovelam os alvos da Lava Jato, mas no Supremo, a quem cabe julgá-los. Transformar a Lava Jato num sucesso histórico ou num fracasso à altura da Mãos Limpas está na alma, no preparo, na ideologia e na coragem de 11 ministros togados.

Quanto a Temer, seus desafios daqui em diante ficaram evidentes nos votos a favor e contra a segunda denúncia de Rodrigo Janot. Para a oposição, o presidente integra uma organização que não apenas é corrupta como quer destruir florestas, direitos e pobres. Para os que votaram a favor de Temer, o mais importante para o País é sair do buraco em que foi jogado por Dilma Rousseff e o PT, manter a rota de recuperação, assegurar o crescimento e multiplicar empregos.

Os adversários têm a seu favor a impopularidade vexaminosa de Temer, o discurso fácil (e irresponsável) contra o termo ajuste fiscal e a ojeriza coletiva a mudanças na Previdência. E a fila de ex-ministros presos e enrolados é grande. Ontem mesmo, a Polícia Federal prendia três ex-assessores de Henrique Alves no Turismo.

Já os aliados contam com a recuperação econômica, que vai bem, obrigada, mas esbarra num obstáculo: o rombo das contas públicas, que continua crescendo. A fórmula Meirelles está em xeque. O teto desabou e a reforma da Previdência é ameaçada pela incompreensão popular, a má vontade do Congresso e por algo sutil: a prioridade de Temer não é de longo prazo, é aqui e agora.

São essas duas coisas, a força da Lava Jato em se impor e a capacidade de Temer de comandar o País e a economia, que vão definir 2018. A eleição está bem aí e parece assustadora.

Maia. Antes impulsivo, Rodrigo Maia (DEM-RJ) não colou seu destino a Temer, não se comprometeu mais do que devia em derrubar a segunda denúncia e se coloca como salvador da reforma da Previdência. Está jogando alto.

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Eliane Cantanhêde quinta, 26 de outubro de 2017

CLIMA NO PLANALTO É DE BOLA PARA FRENTE
 

ANÁLISE: Clima no Planalto é de ‘bola para frente’

'Fim da ficção do Rodrigo Janot, de volta à realidade do Brasil' era uma das frases engatilhadas para o pronunciamento do presidente 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

26 Outubro 2017 | 05h00

O Palácio do Planalto levou dois sustos nesta quarta-feira, 25, a inesperada internação do presidente Michel Temer no Hospital do Exército e a dificuldade em dar quórum para derrotar a segunda denúncia no plenário da Câmara. Apesar disso, a vitória estava garantida desde o início e o sentimento no governo era e é de “bola para frente!”.

Por causa da obstrução na uretra, do procedimento médico e da anestesia, Temer teve de cancelar uma reunião com os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco – também denunciados, como ele – para definir o tom e o conteúdo de um pronunciamento que ele pretendia fazer à Nação.

A intenção era, e continua sendo, insistir num ponto: depois de duas denúncias, ambas derrubadas pela Câmara, é hora de retomar a normalidade, a agenda de reformas abruptamente interrompida pelo escândalo JBS e os avanços na economia. Aliás, argumentos repetidos insistentemente pelos deputados que votaram a favor de Temer. 

“Fim da ficção do Rodrigo Janot, de volta à realidade do Brasil” era uma das frases engatilhadas para o pronunciamento do presidente, que deveria, ou deverá, enumerar dados econômicos positivos. Além da queda da inflação, do sexto mês da volta de empregos e da perspectiva de crescimento de mais de 3% em 2018, a ideia  é falar de êxitos nesta mesma semana. 

Enquanto o Congresso se preparava para votar a segunda denúncia e Temer abria os cofres para as emendas dos parlamentares dos votantes, o Banco Central baixava os juros para 7,5%, o Senado votava importante projeto sobre a leniência das empresas e o mercado se debruçava sobre o leilão do pré-sal, marcado para esta sexta-feira, 27.

A expectativa do Planalto é de que, sem a obrigatoriedade de participação da Petrobrás, a presença de grandes empresas estrangeiras será forte, criando um bom momento para mostrar a volta da confiança dos investidores internacionais no Brasil.

O Planalto, portanto, quer mostrar normalidade, avanços, segurança e disposição de mudar as coisas para melhor, mas tudo isso depende da capacidade e da força política de Temer para retomar a reforma da Previdência, que já foi considerada fundamental nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff, mas nenhum deles conseguiu ir até o fim.

Temer, que se sente vitorioso e revigorado politicamente, aposta tudo nisso, mas a vitória na Câmara não significa que os problemas evaporaram e tudo está resolvido e às mil maravilhas. Nem a própria saúde do presidente.

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Eliane Cantanhêde terça, 24 de outubro de 2017

BATTISTI E SEUS FANTASMAS

 

 

Battisti e seus fantasmas

Em São Paulo, debate sobre Mãos Limpas e Lava Jato; em Brasília, o que fazer com Cesare Battisti 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

24 Outubro 2017 | 05h00

Vamos convir que o governo e a sociedade italianos têm razão: Cesare Battisti não é nenhum herói como Garibaldi e não tem a aura de um Che Guevara, apesar de posar com a gravura do revolucionário cubano “casualmente” ao fundo. Nos governos do PT, aqui no Brasil, ele foi tratado como um réu político. Em qualquer governo, lá na Itália, ele é considerado um criminoso comum, um assassino frio de ao menos quatro cidadãos.

Discretamente, os italianos ponderam que vivem uma democracia e, mesmo condenado à prisão perpétua, Battisti dificilmente morreria no cárcere caso extraditado. Seus companheiros já foram soltos, integrados à vida normal e há quem esteja muito bem de vida. Na Itália, a prisão perpétua só vale na teoria, assim como as penas no Brasil são reduzidas para 1/6. Sérgio Cabral já está condenado a 72 anos. Quanto vai cumprir?

A história de Battisti no Brasil é tortuosa. Ele chegou fugido, clandestinamente. Foi preso e iniciou-se um longo debate. Os pareceres técnicos e jurídicos do Itamaraty e do Ministério da Justiça eram favoráveis à extradição, mas o então ministro Tarso Genro, que é da área jurídica, preferiu o viés ideológico e liderou o processo de mantê-lo no Brasil. 

O assunto foi parar no Supremo, que julgou a favor da extradição de Battisti, mas delegou para o presidente Lula a decisão de despachá-lo ou não para a Itália, sob argumento de que era questão de Estado. No último dia do mandato, Lula manteve condenado italiano em solo brasileiro.

 

As opiniões dividiram-se e isso só se intensificou quando a Itália prendeu, analisou e devolveu para o Brasil o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que, condenado no mensalão, fugiu com um documento em nome do irmão morto havia anos. À época, pareceu uma gentileza diplomática, um tapa com luvas de pelica da Itália no Brasil.

Na verdade, foi uma decisão muito pragmática dos dois lados: imagine se a Itália mantivesse lá, livre, leve e solto, um condenado por crime de colarinho-branco com sobrenome italiano? Os demais iriam fazer fila para escapar por terra, mar e ar, a começar dos dois ex-ministros petistas Antonio Palocci e Guido Mantega. Nenhum deles, claro, com dificuldades financeiras para sobreviver na Europa.

Como a decisão de Lula não prescreve, o governo, a diplomacia e a justiça italianas esperaram calmamente. Com Dilma Rousseff, as chances eram zero, já que ela foi presa por resistir à ditadura e prefere a “versão romântica” de Battisti. Mas, com a posse do professor de Direito Constitucional Michel Temer, as negociações recomeçaram. Já se manifestaram a favor da extradição os ministros da Justiça, do Itamaraty e do entorno de Temer no Planalto. Mas a questão depende também do Supremo.

Hoje, enquanto os magistrados italianos Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo participam do Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, em São Paulo, os cinco integrantes da Primeira Turma do STF julgam, em Brasília, um habeas corpus contra a extradição de Battisti. Davigo e Colombo são dois dos principais personagens da Operação Mãos Limpas na Itália e discutirão com o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol os pontos em comum nas duas fantásticas operações contra a corrupção e o futuro da Lava Jato.

E, na Primeira Turma, como o ministro Luís Roberto Barroso foi advogado de Battisti, é provável que se declare impedido e haja risco de empate, dois a dois, e Battisti vá parar no plenário carregando seus quatro fantasmas. E é assim, com debates e divergências e aprendendo com experiências anteriores, que nós, brasileiros, vamos vivendo e aprendendo. Dê o que dê no caso Battisti, o debate sobre ideologia e leis é fascinante. Como será também no Forum Estadão.


Eliane Cantanhêde segunda, 23 de outubro de 2017

CICATRIZES DE TEMER

Cicatrizes de Temer

Joesley preso, Janot já era e Temer se salva; apesar disso... cicatrizes ficam 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

22 Outubro 2017 | 05h00

Aos solavancos, de delação em delação, de denúncia em denúncia, o presidente Michel Temer acredita que, daqui para frente, tudo será diferente, mas pode estar enganado. Ele parece cercado de inimigos e aliados infiéis e ainda precisa dar muitas explicações após o plenário da Câmara livrá-lo de um processo imediato. E não só à Justiça, mas também à opinião pública. Rodrigo Maia, Renan Calheiros e Kátia Abreu têm, cada qual, seus motivos contra Temer, mas concordam numa coisa: ele saiu vitorioso da primeira denúncia da PGR e sairá também da segunda, na quarta-feira, dia 25, mas isso não bastará para apagar as suspeitas contra ele.

Maia tem problemas na Lava Jato e Renan é o campeão de inquéritos contra parlamentares no Supremo. Logo, não se trata de um surto ético e sim uma constatação que joga o Planalto para um lado e o Congresso para outro: apesar de o presidente sobreviver e a economia voltar a respirar, eles e a maioria dos deputados e senadores não veem em Temer uma boa companhia para 2018.

No Planalto, sonha-se com uma reforma da Previdência, por mínima que seja. No Congresso, sonha-se com outra coisa: eleição. Como avisa Maia, os deputados, que já engoliram o desgaste de votar com Temer na primeira denúncia e terão engolido de novo na segunda, não vão engolir mais uma vez por uma reforma rejeitada até por seus pais e companheiros. 

Além disso, o delator Joesley Batista está preso, sua credibilidade está abaixo de zero e as flechadas do ex-procurador-geral Rodrigo Janot vêm sendo questionadas, uma a uma, mas deixaram sérias cicatrizes em Temer. Ele concluirá o mandato, mas nunca se livrará delas.

Janot é acusado de alterar maliciosamente a sequência do diálogo entre Temer e Joesley no Jaburu, para esquentar a primeira denúncia e seu efeito na opinião pública. Apesar disso... o áudio não evaporou e Temer não pode alegar que não disse o que disse e não ouviu o que ouviu.

Janot também fica em situação difícil porque seu braço direito Marcello Miller armava contra o presidente como procurador da República e advogado regiamente pago para defender interesses da JBS. E piorou quando Joesley foi gravado dizendo que Miller abriu a porta para o próprio Janot entrar no mesmo escritório de advocacia. Apesar disso... as provas de Joesley contra Temer mantêm efeito jurídico.

Janot, igualmente, apresentou indícios e uma narrativa lógica para concluir que a mala de dinheiro do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures era para Temer, mas ele nunca comprovou que era, nem que o dinheiro chegou a esse destino. Apesar disso... de nada adianta a provocação de Temer: se a mala de Loures era dele, a gorda remuneração do advogado Miller, em tese, não poderia ser de Janot? É uma equação ruim para Janot, mas nem por isso boa para Temer.

Janot, por fim, fez uma colcha de retalhos com delações para denunciar Temer por organização criminosa com atuais ministros e com Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, agora presos, mas a segunda denúncia é considerada mais frágil, sem provas, áudios e vídeos de impacto. Apesar disso... é inquestionável que Temer andava em más companhias. Sem falar nos assessores do terceiro andar do Planalto.

Enfim, depois de tantos “apesar disso...”, a conclusão é de que Temer “convence” a CCJ e o plenário da Câmara, mas não a opinião pública. Era impopular antes, continuou durante e depois da bomba JBS e nada indica que possa melhorar. Rodrigo Maia sugeriu a ele um publicitário “jovem e moderno”, mas não há jovialidade nem modernidade para dar um jeito nisso. As flechadas de Janot estavam envenenadas.

 

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Eliane Cantanhêde sábado, 21 de outubro de 2017

ATÉ AQUI DE MÁGOAS

Até aqui de mágoas

No day after da 2.ª denúncia, empregos, Previdência e guerra contra ‘conspiradores’ 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

20 Outubro 2017 | 03h00

Michel Temer e Rodrigo Maia se esforçam para dizer que o pior da crise entre eles passou, mas uma dúvida ainda paira sobre as instituições: a real história da divulgação da delação de Lúcio Funaro no site da Câmara. O relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, está no centro dessa e de outras dúvidas.

Em ofício de 26 de setembro ao advogado Eduardo Carnelós, Fachin determinou que ele poderia ter acesso às partes que dizem respeito ao seu cliente Temer, não ao restante da delação. Mas, depois, em conversa no STF com Rodrigo Maia, a presidente Cármen Lúcia e um assessor jurídico da Câmara, Fachin não tão claro, induzindo Maia e seu assessor à divulgação da delação de Funaro, então protegida pelo sigilo.

Trecho do ofício de Fachin ao advogado: “... em termos de declaração separados, dando origem a diferentes procedimentos investigatórios, em diferentes estágios de diligências, não assiste a um determinado denunciado o acesso universal a todos os depoimentos prestados. O que a lei lhe assegura é o acesso aos elementos da colaboração premiada que lhe digam respeito”.

Já na versão da conversa posterior do ministro, Maia lhe disse que a delação de Funaro chegara ao Congresso sem a comunicação oficial do sigilo e lhe perguntou se haveria restrições à publicação no site. Fachin não titubeou: “Não há nada grave”. A frase foi interpretada como sinal para a divulgação. Mas, com a divulgação, péssima para Temer, às vésperas da votação da CCJ, Fachin soltou nota voltando à versão ao advogado e declarando que os vídeos de Funaro “não deveriam ter sido divulgados”. Pois é. Mas foram.

 

A favor de Fachin, alega-se que a delação dizia respeito não só a Temer, mas também aos ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, e os três estariam em julgamento na CCJ e em seguida no plenário da Câmara. Logo, os juízes, no caso os deputados, tinham direito às informações ali contidas. Mas essa versão edulcorada não convence nem o governo nem parte do STF.

É por essas e outras que, antes mesmo da votação da segunda denúncia, prevista para a próxima quarta-feira, Temer já se prepara não só para intensificar sua defesa diante da opinião pública, mas também para martelar a tese de “conspiração” contra ele.

O termo (alternativo a “golpe”, que tem dono...) já foi usado por Temer na carta que enviou aos deputados antes da votação na CCJ e dá o tom e o roteiro do presidente após sobreviver à segunda denúncia. Equipes do Planalto, inclusive, fazem o que nos acusam (a nós, da mídia) de não fazer: a leitura e divulgação dos pontos favoráveis a Temer, seja em delações, seja em medidas de governo, seja até na explosiva portaria do trabalho escravo.

O título de um desses trabalhos internos é Contradições e inconsistências na delação de Lúcio Funaro. Ele destaca em verde o nome de Temer e em azul os trechos em que Funaro declara que não conhece Temer, nunca foi ao escritório dele e não sabe quem teria entregue dinheiro a ele.

Exemplo: o delator disse que não tem ideia se o dinheiro de Geddel Vieira Lima ia para Temer e achava “pouco provável que o presidente(...), pela própria característica, pelo jeito dele de ser, pegaria um dinheiro da mão do Altair (carregador das fortunas do esquema)”.

Em sua defesa política, Temer pretende dizer, subliminarmente, que, além de Rodrigo Janot, Marcelo Miller, Joesley Batista, delatores, aliados e adversários, a “conspiração” contra ele tem agentes importantes também no Judiciário. Quando se pergunta no Planalto sobre o “day after” da segunda denúncia, a resposta é midiática: “Emprego e reforma da Previdência”. Mas, nos bastidores, sabe-se que Temer é um pote até aqui de mágoas. E não vai deixar por isso mesmo.


Eliane Cantanhêde terça, 17 de outubro de 2017

TORPEZAS E VILEZAS

 

 

‘Torpezas e vilezas’

Com todos contra todos, a profusão de ‘torpezas e vilezas’ é generalizada 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

17 Outubro 2017 | 03h00

O confronto entre o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, virou uma guerra desde que o PMDB sabotou as articulações do DEM para atrair deputados do PSB e Maia aderiu ao vale-tudo. Não só jantou com os piores inimigos de Temer no PMDB, como Renan Calheiros e Kátia Abreu, como agora é acusado de postar no site oficial da Câmara as acusações frontais do “operador” Lúcio Funaro contra o presidente da República.

O menor problema de Temer é a oposição do PT, PC do B e PSOL, porque ele está mesmo é às voltas com os aliados e com o potencial deletério de Maia sobre a tramitação da segunda denúncia da PGR e das futuras medidas de interesse do governo na Câmara. Bater de frente com a oposição é natural, com os próprios aliados é um risco imenso.

Para falar direto com sua base, sem mediação do presidente da Câmara, Temer enviou carta para deputados reagindo às “torpezas e vilezas” contra ele, inclusive a delação de Funaro, que Maia potencializou pela internet. Para o Planalto, Maia fez propaganda a favor de Funaro e contra Temer. 

Para piorar, à delação de Funaro vêm se somar a do ex-deputado do PP Pedro Corrêa e a operação da PF no gabinete e nas casas do deputado Lúcio Vieira Lima. Corrêa relata a partilha nojenta de dinheiro público para o PMDB. E Lúcio é famoso por ser irmão do ex-ministro Geddel, que foi parar na Papuda após a políciaestourar seu bunker com R$ 51 milhões.

 

A operação contra o deputado ocorre por determinação da procuradora-geral Raquel Dodge e ocorreu (por acaso?) na véspera do julgamento de Aécio Neves no plenário do Senado, que opõe o Legislativo ao Judiciário. A tendência é de os senadores dizerem não à Primeira Turma do STF e ao afastamento de Aécio do mandato.

E, apesar de ainda estar em meio a um confronto com o Legislativo, o STF já se meteu numa nova confusão, agora com o Executivo. Temer e os ministros Aloysio Nunes Ferreira (Itamaraty) e Torquato Jardim (Justiça) já decidiram virtualmente extraditar o italiano Cesare Battisti, mantido no Brasil pelo presidente Lula no seu último dia de mandato. Mas a Primeira Turma do STF vai decidir, no dia 24, terça-feira que vem, sobre um habeas corpus apresentado pela defesa dele. 

Vem mais divisão por aí! Primeiro, entre os próprios ministros da turma, que podem chegar a 4 x 4, já que o quinto voto seria de Luís Roberto Barroso, ex-advogado do italiano e, portanto, passível de se declarar impedido. Se assim for, o caso vai para o plenário, ainda de ressaca pelo julgamento sobre medidas cautelares para parlamentares. O risco é entrar zonzo e confuso no novo embate.

Então, temos Temer versus Maia, PMDB versus DEM, STF contra Legislativo, agora STF contra Executivo e as delações correndo soltas: Lúcio Funaro contra o PMDB, Pedro Corrêa contra o PMDB, Geddel Vieira Lima é considerado 100% pronto para delatar... o PMDB. 

No centro de tudo está Temer, porque, quando se fala de PMDB, Eduardo Cunha, Geddel e Lúcio Vieira Lima, o delator Funaro, a divisão no Supremo, a insubordinação de Rodrigo Maia, o destino imediato de Aécio Neves e até a extradição ou não de Cesare Battisti, a pergunta automática é: como isso afeta o presidente da República?

Não só porque o regime é presidencialista, mas também porque Temer é campeão de impopularidade, alvo de algo inédito, a segunda denúncia da PGR, e presidiu durante anos o PMDB, partido que está “em todas”. As previsões de crescimento da economia são revistas para cima, o mercado está animado, as pessoas voltam a comprar. Mas, se a economia descolou da política, Temer não se colou na economia.

 


Eliane Cantanhêde segunda, 16 de outubro de 2017

PAREM DE BRIGAR E JULGUEM!

 

 

Parem de brigar e julguem!

Como STF não faz sua parte na Lava Jato, tenta inventar penas a não condenados 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

15 Outubro 2017 | 06h00

Todo esse dramalhão envolvendo Supremo, Senado, Câmara, PSDB, PT, PMDB e redes sociais em torno do senador Aécio Neves tem uma origem clara: a demora do STF em julgar o tucano, alvo de nove investigações e uma denúncia, agravados pelas gravações entre ele e Joesley Batista e pela bolada que, ato contínuo, foi parar com o primo dele.

Se o Supremo tivesse pego esse touro a unha há tempos, não precisaríamos assistir a esse show de empurra-empurra. Aécio teria sido inocentado ou condenado e as instituições não estariam expondo suas vísceras ao vivo para escapar do problema, com o STF tentando até aplicar penas a quem nunca foi condenado!

A PF, a PGR e a Justiça não dão conta de tantos inquéritos (como no caso também de Renan Calheiros) e o fantasma fica pairando sobre Brasília. Como não se pune pela Constituição, a Primeira Turma do STF buscou aplicar o Código do Processo Penal, com o afastamento das funções e o tal recolhimento noturno – ambas soluções, digamos, heterodoxas. O plenário interveio, lembrando que não se afasta parlamentar sem aval dos plenários do Congresso e o problema voltou para o Senado. Se no Supremo não há solução, imagine-se no Senado, um dos templos do corporativismo na República. 

A expectativa para a próxima terça-feira é que os senadores não deem aval para as medidas contra Aécio, mas o resultado vai ficar mais apertado a cada dia que passa. No plenário do STF, foram cinco a cinco, que viraram seis a cinco com o voto confuso da presidente Cármen Lúcia. No do Senado, caminha para um racha equivalente a partir da ameaça do PT de rever sua posição.

 

Na primeira sessão, os petistas foram contra a Primeira Turma e, portanto, a favor de Aécio. Mas estão mudando de ideia, daí porque os aliados do presidente afastado do PSDB tentaram um outro jeitinho brasileiro: o voto secreto, não previsto no artigo 53 da Constituição e derrubado, por exemplo, na sessão que autorizou a prisão do então senador Delcídio do Amaral.

Aécio, portanto, escapou do Supremo e tende a escapar do plenário do Senado, com seus pares fazendo a mise-em-scène de enviar o caso para o Conselho de Ética. E daí? Criado em 1993, o conselho só cassou um senador até hoje, Luiz Estêvão, que, aliás, foi parar na Papuda após o STF aprovar a prisão de condenados em segunda instância. Seu presidente pela sexta vez, senador João Alberto (PMDB-MA), é sempre posto ali pelo padrinho José Sarney justamente para garantir a impunidade de todos os seus pares.

Por falar nisso, Aécio Neves está por trás da escolha dos relatores na CCJ da Câmara para a primeira e a segunda denúncia da PGR contra o presidente Michel Temer, Paulo Abi-Ackel e Bonifácio de Andrada, ambos, não por coincidência, do PSDB de Minas. A equação é simples: Aécio articulou a salvação de Temer, Temer articula a salvação de Aécio, enquanto o lobo não vem e o STF não julga de fato.

O fato é que, enquanto o Supremo não começar a fazer sua parte na Lava Jato, condenando quem tem de condenar e inocentando quem merece, as assombrações vão continuar soltas por aí. Ninguém vai ter sossego, nem réus, nem julgadores, e o script vai se repetir, com o STF tentando aplicar penas a não-condenados, a Câmara e o Senado salvando os seus e a opinião pública querendo explodir as instituições. Meretíssimos, parem de brigar e julguem!

PS 1: Cármen Lúcia deixou de ler seu voto de mais de 30 páginas porque três ministros tinham voos para Miami. Ai, se arrependimento matasse!

PS 2: Depois da crise com o Legislativo, vem aí a crise do Judiciário com o Executivo. Planalto e Ministério da Justiça querem extraditar o italiano Cesare Batisti, mas STF está... dividido.

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Eliane Cantanhêde sexta, 13 de outubro de 2017

AÉCIO, UMA BATATA QUENTE

 

 

Aécio, uma batata quente

Aécio não está livre, Senado não resolveu problema, e Supremo tem muito o que julgar 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

13 Outubro 2017 | 03h00

O senador Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB, virou uma batata quente para o Judiciário e o Legislativo. Por ora, deixou de ser um problema imediato do Supremo para ser o principal problema do próprio Senado, que, ao dizer “não” ao seu afastamento e à Primeira Turma do STF, na próxima terça-feira, estará obrigado a ter sua própria solução para Aécio. No Conselho de Ética? O histórico das decisões ali é claramente corporativo.

A manobra para transformar a votação no plenário do Senado nem parece uma tentativa desesperada de mudar o resultado, mas apenas para “proteger” os senadores dos seus próprios votos. Vão deixar as evidências contra Aécio por isso mesmo? Eles se acertam entre eles e não querem que seus eleitores fiquem sabendo como votam?

Apesar disso, a roda continua girando: Aécio sobrevive agora, mas tem um encontro inexorável com a Justiça; o Senado está livre da acusação de confrontar o Supremo, mas é justamente a casa dos três campeões de inquéritos com foro privilegiado; e o Supremo rachou ao meio para resolver o impasse com o Senado, mas, mais cedo ou mais tarde, vai ter de julgar não só Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, mas os demais parlamentares investigados. 

O que esteve, e está, em discussão no Supremo é se os fins justificam os meios. Há ministros que, como a sociedade em geral, cansaram da confusão entre imunidade parlamentar e impunidade – como disse o relator da Lava Jato, Edson Fachin – e da velha tradição brasileira de “prender os miúdos e proteger os graúdos” – como acrescentou, em bom e claro português, o ministro Luís Roberto Barroso. De certa forma, tentam um atalho rápido para punir quem eles julgam que deva ser punido. 

Do outro lado, há ministros “garantistas”, como o novato Alexandre de Moraes, defendendo que as leis se submetem à Constituição, não o contrário. Ela, a Carta Magna, só prevê prisão de parlamentares em caso de flagrante delito inafiançável, como o Supremo julgou e o Senado acatou quando o senador Delcídio Amaral foi gravado acertando dinheiro e alternativas de fuga para potenciais delatores. Para esses ministros, a ordem jurídica está acima de tudo. Não há atalhos, há o caminho constitucional.

É uma discussão importante, num País que efetivamente vive um eterno “pacto oligárquico” (outra expressão de Barroso) que se ramifica por todas as regiões, Estados, cidades e setores e está na mente de cada um. Aos poderosos, tudo; aos pobres e desvalidos, a lei – e as prisões fétidas, as humilhações, as condições vis, a renda precária, a pior educação, a pior saúde.

A Lava Jato, porém, já tem quebrado esse pacto, ao desvendar a corrupção e investigar presidentes da República, líderes dos principais partidos, banqueiros, donos das maiores empreiteiras e produtoras de carne, altos executivos de estatais e empresas privadas. É um avanço, uma herança e tanto para as futuras gerações, desde que não se use o bom pretexto de acabar com a impunidade dos poderosos para “dar um jeitinho” na Constituição e nas leis, “quando necessário”.

Mal comparando, quando se acha que “um pouquinho de inflação não faz mal a ninguém”, a inflação dispara, implode os indicadores macroeconômicos e quem acaba pagando o maior preço é o mais fraco. Achar que atalhos jurídicos fazem bem à sociedade e mal aos corruptos pode ter um efeito oposto: favorecer os corruptos e prejudicar a sociedade, com efeito danoso sobre todo o fantástico trabalho da Lava Jato. Aécio não é santo, mas precisa ser investigado e julgado à luz da Constituição. Os fins, por mais nobres que sejam, não justificam os meios.

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Eliane Cantanhêde domingo, 08 de outubro de 2017

ARMADOS ATÉ OS DENTES - DECISÃO DO STF: IMPUNIDADE E EQUILÍBRIO ENTRE PODERES

 

 

Armados até os dentes

Decisão do STF na quarta é sobre impunidade e equilíbrio entre Poderes 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

08 Outubro 2017 | 05h00

O julgamento do Supremo na próxima quarta-feira, dia 11, vai muito além de definir se pode isso ou aquilo contra o senador tucano Aécio Neves porque estabelecerá limites para punições impostas pela alta corte a políticos com mandato e limites para a reação do Congresso. O que está em jogo é, de um lado, a impunidade dos políticos; de outro, o equilíbrio entre Poderes diante da corrupção.

Em três anos e meio, a Lava Jato jogou atrás das grades empreiteiros, executivos da Petrobrás, doleiros, políticos sem mandato e, agora, os maiores produtores de carnes do mundo. Quem falta? Deputados e senadores alvos de inquérito, inclusive os campeões Renan Calheiros, Romero Jucá e o próprio Aécio Neves. Critica-se a PGR e a Lava Jato, bloqueiam-se valores e bens de Joesley e Wesley Batista, toma-se partido na crise entre STF e Senado, mas decidir sobre esses processos, nada...

As exceções foram Eduardo Cunha e Delcídio do Amaral. O Supremo retirou a presidência e o mandato de Cunha por atrapalhar as investigações, e a Câmara ratificou a decisão. Delcídio, primeiro senador preso desde a redemocratização, foi gravado acertando R$ 50 mil e rotas de fuga para evitar uma delação e caiu com base na Constituição, que só prevê prisão para senadores por flagrante delito inafiançável.

Ficou nisso. E é assim que a decisão de quarta tem um peso enorme e divide corações, mentes e leituras dos onze ministros do STF, ao definir regras e ritmo para as punições a deputados e senadores. Em pauta, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a possibilidade de o Congresso rever, em até 24 horas, qualquer medida liminar contra congressistas que não seja prisão. 

Pela Constituição, os plenários da Câmara e Senado precisam autorizar a prisão de um de seus membros decretada pela Justiça. E as medidas que não sejam prisão, como o afastamento do mandato e o “recolhimento noturno”, que foram aplicados a Aécio pela Primeira Turma do STF, estão previstas no Código do Processo Penal?

O Senado está armado até os dentes, mas adiou o confronto com o Supremo para depois da decisão, enquanto os presidentes Eunício Oliveira e Cármen Lúcia atuam diplomaticamente para evitar a guerra. Prever julgamentos no Supremo é temerário, porque, por trás das lentes que interpretam a letra fria da lei, há homens e mulheres de carne e osso, com suas ideologias, crenças, escolas de Direito, mas vale projetar resultados.

Os três da Primeira Turma que impuseram o afastamento e a prisão domiciliar noturna de Aécio – Luis Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux – votarão, pelo óbvio, contra a Adin e o poder dos plenários da Câmara e do Senado de derrubarem medidas cautelares diversas da prisão. Eles devem ter o reforço de Edson Fachin.

No lado oposto estão Marco Aurélio e Gilmar Mendes, que já deram declarações públicas, e Alexandre de Moraes, que votou contra as penas de Aécio na Primeira Turma. Pelo alinhamento no STF, a eles podem se somar Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Dá quatro a cinco e a expectativa é de que a decisão caia no colo do decano Celso de Mello, um “garantista” que não demonstra preferências ideológicas e tem votos muito técnicos, e de Cármen Lúcia, que agrega ao papel de juíza uma enorme responsabilidade institucional. 

Se o STF decidir que pode usar o Código do Processo Penal para afastar e decretar prisão domiciliar de senadores e deputados, o Congresso vai reagir à bala. Se decidir que não, que está mantido princípio de prisão só por crime inafiançável e flagrante delito, o Congresso recolhe as armas, mas a opinião pública vai à luta: até quando os campeões Renan, Jucá e Aécio continuarão impunes? A guerra, portanto, continua.

 


Eliane Cantanhêde sexta, 06 de outubro de 2017

CONSTITUIÇÃO: AFRONTÁ-LA, NUNCA!
 

‘Afrontá-la, nunca!’

Cármen Lúcia, Eunício Oliveira e Rodrigo Maia são decisivos contra a crise entre Poderes 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

06 Outubro 2017 | 03h00

É conversando que a gente se entende e foi exatamente conversando que os presidentes do Supremo, Cármen Lúcia, do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia, estão apagando mais um incêndio que poderia tomar grandes proporções entre os dois Poderes.

Depois de muita tensão entre Congresso e Supremo, ontem foi dia de bandeira branca, aproveitando a solenidade pelos 29 anos da Constituição de 1988. Estavam lá, amigavelmente, os três presidentes, ministros e parlamentares que participaram daquele grande momento da democracia brasileira e ainda hoje são seus fiéis defensores, como Miro Teixeira, do Rio.

Visões diferentes de mundo, reações corporativas e eventuais divergências fazem parte da vida, ninguém é obrigado a concordar sempre. Mas o fundamental é que o Legislativo faz leis e o Judiciário as interpreta e aplica e que não é bom para a democracia – logo, para o País – quando Poderes se estranham e se confrontam. 

Depois da crise gerada pela decisão monocrática do ministro Marco Aurélio derrubando o então presidente do Senado, Renan Calheiros, agora foi a Primeira Turma, com os votos de Roberto Barroso e os dois próximos presidentes do TSE, Luis Fux e Rosa Weber, que jogou o Senado contra o STF, num embate entre instituições em que nenhuma delas sai vitoriosa.

 

O pivô desta vez foi o senador Aécio Neves, presidente afastado do PSDB, que recebeu R$ 2 milhões de Joesley Batista e foi delatado pelo benfeitor. Mas, apesar de pivô, Aécio é uma figura secundária na nova crise, porque ele tem um encontro inexorável com a Justiça e crise não é para salvá-lo, é para resguardar a independência entre Poderes.

A decisão da Primeira Turma de afastar Aécio do mandato e criar a figura do “recolhimento noturno” deixou o Senado em polvorosa, já que senadores e deputados não podem ser presos, a não ser em flagrante delito inafiançável e o tal “recolhimento noturno” é um eufemismo para... prisão. E até no STF os ministros se dividiram: apoiar os três colegas ou dar razão ao Senado?

Assim, o Senado aprovou urgência para autorizar ou não a prisão, ops!, o recolhimento noturno do tucano e o STF marcou data para definir regras claras para punições de deputados e senadores, principalmente se o plenário da Câmara e do Senado têm de autorizar, além da prisão, também medidas cautelares como recolhimento noturno.

Escolhidas as armas, Eunício Oliveira seguiu um caminho familiar para Rodrigo Maia: o do gabinete de Cármen Lúcia. Foi ali, conversando, que a solução foi construída: o Senado adiou a decisão sobre desautorizar ou não a Primeira Turma para o dia 17, ou seja, para depois do julgamento do Supremo sobre punições a políticos com mandato. 

A expectativa é que o STF repita a solução para a crise Marco Aurélio-Renan: o pleno faz mil elogios a Fux, Rosa e Barroso, mas decide, em tese, contra as medidas cautelares aplicadas a Aécio. Se for assim, o Senado fará sua parte na semana seguinte, deixando a crise com o STF para lá e se concentrando no afastamento de Aécio pelo Conselho de Ética, sem interferência “externa”.

Na votação do adiamento, Roberto Requião, Gleisi Hoffmann e Renan Calheiros aproveitaram para atacar o Supremo, mas o resultado tende a estancar a crise. Foi um acordão, apesar de seus atores preferirem dizer que “prevaleceu o bom senso, o diálogo”.

Repetindo o histórico discurso de Ulysses Guimarães 29 anos atrás, Cármen Lúcia lembrou que a Constituição não é perfeita, mas não há alternativa: “Discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”. Vale tanto para senadores e deputados quanto para ministros do Supremo, de hoje e sempre.


Eliane Cantanhêde terça, 03 de outubro de 2017

SAMBA DO PAÍS DOIDO - ÁUDIOS DE JOESLEY, RECIBOS DE LULA, JEITINHO BRASILEIRO NO STF, PESQUISAS HILÁRIAS...
 

Samba do País doido

Áudios do Joesley, recibos do Lula, jeitinho brasileiro no STF, pesquisas hilárias. É pra rir ou pra chorar?

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

03 Outubro 2017 | 03h00

O que está acontecendo no Brasil é o samba do País doido, em que as coisas mais inacreditáveis acontecem não uma ou duas vezes, mas aos borbotões, uma atrás da outra, todo santo dia. Quando a gente acha que não pode piorar, que é impossível surgir algo ainda mais inverossímil, pode ter certeza: piora e lá vem a nova bomba, uma mais chocante do que a outra. Isso tudo gera perplexidade, irritação, desânimo.

As gravações com Joesley Batista, por exemplo, são um mistério com várias explicações, nenhuma delas convincente. Alguém aí grava sem querer uma conversa mais do que comprometedora com um braço direito, um sócio, um parente? Ou grava, também sem querer, uma troca de informações com advogados, dentro de um carro fechado com cinco pessoas? 

Mas Joesley, que pode ser tudo, menos bobo, deixa um gravador ligado e sai falando cobras e lagartos de procuradores, políticos, ex-ministros e até ministros do Supremo com Ricardo Saud. E ele, ou alguém, também grava o papo dele com sua advogada, o diretor jurídico da JBS e o onipresente Saud justamente depois de uma reunião na PGR. Foi o mordomo? E o motorista? 

O mais fantástico é que os áudios foram parar na boca do leão, ou seja, na PF, no MP, no STF e, no final das contas, nas revistas, jornais, rádios e na televisão. Tudo por acaso, por descuido? O tal Joesley, espertíssimo ao comprar políticos, ficar íntimo do governo Lula e rapar o tacho no BNDES, é um boboca, quase idiota, ao se deixar gravar assim?

Inverossímil também é o pastelão em torno do apartamento vizinho ao do ex-presidente Lula em São Bernardo. Por coincidência (como as gravações do Joesley...), o primo do pecuarista José Carlos Bumlai compra o imóvel exatamente ali, cara a cara com Lula. Depois, esse primo diz em juízo que nunca recebeu nada da família que o usava. Lula rebate dizendo que pagava, sim, senhor. No disse que disse, surgem recibos salvadores. E que recibos!

Não foram reconhecidos em cartório. Continham dois dias inexistentes no calendário, 31 de junho e 31 de novembro. Foram assinados com datas variadas, mas num único dia, e num hospital. Segundo o proprietário, a pedido do advogado Roberto Teixeira, que cuida das moradias de Lula há umas três décadas. E o mais macabro: em nome de Dona Marisa Letícia, a mulher de Lula, que morreu em fevereiro. 

O STF e o Congresso já andavam se estranhando, com buscas e apreensões em gabinetes de senadores e a canetada do ministro Marco Aurélio para derrubar o réu Renan Calheiros da presidência do Senado. Mas a coisa piorou muito quando a Primeira Turma criou uma figura curiosa, a do “recolhimento noturno” do senador tucano Aécio Neves. Foi o “jeitinho jurídico”, ou o “jeitinho brasileiro”, para o STF prender Aécio sem admitir estar prendendo.

Os ministros do STF passaram a bater cabeça, não em “casa”, mas em público. Cada um fala o que bem entende, expondo as idiossincrasias internas a céu aberto. Fux, Barroso, Marco Aurélio e Gilmar, ora, ora, todos falam, enquanto Cármen Lúcia tenta acertar os ponteiros com o presidente do Senado, Eunício Oliveira. Esses meninos, ops!, esses ministros dão um trabalho!

Todas essas confusões refletem em resultados contraditórios nas pesquisas. Pelo Datafolha, Lula continua líder isolado para 2018, mas mais da metade dos entrevistados quer a prisão dele. E a grande maioria, numa resposta, defende que o processo contra o presidente Temer continue, mas, em outra, que ele conclua o mandato. O samba da pesquisa doida. É para rir ou para chorar?

Ideia de jerico. Juntar todos os chefões do tráfico novamente no Rio? Só pode ser brincadeira!

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Eliane Cantanhêde segunda, 02 de outubro de 2017

JANOT VENCEU
COLUNISTA
Eliane Cantanhêde

Janot venceu

A obsessão da PGR contra Temer deu certo, mas Janot tem contas a acertar com a história

O Estado de S.Paulo

01 Outubro 2017 | 05h01

A enxurrada de revelações sobre Joesley Batista e o desgaste da PGR deixaram um rastro de destruição para o próprio Joesley e atingiram a imagem de Rodrigo Janot, mas nem por isso refletiram positivamente no presidente Michel Temer, principal alvo do complô da JBS com a PGR, com beneplácito do Supremo. O estrago feito em Temer está feito e é comprovado pelos chocantes 3% de aprovação na rodada CNI-Ibope.

Assim como o acordo de delação de Joesley explodiu, mas as provas sobreviveram firmes e fortes, a credibilidade da gestão Janot na PGR balançou, mas suas flechadas contra Temer atingiram o alvo e o presidente não consegue se recuperar. Não tira proveito algum, político ou pessoal, da debacle dos inimigos. Implodem todos, denunciantes e denunciados, e o desfecho da nova denúncia contra Temer é esperado, mas vai custar caro – inclusive ao País.

Já estava claro quem era Joesley Batista quando ele gravou Temer no Jaburu e “se pirulitou” para Nova York a bordo de seu jato e do acordo do século com a PGR de Janot, homologado rapidinho pelo ministro do STF Edson Fachin. Agora, é o próprio Joesley quem se declara, em nova gravação divulgada pela revista, como um criminoso – e de diversas organizações criminosas.  

Uma questão central das delações da JBS foi Janot e sua equipe se recusarem a classificar Joesley como chefe de quadrilha. Por quê? Porque, se classificassem, ele não poderia se beneficiar do acordo. Não só se beneficiou por sair livre, leve, solto, como aproveitou para embolsar mais alguns milhões na Bolsa e no mercado de câmbio. 

Era óbvio, e está cada vez mais ululante, que Joesley era, sim, o chefe de uma das mais poderosas organizações criminosas gestadas neste País, algo que foi debatido nos quatro dias de julgamento do Supremo sobre até que ponto delações são intocáveis como cláusulas pétreas da Constituição. Não são, nem podem ser, como comprova a rebordosa Joesley e já vinha ensinando a PF, onde a perplexidade com a PGR é enorme.

Como diz um velho procurador, ninguém considera Michel Temer um santo, mas não cabe à PGR, ao STF ou à PF trabalhar com “a obsessão” de derrubar quem quer que seja, muito menos o presidente da República. A expectativa é de que a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, seja dura no combate à corrupção e na condução da própria Lava Jato, mas sem passionalidade e flechas, só com leis e regras. Vamos rezar.

Uma das mais perigosas cascas de banana no seu caminho é a investigação sobre os procuradores tragados pelo tsunami, a começar de Marcelo Miller e Ângelo Goulart Vilela, preso por favorecimento à JBS. Ambos foram revelados por, digamos, agentes externos, não pela própria PGR. E agora, a PGR vai investigá-los?

Outro fator é que há tempos não damos bola para CPIs, mas a que investiga esse imbróglio tem apoio da PF, está a mil por hora e já produz efeitos, como a quebra dos sigilos de Miller. Podem surgir cobras e lagartos daí, inclusive a resposta para uma dica nas gravações de Joesley com Ricardo Saud: eles diziam que Miller seria só o primeiro da PGR no escritório de advocacia no Rio que defendia a JBS, depois viriam outros – como o próprio Janot, após a PGR.

A bem de Rodrigo Janot, a imagem que ele deixa na PF, na Justiça, no próprio STF, é mais de um equivocado, um justiceiro estabanado, do que qualquer outra coisa mais grave. E deixa uma lição: no furor de combater a corrupção, não se podem eleger seus corruptos favoritos para tratar bem e os corruptos dos outros para flechar mortalmente. Isso costuma ter efeito bumerangue. Dito e feito. A função mais urgente de Dodge é botar a casa em ordem, descartar bambus e flechas e reativar as leis e a imparcialidade.

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Eliane Cantanhêde sábado, 30 de setembro de 2017

DAS CUECAS AOS CONTÊINERES

 

 

Das cuecas aos contêineres

Encurralados, corruptos passam a guardar dinheiro sujo em apartamentos e até contêineres 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

29 Setembro 2017 | 03h00

Ao estourar o apartamento com os R$ 51 milhões do ex-ministro e agora presidiário Geddel Vieira Lima, a Lava Jato chegou a uma outra frente de investigações: essa nova forma de guardar dinheiro sujo está longe de ser exclusividade de Geddel e tende a produzir escândalos e fotos espetaculares desde já e principalmente nas eleições de 2018. Nem doleiros, nem laranjas, nem contas no exterior, nem paraísos fiscais. A moda agora é esconder dinheiro vivo em apartamentos, casas, depósitos e... contêineres.

Os investigadores esfregam as mãos diante da delação do ex-poderoso Antonio Palocci, ansiosos para ele entregar onde estaria, afinal, a dinheirama que delatores atribuem ao ex-presidente Lula. A expectativa é de que esteja não em um contêiner só, mas em contêineres, no plural, nos países em que Lula atuava com as empreiteiras – por exemplo, na África e na América Latina. Lembram dos dólares bolivarianos dando sopa por aí? Sem contar o que pode estar em solo nacional, muito além das aplicações de R$ 9 milhões do ex-presidente que têm origem clara e legal.

Segundo Marcelo Odebrecht e o próprio Palocci, era o ex-ministro, e só o ex-ministro, quem gerenciava os milhões da conta pessoal do “Amigo” Lula, cuidando da contabilidade de entradas e saídas, das retiradas em dinheiro vivo, dos envios até Lula. Quando os também ex-ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo tentaram entrar na operação, Marcelo rechaçou. Quem metia a mão no dinheiro de Lula era Palocci, hoje o principal algoz do chefe. 

A primeira impressão, quando surgiu o inacreditável bunker de Geddel, foi a de que se tratava de uma mania individual e patológica de roubar e amontoar dinheiro num apartamento usado especificamente para esse fim. Depois, foi ficando claro que a fortuna não era só de Geddel, como a prática não ficava restrita a ele, sua família e o PMDB. 

Os corruptos e corruptores começaram a se sentir encurralados pelos vários e efetivos acordos entre a PF e o MP com seus correspondentes na Suíça, no Uruguai, nos EUA... e isso piorou com as novas regras de transparência na Europa para depósitos de estrangeiros. O dinheiro sujo ficou facilmente rastreável, não é, Eduardo Cunha? Ele dizia que nunca teve conta no exterior. A Suíça dizia que tinha e comprovou com contas e extratos. A mentira ruiu, a carreira política de Cunha também.

Além disso, os principais operadores estão presos, a começar por Marcos Valério, Alberto Youssef e Lúcio Funaro, e os outros andam de barbas de molho. Quem vai lavar o dinheiro? Enviá-lo para o exterior? Servir de laranja? Daí porque a PF acha que a descoberta dos R$ 51 milhões de Geddel é um veio de ouro. Basta procurar para achar outros apartamentos, depósitos e contêineres que seus donos julgam mais seguros do que operações obsoletas, malas e cuecas. Só questão de tempo.

A maior festa de novos “apartamentos do Geddel”, porém, deverá ser em 2018. As campanhas continuam pela hora da morte, mas as fontes tradicionais (empreiteiras, JBS...) secam, as regras estão mais rígidas e a PF e o MP estão na espreita. Sem falar que os vizinhos, como no caso de Geddel, estão na onda de denunciar movimentos suspeitos. Coitados dos corruptos. A vida deles está cada dia mais difícil.

Dobradinhas. Gilmar e Marco Aurélio, PT e PSDB... São curiosas as alianças contra a decisão do STF de prender Aécio Neves sem prender, inventando a figura da prisão preventiva domiciliar, como diz Marco Aurélio. Além das dúvidas jurídicas, há o sentido de autopreservação no Congresso: hoje é Aécio, amanhã pode ser qualquer um. Os senadores deram um tempo ao STF: ou o plenário da Corte derruba a decisão, ou o plenário do Senado vai fazê-lo.

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Eliane Cantanhêde quarta, 27 de setembro de 2017

É DURO VOLTAR - OLHAR O BRASIL DE FORA CAUSA PERPLEXIDADE E UMA TRISTEZA SEM FIM
 

 

É duro voltar

Olhar o Brasil de fora causa perplexidade e uma tristeza sem fim

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

26 Setembro 2017 | 03h00

Acompanhar de longe as notícias sobre o Brasil é um exercício complexo e deixa qualquer um numa tristeza sem fim. Um País tão lindo, tão diversificado, cheio de potencialidades, mas atolado numa corrupção gigantesca, numa desigualdade feroz e numa violência urbana sem paralelos, girando em círculos, sem saída. De dia é pânico, de noite é rock and roll. Mas o pânico fica, o rock acaba.

O bom da história é que a economia vem aos poucos se descolando do descalabro na política e tentar entender essa bifurcação é um desafio e tanto, até mesmo para os experts. Só não é difícil imaginar como está o clima no governo, particularmente no Planalto, com o presidente Michel Temer novamente no foco.

As manchetes políticas não são apenas devastadoras como abafam os bons resultados na economia que pipocam daqui e dali. Temer é alvo do segundo processo e de delações premiadas que vão sendo estrategicamente divulgadas. É Petrobrás, é Furnas, é CEF. Como destacar boas novas? 

Os juros continuam caindo. A inflação persiste abaixo da meta. Há recuperação de empregos com carteira assinada pelo quinto mês consecutivo. E, apesar do recuo de ontem, a Bolsa bate recordes. Nesse cenário, a previsão de crescimento melhora (ou deixa de ser tão aterrorizante). Mas e daí?  

Daí que Temer voltou às manchetes policiais e à chantagem do Congresso num processo de resultado previsível, enquanto o ministro Henrique Meirelles finge que não tem nada a ver com isso e tenta colar sua campanha para a Presidência em 2018 à recuperação da economia. 

Logo, a política traga Temer por um lado, a economia impulsiona Meirelles pelo outro, mas é preciso cautela para avaliar suas chances. Eles gostariam que a economia levantasse o presidente e os problemas políticos não atingissem o ministro e dá-se o contrário: a economia não beneficia o presidente e a impopularidade do governo tende a atrapalhar o ministro.

De toda forma, Meirelles voltou ao Brasil, entrou na política e aceitou os cargos que aceitou porque só pensa em ser presidente; o tabuleiro de 2018 está tão aberto que qualquer um se julga com direito de se lançar (até apresentadoras de TV?!); a economia pode se transformar num bom cabo eleitoral.

Longe ou perto das notícias, portanto, é possível entender o movimento de Meirelles, o que é incompreensível é Lula atingir o número cabalístico de sete inquéritos e não só manter como recuperar seguidores, enquanto o juiz Sérgio Moro faz o percurso inverso.

Mas, do outro lado do Atlântico, os dois grandes impactos são o turismo e a segurança, que, aliás, têm relação direta de causa e efeito. Onde você vai na Itália, em Portugal, na Croácia, na linda Eslovênia ou na sofrida Bósnia, há sempre uma multidão incrível de turistas de todas as partes e, claro, levas e levas de brasileiros, gerando empregos e desenvolvimento. Há cidades que, sozinhas, recebem mais turistas do que o Brasil inteiro.

A sensação de segurança é até estranha. Você não acha que vai ser assaltado na primeira esquina, não enxerga no rapaz ali parado um ladrão pronto para dar o bote, muito menos passa pela sua cabeça que vão te cortar a garganta ou dar um tiro à queima-roupa para roubar sua carteira. E ainda se tem de ouvir o taxista português contando o trauma da família depois do arrastão contra a excursão da sua irmã a Porto de Galinhas...

Nas eleições de 2018, a prioridade será não roubar, não deixar roubar e recuperar desenvolvimento e empregos, mas vai entrar para a história quem combater decisivamente a facilidade com que se assalta e se mata em qualquer região, cidade ou rua. O Brasil está doente. Sair de férias é ótimo, duro é voltar.

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Eliane Cantanhêde sexta, 08 de setembro de 2017

PACTOS DE SANGUE
 

Pactos de sangue

Lula é alvo de Palocci e Janot; Joesley é alvo de todos, até dele mesmo 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

08 Setembro 2017 | 05h00

Sai Michel Temer por ora e entram na mira o ex-presidente Lula e o empresário Joesley Batista. O depoimento do ex-poderoso ministro Antonio Palocci é considerado a bala de prata contra Lula, enquanto o arrogante Joesley cuidou de atirar, ele mesmo, no próprio pé – ou no próprio peito. Se o PT vinha lucrando com a desgraça de Temer, não lucra mais.

Lula passou as últimas semanas encenando o papel de candidato a presidente, mas essa possibilidade é cada vez mais distante. Numa única semana, e numa semana com feriado na quinta-feira, ele foi atingido duramente duas vezes: além de Palocci denunciar o “pacto de sangue” entre PT e Odebrecht, o procurador Rodrigo Janot denunciou Lula e a pupila Dilma Rousseff por organização criminosa.

Condenado num processo e réu em cinco outros, Lula parece ter sete vidas políticas, mas vai consumindo uma a uma, com as denúncias de desvios, escândalos e favorecimento pessoal ilícito. O PT e seus seguidores não têm mais como atribuir as agruras de Lula na Justiça ao juiz Sérgio Moro ou à elite malvada, à direita enraivecida ou à mídia parcial. 

Quem agora denuncia Lula é Janot, que até pode ser considerado inimigo de Temer, mas nunca foi chamado de inimigo do petista. E ele não denunciou apenas Lula, mas também Dilma, o próprio Palocci, mais três ex-ministros, o ex-tesoureiro do PT Vaccari Neto e a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann. E pediu o bloqueio de nada modestos R$ 6,5 bilhões da turma.

E quem está contando os podres de Lula e o PT é Palocci, legítimo representante da elite, mas da elite do PT e dos governos Lula e Dilma, dos quais, aliás, caiu estrondosamente – e por suspeitas de corrupção. Logo, Palocci participou de tudo e sabe bem como as coisas funcionavam. Já imaginaram uma acareação pública entre Lula e Palocci?!

Lula está gravemente baleado e vai perdendo seu discurso de vítima e sua eterna condição de inimputável. Com um detalhe: desde o início, inclusive aqui neste espaço, falou-se que Antonio Palocci não é um José Dirceu. Há um gap de ideologia, de compromisso, talvez de caráter. Dirceu tem aguentado firme e forte, mas Palocci iria cair mais cedo ou mais tarde. Aliás, como Guido Mantega, o próximo a abrir a boca.

A balança entre Temer e Joesley Batista também inverteu. Se Joesley armou uma armadilha para Temer e quase derrubou um presidente da República, é a vez de Temer assistir, de camarote, à desgraça do seu algoz, com o sabor extra de sentir a aflição de Janot, que agora flecha e é flechado.

A conversa asquerosa com Ricardo Saud revela um Joesley simplório, mas megalomaníaco. Tinha certeza de que jamais seria preso, ameaçava “moer” o Executivo e o Judiciário e gabava-se de comprar qualquer um, mas deve ser preso, sim, como pede o ministro do STF Luiz Fux, está sendo moído pela PGR que manipulou e servido de bandeja para a opinião pública. O ex-poderoso Joesley virou uma ilha, cercado por todos os lados. Tudo o que disser, daqui em diante, será usado contra ele.

Temer tem 15 minutos de alívio, mas deve ser prudente. Nenhuma imagem foi tão avassaladora, em três anos e meio de Lava Jato, quanto o apartamento cheio de malas e caixas com R$ 51 milhões – R$ 51 milhões! – do seu amigo e ex-ministro Geddel Vieira Lima. Geddel foi vice-presidente da CEF no governo Dilma, mas sua identificação pública e política é com Temer. A mala de dinheiro do ex-assessor Rocha Loures já fez bom estrago na imagem do presidente. Imagine-se um apartamento de dinheiro do ex-ministro Geddel? Na próxima semana, as flechas de Janot devem se voltar de novo contra Temer, seu alvo preferencial.

PS: Enfim, duas semanas de férias. Até a volta!


Eliane Cantanhêde quarta, 06 de setembro de 2017

ANÁLISE: GRAVÍSSIMA É A IRRITAÇÃO DO STF COM A PROCURADORIA-GERAL
 
 

ANÁLISE: ‘Gravíssima’ é a irritação do STF com a Procuradoria-Geral

Rodrigo Janot não foi preciso nem justo ao jogar suspeitas sobre ministros do Supremo a 13 dias de deixar o cargo 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

06 Setembro 2017 | 05h00

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não foi preciso nem justo ao jogar suspeitas sobre ministros do Supremo nesta segunda-feira, 4, a 13 dias de deixar o cargo. As quatro horas de conversas entre Joesley Batista e seu fiel escudeiro Ricardo Saud contêm apenas uma revelação realmente “gravíssima”: o papel duplo do ainda procurador Marcelo Miller, que era, simultaneamente, parte da equipe de Janot e do time de Joesley.

Durante 24 horas, o Brasil escandalizou-se ao saber que havia citações aos ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Mas, ao ouvir os áudios, o que se descobre? Que as falas são grosseiras e criminosas, um horror na forma e no conteúdo, mas nada que possa ser considerado desabonador aos três ministros. Aliás, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo foi tratado de forma indigna, mas não flagrado em atos indignos ou “gravíssimos”.

Diante da irritação geral no STF, Cármen Lúcia, que o preside, gravou pronunciamento não só em defesa da instituição, dos colegas e dela própria, mas também de ataque – elegante, mas ataque – a Janot. Ao lembrar que ele havia incluído os ministros ao falar do “conteúdo gravíssimo”, a ministra cobrou duramente: “Agride-se de maneira inédita na história deste país a dignidade institucional deste Supremo Tribunal e a honorabilidade de seus integrantes”.

 

Nos bastidores do Supremo, concluiu-se que Janot não quis “afundar sozinho”, ao descobrir o quanto ele e a PGR haviam sido manipulados por Joesley e Saud. Atingido em cheio pela confirmação de que Miller era mais uma marionete da JBS, principalmente contra o presidente Michel Temer, decidiu repartir as culpas e arrastar o Supremo junto. Havia uma guerra entre Janot e Gilmar, agora há uma guerra entre a PGR de Janot e o STF. Só com a posse de Raquel Dodge, no dia 17, virá a paz.


Eliane Cantanhêde sexta, 01 de setembro de 2017

MAU HUMOR GENERALIZADO
 

Mau humor generalizado

‘Árvore podre não dá fruto bom.’ E esse sistema político, vai dar bom presidente?

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

01 Setembro 2017 | 03h00

Nada é por acaso, muito menos o desgaste do juiz Sérgio Moro na última pesquisa Ipsos, na qual ele ainda é muito mais bem avaliado do que políticos de ponta e até ministros do Supremo, mas perdeu pontos justamente no Norte, no Nordeste e nas classes D e E. Aí tem!

É justamente no Norte e no Nordeste que o PT e particularmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são campeões de voto e têm os mais fiéis seguidores, cegos, surdos e mudos para quaisquer revelações da Lava Jato, que opõem Moro a Lula. Ali, a versão de Lula vale mais do que os fatos de Moro.

E estão nas classes D e E os cidadãos e cidadãs com menor escolaridade e maior ingenuidade, menor nível de informação e maior crença no que Lula diz. Aliás, ele está percorrendo o Nordeste, num périplo que o PT chama de “Caravana pelo Brasil” e seus críticos apelidaram, ironicamente, de “Caravana da Saudade, ou da Despedida”. 

Ninguém é perfeito. Sérgio Moro não é perfeito. Mas é incrível como podem conferir 37% de desaprovação para o símbolo de uma operação que escarafunchou a corrupção como nunca antes no País, revelou roubalheira de bilhões de reais e está mostrando que a Justiça finalmente não só deve como pode ser igual para todos. 

A cúpula e a militância do PT não conseguem defender Lula da acusação de que foi comprado pelas empreiteiras e comandou o fatiamento da Petrobrás entre corruptos de partidos, empresas e da própria companhia. Assim, partem para o ataque, na velha base do “nós contra eles”. Lula é santo. Quem o acusa é demônio.

Moro não chega a tanto, pois teve 55% de aprovação, contra 37% de desaprovação, bem melhor do que, por exemplo, os ministros do STF Gilmar Mendes (67% de desaprovação), Edson Fachin e Cármen Lúcia. Mas o desgaste vem aumentando. E não só dele, mas, claramente, da Lava Jato. 

Às vésperas da campanha de 2018, a pesquisa sugere que a versão do PT e de Lula está voltando a ter ressonância em algumas faixas e continua forte em duas regiões, uma delas bastante populosa – o Nordeste. Depois de anos de baixa e da derrota acachapante nas eleições municipais de 2016, o partido recupera seu poder de ataque?

Essa percepção se torna ainda mais forte quando a própria pesquisa Ipsos aponta para uma grave rejeição aos principais líderes (e candidatos) do PSDB, o partido que polariza com o PT desde ao menos 1994. Quanto mais o PSDB cai, mais o PT pode subir.

Na lista de políticos, o candidatíssimo Alckmin (“Pronto para a guerra”, conforme coluna de domingo) ficou em oitavo lugar na desaprovação, melhor do que Aécio, Serra e FHC. Ele, porém, teve pesados 74% de desaprovação e só 14% de aprovação. Já o seu inimigo, ops!, amigo Doria chegou em 19.º lugar, mas não pode soltar fogos. 

Favorecido pelo discurso do “novo”, a ampla exposição, o talento marqueteiro e o pouco conhecimento, Doria ficou bem diante de políticos tradicionais e à frente de Luciano Huck, que não é prefeito, político ou, ao que se saiba, candidato. Mesmo assim, Doria teve 52% de rejeição e só 19% de aprovação.

Tem-se, portanto, que a sociedade brasileira está de mau humor, profundo mau humor, e distribui rejeição para todos os lados: o presidente da República, ministros do STF, o juiz mais conhecido da Lava Jato, políticos de todos os partidos, antigos e novos presidenciáveis.

Assim, tem razão o ministro Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, quando diz que não adianta discutir nomes, se o problema não é só dos políticos, mas do sistema. “Árvore podre não dá bom fruto”, compara. Os políticos só falam nos frutos, mas a sociedade se une para derrubar essa árvore.

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Eliane Cantanhêde quarta, 23 de agosto de 2017

BANHO DE SANGUE - CORRUPÇÃO E VIOLÊNCIA DE MÃOS DADAS

Banho de sangue

Corrupção e violência de mãos dadas, contra os brasileiros e o futuro do Brasil

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

22 Agosto 2017 | 03h00

 

O mundo chora os 15 mortos do terrorismo em Barcelona, mas quem vai chorar os nossos 28 mil mortos pela violência descontrolada no primeiro semestre no Brasil? São, nada mais, nada menos, 155 assassinatos por dia! Algo como seis por hora! E podem chegar a 60 mil até o fim do ano!

Os alvos dos ataques monstruosos do Estado Islâmico são homens, mulheres e crianças de variadas nacionalidades, para potencializar o horror, a divulgação mundo afora e o pânico. Os alvos no Brasil são pobres, ricos, de capitais, do interior, tanto faz. Qualquer um de nós (ou dos nossos filhos) pode ser a próxima vítima.

O Estado se mostra incapaz, a cidadania parece entorpecida, a onda de violência não respeita nenhum limite, alastra-se pelo País inteiro e o Rio de Janeiro continua lindo, mas virou o mais dramático e triste exemplo do ponto a que chegamos, produzindo diariamente manchetes e vídeos aterradores. A vida não tem mais valor nenhum.

 

Crianças morrem com tiro na cabeça dentro de escolas ou na sala dos pais. Turistas estrangeiros são assassinados porque entram na “comunidade” errada. Não se pode andar na rua, nem de bicicleta, nem de carro, nem de ônibus, nem de metrô. A pessoa sai para trabalhar sem saber se volta. Mas também quase não se pode mais ficar em casa. Os tiros atingem todos os lugares.

Quem é pago para controlar a onda corre dois riscos. Ou é engolido pelo “sistema” e/ou pela constatação de que essa é uma guerra perdida e não há o que fazer. Ou morre às dezenas, deixando viúvas e filhos pequenos. Só neste ano são quase cem policiais assassinados no Rio. Rezemos para já não serem cem quando esta coluna for publicada.

Assim, temos um País onde a grande maioria está espremida entre dois extremos. Na cúpula, governantes, gerentes de estatais, doleiros e “operadores” desviam bilhões da saúde, da educação, da moradia, da infraestrutura – e do futuro. Na base, quadrilhas sem lei e sem horizonte agem à luz do dia, armadas até os dentes, sem pensar duas vezes para apertar o gatilho.

O desemprego e a desesperança completam esse quadro, mas quem se refugia no Primeiro Mundo não são os da cúpula nem os da base do crime. São, por exemplo, os melhores estudantes, os profissionais mais promissores, os que mais têm a contribuir com o Brasil, afinal empurrados para contribuir com a ciência, a tecnologia e o desenvolvimento justamente dos países que já são campeões em tudo isso.

A reforma política se encaixa perfeitamente aí. Não um distritão feito às pressas, não um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões em meio à crise fiscal, não um quebra-galho para a eleição seguinte. Uma reforma política para valer, com novas regras, novos filtros, mais debate sobre o País, mais compromisso com a realidade e menos com cores e efeitos especiais.

O passo seguinte à Lava Jato, que expõe o mundo da corrupção e aponta os maiores culpados, tem de ser a atualização das regras políticas, partidárias e eleitorais. É essencial começar a mudar o País pelas cúpulas, para que elas realmente assumam a responsabilidade pelo que acontece nas bases. Sem mudar por cima, os brasileiros vão continuar matando e morrendo por baixo.

Temer. O instituto Paraná Pesquisas perguntou: “O presidente Temer ainda pode conquistar aprovação da sociedade e ter influência para ajudar um candidato em 2018?”. Respostas: 79,3% disseram não; 11,3%, sim; 6,3%, talvez; 3,1% não sabem. Logo, Henrique Meirelles nem padrinho tem.

PSDB. Quando até vereador solta nota para criticar a cúpula, a conclusão é de que os tucanos cansaram deles mesmos. Como a polaridade em 2018 tende a ser ainda entre PT e PSDB, os petistas estão dando gargalhadas.

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Eliane Cantanhêde domingo, 20 de agosto de 2017

ACORDA, CONGRESSO!

Acorda, Congresso!

O foco do Brasil está na crise fiscal e na reforma política, mas o Congresso não está nem aí

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

18 Agosto 2017

O Congresso Nacional está de costas para os interesses do País e isso significa que os representantes dos brasileiros não estão representando os interesses dos brasileiros. Os dois maiores desafios nacionais, neste momento, são combater a crise fiscal e renovar a cultura e o modo de fazer política e eleições. E no que a Câmara e o Senado, que deveriam liderar esse processo, estão contribuindo para isso?

Como o Estado publicou ontem, o Brasil acumulou um superávit de R$ 801,6 bilhões de 1999 a 2013, ou seja, nos governos Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva, mas deu uma cambalhota estonteante na gestão Dilma Rousseff e, a partir dos últimos quatro anos, o que era superávit robusto virou déficit e pode chegar a desesperadores R$ 818,6 bilhões em 2020. E ainda dizem que não houve pedaladas e que o impeachment foi “golpe”...

Como na aritmética, não há mágica contra o rombo. Assim como dois mais dois serão sempre quatro, a única forma de tentar reequilibrar as contas é cortando gastos e aumentando receitas. Ambas passam pelo Congresso, mas, em vez de reduzir, os congressistas aumentam os gastos, em vez de aumentar, reduzem previsão de receitas.

Tudo isso, é claro, piora muito em ano pré-eleitoral. O Executivo enviou o projeto de refinanciamento de dívidas privadas para o Congresso na esperança de negociar condições que servissem de estímulo para os devedores e engordassem os cofres públicos. O que o Congresso fez? Mudou tudo, premiando os devedores e surrupiando os recursos que reforçariam o caixa.

 

Detalhe: muitos parlamentares têm dívidas e seriam favorecidos pelas mudanças, que resultam num projeto Robin Hood às avessas: não tira dos ricos para dar aos pobres, mas da maioria para dar à minoria rica. Em plena crise! A expectativa do governo era de receber R$ 13 bilhões, mas o relator Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG) reduziu isso para R$ 500 milhões. Aliás, ele é sócio de empresas que devem milhões à União. O governo vai ter de enviar nova proposta a qualquer momento. Perdem-se tempo e energia, quando o Brasil tem pressa de soluções e não tem mais energia para desperdiçar.

Agora, como o Congresso vai reagir ao aumento da meta fiscal para R$ 159 bilhões em 2017 e também para 2018? Vai aprovar? Vai. Mas vai cobrar caro, porque Michel Temer avisou que não visaria à popularidade e iria atacar o rombo para recolocar a economia nos trilhos. A popularidade, que já era escassa, esfarelou de vez e nem por isso o governo está vencendo a guerra fiscal. 

Congresso tem atrapalhado. Aprovou aumentos salariais de categorias já muito bem remuneradas do funcionalismo, meteu a faca no pescoço de Temer para trocar votos contra a denúncia da PGR por emendas parlamentares e, agora, não se veem líderes nem liderados se coçando para aprovar algo fundamental quando se fala em rombo: a reforma da Previdência.

Ao contrário, enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário. É preciso financiar a democracia, mas falar numa bolada dessas nesses tempos de crise e de desprestígio da política é de amargar.

Por falar em eleições, a Lava Jato é uma aula diária sobre como é feita a política no Brasil e encarada como um marco, mas o Congresso parece não entender o recado e só pensa no fundo generoso e no distritão, que divide os próprios partidos. Como disse o juiz Sérgio Moro, “uma reforma política que não é uma reforma política”. Há muitos anos sabe-se – inclusive o PT – o quanto as reformas política e previdenciária são fundamentais. O que prevalece: o fundamental para o País ou o melhor para os políticos?


Eliane Cantanhêde quarta, 09 de agosto de 2017

SEM SOMBRA E ÁGUA FRESCA
 

Sem sombra e água fresca

A calmaria é só na superfície, porque a economia e a Lava Jato estão a mil por hora

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

08 Agosto 2017 | 03h00

Derrotada na Câmara a denúncia contra o presidente Michel Temer, o previsível é que o foco de Brasília e da mídia se desloque para duas outras áreas: a economia e a guerra entre Polícia Federal, Ministério Público e ministros do Supremo, inclusive com troca pública de desaforos. A política entra numa fase mais morna, a economia esquenta e a Lava Jato pode incendiar tudo de novo.

Na economia, a prioridade é a questão fiscal, com arrecadação baixa, gastos altos e a pressão política para Temer pagar suas dívidas pelo enterro da denúncia da PGR e fazer novos empenhos para aprovar a reforma a Previdência. Os riscos são o recuo no fim do imposto sindical, o esfarelamento da reforma e a votação de uma nova meta fiscal para 2017 e, talvez, de um novo teto de gastos para os anos seguintes.

Para amenizar o clima com as centrais sindicais, que miram na reforma trabalhista para derrubar o fim do imposto sindical, Temer e sua área técnica se preparam para apresentar uma fórmula intermediária. Leia-se: o imposto acabou, mas pode ressuscitar em função de interesses políticos. Resta saber o que a opinião pública acha disso. 

E, para atrair votos do Congresso, a área política defende um enxugamento na reforma da Previdência, que ficaria restrita a uma nova idade mínima para aposentadoria e o fim de privilégios do funcionalismo. Leia-se: viraria um remendo, até que o futuro presidente faça o que tem de ser feito para evitar o colapso do sistema. Resta saber o que os agentes econômicos acham do recuo.

De qualquer forma, Temer mantém a prioridade para a reforma da Previdência, como enfatizou em reunião no domingo com ministros e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira. Maia reiterou que a votação será difícil e que os votos dos tucanos são fundamentais, mas, ontem, admitiu levar o projeto ao plenário em setembro. Será?

Apesar de versões públicas de que não estão nem aí para o PSDB, é óbvio que Temer e seus ministros políticos e econômicos sabem o quanto o partido é importante para as decisões econômicas. Não só na reforma da Previdência, mas também na eventual revisão da meta fiscal e do teto de gastos.

Tanto é assim que Temer foi ontem a São Paulo participar de solenidade com o prefeito João Doria. Com Aécio Neves muito ocupado com as acusações conta ele, Tasso Jereissati liderando a oposição ao Planalto e Geraldo Alckmin articulando contra nos bastidores, quem sobra? Doria, mais cauteloso diante do governo Temer.

Enquanto Temer arma o jogo para as votações fundamentais na economia, há preocupação com as flechadas do procurador Rodrigo Janot nesses 40 dias até passar o bambu para Raquel Dodge. Como é improvável que ele tenha algo mais forte do que a gravação de Joesley Batista com Temer e os vídeos da mala de dinheiro do ex-assessor Rocha Loures, fica a dúvida: as ameaças de Janot são só guerra de nervos, ou ele tem mesmo bambu contra Temer?

Enquanto a resposta não vem, a guerra entre Janot e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, entrou no vale-tudo: flechadas, tiroteios, acusações e insinuações. Como é uma guerra de procurador contra procurador (Gilmar vem do MPF), confirma que a PGR está bastante dividida, além de enfrentar uma contestação atrás da outra da PF contra as delações hiperpremiadas.

Então, Brasília parece viver uma calmaria na política, mas é só na superfície. Na realidade, o pós-denúncia de Temer é de muitas interrogações quanto à economia, aos tucanos, às bombas contra Temer e seus ministros. Aliás, mesmo quando Janot sair, a PGR não vai parar. Raquel Dodge pode surpreender aqueles que estão sonhando com sombra e água fresca depois de 17 de setembro.

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Eliane Cantanhêde quinta, 03 de agosto de 2017

TEMER VENCE A BATALHA, MAS A GUERRA CONTINUA

ANÁLISE: Temer vence a batalha, mas a guerra continua

Três armas levaram o presidente a essa vitória: emendas parlamentares, seu profundo conhecimento da Câmara, que já presidiu três vezes e, particularmente, o desinteresse da população

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

03 Agosto 2017 | 05h00

Nunca antes neste País um presidente da República em pleno mandato foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Nunca antes neste País a Câmara negou a autorização para o processo no Supremo Tribunal Federal. E nunca antes neste País os gramados do Congresso ficaram vazios durante uma votação tão importante.

Às 18 horas, a Polícia Legislativa identificava mais de 200 policiais militares e apenas 30 pessoas diante do Congresso e não mais do que 50 se movimentando a partir da rodoviária. “Nem cem manifestantes?!”, exclamava um experiente segurança, acostumado há décadas de grandes votações e grandes manifestações.

Foi assim que o presidente Michel Temer venceu sua mais importante batalha com três armas: emendas parlamentares, seu profundo conhecimento da Câmara, que já presidiu três vezes e, particularmente, o desinteresse da população. O “fora, Temer” não virou o “Rodrigo Maia já”. 

Nem a CUT, a UNE, o MST e o MTST se animaram a alugar ônibus, providenciar quentinhas e encher a Esplanada de Niemeyer de gente, bonecos e faixas. Os protestos foram dos caminhoneiros, bem longe da capital da República. Será que o PT não queria de fato a queda de Temer? Muitos da esquerda acham que não.

 

Do outro lado, o PSDB foi lamentável desde o início da denúncia. Era governo, mas não era. Ia pular fora, mas não pulava. O presidente licenciado, Aécio Neves, era pró-Temer. O interino, Tasso Jereissati, contra Temer. A casa da Mãe Joana.

Temer venceu a principal batalha, mas a guerra continua. Sua intenção é dar um caráter de recomeço ao seu governo e isso inclui um pronunciamento pela TV e rádio, novas iniciativas parlamentares, tentar a reforma tributária. E... mudar a coligação de forças aliadas.

Se o PSDB conferiu um certo verniz ao início do governo, tudo indica que Temer tenha se cansado e dê uma guinada para o Centrão. Saem os tucanos indecisos e divididos, entra o Centrão, sua tropa de choque. Afinal, guerra é guerra e o procurador Rodrigo Janot está à espreita, com seus bambus e suas flechas.

No dia inteiro de sessões, a oposição empurrou a votação para o horário nobre das TVs, falou ao eleitorado e foi duríssima contra Temer e a reforma da Previdência. Mas os favoráveis a Temer foram cautelosos. Eles votaram “pela estabilidade” e “pela economia”, mas raros assumiram uma defesa explícita de Temer contra a denúncia. Conclusão: Temer venceu, mas nem por isso foi efetivamente absolvido.

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Eliane Cantanhêde domingo, 30 de julho de 2017

TEMER E JOESLEY

Temer e Joesley

Temer luta pelo mandato; Joesley, para manter acordo de delação e impunidade

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

30 Julho 2017 | 05h00

Às vésperas da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara, a JBS solta provas e detalhes que atingem não apenas Temer como praticamente todo o Congresso que irá julgá-lo. É uma bomba de desmoralização na política brasileira e foi acionada porque Joesley e Wesley Batista só têm uma forma de se salvar: destruindo os outros. Depois das delações, é hora das provas.

Elas têm consistência, como mostra a revista Época. São nomes, dados, contas, datas e operadores de uma rede de corrupção que humilha a Odebrecht. Envolvem Temer, os ex-presidentes Lula e Dilma, ministros como Kassab e Bruno Araújo, ex-ministros como Palocci e Mantega, senadores como José Serra e Eunício Oliveira, e presidentes e deputados da maioria dos partidos.

A revelação das provas da JBS neste momento foi pragmática: a reabertura do Judiciário reabre também a pressão, os debates e as articulações para a revisão do acordo de delação premiada dos irmãos Batista, que corromperam meio mundo e agora explodem o mundo todo, mas saíram ilesos, sem um único dia, ao menos, com uma tornozeleirazinha. 

Para manter a mamata, é fundamental robustecer as delações com provas concretas e escapar das brechas. Tanto os advogados da JBS quanto os que querem rever o acordo se debruçam sobre o mesmo material: as gravações dos quatro dias de julgamento em que o Supremo decidiu manter o caso JBS com o relator da Lava Jato, Edson Fachin, e concluiu, sem concluir, quando acordos de delação podem ser anulados e revistos. Acusação e defesa acham a decisão muito confusa.

Joesley e Wesley enfrentam quatro ameaças de perder as benesses da sua delação: 1) se, ao contrário do que concluiu a PGR, ficar provado que eram “líderes de organização criminosa”; 2) se o relatório da Polícia Federal sobre a nulidade da delação de Sérgio Machado produzir efeitos; 3) se comprovado que eles usaram “inside information” para lucrar milhões de dólares com o vazamento da delação; 4) se omitirem informações para proteger Lula e o amigão Palocci.

Os irmãos já preparam a contraofensiva. A primeira foi jogar essa história de quadrilha no colo de Temer, agora veio a apresentação das provas que jorram neste fim de semana, depois é alegar que Sérgio Machado, diferentemente deles, não provou nada. E, enfim, que seria “burrice” manipular dólar e Bolsa no dia da delação. Mera “coincidência”.

Quanto a Lula e Palocci: foi com eles, e à custa do nosso BNDES, que a JBS deixou de ser uma grande empresa nacional para virar uma gigante internacional, mas ele argumenta que “quem tinha Mantega no BNDES não precisava de Palocci”. E o Lula? Se Joesley jogou todo o peso em Temer, mas premeditadamente só passou de raspão por Lula, seu maior benfeitor, isso pode ser caracterizado como “má-fé” e justificar quebra do acordo.

Os irmãos da JBS, portanto, ainda têm muito chão pela frente, mas suas provas na Épocadeixam uma pergunta no ar: como os deputados citados nas suas delações e planilhas podem absolver ou, principalmente, condenar Temer? “Réu” e jurados estão no mesmo balaio. Aliás, até agora, não há um único processo no Congresso contra citados na Odebrecht ou na JBS.

Temer tem votos para salvar o pescoço, mas pode não ter para abrir a votação, que exige 342 deputados. Parte da oposição quer se ausentar, para deixá-lo “sangrando”, ou “com a barriga aberta”, como diz o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. E parte da situação até gosta da ideia, para não se expor ao vivo votando a favor de um presidente com míseros 5% de popularidade. Quanto ao País “sangrando” ou “com a barriga aberta”? Bem, essa é uma outra história. 


Eliane Cantanhêde terça, 25 de julho de 2017

CONGRESSO PREPARA SURPRESA CONTRA A LAVA-JATO E A FAVOR DOS PARLAMENTARES

Em causa própria

Congresso prepara ‘surpresas’ contra a Lava Jato e a favor dos parlamentares

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

25 Julho 2017 | 03h00

O Congresso Nacional já está levando palmadas da Lava Jato, broncas da opinião pública e notas baixas nas pesquisas, mas aproveita o recesso para fazer mais peraltices. Como o Estado vem antecipando, os parlamentares tentam usar a reforma política e a reforma do Código Eleitoral para favorecer os alvos da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal.

Um dos exemplos mais lustrosos é a tal “emenda Lula”, que aumenta de 15 dias para oito meses o prazo em que os candidatos às eleições já de 2018 não podem ser presos, a não ser em flagrante delito. Oito meses é uma eternidade. Principalmente para cometer crimes impunemente.

Quem assume a ideia é o relator da comissão especial da reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), e fica evidente a intenção de garantir duas blindagens para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o único nome que os petistas de fato consideram para 2018. De um lado, dificultaria a prisão de Lula. De outro, garantiria a sua candidatura. 

O argumento de Vicente Cândido é realista: caso aprovada, a mudança não beneficiaria apenas Lula, mas dezenas, ou centenas, de candidatos que estão com a PF, o MP e a Justiça no cangote. Logo, ele prevê um acordão para a votação em plenário. E nós, o que prevemos? Que haverá dezenas, ou centenas, de candidatos pintando e bordando por aí, ilesos. 

A outra bondade coletiva gestada no Congresso, conforme o Estado de ontem, é numa outra comissão, a do Código de Processo Penal. Se nunca aprovou e até articulou estraçalhar as dez medidas anticorrupção sugeridas por procuradores, a Câmara agora tenta partir para cima de três pilares da Lava Jato: a delação premiada, a prisão preventiva e a condução coercitiva.

O relator é o deputado João Campos (PRB-GO), que pretende apresentar seu parecer em agosto, para votação em plenário já em outubro. Isso, claro, é só uma esperança dele e dos interessados diretos, que temem justamente as delações, prisões e conduções coercitivas. É improvável, porém, que haja clima para passos tão ousados na contramão da opinião pública.

Além dessas mudanças, há outras no Congresso sob encomenda para favorecer os próprios parlamentares. Exemplo: o projeto de parcelamento e perdão de dívidas tributárias e previdenciárias. Pois não é que os deputados e senadores que vão votar esse negócio de pai para filho devem R$ 532,9 milhões à União? Se isso não é legislar em causa própria, é o quê?

Essas iniciativas caracterizam o típico corporativismo, ou espírito de corpo, já que a maioria dos partidos (incluindo todos os maiores) e grande parte da Câmara e do Senado são atingidos pela Lava Jato e temem as novas delações que estão sendo negociadas principalmente com a Procuradoria-Geral da República, mas também com a Polícia Federal – caso do publicitário Marcos Valério, pivô do mensalão.

Não custa lembrar que iniciativas anteriores para livrar políticos ou para limitar as investigações não deram certo. A gritaria da sociedade foi mais forte e os parlamentares foram obrigados a voltar atrás na descaracterização das dez medidas anticorrupção, na nova lei de combate ao abuso de poder e na inclusão de parentes de políticos nas benesses da repatriação de recursos ilegais no exterior.

Ou seja, por enquanto, as ideias das comissões são apenas ideias, rascunhos que podem ser muito bem alterados antes de ganharem corpo e serem submetidos aos plenários para virarem lei. E não serão aprovadas se a sociedade, escaldada que está, ficar alerta e de olho vivo. Mais uma vez, é melhor prevenir, enquanto são só projetos, do que chorar sobre o leite derramado, depois da aprovação no Congresso.

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Eliane Cantanhêde terça, 18 de julho de 2017

LULA E BOLSONARO

Lula e Bolsonaro

Não é para eleger Lula nem Bolsonaro que a Lava Jato refunda o Brasil

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

18 Julho 2017 | 03h00

Enquanto o prefeito João Doria estuda as falas e trejeitos de Emmanuel Macron e tenta mimetizar a eleição dele no Brasil, o deputado Jair Bolsonaro vai tentando, devagar e sempre, seguir a trilha de Donald Trump, que era tão absurdo, ninguém acreditava e chegou lá. Uma surpresa mundial. Ou melhor, um susto.

A imprensa americana – e, por conseguinte, a brasileira – não viu Trump, não acreditou em Trump, ridicularizou Trump e, no final, foi obrigada a engolir a vitória dele para a presidência da maior potência mundial. Agora, a opinião pública nacional não acredita, não vê e não leva Bolsonaro a sério. O risco é ser novamente surpreendida.

Homem de comunicação, Doria é um craque midiático e está todos os dias nas capas de sites e de jornais, nos programas mais populares de TV e em rádios de diferentes regiões. Bolsonaro é quase ausente da mídia nacional, mas faz sua divulgação no corpo a corpo em aeroportos, nas chegadas a cidades de todo o País e em reuniões fechadas. 

“Anfíbio” que passou parte da vida na caserna e está no seu sétimo mandato na Câmara, viaja muito, abre filas de curiosos ávidos por selfies com ele, agita voos de lá para cá e é recebido como candidatíssimo, não raro com a improvisação de palanques e megafones. As pessoas começam a se perguntar: “E o Bolsonaro, hein?” 

As respostas oscilam em três categorias: há os que o apoiam porque sentem ojeriza pela política e uma vaga nostalgia da ditadura militar; os que têm verdadeira ojeriza ao próprio Bolsonaro e ao que ele representa; e um grupo crescente que nem é tão a favor nem tão contra, mas manifesta curiosidade diante dele.

A eleição de Bolsonaro para a Presidência é altamente improvável, porque ele representa um nicho, não a maioria, e porque ele é pouco conhecido e campanhas são cruéis e reveladoras. São o momento de mostrar as fragilidades e até “os podres” dos candidatos. No mínimo, o que ele entende de economia, negociação política e administração pública?

Mas Bolsonaro está crescendo. Segundo o DataPoder360, que entrou no complexo mundo das pesquisas neste ano, ele já tem 21% e está em empate técnico com o líder Lula (23%), num cenário em que Doria e Marina Silva estão com 13% e 12%. Num outro cenário, com Geraldo Alckmin no lugar de Doria, Lula tem 26% e Bolsonaro, novamente, ostenta 21%. Alckmin fica em terceiro, com 10%, e Marina em quarto, com 6%.

A esta altura, as pesquisas não projetam resultados, apenas apontam tendências, e uma tendência clara é que Bolsonaro está no jogo, um jogo perigoso não só por causa dele. Há um consenso de que a eleição de 2018 será entre candidatos não enrolados na Lava Jato, caso do próprio Bolsonaro, Marina, Doria e Ciro Gomes, o lanterna, por enquanto, mas o líder das pesquisas é considerado também o líder da Lava Jato: o ex-presidente Lula.

Condenado pelo juiz Sérgio Moro, ele poderá se candidatar se o TRF-4 absolvê-lo ou simplesmente não julgá-lo antes do registro da chapa no TSE. Também poderá se o tribunal confirmar a sentença de Moro, mas a defesa entrar com recurso e um tribunal superior der liminar favorável. Os petistas se mobilizam para mudar as regras do jogo com a chamada “Emenda Lula”, que altera o prazo para a prisão de candidatos, de 15 dias para oito meses. Um escândalo.

São dois riscos: a vitória de Lula seria o fim e a desmoralização da Lava Jato, mas, sem ele na eleição, o primeiro nas pesquisas pode passar a ser Bolsonaro. Não é para eleger Lula nem os Bolsonaros da vida que o Brasil faz a faxina que faz. Quem será em 2018, ninguém sabe. Mas quem não deve ser, todos precisamos saber. É melhor prevenir do que remediar.

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Eliane Cantanhêde sábado, 15 de julho de 2017

DOA A QUEM DOER

Doa a quem doer

PT e PMDB veem a denúncia de Temer e a condenação de Lula com sinais trocados. E a verdade?

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

14 Julho 2017 | 03h00

Condenado pelo juiz Sérgio Moro por receber R$ 2,25 milhões de propinas da empreiteira OAS, o ex-presidente Lula mobilizou um punhado de defensores e outro de opositores na Avenida Paulista, em São Paulo. E, ontem, reuniu jornalistas, petistas e aliados incondicionais para dizer que a condenação visa a “fechar o golpe” iniciado com o impeachment de Dilma. E advertiu: “Estou no jogo”.

Gravado pelo empresário Joesley Batista pedindo R$ 2 milhões “para pagar advogados”, o senador Aécio Neves constrange os correligionários em reuniões, não quer largar o osso da presidência do partido e ajuda a aprofundar uma velha praga tucana: a divisão interna. Pelas pesquisas, está completamente fora do “jogo” de 2018.

Denunciado pela PGR como beneficiário dos R$ 500 mil da JBS para o ex-assessor Rocha Loures, o presidente Temer luta bravamente pelo mandato na Câmara, que já presidiu três vezes, e recorre a artigos em jornais e falas pelas redes sociais para se defender. Mal se aguenta no jogo agora, quanto mais em 2018. 

A diferença política entre Lula, Aécio e Temer é que o petista tem tropa. Uma tropa disposta a fechar olhos, ouvidos, bocas e racionalidade para qualquer denúncia e condenação que possam macular a imagem do seu grande líder. Aécio está aquartelado no PSDB, e Temer, no Congresso. Nas ruas, têm zero. 

Petistas do Congresso e das manifestações têm duas certezas: a sentença de Moro é “vazia”, “sem provas”, uma “perseguição política contra a candidatura Lula em 2018”. Já a denúncia contra Temer é “perfeita”, “cheia de provas” e não deixa dúvidas de que “o dinheiro de Loures era para o presidente”.

Dois pesos, duas medidas, mas não é exclusividade petista. PMDB, PP, PTB e outros partidos da base aliada se esgoelam na CCJ da Câmara para considerar a denúncia do procurador Janot contra Temer “inepta”, “meras suposições”, “um golpe” contra Temer. Já a condenação de Lula é “perfeita”, “cheia de provas”, não deixando dúvidas de que “o triplex era de Lula”.

E o PSDB? Apesar de o tucano Paulo Abi-Ackel (MG) ter feito o parecer alternativo pró-Temer na CCJ, cinco dos sete tucanos na CCJ votaram a favor da denúncia de Janot e, portanto, contra Temer. E, fora da comissão, usam o mesmo tom para a condenação de Lula. Ou seja, o partido quer “Fora, Temer” e “Fora, Lula”.

Há dois problemas. Um é que eles gritam “fora” para os outros, mas não têm quem pôr “dentro” e a ascensão de João Doria é prenúncio de racha. O outro problema é o que acontecerá quando Aécio estiver na atual situação de Lula e Temer. Provavelmente, o PSDB vai se dividir, ora, ora, parte defendendo e parte abandonando Aécio.

Vê-se, portanto, que PT, PSDB, PMDB e Centrão não estão analisando as 218 páginas de Moro contra Lula, as 64 de Janot contra Temer ou as gravações contra Aécio. Cada um lê, vê e entende de acordo com suas crenças e/ou interesses. A verdade é só detalhe... Mas a inclusão de Temer e de Aécio no redemoinho esvazia a versão do PT de “perseguição contra Lula” – antes, por ele ser “um operário nordestino e pobre” (que, aliás, ele não é mais há décadas); agora, para impedir que volte à Presidência em 2018. 

A sociedade quer o avanço da Lava Jato, doa a quem doer. Quer saber se documentos, fotos e depoimentos contra Lula são consistentes, em que crime se enquadra o pedido de dinheiro de Aécio para Joesley e se Loures pegou a mala para Temer ou para ele. Ontem, Lula arrancou demonstrações de apoio e a CCJ deu duas vitórias a Temer, mas isso só mostra uma coisa: a Justiça anda para um lado, a política se vira para o outro. E a sociedade bem sabe com quem está.

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Eliane Cantanhêde quinta, 13 de julho de 2017

ANÁLISE - SENTENÇA ESQUENTA O PRÓ-LULA E O PRÓ-PRISÃO DE LULA

ANÁLISE: Sentença esquenta o pró-Lula e o pró-prisão de Lula

Ninguém está (mais) acima da lei, como ensina um juiz de primeira instância, Sérgio Moro, de Curitiba

 

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

13 Julho 2017 | 05h00

Em menos de um ano, o Brasil acumula o impeachment de sua primeira presidente mulher, a condenação de seu ex-presidente mais popular e a denúncia da PGR contra o atual presidente. Tudo isso é inédito, surpreendente e explosivo, mas pode significar rigor com a competência e determinação no combate à corrupção.

Luiz Inácio Lula da Silva não é qualquer um. Tem uma biografia vibrante, um carisma inegável e desceu a rampa do Planalto, oito anos depois da posse, com invejáveis 80% de popularidade. Mas ninguém está (mais) acima da lei, como ensina um juiz de primeira instância, Sérgio Moro, de Curitiba.

Moro não pediu a prisão para evitar “traumas”, mas deu uma sentença pesada, de 9 anos e 6 meses. A condenação pelo triplex já era esperada, a surpresa foi com o tamanho da pena, a ser agora submetida a instâncias superiores. 

Para o PT, a “injustiça” com Lula vai levantar o “povo” e agitar as ruas pró-Lula e contra o presidente Michel Temer. Para os governistas, porém, a condenação de Lula mudará o foco da política, da mídia e da opinião pública, dando algum sossego para Temer. Será? 

É provável que nenhuma das duas profecias vingue. A sociedade deu seu recado em junho de 2013 e no impeachment de Dilma Rousseff, mas está descrente com tudo e com todos. Temer não mobiliza nem pró nem contra. Se as manifestações voltarem, serão pró-Lula, pelos de sempre, CUT, MTST, MST, UNE, e a favor da prisão dele, pelos antipetistas.

O foco nunca deixou de estar em Lula, desde o início da Lava Jato, nem vai deixar de estar em Temer, após a gravação de Joesley Batista e a mala de dinheiro de Rodrigo Rocha Loures. E continuará sobre Aécio Neves, Antonio Palocci, Guido Mantega e a cúpula inteira do PMDB. A fila anda, não vai parar.

Aliás, a condenação de ontem foi só a primeira contra Lula, porque outras virão. E Joesley não perde por esperar.

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Eliane Cantanhêde terça, 11 de julho de 2017

DESCENDO A ESCADA

Descendo a escada

A derrota de Temer, com o parecer do relator Zveiter na CCJ, pode ser só a primeira

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

11 Julho 2017 | 03h00

O governo Michel Temer desceu mais alguns degraus ontem, com o parecer do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ) que acatou a denúncia da PGR contra o presidente alegando que, nesta fase do processo, de acatar ou não, o in dubio pro societate prevalece sobre o universal in dubio pro reo. Em resumo: a sociedade brasileira tem o direito de saber se Temer é ou não culpado. E só vai saber se houver investigação.

Em resposta, o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira foi enfático, até emocionado, para criticar o Ministério Público, condenar a “precipitação” da denúncia, questionar o privilégio da sociedade sobre o indivíduo e falar à alma dos muitos parlamentares que “tiveram a desventura” de serem citados ou investigados: “Como a sociedade se sobrepõe à minha dignidade, à minha individualidade?”

Ao contrário, Zveiter destacou que não cabe à Comissão de Constituição e Justiça nem mesmo à Câmara investigar e muito menos julgar o presidente, o que compete ao Supremo e ao MP. Assim, o que ele submeteu ao plenário da CCJ foi que há “indícios de autoria que justificam acatar a denúncia” e autorizar as posteriores investigações para colher, e apresentar ao final, as provas cabais. O ônus das provas é do STF e do MP. 

Com o apoio da equipe jurídica da Câmara, o deputado carioca concluiu que há “sólidos indícios de autoria e materialidade” apresentados na denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot. E ele focou em dois: Temer recebeu Joesley Batista como presidente e na residência oficial de presidente, o que não caracteriza “violação de intimidade”; e o STF, em 1997, já classificou como prova lícita uma gravação ambiental quando feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro.

 

Mariz devolveu repetindo uma expressão do ministro do STF Gilmar Mendes. Segundo ambos, o MP está criando “o direito penal do porvir”, quando os juízes não julgam mais, os procuradores “é que julgam e condenam”. E Mariz, mais uma vez, advertiu subliminarmente os parlamentares ao insinuar que eles podem ser as próximas “vítimas”: “Vamos gravar! Vamos denunciar! Vamos prender!” Soou assim: se vale com o presidente, vale para Vossas Excelências...”

Para o advogado, a gravação com Temer foi “clandestina e covarde, com objetivos políticos” e o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, acatou a denúncia e a própria gravação “açodadamente”, sem nenhuma investigação e sem ouvir ninguém. Em sua defesa, ele questionou a existência de “indícios sólidos” e disse que, mesmo que a gravação venha ser considerada lícita, ali o presidente “não pediu nada, não recebeu nada, não facilitou nada para ninguém”.

A competição entre Zveiter e Mariz resume os argumentos dos contra e dos pró-Temer que vão se repetir em todo o processo. Mas, na bancada de deputados da CCJ, talvez interessem menos os argumentos e mais as câmeras que transmitem as sessões ao vivo para seus eleitores. A questão é, essencialmente, política.

Assim, a CCJ deu o primeiro passo para a queda de Temer com o parecer de Zveiter, deve dar um segundo no seu plenário de 66 membros e, independentemente da decisão na comissão, quem vai sustar o processo ou autorizá-lo no Supremo será o próprio plenário da Câmara, com 513 deputados. No andar da carruagem, a sensação é de que a decisão será contra Temer.

“Que provem que Temer recebeu, quanto recebeu, quando recebeu!”, bradou Mariz. Se a Câmara autorizar, a PGR é que terá de responder e o Supremo é que julgará. Mas, atenção: se o Supremo acatar o processo, Temer será afastado e, se for, não voltará. Assim, a etapa inicial, política, na Câmara, é fundamental para a sobrevivência ou não de Temer. Depois, Inês é morta.


Eliane Cantanhêde sexta, 07 de julho de 2017

A PEDRA NO CAMINHO - MUNDO POLÍTICO COMEÇA A ASSIMILAR RODRIGO MAIA
 

A pedra no caminho

O mundo político e privado começa a assimilar Rodrigo Maia como natural

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

07 Julho 2017 | 03h00

 

Antes de embarcar para a reunião do G-20 em Hamburgo, o presidente Michel Temer deixou uma mensagem nas redes sociais lamentando as “pedras no caminho”. São muitas pedras, verdadeiros pedregulhos, mas o principal deles tem nome e endereço: Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e na linha direta da sucessão presidencial.

Como dito aqui desde a “bomba” Joesley Batista, presidentes não caem enquanto não há um sucessor engatilhado. Foi assim com Fernando Collor e com Dilma Rousseff e está sendo assim com Temer, que vem resistindo bravamente, mas começa a enfrentar uma sensação que vai se generalizando: a de que Rodrigo Maia está se posicionando para “eventualidades”.

Maia é considerado jovem demais, inexperiente e inadequado para um desafio tão hercúleo, mas é favorecido por uma equação simples: se Temer cai, é o presidente da Câmara quem assume e convoca uma eleição indireta (pelo Congresso), para a qual não apareceu nenhum candidato natural ou ao menos consensual. Logo, ele próprio, Maia, se transforma no nome à disposição.

Registre-se que Maia vinha sendo um fiel escudeiro de Temer no Congresso, participando de reuniões no Planalto, no Jaburu e no Alvorada e articulando apoios para as votações de governo. Subitamente, ele pisou no freio, sumiu dos palácios e até viajou para a Argentina ontem, escapulindo de substituir Temer durante a viagem dele ao G-20. 

Nada é por acaso, muito menos num momento tão dramático. O deputado está se preservando para quando o carnaval chegar, ou para quando, e se, Temer cair. Ele não faz isso por ansiedade para assumir a Presidência, mas porque vem sendo alertado por amigos, correligionários e agentes econômicos de que, querendo ou não, o cargo pode cair na sua cabeça – se “as pedras no caminho” caírem na cabeça de Temer.

Essa possibilidade cresce a cada dia e Temer tem alternado perplexidade, irritação e mágoa com os múltiplos adversários (inclusive a mídia), sem um minuto de sossego. Mesmo na quarta-feira, quando o advogado Antônio Mariz apresentava sua defesa à CCJ da Câmara, as pedras continuavam rolando no caminho do presidente em forma de delações premiadas que podem se revelar fulminantes.

Lúcio Funaro, “operador” do PMDB, foi transferido da Papuda para a PF em Brasília. Eduardo Cunha deu uma guinada e passou a acenar com sua delação, enquanto MP e Justiça também davam uma guinada no mesmo sentido: se antes não se interessavam, agora passaram a gostar da ideia de ouvir o que ele tem a dizer. Geddel Vieira Lima e Henrique Alves estão presos. Rocha Loures ostenta uma tornozeleira. São, realmente, muitas “pedras” no caminho de Temer. 

Enquanto isso, a PGR e a PF investem contra o “PMDB da Câmara”. A PF pede a inclusão de Temer nesse inquérito e o procurador-geral Rodrigo Janot trabalha em duas novas denúncias contra ele, uma delas por organização criminosa, justamente por causa do tal “PMDB da Câmara”.

O torniquete se fecha em torno de Temer e o mundo político e privado passa a assimilar com naturalidade crescente o nome de Rodrigo Maia para o Planalto. Os tucanos, que foram decisivos para levar Temer à Presidência com o impeachment de Dilma, passam a ser decisivos agora para apeá-lo do poder. Em nome da governabilidade, o presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati, atira Temer ao mar e defende Maia para “a travessia”.

O que ninguém está percebendo, porém, é que a troca de Temer por Maia não assegura tranquilidade, nem aprovação das reformas, nem recuperação da economia. E quem lucra com o esfarelamento do governo? Lula, o PT e Bolsonaro. Basta olhar a curva das pesquisas. Se Temer cair, ele vai, mas a crise fica.

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Eliane Cantanhêde terça, 04 de julho de 2017

SAÍDA NEGOCIADA
 

Diretor-geral da PF entrou no cargo no início do governo Dilma e já viu seis ministros passarem pelo ministério da Justiça

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

04 Julho 2017 | 03h00

A troca do diretor-geral da Polícia Federal nunca é simples, mas se tornou particularmente delicada com o avanço da Lava Jato sobre o Executivo e o Legislativo e a gritaria, dia sim e outro também, sobre supostos golpes contra a maior operação de combate à corrupção da história. Foi assim que Leandro Daiello foi se tornando “imexível”, mas ele pode estar se cansando.

Daiello assumiu a direção-geral em janeiro de 2011, no início do governo Dilma Rousseff, foi mantido no de Michel Temer e já está no sexto ministro da Justiça. Desde a Olimpíada do Rio, em agosto de 2016, ele já pediu para sair pelo menos três vezes, mas um ministro atrás do outro recusa a demissão.

Agora, ele estaria sendo irredutível, mas acertando algumas condições. As duas principais delas seriam: escolher o sucessor junto com o ministro da Justiça, Torquato Jardim, e ele próprio anunciar o escolhido à opinião pública. Isso seria importante para Daiello, como demonstração de prestígio e de liderança na “tropa”, e também para o governo, como forma de esvaziar ataques. 

O mais temido deles seria a acusação, ou mesmo suspeita, de que a troca no comando da PF faria parte de uma grande manobra para esvaziar a Lava Jato e reduzir o papel da Federal nas investigações e operações especiais. O outro, uma consequência direta disso: a tentativa, equivocada, diga-se, de se juntar num mesmo saco a troca na PF e a nomeação de Raquel Dodge para a Procuradoria-Geral da República como parte dessa “manobra”.

 

Enquanto não há decisão, nem previsão de data, Daiello e Jardim vão acertando medidas para a PF, inclusive um processo de modernização tecnológica e um novo software conjunto de órgãos da Justiça, abrangendo a Federal. Outra medida seria a realização de concursos e a oferta de treinamento internacional para novos quadros da PF.

Há conversas, também, para retirar da PF a atribuição de emitir passaportes em 192 postos espalhados pelo País inteiro, o que não passa de mera burocracia e ocupa agentes que poderiam ser muito mais úteis em operações de campo, ou na inteligência, ou em outras funções diretamente vinculadas a ações policiais. Só se fala na Lava Jato, mas, neste exato momento, a PF tem 473 operações especiais a pedido da Justiça Federal.

As relações entre Daiello e Jardim, ou entre PF e Justiça, parece caminhar, portanto, dentro da normalidade e dos limites institucionais. Aliás, como o diretor-geral manteve com os ministros anteriores, desde que nomeado na gestão de José Eduardo Cardozo, no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Apesar disso, a Polícia Federal nunca deixou de fazer tudo o que tinha de fazer e de tocar as operações da Lava Jato com autonomia. “Doa a quem doer”, como se diz na corporação. Que assim continue...

Geddel. Preso ontem por tentar evitar a delação premiada de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, Geddel Vieira Lima é envolvido em falcatruas numa vice-presidência da CEF no governo Dilma, mas, politica e midiaticamente, o que vale é que ele é do “PMDB da Câmara”, grupo político de Temer, e foi ministro no atual governo com assento no Planalto. Depois de Henrique Alves, Eduardo Cunha, Rocha Loures e Tadeu Filippelli, é mais um a piorar a imagem de Temer e mais uma ameaça de delação. Sem contar quem ainda não foi preso...

Goiás. A nova PGR, Raquel Dodge, é de Morrinhos. A presidente do STJ, Laurita Vaz, é de Trindade. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é de Anápolis. E, do outro lado, estão os irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS, que são de Formosa e investiram em Anápolis. Goiás no centro do País e da crise.


Eliane Cantanhêde sexta, 30 de junho de 2017

MOMENTO CRUCIAL
 

Momento crucial

Janot sai, Dodge chega, mas a Lava Jato e a pressão sobre Temer continuam

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

30 Junho 2017 | 03h00

Estes dois meses e meio serão vitais para Michel Temer, que estará toureando a CCJ e o plenário da Câmara contra a denúncia de corrupção passiva, enquanto o procurador-geral Rodrigo Janot estará aguardando o melhor (ou o pior?) momento para apresentar novas denúncias contra ele.

Antes, Temer tinha pressa e Janot, não. Agora, os dois têm, porque o presidente corre o risco de perder apoios decisivos no Congresso e o procurador vai deixar o cargo em setembro. Com a indicação da sucessora, Raquel Dodge, a opinião pública e a própria da PGR mudam o foco.

O tempo, porém, é suficiente para Janot concluir duas novas denúncias contra Temer. Uma por obstrução da Justiça, com base na gravação dele com Joesley Batista, em que – na versão da PGR – eles teriam confirmado o pagamento para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o “operador” Lúcio Funaro não fazerem delação premiada.

 A terceira, por formação de quadrilha, reuniria três inquéritos: um com base na delação de Sérgio Machado (4327), outro na da Odebrecht (4462) e o terceiro nas da JBS (4483). O que há em comum nelas? O “PMDB da Câmara”: Temer, seus ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e seus ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, agora preso, assim como Cunha. É esse grupo, que se opõe ao “PMDB do Senado” e ao ex-líder Renan Calheiros, que pode complicar Temer ainda mais.
 
 

Janot quer deixar isso pronto antes de deixar o cargo, mas se engana quem acha que Raquel Dodge vai ser “boazinha”. Ela foi votada pelos próprios colegas, fez mestrado em Harvard e é muito técnica. Bateu de frente com Janot, mas apenas têm estilos diferentes.

Ao denunciar Temer, Janot disse aos colegas que “ninguém está acima da lei”. Ao concorrer à vaga dele, Raquel acrescentou: “Ninguém está acima da lei e farei um esforço para que ninguém esteja abaixo da lei”. Uma forma de dizer que vai ser dura no combate à corrupção, mas sem forçar a mão ao interpretar a lei.

Também pareceu sutil e confusa a discussão no Supremo sobre os poderes do plenário para revisar acordos de delação como os de Joesley e Wesley Batista, que foram homologados monocraticamente por Edson Fachin e depois criticados como excessivamente complacente.

A curiosidade é que votaram da mesma forma três antigos desafetos no STF, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, até mesmo com trocas de deferências. Os três perderam, mas realmente causa estranheza que o plenário de um colegiado não possa revisar uma decisão individual.

De toda forma, os delatores pretéritos e futuros que se cuidem, inclusive os irmãos Batista. As cláusulas da delação estão valendo e, se mentirem, omitirem ou forem declarados chefes de organização criminosa, cabe revisão, sim. Aliás, a própria PGR avisa que, se descobrirem que eles omitiram voluntariamente Lula, os benefícios serão rediscutidos.

Temer luta na Câmara para salvar o mandato, muda-se o procurador-geral e o STF decide sobre limites de revisão das delação, mas a Lava Jato continua firme. Que Temer não decida tirar Leandro Daiello da PF justamente agora. Não afetaria a Lava Jato na prática, mas pioraria ainda mais a imagem do governo e poderia gerar dúvidas – injustas, frise-se – contra a própria escolha de Raquel.

Fachin x Moro. O relator Edson Fachin já retirou cinco processos do juiz Sérgio Moro, quatro contra Lula, um contra Guido Mantega. Sorte de Lula e Mantega ou da Lava Jato?

Dúvida atroz. Por que Temer não diz que a mala de R$ 500 mil era de Rocha Loures e ele não tinha nada a ver com ele e com ela? Teme ser desmentido, ou que o ex-assessor conte segredos inconfessáveis?


Eliane Cantanhêde terça, 27 de junho de 2017

NA ANTESSALA DE TEMER E LULA
 

Na antessala de Temer e Lula

Janot contra Temer e Loures; Moro mira em Lula e Palocci

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

27 Junho 2017 | 05h00

Foram dois recados prévios. O procurador Rodrigo Janot pediu a manutenção da prisão do ex-deputado Rocha Loures para deixar clara a linha da primeira denúncia contra o presidente Michel Temer, horas depois. E o juiz Sérgio Moro condenou Antonio Palocci a mais de 12 anos, aparentemente, como preparativo para sua sentença contra o ex-presidente Lula.

Rocha Loures está na antessala de Temer, assim como Palocci está na de Lula. Loures foi filmado carregando uma mala de R$ 500 mil que a PGR diz que, na verdade, seria de Temer e parte de uma mesada da JBS. E Palocci era o gerente real das contas de Lula na Odebrecht, conforme delatou o próprio Marcelo Odebrecht.

Loures entrou mudo e saiu calado do seu depoimento às autoridades e o Planalto nem sequer conseguiu disfarçar o alívio. E Palocci está sendo duro na queda, mas a condenação de ontem, que inclui a devolução de US$ 10 milhões (!) reforça informações de bastidores de que ele está caminhando para fazer delação premiada.

 

O que significa delação premiada nesses dois casos? Na expectativa dos investigadores e no temor dos envolvidos, significa “entregar os chefes”. Loures era, literalmente, o carregador de pasta de Temer, aquele que sabe tudo. E Palocci é mais ainda, porque tem mais status.

 

 

Em depoimento a Moro, Palocci foi premeditadamente confuso e contraditório, acenando com informações que pudessem dar um ano de trabalho à força-tarefa da Lava Jato. Para o juiz, foi “uma ameaça”. Pode ter sido para empresas, bancos, o PT. Mas, mais do que conhecer os esquemas, ele conhece o papel de Lula.

Líder nas pesquisas presidenciais, Lula luta nas bases, via militância e movimentos alinhados com o PT. Já Temer, três vezes presidente da Câmara e com aprovação abaixo do mínimo, guerreia nas cúpulas, com o Congresso e os partidos aliados.

Na avaliação do Planalto, a gravação de Joesley Batista com Temer é insuficiente para derrubar um presidente da República. “É o diálogo de um homem educado (Temer) tentando se livrar logo de um chato (Joesley)”, define um ministro. Mas a denúncia de Janot tem mais e é bem adjetivada, pode aumentar a perda de confiança e de apoio, principalmente no PSDB.

Há risco real de Temer ser afastado do cargo e de o País conviver com a situação inédita de um presidente processado pelo Supremo. Apesar disso, ontem a Bolsa subia, o dólar caía e a sociedade seguia normalmente. A crise política atinge seu pico, mas o País não está convulsionado, parece anestesiado. Mais uma jabuticaba, que só existe no Brasil.

Há protestos em Curitiba, por exemplo, mas eles não têm a ver diretamente com a denúncia contra Temer, mas sim contra o ajuste fiscal para corrigir a calamidade econômica deixada por Dilma Rousseff. Os Estados vão adotando ajustes e quem paga o pato são especialmente os funcionários públicos, que se revoltam. Ou seja: as manifestações são locais, pontuais, movidas por interesses diretos.

Temer é o presidente mais impopular desde a redemocratização, mas a crise não está nas ruas e as atenções estão nos poucos metros quadrados da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Intensa movimentação no Planalto, a PGR fatiando a denúncia contra Temer, a Câmara se preparando para autorizá-la ou não. Se autorizar, o Supremo vai julgar já com Temer afastado.

Tudo isso acontece ao mesmo tempo, sem que a sociedade e seus representantes se ocupem de traçar o “day after”. Hipoteticamente: se Temer cai hoje, como o Brasil acorda amanhã? De pernas para o ar, com Rodrigo Maia no centro da história. E se Temer tiver 172, 180 ou 200 votos na Câmara para barrar o processo? Ele fica, mas isso lhe garante governabilidade até 2018? Há controvérsias.


Eliane Cantanhêde terça, 20 de junho de 2017

TEMER FOI, CRISE FICA
 

Temer foi, crise fica

Mesmo com o presidente na Rússia e na Noruega, a crise só piora, dia a dia

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

20 Junho 2017 | 03h10

Quando o então presidente José Sarney embarcou para uma viagem internacional, em meio a um dos solavancos rotineiros na época do seu governo, Fernando Henrique fez uma maldade: “A crise viajou”. Não se pode dizer o mesmo quando o presidente Michel Temer joga tudo para lá e cruza oceanos e continentes. Ele não é a crise, é apenas parte dessa monumental bagunça.

Ao embarcar ontem no Aerolula, ops!, no avião presidencial, Temer deixou para trás um vídeo indignado contra Joesley Batista, da JBS, e processos por danos morais, calúnia, injúria e difamação contra ele. Mas o presidente deixou também um rastro de múltiplas crises e uma agenda político-policial carregada.

Enquanto ele encena normalidade na Rússia e na Noruega, o procurador-geral Rodrigo Janot vai aprontando o pedido de abertura de processo contra o presidente. Temer tem pressa e torce para que Janot faça logo o pedido, já que ele tem mais de 172 votos na Câmara para barrar o processo. Mas Janot acha que, quanto mais o tempo passa, mais bombas terá contra Temer para reverter votos de deputados. 

A Polícia Federal entregou ontem parte do inquérito contra Temer e o seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures à PGR, mas pediu mais tempo para as investigações. A PF e a PGR estão ansiosas para ouvir o que o próprio Rocha Loures, o coronel João Baptista Lima e o ex-ministro Henrique Eduardo Alves, entre outros, têm a contar sobre Temer. Logo, o presidente quer engavetar o processo antes de eles falarem, mas Janot só quer pedir o processo depois, até mesmo aproveitando bem o que venham a contar.

De outro lado, dois outros personagens jogam seus destinos nesta semana. O primeiro processo contra Lula entra na reta final, o Ministério Público já pediu condenação e prisão e o juiz Sérgio Moro estará pronto a dar sua sentença a qualquer momento. Imagine-se a expectativa de todos os lados...

E, hoje, a Primeira Turma do Supremo, que tem sido mais implacável do que a Segunda, decide se acata ou não o pedido da PGR para prender o senador Aécio Neves, do PSDB, o que pode causar mais uma saia-justa entre o Judiciário e o Legislativo. Legalmente, parlamentares só podem ser presos em flagrante delito.

Esse foi o caso de Delcídio Amaral, decidido em uma reunião extraordinária do Supremo. Já Eduardo Cunha, por exemplo, foi afastado da presidência da Câmara e do mandato, acabou cassado e só depois disso foi prestar contas à Justiça, mais precisamente a Moro, lá em Curitiba.

Por falar nisso, Cunha mandou mensagem de sua cela ontem desmentindo a versão de Joesley Batista de que mal conhecia Lula, mal tinha contato com Lula, nunca teve conversas comprometedoras com Lula. Segundo o deputado cassado, os três – Lula, Joesley e o próprio Cunha – passaram horas, em 2016, discutindo o impeachment de Dilma.

Eduardo Cunha diz que tem testemunhas para comprovar o encontro, no Sábado de Aleluia, 26 de março, menos de um mês antes da degola de Dilma: os agentes da Polícia Legislativa que faziam sua segurança. Mas, mais do que esses agentes, o que muita gente gostaria mesmo era ser uma mosquinha para ouvir o que tanto falavam três pessoas tão distantes, ou seriam muito mais próximas do que nós, os incautos, poderíamos imaginar?

Pulgas atrás da orelha: depois de tudo o que a gente já sabe, o que um trio barra-pesada como esse andava conversando – ou negociando – sobre Dilma e o impeachment? E, afinal, o que Joesley tinha a ver com isso, se ele mal conhecia Lula? Ah! Na entrevista à revista Época, Joesley disse que só se encontrou duas vezes com Lula, uma em 2006, outra em 2013. Será que alguém acreditou?

Portanto, Temer viajou e só chega no sábado, mas ainda tem muita crise pela frente.


Eliane Cantanhêde segunda, 19 de junho de 2017

MANTEGA, O NOVO DIRCEU
 

Mantega, o novo Dirceu

Vale tudo para salvar Lula, inclusive jogar Temer e Mantega na fogueira

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

18 Junho 2017 | 03h00

Corrupção sempre houve, mas a Lava Jato detalha minuciosamente para as vítimas – os cidadãos brasileiros –, como, a partir de 2003 e do mensalão, o então presidente Lula dividiu o governo e o País em duas grandes organizações criminosas, ou Orcrims, ou quadrilhas, uma do PT, outra do PMDB. E, já que elas foram um estrondoso sucesso, foram se multiplicando em Brasília, nos Estados e municípios. Os demais partidos, principalmente o PSDB, nunca puderam atirar a primeira pedra.

Pelas delações e provas, Lula instalou e comandou a quadrilha do PT nos bancos públicos, estatais, fundos de pensão e ministérios. E Joesley Batista declara a Diego Escosteguy, da revista Época, que o então vice Michel Temer tinha uma quadrilha para chamar de sua. “Era a maior e mais perigosa organização criminosa desse País, liderada pelo (atual) presidente”, acusou, citando Temer, Eduardo Cunha, Geddel, Henrique Alves, Padilha e Moreira Franco. “Quem não está preso está no Planalto.”

Desde a gravação com Temer e a delação da JBS, Joesley joga suas denúncias, e até sua ira, contra Temer, passando de raspão por Lula. Mas... os procuradores e delegados não são trouxas e conhecem muitíssimo bem as regras das delações premiadas. O delator não pode mentir, nem omitir. Joesley admite que “Lula e o PT institucionalizaram a corrupção”, mas, claramente, protege o petista. Se Lula nunca viu e nunca sabe de nada, agora é Joesley que também mal viu, mal conhecia Lula e nunca negociou nada com ele. Dá para acreditar?

Em 2006, o grupo dos irmãos Batista faturou R$ 4 bilhões. Em 2016, foram R$ 170 bilhões, graças aos financiamentos, aportes e à sociedade com o generoso BNDES de Lula. Mas Joesley relata que foi um crescimento natural e suas relações com o BNDES eram “absolutamente republicanas”. Sempre tão falante, é sucinto – mas contundente – ao proteger Lula. Um troca-troca: Lula foi um pai para Joesley, Joesley está sendo filho agradecido para Lula.

 

No mensalão, Lula era o presidente, tudo ocorria no andar do seu gabinete, mas convencionou-se que o “chefe da quadrilha” era José Dirceu. A PGR, o Supremo, o Congresso, a própria oposição e a mídia foram cheias de pruridos diante de Lula, evitando cobrar responsabilidades e explicações do migrante nordestino, maior líder sindical de todos os tempos e presidente com imensa popularidade. A culpa toda recaiu sobre Dirceu.

No escândalo da JBS, a empresa virou a maior produtora de carne do mundo com uma mãozinha do BNDES, juros camaradas, financiamentos a toque de caixa, mais de R$ 8 bilhões (ou seriam R$ 12 bilhões?) para os irmãos Joesley e Wesley fazerem negócios fabulosos nos EUA. Coisa de Lula? Não, não, quem mandava em tudo, e arrecadava a propina, era Guido Mantega. Então, tá.

Assim, temos que eram duas organizações criminosas, Orcrims, ou quadrilhas, como Joesley Batista tão bem descreveu na entrevista. A do PMDB era chefiada pelo hoje presidente Temer. A do PT, ora, ora, não era chefiada por Lula, mas por Mantega? Mantega chorou ao se sentir uma vítima dos malvados da Lava Jato. Vai chorar também ao se saber vítima de Lula, Palocci e Joesley?

Mantega é o Dirceu da vez, o que Antonio Palocci (esse é esperto) reforça no processo. Para se defender, ataca Mantega. Os dois, como ministros, usaram a Fazenda para negociatas, achaques, coleta de propinas para o PT. Espantoso! Mas Palocci tira o corpo fora e joga no colo de Mantega – com ajuda de Joesley. Parece estratégia, jogo combinado. Eles precisam livrar o Lula e livrar Palocci, que é Lula. Então, jogam Mantega na fogueira, assim como jogaram Dirceu.


Eliane Cantanhêde sexta, 16 de junho de 2017

O MAIS GRAVE CONTRA TEMER
 

O mais grave contra Temer

Assim como o sítio e o triplex complicam Lula, a casa da filha complica Temer

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

16 Junho 2017 | 03h00

Como parecia claro desde o início, o que vai se configurando como mais grave e concreto contra o presidente Michel Temer é a relação dele com o coronel PM João Baptista Lima, o “coronel Lima” das delações da JBS. Por enquanto, e até surgirem fatos novos, bem mais grave e concreto do que a mala de R$ 500 mil do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) e a fita gravada clandestinamente por Joesley Batista.

Tudo parece indicar que foi a JBS quem pagou a reforma da casa de uma das filhas de Temer, em São Paulo. O dinheiro sairia da empresa sob pretexto de doação de campanha, iria parar na empresa do coronel Lima e dali sairia para o pagamento de arquitetos e fornecedores de material para a obra.

A isso junte-se o depoimento do delator Ricardo Saud, da J&F, ao Ministério Público Federal. Segundo ele, dos R$ 300 milhões da “conta propina” do PT, R$ 15 milhõesforam para a campanha à Vice-Presidência em 2014, mas Temer teria feito “uma coisa até deselegante”: surrupiado uma parte para uso pessoal.

 “Eu já vi o cara pegar o dinheiro da campanha e gastar na campanha. Agora, ganhar dinheiro do PT e guardar para ele no bolso dele, eu acho muito difícil. Aí, ele (Temer) e o Kassab (Gilberto Kassab, ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação) guardaram o dinheiro para eles usarem de outra forma”, diz Saud no vídeo de 23
 
minutos. Dinheiro de empresa privada em campanha era legal. No bolso dos candidatos, não.
 

Adiante, ele ratificou: “Nessa eleição, só vi dois caras roubar deles mesmos. Um foi o Kassab, o outro foi o Temer. O Temer me deu um papelzinho e falou: ‘Ricardo, tem um milhão que eu quero que você entregue em dinheiro nesse endereço aqui’”. Era o endereço da empresa do coronel Lima, que, conforme recibos e mensagens colhidas pela PF, foi quem financiou as obras na casa da filha do então vice.

Temer tem se enrolado diante de perguntas que não são só da PF e da mídia, mas da sociedade. Negou que viajara no jatinho da JBS para Comandatuba, na Bahia, depois confirmou, mas dizendo que não sabia de quem era o avião. Agora, tudo o que tem a dizer é que a filha tinha recursos, na época, para bancar as obras. É pouco, senhor presidente.

Assim como as obras no sítio e no triplex criam um link direto entre Odebrecht e OAS e o ex-presidente Lula, a da casa da filha é considerada o link entre a JBS e Temer. Daí porque é temerário ele prever, como fez ontem com ministros e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que o provável pedido de processo da PGR contra ele será “fraquíssimo”.

Com o coronel Lima entrando em cena como protagonista, as reações são contundentes. Temer quer pressa na votação do pedido da PGR na Câmara, Maia acena até com o cancelamento do recesso de julho e o ex-presidente Fernando Henrique dá uma guinada importante, que pode mudar a disposição do PSDB e do Congresso.

Assim como pediu a renúncia como “gesto de grandeza” de Dilma Rousseff em 2015, FHC enviou nota ontem ao jornal O Globo e à agência Lupa sugerindo a Temer antecipar as eleições gerais como “gesto de grandeza”. Ele admitiu que sua percepção sobre a crise tem sofrido “abalos fortes”. Tem mesmo, já que FHC sempre foi contra eleições diretas agora e havia liderado, três dias antes, a decisão do PSDB de continuar no governo. 

Entre a reunião do “fico” e a defesa de eleições antecipadas, o que houve? Certamente, o avanço das investigações sobre os vínculos entre Temer, o coronel Lima e papéis rasgados na casa deste. Quem tem provas a destruir é porque tem culpa no cartório. A culpa de um coronel aposentado é uma coisa, a de um presidente da República é outra. Ainda mais com crise, tensão e futuro incerto.


Eliane Cantanhêde terça, 13 de junho de 2017

GRAMPO ATÉ NA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA?
 

Grampo até na PGR?

Em vez de saudáveis divergências, há espionagem e demonização generalizada

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

13 Junho 2017 | 03h00

A grave crise política descambou para suspeita de espionagem, contrainformação e desqualificação de todos contra todos, a ponto de a Procuradoria-Geral da República (PGR) ter descoberto, nada mais, nada menos, que um dos seus telefones funcionais estava grampeado. Grampo na PGR? Era só o que nos faltava.

Não se sabe quem fez, ou faria, essa agressão à PGR e ao procurador-geral Rodrigo Janot. Logo, há especulações, que igualmente não poupam ninguém e nenhum Poder. Se houve grampo, foi a PF, que vive às turras com o MP? Ou a Abin, órgão de inteligência do governo, suspeito de fazer devassa na vida do relator da Lava Jato, Edson Fachin? Ou algum deputado, senador ou empresário alvo de investigações?

A história ilustra como está Brasília, onde ministros do STF já pedem varreduras de seus telefones, temendo estarem grampeados, seja por aventureiros, seja por órgãos de Estado. Também ministros do Executivo e parlamentares de diferentes partidos já pensam em checar, ou já checaram, seus gabinetes e telefones, preventivamente, enquanto conversas por telefone, em gabinetes e até em locais públicos estão cada vez mais contidas, desconfiadas, quase codificadas. Se nem o presidente da República escapa... 

A partir daí, multiplicam-se histórias e versões, sem que se esclareçam quais são verdadeiras, quais são falsas e quem está espalhando o quê. Uma verdadeira é que o ministro Gilmar Mendes quase saiu aos tapas, na chamada “sala de togas” do STF, com o vice-procurador eleitoral Nicolao Dino, que pedira impedimento do ministro Admar Gonzaga no julgamento de Dilma-Temer no TSE e poderia gerar um tenebroso empate. 

Mas, em geral, as histórias ficam pairando, nem absolutamente confirmadas nem descartadas. A devassa de Fachin é uma delas. O presidente da República desmentiu, o chefe do GSI também, mas, pelo sim, pelo não, a presidente do STF, Cármen Lúcia, condenou duramente no sábado e, ontem, ressalvou que não cabia investigação “por ora”. 

É assim que, em vez de uma saudável luta de ideias, métodos, programas e visões de País, o que se vê é o mundo do poder embolado num confronto insano, onde germinam a injúria, a calúnia e a difamação. A troca de acusações entre PGR, PF, Abin, ministros do Supremo e a Presidência da República, sem contar a barafunda do Congresso, mais confunde do que esclarece, mais desqualifica do que se qualifica.

É como se houvesse metralhadoras giratórias nos Poderes, a ponto de Temer ter gravado pronunciamento ontem para as redes sociais, negando que o governo tenha tentado, ou venha a tentar, qualquer ataque contra o Judiciário e o Legislativo. A sensação é que ele estava não só defendendo a harmonia entre os Poderes, mas se autodefendendo da acusação de estar transformando o gabinete presidencial em bunker contra a Lava Jato. 

A Lava Jato é um orgulho nacional e continua firme, forte e nos calcanhares de quem tem de estar. O nível de acertos é inegável. Se há erros, ou excessos, podem e devem ser corrigidos pelos seus próprios agentes. Articulações de cúpulas que são alvo é que geram guerras, atritos e jogo sujo.

Assim como se defende neste espaço que nem todo político é ladrão e nem toda doação de campanha foi propina, agora é não à demonização generalizada. Há divergências entre Poderes e órgãos de Estado, mas não se pode, a qualquer pretexto, atingir a honra de procuradores, delegados, ministros do TSE, do STJ e do Supremo, autoridades do Executivo e todo e qualquer parlamentar. Divergir é salutar. Meter a mãe no meio é focar nos alvos errados e desqualificar o que (ainda) há de mais qualificado no País.

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Eliane Cantanhêde domingo, 11 de junho de 2017

TEMER, FERA FERIDA
 

Temer, fera ferida

Mal sobreviveu ao TSE, o presidente entra em choque com o próprio Supremo

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

11 Junho 2017 | 03h00

Além do general Sergio Etchegoyen, foi o próprio presidente Michel Temer quem ligou para a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, e desmentiu que tenha acionado a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para fazer uma devassa na vida do relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin. Mal vencia a batalha do TSE, por um voto, Temer já batalhava para se defender numa guerra muito mais inglória, contra o próprio Judiciário.

O clima do poder, ou dos Poderes, é exatamente esse: de guerra. Executivo, Judiciário e Legislativo estão se armando até os dentes, tendo no vértice a Procuradoria-Geral da República, onde o momento é de transição, com a sucessão do procurador-geral Rodrigo Janot em setembro e a disputa entre correntes e modos de operar e de ver as coisas, ou a vida. 

Temer tem origem no Judiciário, passou décadas no Legislativo e chegou ao posto máximo do Executivo, mas é o alvo principal das pressões e contrapressões dos três Poderes. Acuado, reage como fera ferida, com um fator fora de controle: a espionagem e a guerra de versões. Afinal, Janot pediu mesmo para Fachin instalar escuta ambiente no gabinete presidencial? Ele nega. E Temer determinou ou não a devassa da Abin na vida de Fachin? Ele também nega. 

Cármen Lúcia consultou os colegas e divulgou nota rechaçando qualquer possibilidade de invasão de um poder no outro e de devassa ilegal contra um ministro do STF, que seria “própria de ditaduras”. Soa como um basta na rota da insensatez. Cá entre nós, nem Temer pode usar instrumentos de Estado para represálias, nem Fachin deveria abrir inquérito monocraticamente contra um presidente, nem Janot deveria partir para cima de um presidente com uma fita não periciada. E, obviamente, políticos não poderiam, jamais, fazer tudo o que faziam. 

É nesse ambiente deteriorado, de meias-verdades, puras mentiras, vazamentos manipulados e aumento diário do nível de tensão, que Temer mantém o mandato, mas poderia se perguntar: vale a pena? A vitória no TSE projeta vida nova ou acirra os ânimos e abre espaço para múltiplas e desgastantes batalhas sem final feliz?

O bom dessa história é que, na semana de um julgamento histórico, em que estava em jogo o mandato do presidente, um ano depois do impeachment da primeira mulher eleita presidente do Brasil, o País real funcionou normalmente e até surpreendeu o silêncio das ruas. Com exceções esporádicas, nem se ouviu “Fora, Temer”. Se estridência houve, foi nas redes sociais.

Enquanto sete ministros, com retórica empolada e capas antiquadas, decidiam não só o futuro de um presidente e da história brasileira, o País seguia seu rumo, cumpria sua rotina. Os bancos abriram, as empresas funcionaram, os trabalhadores trabalharam, as igrejas realizaram seus cultos e os estudantes estudaram (exceto no Rio, onde o problema é outro...). Até os ladrões comuns continuaram roubando normalmente.

O País real anda sozinho, horrorizado com mensalões e petrolões, comemorando as prisões de figurões de bancos, empreiteiras, partidos e governos que desde sempre se sentiram acima do bem, do mal e das leis. Brasília está em chamas, com Executivo no alvo da Lava Jato, o Judiciário devassado pelas transmissões ao vivo e o Congresso com as vísceras expostas, mas o País segue em frente, enquanto os gestores da economia trabalham arduamente para recuperar confiança, investimentos e empregos.

É nesse clima que Temer sobreviveu ao TSE, mas não pode soltar fogos, nem curtir a sensação de alívio, nem mesmo baixar a guarda, porque novas batalhas virão. Não só de versões e contrainformação, mas com a PGR, o Supremo, a PF, o Congresso, a mídia ou o mais decisivo: Sua Excelência, o fato.

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Eliane Cantanhêde sexta, 09 de junho de 2017

NA CÂMARA, TEMER X JANOT
 

Na Câmara, Temer x Janot

Se Temer passar no TSE, a guerra será entre ele e Janot na Câmara, seu hábitat natural

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

09 Junho 2017 | 03h00

Se sobreviver ao julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, como tudo indica, o presidente Michel Temer vai continuar guerreando pelo seu mandato, mas saindo do complexo ambiente jurídico e caindo no que podemos chamar de seu hábitat natural: a política. 

No TSE, o debate crucial é sobre a inclusão ou não das delações da Odebrecht e dos marqueteiros no PT no processo, que significa ter um antes das delações, sem provas decisivas, e um depois, com declarações e provas. E os ministros devem se restringir a leis, artigos e códigos para argumentar e condenar ou absolver Temer. 

Na Câmara, Temer tem trunfos poderosos. Está nas mãos do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), fiel ao Planalto, acatar ou não um dos vários pedidos de impeachment. Vai acatar? E, pelo artigo 51 da Constituição, só o plenário pode autorizar um pedido da PGR ao STF para processar o presidente da República. Vai autorizar?

 Mais cedo ou mais tarde (provavelmente mais cedo...), Rodrigo Janot vai pedir ao STF a abertura do processo, para tornar Temer réu. Significa que os deputados vão votar entre Janot e Temer. Um, o procurador, é encarado como o algoz de 1/3 da Câmara. O outro, o presidente, já presidiu a própria Câmara três vezes. Façam suas apostas... 

Por incrível que pareça, os sete votos do TSE, ou de qualquer tribunal, são mais imprevisíveis e blindados a pressões do que os 513 da Câmara, que decidem “politicamente”. Se um deputado disser que vota assim ou assado simplesmente “porque quis”, quem há de trucidá-lo por isso?

Além disso, se Temer passar por 4 a 3 no TSE – como indicava ontem o posicionamento dos ministros em relação às delações –, o presidente e seus comandantes usarão todas as armas de convencimento na Câmara: caneta, a ameaça para a economia e a desqualificação do que há contra ele.

Sem sucesso na sociedade, mas com bons argumentos, o Planalto repete para deputados e senadores que Dilma foi citada por quase meia dúzia de delatores e Janot nunca pediu inquérito ou processo contra ela, mas pediu investigação contra Temer com base numa gravação que nem sequer fora periciada. E o relator no STF, Edson Fachin, acatou monocraticamente o inquérito, mesmo sem perícia e sem provar que tinha a ver com Lava Jato.

Além disso, os palacianos têm uma leitura do que há na gravação bem diferente da que é feita na Procuradoria e na opinião pública. Segundo eles, Joesley Batista, da JBS, falou praticamente sozinho, enquanto Temer foi monossilábico e até parecia impaciente.

E mais: Joesley só reclamou do governo na conversa, enumerando problemas com BNDES, Cade, CVM e até Fazenda, ocupada por um ex-conselheiro do grupo, Henrique Meirelles. Na conversa, diz o Planalto, Joesley praticamente inocenta Temer da acusação de favorecimento ou privilégios às suas empresas.

Outro argumento do governo para os parlamentares, os próximos juízes de Temer, é que as delações premiadas são para esclarecer crimes pretéritos dos quais o delator tenha participado. Se a JBS participou de uma organização criminosa, foi em “governos anteriores”, mas Joesley não entregou nada das gestões Lula e Dilma. O Planalto, porém, sabe que Temer continua no fio da navalha, com a possibilidade de delação premiada do ex-assessor Rocha Loures, com o coronel Lima, efetivamente seu velho amigo, e com o tal Edgar, que surge nas 82 perguntas da Polícia Federal como aviso ou guerra de nervos.

É assim que Temer deve sobreviver ao TSE e à votação na Câmara, mas batalhando diariamente com Janot, Fachin e a PF e, o que é pior para ele, perdendo uma outra guerra decisiva na vida e na morte dos políticos: a da opinião pública.

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Eliane Cantanhêde sábado, 03 de junho de 2017

OS EX-LEÕES VÃO RUGIR

Os ex-leões vão rugir

Palocci e Mantega inovaram: operavam para Lula, Dilma e o PT dentro da Fazenda

Eliane Cantanhêde

O Estado de São Paulo

 

Além do tucano Aécio Neves e de Rocha Loures, assessor de Temer, as duas bolas da vez são Antonio Palocci e Guido Mantega, que agregam grande dose de suspeição sobre os governos do PT. Não bastassem os ex-presidentes da República enrolados e os ex-presidentes e ex-tesoureiros do partido condenados e presos, agora são os ex-ministros da Fazenda (da Fazenda!) que têm muito o que explicar – e contar.

Pela delação de Marcelo Odebrecht, Palocci era o único com poderes para definir quando, de quanto e para quem eram os saques na conta “Amigo” que a empreiteira mantinha para Lula. Pela de Joesley Batista, Mantega era o administrador das contas de US$ 150 milhões da JBS para Lula e Dilma Rousseff no exterior. Eram US$ 70 milhões para ele e US$ 80 milhões para ela, ou o contrário? Joesley não lembra. Afinal, o que são “só” US$ 10 milhões?

 

Os ministros da Fazenda eram ocupadíssimos. Tinham de traçar a política econômica, cuidar dos cofres e contas públicas, definir projetos de lei, emendas constitucionais e medidas provisórias da economia, negociar financiamento de empresas para o PT, achacar os “campeões nacionais” do BNDES e ainda servir de gerentes para as contas dos chefes. Dureza... 

Além disso, e de calibrar o fluxo entre o BNDES, empresas aliadas, campanhas e bolsos alheios, cabia aos ministros da Fazenda alimentar o guloso Leão da Receita Federal, que devora nacos importantes da renda de quem produz, vende, compra e trabalha. Mas, tão ocupado com Lula, Dilma, PT e JBS, Mantega se esqueceu de declarar US$ 600 mil.

 

Se o senhor e a senhora deixarem de declarar uma renda qualquer, ou errarem em R$ 400 o valor de um aluguel, vão ter uma dor de cabeça infernal, mas o domador do Leão pôde se dar ao luxo de esquecer uma bolada dessas. Segundo ele, a origem foi a venda de um imóvel herdado do pai, provavelmente italiano. O dinheiro, porém, não está em bancos da Itália nem do Brasil, mas sim da Suíça, paraíso de recursos duvidosos.

Escândalos com deputados, senadores, prefeitos e governadores já fazem parte do cotidiano no Brasil, mas com ministros da Fazenda?! Soa como se estivessem fazendo negociatas não só com estatais e fundos de pensão, mas com o próprio País, com a economia nacional. Em nome do quê? De uma ideologia, de um projeto de poder? Ou de interesses bem mais comezinhos?

O certo é que Palocci e Mantega sabem das coisas, de muitas coisas do submundo dos governos Lula e Dilma. Sabem, principalmente, como Lula agia e se salvava algum bônus para ele próprio. Daqui e dali, lê-se e ouve-se que Palocci quer entregar o sistema financeiro e duas dezenas de empresas. Tudo bem. E o chefe?

José Dirceu é um quadro político, com uma biografia pujante, e engoliu calado o título de “chefe de quadrilha”, o mensalão, o petrolão e a cadeia. Mas Palocci não é Dirceu, e Mantega não chega a ser nem mesmo um Palocci. Palocci vai falar, Mantega está recobrando a memória e ambos vão rugir. O PT acha que já chegou ao fundo do poço, mas a força-tarefa da Lava Jato tem certeza de que não.

Afogados. É constrangedor Aécio forçar reuniões para dar a impressão de que tudo continua como antes e ele ainda manda no PSDB e nas bancadas depois de ser gravado, aos palavrões, pedindo R$ 2 milhões para a JBS.

E o que dizer de Lula, que comanda o PT, define Gleisi Hoffmann para presidir o partido e se prepara para disputar a Presidência da República mesmo depois de virar réu cinco vezes por pedir, não dois, mas muitos milhões para contas, triplex, apartamento, reformas e terreno do seu instituto, além de ajeitar a vida dos filhos? Ninguém se constrange?

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Eliane Cantanhêde terça, 30 de maio de 2017

TROMBADA É ALTO RISCO

Trombada é alto risco

Alerta para novo ministro Torquato Jardim: Lava Jato é blindada, Temer não

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

30 Maio 2017 | 05h00

O advogado Torquato Jardim estará para o presidente Michel Temer no Ministério da Justiça assim como Márcio Thomaz Bastos esteve para o presidente Lula e José Eduardo Cardozo para a presidente Dilma Rousseff. Fiéis à sua cultura de advogados, o objetivo era, como é agora, defender seus chefes. Simples assim.

O que não é nada simples é o momento dramático em que Torquato assume, com Temer acossado não só pela gravação feita por Joesley Batista, que ele questiona judicialmente, mas também por outras suspeitas envolvendo a JBS e pelo processo de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE. Além de velho amigo e parceiro de Temer, o novo ministro tem longo histórico na Justiça Eleitoral.

A bem da verdade, Temer já manifestava insatisfação com o ex-ministro Osmar Serraglio antes das delações da JBS. Crise de índios? Ele não foi de grande valia. Matança de posseiros? Idem. Afinal, para que servia Serraglio no ministério número um da República?

 Para piorar, ele é deputado e foi escolhido por indicação do PMDB da Câmara, mas o pau quebrava na reforma trabalhista, depois na da Previdência, e era acusado de não dar o ar da graça na articulação política no Congresso. Ou seja, Serraglio caiu de maduro. O novo problema é que caiu para o lado, mais precisamente para o Ministério da Transparência. A gritaria já começou. 

Mas o foco não está lá e sim no Ministério da Justiça, que não abrange só índios, posseiros e penitenciárias em chamas, mas também a Polícia Federal – pelo menos no organograma. Temer tem à disposição dois pesos pesados do Direito, o próprio Torquato Jardim e seu advogado e também amigo Antônio Claudio Mariz de Oliveira. Ajudam muito, mas se os dois, ou os três, incluindo o próprio Temer, tentarem passar uma rasteira na cúpula da PF, vai ser tiro no pé.

Quanto mais tentam minar a Lava Jato, mais fica evidente o quanto a maior operação de combate à corrupção do planeta está blindada. Todas as investidas no Legislativo e todos os dardos atirados do Executivo e mesmo do Judiciário não deram em nada e toda estridência de envolvidos à direita e à esquerda entraram por um ouvido e saíram pelo outro.

A Lava Jato continua firme e forte e quem mais pode arranhá-la não está fora, mas dentro dela. A PGR ataca ministro do STF, o ministro do STF devolve com pedradas, a guerra entre MP e PF, procurador sarcástico acusa o juiz Sérgio Moro de ter “coração generoso” por absolver alguém por falta de provas... Calma, gente! A Lava Jato tem de estar acima dessas vaidades e idiossincrasias e respeitar o equilíbrio entre o combate à corrupção e as regras do Estado Democrático de Direito.

Hoje, o CNJ julga Moro pelos áudios entre Lula, investigado, e Dilma, então presidente, sob a expectativa de que isso não vá adiante. Amanhã, o Supremo debate o fim do foro privilegiado, mas nem todos os juízes são como Moro (PR), Vallisney de Souza Oliveira (DF) e Marcelo Bretas (RJ). Em tese (porque nem sei quem são), será que os juízes de Alagoas são imunes à proximidade com o senador Renan Calheiros e seu filho governador?

Vê-se o quanto o ambiente brasileiro está contaminado pela crise e por descobertas estarrecedoras, disputas de egos e falta de cenários a curto, médio e longo prazos. Temer tem direito de trocar ministros e de lutar pelo mandato, mas é cedo para saber o desfecho, até mesmo no TSE na próxima semana. Jogar o Ministério da Justiça contra PF, MP e Judiciário será o pior caminho. A trombada é certa e a Lava Jato está blindada, mas Temer não.

Novo nome. O senador, ex-deputado e ex-presidente da CNI Armando Monteiro (PTB-PE) entrou na roda da indireta para o pós-Temer.

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Eliane Cantanhêde domingo, 28 de maio de 2017

A FALTA QUE UM LÍDER FAZ

A falta que um líder faz

Se Congresso armar indulto para ex-presidentes, sucessor de Temer vira picadinho

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

28 Maio 2017 | 03h00

O principal embate na definição de um eventual substituto de Michel Temer é da “senioridade”, o PSDB, o PMDB e o Senado contra a “junioridade”, a massa e os partidos médios da Câmara. O ponto em comum é que todos, do PSDB ao PT, aderiram ao “voto de desconfiança construtivo”, do Direito alemão, que consagra o que vem sendo dito aqui desde o início da crise JBS: Temer só cai quando houver um sucessor virtualmente ungido.

Alckmin e Doria lançam Fernando Henrique, o top da senioridade. FHC e Serra preferem Nelson Jobim, que se finge de morto, mas está bem vivo. Tasso Jereissati faz o meio de campo, mas, se o ângulo ajudar, chuta em gol. As conversas entre eles decantam para a base governista e se ampliam em ondas pelos cafezinhos do Congresso.

 

 

É ali que o deputado “júnior” Rodrigo Maia (DEM-RJ) concentra trunfos. Como presidente da Câmara, já é o segundo na linha sucessória de Temer, terá o próprio cargo atual para negociar, é um peixe dentro d’água na Casa que detém a esmagadora maioria dos votos indiretos e nada de braçada com partidos médios, como o próprio DEM, o PTB, o PP, o PSD... De quebra, não é de PT, PSDB nem PMDB, o que alivia as resistências.

 Num colégio eleitoral de 594 votos, a Câmara tem 513 e não assimila um senador. Por isso, o Senado, com seus 81, trabalha firmemente a tese de duas votações: Câmara primeiro e o Senado depois, para homologar. Cola? Não se sabe, mas Maia mais Eunício Oliveira dá chapa zero. Aliás, todos os listados têm méritos e deméritos e cada um que puser a cabeça de fora entrará na linha de fogo.

FHC tem 85 anos e usa marca-passo. Jobim circula no Judiciário, no Legislativo e no Executivo com igual desenvoltura – e assertividade –, além de dialogar de FHC a Lula, de militares a militantes, mas é consultor de advogados da Lava Jato e sócio do BTG. E Tasso, senador e ex-governador do Ceará, é cardiopata e praticamente um ilustre desconhecido da Câmara.

Quanto a Rodrigo Maia: longe de ser um intelectual como FHC, ter a estatura de Jobim e ser um político majoritário como Tasso, ele é considerado júnior e de horizonte curto: seu mundo é o Congresso, quando a crise brasileira extrapola em léguas esse limite. A questão é se esses argumentos afastam os colegas deputados e são suficientes para uma sublevação no Senado.

Pairando sobre essas considerações, há um fato e dois personagens chaves. Fato: o governo está por um fio, mas atravessou mais uma semana, reza para não explodirem mais bombas, gravadores e delatores e avalia que o derretimento da economia pesa a favor de sua manutenção, não da troca de comando. E os personagens são Temer e Gilmar Mendes.

Gravemente ferido, Temer é do PMDB e tem a condescendência dos tucanos, que o descrevem como um professor de Direito Constitucional que não ostenta riqueza e merece um “tratamento digno”, mesmo na possível queda. Quanto ao ministro: se a eleição indireta passa pelo PSDB, o destino de Temer passa por Gilmar, que preside o TSE e foi decisivo para a nomeação de dois novos ministros, no total de sete. Antes da JBS, dava-se de barato que Temer escaparia. Agora, o TSE subiu no muro. Inclusive Gilmar, que prefere observar melhor.

O PT se informa desses movimentos e pode falar, ouvir e opinar, mas sem votar num colégio indireto, que seria heresia para suas bases. Mais: onde encaixar Lula, réu seis vezes e suspeito de ter institucionalizado a corrupção? Aliás, se Suas Excelências querem aproveitar para livrar a cara dos alvos da Lava Jato e exigir do eleito indiretamente um indulto para todos os ex-presidentes, eis um aviso: isso explodiria de vez o País. A sociedade e as instituições fariam picadinho do sucessor de Temer.


Eliane Cantanhêde sexta, 26 de maio de 2017

O CALOTE DO SÉCULO

O calote do século

Temer tem muito a explicar, mas perdão a Joesley Batista é premiar a corrupção

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

26 Maio 2017 | 05h00

Antes que a gente se esqueça, Joesley Batista, da JBS, que já foi um dos “campeões nacionais” do BNDES, é agora campeão internacional do calote, um calote não numa pessoa, numa empresa ou num banco, mas num país inteiro. Um país chamado Brasil, onde não sobra ninguém para contar uma história decente e abrir horizontes.

Enquanto amealhava R$ 9 bilhões do BNDES, mais uns R$ 3 bilhões da CEF, mais sabe-se lá quanto de outros bancos públicos nos anos beneficentes de Lula, Joesley saiu comprando governos, partidos e parlamentares. Quando a coisa ficou feia, explodiu o governo Temer, a recuperação da economia e a aprovação das reformas, fez um acordo de pai para filho homologado pelo STF e foi viver a vida no coração de Nova York.

 

 

O BNDES, banco de fomento do desenvolvimento nacional, foi usado para fomento de empregos, fábricas e crescimento nos Estados Unidos, onde Joesley e o irmão, Wesley, usaram o rico e suado dinheirinho dos brasileiros para comprar tudo o que viam pela frente. Detalhe sórdido: os frigoríficos que adquiriram lá competem com os exportadores brasileiros de carne. Uma concorrência para lá de desleal.

 Eles se negam a pagar os R$ 11 bilhões do acordo de leniência com a PGR, até porque o dinheiro público camarada do Brasil foi usado para sediar 70% dos negócios nos EUA, 10% em dezenas de outros países e só 20% no Brasil. Se esses procuradores encherem muito a paciência, eles jogam esses 20% pra lá, fecham as portas e esquecem a republiqueta de bananas.

Além de sua linda mulher (como nos clássicos sobre gângsteres), Joesley levou para a grande potência seu avião Gulfstream G650, de 20 lugares e US$ 65 milhões. Também despachou num navio para Miami seu iate do estaleiro Azimut, de três andares, 25 lugares e US$ 10 milhões. Quando enjoar de Nova York, vai passar uns tempos nos mares da Flórida.

Enquanto arrumava as malas, Joesley aplicou US$ 1 bilhão no mercado de câmbio, fez megaoperações nas Bolsas e ficou aguardando calmamente o Brasil implodir no dia seguinte, para colher novos milhões de dólares. E deixou para trás sua vidinha de açougueiro no interior de Goiás, uma sociedade pasma e um monte de interrogações.

Por que, raios, Lula e o BNDES jorraram tantos bilhões numa única empresa? Joesley podia usar o dinheiro com juros camaradas e comprar aviões e iates para uso pessoal? Os recursos não teriam de gerar desenvolvimento e emprego para os brasileiros? E, se o seu amigão (como dos Odebrecht) era Lula, a JBS virou uma potência planetária na era Lula e se ele diz que despejou US$ 150 milhões para Lula e Dilma Rousseff no exterior, por que Joesley, em vez de gravar Lula, foi direto gravar Temer?

Mais: como um biliardário, que adora brinquedos caros e sofisticados, partiu para uma empreitada de tal audácia com um gravadorzinho de camelô? Como dar andamento e virar o País de ponta-cabeça sem uma perícia elementar na gravação? Enfim, por que abrir monocraticamente um processo contra o presidente da República? E, enquanto Marcelo Odebrecht conclui seu segundo ano na cadeia, já condenado a mais de 10 anos, os Batista estão livres da prisão, sem tornozeleira e sem restrição para sair do País.

Nada disso, claro, significa livrar Aécio ou Temer, que tem muchas cositas más a explicar, como R$ 1 milhão na casa do coronel amigo, R$ 500 mil da mala do assessor Rocha Loures, um terceiro andar do Planalto onde assessores só produziam escândalos.

A sociedade, porém, reage mal ao final feliz dos Batista. A não ser que não seja final ainda, pois a homologação do STF é uma validação formal, mas cabe ao juiz, na sentença, fixar os benefícios da delação. Em geral, o juiz segue os termos do acordo original, mas não obrigatoriamente, e pode haver, sim, fixação de penas. Oremos, pois!


Eliane Cantanhêde domingo, 21 de maio de 2017

ESTOURO DA BOIADA

Estouro da boiada

O colapso das lideranças dificulta saídas, e pode vir o 'se não tem tu, vai tu mesmo'

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

21 Maio 2017 | 05h00

Com todo respeito, o grande Brasil está parecendo a pequena Bolívia, que teve 17 presidentes em 28 anos, três apenas em 1979 e quatro entre 2001 e 2005, até que Evo Morales assumiu em 2006 e de lá não arreda pé tão cedo. O problema brasileiro não é apenas tirar Michel Temer da Presidência, é nomear alguém que se sustente e toque as reformas até 2018. Aí, seja o que Deus quiser!

Dilma Rousseff caiu por crime de responsabilidade, inapetência política e incompetência administrativa. Temer está ‘balança-mas-não-cai’ por relações nada republicanas com bandidos milionários e agora delatores, por um partido que é ‘maria-vai-com-as-outras’ dependendo de quem paga mais e por um entorno que se dividiu em dois: uma parte tem o poder, a outra está na cadeia ou a caminho dela.

O que piora tudo é a falta de lideranças que conduzam uma saída institucional e de nomes com grandeza pessoal e política para assumir a transição, com pesadas nuvens de desconfiança sobre o colégio eleitoral – o Congresso. Sim, porque, pela Constituição, a sucessão de Temer é indireta. Gritar “diretas já” é bacana, mas não é, literalmente, legal.

 Odebrecht, JBS e as grandes companhias financiarem campanhas, vá lá. Afinal, era previsto na lei vigente. Mas o que surge das delações, aos borbotões, fetidamente, é que na maioria das vezes não se tratava de financiar campanhas, mas de roubar do público, privilegiar o privado e encher as burras de homens públicos.

As revelações de Joesley Batista, Emílio e Marcelo Odebrecht têm enredo parecido e choca também a forma: eles falam do nosso País, das nossas empresas, dos nossos representantes, como se fossem donos de tudo e de todos. É matar de vergonha. Ou raiva.

Há muitas partes de arrepiar os cabelos. Joesley barganhando com o deputado João Carlos Bacelar (PR-BA) a compra de deputados contra o impeachment de Dilma, que acabou em R$ 15 milhões, por cinco votos. A senha para a mesada da JBS para Eduardo Cunha, com aval de Temer: “Alpiste para o passarinho”. E a corridinha do deputado Rocha Loures, assessor de Temer, com sua mala de dinheiro até o táxi.

Ainda mais grave: US$ 150 milhões para Lula e Dilma usarem à vontade (além dos R$ 40 milhões para Lula na Odebrecht); os gerentes das contas eram justamente os ministros da Fazenda, Palocci e Mantega; R$ 1 milhão para consumo pessoal de Temer; Aécio mendigando R$ 2 milhões numa linguagem que o coloca no seu devido lugar. E são 1.829 políticos, de 28 partidos, na lista (ou no bolso, ou na mão...) da JBS. Com boa-fé, imaginemos que muitos receberam doação legal e nem tinham como dar contrapartidas. Mas a maioria não está nesses casos.

Quem sobra para uma eleição indireta? Excluída Cármen Lúcia, do STF, e preservado Nelson Jobim, que está hibernando, pode caminhar para “se não tem tu, vai de tu mesmo”, que favorece o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Listado na Odebrecht por R$ 300 mil de campanha (que podem ser legais, não propina), ele foi beneficiado com uma frase de Joesley: “Maia? Esse eu nem conheço”.

A história tem suas manhas e, nas encruzilhadas, pede perfis que não aumentem a confusão e as incertezas. Rodrigo Maia se encaixa aí, porque sinaliza a continuidade de Henrique Meirelles na Fazenda e das reformas no Congresso. No caso dele, o menos pode ser mais. Outra solução seria Meirelles na Presidência, mas ele não tem liderança, nem traquejo, para enfrentar o estouro da boiada no Congresso. A dobradinha Maia-Meirelles faz mais sentido.

Aliás, o que não faz nenhum sentido é Joesley Batista, depois de tudo, morando feliz num apartamento de R$ 30 milhões em Nova York. Nem em filmes baratos sobre repúblicas de banana.


Eliane Cantanhêde sexta, 19 de maio de 2017

A CRISE CONTINUA

A crise continua

Menos comprometedora para Temer, gravação da JBS avança sobre PT, PMDB e PSDB

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

19 Maio 2017 | 05h00

As delações de Joesley e Wesley Batista que serão divulgadas hoje pelo Supremo Tribunal Federal jogam Lula, Dilma, Renan, Serra e novos personagens no lamaçal da JBS. Não é só o presidente Michel Temer que parece estar afundando, é todo o mundo político.

Quem teve acesso diz que os valores são estonteantes e a intimidade dos irmãos com os políticos é nauseante. A Odebrecht vai ficar com ciúme... E isso tudo, evidentemente, dificulta uma solução para a maior crise de que se tem notícia.

Antes de mais nada, é preciso ressalvar que as gravações divulgadas ontem à noite são demolidoras para Aécio Neves, mas parecem menos comprometedoras para Temer. Primeiro, Joesley diz que tem mantido relações com Eduardo Cunha e Temer diz que deve manter, sim. Só depois o empresário fala nas mesadas. É diferente da versão original de que Temer teria estimulado o pagamento das mesadas.

De qualquer forma, com PT, PSDB e PMDB mais sujos do que pau de galinheiro, além de Lula, Dilma, Aécio, Serra, Renan e, claro, Temer politicamente estropiados, as saídas para essa crise monumental parecem bloqueadas. Como fazer eleição direta, se a Constituição não prevê e se o líder nas pesquisas é réu cinco vezes e projeta mais crises? E como fazer indireta, se a legitimidade do Congresso é questionada?

Eliane Cantanhêde quinta, 18 de maio de 2017

E AINDA PODE PIORAR MUITO...

E ainda pode piorar muito...

 

O presidente Temer despenca no escuro, deixando o País sem presente e sem futuro

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

18 Maio 2017 | 05h00

O Brasil, pobre Brasil, acaba de dar mais uma cambalhota mortal. Após uma semana de boas notícias na economia, com as reformas andando e justamente a 20 dias do julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente Michel Temer despenca no escuro, deixando o País sem presente e sem futuro.

Temer foi estupidamente flagrado estimulando a compra do silêncio do ex-deputado e atual preso Eduardo Cunha e favorecendo a JBS com benesses de governo, enquanto um assessor direto, o deputado Rocha Loures, é filmado recolhendo uma mala com dinheiro vivo.

Não bastasse, a Polícia Federal também filmou o senador tucano Aécio Neves, presidente de um partido-chave na sustentação política de Temer, pedindo R$ 2 milhões para Joesley Batista, da JBS. E mais: os policiais puseram um chip na dinheirama e descobriram que ela foi parar nas contas do também senador Zezé Perrella (PMDB), de Minas. 

Não bastasse, o filme de terror fica ainda mais assustador quando se lembra que Perrella é um velho personagem das páginas policiais, sobretudo quando um avião de propriedade de sua família foi capturado carregando cocaína. 

Tudo parece tão absurdo, tão realismo fantástico, que o mínimo que se pode dizer é que a realidade está superando a ficção no Brasil, que já passou pelo impeachment de Fernando Collor e acaba de sair do impeachment de Dilma Rousseff em meio à maior crise econômica da história.

A nota do Planalto para reagir a tudo isso lembra alguém tentando combater um incêndio de grandes proporções com um copo d’água. Ficam, portanto, três sérias ameaças a Temer, além dos gritos de renúncia que ecoam: uma guinada do TSE rumo à cassação do mandato, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), acatar o pedido de impeachment ou, simplesmente, a PGR e o Supremo processarem o presidente.

Pela Constituição, presidentes só não podem ser processados por crimes alheios e anteriores ao mandato, o que não é o caso. E, também pela Constituição, se Temer cair agora, o presidente da Câmara assume e convoca eleições indiretas. Sabe o que significa? Que os deputados que elegeram Eduardo Cunha para a presidência da Câmara e os senadores que içaram Renan Calheiros para a do Senado vão eleger o novo presidente da República. Só rezando...

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Eliane Cantanhêde sábado, 13 de maio de 2017

DILMA NO PRECIPÍCIO

Dilma no precipício

Eliane Cantanhêde

12 Maio 2017 | 19h01

A situação do ex-presidente Lula complicou muitíssimo nesta semana, mas ele já estava bastante complicado. Assim, o grande marco desta semana com ares de fim do mundo é que, depois das delações de João Santana e Monica Moura, a ex-presidente Dilma Rousseff, que vinha passando praticamente ao largo pela Lava Jato, agora está à beira do precipício.

Os videos são aterrorizantes e revelam uma Dilma Rousseff muito diferente daquela que ficou no imaginário popular, mesmo após o impeachment. Dilma foi afastada por crime de responsabilidade, condenada pelas pedaladas, e por inaptidão para o cargo, depois da evidente da má gestão da política, da economia e da administração. Mas ela não caiu por estar metida nas maracutaias atribuídas a Lula e ao PT. Agora passou a estar.

Nas revelações do casal de marqueteiros, Dilma abriu um e-mail falso para manter contatos escusos com eles, recomendou que transferissem contas criminosas da Suíça para Cingapura e, por fim, usou informações sigilosas de governo para orientá-los a fugir da cadeia. A isso se chama, no mínimo, obstrução de justiça. Só para lembrar, o ex-líder do governo dela, o então senador Delcídio do Amaral, foi preso exatamente por obstrução de justiça.


Eliane Cantanhêde sexta, 12 de maio de 2017

LULA JOGOU O APARTAMENTO NO COLO DA MULHER DELE, QUE JÁ MORREU E AGORA ESTÁ NO CETRO DA LAVA-JATO

Eliane Cantanhêde: A culpa foi de Marisa

Lula jogou o apartamento no colo da mulher dele, que já morreu e agora está no centro da Lava Jato

Publicado no Estadão

Como estava escrito nas estrelas, o ex-presidente Lula disse que não pagou pelo triplex, não estava interessado nele, não poderia nem ir à praia (“só às segundas-feiras e nas Quartas-feiras de Cinzas”), “Dona Marisa” não gostava mesmo de praia e, afinal, o apartamento era pequeno e cheio de defeitos. Ah! E Lula não sabia de nada do ocorria na Perobras nem no PT.

 

 

Então, quem sabia alguma coisa? Lula jogou o apartamento no colo da mulher dele, que já morreu e agora está no centro da Lava Jato. Marisa Letícia é quem estava interessada no triplex (para investimento?) e Lula só soube depois que ela tinha ido lá com o filho, mesmo depois da desistência da compra. Essas mulheres…

Moro não se intimidou e fez perguntas curtas, diretas, respaldadas por agendas, datas, fatos. Lula, ao contrário, parecia inseguro, sem a fluência e as sacadas típicas dele. Recorreu o tempo todo a “não sei”, “não lembro”, não tinha obrigação de saber que Renato Duque “operava” para o PT na Petrobrás e que Pedro Barusco roubava tanto que pôde devolver US$ 100 milhões à justiça.

O depoimento foi, tecnicamente, sobre o triplex, mas ele é só uma das materializações das relações promíscuas entre o ex-presidente e as empreiteiras. Por isso, Moro fez várias perguntas sobre Duque, Barusco e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

Mais do que o triplex, o que complica Lula é o encontro com Duque num hangar em São Paulo. O que um ex-presidente queria com um ex-diretor da Petrobrás? E por que pediu a mediação de Vaccari, que nem era do governo nem da Petrobrás? Segundo Duque, Lula foi pedir para anular provas. Mas Lula disse que só queria saber se era verdade que Duque tinha contas milionárias no exterior. Ficou claro que, como não poderia negar o encontro, Lula adocicou a verdade. Adivinha com qual versão a Justiça trabalha?


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