Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias quarta, 30 de junho de 2021

TÉDIO (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

TÉDIO

Olavo Bilac

 

Sobre minh'alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, último outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!


Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!


Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,


Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, lúgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!...


Poemas e Poesias terça, 29 de junho de 2021

RESSURREIÇÃO (DO POEMA JUCA MULATO, DO PAULISTA MENOTTI DEL PICCHIA)

RESSURREIÇÃO

(Do poema Juca Mulato)

Menotti Del Picchia 

 

        1

        Coqueiro! Eu te compreendo o sonho inatingível:
        queres subir ao céu, mas prende-te a raiz...
        O destino que tens de querer o impossível
        é igual a este meu de querer ser feliz.

        Por mais que bebas a seiva e que as forças recolhas,
        que os verdes braços teus ergas aos céus risonhos,
        no último esforço vão, caem-te murchas as folhas
        e a mim, murchos, os sonhos!
        Ai! coqueiro do mato!  Ai! coqueiro do mato!
        Em vão tentas os céus escalar na investida...
        Tua sorte é tal qual a de Juca Mulato...
        Ai! tu sempre serás um coqueiro do mato...
        Ai! Eu sempre serei infeliz nesta vida!"

        2

        "Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
        este sonho que ergui, o poderia por
        onde quisesse, longe até da minha dor,
        em um lugar qualquer onde a ventura mora;

        onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
        tivesse-o em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
        eu coloquei muito alto o meu sonho de amor...
        Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.
        O homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade
        teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
        e oculta-o sem saber se depois o achará...

        E quando vai buscar sua felicidade,
        ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
        escondeu-a tão bem que nem sabe onde está!"

        3

        E Mulato parou.
        Do alto daquela serra,
        cismando, o seu olhar era vago e tristonho:
        "Se minha alma surgiu para a glória do sonho,
        o meu braço nasceu para a faina da terra."

        Reviu o cafezal, as plantas alinhadas,
        todo o heróico labor que se agita na empreita,
        palpitou na esperança imensa das floradas,
        pressentiu a fartura enorme da colheita...

        Consolou-se depois: "O Senhor jamais erra...
        Vai! Esquece a emoção que na alma tumultua.
        Juca Mulato volta outra vez para a terra,
        procura o teu amor numa alma irmã da tua.

        Esquece calmo e forte. O destino que impera
        um recíproco amor às almas todas deu.
        Em vez de desejar o olhar que te exaspera,
        procura esse outro olhar que te espreita e te espera,
        que há, por certo, um olhar que espera pelo teu..."


Poemas e Poesias segunda, 28 de junho de 2021

A VOZ DAS COISAS (DO POEMA CHICO MULATO, DO PAULISTA MENOTTI DEL PICCHIA)

A VOZ DAS COISAS

(Do poema Chico Mulato)

Menotti Del Picchia

 

 

E Juca ouviu a voz das coisas. Era um brado:
"Queres tu nos deixar, filho desnaturado?"

E um cedro o escarneceu: "Tu não sabes, perverso,
que foi de um galho meu que fizeram teu berço?"

E a torrente que ia rolar para o abismo:
"Juca, fui eu quem deu a água do teu batismo".

Uma estrela, a fulgir, disse da etérea altura:
"Fui eu que iluminei a tua choça escura
no dia em que nasceste. Eras franzino e doente.
E teu pai te abraçou chorando de contente...
— Será doutor! — a mãe disse, e teu pai, sensato:
— Nosso filho será um caboclo do mato,
forte como a peroba e livre como o vento! —
Desde então foste nosso e, desde esse momento, nós
te amamos, seguindo o teu incerto trilho,
com carinhos de mãe que defende seu filho!"

Juca olhou a floresta: os ramos, nos espaços,
pareciam querer apertá-lo entre os braços:

"Filho da mata, vem! Não fomos nós, ó Juca,
o arco do teu bodoque, as grades da arapuca,
o varejão do barco e essa lenha sequinha
que de noite estalou no fogo da cozinha?
Depois, homem já feito, a tua mão ansiada
não fez, de um galho tosco, um cabo para a enxada?"

"Não vás" — lhe disse o azul. "Os meus astros ideais
num forasteiro céu tu nunca os verás mais.
Hostis, ao teu olhar, estrelas ignoradas
hão de relampejar como pontas de espadas.
Suas irmãs daqui, em vão, ansiosas, logo,
irão te procurar com seus olhos de fogo...
Calcula, agora, a dor destas pobres estrelas
correndo atrás de quem anda fugindo delas..."

Juca olhou para a terra e a terra muda e fria
pela voz do silêncio ela também dizia:
"Juca Mulato, és meu! Não fujas que eu te sigo...
Onde estejam teus pés, eu estarei contigo.
Tudo é nada, ilusão! Por sobre toda a esfera
há uma cova que se abre, há meu ventre que espera...
Nesse ventre há uma noite escura e ilimitada,
e nela o mesmo sono e nele o mesmo nada.

Por isso o que vale ir fugitivo e a esmo
buscar a mesma dor que trazes em ti mesmo?
Tu queres esquecer? Não fujas ao tormento...
Só por meio da dor se alcança o esquecimento.
Não vás. Aqui serão teus dias mais serenos,
que, na terra natal, a própria dor dói menos...
E fica, que é melhor morrer (ai, bem sei eu!)
no pedaço de chão em que a gente nasceu!"

 


Poemas e Poesias domingo, 27 de junho de 2021

A MANDINGA (DO POEMA JUCA MULATO, DO PAULISTA MENOTTI DEL PICCHIA)

 

A MANDINGA

(Do poema Juca Mulato)

Menotti Del Picchia

1

Juca Mulato apeia.
É macabro o pardieiro.
Junto à porta cochila o negro feiticeiro.
A pele molambenta o esqueleto disfarça.
Há uma faísca má nessa pupila garça,
quieta, dormente, como as águas estagnadas. 

Fuma: a fumaça o envolve em curvas 
                                                   [baforadas.
Cuspinha; coça a perna onde a sarna esfarinha
a pele; pachorrento inda uma vez cuspinha. 

Com o seu sinistro olhar o feiticeiro mede-o.
- Olha, Roque, você me vai dar um remédio.
Eu quero me curar do mal que me atormenta.

- Tenho ramos de arruda, urtigas, água benta,
uma infusão que cura a espinhela e a maleita,
figas para evitar tudo que é coisa feita...
Com uma agulha e um cabelo, enrolado a
                                                      [ capricho,
à mulher sem amor faço criar rabicho. 

Olho um rasto, depois de rezar um bocado
vou direitinho atrás do cavalo roubado.
Com umas ervas que sei, eu faço, de repente,
do caiçara mais mole, um caboclo valente!
Dize, Juca Mulato, o mal que te tortura.
- Roque, eu mesmo não sei de este mal tem 
                                                        [cura... 

- Sei rezas com que venço a qualquer mau 
                                                        [olhado,
breves para deixar todo o corpo fechado.
Não há faca que o vare e nem ponta de 
                                                        [espinho:
fica o corpo tal qual o corpo do Dioguinho...
Mas de onde vem o mal que tanto de abateu? 

- Ele vem de um olhar que nunca será meu...
Como está para o sol a luz morta da estrela
a luz do próprio sol está para o olhar dela... 

Parece o seu fulgor quando o fito direito,
uma faca que alguém enterra no meu peito,
veneno que se bebe em rútilos cristais
e, sabendo que mata, eu quero beber mais... 

- Eu já compreendo o mal que teu peito povoa.
Dize Juca Mulato, de quem é esse olhar?
- Da filha da patroa. 

- Juca Mulato! Esquece o olhar inatingível!
Não há cura, ai de ti, para o amor impossível.
Arranco a lepra do corpo, estirpo da alma o 
                                                   [tédio,
só para o mal de amor nunca encontrei 
remédio...
Como queres possuir o límpido olhar dela ?

Tu és qual um sapo a querer uma estrela...

A peçonha da cobra eu curo... Quem souber
cure o veneno que há no olhar de uma mulher!
Vencendo o teu amor, tu vences teu tormento.
Isso conseguirás só pelo esquecimento.
Esquecer um amor dói tanto que parece
que a gente vai matando um filho que 
                                                    [estremece
ouvindo, com terror, no peito, este estribilho:
"Tu não sabes, cruel, que matas o teu filho?" 

E, quando se estrangula, aos seus gemidos 
                                                     [loucos,
a gente quer que viva e vai matando aos 
                                                     [poucos!
Foge! Arrasta contigo essa tortura imensa
que o remédio é pior do que a própria doença,
pois, para se curar um amor tal qual esse...

- Que me resta fazer ?

- Juca Mulato: esquece!


Poemas e Poesias sábado, 26 de junho de 2021

PRESSÁGIOS (DO POEMA JUCA MULATO, DO PAULISTA MENOTTI DEL PICCHIA)

PRESSÁGIOS

(Do poema Juca Mulato)
Menotti Del Picchia

 

 
Juca Mulato sofre. Em cismas se aquebranta.
Uma viola geme, uma voz triste canta:
 
"Antes de amar eu dizia:
para cortar na raiz
esta constante agonia
preciso amar algum dia,
amando serei feliz".
 
"Amei... desventura minha!
Quis curar-me e piorei.
O amor só mágoas continha
e aos tormentos que já tinha,
novos tormentos juntei".
 
A cantiga, a gemer, nos ecos agoniza.
 
A vaga sugestão dessa angústia imprecisa
contamina-lhe a dor que o tortura sem pausa.
 
Juca sofre... Por que? Não advinha a causa.
Só sabe que, em seu peito, o olhar amado e langue,
deixa um rastro de luz como um rastro de sangue...
 
Tornou-o, pouco a pouco, a imensa dor que o oprime,
pálido como a cera e magro como um vime.
Tem olheiras cercando os grandes olhos lassos
cor do manto que traz Nosso Senhor dos Passos
quando carrega a cruz na procissão das Dores
no mais tristonho andor de todos os andores...
Mas por que sofre assim? Talvez mesmo ande nisso
artimanhas do Demo e coisas de feitiço...
 
Precisa, sem demora, ir uma sexta-feira,
à tapera do Roque, abrir sua alma inteira,
contar-lhe o mal que sofre e do peito arrancar
essa mágoa, essa luz, esse olhar!

Poemas e Poesias sexta, 25 de junho de 2021

LAMENTAÇÃO (DO POEMA JUCA MULATO, DE MENOTTI DEL PICCHIA)

LAMENTAÇÃO

(Do poema Juca Mulato)

Menotti Del Picchia)

 

         1

        "Amor?
        Receios, desejos,
        promessas de paraísos,
        depois sonhos, depois risos,
        depois beijos!

        Depois...
        E depois, amada?
        Depois dores sem remédio,
        depois pranto, depois tédio,
        depois... nada!"

        2

        "Também como esse bosque eu tive outrora
        na alma um bosque cerrado de emoções.
        As palmeiras das minhas ilusões
        iam levando o fuste espaço afora.

        Floriam sonhos; era uma pletora
        de crenças, de desejos, de ambições...
        Não havia por todos os sertões
        mais luxuriante e mais violenta flora.

        Ai! Bosque real, é o tempo das queimadas!...
        É agosto, é agosto! O fogo arde o que existe
        em turbilhões sinistros e medonhos.

        Ai de nós!... Somos almas desgraçadas,
        pois na luz de um olhar lânguido e triste
        também ardeu o bosque dos meus sonhos..."

        3

        "Água cantante, soluçante, esse gemente
        marulho triste, quantas tristes cismas trás...

        E fica incerta, ao ouvir-te a voz, a dor da gente,
        se vais cantando por ansiar o que há na frente
        ou soluçando pelo que deixaste atrás...

        Água cantante, água estuante, é singular
        a semelhança em que te iguala à minha sorte:
        vais para a frente e nunca mais hás de voltar,
        vens da montanha e vais correndo para o mar,
        venho da vida e vou correndo para a morte.

        Água cantante, ai, como tu, esta alma embrenho
        nas incertezas de caminhos que não sei...
        E, na inconstância em que me agito, só obtenho
        essa ânsia imensa de deixar o que já tenho,
        depois a dor de não ter mais o que deixei!"

        4

        Tenho uma santa em casa; o seu olhar encanta.
        O olhar dela é, porém, igualzinho ao da santa.

        Quando rezo, nem sei, é como o olhar da corça,
        tem, na própria fraqueza, a sua própria força.

        Quando o fito minha alma enche-se da incerteza
        que há na canoa sem dono á flor da correnteza.

        Ele é tal qual o sol, indiferente e mudo,
        sem saber quem aclara anda aclarando tudo...

        Mas no olhar que o fitou brilha,
        constantemente,
        um reflexo de luz ambicionada e ausente.

        Eu nunca vi o mar, mas vendo esse olhar penso
        num barco que se afasta onde se agita um lenço...

        Ou no doido terror que, em meio de procelas,
        há num casco sem leme ou num barco sem velas...

        Creio ver o meu vulto em teus olhos, tão vago
        como as sombras que espelham a água morta 
        de um lago.
        Eu bem sei que, tal qual na líquida planície,
        o meu vulto não vai além da superfície.

        Fica à tona, a boiar nessa pupila absorta
        como na água parada alguma folha morta..."

        5

        "Pigarço: a dor me aquebranta...
        Quando lembro o olhar que adoro
        e que nunca esquecerei,
        ah! Sinto um nó na garganta
        e choro, pigarço, choro,
        eu que até chorar não sei...

        Quando, a trote, ela nos via,
        debruçada na janela,
        nós levávamos, após,
        com o pó que do chão se erguia
        o nosso olhar cheio dela
        e o dela cheio de nós...

        Então, pouco me importava
        que seu olhar nos seguisse...
        Galopava-se a valer...
        Quando esse olhar eu olhava
        era como se não o visse
        tanto o olhava sem ver!

        Hoje pago essa ousadia...
        Ela os olhos de mi tolhe.
        Queixar-me disso por que ?
        Antes era eu que não o via,
        agora, por mais que me olhe,
        é ela que não me vê.

        Sou um caboclo do mato
        que ronda a luz de uma estrela...
        Já viste uma coisa assim?
        E o pobre Juca Mulato
        morrerá por causa dela
        e tu, por causa de mim...

        Eu da luz desse olhar garço,
        tu da dor que te machuca,
        morreremos e, depois,
        eu fico sem meu pigarço,
        meu pigarço sem seu Juca
        e o olhar dela... sem nós dois!"


Poemas e Poesias quarta, 23 de junho de 2021

ALMA ALHEIA (DO POEMA JUCA MULATO, DO PAULISTA MENOTTI DEL PICCHIA)

ALMA ALHEIA

(Do poema Juca Mulato)

Menotti Del Picchia 

 

        Que tens, Juca Mulato ?
        Uma tristeza mansa
        embaça-lhe o fulgor dos olhos de criança.
        Ele é outro... Um langor anda a abrasar-lhe a pele.
        Não sabe definir o que há de novo nele.
        Fuma e segue pelo ar uma espiral que esvoaça,
        pensa que seu destino é igual a essa fumaça...
        "A vida é mesmo assim..."   ele cisma tristonho.
        "Sai do fogo da dor a fumaça do sonho"...

        Da cocheira, um nitrir, de intervalo a intervalo,
        vibra no ar... É o pigarço.  Esse pobre cavalo
        anda esquecido e há muito que, sozinho,
        sente a falta que faz o calor de um carinho.
        Juca Mulato todo o dia vinha vê-lo...
        Afagava-lhe o dorso, acamava-lhe o pelo,
        e ele, baixando, quieto, as pálpebras vermelhas,
        nitrindo e resfolgando, espetava as orelhas...
        Juca Mulato, então, numa voz doce e calma,
        dizia-lhe baixinho o que ele tinha n’alma.
        Coisa de pouca monta: umas fanfarronadas,
        uns receios pueris, façanhas de caçadas,
        desafios na viola em noites de luar;
        coisas que tinha pejo até de lhe contar,
        que sussurrava a custo, onde, por entre os dentes,
        a gente advinhava  umas frases ardentes:
        bocas mordendo um seio em que os bicos quentinhos
        tinham a cor da rosa e a ponta dos espinhos...
        Ele ria e a risada espoucava-lhe aos pinchos
        e o pigarço sisudo explodia em relinchos
        que diriam, talvez, traduzido em frases:
        "Toma tento, Mulato! Olha bem o que fazes..."

        Juca afagando-o, então, murmurava contente:
        "Pigarço, você tem uma alma como a gente!"

        Hoje, anda abandonado e pesa-lhe o abandono.
        Há no seu manso olhar saudades de seu dono.
        Quem não vê nesse olhar úmido e cor de enxofre
        que esse cavalo sofre ?

        2

        Vê uma ave voar na tarde calma e suave,
        vem-lhe o desejo absurdo e doido de ser ave.
        Quando junto a uma fonte acaso se debruça,
        se a corrente soluça, ele também soluça...
        Depois, envergonhado, encolhe-se, procura
        no seu imo o porquê dessa vaga ternura.
        Até vendo uma flor, comove-se, suspira...
        "Juca: toma cuidado... Estás ficando gira...
        Deixa de te arrastar, como um doido qualquer,
        atrás da tentação de uns olhos de mulher!"

        E resolve, consigo, ir altivo e insolente,
        fingir que não padece e mostrar que não sente,
        montar o seu pigarço, atacar a restinga
        às foiçadas, beber um cálice de pinga
        na venda do caminho e, entre parvos caipiras,
        de mistura, contar três ou quatro mentiras
        onde lampeja a faca, onde, aos uivos e aos brados
        põe em fuga, triunfante, um bando de soldados!

        Revive a ilusão! Ele é outro! Salvou-se!

        Insidioso, de novo, um olhar meigo e doce
        o alucina, o subjuga, o domina, o amolece...

        E nem sabe porque humilhado  obedece
        à sugestão da luz que cintila naquele
        lânguido e triste olhar que nunca olhou para ele.


Poemas e Poesias terça, 22 de junho de 2021

A SERENATA (DO POEMA JUCA MULATO, DO PAULISTA MENOTTI DEL PICCHIA)

A SERENATA

(Do poema Juca Mulato)

Menotti Del Picchia

 

 

 

Canta, Juca Mulato...
Ele pega na viola:
seu dedo nervoso os machetes esfrola.
Solta um gemido o aço vibrado
como um grito de dor de um peito esfaqueado.
É tão suave a canção, tão dolente e tão langue
que cada nota lembra uma gota de sangue
a fluir e a pingar dos lábios de uma chaga.
É noite. A brisa sopra uma carícia vaga.

 

 

A turba espera. O terreiro tem brilhos
quando, de chapa, a lua esplende nos ladrilhos
e, sentindo a paixão estuar-lhe a garganta,
Juca Mulato canta:
"Veio coleante, essa mágoa
arrastas triste e submisso;
também choro, veio dágua,
sem que ninguém dê por isso...

 

 

Saltas nos seixos de chofre.
Choras. No mundo inclemente,
só não chora quem não sofre
só não sofre quem não sente...

 

 

Procuras dentre os abrolhos
ver o céu que astros povoaram.
Eu também procuro uns olhos
que nunca me procuraram...

 

 

Os céus não vêem tua mágoa,
nem estas ela advinha...
Veio d’água, veio d’água,
Tua sorte é igual à minha.

 

 

Ora em bolhas vãs tu medras,
eu em sonhos bem mesquinhos,
Teu leito é cheio de pedras,
minha alma é cheia de espinhos...

 

 

Se uma rama se desfolha
sobre teu dorso e resvala,
corres doido atrás da folha
sem poder nunca alcançá-la.

 

 

Às vezes, também, risonho,
um sonho minh’alma junca,
Corro doido atrás do sonho
Sem poder tocá-lo nunca.

 

 

Ventura... doida corrida
de uma folha sobre um veio.
Folha... Esperança perdida
de um bem que nunca me veio.

 

 

Assim vou, sangrando mágoa
e doido, para onde for
veio d’água, veio d’água
corro atrás da minha dor!"


Poemas e Poesias segunda, 21 de junho de 2021

QUESTÃO DE ESTÉTICA (POEMA DO PERNAMBUCANO MEDEIROS E ALBUQUERQUE)

QUESTÃO DE ESTÉTICA

Medeiros e Abuquerque

 

Eu assistia à eterna discussão
de uns que querem a Forma e outros a Ideia,
mas a minh’alma, inteiramente alheia
cismava numa íntima visão.

Cismava em ti... Pensava na expressão
do teu lânguido olhar, que em nós ateia
um rasto de volúpia e em cada veia
coa as lavas ardentes da paixão.

Pensava no teu corpo, maravilha
como igual certamente outra não brilha,
e lembrei - argumento capital –

que não tens, animando-te o portento
da imperecível Forma triunfal,
nem um nobre e sublime pensamento!


Poemas e Poesias domingo, 20 de junho de 2021

DOS NOSSOS MALES (POEMA DO GAÚCHO MARIO QUINTANA)

DOS NOSSOS MALES

Mário Quintana

 

 

A nós bastem nossos próprios ais,

Que a ninguém sua cruz é pequenina.

Por pior que seja a situação da China,

Os nossos calos doem muito mais...


Poemas e Poesias sábado, 19 de junho de 2021

NAS PRAIAS DO CUMÃ - SOLIDÃO (POEMA DA MARANHENSE MARIA FIRMINA DOS REIS)

NAS PRAIAS DO CUMÃ/SOLIDÃO

Maria Firmina dos Reis

 

Aqui na solidão minh'alma dorme;
Que letargo profundo!... Se no leito,
A horas mortas me revolvo em dores,
Nem ela acorda, nem me alenta o peito.

No matutino albor a nívea garça
Lá vai tão branca doudejando errante;
E o vento geme merencório - além
Como chorosa, abandonada amante.

E lá se arqueia em ondulação fagueira
O brando leque do gentil palmar;
E lá nas ribas pedregosas, ermas,
De noite - a onda vem de dor chorar.

Mas, eu não choro, lhe escutando o choro;
Nem sinto a brisa, que na praia corre:
Neste marasmo, neste lento sono,
Não tenho pena; - mas, meu peito morre.

Que displicência! não desperta um'hora!
Já não tem sonhos, nem já sofre dor...
Quem poderia despertá-lo agora?
Somente um ai que revelasse - amor.


Poemas e Poesias sexta, 18 de junho de 2021

CABEDELO (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

CABEDELO

Manuel Bandeira 

 

Viagem. roda do mundo
Numa casquinha de noz:
Estive em Cabedelo.
O macaco me ofereceu cocos.
Ó maninha, ó, maninha,
Tu não estavas comigo!...

- Estavas?...


Poemas e Poesias quinta, 17 de junho de 2021

FRAGMENTOS DE CANÇÕES POEMAS - 16 (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

 

16 - FRAGMENTO DE CANÇÕES E POEMAS 

Manoel de Barros

 


Ai, sossego de terras pisadas por mim… 
E os silêncios caídos como folhas 
Nos limites de uma tarde aberta… 
Que importa que a criatura se surpreenda 
Sem paisagem, e presa à sua carne? 
Se esta rosa pousada em tua boca 
Tão molhada de chuvas! se abandone 
Ao esquecimento. 
E se refaz em caule, 
Em beijo, em sono. 
Ou se corrompe 
Como um homem exposto numa mesa — 
Como um rio cria o seu lodo e o afoga.


Poemas e Poesias quarta, 16 de junho de 2021

ESPINOSA (POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)

ESPINOSA

Machado de Assis

 

 

Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante idéia.

E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.

Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas

Sóbrio, tranqüilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.


Poemas e Poesias terça, 15 de junho de 2021

FILOSOFIA DE FLANELINHA (POEMA DO PERNAMBUCANO LUÍS TURIBA)

FILOSOFIA DE FLANELINHA

Luís Turiba

 

 

fecha e
deixa solto

Poemas e Poesias segunda, 14 de junho de 2021

CLAUSTROS (POEMA DO CARIOCA LUÍS EDMUNDO)

CLAUSTROS

Luís Edmundo

 

Pelas arcadas altas e sombrias

Destes claustros sinistros e tristonhos,

Anda o segredo místico dos sonhos

Das brancas monjas pela morte frias.

 

E o som dos passos, que nas galerias

Rolam numa cadência combalida,

Não acordam jamais a história e a vida

Dessas que foram como a luz dos dias.

 

Pois, como os claustros, esses claustros, onde

O misticismo que domina esconde

Dos monges tudo que a sonhar levaram,

 

Há corações tristonhos e doridos

Que guardam de outros tempos, tempos idos,

O segredo de tudo que sonharam.


Poemas e Poesias domingo, 13 de junho de 2021

À LUZ DO SON NASCENTE (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

À LUZ DO SOL NASCENTE 

Júlio Dinis

 

 

À luz do sol nascente
Resplendem pelas selvas
Mil pérolas nas relvas
Nos ares mil rubis;
No azul do céu nevoado
Não brilham as estrelas,
Mas são imagens delas
As flores do tapiz.
 
As aves perpassando
Agitam a ramagem,
E a perfumada aragem
Nos bosques se introduz;
Aí mil vozes falam
Ao céu sereno e mudo;
No bosque é sombra, tudo,
No céu é tudo luz.
 
Ridente madrugada,
Hora em que do oriente
Com o gládio refulgente
O arcanjo da luz vem;
E as trevas se dissipam,
Com as trevas a tristeza,
Que em toda a natureza
A noite eivado tem. 
 
Oh! vinde, vinde ao prado
Que o orvalho ainda umedece;
Ali tudo parece
A vida ressurgir
Em vórtices contínuos,
Em doudejantes valsas
Elevam-se das balsas
Insetos a zumbir.
 
Subi do prado ao vértice
Da florida colina,
Então pela campina,
Os olhos prolongai:
Ao longe, ao longe as vagas,
Lutando nos fraguedos;
Mais perto os arvoredos
Que o arroio banhar vai.
 
A tudo anima a esperança
No monte e vale e praia;
No céu Vésper desmaia
Ao matutino alvor.
O cântico das aves,
Das flores o aroma
Nos diz: – O dia assoma!
Hossana ao Criador! –

Poemas e Poesias sábado, 12 de junho de 2021

MULHER PROLETÁRIA (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LIMA)

MULHER PROLETÁRIA

Jorge de Lima

 

 

Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.

Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.

 


Poemas e Poesias sexta, 11 de junho de 2021

O ARSENAL DE SEVILHA (POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

O ARSENAL DE SEVILHA

João Cabral de Melo Neto

 

 

á nada resta do Arenal
de que contou Lope de Vega.
A Torre do Ouro é sem ouro
senão na cúpula amarela.

Já não mais as frotas das Índias,
e esta hoje se diz América;
nem a multidão de mercado
que se armava chegando elas.

Já Riconete e Cortadilho
dormem no cárcere dos clássicos
e é ponte mesmo, de concreto,
a antiga Ponte de Barcos.

Urbanizaram num Passeio
o formigueiro que antes era;
só, do outro lado do rio,
ainda Triana e suas janelas.

 


Poemas e Poesias terça, 08 de junho de 2021

ASSIM (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

ASSIM

J. G. de Araújo Jorge

 

 

Assim foi nosso amor… um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia…
Um pouco de quimera ao léu da fantasia…
Um flor que brotou e num botão morreu…

Embora sendo nosso, este amor foi só meu,
porque o teu, não foi mais que pura hipocrisia,
– no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal já lhe deu…

Não podes, bem o sei – sendo mulher como és,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pétalas no chão, pisadas por teus pés…

Que importa ? Hás de sofrer mais tarde – a vida é assim…
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
é o mesmo que depois há de amargar teu fim!…


Poemas e Poesias segunda, 07 de junho de 2021

DO DESEJO - 5 - I (DE CIGARRAS E PEDRAS, QUEREM NASCER PALAVRAS) - (POEMA DA PAULISTA HILDA HILST)

 

DO DESEJO 5 - I (DE CIGARRAS E PEDRAS, QUEREM NASCER PALAVRAS)

Hilda Hilst

 

 

5- I (De cigarras e pedras, querem nascer palavras)

De cigarras e pedras, querem nascer palavras.
Mas o poeta mora
A sós num corredor de luas, uma casa de águas.
De mapas-múndi, de atalhos, querem nascer viagens.
Mas o poeta habita
O campo de estalagens da loucura.

Da carne das mulheres, querem nascer os homens.
E o poeta preexiste, entre a luz e o sem-nome.

 


Poemas e Poesias domingo, 06 de junho de 2021

A FORMIGA (POEMA DO SERGIPANO HERMES FONTES)

 FORMIGA

Hermes Fontes

 

 

E dizer-se que não tens nervos, ó nervosa,
ó vibrátil, sutil, minúscula formiga!
Dizer que não tens alma! E haverá quem o diga,
se o teu exemplo toda gente o imita e glosa?!

Tão pequenina és tu, e, astuta e laboriosa,
arrastas uma folha — e a arrastada te abriga…
E o requinte que pões em roer o grão da espiga?
E a perícia em bordar as pétalas da rosa?

Passas, eu me pergunto onde o melhor motivo:
se — Atlas — erguer nas mãos e nos ombros a Esfera,
se — formiga — arrastar um ramo nutritivo;

Ou — sonhador que a própria angústia retempera —
dia e noite viver, qual dia e noite vivo,
ao peso imaterial de uma triste quimera…


Poemas e Poesias sexta, 04 de junho de 2021

AO MAR (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

AO MAR

Guilherme de Almeida

Eu me lanço ao mar

Um mar de incertezas
Um mar de desafios
Um mar turbulento
O mar mais violento que ja conheci

E ele me leva pro desconhecido
Para terras assustadoras
Terras de problemas sem solução
Terras de tempestades eternas

E eu gosto


Poemas e Poesias quinta, 03 de junho de 2021

ADORAÇÃO (POEMA DO PORTUGUÊS GUERRA JUNQUEIRO)

ADORAÇÃO

Guerra Junqueiro

 

Eu não te tenho amor simplesmente. A paixão 
Em mim não é amor; filha, é adoração! 
Nem se fala em voz baixa à imagem que se adora. 
Quando da minha noite eu te contemplo, aurora, 
E, estrela da manhã, um beijo teu perpassa 
Em meus lábios, oh! quando essa infinita graça 
do teu piedoso olhar me inunda, nesse instante 
Eu sinto – virgem linda, inefável, radiante, 
Envolta num clarão balsâmico da lua, 
A minh'alma ajoelha, trémula, aos pés da tua! 
Adoro-te!... Não és só graciosa, és bondosa: 
Além de bela és santa; além de estrela és rosa. 
Bendito seja o deus, bendita a Providência 
Que deu o lírio ao monte e à tua alma a inocência, 
O deus que te criou, anjo, para eu te amar, 
E fez do mesmo azul o céu e o teu olhar!...

 


Poemas e Poesias quarta, 02 de junho de 2021

FIDALGO QUE CHEGA COM UM PAJE (AUTO DO PORTUGUÊS GIL VICENTE)

FIDALGO QE  CHEGA COM UM PAJE

Gil Vicente

 

O primeiro interlocutor é um Fidalgo que chega com um Paje, que lhe leva um rabo mui comprido e üa cadeira de espaldas. E começa o Arrais do Inferno ante que o Fidalgo venha.

DIABO À barca, à barca, houlá!
que temos gentil maré!
- Ora venha o carro a ré!
COMPANHEIRO Feito, feito!
Bem está!
Vai tu muitieramá,
e atesa aquele palanco
e despeja aquele banco,
pera a gente que virá.

À barca, à barca, hu-u!
Asinha, que se quer ir!
Oh, que tempo de partir,
louvores a Berzebu!
- Ora, sus! que fazes tu?
Despeja todo esse leito!
COMPANHEIRO Em boa hora! Feito, feito!
DIABO Abaixa aramá esse cu!

Faze aquela poja lesta
e alija aquela driça.
COMPANHEIRO Oh-oh, caça! Oh-oh, iça, iça!
DIABO Oh, que caravela esta!
Põe bandeiras, que é festa.
Verga alta! Âncora a pique!
- Ó poderoso dom Anrique,
cá vindes vós?... Que cousa é esta?...

Vem o Fidalgo e, chegando ao batel infernal, diz:

FIDALGO Esta barca onde vai ora,
que assi está apercebida?
DIABO Vai pera a ilha perdida,
e há-de partir logo ess'ora.
FIDALGO Pera lá vai a senhora?
DIABO Senhor, a vosso serviço.
FIDALGO Parece-me isso cortiço...
DIABO Porque a vedes lá de fora.

FIDALGO Porém, a que terra passais?
DIABO Pera o inferno, senhor.
FIDALGO Terra é bem sem-sabor.
DIABO Quê?... E também cá zombais?
FIDALGO E passageiros achais
pera tal habitação?
DIABO Vejo-vos eu em feição
pera ir ao nosso cais...

FIDALGO Parece-te a ti assi!...
DIABO Em que esperas ter guarida?
FIDALGO Que leixo na outra vida
quem reze sempre por mi.
DIABO Quem reze sempre por ti?! ..
Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi!...
E tu viveste a teu prazer,
cuidando cá guarecer
por que rezam lá por ti?!...

Embarca - ou embarcai...
que haveis de ir à derradeira!
Mandai meter a cadeira,
que assi passou vosso pai.
FIDALGO Quê? Quê? Quê? Assi lhe vai?!
DIABO Vai ou vem! Embarcai prestes!
Segundo lá escolhestes,
assi cá vos contentai.

Pois que já a morte passastes,
haveis de passar o rio.
FIDALGO Não há aqui outro navio?
DIABO Não, senhor, que este fretastes,
e primeiro que expirastes
me destes logo sinal.
FIDALGO Que sinal foi esse tal?
DIABO Do que vós vos contentastes.

FIDALGO A estoutra barca me vou.
Hou da barca! Para onde is?
Ah, barqueiros! Não me ouvis?
Respondei-me! Houlá! Hou!...
(Pardeus, aviado estou!
Cant'a isto é já pior...)
Oue jericocins, salvanor!
Cuidam cá que são#eu#grou?

ANJO Que quereis?
FIDALGO Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do Paraíso
é esta em que navegais.
ANJO Esta é; que demandais?
FIDALGO Que me leixeis embarcar.
Sou fidalgo#de#solar,
é bem que me recolhais.

ANJO Não se embarca tirania
neste batel divinal.
FIDALGO Não sei porque haveis por mal
que entre a minha senhoria...
ANJO Pera vossa fantesia
mui estreita é esta barca.
FIDALGO Pera senhor de tal marca
nom há aqui mais cortesia?

Venha a prancha e atavio!
Levai-me desta ribeira!
ANJO Não vindes vós de maneira
pera entrar neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a cadeira entrará
e o rabo caberá
e todo vosso senhorio.

Ireis lá mais espaçoso,
vós e vossa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso.
E porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
quanto mais fostes fumoso.

DIABO À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
e valentes remadores!

Diz, cantando:

Vós me veniredes a la mano,
a la mano me veniredes.

FIDALGO Ao Inferno, todavia!
Inferno há i pera mi?
Oh triste! Enquanto vivi
não cuidei que o i havia:
Tive que era fantesia!
Folgava ser adorado,
confiei em meu estado
e não vi que me perdia.

Venha essa prancha! Veremos
esta barca de tristura.
DIABO Embarque vossa doçura,
que cá nos entenderemos...
Tomarês um par de remos,
veremos como remais,
e, chegando ao nosso cais,
todos bem vos serviremos.

FIDALGO Esperar-me-ês vós aqui,
tornarei à outra vida
ver minha dama querida
que se quer matar por mi.
Dia, Que se quer matar por ti?!...
FIDALGO Isto bem certo o sei eu.
DIABO Ó namorado sandeu,
o maior que nunca vi!...

FIDALGO Como pod'rá isso ser,
que m'escrevia mil dias?
DIABO Quantas mentiras que lias,
e tu... morto de prazer!...
FIDALGO Pera que é escarnecer,
quem nom havia mais no bem?
DIABO Assi vivas tu, amém,
como te tinha querer!

FIDALGO Isto quanto ao que eu conheço...
DIABO Pois estando tu expirando,
se estava ela requebrando
com outro de menos preço.
FIDALGO Dá-me licença, te peço,
que vá ver minha mulher.
DIABO E ela, por não te ver,
despenhar-se-á dum cabeço!

Quanto ela hoje rezou,
antre seus gritos e gritas,
foi dar graças infinitas
a quem a desassombrou.
FIDALGO Cant'a ela, bem chorou!
DIABO Nom há i choro de alegria?..
FIDALGO E as lástimas que dezia?
DIABO Sua mãe lhas ensinou...

Entrai, meu senhor, entrai:
Ei la prancha! Ponde o pé...
FIDALGO Entremos, pois que assi é.
DIABO Ora, senhor, descansai,
passeai e suspirai.
Em tanto virá mais gente.
FIDALGO Ó barca, como és ardente!
Maldito quem em ti vai!

Diz o Diabo ao Moço da cadeira:

DIABO Nom entras cá! Vai-te d'i!
A cadeira é cá sobeja;
cousa que esteve na igreja
nom se há-de embarcar aqui.
Cá lha darão de marfi,
marchetada de dolores,
com tais modos de lavores,
que estará fora de si...

À barca, à barca, boa gente,
que queremos dar à vela!
Chegar ela! Chegar ela!
Muitos e de boamente!
Oh! que barca tão valente!

Vem um Onzeneiro, e pergunta ao Arrais do Inferno, dizendo:

ONZENEIRO Pera onde caminhais?
DIABO Oh! que má-hora venhais,
onzeneiro, meu parente!

Como tardastes vós tanto?
ONZENEIRO Mais quisera eu lá tardar...
Na safra do apanhar
me deu Saturno quebranto.
DIABO Ora mui muito m'espanto
nom vos livrar o dinheiro!...
ONZENEIRO Solamente para o barqueiro
nom me leixaram nem tanto...

DIABO Ora entrai, entrai aqui!
ONZENEIRO Não hei eu i d'embarcar!
DIABO Oh! que gentil recear,
e que cousas pera mi!...
ONZENEIRO Ainda agora faleci,
leixa-me buscar batel!
DIABO Pesar de Jam#Pimentel!
Porque não irás aqui?..


Poemas e Poesias quarta, 02 de junho de 2021

A FLORISTA (POEMA DA PAULISTA FRANCISCA JÚLIA)

 A FLORISTA

Francisca Júlia

 

Suspensa ao braço a grávida corbelha,
Segue a passo, tranquila… O sol faísca…
Os seus carmíneos lábios de mourisca
Se abrem, sorrindo, numa flor vermelha.

Deita à sombra de uma árvore. Uma abelha
Zumbe em torno ao cabaz… Uma ave, arisca,
O pó do chão, pertinho dela, cisca,
Olhando-a, às vezes, trêmula, de esguelha…

Aos ouvidos lhe soa um rumor brando
De folhas… Pouco a pouco, um leve sono
Lhe vai as grandes pálpebras cerrando…

Cai-lhe de um pé o rústico tamanco…
E assim descalça, mostra, em abandono,
O vultinho de um pé macio e branco.


Poemas e Poesias segunda, 31 de maio de 2021

ALMA PERDIDA (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

ALMA PERDIDA

Florbela Espanca

 

 

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!...


Poemas e Poesias domingo, 30 de maio de 2021

POR VOCÊ POR MIM (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

POR VOCÊ POR MIM

Ferreira Gullar

 

A noite, a noite, que se passa? diz
que se passa, esta serpente vasta em convulsão, esta
pantera lilás, de carne
    lilás, a noite, esta usina
no ventre da floresta, no vale,
sob os lençóis de lama e acetileno, a aurora,
o relógio da aurora, batendo, batendo,
quebrado entre cabelos, entre músculos mortos, na podridão
a boca destroçada já não diz a esperança,
    batendo
Ah, como é difícil amanhecer em Thua Thien.
     Mas amanhece.


Poemas e Poesias domingo, 30 de maio de 2021

CONSELHO (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

CONSELHO

Fernando Pessoa

 

Cerca de grandes muros quem te sonhas.

Depois, onde é visível o jardim

Através do portão de grade dada,

Põe quantas flores são as mais risonhas,

Para que te conheçam só assim.

Onde ninguém o vir não ponhas nada.

 

Faze canteiros como os que outros têm,

Onde os olhares possam entrever

O teu jardim como lho vais mostrar.

Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém

Deixa as flores que vêm do chão crescer

E deixa as ervas naturais medrar.

 

Faze de ti um duplo ser guardado;

E que ninguém, que veja e fite, possa

Saber mais que um jardim de quem tu és —

Um jardim ostensivo e reservado,

Por trás do qual a flor nativa roça

A erva tão pobre que nem tu a vês...


Poemas e Poesias quinta, 27 de maio de 2021

AMOR ALGÉBRICO (POEMA DO FLUMINENSE EUCLIDES DA CUNHA)

AMOR ALGÉBRICO

Euclides da Cunha

 

Acabo de estudar – da ciência fria e vã,
O gelo, o gelo atroz me gela ainda a mente,
Acabo de arrancar a fronte minha ardente
Das páginas cruéis de um livro de Bertrand.

Bem triste e bem cruel decerto foi o ente
Que este Saara atroz – sem aura, sem manhã,
A Álgebra criou – a mente, a alma mais sã
Nela vacila e cai, sem um sonho virente.

Acabo de estudar e pálido, cansado,
Dumas dez equações os véus hei arrancado,
Estou cheio de spleen, cheio de tédio e giz.

É tempo, é tempo pois de, trêmulo e amoroso,
Ir dela descansar no seio venturoso
E achar do seu olhar o luminoso X.

 


Poemas e Poesias quarta, 26 de maio de 2021

TROVAS HUMORÍSTICAS - 09 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA HUMORÍSTICA 09

Eno Teodoro Wanke

 

Casar é como entrar numa

Banheira de água fervente

Depois que a gente acostuma

Já não parece tão quente

 


Poemas e Poesias quarta, 26 de maio de 2021

À MORTE DO PRÍNCIPE DOM PEDRO (POEMA DO CARIOCA COM PEDRO II)

À MORtE DO PRÍNCIPE DOM PEDRO

Dom Pedro II

 

 

Pode o artista pintar a imagem morta
Da mulher, por quem dera a própria vida.
À esposa que a ventura vê perdida
Casto e saudoso beijo inda conforta.

A imitar-lhe os exemplos nos exorta
O amigo na extrema despedida...
Mas dizer o que sente a alma partida
Do pai, a quem, oh Deus, tua espada corta.

A flor de seu futuro, o filho amado;
Quem o pode, Senhor, se mesmo o Teu
Só morrendo livrou-nos do pecado,

Se a terra à voz do Gólgota tremeu
E o sangue do Cordeiro Imaculado
Até o próprio céu enegreceu!


Poemas e Poesias terça, 25 de maio de 2021

DE MÃOS POSTAS (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

DE MÃOS POSTAS

Da Costa e Silva

 

Eu te bendigo, porque a tua vida,
Iluminada de esperança e amor,
Trouxe a felicidade à minha vida.

Bendita sejas, pelo teu amor!

Eu te bendigo, porque a tua morte, 
Iluminada de saudade e dor, 
Me traz a glória para além da morte....

Bendita sejas, pelo meu amor!


Poemas e Poesias domingo, 23 de maio de 2021

NOS CAMPOS (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

NOS CAMPOS

Cruz e Sousa

 

 

Por entre campos de seara loura                   

de alegre sol puríssimo batidos,                   

passam carros chiantes de lavoura                

e raparigas sãs, de coloridos             

que a luz solar que as ilumina e doura                    

lembram pomares e jardins floridos,            

por entre campos de seara loura.                  

 

A Natureza inteira reverdece            

pelos montes e vales e colinas;                     

e o luar que freme, anseia e resplandece,                

movido por aragens vespertinas,                  

parece a alma dos tempos que floresce...                 

enquanto que por prados e campinas            

a Natureza inteira reverdece.            

 

A paz das coisas desce sobre tudo!             

e no verde sereno d'espessuras,                    

no doce e meigo e cândido veludo,              

tremem cintilações como armaduras            

ou como o aço brunido dum escudo;            

enquanto que das límpidas alturas               

a paz das coisas desce sobre tudo!               

 

A casa, a rude tenda construída,                   

onde habitam as mães e as crianças              

promiscuamente, nessa mesma vida            

de perfume lirial das esperanças,                 

como é feliz, dos astros aquecida!                

Aquecida do Amor nas asas mansas             

a casa, a rude tenda construída.                    

 

As bocas impolutas e cheirosas                    

das raparigas, pródigas belezas                    

de finos lábios púrpuros de rosas,                 

abrem, cheias de angélicas purezas,             

as cristalinas fontes murmurosas                  

de risos, refrescando em correntezas            

as bocas impolutas e cheirosas.                    

 

Da vida aurora rica do seu sangue                

flameja a carne em báquicas vertigens!                   

e quem tiver uma epiderme exangue            

para ficar com essas faces virgens,               

para não ser mais pálida nem langue,                      

tem de beber das cálidas origens                  

da viva aurora rica do seu sangue.                

 

Lindas ceifeiras percorrendo. searas             

nos campos, ó bizarras raparigas,                 

pelas manhãs e pelas tardes claras               

vós desfolhais sorrisos e cantigas                 

que deixam ver as pérolas mais raras           

dos dentes brancos, frescos como estrigas...            

lindas ceifeiras percorrendo searas!

 


Poemas e Poesias sábado, 22 de maio de 2021

MEU EPITÁFIO (POEMA DA GOIANA CORA CORALINA)

MEU EPITÁFIO

Cora Coralina

 

Morta... serei árvore,
serei tronco, serei fronde
e minhas raízes
enlaçadas às pedras de meu berço
são as cordas que brotam de uma lira.

Enfeitei de folhas verdes
a pedra de meu túmulo
num simbolismo
de vida vegetal.

Não morre aquele
que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos.


Poemas e Poesias sexta, 21 de maio de 2021

SE SOU POBRE PASTOR, SE NÃO GOVERNO (POEMA DO CARIOCA CLÁUDIO MANUEL DA COSTA)

SE SOU POBRE PASTOR, SE NÃO GOVERNO

Cláudio Manuel da Costa

 

 

Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;

Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.

Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;

Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.


Poemas e Poesias sexta, 21 de maio de 2021

PRECISÃO (POEMA DA UCRANIANA-BRASILEIRA CLARICE LISPECTOR)

PRECISÃO

Clarice Lispector

 

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.


Poemas e Poesias quinta, 20 de maio de 2021

CINISMOS (POEMA DO PORTUGUÊS CESÁRIO VERDE)

CINISMOS

Cesário Verde

 

Eu hei-de lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,
chamar-lhe minha cruz e meu calvário,
e ser menos que um Judas empalhado.

Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário,
e desvendar-lhe a vida, o mundo, o gozo,
como um velho filósofo lendário.

Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
e hei-de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
cheia de dor, tremente, alucinada,
e há-de chorar, chorar enternecida!

E eu hei-de, então, soltar uma risada.


Poemas e Poesias quinta, 20 de maio de 2021

LEILÃO DE JARDIM (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

LEILÃO DE JARDIM

Cecília Meireles

 

Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?

Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?

Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?

Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?

Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?

Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?


Poemas e Poesias terça, 18 de maio de 2021

O LIVRO E A AMÉRICA (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

O LIVRO E A AMÉRICA

Castro Alves

 

 

Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
"Vai, Colombo, abre a cortina
"Da minha eterna oficina...
"Tira a América de lá".

Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um — traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceilão...
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada:
"Tudo marcha!... Ó grande Deus!
As cataratas — pra terra,
As estrelas — para os céus
Lá, do pólo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar...
Eu quero marchar com os ventos,
Corn os mundos... co'os
firmamentos!!!"
E Deus responde — "Marchar!"
>
"Marchar! ... Mas como?...  Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteon?...
Marchar co'a espada de Roma
— Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo. . .
— Com as garras nas mãos do mundo,

— Com os dentes no coração?...
"Marchar!... Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?...
Não!... Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir...
Lá brada César morrendo:
"No pugilato tremendo
"Quem sempre vence é o porvir!"

Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade vooul...

Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O sec'lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das idéias
Largo — abris às multidões,
Pra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse "rei dos ventos"
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz! ...

Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão! ...
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada "Luz!" o Novo Mundo
Num brado de Briaréu...
Luz! pois, no vale e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!...

 


Poemas e Poesias segunda, 17 de maio de 2021

SEMPRE SONHOS (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

SEMPRE SONHOS

Casimiro de Abreu

 

 

Se eu tivesse, meu Deus, santos amores,
Eu m’erguera cantando essa paixão,
E atirara p’ra longe – sem saudade –
Este véu que me cobre a mocidade
De tanta escuridão!

Eu que sou como o cardo do rochedo
Quase morto dos ventos ao rigor,
Encontrara de novo a minha vida,
O sol da primavera e a luz perdida,
Nos braços desse amor!

Minha fronte, que pende sofredora
Acharia, meu Deus, inspirações,
E o fogo que queimou Gilbert e Dante
Correria mais puro e mais constante
Na lira das canções!

No mundo tão gentil dos devaneios
Minh’alma mais feliz saudara a luz,
E apagara, Senhor, num beijo puro
A dor imensa da perda do futuro
Que à morte me conduz.

Por ela eu deixaria a voz das turbas
E esta ânsia infeliz de gloria vã;
Na vida que nos corre tão sombria
Eu seria, meu Deus, seu doce guia,
E ela – minha irmã!

Eu velara, Senhor, pelos seus dias,
Como a mãe vela o filho que dormiu:
Se um dia ela soltasse um só gemido,
Eu iria saber porque ferido
Seu seio assim buliu!

Como à sombra das árvores da pátria
S’embala a doce filha dos tupis,
A sombra da ventura e da esperança
Embalara, meu Deus, essa criança
Nos cantos juvenis!

Como o nauta olha o céu de primavera,
Eu, sentado a seus pés, ébrio de amor,
Espreitara tremendo no seu rosto
A sombra fugitiva dum desgosto,
À nuvem duma dor!

Eu lhe iria mostrar nos hinos d’alma
Outro mundo, outro céu, outros vergéis;
Nossa vida seria um doce afago,
Nós – dois cisnes vogando em manso lago,
– Amor – nossos batéis!

Se eu tivesse, meu Deus, santos amores,
Eu deixara este amor da glória vã;
Nesse mundo de luz, doce e risonho,
A pudibunda virgem do meu sonho
Seria minha irmã!


Poemas e Poesias segunda, 17 de maio de 2021

O BAIRRO DO RECIFE (POEMA DO PERNAMBUCANO CARLOS PENA FILHO)

O BAIRRO DO RECIFE

Carlos Pena Filho

Ali é que é o Recife
mais propriamente chamado,
com seu pecado diurno
e o seu noturno pecado,
mas tudo muito tranquilo,
sereno e equilibrado.
No andar térreo, moram os bancos
(capitais da Capital)
no primeiro, a ex-austera
Associação Comercial,
no segundo, a sempre fútil
Câmara Municipal
e, no terceiro, afinal,
está a alegre pensão
da redonda Alzira, a viga
mestra da prostituição.
Mas como vivem tão bem,
em tão segura união,
qualquer dia, todos juntos,
vão fundar a Associação
dos Múltiplos Pecadores,
com banqueiros, comerciantes,
prostitutas, vereadores,
ingleses do British Club,
homens doentes e sãos,
pois o camelô já disse
que somos todos irmãos.
Esse é o bairro do Recife
que tem um cais debruçado
nas verdes águas do Atlântico
e ainda tem o cais do Apolo,
apodrecido e romântico,
beleza que ainda resiste
lá nos desvãos da memória
desse bairro que se escoa
pela Ponte Giratória,
que é uma estranha armação
que aguenta em seu férreo dorso
automóvel, caminhão
e trem de carga bem cheio,
mas não resiste às barcaças
que a fendem do meio a meio.


Poemas e Poesias domingo, 16 de maio de 2021

AMAR-AMARO (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

AMAR-AMARO

Carlos Drummond de Andrade

 

 

porque amou por que amou
se sabia
p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s
ternos ou desesperados
nesse museu do pardo indiferente
me diga: mas por que
amar sofrer talvez como se morre
de varíola voluntária vágula evidente?

ah PORQUE AMOU
e se queimou
todo por dentro por fora nos cantos ecos
lúgubres de você mesm(o,a)
irm(ã,o) retrato espetáculo por que amou?

se era para
ou era por
como se entretanto todavia
toda via mas toda vida
é indignação do achado e aguda espotejação
da carne do conhecimento, ora veja

permita cavalheir(o,a)
amig(o,a) me releve
este malestar
cantarino escarninho piedoso
este querer consolar sem muita convicção
o que é inconsolável de ofício
a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car(o,a) colega este não consola nunca de nuncarás.


Poemas e Poesias sábado, 15 de maio de 2021

SONETO 093 - CONVERSAÇÃO DOMÉSTICA AFEIÇOA (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)

CONVERSAÇÃO DOMÉSTICA AFEIÇOA

Soneto 093

Luís de Camões

 

 

Conversação doméstica afeiçoa,
ora em forma de boa e sã vontade,
ora de üa amorosa piedade,
sem olhar qualidade de pessoa.

Se despois, porventura, vos magoa
com desamor e pouca lealdade,
logo vos faz mentira da verdade
o brando Amor, que tudo em si perdoa.

Não são isto que falo conjecturas,
que o pensamento julga na aparência,
por fazer delicadas escrituras.

Metido tenho a mão na consciência,
e não falo senão verdades puras
que me ensinou a viva experiência.


Poemas e Poesias sábado, 15 de maio de 2021

SONETO DO DIÁLOGO CONJUGAL (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE)

SONETO DO DIÁLOGO NUPCIAL

Manuel Maria Du Bocage

 

 

Não chores, cara esposa, que o Destino
Manda que parta, à guerra me convida;
A honra prezo mais que a própria vida,
E se assim não fizera, fora indigno.

“Eu te acho, meu Conde, tão menino
Que receio…” – Ah! Não temas, não, querida;
A francesa nação será batida,
Este peito, que vês, é diamantino.

“Como é crível que sejas tão valente?…”
Eu herdei o valor de avós, e pais,
Que essa virtude tem a ilustre gente.

“Porém se as forças forem desiguais…?”
Irra, Condessa! És muito impertinente!
Tornarei a fugir, que queres mais?”


Poemas e Poesias sexta, 14 de maio de 2021

A MULHER (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)

A MULHER

Belmiro Braga

(Grafia original)

 

 

Ella, dos 15 aos 20, nos enleia,
dos 20 aos 25, nos encanta,
dos 25 aos 30, não ha feia
e, dos 30 aos 40, não ha santa.

Dos 40 aos 50, ainda é sereia,
dos 50 aos 60, desencanta:
— Se for solteira — o proprio céo odeia,
se casada — de nada mais se espanta.

Dos 60 aos 70, não descrevo;
embora guarde n´alma um doce enlevo,
traz nos olhos da magua o espesso véo...

Seja avó, seja tia ou seja sogra,
toda velhinha meus carinhos logra
por lembrar minha Mãe que está no céo..


Poemas e Poesias quinta, 13 de maio de 2021

VOZES DE UM TÚMULO (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS

VOZES DE UM TÚMULO

Augusto dos Anjos

 

Morri! E a Terra - a mãe comum - o brilho
Destes meus olhos apagou!... Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!

Por que para este cemitério vim?!
Por quê?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque não tem fim!

No ardor do sonho que o fronema exalta
Construí de orgulho ênea pirâmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronou

A pirâmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciência de que nada sou!


Poemas e Poesias quarta, 12 de maio de 2021

TREM DE ALAGOAS (POEMA DO PERNAMBUCANO ASCENSO FERREIRA)

TREM DE ALAGOAS

Ascenso Ferreira

O sino bate,
o condutor apita o apito,
solta o trem de ferro um grito,
põe-se logo a caminhar...

                    — Vou danado pra Catende,
                    vou danado pra Catende,
                    vou danado pra Catende
                    com vontade de chegar...

Mergulham mocambos
nos mangues molhados ,
moleques mulatos,
vem vê-lo passar.

              — Adeus!
              — Adeus!

Mangueiras, coqueiros,
cajueiros em flor,
cajueiros com frutos
já bons de chupar...

             — Adeus, morena do cabelo cacheado!

            — Vou danado pra Catende,
            vou danado pra Catende,
            vou danado pra Catende
            com vontade de chegar...

Na boca da mata
há furnas incríveis
que em coisas terríveis
nos fazem pensar:

            — Ali mora o Pai-da-Mata!
            — Ali é a casa das caiporas!

            — Vou danado pra Catende,
            vou danado pra Catende,
            vou danado pra Catende
            com vontade de chegar...

Meu Deus! Já deixamos
a praia tão longe...
No entanto avistamos
bem perto outro mar...

Danou-se! Se move,
parece uma onda...
Que nada! É um partido
já bom de cortar...

              — Vou danado pra Catende,
              vou danado pra Catende,
              vou danado pra Catende
              com vontade de chegar...

Cana-caiana
cana-roxa
cana-fita
cada qual a mais bonita,
todas boas de chupar...

             — Adeus, morena do cabelo cacheado!

             — Ali dorme o Pai-da-Mata!
             — Ali é a casa das caiporas!

             — Vou danado pra Catende,
             vou danado pra Catende,
             vou danado pra Catende
             com vontade de chegar...

 


Poemas e Poesias quarta, 12 de maio de 2021

POR DECORO (POEMA DO MARANHENSE ARTHUR AZEVEDO)

POR DECORO

Arthur Azevedo

 

 

Quando me esperas, palpitando amores,
E os grossos lábios úmidos me estendes,
E do teu corpo cálido desprendes
Desconhecido olor de estranhas flores;

Quando, toda suspiros e fervores,
Nesta prisão de músculos te prendes,
E aos meus beijos de sátiro te rendes,
Furtando as rosas as púrpureas cores;

Os olhos teus, inexpressivamente,
Entrefechados, lânguidos, tranquilos,
Olham, meu doce amor, de tal maneira,

Que, se olhassem assim, publicamente,
Deveria, perdoa-me, cobri-los
Uma discreta folha de parreira.


Poemas e Poesias terça, 11 de maio de 2021

NOTURNO (POEMA DO PARAIBANO ARIANO SUSSUNS)

NOTURNO

Ariano Suassuna

Tem para mim Chamados de outro mundo
as Noites perigosas e queimadas,
quando a Lua aparece mais vermelha
São turvos sonhos, Mágoas proibidas,
são Ouropéis antigos e fantasmas
que, nesse Mundo vivo e mais ardente
consumam tudo o que desejo Aqui.
 
Será que mais Alguém vê e escuta?
 
Sinto o roçar das asas Amarelas
e escuto essas Canções encantatórias
que tento, em vão, de mim desapossar.
 
Diluídos na velha Luz da lua,
a Quem dirigem seus terríveis cantos?
 
Pressinto um murmuroso esvoejar:
passaram-me por cima da cabeça
e, como um Halo escuso, te envolveram.
Eis-te no fogo, como um Fruto ardente,
a ventania me agitando em torno
esse cheiro que sai de teus cabelos.
 
Que vale a natureza sem teus Olhos,
ó Aquela por quem meu Sangue pulsa?
 
Da terra sai um cheiro bom de vida
e nossos pés a Ela estão ligados.
Deixa que teu cabelo, solto ao vento,
abrase fundamente as minhas mão...
 
Mas, não: a luz Escura inda te envolve,
o vento encrespa as Águas dos dois rios
e continua a ronda, o Som do fogo.
 
Ó meu amor, por que te ligo à Morte?

Poemas e Poesias terça, 11 de maio de 2021

DESPEDIDAS (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

DESPEDIDAS

Álvares de Azevedo

 

Se entrares, ó meu anjo, alguma vez
Na solidão onde eu sonhava em ti,
Ah! vota uma saudade aos belos dias
Que a teus joelhos pálido vivi!

Adeus, minh’alma, adeus! eu vou chorando...
Sinto o peito doer na despedida...
Sem ti o mundo é um deserto escuro
E tu és minha vida...

Só por teus olhos eu viver podia
E por teu coração amar e crer...
Em teus braços minh’alma unir à tua
E em teu seio morrer!

Mas se o fado me afasta da ventura,
Levo no coração a tua imagem...
De noite mandarei-te os meus suspiros
No murmúrio da aragem!

Quando a noite vier saudosa e pura,
Contempla a estrela do pastor nos céus,
Quando a ela eu volver o olhar em pranto...
Verei os olhos teus!

Mas antes de partir, antes que a vida,
Se afogue numa lágrima de dor,
Consente que em teus lábios num só beijo
Eu suspire de amor!

Sonhei muito! sonhei noites ardentes
Tua boca beijar... eu o primeiro!
A ventura negou-me... mesmo até
O beijo derradeiro!

Só contigo eu podia ser ditoso,
Em teus olhos sentir os lábios meus!
Eu morro de ciúme e de saudade...
Adeus, meu anjo, adeus!


Poemas e Poesias segunda, 10 de maio de 2021

CANTO GENETLÍACO (POEMA DO CARIOCA ALVARENGA PEIXOTO)

CANTO GENETLÍACO

Alvarenga Peixoto

 

 

Bárbaros filhos destas brenhas duras,
nunca mais recordeis os males vossos;
revolvam-se no horror das sepulturas
dos primeiros avós os frios ossos:
que os heróis das mais altas cataduras
principiam a ser patrícios nossos;
e o vosso sangue, que esta terra ensopa,
já produz frutos do melhor da Europa.

Bem que venha a semente à terra estranha,
quando produz, com igual força gera;
nem do forte leão, fora de Espanha,
a fereza nos filhos degenera;
o que o estio numas terras ganha,
em outras vence a fresca primavera;
e a raça dos heróis da mesma sorte
produz no sul o que produz no norte.

(...)

Isto, que Europa barbaria chama,
do seio das delícias, tão diverso,
quão diferente é para quem ama
os ternos laços de seu pátrio berço!
O pastor loiro, que o meu peito inflama,
dará novos alentos ao meu verso,
para mostrar do nosso herói na boca
como em grandezas tanto horror se troca.

"Aquelas serras na aparência feias,
— dirá José — oh quanto são formosas!
Elas conservam nas ocultas veias
a força das potências majestosas;
têm as ricas entranhas todas cheias
de prata, oiro e pedras preciosas;
aquelas brutas e escalvadas serras
fazem as pazes, dão calor às guerras.

"Aqueles matos negros e fechados,
que ocupam quase a região dos ares,
são os que, em edifícios respeitados,
repartem raios pelos crespos mares.
Os coríntios palácios levantados,
dóricos templos, jônicos altares,
são obras feitas desses lenhos duros,
filhos desses sertões feios e escuros.

"A c'roa de oiro, que na testa brilha,
e o cetro, que empunha na mão justa
do augusto José a heróica filha,
nossa rainha soberana augusta;
e Lisboa, da Europa maravilha,
cuja riqueza todo o mundo assusta,
estas terras a fazem respeitada,
bárbara terra, mas abençoada.

"Estes homens de vários acidentes,
pardos e pretos, tintos e tostados,
são os escravos duros e valentes,
aos penosos trabalhos costumados:
Eles mudam aos rios as correntes,
rasgam as serras, tendo sempre armados
da pesada alavanca e duro malho
os fortes braços feitos ao trabalho.

(...)


Poemas e Poesias segunda, 10 de maio de 2021

AI, HELENA (POEMA DO PORTUGUÊS ALMEIDA GARRETT)

AI, HELENA

Almeida Garrett

 

Ai, Helena!, de amante e de esposo
Já o nome te faz suspirar,
Já tua alma singela pressente
Esse fogo de amor delicioso
Que primeiro nos faz palpitar! ...
Oh!, não vás, donzelinha inocente,
Não te vás a esse engano entregar:
E amor que te ilude e te mente,
É amor que te há-de matar!
Quando o Sol nestes montes desertos
Deixa a luz derradeira apagar,
Com as trevas da noite que espanta
Vêm os anjos do Inferno encobertos
A sua vítima incauta afagar.
Doce é a voz que adormece e quebranta,
Mas a mão do traidor ...faz gelar.
Treme, foge do amor que te encanta,
É amor que te há-de matar.


Poemas e Poesias domingo, 09 de maio de 2021

ANÁTEMA (POEMA DO GAÚCHO ALCEU WAMOSY)

ANÁTEMA

Alceu Wamosy

 

 

Das mulheres que amei, tu foste a mais fingida
E entre todas, talvez, a que mentiu melhor...
Eu fiz do teu amor a essência da minha vida
E o teu braço assassino apunhalou-me o amor.
 
À cada riso teu, promessa fementida,
Se abria na minha alma uma esperança em flor,
Para depois morrer, para morrer colhida
Com a foice do teu beijo ardente, enganador!
 
Mas tu, que foste falsa, hás de levar na face
O estigma cruel da legenda imortal,
Que há de te assinalar, onde a tua sombra passe.
 
E nunca hás de encontrar, errante pelo mundo,
Num peito como o meu, um outro afeto igual,
- Assavero do amor, perpétuo vagabundo!

 


Poemas e Poesias sábado, 08 de maio de 2021

A VINGANÇA DA PORTA (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)

 A VINGANÇA DA PORTA

Alberto de Oliveira

 

Era um hábito antigo que ele tinha:
Entrar dando com a porta nos batentes.
— Que te fez essa porta? a mulher vinha
E interrogava. Ele cerrando os dentes:

— Nada! traze o jantar! — Mas à noitinha
Calmava-se; feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.

Uma vez, ao tornar à casa, quando
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
Entra mais devagar... — Para, hesitando...

Nisto nos gonzos range a velha porta,
Ri-se, escancara-se. E ele vê na sala,
A mulher como doida e a filha morta.


Poemas e Poesias sábado, 08 de maio de 2021

BALADA DOS CASAIS (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT,ANNA)

BALADA DOS CASAIS

Affonso Romano de Sant'Anna

 

Os casais são tão iguais,
por isto se casam
e anunciam nos jornais.
Os casais são tão iguais,
por isto se beijam
fazem filhos, se separam
prometendo
não se casarem jamais.

Os casais são tão iguais,
que além de trocar fraldas,
tirar fotos, acabam se tornando
avós e pais.

Os casais são tão iguais,
que se amam e se insultam
e se matam na realidade
e nos filmes policiais.

Os casais são tão iguais,
que embora jurem um ao outro
amor eterno
sempre querem mais.


Poemas e Poesias sexta, 07 de maio de 2021

DONA DOIDA, POEMA DA MINEIRA ADÉLIA PRADO

 

DONA DOIDA

Adélia Prado

 

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.


Poemas e Poesias sexta, 07 de maio de 2021

ESTIGMA (POEMA DA CARIOCA ADALISA NERY

ESTIGMA

Adalgia Nery

Adalgisa 

Não receio que partas para longe,
Que faças por fugir, por te livrares
Da força da minha voz
E da compreensão do meu olhar.

Não temo que os mares te levem
No bojo dos transatlânticos
Nem tampouco me amedronta
Que em possantes aviões
No céu e na terra,
Cortes espaços sem conta
Em todos os seres me encontrarás.

Serena ficarei se disseres
Que na certa me olvidarás
No ventre da mata virgem,
Nas areias dos desertos
Ou no amor de outras mulheres que terás.

Não importa.
Nada temo e desejo mesmo que o faças
Para que saibas o quanto estou em teus sentidos
E que a minha forma, o meu espírito
Jamais da tua existência passa.

Se fugires pelos mares
Tu me veras na espuma leve da onda,
Me sentiras no colorido de um peixe
E a minha voz escutaras dentro de uma concha.

Se partires pelos ares,
Certamente na brancura de uma nuvem
Tu sentirás a maciez e a alvura
Das minhas carnes.

Se fores para a floresta
Hás de me ver
Na árvore mais florida e harmoniosa
Atravessando areias cálidas do deserto.
Sei que trocarias o lenitivo de um oásis
Pela certeza de me teres perto.

E nas mulheres que encontrares,
Dos seios o perfume, das nucas a palidez,
Das ancas as curvas
E das peles a cor e a tepidez,
Fica certo, não te evadirás.

Porque desde a tua sombra
Ao teu mais rápido pensamento
Não serás livre de mim
Num um momento.

 


Poemas e Poesias quinta, 06 de maio de 2021

CONFISSÃO (POEMA DA PORTUGUESA VIRGÍNIA VICTORINO)

CONFISSÕES

Virgínia Victorino

 

Quando às vezes me queixo, não é nada

pelas loucuras que tens feito. Não!

A gente não domina o coração,

antes por ele é sempre dominada...

 

Sei que ainda em teus olhos, disfarçada,

vibra a chama da última paixão!

Que falas da saudade e da ilusão

numa voz triste, lenta, perturbada!

 

Tu procuraste sempre em toda a parte

emoções raras, e eu não posso dar-te

mais do que um calmo, um grande amor sem fim!...

 

Viveste horas febris, horas serenas...

Não as lamento, não. Lamento apenas

as que tu não guardaste para mim!


Poemas e Poesias quinta, 06 de maio de 2021

A FELICIDADE (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A FELICIDADE

Vinícius de Moraes

 

Tristeza não tem fim
Felicidade sim...

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar.

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei, ou de pirata, ou da jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira.

Tristeza não tem fim
Felicidade sim...


Poemas e Poesias quarta, 05 de maio de 2021

FANTASIAS DO LUAR (POEMA DO PAULISTA VICENTE DE CARVALHO)

FANTASIAS DO LUAR

Vicente de Carvalho

  • I


Entre nuvens esgarçadas
No céu pedrento flutua
A triste, a pálida lua
Das baladas.

Frouxo luar sugestivo
Contagia a natureza
Como de um ar de tristeza
Sem motivo.

Tem vagos tons de miragem,
De um desenho sem sentido,
Da paisagem.

A apagada fantasia
Do colorido - parece
De um pintor que padecesse
De miopia.

Tudo, tudo quanto existe,
Extravaga, e se afigura
Tomado de uma loucura
Mansa e triste.

O longo perfil do Monte
- Como um rio de água verde-
Corre ondulado, e se perde
No horizonte.

E sobre essa imaginária
Turva corrente, projeta
A alva igreja a sua seta
Solitária.

Assim, de um ermo barranco
A garça alonga no rio
O seu vulto, muito branco,
Muito esguio.

Sonha, imóvel... E acredito
Que de súbito desperte
Aquele fantasma inerte
De granito.

Dorme talvez... Qualquer cousa
No seu sono se disfarça
De asa encolhida de garça
Que repousa.

E eu cuido vê-la a cada hora,
Animar-se; e de repente
Subir sossegadamente
Céu afora...

  • II


Há um lirismo disperso
Nos ares... O próprio vento,
Esse bronco, esse praguento,
Fala em verso:

Voz forte, bruscas maneiras,
Pela boca pondo os bofes,
O vento improvisa estrofes
Condoreiras.

Beijam-se as frondes, arrulam,
Trocam afagos, promessas...
E as árvores secas, essas
Gesticulam.

Gesticulam, como espectros,
No vácuo, tentando abraços
Com seus descarnados braços
De dez metros.

Algum trovador de esquina
Canta a paixão que o devora;
E a sua voz geme, chora,
Desafina.

Ao longe um eco repete
O canto, frase por frase,
Em tom abrandado, quase
Sem falsete.

Tem o aspecto apalaçado
Da pedra cara e maciça
O muro, em simples caliça,
De um sobrado.

Nem castelã falta a esse
Castelo: na luz da lua,
Branca, airosa, seminua,
Resplandece.

Numa pose pitoresca
De romance ou de aquarela,
A burguesa que à janela
Goza a fresca.

  • III


O olhar, o ouvido, a alma inteira
Vê, ouve, acredita, sente
Quanto sonhe, quanto invente,
Quanto queira,

Quando, ó lua das baladas,
Forjas visões indistintas
Com esse aguado das tintas
Estragadas.


Poemas e Poesias quarta, 05 de maio de 2021

TELHA DE VIDRO (POEMA DA CEARENSE RACHEL DE QUEIROZ)

TELHA DE VIDRO

RAchel de Queiroz

 

Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...

A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...

Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que - coitados - tão velhos
só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria


Poemas e Poesias quarta, 05 de maio de 2021

COGITO (POEMA DO PIAUIENSE TORQUATO NETO)

COGITO

Torquato Neto

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou


Poemas e Poesias terça, 04 de maio de 2021

NÓS SOMOS (POEMA DO BAIANO RICARDO LIMA)

NÓS SOMOS

Ricardo Lima

 

 

Nós somos

Ópio do amor

Sustentado pelo amor, que é a dor.

 

Somos dor

Ora! Dor do horror

Meramente horror

O horror da dor que é o amor

Somos nós.

 


Poemas e Poesias terça, 04 de maio de 2021

AOS QUE SONHAM (POEMA DO FLUMINENSE RAUL DE LEÔNI)

AOS QUE SONHAM

Ral de Leôni

Não se pode sonhar impunemente
Um grande sonho pelo mundo afora,
Porque o veneno humano não demora
Em corrompê-lo na íntima semente…

Olhando no alto a árvore excelente,
Que os frutos de ouro esplêndidos enflora,
O Sonhador não vê, e até ignora
A cilada rasteira da Serpente.

Queres sonhar? Defende-te em segredo,
E lembra, a cada instante e a cada dia,
O que sempre acontece e aconteceu:

Prometeu e o abutre no rochedo,
O calvário do filho de Maria
E a cicuta que Sócrates bebeu!


Poemas e Poesias domingo, 02 de maio de 2021

INFÂNCIA (POEMA DO MINEIRO PAULO MENDES CAMPOS)

INFÂNCIA

Paulo Mendes Campos

 

Há muito, arquiteturas corrompidas,
Frustrados amarelos e o carmim
De altas flores à noite se inclinaram
Sobre o peixe cego de um jardim.
Velavam o luar da madrugada
Os panos do varal dependurados;
Usávamos mordaças de metal
Mas os lábios se abriam se beijados.
Coados em noturna claridade,
Na copa, os utensílios da cozinha
Falavam duas vidas diferentes,
Separando da vossa a vida minha.
Meu pai tinha um cavalo e um chicote;
No quintal dava pedra e tangerina;
A noite devolvia o caçador
Com a perna de pau, a carabina.
Doou-me a pedra um dia o seu suplício.
A carapaça dos besouros era dura
Como a vida — contradição poética —
Quando os assassinava por ternura.
Um homem é, primeiro, o pranto, o sal,
O mal, o fel, o sol, o mar — o homem.
Só depois surge a sua infância-texto,
Explicação das aves que o comem.
Só depois antes aparece ao homem.
A morte é antes, feroz lembrança
Do que aconteceu, e nada mais
Aconteceu; o resto é esperança.
O que comigo se passou e passa
É pena que ninguém nunca o explique:
Caminhos de mim para mim, silvados,
Sarçais em que se perde o verde Henrique.
Há comigo, sem dúvida, a aurora,
Alba sangüínea, menstruada aurora,
Marchetada de musgo umedecido,
Fauna e flora, flor e hora, passiflora,

Espaço afeito a meu cansaço, fonte,
Fonte, consoladora dos aflitos,
Rainha do céu, torre de marfim,
Vinho dos bêbados, altar do mito.
Certeza nenhuma tive muitos anos,
Nem mesmo a de ser sonho de uma cova,
Senão de que das trevas correria
O sangue fresco de uma aurora nova.
Reparte-nos o sol em fantasias
Mas à noite é a alma arrebatada.
A madrugada une corpo e alma
Como o amante unido à sua amada.

O melhor texto li naquele tempo,
Nas paredes, nas pedras, nas pastagens,
No azul do azul lavado pela chuva,
No grito das grutas, na luz do aquário,
No claro-azul desenho das ramagens,
Nas hortaliças do quintal molhado
(Onde também floria a rosa brava)
No topázio do gato, no be-bop
Do pato, na romã banal, na trava
Do caju, no batuque do gambá,
No sol-com-chuva, já quando a manhã
Ia lavar a boca no riacho.
Tudo é ritmo na infância, tudo é riso,
Quando pode ser onde, onde é quando.

A besta era serena e atendia
Pelo suave nome de Suzana.
Em nossa mão à tarde ela comia
O sal e a palha da ternura humana.
O cavalo Joaquim era vermelho
Com duas rosas brancas no abdômen;
À noite o vi comer um girassol;
Era um cavalo estranho feito um homem.
Tínhamos pombas que traziam tardes
Meigas quando voltavam aos pombais;
Voaram para a morte as pombas frágeis
E as tardes não voltaram nunca mais.
Sorria à toa quando o horizonte
Estrangulava o grito do socó
Que procurava a fêmea na campina.
Que vida a minha vida! E ria só.

Que âncora poderosa carregamos
Em nossa noite cega atribulada!
Que força do destino tem a carne
Feita de estrelas turvas e de nada!
Sou restos de um menino que passou.
Sou rastos erradios num caminho
Que não segue, nem volta, que circunda
A escuridão como os braços de um moinho. 


Poemas e Poesias sábado, 01 de maio de 2021

MEU CASTIGO - AO MEU NETO EXPEDITO (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

MEU GASTIGO

AO MEU NETO EXPEDITO

Patativa do Assaré

 

MEU CASTIGO
 
 
 
POR CAMPO, VILA E CIDADE,
ANDEI NO MUNDO Á VONTADE,
ATRÁS DA FELICIDADE,
ESTA FLOR TÃO DESEJADA.
ANDEI TANTO, QUE CANSEI
E A MESMA NÃO ENCONTREI,
ATÉ QUE, POR FIM, ME ACHEI
COM UMA PERNA QUEBRADA.
 
 
A MINHA DOR A CARPIR,
PASSEI NOITES SEM DORMIR
PROCURANDO DESCOBRIR
DE ONDE O MEU CASTIGO VEM;
POIS, DIGO DE CONSCIÊNCIA,
ATENDENDO A PROVIDÊNCIA,
DURANTE A MINHA EXISTÊNCIA
NUNCA OFENDI A NINGUÉM.
 
 
SEM SABER SE ERA CULPADO,
JÁ VIVIA ENCABULADO,
MAS, DEPOIS DE TER PENSADO
TODA A NOITE E O DIA INTEIRO,
ME VEIO A TRISTE LEMBRANÇA,
COM CERTA DESCONFIANÇA,
QUE NO TEMPO DE CRIANÇA
FUI MENINO BODOQUEIRO.
 
 
DE QUALQUER UM CAMARADA
SEMPRE EU GANHAVA A PARADA,
NÃO ERRAVA UMA BALADA,
ERA ESCOÉTEIRO EXATO
NO BODOQUE JÁ FUI REI
E NO TEMPO EM QUE CACEI,
MUITAS PERNAS EU QUEBREI
DE PASSARINHO NO MATO.
 
 
AQUELAS AVES, COITADAS!
COM SUAS PERNAS QUEBRADAS
POR MINHAS CRUÉIS BALADAS,
PERDIAM ATÉ SEUS NINHOS.
ESTAS CAUSAS RECORDANDO,
EU FICO TRISTE PENSANDO
QUE AGORA É QUE ESTOU PAGANDO
AS PERNAS DOS PASSARINHOS.
 
 
VOCÊ, NETINHO EXPEDITO,
É ATIRADOR PERITO,
COM O SEU BODOQUE BONITO,
NUNCA BALADA PERDEU,
PORÉM, OUÇA O QUE LHE DIGO:
FUJA DO GRANDE PERIGO,
PENSE NO TRISTE CASTIGO
QUE COMIGO ACONTECEU.
 
 
A MINHA HORA CHEGOU,
MUITO SOFRE O SEU VOVÔ,
POR ISSO UM CONSELHO DOU:
TRATE AS AVES COM CARINHO;
GUARDE NO SEU CORAÇÃO
A MINHA SITUAÇÃO,
DEIXE O BODOQUE DE MÃO,
NÃO MATE MAIS PASSARINHO!

Poemas e Poesias sábado, 01 de maio de 2021

VERSO E VERSO, POEMA DO CEARENSE PADRE ANTÔNIO TOMÁS

VERSO E REVERSO

Padre Atônio Tomás

 

 

Essa mulher de face escaveirada,
Que vês tremente em ânsias de fadiga,
Estendendo a quem passa a mão mirrada,
Foi meretriz antes de ser mendiga.

Fugiu-lhe breve, nessa vida airada,
Da mocidade a doce quadra amiga
E chegou a ser velha a desgraçada
Antes do tempo... A tanto o vício obriga!

Ontem, de gozo e de volúpia ardente,
Fosse a quem fosse dava, a qualquer hora,
O seio branco e o lábio sorridente.

E hoje - triste sina! - embalde chora,
Pedindo esmola àquela mesma gente
Que dos seus beijos se fartava outrora.


Poemas e Poesias sexta, 30 de abril de 2021

A ALEGRIA DE VIVER, POEMA DO PERNAMBUCANO OLEGÁRIO MARIANO

A ALEGRIA DE VIVER

Olegário Mariano

 

Para a alegria de viver nada nos falta:
Sol, natureza clara e sinos a tocar,
Nuvens imateriais na montanha mais alta,
Ondas desenrolando a planura do mar;

O céu tranqüilo e azul que a madrugada esmalta,
O alvoroço de amor de ninhos soltos no ar.
E a água que da montanha entre begônias salta
E, em cambiantes de luz, forma um riacho a cantar.

O vento que sussurra, o silêncio que espreita,
Vôos de pombas numa apoteose de penas,
Tudo em torno de nós é tão puro e tão bom,

Que a criatura feliz, em divina colheita,
Enche as mãos sem querer… (como as mãos são pequenas!)
De perfume, de sol, de cor, de luz, de som.


Poemas e Poesias sexta, 30 de abril de 2021

VILFREDO, POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC

VILFREDO

Olavo Bilac

I

O castelo.


Sobre os rochedos, longe, o castelo aparece,
Dominando a extensão das florestas sombrias.
A tarde cai. O vento abranda. O ar escurece.
E Vilfredo caminha entre as neblinas frias.

 

Vai vê-la... E estuga o passo. Alto e silencioso,
Abre o castelo, em fogo, os vitrais das janelas.
Nas ameias, manchando o céu caliginoso,
Aprumam-se perfis de imóveis sentinelas.

 

Vilfredo vai ouvir a voz da sua Dama...
Mas, no seu coração perturbado, parece
Que vive, em vez do amor, essa ligeira chama,
Que arde apenas um dia, arde e desaparece...

 

E o arruinado solar, refletido no Reno,
Sobre o qual paira e pesa um sonho sobre-humano,
Sobe, entre os astros, só, furando o céu sereno,
Com a calma e o esplendor de um velho soberano.

 

II

As fadas da lagoa.

 

Vilfredo conheceu o amor nos braços d'Ela...
Teve-a nua, a tremer, nos braços, nua e fria!
Teve-a nos braços, louca, apaixonada e bela!
Mas parte, alucinado, antes que aponte o dia...

 

É que uma outra paixão o descuidado peito
Lhe entrou. Paixão cruel, loucura que o atordoa,
Desde o momento em que, formosas, sobre o leito
Das águas calmas, viu as fadas da lagoa.

 

Parte... À margem fatal da lagoa das fadas
Chega, e em êxtase fica, a riba em flor mirando.
Um ligeiro rumor de vozes abafadas
Aumenta... E exsurge da água o apaixonado bando.

 

Corre Vilfredo, em febre, a apertá-las ao seio,
E despreza o passado e esquece o juramento:
Beija-as, e, na expansão do carinhoso anseio,
Imola toda a vida aos beijos de um momento.

 

Para os seus corpos ter, toda a alma lhes entrega:
E, na alucinação do gozo em que se inflama,
Por esse amor, por essa embriaguez renega
O Deus dos seus avós, o amor da sua Dama...

 

III

O remorso.

 

Delira. Mas, depois do delírio sublime,
O remorso, imortal, nasce com o arrebol.
E ele mede a extensão do seu monstruoso crime,
E esconde a face à luz vingadora do sol.

 

Busca assustado a paz, busca chorando o olvido...
À volúpia infernal o coração vendeu,
E o inferno lhe reclama o coração vendido,
Cobrando em sangue e pranto o gozo que lhe deu.

 

Quer rezar, quer voltar ao seu fervor primeiro,
Quer nas lajes, de rojo, abominando o mal,
Ser de novo Cristão, Fiel e Cavaleiro:
Mas não encontra paz na paz da catedral.

 

Pobre! até no palor das faces maceradas
Das monjas, cuida ver as faces que beijou;
Ah! seios de marfim! ah! bocas perfumadas!
Recordação cruel de um Éden que acabou!

 

Parte só, sem destino, errando, a passo incerto,
Por montes e rechãs, no inverno e no verão,
E por anos sem conta habitando o deserto,
Sem lágrimas no olhar, sem fé no coração.

 

Das florestas sem fim sob a abóbada escura
Ouve, nos alcantis de em torno, a água rolar;
Sobre ele, a longa voz das árvores murmura,
E o vendaval retorce os ramos negros no ar.

 

Mas à fera, ao inseto, ao limo verde, ao vento,
Ao sol, ao rio, ao vale, à rocha, à serpe, à flor
É em vão que Vilfredo implora o esquecimento
Do seu amor cruel, do seu horrendo amor...

 

IV

O castigo.


Volta... Nem luta já contra o crime que o atrai.
Velho e trôpego vem, mendigo esfarrapado,
E exânime, por fim, num calefrio, cai
Sem consciência, ao pé das águas do Pecado.

 

Calma. A noite caiu. Nem um pássaro voa.
Não piam no silêncio as aves agoireiras.
Mas palpitam, luzindo, à beira da lagoa,
Fogos-fátuos subtis sobre as ervas rasteiras.

 

E, então, Vilfredo vê, presa de um medo
Do denso turbilhão dos fogos repentinos,
Com tentações no olhar e convites na voz
Surgirem turbilhões de corpos femininos.

 

E o Inferno pela voz dos fogos-fátuos fala!
Vilfredo foge. O horror vai com ele, inclemente!
Foge. E corre, e vacila, e tropeça, e resvala,
E levanta-se, e foge alucinadamente...

 

Em vão! pesa sobre ele um destino fatal:
E o louco, em todo o horror dos campos tenebrosos,
Vê fechar-se e prendê-lo a cadeia infernal
Da infernal multidão dos Elfos amorosos...


Poemas e Poesias quinta, 29 de abril de 2021

PUDICA, POEMA DO PERNAMBUCANO MEDEIROS E ALBUQUERQUE

PUDICA

Medeiros e Albuquerque

 

Nua. Lambendo-lhe a epiderme lisa
por sob a qual o sangue tumultua,
caiu-lhe aos pés, em flocos, a camisa,
deixando-a nua… inteiramente nua…

O pé, que a alvura do banheiro pisa
mal os dedinhos róseos insinua
na água, que em largos círculos se frisa,
logo, fugindo lépido, recua…

Passa por todo o corpo um arrepio,
duros e brancos, hirtam-se de frio
seus dois peitinhos. Tímida, medrosa,

corre a mão sobre o ventre torneado…
Nisto, lembrando, acaso, o namorado,
toda se tinge de um rubor de rosa…


Poemas e Poesias quarta, 28 de abril de 2021

DOS MILAGRES - POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA

 

DOS MILAGRES

Mário Quintana


O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

 


Poemas e Poesias terça, 27 de abril de 2021

MEU AMORES, POEMA DA MARANHENSE MARIA FIRMINA DOS REIS, COM SOCORRO LIRA - VÍDEO

MEUS AMORES

Maria Firmina dos Reis

 

 

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Poemas e Poesias terça, 27 de abril de 2021

BRISA - POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA

BRISA

Manuel Bandeira

 

Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.


Poemas e Poesias segunda, 26 de abril de 2021

FRAGMENTOS DE CANÇÕES POEMAS - 8 (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

Manoel de Barros

 

 

8 - FRAGMENTO DE CANÇÕES E POEMAS 
A boca está aberta, seca e escura 
De raízes mortas… 
Encontro restos de orvalho 
No rosto da terra, e os bebo

Ao silêncio do enxofre que penetra 
Deito-me para germinar… 
Ouço fluir a seiva 
Ouço o caule crescer

Do ventre que gesta sob ramas… 
Uma flor de moliços depois 
Irá comendo o contorno dos lábios 
E as mãos sem despedidas.

Corpo em árvore feito 
Serei como talha de pedra 
Na terra, com molduras de fresco 
E hortênsias…

Ervas tolhiças crescerão 
Nos interstícios do ser 
E o que foi música e sede de sarças 

Há de ser pasto de águas…


Poemas e Poesias terça, 16 de março de 2021

UMA CRIATURA (POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)

UMA CRIATURA

Machado de Assis

 

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira do abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto,
E é nesse destruir que as suas forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida;
E sorrindo obedece ao divino estatuto.

Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida.

 


Poemas e Poesias segunda, 15 de março de 2021

FICA FORA (POEMA DO PERNAMBUCANO LUÍS TURIBA)

FICA FORA

Luís Turiba

 

turbo tango tenso: peso
choro trama pulso: lixo
panos tiros pedras: cerco
bombas trilhos ondas: circo

saco seco soco: medo
reza rima risco: crespo
solo jaca selo: visgo
saque olho brilho: cristo

voto traje margem: quente
gangue susto, fisco: crime
crosta credo cruzes: misto
karma putas fritas: finge

negro rasgo pele: fora
golpe nuvens santo: porra
grana drama culto: raso
surto stress sombra: morram


Poemas e Poesias domingo, 14 de março de 2021

CANTARES (POEMA DO CARIOCA LUÍS EDMUNDO)

Cantares

Luís Edmundo

 

CANTARES

                      I

A rosa da tua boca

Que é uma flor linda e viçosa,

Deixa beijar... Mas que asneira!

Que ideia insensata e louca,

Fugires dessa maneira!...

Vem cá, escuta, formosa:

Eu posso colher a rosa,

Sem fazer mal à roseira...

                        II

Ganhei-te um dia no jogo

(Que foi por sorte, querida,

Que chegaste à minha vida)

E a alma em febre, e a alma em fogo,

Sinto, por isso, em revolta,

Porque sempre ao jogo volta

O que se ganha o jogo.


Poemas e Poesias sábado, 13 de março de 2021

UMA NOITE (POEMA DO MARANHENSE JOSÉ SARNEY)

UMA NOITE

José Sarney

 

 

Uma noite
dormiu
dentro de mim.
Mil demônios
balançando-se para lá e para cá,
a rede de linha de sede.
Ela sorria
com o odor
do cio.


Poemas e Poesias sexta, 12 de março de 2021

MINHA SOMBRA (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LIMA)

MINHA SOMBRA

(Jorge de Lima)

 

De manhã
a minha sombra
Com meu papagaio e o meu macaco
Começam a me arremedar.
E quando saio
A minha sombra vai comigo
Fazendo o que eu faço
Seguindo os meus passos.

Depois é meio-dia.
E a minha sombra fica do tamaninho
De quando eu era menino.
Depois é tardinha.
E a minha sombra tão comprida
Brinca de pernas de pau.

Minha sombra , eu só queria
Ter o humor que você tem,
Ter a sua meninice,
Ser igualzinho a você.

E de noite quando escrevo,
Fazer como você faz,
Como eu fazia em criança:
Minha sombra
Você põe a sua mão
Por baixo da minha mão,
Vai cobrindo o rascunho dos meus poemas
Sem saber ler e escrever.


Poemas e Poesias quinta, 11 de março de 2021

NUM MONUMENTO À ASPIRINA (POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO nETO)

NUM MONUMENTO À ASPIRINA

João Cabral de Melo Neto

 

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda a hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia. ...


Poemas e Poesias quarta, 10 de março de 2021

AS PEGADAS DO AMOR (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

 

AS PEGADAS DO AMOR

J. G. de Araújo Jorge

Não devíamos continuar nos amando nestes versos
feitos em hora de suprema beleza,
quando nem sequer mais existimos
nem somos dignos do fogo em que nos consumimos...

Não devíamos continuar nos amando nestes versos
com o mesmo louco e incontrolado ardor,
quando já não existimos,
e, - pior que tudo! - quando destruímos
o mito de eternidade desse amor...

Se eu pudesse, destruiria estes versos,
(Ah! como me faz mal o seu hálito frio!)
- versos que continuam a falar de nós
e me dão a impressão,
de carregar dos espectros de atores, num teatro vazio
em patética declamação...

Destino estranho o destes versos
a levarem um amor pelos tempos afora,
como um eco perdido
do que foi vida um dia, e foi ânsia
e foi voz...

Hoje são... como nossas almas descarnadas,
ou num chão de palavras, as pegadas
de um louco que passou
e se perdeu de nós...


Poemas e Poesias terça, 09 de março de 2021

4 - DO DESEJO (POEMA DA PAULISTA HILDA HILST)

4 - DO DESEJO

Hilda Hilst

 

 

Lembra-te que há um querer doloroso
E de fastio a que chamam de amor.
E outro de tulipas e de espelhos
Licencioso, indigno, a que chamam desejo.
Há o caminhar um descaminho, um arrastar-se
Em direção aos ventos, aos açoites
E um único extraordinário turbilhão.
Porque me queres sempre nos espelhos
Naquele descaminhar, no pó dos impossíveis
Se só me quero viva nas tuas veias?


Poemas e Poesias segunda, 08 de março de 2021

A FELICIDADE (POEMA DO SERGIPANO HERMES FONTES)

A FELICIDADE

(Hermes Fontes)

 

Existe. Eu a conheço. Ouço-a e lhe falo: fito
os meus olhos nos seus, e, exaltando-a, me exalto.
Vou tocá-la, porém… — há entre nós o infinito!
— foge o horizonte, o céu esfuma-se em cobalto…

Minha Felicidade!… hei de atingi-la!… salto
muralha por muralha, ergo-me, voo, agito
todas as asas da Alma, ando, de sobressalto
em sobressalto, atrás desse enganoso Mito…

Antes de te sonhar, vi-te, e, antes de buscar-te,
vieste… mas, para amar-te, urge-me que descentre
o Ideal para a Ambição… E ai! dos meus sonhos de arte!

Ai! de mim que sonhei ser feliz, e deponho
minha felicidade e minhas glórias, entre
a guilheta da Vida e a redenção do Sonho!…


Poemas e Poesias domingo, 07 de março de 2021

RUA DE RIMAS (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

RUA DE RIMAS

Guilherme de Almeida

 

A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino
é uma rua de poeta, reta, quieta, discreta,
direita, estreita, bem feita, perfeita,
com pregões matinais de jornais, aventais nos portais, animais e varais nos quintais;
e acácias paralelas, todas elas belas, singelas, amarelas,
doiradas, descabeladas,
debruçadas como namoradas para as calçadas;
e um passo, de espaço a espaço, no mormaço de aço baço e lasso,
e algum piano provinciano, quotidiano, desumano,
mas brando e brando, soltando, de vez em quando,
na luz rala de opala de uma sala uma escala clara que embala;
e, no ar de uma tarde que arde, o alarde das crianças do arrabalde;
e de noite, no ócio capadócio,
junto aos espiões, os bordões dos violões;
e a serenata ao luar de prata (mulata ingrata que me mata…);
e depois o silêncio, o denso, o intenso, o imenso silêncio…
A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino
é uma rua qualquer onde desfolha um malmequer uma mulher que bem me quer;
é uma rua, como todas as ruas, com suas duas calçadas nuas,
correndo paralelamente,
como a sorte, como a sorte diferente de toda a gente, para a frente
para o infinito; mas uma rua que tem escrito um nome bonito, bendito, que sempre repito
e que rima com mocidade, liberdade, tranquilidade: RUA DA FELICIDADE…


Poemas e Poesias sábado, 06 de março de 2021

A TORRE DE BABEL OU A PORRA DO SORIANO (POEMA DO PORTUGUÊS GUERRA JUNQUEIRO)

A TORRE DE BABEL OU A PORRA DO SORIANO

Guerra Junqueiro

 

Eu canto do Soriano o singular mangalho!
Empresa colossal! Ciclópico trabalho!
Para o cantar inteiro e para o cantar bem
precisava viver como Matusalém.
Dez séculos!

Enfim, nesta pobreza métrica
cantemos essa porra, porra quilométrica,
donde pendem colhões que idéia vaga
das nádegas brutais do Arcebispo de Braga.

Sim, cantemos a porra, o caralho iracundo
que, antes de nervo cru, já foi eixo do Mundo!
Mastro de Leviathan! Iminência revel!
Estando murcho foi a Torre de Babel
Caralho singular! É contemplá-lo
É vê-lo teso!
Atravessaria o quê?
O sete estrelo!!

Em Tebas, em Paris, em Lagos, em Gomorra
juro que ninguém viu tão formidável porra
É uma porra, arquiporra!
É um caralhão atroz
que se lhe podem dar trinta ou quarenta nós
e, ainda assim, fica o caralho preciso
para foder a Terra, Eva no Paraíso!!

É uma porra infinita, é um caralho insone
que nas roscas outrora estrangulou Laoccoonte.

Oh, caralho imortal! Oh glória destes lusos!
Tu podias suprir todos os parafusos
que espremem com vigor os cachos do Alto Douro!
Onde é que há um abismo, onde há um sorvedouro
que assim possa conter esta porra do diabo??!
O Marquês de Valadas em vão mostra o rabo,
em vão mostra o fundo o pavoroso Oceano!
– Nada, nada contém a porra do Soriano!!

Quando morrer, Senhor, que extraordinária cova,
que bainha, meu Deus, para esta porra nova,
esta porra infeliz, esta porra precita,
judia errante atrás duma crica infinita??

– Uma fenda do globo, um sorvedouro ignoto
que lhe dá de abrir talvez um dia um terramoto
para que deságüe, esta porra medonha,
em grossos borbotões de clerical langolha!!!

A porra do Soriano, é um infinito assunto!
Se ela está em Lisboa ou em Coimbra, pergunto?
Onde é que ela começa?
Onde é que ela termina
essa porra, que estando em Braga, está na China,
porra que corre mais que o próprio pensamento
que porra de pardal e porra de jumento??
Porra!

Mil vezes porra!
Porra de bruto
que é capaz de foder o Cosmo num minuto!!


Poemas e Poesias sexta, 05 de março de 2021

DEPOIS DE IDA ROMA, ENTRAM DOIS LAVRADORES (POEMA DO PORTUGUÊS GIL VICENTE)

DEPOIS DE IDA ROMA, ENTRAM DOIS LAVRADORES 

Gil Vicente

 

Depois de ida Roma, entram dous lavradores, um per nome Amâncio Vaz e outro Diniz Lourenço, e diz Amâncio Vaz:

AMÂNCIO VAZ Compadre, vás tu à feira?
DINIZ LOURENÇO À feira, compadre.
AMÂNCIO VAZ Assi,
ora vamos eu e ti
ó longo desta ribeira.
DINIZ LOURENÇO Bofá, vamos.
AMÂNCIO VAZ Folgo bem
de te vir aqui achar.
DINIZ LOURENÇO Vás tu lá buscar alguém,
ou esperas de comprar?

AMÂNCIO VAZ Isso te quero contar,
e iremos patorneando,
e er também aguardando
polas moças do lugar.
Compadre, enha mulher
é muito destemperada,
e agora, se Deus quiser,
faço conta de a vender,
e dá-la-ei por quase nada.

Qu'eu quando casei com ela
diziam-me, «Hétega é».
E eu cuidei pola abofé
que mais cedo morresse ela,
e ela anda inda em pé.
E porque era hétega assim
foi o que m' a mim danou:
avonda qu'ela engordou
e fez-me hétego a mim.

DINIZ LOURENÇO Tens boa mulher de teu:
não sei que tu hás, amigo.
AMÂNCIO VAZ S'ela casara contigo
renegaras tu com' eu
e dixeras o que eu digo.
DINIZ LOURENÇO Pois, compadre, cant'à minha,
é tão mole e desatada,
que nunca dá peneirada
que não derrame a farinha.

E não põe cousa a guardar,
que a tope quanda a cata;
e por mais que homem se mata,
de birra não quer falar.
Trás d' üa pulga andará
três dias, e oito, e dez,
sem lhe lembrar o que fez,
nem tão pouco o que fará.

Pera que t'hei-de falar?
Quando ontem cheguei do mato
pôs üa enguia a assar,
e crua a leixou levar,
por não dizer sape a um gato.
Quant'a mansa, mansa é ela;
dei-m'ê logo conta disso.
AMÂNCIO VAZ Juro-t'eu que mais vale isso
cinquenta vezes qu'ela.

A minha te digo eu
que se a visses assanhada,
parece demoninhada,
ante São#Bertolameu.
DINIZ LOURENÇO Já sequer terá esp'rito:
mas renega da mulher
que ó tempo do mister
não é cabra nem cabrito.

AMÂNCIO VAZ A minha tinh'eu em guarda
pera bem da minha prol,
cuidando que era ourinol,
e tornou-se-me bombarda.
Folga tu que ess'outra tenhas,
porque a minha é tal perigo,
que por nada que lhe digo
logo me salta nas grenhas.

Então tanto punho seco
me chimpa nestes focinhos;
eu chamo polos vizinhos,
e ela nego dar-me em xeco.
DINIZ LOURENÇO Isso é de coraçuda;
não cures de a vender,
que s'alguém te mal fizer,
já sequer tens quem te acuda.

Mas a minha é tão cortês,
que se viesse ora à mão
que m'espancasse um rascão,
não diria, «Mal fazês».
Mas antes s' assentaria
a olhar como eu bradava.
Todavia a mulher brava
é, compadre, a qu'eu queria.

AMÂNCIO VAZ Pardeus! Tanto me farás
que feire a minha contigo.
DINIZ LOURENÇO Se queres feirar comigo,
vejamos que me darás.
AMÂNCIO VAZ Mas antes m' hás-de tornar
pois te dou mulher tão forte,
que te castigue de sorte
que não ouses de falar,
nem no mato nem na corte.

Outro bem terás com ela:
quando vieres da arada,
comerás sardinha assada,
porqu ' ela jenta a panela.
Então geme, pardeus, si,
diz que lhe dói a moleira.
DINIZ LOURENÇO Eu faria per maneira
que esperasse ela por mi.
AMÂNCIO VAZ Que lh'havias de fazer?

DINIZ LOURENÇO Amâncio Vaz, eu o sei bem.
AMÂNCIO VAZ Diniz Lourenço, ei-las cá vêm!
Vamo-nos nós esconder,
vejamos que vêm catar,
qu'elas ambas vêm à feira.
Mete-te nessa silveira,
qu'eu daqui hei-d' espreitar.

Vêm Branca Anes a brava, e Marta Dias a mansa, e vem dizendo a brava:

BRANCA ANES Pois casei má hora, e nela,
e com tal marido, prima,
comprarei cá üa gamela,
para o ter debaixo dela,
e um grão penedo em cima.
Porque vai-se-me às figueiras,
e come verde e maduro;
e quantas uvas penduro
jeita nas gorgomileiras:
parece negro monturo.

Vai-se-m'às ameixieiras
antes que sejam maduras,
ele quebra as cerejeiras,
ele vindima as parreiras,
e não sei que faz das uvas.
Ele não vai à lavrada,
ele todo o dia come,
ele toda a noite dorme,
ele não faz nunca nada,
e sempre me diz que há fome.

Jesu! Jesu! Posso-te dizer
e jurar e tresjurar,
e provar e reprovar,
e andar e revolver,
qu' é melhor pera beber,
que não pera maridar.
O demo que o fez marido,
que assim seco como é
beberá a torre da Sé!
Então arma um arruído
assi debaixo do pé.

MARTA DIAS Pois bom homem parece ele.
DINIZ LOURENÇO Aquela é a minha frouxa.
MARTA DIAS Deu-t'ele a fraldinha roxa?
BRANCA ANES Melhor lh'esfole eu a pele.
Que homem há i da puxa.
Ó diabo que o eu dou,
que o leve em fatiota,
e o ladrão que m'o gabou;
e o frade que me casou
inda o veja na picota.

E rogo à Virgem da Estrela,
e a santa Gerjalém,
e ós choros de Madanela
e à asninha de Belém,
que o veja ir#à#vela
pera donde nunca vem.
DINIZ LOURENÇO Compadre, no mais sofrer:
sai de lá desse silvado.
AMÂNCIO VAZ Pera eu ser arrepelado.
Não havi'eu mais mister.

DINIZ LOURENÇO E não n'hás tu de vender?
AMÂNCIO VAZ Tu dizes que a qués feirar.
DINIZ LOURENÇO Não qu'ela se me tomar
leixar-m'á quando quiser.
Mas demo-las à má estreia;
e voto que nos tornemos,
e er depois tornaremos
com as cachopas d'aldeia:
entonces concertaremos.

AMÂNCIO VAZ Isso me parece a mi
muito melhor que eu ir lá.
Oh, que couces que me dá,
quando me colhe sob si!
DINIZ LOURENÇO Cant' àquela si dará.
DIABO Mulheres, vós que quereis?
Nesta feira que buscais?
MARTA DIAS Queremo-la ver, no mais.
Pera ver em que tratais,
e as cousas que vendeis.

Tendes vós aqui anéis?
DIABO Quejandos? De que feição?
MARTA DIAS D'uns que fazem de latão.
DIABO Pera as mãos, ou pera os pés?
MARTA DIAS Não - Jesu, nome de Jesu,
Deus e homem verdadeiro!

Foge o Diabo e Marta Dias diz:

MARTA DIAS Nunca eu vi bofalinheiro
tão prestes tomar o mu.
Branc'Anes mana, crê tu
que, como Jesu é Jesu,
era este o Diabo inteiro.

BRANCA ANES Não é ele pau de boa lenha,
nem lenha de bom madeiro.
MARTA DIAS Bofá, nunc'ele cá venha.
BRANCA ANES Viagem de Jão Moleiro,
que foi pola cal d'azenha.
MARTA DIAS Pasmada estou eu de Deus
fazer o Demo marchante!
Mana, daqui por diante
não caminhemos nós sós.

BRANCA ANES S'eu soubera quem ele era,
fizera-lhe bom partido:
que me levara o marido,
e quanto tenho lhe dera,
e o touca


Poemas e Poesias quinta, 04 de março de 2021

A CAÇADA (POEMA DA PAULISTA FRANCISCA JÚLIA)

A CAÇADA

Francisca Júlia

(Grafia original)

 

Ao mirante gentil de construcção bizarra
Acabou de subir naquelle mesmo instante
Em que o seu noivo foi á caça; e, palpitante,
Lá fóra cuida ouvir os sons de uma fanfarra.



E, ao mesmo tempo ouvindo o selvagem descante
Que, entre as folhas, sibila a estridula cigarra,
Ella vae ler a carta onde o seu noivo narra
A dor que ha de soffrer quando estiver distante...

 

E dorme, vendo o sol que, atravez de uma escassa
Nuvem branca, illumina as ingremes encostas
Dos montes onde ondeja a matilha da caça;



E, bem perto, ao rumor de trompas e ladridos,
O seu noivo gentil que, de espingarda ás costas,
Lhe offerta uma porção de passaros feridos...


Poemas e Poesias quarta, 03 de março de 2021

A VIDA E A MORTE (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

A VIDA  A MORTE

Florbela Espanca

 

0 que é a vida e a morte
Aquela infernal inimiga
A vida é o sorriso
E a morte da vida a guarida

A morte tem os desgostos
A vida tem os felizes
A cova tem a tristeza
E a vida tem as raízes

A vida e a morte são
O sorriso lisonjeiro
E o amor tem o navio
E o navio o marinheiro


Poemas e Poesias terça, 02 de março de 2021

PRAIA DO CAJU (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

PRAIA DO CAJU

Ferreira Gullar

 

Escuta:
o que passou passou
e não há força
capaz de mudar isto.
 
Nesta tarde de férias, disponível, podes,
se quiseres, relembrar.
Mas nada acenderá de novo
o lume
que na carne das horas se perdeu.
 
Ah, se perdeu!
Nas águas da piscina se perdeu
sob as folhas da tarde
nas vozes conversando na varanda
no riso de Marília no vermelho
guarda-sol esquecido na calçada.
 
O que passou passou e, muito embora,
voltas às velhas ruas à procura.
Aqui estão as casas, a amarela,
a branca, a de azulejo, e o sol
que nelas bate é o mesmo sol
que o Universo não mudou nestes vinte anos.
 
Caminhas no passado e no presente.
Aquela porta, o batente de pedra,
o cimento da calçada, até a falha do cimento.
Não sabes já
se lembras, se descobres.
E com surpresa vês o poste, o muro,
a esquina, o gato na janela,
em soluços quase te perguntas
onde está o menino
igual àquele que cruza a rua agora,
franzino assim, moreno assim.
Se tudo continua, a porta
a calçada a platibanda,
onde está o menino que também
aqui esteve? aqui nesta calçada
se sentou?
 
E chegas à amurada. O sol é quente
como era, a esta hora. Lá embaixo
a lama fede igual, a poça de água negra
a mesma água o mesmo
urubu pousado ao lado a mesma
lata velha que enferruja.
Entre dois braços d’água
esplende, a croa do Anil. E na intensa
claridade, como sombra,
surge o menino
correndo sobre a areia. É ele, sim,
gritas teu nome:
“Zeca, Zeca!”
Mas a distância é vasta
tão vasta que nenhuma voz alcança.
 
O que passou passou.
Jamais acenderás de novo
o lume
do tempo que apagou.

 


Poemas e Poesias segunda, 01 de março de 2021

CERCA DE GRANDES MUROS QUEM TE SONHAS (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

CERCA DE GRANDES MUROS QUEM TE SONHAS

Fernando Pessoa

 

Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...


Poemas e Poesias domingo, 28 de fevereiro de 2021

FALTA DE TEMPO (POEMA DO GAÚCHO FABRÍCIO CARPINEJAR)

FALTA DE TEMPO

Fabrício Carpinejar

 

 

Existe um único antídoto para a falta de tempo. Um único.
Estar apaixonado.
Esquecer de si para inventar o desejo.
O desejo transforma-se no próprio tempo.
Tudo é adiado.

 


Poemas e Poesias sábado, 27 de fevereiro de 2021

A RIR (POEMA DO FLUMINENSE EUCLIDES DA CUNHA)

A RIR

Euclides da Cunha

 

Eu já não creio mais... sombrio e calmo enfrento
- O lábio ermo da prece; o peito ermo da crença -
        A estrela - rubra e imensa
De meu destino atroz, aspérrimo e sangrento!...
E embora sobre mim flamívoma suspensa
Em minh'alma os clarões fatais ela concentre
Eu suporto-lhe bem o flamejante baque
- Altivamente calmo - entricheirando-me entre
        Uma canção de Byron
        E um cálix de cognac...
- Não há dor que resista ao som de uma risada! --
        Depois - se me exacerbo
E tremo e choro erguendo a prece à alma magoada
Mais me dói essa dor, mais esse mal é acerbo!
Assim - eu resolvi, indiferente e frio
Cheio de orgulho e spleen - como um banqueiro inglês!
Sepultar na ironia o pranto meu sombrio...
Por isso quando atroz na triste palidez
De minha fronte paira amarga ideia - eu rio!...
        E quando pouco a pouco
Essa ideia me abate e vence-me alterosa
De amargores repleta - eu rio como um louco...
E se ela inda dói mais e forte e tenebrosa
Sói a último idela de minh'alma aniilar
        E vencer-me de todo
Então - eu me ergo mais - e desvairando o olhar
        - Divinamente doido -
Eu rio, rio muito e rio - até chorar!...

 


Poemas e Poesias sexta, 26 de fevereiro de 2021

TROVAS HUMORÍSTICAS - 08 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA HUMORÍSTICA 08

Eno Teodoro Wanke

 

Cuspiu na parede e quando

Lhe chamaram a atenção

Mostrou um cartaz rogando

"Favor não curpitr no chão"


Poemas e Poesias quinta, 25 de fevereiro de 2021

A MEUS NETINHOS (POEMA DO CARIOCA DOM PEDRO II)

A MEUS NETINHOS

Dom Pedro II

Versos feitos por mim na mocidade
O mérito só tem sentimento.
Eram, pra assim dizer, um instrumento
Mais que o prazer ecoando-me a saudade.

Pospondo a fantasia sempre à verdade
Melhor encontrei nesta o ornamento
E, no estudo apurando o sentimento,
Quanto tenho a saber disse-me a idade.

É isso o que vos quero eu ensinar,
Amando-vos qual pode um terno avô,
A quem para as suas cãs engrinaldar

Melhor só poderia o que eu vou
Em carícias tão vossas procurar,
Sentindo que de vós inda mais sou.


Poemas e Poesias quarta, 24 de fevereiro de 2021

CURZADA NEGRA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

CRUZADA NEGRA

Da Costa e Silva

 


MORS – em letras de luz gravo no meu escudo.
A divisa imortal de cavaleiro traço
Em campo negro. E, após, visto a armadura de aço.
Preme a cota, a luzir, o meu peito desnudo.

O elmo à cabeça, a espada à cinta, a lança ao braço,
Desço ao pátio e cavalgo o meu corcel sanhudo,
E ele, a resfolegar, indiferente a tudo,
Rasga, como um fuzil, a escuridão do espaço.

Levo a lira no arção. Impassível e forte,
No solar do Não Ser, ante o perfil da Morte,
Cantarei a balada augusta e soberana

De cavaleiro errante menestrel transeunte…
E aonde vou? Aonde vou? Ainda há alguém que o pergunte?
– Busco a Jerusalém remota do Nirvana…


Poemas e Poesias terça, 23 de fevereiro de 2021

NATUREZA (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

NATURREZA

Cruz e Sousa

 

Tudo por ti resplende e se constela,
Tudo por ti, suavíssimo, flameja;
És o pulmão da racional peleja,
Sempre viril, consoladora e bela.

Teu coração de pérolas se estrela,
E o bom falerno dás a quem deseja
Vigor, saúde a crença que floreja,
Que as expansões do cérebro revela.

Toda essa luz que bebe-se de um hausto
Nos livros sãos, todo esse enorme fausto
Vem das verduras brandas que reluzem!

Esse da idéia esplêndido eletrismo,
O forte, o grande, audaz psicologismo,
Os organismos naturais produzem…


Poemas e Poesias segunda, 22 de fevereiro de 2021

MEU DESTINO (POEMA DA GOIANA CORA CORALINA)

MEU DESTINO

Cora Coralina

 

Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida…
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado


Poemas e Poesias domingo, 21 de fevereiro de 2021

LXII - JÁ ME ENFADO DE OUVIR ESTE ALARIDO (POEMA DO CARIOCA CLÁUDIO MANUEL DA COSTA)

LXIII - JÁ ME ENFADO DE OUVIR ESTE ALARIDO

Cláudio Maunel da Costa

 

Já me enfado de ouvir este alarido,
Com que se engana o mundo em seu cuidado;
Quero ver entre as peles, e o cajado,
Se melhora a fortuna de partido.

Canse embora a lisonja ao que ferido
Da enganosa esperança anda magoado;
Que eu tenho de acolher-me sempre ao lado
Do velho desengano apercebido.

Aquele adore as roupas de alto preço,
Um siga a ostentação, outro a vaidade;
Todos se enganam com igual excesso.

Eu não chamo a isto já felicidade:
Ao campo me recolho, e reconheço,
Que não há maior bem, que a soledade.


Poemas e Poesias sábado, 20 de fevereiro de 2021

PASSIONAL (POEMA DA UCRANIANA-BRASILEIRA CLARICE LISPECTOR)

 

PASSIONAL

Clarice Lispector

 

Sou um ser totalmente passional.
Sou movida pela emoção, pela paixão…. tenho meus desatinos…
Detesto coisas mais ou menos.
Não sei conviver com pessoas mais ou menos
Não sei amar mais ou menos.
Não me entrego de forma mais ou menos.
Se você procura alguém coerente, sensata, politicamente correta, racional, cheia de moralismo… ESQUEÇA-ME!
Se você sabe conviver com pessoas intempestivas, emotivas, vulneráveis, amáveis, que explodem na emoção… ACOLHA-ME!
Se você se assusta com esse meu jeito de ser, AFASTE-SE!
Se você quiser me conhecer melhor. APROXIME-SE!
Se você não gosta de mim, IGNORE-ME!
E quando eu partir… não chore.


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