Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poetas Brasileiros sexta, 29 de junho de 2018

ÁFRICA (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

ÁFRICA

Humberto de Campos

 

Na partilha das sáfaras conquistas
Desta Líbia de mouros rancorosos,
O Deserto foi dado aos Poderosos
E o Oásis, florido e mínimo, aos Artistas.
E os felizes, quais são? Os mil sofistas
Da Ventura, a pedir, de olhos gulosos,
Terra e mais terra? Ou o que limita os gozos
E em sete palmos acomoda as vistas?
Certo, não sereis vós, ó Donatários
Do alvo Deserto, que velais, em guerra,
A áurea carga dos vossos dromedários.
Mas, tu, ó Poeta, que, por onde fores,
Teus sete palmos hás de achar na terra
Abrindo em trigo, rebentado em flores!


Poetas Brasileiros quarta, 27 de junho de 2018

A GALINHA (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

A GALINHA

Ferreira Gullar

 

A Galinha

Morta

Flutua no chão

 Galinha.

Não teve mar, nem

Quis, nem compreendeu

Aquele ciscar quase feroz. Ciscava.

Olhava o muro.

Aceitava-o negro e absurdo.

 Nada perdeu. O quintal

 Não tinha

 Qualquer beleza.

 Agora

As penas são só o que o vento

Roça, leves.

 Apagou-se-lhe

Toda cintilação, o medo.

Morta. Evola-se do olho seco

O sono. Ela dorme.

Onde? Onde?


Poetas Brasileiros terça, 26 de junho de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 04 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA LÍRICA E FILOSÓFICA - 04

Eno Teorodo Wanke

 

Senhor, que eu pratique o bem

Separe o joio do trigo

E tenha forças, também

De amar o irmão inimigo


Poetas Brasileiros segunda, 25 de junho de 2018

SONTO 2 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUZA)

SONETO 2

Cruz e Souza

 

À Julieta dos Santos

 

 Dizem que a arte é a clâmide de ideia                     

A peregrina irradiação celeste,                     

E d'isso a prova singular já deste                 

Sorvendo d'ela a divinal sabeia!.                  

 

Da “Georgeta” na feliz estreia,          5        


Asseverar-nos ainda mais vieste                  

Que és um gênio, que te vais de preste                    

Tornando o assombro de qualquer plateia!...           

 

Sinto uns transportes fervorosos, ledos                    

Quando nas cenas de sutis enredos    10      

Fulgem-te os olhos co'a expressão dos astros!...                  

 

E as turbas mudas, impassíveis, calmas                   

Sentem mil mundos lhes crescer nas almas...                      

Vão-te seguindo os luminosos rastros!...      


Poetas Brasileiros domingo, 24 de junho de 2018

A CACHOEIRA (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

A CACHOEIRA

Castro Alves

Mas súbito da noite no arrepio
Um mugido soturno rompe as trevas...
Titubantes — no álveo do rio —
Tremem as lapas dos titães coevas!...
Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?...
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na garupa!...

Quando no lodo fértil das paragens
Onde o Paraguaçu rola profundo,
O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Inquieto ele aspira nas bafagens
Da negra suc'ruiúba o cheiro imundo...
Mas já tarde silvando o monstro voa...
E o novilho preado os ares troa!

Então doido de dor, sânie babando,
Co'a serpente no dorso parte o touro...
Aos bramidos os vales vão clamando,
Fogem as aves em sentido choro...
Mas súbito ela às águas o arrastando
Contrai-se para o negro sorvedouro...
E enrolando-lhe o corpo quente, exangue,
Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.

Assim dir-se-ia que a caudal gigante
— Larga sucuruiúba do infinito —
Co'as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de granito!...
Hórrido, insano, triste, lacerante
Sobe do abismo um pavoroso grito...
E medonha a suar a rocha brava
As pontas negras na serpente crava!...

Dilacerado o rio espadanando
Chama as águas da extrema do deserto...
Atropela-se, empina, espuma o bando...
E em massa rui no precipício aberto...
Das grutas nas cavernas estourando
O coro dos trovões travam concerto...
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas
Caem de horror no abismo estateladas...

A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!
A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parcéis sangrentos.
Relutantes na dor do cataclismo
Os braços do gigante suarentos
Agüentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe cai do ombro.

Grupo enorme do fero Laocoonte
Viva a Grécia acolá e a luta estranha!...
Do sacerdote o punho e a roxa fronte...
E as serpentes de Tênedos em sanha!...
Por hidra — um rio! Por áugure — um monte!
Por aras de Minerva — uma montanha!
E em torno ao pedestal laçados, tredos,
Como filhos — chorando-lhe — os penedos!...

 


Poetas Brasileiros sábado, 23 de junho de 2018

MINHA TERRA (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

MINHA TERRA

Casimiro de Abreu

 

 

Todos cantam sua terra

Também vou cantar a minha

Nas débeis cordas da lira

Hei de fazê-la rainha.

— Hei de dar-lhe a realeza

Nesse trono de beleza

Em que a mão da natureza

Esmerou-se em quanto tinha.

Correi pras bandas do sul:

Debaixo de um céu de anil

Encontrareis o gigante

Santa Cruz, hoje Brasil.

— É uma terra de amores,

Alcatifada de flores,

Onde a brisa fala amores

Nas belas tardes de abril.

Tem tantas belezas, tantas,

A minha terra natal,

Que nem as sonha o poeta

E nem as canta um mortal!

— É uma terra encantada

— Mimoso jardim de fada –

Do mundo todo invejada,

Que o mundo não tem igual.

 


Poetas Brasileiros sexta, 22 de junho de 2018

AGONIA DE UM FILÓSOFO (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

 

AGONIA DE UM FILÓSOFO

Augusto dos Anjos

 

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo…
O Inconsciente me assombra e eu nele tolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!
Assisto agora à morte de um inseto!…
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de polo a polo!
O ideal de Anaximandro de Mileto!

No hierático aeropago heterogêneo
Das ideias, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!…

Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!


Poetas Brasileiros quarta, 20 de junho de 2018

POEMA (POESIA DO MARANHENSE BANDEIRA TRIBUZI)

POEMA

Bandeira Tribuzi

 

Um cão ladrou
na noite obscura
tremores frios
de inanição
A mulher magra
esperou cansada
que a carne exausta
fosse chamariz
Poucos sexos jovens
se investigaram
muitos não conseguiram
fugir à frustração
Alguns descansaram
outros se diluíram
o caixote de lixo
esperou esperou
Depois rompeu
a madrugada.


Poemas e Poesias terça, 19 de junho de 2018

BANZO (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

 

BANZO

Raimundo Correia

 

Visões que na alma o céu do exílio incuba,

Mortais visões! Fuzila o azul infando...

Coleia, basilisco de ouro, ondeando

O Niger... Bramem leões de fulva juba...

 

Uivam chacais... Ressoa a fera tuba

Dos cafres, pelas grotas retumbando,

E a estralada das árvores, que um bando

De paquidermes colossais derruba...

 

Como o guaraz nas rubras penas dorme,

Dorme em ninhos de sangue o sol oculto...

Fuma o saibro africano incandescente...

 

Vai com a sombra crescendo o vulto enorme

Do baobá... E cresce na alma o vulto

De uma tristeza, imensa, imensamente. 

 

"


Poetas Brasileiros segunda, 18 de junho de 2018

INANIA VERBA (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

INANIA VERBA

Olavo Bilac

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava, 
O que a boca não diz, o que a mão não escreve? 
– Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, 
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava... 

O pensamento ferve, e é um turbilhão de lava: 
A forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve... 
E a palavra pesada abafa a Ideia leve, 
Que, perfume e dano, refulgia e voava. 

Quem o molde achará para a expressão de tudo? 
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas 
Do sonho? E o céu que foge à mão que se levanta? 

E a ira muda? E o asco mudo? E o desespero mudo? 
E as palavras de fé que nunca foram ditas? 
E as confissões de amor que morrem na garganta?! 


Poetas Brasileiros domingo, 17 de junho de 2018

TEMPESTADE AMAZÔNICA (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

TEMPESTADE AMAZÔNICA

Humberto de Campos

 

O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, não tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva não bata.

Súbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade... E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.

O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.

No alto, o trovão repousa e, em baixo, a mata brama.
Ruge em meio à amplidão. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama...


Poetas Brasileiros sexta, 15 de junho de 2018

GALO GALO (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

 

GALO GALO

Ferreira Gullar

 

O galo

no saguão quieto.        

 

 

Galo galo

de alarmante crista, guerreiro,

medieval.

 

 

De córneo bico e

esporões, armado

contra a morte,

passeia.

 

 

Mede os passos. Para.

Inclina a cabeça coroada

dentro do silêncio

– que faço entre coisas?

– de que me defendo?

 

 

                                      Anda

 

 

no saguão.

O cimento esquece

o seu último passo.

 

 

Galo: as penas que

florescem da carne silenciosa

e o duro bico e as unhas e o olho

sem amor. Grave

solidez.

Em que se aposta

tal arquitetura?

 

 

Saberá que, no centro

de seu corpo, um grito

se elabora?

 

 

Como, porém, conter,

uma vez concluído,

o canto obrigatório?

 

 

Eis que bate as asas, vai

morrer, encurva o vertiginoso pescoço

donde o canto, rubro, escoa.

 

 

Mas a pedra, a tarde,

o próprio feroz galo

subsistem ao grito.

Vê-se: o canto é inútil.

 

 

O galo permanece – apesar

de todo o seu porte marcial –

só, desamparado,

num saguão do mundo.

Pobre ave guerreira!

 

 

Outro grito cresce,

agora, no sigilo

de seu corpo; grito

que, sem essas penas

e esporões e crista

e sobretudo sem esse olhar

de ódio,

              não seria tão rouco

e sangrento.

          

                  Grito, fruto obscuro

e extremo dessa árvore: galo.

mas que, fora dele,

é mero complemento de auroras.


Poetas Brasileiros quinta, 14 de junho de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 03 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

Não há nada mais profundo

Mais belo e comovedor

Nem maior poder no mundo

Que um simples gesto de amor


Poetas Brasileiros quarta, 13 de junho de 2018

SONETO - 1 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUZA)

 

SONETO (1)

Cruz e Souza

 

 – Os Trópicos pulando as palmas batem...               

Em pé nas ondas -O Equador dá vivas!...                 

 

 

 

Ao estrídulo solene dos bravos! Das plateias,                      

Prossegues altaneira, oh! Ídolo da arte!...                

– O sol para o curso p'ra bem de admirar-te            

– O sol, o grande sol, o misto das ideias!...              

 

A velha natureza escreve-te odisseias...                  

A estrela, a nívea concha, o arbusto... em toda a parte                    

Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te                

Assombro do ideal, em duplas melopeias!               

 

Perpassam vagos sons na harpa do mistério             

Lá, quando no proscênio te ergues imperando                    

– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidéreo!                    

 

Então da imensidade, audaz vem reboando             

De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo                     

Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!...    


Poetas Brasileiros terça, 12 de junho de 2018

A BOA VISTA, POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES

 

 

A BOA VISTA

Castro Alves

 

 

  

Sonha, poeta, sonha! Aqui sentado

No tosco assento da janela antiga,

Apoias sobre a mão a face pálida,

Sorrindo — dos amores à cantiga.

ÁLVARES DE AZEVEDO

 

ERA UMA TARDE triste, mas límpida e suave...

Eu — pálido poeta — seguia triste e grave

A estrada, que conduz ao campo solitário,

Como um filho, que volta ao paternal sacrário,

 

E ao longe abandonando o múrmur da cidade

— Som vago, que gagueja em meio à imensidade, —

No drama do crepúsculo eu escutava atento

A surdina da tarde ao sol, que morre lento.

 

A poeira da estrada meu passo levantava,

Porém minh'alma ardente no céu azul marchava

E os astros sacudia no voo violento

— Poeira, que dormia no chão do firmamento.

 

A pávida andorinha, que o vendaval fustiga,

Procura os coruchéus da catedral antiga.

Eu — andorinha entregue aos vendavais do inverno,

Ia seguindo triste p'ra o velho lar paterno.

__________

 

Como a águia, que do ninho talhado no rochedo

Ergue o pescoço calvo por cima do fraguedo,

— (P'ra ver no céu a nuvem, que espuma o firmamento,

E o mar, — corcel que espuma ao látego do vento...)

Longe o feudal castelo levanta a antiga torre,

Que aos raios do poente brilhante sol escorre!

Ei-lo soberbo e calmo o abutre de granito

Mergulhando o pescoço no seio do infinito

E lá de cima olhando com seus clarões vermelhos

Os tetos, que a seus pés parecem de joelhos!...

 

Não! Minha velha torre! Oh! Atalaia antiga,

Tu olhas esperando alguma face amiga,

E perguntas talvez ao vento, que em ti chora:

"Por que não volta mais o meu senhor d'outrora?

Por que não vem sentar-se no banco do terreiro

Ouvir das criancinhas o riso feiticeiro,

E pensando no lar, na ciência, nos pobres

Abrigar nesta sombra seus pensamentos nobres?

 

Onde estão as crianças — grupo alegre e risonho

— Que se escondiam atrás do cipreste tristonho...

 

Ou que enforcaram rindo um feio Pulchinello,

Enquanto a doce Mãe, que é toda amor, desvelo

Ralha com um rir divino o grupo folgazão,

Que vem correndo alegre beijar-lhe a branca mão?..."

 

É nisto que tu cismas, ó torre abandonada,

Vendo deserto o parque e solitária a estrada.

No entanto eu — estrangeiro, que tu já não conheces —

No limiar de joelhos só tenho pranto e preces.

 

Oh! Deixem-me chorar!... Meu lar... meu doce ninho!

Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!

Passado — mar imenso!... Inunda-me em fragrância!

Eu não quero lauréis, quero as rosas da infância.

 

Ai! Minha triste fronte, aonde as multidões

Lançaram misturadas glórias e maldições...

Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!

Deixa est'alma chorar em teu ombro encostada!

 

Meu lar está deserto... Um velho cão de guarda

Veio saltando a custo roçar-me a testa parda,

Lamber-me após os dedos, porém a sós consigo

Rusgando com o direito, que tem um velho amigo...

Como tudo mudou-se!... O jardim 'stá inculto

As roseiras morreram do vento ao rijo insulto...

A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros

A ortiga silvestre enrola em nós impuros

Uma estátua caída, em cuja mão nevada

A aranha estende ao sol a teia delicada!...

Mergulho os pés nas plantas selvagens, espalmadas,

As borboletas fogem-me em lúcidas manadas...

E ouvindo-me as passadas tristonhas, taciturnas,

Os grilos, que cantavam, calaram-se nas furnas...

 

Oh! Jardim solitário! Relíquia do passado!

Minh'alma, como tu, é um parque arruinado!

Morreram-me no seio as rosas em fragrância,

Veste o pesar os muros dos meus vergéis da infância,

 

A estátua do talento, que pura em mim s'erguia,

Jaz hoje — e nela a turba enlaça uma ironia!...

Ao menos como tu, lá d'alma num recanto

Da casta poesia ainda escuto o canto,

— Voz do céu, que consola, se o mundo nos insulta,

E na gruta do seio murmura um treno oculta.

 

Entremos!... Quantos ecos na vasta escadaria,

Nos longos corredores respondem-me à porfia!...

 

Oh! Casa de meus pais!... A um crânio já vazio,

Que o hóspede largando deixou calado e frio,

Compara-te o estrangeiro — caminhando indiscreto

Nestes salões imensos, que abriga o vasto teto.

 

Mas eu no teu vazio — vejo uma multidão

Fala-me o teu silêncio — ouço-te a solidão!...

Povoam-se estas salas...

 

E eu vejo lentamente

No solo resvalarem falando tenuemente

Dest'alma e deste seio as sombras venerandas

Fantasmas adorados — visões sutis e brandas...

 

Aqui... além... mais longe... por onde eu movo o passo,

Como aves, que espantadas arrojam-se ao espaço,

Saudades e lembranças s'erguendo — bando alado —

Roçam por mim as asas voando p'ra o passado.

 

Boa Vista, 18 de novembro de 1867.

 


Poetas Brasileiros segunda, 11 de junho de 2018

A CANÇÃO DO EXÍLIO (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

A CANÇÃO DO EXÍLIO

Casimiro de Abreu

 

 

Eu nasci além dos mares:

Os meus lares,

Meus amores ficam lá!

Onde canta nos retiros

Seus suspiros,

Suspiros o sabiá!

Oh! Que céu, que terra aquela,

Rica e bela

Como o céu de claro anil!

Que selva, que luz, que galas,

Não exalas,

Não exalas, meu Brasil!

Oh! Que saudades tamanhas

Das montanhas,

Daqueles campos natais!

Daquele céu de safira

Que se mira,

Que se mira nos cristais!

Não amo a terra do exílio,

Sou bom filho,

Quero a pátria, o meu país,

Quero a terra das mangueiras

E as palmeiras,

E as palmeiras tão gentis!

Como a ave dos palmares

Pelos ares

Fugindo do caçador;

Eu vivo longe do ninho,

Sem carinho,

Sem carinho e sem amor!

Debalde eu olho e procuro...

Tudo escuro

Só vejo em roda de mim!

Falta a luz do lar paterno

Doce e terno,

Doce e terno para mim!

Distante do solo amado

- Desterrado -

A vida não é feliz.

Nessa eterna primavera

Quem me dera,

Quem me dera o meu país!

 


Poetas Brasileiros domingo, 10 de junho de 2018

MONÓLOGO DE UMA SOMBRA (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

MONÓLOGO  DE UMA SOMBRA

Augusto dos Anjos

 

“Sou uma Sombra! Venho de outras eras,

Do cosmopolitismo das moneras...

Pólipo de recônditas reentrâncias,

Larva de caos telúrico, procedo

Da escuridão do cósmico segredo,

Da substância de todas as substâncias!

 

A simbiose das coisas me equilibra.

Em minha ignota mônada, ampla, vibra

A alma dos movimentos rotatórios...

E é de mim que decorrem, simultâneas

A saúde das forças subterrâneas

E a morbidez dos seres ilusórios!

 

Pairando acima dos mundanos tetos,

Não conheço o acidente da Senectus

— Esta universitária sanguessuga

Que produz, sem dispêndio algum de vírus,

O amarelecimento do papirus

E a miséria anatômica da ruga!

 

Na existência social, possuo uma arma

— O metafisicismo de Abidarma —

E trago, sem bramânicas tesouras,

Como um dorso de azêmola passiva,

A solidariedade subjetiva

De todas as espécies sofredoras.

 

Com um pouco de saliva quotidiana

Mostro meu nojo à Natureza Humana.

A podridão me serve de Evangelho...

Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques

E o animal inferior que urra nos bosques

É com certeza meu irmão mais velho!

 

Tal qual quem para o próprio túmulo olha,

Amarguradamente se me antolha,

À luz do americano plenilúnio,

Na alma crepuscular de minha raça

Como uma vocação para a Desgraça

E um tropismo ancestral para o Infortúnio.

 

Ai vem sujo, a coçar chagas plebéias,

Trazendo no deserto das idéias

O desespero endêmico do inferno,

Com a cara hirta, tatuada de fuligens,

Esse mineiro doido das origens,

Que se chama o Filósofo Moderno!

 

Quis compreender, quebrando estéreis normas,

A vida fenomênica das Formas,

Que, iguais a fogos passageiros, luzem...

E apenas encontrou na idéia gasta,

O horror dessa mecânica nefasta,

A que todas as coisas se reduzem!

 

E hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes,

Sobre a esteira sarcófaga das pestes

A mostrar, já nos últimos momentos,

Como quem se submete a uma charqueada,

Ao clarão tropical da luz danada,

O espólio dos seus dedos peçonhentos.

 

Tal a finalidade dos estames!

Mas ele viverá, rotos os liames

Dessa estranguladora lei que aperta

Todos os agregados perecíveis,

Nas eterizações indefiníveis

Da energia intra-atômica liberta!

 

Será calor, causa úbiqua de gozo,

Raio* X, magnetismo misterioso,

Quimiotaxia, ondulação aérea,

Fonte de repulsões e de prazeres,

Sonoridade potencial dos seres,

Estrangulada dentro da matéria!

 

E o que ele foi: clavículas, abdômen,

O coração, a boca, em síntese, o Homem,

— Engrenagem de vísceras vulgares —

Os dedos carregados de peçonha,

Tudo coube na lógica medonha

Dos apodrecimentos musculares!

 

A desarrumação dos intestinos

Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos

Dentro daquela massa que o húmus come,

Numa glutoneria hedionda, brincam,

Como as cadelas que as dentuças trincam

No espasmo fisiológico da fome.

 

É uma trágica festa emocionante!

A bacteriologia inventariante

Toma conta do corpo que apodrece...

E até os membros da família engulham,

Vendo as larvas malignas que se embrulham

No cadáver malsão, fazendo um s.

 

E foi então para isto que esse doudo

Estragou o vibrátil plasma todo,

À guisa de um faquir, pelos cenóbios?!...

Num suicídio graduado, consumir-se,

E após tantas vigílias, reduzir-se

À herança miserável dos micróbios!

 

Estoutro agora é o sátiro peralta

Que o sensualismo sodomista exalta,

Nutrindo sua infâmia a leite e a trigo...

Como que, em suas células vilíssimas,

Há estratificações requintadíssimas

De uma animalidade sem castigo.

 

Brancas bacantes bêbedas o beijam.

Suas artérias hírcicas latejam,

Sentindo o odor das carnações abstêmias,

E à noite, vai gozar, ébrio de vício,

No sombrio bazar do meretrício,

O cuspo afrodisíaco das fêmeas.

 

No horror de sua anômala nevrose,

Toda a sensualidade da simbiose,

Uivando, à noite, em lúbricos arroubos,

Corno no babilônico sansara,

Lembra a fome incoercível que escancara

A mucosa carnívora dos lobos.

 

Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda.

Negra paixão congênita, bastarda,

Do seu zooplasma ofídico resulta...

E explode, igual à luz que o ar acomete,

Com a veemência mavórtica do ariete*

E os arremessos de uma catapulta.

 

Mas muitas vezes, quando a noite avança,

Hirto, observa através a tênue trança

Dos filamentos fluídicos de um halo

A destra descarnada de um duende,

Que, tateando nas tênebras, se estende

Dentro da noite má, para agarrá-lo!

 

Cresce-lhe a intracefálica tortura,

E de su’alma na caverna escura,

Fazendo ultra-epiléticos esforços,

Acorda, com os candeeiros apagados,

Numa coreografia de danados,

A família alarmada dos remorsos.

 

É o despertar de um povo subterrâneo!

É a fauna cavernícola do crânio

— Macbeths da patológica vigília,

Mostrando, em rembrandtescas telas várias,

As incestuosidades sanguinárias

Que ele tem praticado na família.

 

As alucinações tactis* pululam.

Sente que megatérios o estrangulam...

A asa negra das moscas o horroriza;

E autopsiando a amaríssima existência

Encontra um cancro assíduo na consciência

E três manchas de sangue na camisa!

 

Míngua-se o combustível da lanterna

E a consciência do sátiro se inferna,

Reconhecendo, bêbedo de sono,

Na própria ânsia dionísica do gozo,

Essa necessidade de horroroso,

Que é talvez propriedade do carbono!

Ah! Dentro de toda a alma existe a prova

 

De que a dor como um dartro se renova,

Quando o prazer barbaramente a ataca...

Assim também, observa a ciência crua,

Dentro da elipse ignívoma da lua

A realidade de uma esfera opaca.

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,

 

Abranda as rochas rígidas, torna água

Todo o fogo telúrico profundo

E reduz, sem que, entanto, a desintegre,

À condição de uma planície alegre,

A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento

 

Pelas grandes razões do sentimento,

Sem os métodos da abstrusa ciência fria

E os trovões gritadores da dialética,

Que a mais alta expressão da dor estética

Consiste essencialmente na alegria.

Continua o martírio das criaturas:

 

— O homicídio nas vielas mais escuras,

— O ferido que a hostil gleba atra escarva,

— O último solilóquio dos suicidas —

E eu sinto a dor de todas essas vidas

Em minha vida anônima de larva!”

Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocábulos,

 

Da luz da lua aos pálidos venábulos,

Na ânsia de um nervosíssimo entusiasmo,

Julgava ouvir monótonas corujas

Executando, entre caveiras sujas,

A orquestra arrepiadora* * do sarcasmo!

Era a elégia* ** panteísta do Universo,

 

Na podridão do sangue humano imerso,

Prostituído talvez, em suas bases...

Era a canção da Natureza exausta,

Chorando e rindo na ironia infausta

Da incoerência infernal daquelas frases.

E o turbilhão de tais fonemas acres

 

Trovejando grandíloquos massacres,

Há de ferir-me as auditivas portas,

Até que minha efêmera cabeça

Reverta à quietação da treva espessa

E à palidez das fotosferas mortas!

 


Poetas Brasileiros sábado, 09 de junho de 2018

HISTÓRIA DE UM CÃO (POEMA DE LUÍS GUIMARÃES FILHO)

 

HISTÓRIA DE UM CÃO

Luís Guimarães Filho


Eu tive um cão. Chamava-se Veludo:
Magro, asqueroso, revoltante, imundo,
Para dizer numa palavra tudo
Foi o mais feio cão que houve no mundo.

Recebi-o das mãos dum camarada.
Na hora da partida, o cão gemendo
Não me queria acompanhar por nada:
Enfim — mau grado seu — o vim trazendo.

O meu amigo cabisbaixo, mudo,
Olhava-o... o sol nas ondas se abismava...
"Adeus!" — me disse,— e ao afagar Veludo
Nos olhos seus o pranto borbulhava.

"Trata-o bem. Verás como rasteiro
Te indicará os mais sutis perigos;
Adeus! E que este amigo verdadeiro
Te console no mundo ermo de amigos."

Veludo a custo habituou-se à vida
Que o destino de novo lhe escolhera;
Sua rugosa pálpebra sentida
Chorava o antigo dono que perdera.

Nas longas noites de luar brilhante,
Febril, convulso, trêmulo, agitado
A sua cauda — caminhava errante
À luz da lua — tristemente uivando

ToussenelFiguier e a lista imensa
Dos modernos zoológicos doutores
Dizem que o cão é um animal que pensa:
Talvez tenham razão estes senhores.

Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio,
Cinco meses depois, do meu amigo
Um envelope fartamente cheio:
Era uma carta. Carta! era um artigo

Contendo a narração miúda e exata
Da travessia. Dava-me importantes
Notícias do Brasil e de La Plata,
Falava em rios, árvores gigantes:

Gabava o steamer que o levou; dizia
Que ia tentar inúmeras empresas:
Contava-me também que a bordo havia
Mulheres joviais — todas francesas.

Assombrava-me muito da ligeira
Moralidade que encontrou a bordo:
Citava o caso d’uma passageira...
Mil coisas mais de que me não recordo.

Finalmente, por baixo disso tudo
Em nota breve do melhor cursivo
Recomendava o pobre do Veludo
Pedindo a Deus que o conservasse vivo.

Enquanto eu lia, o cão tranquilo e atento
Me contemplava, e — creia que é verdade,
Vi, comovido, vi nesse momento
Seus olhos gotejarem de saudade.

Depois lambeu-me as mãos humildemente,
Estendeu-se a meus pés silencioso
Movendo a cauda, — e adormeceu contente
Farto d’um puro e satisfeito gozo.

Passou-se o tempo. Finalmente um dia
Vi-me livre d’aquele companheiro;
Para nada Veludo me servia,
Dei-o à mulher d’um velho carvoeiro.

E respirei! "Graças a Deus! Já posso"
Dizia eu "viver neste bom mundo
Sem ter que dar diariamente um osso
A um bicho vil, a um feio cão imundo".

Gosto dos animais, porém prefiro
A essa raça baixa e aduladora
Um alazão inglês, de sela ou tiro,
Ou uma gata branca cismadora.

Mal respirei, porém! Quando dormia
E a negra noite amortalhava tudo
Senti que à minha porta alguem batia:
Fui ver quem era. Abri. Era Veludo.

Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo,
Farejou toda a casa satisfeito;
E — de cansado — foi rolar dormindo
Como uma pedra, junto do meu leito.

Preguejei furioso. Era execrável
Suportar esse hóspede importuno
Que me seguia como o miserável
Ladrão, ou como um pérfido gatuno.

E resolvi-me enfim. Certo, é custoso
Dizê-lo em alta voz e confessá-lo
Para livrar-me desse cão leproso
Havia um meio só: era matá-lo

Zunia a asa fúnebre dos ventos;
Ao longe o mar na solidão gemendo
Arrebentava em uivos e lamentos...
De instante em instante ia o tufão crescendo.

Chamei Veludo; ele seguia-me. Entanto
A fremente borrasca me arrancava
Dos frios ombros o revolto manto
E a chuva meus cabelos fustigava.

Despertei um barqueiro. Contra o vento,
Contra as ondas coléricas vogamos;
Dava-me força o torvo pensamento:
Peguei num remo — e com furor remamos

Veludo à proa olhava-me choroso
Como o cordeiro no final momento,
Embora! Era fatal! Era forçoso
Livrar-me enfim desse animal nojento.

No largo mar ergui-o nos meus braços
E arremessei-o às ondas de repente...
Ele moveu gemendo os membros lassos
Lutando contra a morte. Era pungente.

Voltei à terra — entrei em casa. O vento
Zunia sempre na amplidão profundo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento
De Veludo nas ondas moribundo.

Mas ao despir dos ombros meus o manto
Notei — oh grande dor! — haver perdido
Uma relíquia que eu prezava tanto!
Era um cordão de prata: — eu tinha-o unido

Contra o meu coração constantemente
E o conservava no maior recato
Pois minha mãe me dera essa corrente
E, suspenso à corrente, o seu retrato.

Certo caira além no mar profundo,
No eterno abismo que devora tudo;
E foi o cão, foi esse cão imundo
A causa do meu mal! Ah, se Veludo!

Duas vidas tivera — duas vidas
Eu arrancaria àquela besta morta
E àquelas vis entranhas corrompidas.
Nisto senti uivar à minha porta.

Corri, — abri... Era Veludo! Arfava:
Estendeu-se a meus pés, — e docemente
Deixou cair da boca que espumava
A medalha suspensa da corrente.

Fora crível, oh Deus? — Ajoelhado
Junto do cão — estupefato, absorto,
Palpei-lhe o corpo: estava enregelado;
Sacudi-o, chamei-o! Estava morto.
 

 


Poetas Brasileiros quinta, 07 de junho de 2018

AS POMBAS (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

AS POMBAS

Raimundo Correia


Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E, à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

 


Poetas Brasileiros quarta, 06 de junho de 2018

A AVENIDA DAS LÁGRIMAS, POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC

A AVENIDA DAS LÁGRIMAS

Olavo Bilac

 

 


A um Poeta morto.

Quando a primeira vez a harmonia secreta
De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira,
- Dentro do coração do primeiro poeta
Desabrochou a flor da lágrima primeira.

E o poeta sentiu os olhos rasos de água;
Subiu-lhe â boca, ansioso, o primeiro queixume:
Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa,
Que possui, como a rosa, espinhos e perfume.

E na terra, por onde o sonhador passava,
Ia a roxa corola espalhando as sementes:
De modo que, a brilhar, pelo solo ficava
Uma vegetação de lágrimas ardentes.

Foi assim que se fez a Via Dolorosa,
A avenida ensombrada e triste da Saudade,
Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa
Dos órfãos do carinho e da felicidade.

Recalcando no peito os gritos e os soluços,
Tu conheceste bem essa longa avenida,
- Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços,
Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida.

Teu pé também deixou um sinal neste solo;
Também por este solo arrastaste o teu manto...
E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo,
Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto.

Mas tua alma ficou, livre da desventura,
Docemente sonhando, as delícias da lua:
Entre as flores, agora, uma outra flor fulgura,
Guardando na corola uma lembrança tua...

O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra,
Se imortalizará, pelas almas disperso:
- Porque purificou a torpeza da terra
Quem deixou sobre a terra uma lágrima e um verso.


Poetas Brasileiros terça, 05 de junho de 2018

NIRVANA (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

 

NIRVANA

Humberto de Campos

Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;

Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;

Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;

Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!

 

 


Poetas Brasileiros segunda, 04 de junho de 2018

O ANJO, POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR

 

 

O anjo, contido
em pedra
e silêncio,
me esperava.

Olho-o, identifico-o
tal se em profundo sigilo
de mim o procurasse desde o início.

Me ilumino! todo
o existido
fora apenas a preparação
deste encontro.

2

Antes que o olhar, detendo o pássaro
no voo, do céu descesse
até o ombro sólido
do anjo,
criando-o
– que tempo mágico
ele habitava?

3

Tão todo nele me perco
que de mim se arrebentam
as raízes do mundo;

tamanha
a violência de seu corpo contra
o meu,

que a sua neutra existência
se quebra:

e os pétreos olhos
se acendem;
o facho
emborcado contra o solo, num desprezo
à vida
arde intensamente;
a leve brisa
faz mover a sua
túnica de pedra.

4

O anjo é grave
agora.
Começo a esperar a morte.


Poetas Brasileiros domingo, 03 de junho de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 02 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

A mediocriddade é palha

Cuja tendência é boiar.

Quem quer pérola que valha,

Tem mesmo que mergulhar!


Poetas Brasileiros sábado, 02 de junho de 2018

SONETO 1 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

 

SONETO - 1

(Cruz e Sousa)

 

 

 

– Os Trópicos pulando as palmas batem...         

Em pé nas ondas -O Equador dá vivas!...             

  

Ao estrídulo solene dos bravos! das plateias,                 

prossegues altaneira, oh! ídolo da arte!...             

– O sol para o curso p'ra bem de admirar-te         

– O sol, o grande sol, o misto das ideias!...           

 

A velha natureza escreve-te odisseias...          

A estrela, a nívea concha, o arbusto... em toda a parte             

retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te            

assombro do ideal, em duplas melopeias!            

 

Perpassam vagos sons na harpa do mistério         

lá, quando no proscênio te ergues imperando        

– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidéreo!               

 

Então da imensidade, audaz vem reboando          

de palmas o tufão, veloz, febril, aéreo        

que cai dentro das almas e as vai arrebatando!...

 


Poetas Brasileiros sexta, 01 de junho de 2018

O LIVRO E A AMÉRICA (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

O LIVRO E A AMÉRICA

Castro Alves

 

Talhado para as grandezas, 
Pra crescer, criar, subir, 
O Novo Mundo nos músculos 
Sente a seiva do porvir. 
— Estatuário de colossos — 
Cansado doutros esboços 
Disse um dia Jeová: 
"Vai, Colombo, abre a cortina 
"Da minha eterna oficina... 
"Tira a América de lá".

Molhado inda do dilúvio, 
Qual Tritão descomunal, 
O continente desperta 
No concerto universal. 
Dos oceanos em tropa 
Um — traz-lhe as artes da Europa, 
Outro — as bagas de Ceilão... 
E os Andes petrificados, 
Como braços levantados, 
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada: 
"Tudo marcha!... Ó grande Deus! 
As cataratas — pra terra, 
As estrelas — para os céus 
Lá, do pólo sobre as plagas, 
O seu rebanho de vagas 
Vai o mar apascentar... 
Eu quero marchar com os ventos, 
Corn os mundos... co'os 
firmamentos!!!" 
E Deus responde — "Marchar!" 

"Marchar! ... Mas como?...  Da Grécia 
Nos dóricos Partenons 
A mil deuses levantando 
Mil marmóreos Panteon?... 
Marchar co'a espada de Roma 
— Leoa de ruiva coma 
De presa enorme no chão, 
Saciando o ódio profundo. . . 
— Com as garras nas mãos do mundo,

— Com os dentes no coração?... 
"Marchar!... Mas como a Alemanha 
Na tirania feudal, 
Levantando uma montanha 
Em cada uma catedral?... 
Não!... Nem templos feitos de ossos, 
Nem gládios a cavar fossos 
São degraus do progredir... 
Lá brada César morrendo: 
"No pugilato tremendo 
"Quem sempre vence é o porvir!"

Filhos do sec’lo das luzes! 
Filhos da Grande nação! 
Quando ante Deus vos mostrardes, 
Tereis um livro na mão: 
O livro — esse audaz guerreiro 
Que conquista o mundo inteiro 
Sem nunca ter Waterloo... 
Eólo de pensamentos, 
Que abrira a gruta dos ventos 
Donde a Igualdade vooul...

Por uma fatalidade 
Dessas que descem de além, 
O sec'lo, que viu Colombo, 
Viu Guttenberg também. 
Quando no tosco estaleiro 
Da Alemanha o velho obreiro 
A ave da imprensa gerou... 
O Genovês salta os mares... 
Busca um ninho entre os palmares 
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência 
Desta sede de saber, 
Como as aves do deserto 
As almas buscam beber... 
Oh! Bendito o que semeia 
Livros... livros à mão cheia... 
E manda o povo pensar! 
O livro caindo n'alma 
É germe — que faz a palma, 
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das idéias 
Largo — abris às multidões, 
Pra o batismo luminoso 
Das grandes revoluções, 
Agora que o trem de ferro 
Acorda o tigre no cerro 
E espanta os caboclos nus, 
Fazei desse "rei dos ventos" 
— Ginete dos pensamentos, 
— Arauto da grande luz! ...

Bravo! a quem salva o futuro 
Fecundando a multidão! ... 
Num poema amortalhada 
Nunca morre uma nação. 
Como Goethe moribundo 
Brada "Luz!" o Novo Mundo 
Num brado de Briaréu... 
Luz! pois, no vale e na serra... 
Que, se a luz rola na terra, 
Deus colhe gênios no céu!...


Poetas Brasileiros quinta, 31 de maio de 2018

AS PRIMAVERAS - A*** (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

 

 AS PRIMAVERAS

Casimiro de Abreu

 

A***

 

Falo a ti - doce virgem dos meus sonhos,

Visão dourada dum cismar tão puro,

Que sorrias por noite de vigília

Entre as rosas gentis do meu futuro.

Tu m’inspiraste, oh musa do silêncio,

Mimosa flor de lânguida saudade!

Por ti correu meu estro ardente e louco

Nos verdores febris da mocidade.

Tu vinhas pelas horas das tristezas

Sobre o meu ombro debruçar-te a medo.

A dizer-me baixinho mil cantigas,

Como vozes sutis dalgum segredo!

Por ti eu me embarquei, cantando e rindo,

- Marinheiro de amor - no batel curvo,

Rasgando afouto em hinos d’esperança

As ondas verde-azuis dum mar que é turvo.

Por ti corri sedento atrás da glória;

Por ti queimei-me cedo em seus fulgores;

Queria de harmonia encher-te a vida,

Palmas na fronte - no regaço flores!

Tu, que foste a vestal dos sonhos d’ouro,

O anjo-tutelar dos meus anelos,

Estende sobre mim as asas brancas...

Desenrola os anéis dos teus cabelos!

Muito gelo, meu Deus, crestou-me as galas!

Muito vento do sul varreu-me as flores!

Ai de mim - se o relento de teus risos

Não molhasse o jardim dos meus amores!

Não te esqueças de mim! Eu tenho o peito

De santas ilusões, de crenças cheio!

- Guarda os cantos do louco sertanejo

No leito virginal que tens no seio!

Podes ler o meu livro: - adoro a infância,

Deixo a esmola na enxerga do mendigo,

Creio em Deus, amo a pátria, e em noites lindas

Minh’alma - aberta em flor - sonha contigo.

Se entre as rosas das minhas - Primaveras -

Houver rosas gentis, de espinhos nuas;

Se o futuro atirar-me algumas palmas,

As palmas do cantor - são todas tuas!

 

Agosto 20 - 1859.

 


Poetas Brasileiros quarta, 30 de maio de 2018

ETERNA MÁGOA (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

ETERNA MÁGOA

Augusto dos Anjos

 

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resisitir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga

Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

 


Poetas Brasileiros segunda, 28 de maio de 2018

ROMANCEIRO DA CIDADE DE SÃO LUÍS (POEMA DO MARANHENSE BANDEIRA TRIBUZI

 

ROMANCEIRO DA CIDADE DE SÃO LUÍS

Bandeira Tribuzi

 

PRÉ-HISTÓRIA

 

Na solidão do chão sem tempo

há uma ilha de expectativa,

entre dois rios, como braços,

suavemente recolhida.

Verdes copas e o vento nelas

e os cachos das frutas nativas

e as alvas coxas de suas praias

ao sol do trópico estendidas.

Vizinho o mar com sua espuma,

seu horizonte imaculado,

com sua raiva e sua ânsia,

com seu verde pulmão salgado,

misturando sua maresia

com o acre cheio do mato.

Vizinho o mar com seu mistério

e o além por ser desvendado.

o mar de onde, por milênios,

tudo que vem é rumor longo,

surdo ou cavo, manso ou severo,

cantochão grave, som redondo

contra pedras, conchas, areias,

interminável apelo em som do

horizonte que não revela

o mistério profundo e abscôndito.


Poetas Brasileiros domingo, 27 de maio de 2018

MAL SECRETO (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

MAL SECRETO

Raimundo Correia

 

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!


Poetas Brasileiros sábado, 26 de maio de 2018

A BONECA (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

A BONECA

Olavo Bilac

Deixando a bola e a peteca, 
Com que inda há pouco brincavam, 
Por causa de uma boneca, 
Duas meninas brigavam.

Dizia a primeira: "É minha!" 
—  "É minha!" a outra gritava; 
E nenhuma se continha, 
Nem a boneca largava.

Quem mais sofria (coitada!) 
Era a boneca. Já tinha 
Toda a roupa estraçalhada, 
E amarrotada a carinha.

Tanto puxaram por ela, 
Que a pobre rasgou-se ao meio, 
Perdendo a estopa amarela 
Que lhe formava o recheio.

E, ao fim de tanta fadiga, 
Voltando à bola e à peteca, 
Ambas, por causa da briga, 
Ficaram sem a boneca ...

                                         


Poetas Brasileiros sexta, 25 de maio de 2018

O UIRAPURU (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

 

O UIRAPURU

Humberto de Campos

 

Dizem que o uirapuru, quando desata
A voz – Orfeu do seringal tranquilo – 
O passaredo, rápido, a segui-lo
Em derredor agrupa-se na mata.

Quando o canto, veloz, muda em cascata,
Tudo se queda, comovido, a ouvi-lo:
O mais nobre sabiá susta a sonata,
E o canário menor cessa o pipilo.

Eu próprio sei quanto esse canto é suave:
O que, porém, me faz cismar bem fundo
Não é, por si, o alto poder dessa ave;

O que mais no fenômeno me espanta,
É ainda existir um pássaro no mundo
Que fique a escutar quando outro canta!

 

Poetas Brasileiros quinta, 24 de maio de 2018

POEMA SUJO ( POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR, QUE O INTERPRETA)


Poetas Brasileiros quarta, 23 de maio de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 01 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

 

"Bobo!" – ela diz, quando eu falo
alguma tolice a esmo:
– E tem um jeito ao falá-lo,
que até fico bobo mesmo!...


Poetas Brasileiros terça, 22 de maio de 2018

JULIETA DOS SANTOS (DO POEMA A POESIA INTERMINÁVEL, DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

 

JULIETA DOS SANTOS

 

A IDEIA AO INFINITO

À distinta e laureada atrizinha Julieta dos Santos

 

"...A fama de teu nome, a inveja

não consome, o tempo não destrói!...”

Dr. Symphronio

 

Era uma coluna de artistas!...

Ao lado Tasso

Medindo as múltiplas conquistas

Co’as amplidões do espaço!...

Seguia-se João Caetano

Embuçado da glória no divinal arcano!...

Depois Joaquim Augusto

Altivo, sobranceiro, erguido o nobre busto.

Depois Rachel, Favart,

Fargueil, a espadanar

Nas crispações homéricas da arte,

Constelações azuis por toda a parte!

E em suave ondulação os astros

Iam de rastros

Roubar mais luz às rúbidas auroras!...

Quais precursoras

Do mais ingente e mago dos assombros,

Do orbe imenso nos calcários ombros,

Rola um dilúvio, um grande mar de estrelas

Que lançam chispas cambiantes, belas!...

Há um estranho amalgamar de cousas

Como os segredos funerais das lousas

Ou o rebentar de artérias

— Ou o esgarçar de brumas,

Negras, cinéreas

— Ou o referver de espumas,

Nas longas praias

Alvinitentes, mádidas, sem raias.

Do brônzeo espaço,

Das fibras d'aço

Como que desloca-se um pedaço

Que vai ruir com trépido sarcasmo

Nas obumbradas regiões do pasmo...

— O Invisível

Geme uma música, lânguida, saudosa,

Que vai sumir-se na entranha silenciosa

Do impassível!

— O Imutável

— O Insondável

La vão cair no seio do incriado.

E o bosque irado

A soletrar uns cânticos titânios

Lança nos crânios

Aluvião de auras epopeias

Tétricas ideias!...

E o pensamento embrenha-se nos mares

E vê colares

De níveas pérolas, límpidas, nitentes

E vê luzentes

Conchas e búzios e corais, — ondinas

Que peregrinas

Aspásias são de lúcida beleza,

De moles formas, desnudadas, brancas

Sendo a primesa

Dessas paragens hiemais e francas!...

— Ou quais Frinés

A quem aos pés

O mundo em ânsias, reverente adora

E chore e chora!!...

....................................................

Mas a ideia o pensamento insano

As asas bate em busca de outro arcano,

E o manto rasga do horizonte eterno

Vai ao superno

Ao Criador, ao Menestrel dos mundos!

E n'uns arroubos, rábidos, profundos

Em luta infinda

— Oh! quer ainda

Quer escalar o templo do impossível,

Bem como um raio abrasador, terrível!...

Quer se fartar de maravilhas loucas,

Quer ver as bocas

Dos colossais Anteus da eternidade!...

Quer se fartar de luz e divindade

E de saber,

Depois jazer

Nas invisíveis dobras do insondável,

Bem como um verme, mísero, imprestável!...

— Ou quer ousado

Descortinar os crimes do passado

E apalpar as gerações dos Gracos

Dos Espartanos

E dos Troianos

E dos Romanos,

Dos Sarracenos

E dos Helenos,

E esbarrar nesse montão de ossos

Por esses fossos

Tredos, medonhos, sepulcrais e frios

Onde sombrios

Andam espíritos de pavor, errantes

E vacilantes

Como a luzinha das argênteas lampas,

Lentos e lentos através das campas!...

......................................................

Mas a ideia, o pensamento audaz

Quer ainda mais!...

Quer do ribombo do trovão pujante

Já n’um esforço adamastório, tredo

Embora a medo,

— O atroz segredo

Com que ele faz a terra palpitante!...

E quer dos ventos

Dos elementos

Quer do mistério a solução! — Nas trevas

Hórridas, sevas,

A gargalhada

Ríspida, negra irônica, pesada,

Estruge enfim, da morte legendária,

E a ideia vária

Ainda n'isso ousando penetrar,

Tenta sondar!...

E em vão, em vão

A mergulhar-se em tanta confusão

Não mais compreende

— O que saber pretende!...

Assim, oh! gênio,

Na ofuscadora auréola do proscênio

Não sei se és astro, se és Esfinge ou mito,

Se do infinito

Possuis o encanto, os esplendores grandes,

Ou se dos Andes

Águia tu és, ou és condor divino,

— Ou és cometa de cuja cauda enorme

É multiforme

Só lágrimas de prata

Ou mesmo se desata

Um vagalhão de palmas, diamantino!!...

Minh’alma oscila e até na fronte sinto

Medonho labirinto,

Estúpida babel,

E vou cair, revel

No pélago sem fim dos nadas materiais!...

E como os racionais

Eu fico a ruminar ainda umas ideias

De erguer-te, o novo Talma

Um trono singular, mas feito de — Odisseias

De brancas alvoradas,

Olímpicas, nevadas,

Dos êxtases magnéticos, nervosos de minh'alma!


Poetas Brasileiros segunda, 21 de maio de 2018

O NAVIO NEGREIRO, POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES

 

O NAVIO NEGREIRO

Castro Alves 

I

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço  
Brinca o luar — dourada borboleta;  
E as vagas após ele correm... cansam  
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento  
Os astros saltam como espumas de ouro...  
O mar em troca acende as ardentias,  
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos  
Ali se estreitam num abraço insano,  
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...  
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas  
Ao quente arfar das virações marinhas,  
Veleiro brigue corre à flor dos mares,  
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai?  Das naus errantes  
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?  
Neste saara os corcéis o pó levantam,   
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora  
Sentir deste painel a majestade!  
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...  
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!  
Que música suave ao longe soa!  
Meu Deus! como é sublime um canto ardente  
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,  
Tostados pelo sol dos quatro mundos!  
Crianças que a procela acalentara  
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba  
Esta selvagem, livre poesia  
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,  
E o vento, que nas cordas assobia...  
..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro?  
Por que foges do pávido poeta?  
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira  
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz!  Albatroz! águia do oceano,  
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,  
Sacode as penas, Leviathan do espaço,  
Albatroz!  Albatroz! dá-me estas asas. 

II


Que importa do nauta o berço,  
Donde é filho, qual seu lar?  
Ama a cadência do verso  
Que lhe ensina o velho mar!  
Cantai! que a morte é divina!  
Resvala o brigue à bolina  
Como golfinho veloz.  
Presa ao mastro da mezena  
Saudosa bandeira acena  
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas  
Requebradas de langor,  
Lembram as moças morenas,  
As andaluzas em flor!  
Da Itália o filho indolente  
Canta Veneza dormente,  
— Terra de amor e traição,  
Ou do golfo no regaço  
Relembra os versos de Tasso,  
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,  
Que ao nascer no mar se achou,  
(Porque a Inglaterra é um navio,  
Que Deus na Mancha ancorou),  
Rijo entoa pátrias glórias,  
Lembrando, orgulhoso, histórias  
De Nelson e de Aboukir.. .  
O Francês — predestinado —  
Canta os louros do passado  
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,  
Que a vaga jônia criou,  
Belos piratas morenos  
Do mar que Ulisses cortou,  
Homens que Fídias talhara,  
Vão cantando em noite clara  
Versos que Homero gemeu ...  
Nautas de todas as plagas,  
Vós sabeis achar nas vagas  
As melodias do céu! ... 

III


Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!  
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano  
Como o teu mergulhar no brigue voador!  
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!  
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...  
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! 

IV


Era um sonho dantesco... o tombadilho   
Que das luzernas avermelha o brilho.  
Em sangue a se banhar.  
Tinir de ferros... estalar de açoite...   
Legiões de homens negros como a noite,  
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas   
Magras crianças, cujas bocas pretas   
Rega o sangue das mães:   
Outras moças, mas nuas e espantadas,   
No turbilhão de espectros arrastadas,  
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...  
E da ronda fantástica a serpente   
Faz doudas espirais ...  
Se o velho arqueja, se no chão resvala,   
Ouvem-se gritos... o chicote estala.  
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,   
A multidão faminta cambaleia,  
E chora e dança ali!  
Um de raiva delira, outro enlouquece,   
Outro, que martírios embrutece,  
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,  
E após fitando o céu que se desdobra,  
Tão puro sobre o mar,  
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:  
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!  
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .  
E da ronda fantástica a serpente  
          Faz doudas espirais...  
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...  
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!  
          E ri-se Satanás!...  

V


Senhor Deus dos desgraçados!  
Dizei-me vós, Senhor Deus!  
Se é loucura... se é verdade  
Tanto horror perante os céus?!  
Ó mar, por que não apagas  
Co'a esponja de tuas vagas  
De teu manto este borrão?...  
Astros! noites! tempestades!  
Rolai das imensidades!  
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados  
Que não encontram em vós  
Mais que o rir calmo da turba  
Que excita a fúria do algoz?  
Quem são?   Se a estrela se cala,  
Se a vaga à pressa resvala  
Como um cúmplice fugaz,  
Perante a noite confusa...  
Dize-o tu, severa Musa,  
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,  
Onde a terra esposa a luz.  
Onde vive em campo aberto  
A tribo dos homens nus...  
São os guerreiros ousados  
Que com os tigres mosqueados  
Combatem na solidão.  
Ontem simples, fortes, bravos.  
Hoje míseros escravos,  
Sem luz, sem ar, sem razão. . .

São mulheres desgraçadas,  
Como Agar o foi também.  
Que sedentas, alquebradas,  
De longe... bem longe vêm...  
Trazendo com tíbios passos,  
Filhos e algemas nos braços,  
N'alma — lágrimas e fel...  
Como Agar sofrendo tanto,  
Que nem o leite de pranto  
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,  
Das palmeiras no país,  
Nasceram crianças lindas,  
Viveram moças gentis...  
Passa um dia a caravana,  
Quando a virgem na cabana  
Cisma da noite nos véus ...  
... Adeus, ó choça do monte,  
... Adeus, palmeiras da fonte!...  
... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...  
Depois, o oceano de pó.  
Depois no horizonte imenso  
Desertos... desertos só...  
E a fome, o cansaço, a sede...  
Ai! quanto infeliz que cede,  
E cai p'ra não mais s'erguer!...  
Vaga um lugar na cadeia,  
Mas o chacal sobre a areia  
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,  
A guerra, a caça ao leão,  
O sono dormido à toa  
Sob as tendas d'amplidão!  
Hoje... o porão negro, fundo,  
Infecto, apertado, imundo,  
Tendo a peste por jaguar...  
E o sono sempre cortado  
Pelo arranco de um finado,  
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,  
A vontade por poder...  
Hoje... cúm'lo de maldade,  
Nem são livres p'ra morrer. .  
Prende-os a mesma corrente  
— Férrea, lúgubre serpente —  
Nas roscas da escravidão.  
E assim zombando da morte,  
Dança a lúgubre coorte  
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!  
Dizei-me vós, Senhor Deus,  
Se eu deliro... ou se é verdade  
Tanto horror perante os céus?!...  
Ó mar, por que não apagas  
Co'a esponja de tuas vagas  
Do teu manto este borrão?  
Astros! noites! tempestades!  
Rolai das imensidades!  
Varrei os mares, tufão! ... 

VI


Existe um povo que a bandeira empresta  
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...  
E deixa-a transformar-se nessa festa  
Em manto impuro de bacante fria!...  
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,  
Que impudente na gávea tripudia?  
Silêncio.  Musa... chora, e chora tanto  
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,  
Que a brisa do Brasil beija e balança,  
Estandarte que a luz do sol encerra  
E as promessas divinas da esperança...  
Tu que, da liberdade após a guerra,  
Foste hasteado dos heróis na lança  
Antes te houvessem roto na batalha,  
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!  
Extingue nesta hora o brigue imundo  
O trilho que Colombo abriu nas vagas,  
Como um íris no pélago profundo!  
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga  
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!  
Andrada! arranca esse pendão dos ares!  
Colombo! fecha a porta dos teus mares!


Poetas Brasileiros domingo, 20 de maio de 2018

MEUS OITO ANOS (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU

 

MEUS OITO ANOS

Casimiro de Abreu

Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

Como são belos os dias
Do despontar da existência !
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor !

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar !
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !

Oh ! dias de minha infância !
Oh ! meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã !
Em vez de mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã !

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar !

Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !


Poetas Brasileiros sábado, 19 de maio de 2018

VERSOS ÍNTIMOS (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

 

Versos Íntimos

Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Poetas Brasileiros sexta, 18 de maio de 2018

SER GENRO, PARÓDIA DO POEMA SER MÃE, DE COELHO NETO, FEITA POR ARMANDO AMARAL, A PROPÓSITO DE AMARAL PEIXOTO, GENRO DE GETÚLIO VARGAS

 

O soneto abaixo foi parodiado por Álvaro Armando (a propósito de Ernani
do Amaral Peixoto, genro de Getúlio Vargas), conforme segue:


SER GENRO
Álvaro Armando Ser genro é arrebentar fibra por fibra o Tesouro. Ser genro é ter o alheio bolso do sogro como um farto seio onde ouro, aos borbotões, palpita e vibra. Ser genro é ser morcego que se libra sobre o Estado dormindo. É ser anseio. Construir quitandinhas sem receio, pensando que a roleta se equilibra! É bem do genro o bem que o sogro goza, é a própria vida noutra retratada, luz que lhe faz os dias cor-de-rosa. Ser genro é andar gozando num sorriso. Fazer por Niterói menos que nada, ser genro é enriquecer num paraíso!...

Poetas Brasileiros quinta, 17 de maio de 2018

SER PAI (PARÓDIA AO POEMA SER MÃE, DE COELHO NETO, FEITA PELO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

SER PAI
Eno Teodoro Wanke
Ser pai, é desdobrar, libra por libra, a bolsa, amanhecer com o fedelho ao colo — ir trabalhar de olho vermelho, mas aguentar a provação com fibra! Ser pai (melhor diria o velho Coelho) é ouvir a gritaria como vibra, não ver quando o orçamento se equilibra, pegar até mania de conselho... Ser pai é dar palmadas em fundilhos, depois se arrepender, mimar os filhos, e ver que assim não adiantou palmada... Ser pai é padecer dando um sorriso, ser pai é ter a vida abagunçada, ser pai é ter carência de juízo!

Poetas Brasileiros quarta, 16 de maio de 2018

SER MÃE (POEMA DE COELHO NETO, POETA MARANHENSE)

SER MÃE

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
O coração! Ser mãe é ter no alheio
Lábio que suga o pedestal do seio,
Onde a vida, onde o amor cantando vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra
Sobre um berço dormido; é ser anseio,
É ser temeridade, é ser receio,
É ser força que os males equilibra!

Todo o bem que a mãe goza é bem do filho,
Espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!

Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!

 


Poetas Brasleiros terça, 15 de maio de 2018

ANJO! POEMA DE CASIMIRO DE ABREU

 

Anjo!

Casimiro de Abreu

Sub umbra alarum tuarum.

 

 

Eu era a flor desfolhada

Dos vendavais ao correr;

Tu foste a gota dourada

E o lírio pôde viver.

Poeta, dormia pálido

No meu sepulcro, bem só;

Tu disseste - Ergue-te Lázaro!

- E o morto surgiu do pó!

Eu era sombrio e triste...

Contente minh'alma é;

Eu duvidava... sorriste,

Já no amar tenho fé.

A fronte que ardia em brasas

A seus delírios pôs fim

Sentindo o roçar das asas,

O sopro dum querubim.

Um anjo veio e deu vida

Ao peito de amores nu:

Minh'alma agora remida

Adora o anjo - que és tu!

 

Julho - 1858.


Poetas Brasleiros terça, 20 de março de 2018

DEMORA

 

DEMORA

Odilon Botelho Jr.

 

          Que espécie de homem és tu?

Que traça planos futuros

E esquece o presente

Que promete acudir tua gente

E a abandona desse jeito

Que pra tua terra voltarias

E lá construirias uma nação

Os fetiches da cidade o sucumbiram?

 

          Que espécie de homem és tu?

Que deixaste as crianças aos trapos

E prometeste a elas educar

E nas mãos de carrascos mercenários

Não voltasteslá para lutar

Dizias preparar-se, municiar-se pro embate

Decerto mentias, covarde!

Pois tua revolução nunca saiu da palavra

 

          Quem és tu, espécime infame?

Que ficas a buscar deuses pra teus interesses

E doutrinas, provérbios, estratégias

Para um discurso que jamais proferirás?

Que na metafísica, metalinguística, metes medo!

Procuras teu id, teu alter ego, teu iang

Enquanto o povo que tu enganaste, perde sangue

 

          Vê bem, ninguém te pediu nada

Tu o prometeste a ti mesmo

E muitas vezes reafirmaste no teu íntimo

Pra tua terra um dia breve voltar

 

          Esperamos por tanto tempo!

Invasões bárbaras ocorreram

Nossas terras onde havia palmeiras

Hoje nem sabiás há mais

Nosso brio, nossa honra, nosso riso

O que é isso? Já não mais lembramos

Existem agora as máquinas, os aviões

E o dinheiro, dizem, neles abarrotados

O tal progresso com mãos sujas instalado

Já a criança drogada no asfalto, nada há de esperar


Poetas Brasleiros segunda, 19 de março de 2018

MANDATO MACULADO

 

MANDATO MACULADO

Odilon Botelho Jr.

 

Uma vez anunciada a escolha

Multidões te seguem pelos caminhos

E em seus braços te carregam para a glória.

És ungido na plenitude de teu mandato

Conquistado sob o sagrado mantra das urnas

 

Honra com humildade essa procuração do povo

E vê o quão repleta de esperança há nela.

Sei, eu sei que o entusiasmo dela decorrente

Abre-te portais a jardins floridos, musicais

Onde taças de champanhe gaulesa te saúdam

Não enveredes por esses caminhos

Por onde portões blindados arrotam dinheiro

Porque decerto esquecerás na volta a trilha

Donde em simples trajes percorrias e eras enaltecido

 

Agora, na orgia do poder, ilhado estás

Com a turba envolvente foste além do mandato

Como aquele capitão que usa o navio oficial

Para em águas d`além-mar pescar lagosta

Não ousa da linha fronteiriça do teu mandato passar

Por mais que a multidão de amigos te aticem para lá

 

Acaso encalhes em terras estrangeiras

E os gentios bravios te capturem

Então o teu mandato popular de nada valerá

Teus amigos da corte, de costas, não ouvirão teu clamor

O povo, sem entender tal transgressão, ignorar-te-á

Só contarás com o tinir dos grilhões das masmorras

E a saudade do imaculado mandato por ti vilipendiado

 

 

Nota do Editor: Este poema do escritor e poeta balsense Odilon Botelho Júnior foi premiado no Concurso Nacional de Poesia Regina Lima, em 1999.

 

                                                                                          


Poetas Brasleiros segunda, 05 de dezembro de 2016

FERREIRA GULLAR, GÊNIO DA POESIA, QUE ONTEM SE ENCANTOU

FERREIRA GULLAR,

GÊNIO DA POESIA, QUE ONTEM SE ENCANTOU

Raimundo Floriano

 

 

                        Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís (MA), no dia 10 de setembro de 1930, e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), no dia 4 de dezembro de 2016, em decorrência de vários problemas respiratórios, que culminaram numa pneumonia. Foi escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista, ensaísta brasileiro e um dos fundadores do neoconcretismo. Ocupava a Cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras, na qual foi empossado em 5 de dezembro de 2014. Era um dos 11 filhos do casal Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart.

 

                        Ao lado de Bandeira Tribuzi, Luci Teixeira, Lago Burnet, José Bento, José Sarney e outros escritores, fez parte de um movimento literário difundido através da revista que lançou o pós-modernismo no Maranhão, A Ilha, da qual foi um dos fundadores. Até sua morte, muitos o consideravam o maior poeta vivo do Brasil, e não seria exagero dizer que, durante suas seis décadas de produção artística, Ferreira Gullar passou por todos os acontecimentos mais importantes da poesia brasileira.

 

                        Morando no Rio de Janeiro, participou do movimento da poesia concreta, sendo, então, um poeta extremamente inovador, escrevendo seus poemas, por exemplo, em placas de madeira, gravando-os.

 

                        Em 1956, participou da exposição concretista que é considerada o marco oficial do início da poesia concreta, tendo se afastado desta em 1959, criando, junto com Lígia Clark e Hélio Oiticica, o neoconcretismo, que valorizava a expressão e a subjetividade, em oposição ao concretismo ortodoxo. Posteriormente, ainda no início dos anos de 1960, se afastou desse grupo também, por concluir que o movimento levaria ao abandono do vínculo entre a palavra e a poesia, passando a produzir uma poesia engajada e envolvendo-se com os Centros Populares de Cultura.

 

                        Ferreira Gullar foi militante do Partido Comunista Brasileiro e, exilado pelo regime militar, viveu na União Soviética, na Argentina e no Chile. Dizia que se bacharelou em subversão em Moscou, durante o seu exílio, mas que, devido a uma maior reflexão, experiência de vida, e de observar as coisas irem acontecendo, se desiludiu do socialismo, e que o socialismo não fazia mais sentido, pois fracassara.

 

                        Ganhou o concurso de poesia promovido pelo Jornal de Letras, com o poema O Galo, em 1950, os prêmios Molière, o Saci e outros prêmios, como em 1966, com Se Correr o Bicho pega, se Ficar o Bicho Come, que é considerado uma obra prima do Teatro Moderno Brasileiro.

 

                        Durante o exílio, escreveu, em 1951, em Buenos Aires, seu livro de maior repercussão, Poema Sujo, publicado em 1976, e considerado por Vinícius de Moraes o mais importante poema escrito em qualquer língua nas últimas décadas.

 

                        Em 1999, foi inaugurada, em São Luís, sua terra natal, a Avenida Ferreira Gullar.

 

                        Em 2002, foi indicado por nove professores dos Estados Unidos, do Brasil e de Portugal para o Prêmio Nobel de Literatura. Em 2007, seu livro Resmungos ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do ano. Editado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, reúne crônicas de Gullar publicadas no jornal Folha de S. Paulo no ano de 2005.

 

                        Gullar foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes do ano de 2009. Em 2010, foi agraciado com o Prêmio Camões e contemplado com título de Doutor Honoris Causa, na Faculdade de Letras da UFRJ.

 

                        Em 20 de outubro de 2011, novamente ganhou o Prêmio Jabuti, desta vez com o livro de poesia Em Alguma Parte Alguma, que foi considerado O Livro do Ano, na classe ficção.

                       

                        Poema Sujo foi sua criação de maior visibilidade nos últimos tempos. Por isso, apresentamos aqui este youtube, com o autor declamando-o, numa produção do Instituto Moreira Salles:

 

 

"

"

"


Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros