Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias segunda, 26 de junho de 2023

LEGENDA DOS DIAS (POEMA DO FLUMINENSE RAUL DE LEÔNI)

LEGENDA DOS DIAS

Rau de Leôni

 

 

 

O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o ideal nalguma encruzilhada...

As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida,
Volta pensando: "Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada “...

Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera...

E a Vida passa... efêmera e vazia;
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...


Poemas e Poesias domingo, 25 de junho de 2023

SOU CABRA DA PESTE (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

SOU CABRA DA PESTE

Patativa do Assaré

 

 

 

Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas nunca esmorece, procura vencê,
Da terra adorada, que a bela caboca
De riso na boca zomba no sofrê.

Não nego meu sangue, não nego meu nome,
Olho para fome e pergunto: o que há?
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.

Tem munta beleza minha boa terra,
Derne o vale à serra, da serra ao sertão.
Por ela eu me acabo, dou a própria vida,
É terra querida do meu coração.

Meu berço adorado tem bravo vaquêro
E tem jangadêro que domina o má.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.

Ceará valente que foi munto franco
Ao guerrêro branco Soare Moreno,
Terra estremecida, terra predileta
Do grande poeta Juvená Galeno.

Sou dos verde mare da cô da esperança,
Que as água balança pra lá e pra cá.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.

Ninguém me desmente, pois, é com certeza,
Quem qué vê beleza vem ao Cariri,
Minha terra amada pissui mais ainda,
A muié mais linda que tem o Brasí.

Terra da jandaia, berço de Iracema,
Dona do poema de Zé de Alencá.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.


Poemas e Poesias sábado, 24 de junho de 2023

DE PAPO PRO AR (POEMA DO PERNAMBUCANO OLEGÁRIO MARIANO)

DE PAPO PRO AR

Olegário Mariano

 

 

 

Eu não quero outra vida
Pescando no rio de Jereré
Tenho peixe bom
Tem siri patola 
Que dá com o pé

Quando no terreiro
Faz noite de luar
E vem a saudade me atormentar
Eu me vingo dela
Tocando viola de papo pro ar

Se compro na feira
Feijão, rapadura
Pra que trabalhar
Sou filho do homem
E o homem não deve
Se apoquentar

Poemas e Poesias sexta, 23 de junho de 2023

CÉSAR (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

CÉSAR

Olavo Bilac

 

 

 

Na ilha de Seine. O mar brame na costa bruta.

Gemem os bardos. Triste, o olhar por céus em fora

Uma druidisa alonga, e os astros mira, e chora

De pé, no limiar de tenebrosa gruta.

Abandonou-te o deus que a tua raça adora,

Pobre filha de Teut! César aí vem! Escuta

O passo das legiões! ouve o fragor da luta

E o alto e crebro clangor da bucina sonora!

Dos Alpes, sacudindo as asas de ouro ao vento,

As grandes águias sobre os domínios gauleses

Descem, escurecendo o azul do firmamento...

E já, do Interno mar ao mar Armoricano,

Retumba o entrechocar dos rútilos paveses

Que carregam a glória o imperador romano.


Poemas e Poesias quinta, 22 de junho de 2023

O MAPA (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

O MAPA

Mário Quintana

 

 

 

Olho o mapa da cidade

Como quem examinasse

A anatomia de um corpo…


(É nem que fosse o meu corpo!)


Sinto uma dor infinita

Das ruas de Porto Alegre

Onde jamais passarei…


Há tanta esquina esquisita,

Tanta nuança de paredes,

Há tanta moça bonita

Nas ruas que não andei

(E há uma rua encantada

Que nem em sonhos sonhei…)


Quando eu for, um dia desses,

Poeira ou folha levada

No vento da madrugada,

Serei um pouco do nada

Invisível, delicioso


Que faz com que o teu ar

Pareça mais um olhar,

Suave mistério amoroso,

Cidade de meu andar

(Deste já tão longo andar!)


E talvez de meu repouso…


Poemas e Poesias quarta, 21 de junho de 2023

ENQUANTO A CHUVA CAI (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

ENQUANTO A CHUVA CAI

Manuel Bandeira

 

 

 

A chuva cai. O ar fica mole . . .
Indistinto . . . ambarino . . . gris . . .
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh’alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados . . .
Dos sós . . . — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer . . .

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d’água!

 


Poemas e Poesias terça, 20 de junho de 2023

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA

Manoel de Barros

 

 

 

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!


Poemas e Poesias segunda, 19 de junho de 2023

HISTÓRIA DE UNS BEIJOS (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

HISTÓRIA DE UNS BEIJOS

Júlio Dinis

 

 

 

Ouvi gabar os beijos
Dizer deles tanto bem
Que me nasceram desejos
De provar alguns também.
 
Esta fruta não é rara
Mas nem toda tem valor
A melhor é muito cara
E a barata é sem sabor.
 
Colhi-os dos mais mimosos
Provei três; mas por meu mal,
Ao princípio saborosos
Amargaram-me afinal.
 
Um colhi eu de uma bela
Que era Rosa, sem ser flor,
Se tinha espinhos como ela,
Dela também tinha a cor.
 
Vi-a a dormir e furtei-lhe
Um beijo que a acordou.
Eu gostei, porém causei-lhe
Tal susto que desmaiou.
 
Logo que a vi sem sentidos
Fugi sem outro lhe dar,
Dois beijos sem ser pedidos
Não são coisa para brincar.
 
Porém deste beijo ainda
Pouco tive que dizer,
Pois a tal Rosa, era linda
E tornou a reviver.

Poemas e Poesias domingo, 18 de junho de 2023

VELHO TEMA - A SAUDADE (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LIMA)

VELHO TEMA - A SAUDADE

Jorge de Lima

 

 

 

 

Quem não a canta? Quem? Quem não a canta e sente?

— Chama que já passou mas que assim mesmo é chama...

A Saudade, eu a sinto infinda, confidente.

Que de longe me acena e me fascina e chama...

 

Mágoa de todo o mundo e que tem toda gente:

Uns sorrisos de mãe... uns sorrisos de dama...

..Um segredo de amor que se desfaz e mente...

Quem não os teve? Quem? Quem não os teve e os ama?

 

Olhos postos ao léu, altívagos, à toa,

Quantas vezes tu mesmo, a cismar, de repente

Te ficaste gozando uma saudade boa?

 

Se vês que em teu passado uma saudade adeja,

— Faze que uma saudade a ti seja o presente!

— Faze que tua morte uma saudade seja!


Poemas e Poesias sábado, 17 de junho de 2023

SEVILHA EM CASA (POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

SEVILHA EM CASA

João Cabral de Melo Neto

 

 

 

 

Tenho Sevilha em minha casa.
Não sou eu que está chez Sevilha.
É Sevilha em mim, minha sala.
Sevilha e tudo o que ela afia.

Sevilha veio a Pernambuco
porque Aloísio lhe dizia
que o Capibaribe e o Guadalquivir
são de uma só maçonaria.

Eis que agora Sevilha cobra
onde a irmandade que haveria:
faço vir as pressas ao Porto
Sevilhana além de Sevilha.

Sevilhana que além do Atlântico
vivia o trópico na sombra
fugindo os sóis Copacabana
traz grossas cortinas de lona.

 


Poemas e Poesias sexta, 16 de junho de 2023

FALTA DE AR (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

FALTA DE AR

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

 

Há dias que posso passar sem sol, sem luz,
sem pão,
sem tudo enfim...

( Tenho até a impressão de que não preciso de nada...
... nem mesmo de mim...)

Mas há dias, amor... ( e parece mentira)
- nem eu sei explicar o porquê
de tão grande aflição -

em que não posso passar sem Você
um segundo que seja!
- de repente preciso encontrá-la, é preciso que a veja -

- Você é o ar com que respira
meu coração !


Poemas e Poesias quinta, 15 de junho de 2023

PASSEIO (POEMA DA PAULISTA HILDA HILST

PASSEIO

Hilda Hilst

 

 

 

De um exílio passado entre a montanha e a ilha
Vendo o não ser da rocha e a extensão da praia.
De um esperar contínuo de navios e quilhas
Revendo a morte e o nascimento de umas vagas.
De assim tocar as coisas minuciosa e lenta
E nem mesmo na dor chegar a compreendê-las.
De saber o cavalo na montanha. E reclusa
Traduzir a dimensão aérea do seu flanco.
De amar como quem morre o que se fez poeta
E entender tão pouco seu corpo sob a pedra.
E de ter visto um dia uma criança velha
Cantando uma canção, desesperando,
É que não sei de mim. Corpo de terra.

 


Poemas e Poesias quarta, 14 de junho de 2023

LUAR DE PAQUETÁ (POEMA DO SERGIPANO HERMES FONTES)

LUAR DE PAQUETÁ

Hermes Fontes

 

 

 

Nessas noites olorosas,
quando o mar, desfeito em rosas
se desfolha a lua cheia,
lembra a Ilha um ninho oculto,
onde o Amor celebra, em culto,
todo encanto que a rodeia.
Nos canteiros ondulantes,
as Nereidas, incessantes,
abrem lírios ao luar…
A água, em prece, burburinha,
e, em redor da capelinha,
vai rezando o verbo amar.
.
Pensamento de quem ama,
hóstia azul, fervendo em chama,
entre lábios separados…
Pensamento de quem ama,
leva o meu radiograma
ao jardim dos namorados!
Onde é esse paraíso,
o caminho que idealizo,
na ascensão para esse altar?
Paquetá é um céu profundo
que começa nesse mundo,
mas não sabe onde acabar…
.
Sobre o mar de azul rendado,
que é toalha de um noivado,
surge a Ilha-taça erguida:
E o luar-vinho doirado –
enche a taça do Passado
que embriaga a nossa vida!
Ai! que filtro milagroso,
para a mágoa e para o gozo,
para a eterna Inspiração:
o Luar, na mocidade,
abre as rosas da saudade
dentro em nosso coração.

Estribilho:
Jardim de afetos,
pombal de amores
Humildes tetos
de pescadores…
Se a lua brilha,
que bem nos dá
Amar na Ilha
de Paquetá


Poemas e Poesias terça, 13 de junho de 2023

HAICAIS DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA

HAICAIS

Guilherme de Almeida

 

 

 

O PENSAMENTO

O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.





HORA DE TER SAUDADE

Houve aquele tempo...
(E agora, que a chuva chora,
ouve aquele tempo!)





INFÂNCIA

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".





CIGARRA

Diamante. Vidraça.
Arisca, áspera asa risca
o ar. E brilha. E passa.





CONSOLO

A noite chorou
a bolha em que, sobre a folha,
o sol despertou.





CHUVA DE PRIMAVERA

Vê como se atraem
nos fios os pingos frios!
E juntam-se. E caem.





NOTURNO

Na cidade, a lua:
a jóia branca que bóia
na lama da rua.





OS ANDAIMES

Na gaiola cheia
(pedreiros e carpinteiros)
o dia gorjeia.





TRISTEZA

Por que estás assim,
violeta? Que borboleta
morreu no jardim?





PESCARIA

Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.





JANEIRO

Jasmineiro em flor.
Ciranda o luar na varanda.
Cheiro de calor.





DE NOITE

Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?





FRIO

Neblina? ou vidraça
que o quente alento da gente,
que olha a rua, embaça?





FESTA MÓVEL

Nós dois? - Não me lembro.
Quando era que a primavera
caía em setembro?





ROMANCE

E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.


Poemas e Poesias segunda, 12 de junho de 2023

O PRIMEIRO FILHO (POEMA DO PORTUGUÊS GUERRA JUNQUEIRO)

 

O PRIMEIRO FILHO

Guerra Junqueiro

 

 

(Carta ao amigo Bernardo Pindela)

Entre tanta miséria e tantas coisas vis
          Deste vil grão de areia,
Ainda tenho o condão de me sentir feliz
          Com a ventura alheia.

À minha noite triste, à noite tormentosa,
          Onde busco a verdade,
Chegou com asas d'oiro a canção cor-de-rosa
          Da tua felicidade.

És pai, viste nascer um fragmento d'aurora
          Da tua alma, de ti...
Oh, momento divino em que o sorriso chora,
          E em que o pranto sorri!

Que ventura radiante! oh que ventura infinda!
          Olímpicos amores
Ter frutos em Abril com o vergel ainda
          Carregado de flores!

Deslumbramento!... ver num berço o teu futuro
          Sorrindo ao teu presente!...
Ter a mulher e a mãe: juntar o beijo puro
          Com o beijo inocente!...

Eu que vou, javali de flanco ensanguentado,
          Pelos rudes caminhos
Ajoelho quando escuto à beira dum valado
          Os murmúrios dos ninhos!

Em tudo que alvorece há um sorriso d'esperança,
          Candura imaculada!...
E quer seja na flor, quer seja na criança
          Sente-se a madrugada.

Quando, como um aroma, o hálito da infância
          Passa nos lábios meus
Vejo distintamente encurtar-se a distância
          Entre a minh'alma e Deus.

A mão para apontar o azul, mão cor-de-rosa
          Que aconselha e domina,
Será tanto mais forte e tanto mais bondosa
          Quanto mais pequenina.


Poemas e Poesias domingo, 11 de junho de 2023

DESEJO INÚTIL (POEMA DA PAULISTA FRANCISCA JÚLIA)

DESEJO INÚTIL

Francisca Júlia

 

 

 

[Ao querido mestre e amigo

                  Vicente de Carvalho]

 

Qualquer cousa afinal de belo escolher devo

Para em verso plasmar no esforço da obra prima:

Flor que viceja á sombra, aza que paira em cima,

Aroma de um pomar ou de um campo de trevo.

 

Aroma, ou asa, ou flor... Tudo o que diga e exprima

Perde, ao moldar-se em verso, o seu próprio relevo,

Porque sinto, mau grado a gloria com que escrevo,

Presa a imaginação no limite da rima.

 

Não vai pois provocar, e sem que isto te praza,

Minh alma, e por amor d arte que se não doma,

A mágoa que te dói e a febre que te abrasa:

 

O aroma, sente! Est’asa, admira! esta flor, toma!

Mas deixa continuar inexprimidas a asa,

A beleza da flor e a frescura do aroma.


Poemas e Poesias sábado, 10 de junho de 2023

NESTA AUSÊNCIA (POEMA DA CARIOCA GILKA MACHADO)

NESTA AUSÊNCIA

Gilka Machado

 

 

 

Nesta ausência que me excita,
tenho-te, à minha vontade,
numa vontade infinita...
Distância, sejas bendita!
Bendita sejas, saudade!

Teu nome lindo...Ao dizê-lo
queimo os lábios, meu amor!
- O teu nome é um setestrelo
na noite da minha dor.

Nunca digas com firmeza
que a mágoa apenas crucia:
a saudade é uma tristeza,
que nos dá tanta alegria!

Passo horas calada e queda,
a rever, a relembrar
as duas asas de seda
do teu langoroso olhar.

Se a mágoa nos não conforta,
por que é que a felicidade
tem mais sabor quando morta,
depois que se faz saudade?


Poemas e Poesias sexta, 09 de junho de 2023

CASTELÃ DA TRISTEZA (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

CASTELÃ DA TRISTEZA

Florbela Espanca

 

 

 

 

Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor ...
E nunca em meu castelo entrou alguém!

Castelã da Tristeza, vês? ... A quem? ...
– E o meu olhar é interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr ...
Chora o silêncio ... nada ... ninguém vem ...

Castelã da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
À sombra rendilhada dos vitrais? ...

À noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? ... Porque anseias? ...
Que sonho afagam tuas mãos reais? ...


Poemas e Poesias quinta, 08 de junho de 2023

A ALEGRIA (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

A ALEGRIA

Ferreira Gullar

 

 

 

O sofrimento não tem
nenhum valor
Não acende um halo
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).

Sofres tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?

A justiça é moral, a injustiça
não. A dor
te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos

espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
querem estar contentes.


Poemas e Poesias quarta, 07 de junho de 2023

DÁ A SURPRESA DE SER (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

DÁ A SURPRESA DE SER

Fernando Pessoa

 

 

 

Dá a surpresa de ser

É alta, de um louro escuro.

Faz bem só pensar em ver

Seu corpo meio maduro.

 

Seus seios altos parecem

(Se ela estivesse deitada)

Dois montinhos que amanhecem

Sem ter que haver madrugada.

 

E a mão do seu braço branco

Assenta em palmo espalhado

Sobre a saliência do flanco

Do seu relevo tapado.

 

Apetece como um barco.

Tem qualquer coisa de gomo.

Meu Deus, quando é que eu embarco?

Ó fome, quando é que eu como?


Poemas e Poesias terça, 06 de junho de 2023

OS LÊMURES (POEMA DO FLUMINENSE EUCLIDES DA CUNHA)

OS LÊMURES

Euclides da Cunha

 

 

Ó minha musa — imaculada e santa!
Deixa um momento os sonhos teus benditos
Despe os teus véus de noiva do ideal
Deixa-os, despe-os e canta
Sobre as ruínas trágicas do mal
As almas arruinadas dos malditos!…


Poemas e Poesias segunda, 05 de junho de 2023

TROVAS HUMORÍSTICAS - 20 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA HUMORÍSTICA 20

Eno Teodoro Wanke

 

O mesmo vento que agita

As saias e expõe, trocista

Alguma perna bonita

Nos joga areia na vista

 


Poemas e Poesias domingo, 04 de junho de 2023

O BEATA SOLITUDO (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

O BEATA SOLITUDO

Da Costa e Silva

 

 

 

Amada solidão, silêncio amigo,
Vosso convívio me é tão grato e ameno
Que, voluntariamente, me condeno
A viver só, para vos ter comigo.

Alheio ao mundo, como um poeta antigo,
Noto, isolado, que ao mais leve aceno,
Me vêm, em ronda, ao espírito sereno
As idéias e imagens que persigo...

Solidão! vem de ti o êxtase infindo
Em que sinto, em constantes primaveras,
Meu ser a natureza refletindo...

Silêncio! enchendo o espaço onde me esperas,
Sonho, como Pitágoras, ouvindo
A harmonia divina das esferas.


Poemas e Poesias sábado, 03 de junho de 2023

ANTÍFONA (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

ANTÍFONA

Cruz e Sousa

 

 

 

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...

5Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...

Indefiníveis músicas supremas,
10Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
15Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
20Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

25Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça
30De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

Cristais diluídos de clarões álacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
35Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
40Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...


Poemas e Poesias sexta, 02 de junho de 2023

SONETO IV (POEMA DO CARIOCA CLÁUDIO MANOEL DA COSTA)

SONETO IV

Cláudio Manuel da Costa

 

 

 

Sou pastor; não te nego; os meus montados
São esses, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;

Ali me ouvem os troncos namorados,
Em que se transformou a antiga gente;
Qualquer deles o seu estrago sente;
Como eu sinto também os meus cuidados.

Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros
Nos braços de uma bela companhia;

Consolai-vos comigo, ó troncos duros;
Que eu alegre algum tempo assim me via;
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.

 


Poemas e Poesias quinta, 01 de junho de 2023

MANIAS! (POEMA DO PORTUGUÊS CESÁRIO VERDE)

MANIAS!

Cesário Verde

 

 

 

O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, -- hoje uma ossada, --
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.

Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!


Poemas e Poesias quarta, 31 de maio de 2023

PARA IR À LUA (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

PARA IR À LUA

Cecília Meireles

 

 

 

 

Enquanto não têm foguetes
para ir à Lua
os meninos deslizam de patinete
pelas calçadas da rua.

Vão cegos de velocidade:
mesmo que quebrem o nariz,
que grande felicidade!
Ser veloz é ser feliz.

Ah! se pudessem ser anjos
de longas asas!
Mas são apenas marmanjos.


Poemas e Poesias segunda, 29 de maio de 2023

O VOO DO GÊNIO (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

 

O VOO DO GÊNIO

Castro Alves 

 

À ATRIZ EUGÊNIA CÂMARA


Um dia, em que na terra a sós vagava
Pela estrada sombria da existência,
Sem rosas — nos vergéis da adolescência,
Sem luz destrela — pelo céu do amor;
Senti as asas de um arcanjo errante
Roçar-me brandamente pela fronte,
Como o cisne, que adeja sobre a fonte,
As vezes toca a solitária flor.

E disse então: "Quem és, pálido arcanjo!
Tu, que o poeta vens erguer do pego?
Eras acaso tu, que Milton cego
Ouvia em sua noite erma de sol?
Quem és tu? Quem és tu?" — "Eu sou o gênio",
Disse-me o anjo "vem seguir-me o passo,
Quero contigo me arrojar no espaço,
Onde tenho por croas o arrebol".

"Onde me levas, pois?.. . " — "Longe te levo
Ao país do ideal, terra das flores,
Onde a brisa do céu tem mais amores
E a fantasia — lagos mais azuis. . . "
E fui... e fui... ergui-me no infinito,
Lá onde o vôo dáguia não se eleva...
Abaixo — via a terra — abismo em treva!
Acima — o firmamento — abismo em luz!

"Arcanjo! arcanjo! que ridente sonho!"
— "Não, poeta, é o vedado paraíso,
Onde os lírios mimosos do sorriso
Eu abro em todo o seio, que chorou,
Onde a loura comédia canta alegre,
Onde eu tenho o condão de um gênio infindo,
Que a sombra de Molière vem sorrindo
Beijar na fronte, que o Senhor beijou. . . "

"Onde me levas mais, anjo divino?"
— "Vem ouvir, sobre as harpas inspiradas,
O canto das esferas namoradas,
Quando eu encho de amor o azul dos céus.
Quero levar-te das paixões nos mares.
Quero levar-te a dédalos profundos,
Onde refervem sóis... e céus... e mundos...
Mais sóis... mais mundos, e onde tudo é rneu...

"Mulher! mulher! Aqui tudo é volúpia:
A brisa morna, a sombra do arvoredo,
A linfa clara, que murmura a medo,
A luz que abraça a flor e o céu ao mar.
Ó princesa, a razão já se me perde,
És a sereia da encantada Sila.
Anjo, que transformaste-te em Dalila,
Sansão de novo te quisera amar!

"Porém não paras neste vôo errante!
A que outros mundos elevar-me tentas?
Já não sinto o soprar de auras sedentas,
Nem bebo a taça de um fogoso amor.
Sinto que rolo em báratros profundos...
Já não tens asas, águia da Tessália,
Maldições sobre ti... tu és Onfália,
Ninguém te ergue das trevas e do horror.

"Porém silêncio! No maldito abismo,
Onde caí contigo criminosa,
Canta uma voz, sentida e maviosa,
Que arrependida sobe a Jeová!
Perdão! Perdão! Senhor, pra quem soluça,
Talvez seja algum anjo peregrino...
... Mas não! inda eras tu, gênio divino,
Também sabes chorar, como Eloá!

"Não mais, ó serafim! suspende as asas!
Que, através das estrelas arrastado,
Meu ser arqueja louco, deslumbrado,
Sobre as constelações e os céus azuis.
Arcanjo! Arcanjo! basta... já contigo
Mergulhei das paixões nas vagas cérulas...
Mas nos meus dedos — já não cabem — pérolas —
Mas na minhalma — já não cabe — luz!...

 


Poemas e Poesias domingo, 28 de maio de 2023

SONHANDO (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

SONHANDO

Casimiro de Abreu

 

 

 

Um dia, oh linda, embalada
Ao canto do gondoleiro,
Adormeceste inocente
No teu delírio primeiro,
- Por leito o berço das ondas,
Meu colo por travesseiro!

Eu, pensativo, cismava
Nalgum remoto desgosto,
Avivado na tristeza
Que a tarde tem, ao sol-posto,
E ora mirava as nuvens,
Ora fitava teu rosto.

Sonhavas então, querida,
E presa de vago anseio
Debaixo das roupas brancas
Senti bater o teu seio,
E meu nome num soluço
À flor dos lábios te veio!

Tremeste como a tulipa
Batida do vento frio...
Suspiraste como a folha
Da brisa ao doce cicio...
E abriste os olhos sorrindo
Às águas quietas do rio!

Depois - uma vez - sentados
Sob a copa do arvoredo,
Falei-te desse soluço
Que os lábios abriu-te a medo...
- Mas tu, fugindo, guardaste
Daquele sonho o segredo!...

 


Poemas e Poesias sábado, 27 de maio de 2023

SONETO (POEMA DO PENRAMBUCANO CARLOS PENA FILHO)

SONETO

Carlos Pena Filho

 

 

 

O quanto perco em luz conquisto em sombra.
E é de recusa ao sol que me sustento.
Às estrelas, prefiro o que se esconde
Nos crepúsculos graves dos conventos.

Humildemente envolvo-me na sombra
que veste, à noite, os cegos monumentos
isolados nas praças esquecidas
e vazios de luz e movimento.

Não sei se entendes: em teus olhos nasce
a noite côncava e profunda, enquanto
clara manhã revive em tua face.

Daí amar teus olhos mais que o corpo
com esse escuro e amargo desespero
com que haverei de amar depois de morto.


Poemas e Poesias sexta, 26 de maio de 2023

CANÇÃO AMIGA (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

CANÇÃO AMIGA

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

Eu preparo uma canção
Em que minha mãe se reconheça
Todas as mães se reconheçam
E que fale como dois olhos

Caminho por uma rua
Que passa em muitos países
Se não me veem, eu vejo
E saúdo velhos amigos

Eu distribuo um segredo
Como quem ama ou sorri
No jeito mais natural
Dois carinhos se procuram

Minha vida, nossas vidas
Formam um só diamante
Aprendi novas palavras
E tornei outras mais belas

Eu preparo uma canção
Que faça acordar os homens
E adormecer as crianças


Poemas e Poesias quinta, 25 de maio de 2023

SONETO 22 - DOCE CONTENTAMENTO JÁ PASSADO (POEMA DO PORTUGUÈS LUÍS DE CAMÕES)

DOCE CONTENTAMENTO JÁ PASSASO

Soneto 122

Luís de Camões

 

Doce contentamento já passado,
em que todo o meu bem já consistia,
quem vos levou de minha companhia
e me deixou de vós tão apartado?

Quem cuidou que se visse neste estado
naquelas breves horas de alegria,
quando minha ventura consentia
que de enganos vivesse meu cuidado?

Fortuna minha foi cruel e dura
aquela, que causou meu perdimento,
com a qual ninguém pode ter cautela.

Nem se engane nenhüa criatura,
que não pode nenhum impedimento
fugir do que ordena sua estrela.


Poemas e Poesias quarta, 24 de maio de 2023

SONETO DAS GLÓRIAS CARNAIS (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE)

SONETO DAS GLÓRIAS CARNAIS

Bocage

 

 

 

Soneto localizado em um caderno onde poemas de Bocage e de Pedro José Constâncio

estavam misturados, não tendo se chegado em nenhuma conclusão definitiva sobre a

autoria do mesmo.

 

Cante a guerra quem for arrenegado,

Que eu nem palavra gastarei com ele;

Minha Musa será sem par canela

Co'um felpudo coninho abraseado:

 

Aqui descreverei com arreitado

N'um mar de bimbas navegando à vela,

Cheguei, propício o vento, à doce, àquela

Enseada d'Amor, rei coroado:

 

Direi também os beijos sussurrantes,

Os intrincados nós das línguas ternas,

E o aturado fungar de dois amantes :

 

Estas glórias serão na fama eternas;

Às minhas cinzas me farão descantes

Fêmeos vindouros, alargando as pernas.


Poemas e Poesias terça, 23 de maio de 2023

CEM TROVAS - 010 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)
 

TROVA 010

Belmiro Braga

 

Muitas vezes imagino
Nos meus dias desolados
Que o meu coração é um sino
Dobrando sempre a finados


Poemas e Poesias segunda, 22 de maio de 2023

VENCEDOR (POEMA DO PARAIBANO AUGUSTO DOS ANJOS)

V

 

V

VENCEDOR

Augusto dos Anjos

 

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração – estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem…
E não pôde domá-lo, enfim, ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!


Poemas e Poesias domingo, 21 de maio de 2023

LEMBRANÇAS DE MORRER (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

LEMBRANÇAS DE MORRER

Álvares de Azevedo

 

 

 

No more! O never more!
SHELLEY

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto o poento caminheiro…
Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro…

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia,
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade — e dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas…
E de ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minhas tristezas te definhas!

De meu pai… de meus únicos amigos,
Poucos, — bem poucos! e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoidecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei!… que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Ó tu, que à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores…
Se vivi… foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo…
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu! eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz! e escrevam nela:
— Foi poeta, sonhou e amou na vida. —

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minh’alma cantou e amava tanto,
Protejei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando, à meia-noite, o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri as ramas…
Deixai a lua pratear-me a lousa!

 


Poemas e Poesias sábado, 20 de maio de 2023

NÃO TE AMO (POEMA DO PORTUGUÊS ALMEIDA GARRETT)

NÃO TE AMO

Almeida Garrett

 

 

 

Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.
      E eu n’alma - tenho a calma,
      A calma - do jazigo.
      Ai! não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
      E a vida - nem sentida
      A trago eu já comigo.
      Ai, não te amo, não!
Ai! não te amo, não; e só te quero
      De um querer bruto e fero
      Que o sangue me devora,
      Não chega ao coração.
Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
      Quem ama a aziaga estrela
      Que lhe luz na má hora
      Da sua perdição?
E quero-te, e não te amo, que é forçado,
      De mau, feitiço azado
      Este indigno furor.
      Mas oh! não te amo, não.
E infame sou, porque te quero; e tanto
      Que de mim tenho espanto,
      De ti medo e terror...
      Mas amar!... não te amo, não.


Poemas e Poesias sexta, 19 de maio de 2023

NOTURNO (POEMA DO GAÚCHO ALCEU WAMOSY)

NOTURNO

Alceu Wamosy

 

 

 

Tu pensarás em mim, por esta noite imensa
e erma, em que tudo é um frio e um silêncio profundo?
Tu pensarás em mim? Por esta noite, enfermo,
tendo os olhos em febre e a voz cheia de sustos,
eu penso em ti, no teu amor e na promessa
muda que o teu olhar me fez e que eu espero.

(Que dor de não saber se tu pensas em mim!)

Sob a tenda da noite estrelada de outono,
que eu contemplo através os cristais da janela,
junto ao manso tepor da lâmpada que escuta
— antiga confidente — os meus sonhos e as minhas
vigílias de tormento, eu penso em ti, divina.

(E tu talvez nem te recordes deste ausente!)

Penso em ti. Penso e evoco o teu vulto adorado.
Penso nas tuas mãos — um lis de cinco pétalas —
que, em vez de sangue, têm luar dentro das veias;
nos teus olhos, que são Noturnos de Chopin
agonizando à luz de uma tarde de sonho;
na tua voz, que lembra um beijo que se esfolha.
Penso.

(E nem sei se tu também pensas em mim!)

Talvez não. No tranquilo altar da tua alcova,
onde se extingue a luz de um velho candelabro
como uma lâmpada votiva, tu adormeces
sorrindo ao Anjo fiel que as tuas pálpebras fecha
para que tu não tenhas sonhos maus.

E eu penso
em ti, sem sono, a sós, angustiado e febril,
em ti, que nem eu sei se te lembras de mim...


Poemas e Poesias quinta, 18 de maio de 2023

FLOR DE CAVERNA (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)

FLOR DE CAVERNA

Alberto de Oliveira

 

 

 

Fica às vezes em nós um verso a que a ventura
Não é dada jamais de ver a luz do dia;
Fragmento de expressão de idéia fugidia,
Do pélago interior bóia na vaga escura.

Sós o ouvimos conosco; à meia voz murmura,
Vindo-nos da consciência a flux, lá da sombria
Profundeza da mente, onde erra e se enfastia,
Cantando, a distrair os ócios da clausura.

Da alma, qual por janela aberta par e par,
Outros livre se vão, voejando cento e cento
Ao sol, à vida, à glória e aplausos. Este não.

Este aí jaz entaipado, este aí jaz a esperar
Morra, volvendo ao nada, — embrião de pensamento
Abafado em si mesmo e em sua escuridão.


Poemas e Poesias quarta, 17 de maio de 2023

ESTÃO SE ADIANTANDO (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

ESTÃO SE ADIANTANDO

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

 

Eles estão se adiantando, os meus amigos.
Sei que é útil a morte alheia
para quem constrói seu fim.
Mas eles estão indo, apressados,
deixando filhos, obras, amores inacabados
e revoluções por terminar.
Não era isto o combinado.
 
Alguns se despedem heróicos,
outros serenos. Alguns se rebelam.
O bom seria partir pleno.
 
O que faço? Ainda agora
um apressou seu desenlaçe.
Sigo sem pressa. A morte
exige trabalho, trabalho lento
como quem nasce.

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Poemas e Poesias terça, 16 de maio de 2023

OBJETO DE AMOR (POEMA DA MINEIRA ADÉLIA PRADO)

 

OBJETO DE AMOR

Adélia Prado

 

 

De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!
Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdoo, eu amo.


Poemas e Poesias segunda, 15 de maio de 2023

POEMA SIMPLES (POEMA DA CARIOCA ADALGISA NERY)

POEMA SIMPLES

Adalgisa Nery

 

 

 

Deixa-me recolher as rosas que estão morrendo nos jardins da noite,
Deixa-me recolher o fruto antes que este volva as raízes da terra,
Deixa-me recolher a estrela úmida
Antes que sua luz desapareça na madrugada,
Deixa-me recolher a tristeza da alma
Antes que a lágrima banhe a pálpebra
Do órfão abandonado e faminto,
Deixa-me recolher a ternura parada
No coração da mulher que desejou ser mãe.
Deixa-me recolher a esperança dos que acreditam,
Recolher o que ainda não passou
E mais do que tudo dá-me a recolher
A palavra de amor e de doçura para que reparta
Com os ouvidos que esperam como uma gota de mel
Caindo na alma e no coração,
Como a única luz dentro de tanta escuridão.


Poemas e Poesias domingo, 14 de maio de 2023

RENÚNCIA (POEMA DA PORTUGUESA VIRGÍNIA VICTORINO)

RENÚNCIA

Virgínia Victorino

 

 

 

Fui nova, mas fui triste; só eu sei
como passou por mim a mocidade!
Cantar era o dever da minha idade…
Devia ter cantado, e não cantei!

Fui bela. Fui amada. E desprezei…
Não quis beber o filtro da ansiedade.
Amar era o destino, a claridade…
Devia ter amado, e não amei!

Ai de mim! Nem saudades, nem desejos;
nem cinzas mortas, nem calor de beijos…
— Eu nada soube, nada quis prender!

E o que me resta? Uma amargura infinda:
ver que é, para morrer, tão cedo ainda,
e que é tão tarde já para viver!


Poemas e Poesias sábado, 13 de maio de 2023

A MORTE (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A MORTE

Vinícius de Moraes

 

 

 

 

A morte vem de longe 
Do fundo dos céus 
Vem para os meus olhos 
Virá para os teus 
Desce das estrelas 
Das brancas estrelas 
As loucas estrelas 
Trânsfugas de Deus 
Chega impressentida 
Nunca inesperada 
Ela que é na vida 
A grande esperada! 
A desesperada 
Do amor fratricida 
Dos homens, ai! dos homens 
Que matam a morte 
Por medo da vida.


Poemas e Poesias sexta, 12 de maio de 2023

SAUDADE (POEMA DO PAULISTA VICENTE DE CARVALHO)

SAUDADE

Vicente de Carvalho

 

 

 

Belos amores perdidos,
Muito fiz eu com perder-vos;
Deixar-vos, sim: esquecer-vos
Fora demais, não o fiz.

Tudo se arranca do seio,
– Amor, desejo, esperança…
Só não se arranca a lembrança
De quando se foi feliz.

Roseira cheia de rosas,
Roseira cheia de espinhos,
Que eu deixei pelos caminhos,
Aberta em flor, e parti:

Por me não perder, perdi-te:
Mas mal posso assegurar-me,
– Com te perder e ganhar-me,
Se ganhei, ou se perdi…

 

Poemas e Poesias quinta, 11 de maio de 2023

PRA DIZER ADEUS (POEMA DO PIAUIENSE TORQUATO NETO)

PRA DIZER ADEUS

Torquato Neto

 

 

 

 

adeus
vou pra não voltar
e onde quer que eu vá
sei que vou sozinho
tão sozinho amor
nem é bom pensar
que eu não volto mais
desse meu caminho

ah,
pena eu não saber
como te contar
que o amor foi tanto
e no entanto eu queria dizer
vem
eu só sei dizer
vem
nem que seja só
pra dizer adeus.

 


Poemas e Poesias quarta, 10 de maio de 2023

OS ESTATUTOS DO HOMEM (POEMA DO AMAZONENSE THIAGO DE MELLO)

OS ESTATUTOS DO HOMEM

Thiago de Mello

 

 

 

Artigo I 
Fica decretado que agora vale a verdade. 
agora vale a vida, 
e de mãos dadas, 
marcharemos todos pela vida verdadeira. 
 
Artigo II 
Fica decretado que todos os dias da semana, 
inclusive as terças-feiras mais cinzentas, 
têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 

Artigo III  
Fica decretado que, a partir deste instante, 
haverá girassóis em todas as janelas, 
que os girassóis terão direito 
a abrir-se dentro da sombra; 
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, 
abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Artigo IV   
Fica decretado que o homem 
não precisará nunca mais 
duvidar do homem. 
Que o homem confiará no homem 
como a palmeira confia no vento, 
como o vento confia no ar, 
como o ar confia no campo azul do céu. 

        Parágrafo único:  
        O homem, confiará no homem 
        como um menino confia em outro menino. 

Artigo V  
Fica decretado que os homens 
estão livres do jugo da mentira. 
Nunca mais será preciso usar 
a couraça do silêncio 
nem a armadura de palavras. 
O homem se sentará à mesa 
com seu olhar limpo 
porque a verdade passará a ser servida 
antes da sobremesa. 

Artigo VI  
Fica estabelecida, durante dez séculos, 
a prática sonhada pelo profeta Isaías, 
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos 
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 

Artigo VII  
Por decreto irrevogável fica estabelecido  
o reinado permanente da justiça e da claridade,  
e a alegria será uma bandeira generosa  
para sempre desfraldada na alma do povo. 

Artigo VIII   
Fica decretado que a maior dor 
sempre foi e será sempre 
não poder dar-se amor a quem se ama 
e saber que é a água 
que dá à planta o milagre da flor. 

Artigo IX   
Fica permitido que o pão de cada dia 
tenha no homem o sinal de seu suor.   
Mas que sobretudo tenha  
sempre o quente sabor da ternura. 

Artigo X  
Fica permitido a qualquer  pessoa, 
qualquer hora da vida, 
uso do traje branco. 

Artigo XI   
Fica decretado, por definição, 
que o homem é um animal que ama  
e que por isso é belo, 
muito mais belo que a estrela da manhã. 

Artigo XII   
Decreta-se que nada será obrigado  
nem proibido, 
tudo será permitido,  
inclusive brincar com os rinocerontes  
e caminhar pelas tardes  
com uma imensa begônia na lapela. 

        Parágrafo único:  
        Só uma coisa fica proibida: 
        amar sem amor. 

Artigo XIII   
Fica decretado que o dinheiro 
não poderá nunca mais comprar 
o sol das manhãs vindouras. 
Expulso do grande baú do medo, 
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal 
para defender o direito de cantar 
e a festa do dia que chegou. 

Artigo Final.   
Fica proibido o uso da palavra liberdade,  
a qual será suprimida dos dicionários  
e do pântano enganoso das bocas. 
A partir deste instante 
a liberdade será algo vivo e transparente 
como um fogo ou um rio, 
e a sua morada será sempre  
o coração do homem.


Poemas e Poesias terça, 09 de maio de 2023

FLORES LUXEMBURGUESAS (POEMA DO MARANHENSE SOUSÂNDRADE)

FLORES LUXEMBURGUESAS

Sousândrade

 

 

 

Não é, não é alegria,

Nem é tristeza sombria

Que sinto me atravessar.

Grato, grato sentimento

De um passado encantamento –

Por toda parte a lembrar!

Eram as roxas florestas,

As sagradas sombras mestas

Nossos berços da soidão:

Se deles tendes as flores, –

A saudade dos amores

Em vós reconheço estão.


Poemas e Poesias segunda, 08 de maio de 2023

AS LETRAS (POEM ADO BAIANO RICARDO LIMA)

AS LETRAS

Ricardo Lima

 

 

 

Juntas, poeiras.

Soltas, certezas.

Abraços, certos de palavras...

 

As letras...


Poemas e Poesias domingo, 07 de maio de 2023

IRONIA! (OEMA DO FLUMINENSE RAUL DE LEÔNI)

IRONIA!

Raul de Leôni

 

Ironia! Ironia!
Minha consolação! Minha filosofia!
Imponderável máscara discreta
Dessa infinita dúvida secreta,
Que é a tragédia recôndita do ser!
Muita gente não te há de compreender
E dirá que és renúncia e covardia!
Ironia! Ironia!
És a minha atitude comovida:
O amor-próprio do Espírito, sorrindo!
O pudor da Razão diante da Vida!


Poemas e Poesias sábado, 06 de maio de 2023

O QUE É FOLCLORE? (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

O QUE É O FOLCLORE?

Patativa do Assaré

 

 

 

Posso lhe afirmá também:
Folclore é superstição,
O medo que você tem
Do canto do corujão.
Folclore é aquele instrumento
Para o seu divertimento
Que chamamos berimbau;
E também a brincadeira
Ritmada e prazenteira
Chamada Maneiro-Pau.

Folclore, meu camarada,
Ouvimos a toda hora,
É históra de alma penada,
De lobisome e caipora.
Preste atenção e decore,
Pois, com certeza, folclore
Ainda posso dizer
Que é aquele búzio de osso
Que você põe no pescoço
Do filho pra não morrer.

É o aboio magoado
Do vaqueiro na amplidão.
É o festejo animado
Da debulha do feijão,
Carro de boi e gaiola
E desafio, à viola,
Do cantador popular
E também a toadinha
Da Ciranda-Cirandinha
Vamos todos cirandar.

Eu e você que vivemos
No nosso pobre sertão
Muitas coisas inda temos
Da popular tradição:
Além de outras, o girau
E a carrocinha de pau,
Em vez de bonito carro.
Que prazer, satisfação,
A gente comer pirão
Mexido em prato de barro!

E agora, prezado irmão,
Estes versos lhe dedico.
Lhe dei alguma noção
Do nosso folclore rico.
Não posso continuar,
Pois nada pude estudar,
De dentro do tema saio.
O resto lhe dirá tudo
Romão Filgueira Sampaio,
Mainá e Câmara Cascudo.

De conservar o folclore
Todos têm obrigação,
Para que nunca descore
A popular tradição.
Os homens de grande estudo,
Como Mainá e Cascudo,
Guardam sempre nos arquivo
Populares tradições,
Cantigas, superstições
E costumes primitivos.

Você, caboclo, que cresce,
Sem instrução nem saber,
Escuta, mas não conhece
Folclore o que quer dizer:
O folclore é um pilão,
É um bodoque, um pião,
Garanto que também é
Uma grosseira cangalha,
Aparelhada de palha
De palmeira ou catolé.


Poemas e Poesias quinta, 04 de maio de 2023

CONSELHO DE AMIGO (POEMA DO PERNAMBUCANO OLEGÁRIO MARIANO)

CONSELHO DE AMIGO

Olegário Mariano

 

 

 

Cigarra! Levo a ouvir-te o dia inteiro,
Gosto da tua frívola cantiga,
Mas vou dar-te um conselho, rapariga:
Trata de abastecer o teu celeiro.

Trabalha, segue o exemplo da formiga,
Aí vem o inverno, as chuvas, o nevoeiro,
E tu, não tendo um pouso hospitaleiro,
Pedirás… e é bem triste ser mendiga!

E ela, ouvindo os conselhos que eu lhe dava
(Quem dá conselhos sempre se consome…)
Continuava cantando… continuava…

Parece que no canto ela dizia:
– Se eu deixar de cantar morro de fome…
Que a cantiga é o meu pão de cada dia.


Poemas e Poesias quarta, 03 de maio de 2023

ALEXANDRE (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

ALEXANDRE

Olavo Bilac

 

 

 

Quem te cantara um dia a ambição desmarcada,

Filho da heráclia estirpe! e o clamor infinito

Com que o povo da Emátia acorreu ao teu grito,

Voando, como um tufão, sobre a terra abrasada!

 

Do Adriático mar ao Índus, e do Egito

Ao Cáucaso, o fulgor do aceiro dessa espada

Prosternava, a tremer, sobre a lama da estrada,

Ídolos de ouro e bronze, e esfinges de granito.

 

Mar que regouga e estronda, espedaçando diques,

- Aos confins da Ásia rica as falanges corriam,

Encrespadas de fúria e erriçadas de piques.

 

E do sangue, do pó, dos destroços da guerra,

Aos teus pés, palpitando, as cidades nasciam,

E a Alma Grega, contigo, avassalava a Terra!

 


Poemas e Poesias terça, 02 de maio de 2023

O BATALHÃO DAS LETRAS (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA) VÍDEO


Poemas e Poesias segunda, 01 de maio de 2023

DESESPERANÇA (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

DESESPERANÇA

Manuel Bandeira

 

Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.
Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo...

O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento
Que dá medo... O ar, parado, incomoda, angustia...
Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.

Assim deverá ser a natureza um dia,
Quando a vida acabar e, astro apagado, a Terra
Rodar sobre si mesma estéril e vazia.

O demônio sutil das nevroses enterra
A sua agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...

Minha respiração se faz como um gemido.
Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.

Por onde alongue o meu olhar de moribundo,
Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:
E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.

Vejo nele a feição fria de um desafeto.
Temo a monotonia e apreendo a mudança.
Sinto que a minha vida é sem fim, sem objeto...
— Ah, como dói viver quando falta a esperança!


Poemas e Poesias domingo, 30 de abril de 2023

O MENINO E O CÓRREGO (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

O MENINO E O CÓRREGO

Manoel de Barros

 

 

 

I
A água é madura.
Com penas de garça.
Na areia tem raiz
de peixes e de árvores.
Meu córrego é de sofrer
pedras Mas quem beijar seu corpo
é brisas…
II
O córrego tinha um cheiro
de estrelas
nos sarãs anoitecidos
O córrego tinha
suas frondes
distribuídas
aos pássaros
O córrego ficava à beira
de um menino…
III
No chão da água
luava um pássaro
por sobre espumas
de haver estrelas
A água escorria
por entre as pedras
um chão sabendo
a aroma de ninhos.
IV
Ai
que transparente
aos voos
está o córrego!
E usado
de murmúrios…
V
Com a boca escorrendo chão
o menino despetalava o córrego
de manhã todo no seu corpo.
A água do lábio relvou entre pedras…
Árvores com o rosto arreiado
de seus frutos
ainda cheiravam a verão
Durante borboletas com abril
esse córrego escorreu só pássaros…

Poemas e Poesias sábado, 29 de abril de 2023

VERSO MÍSSIL (POEMA DO PERNAMBUCANO LUÍS TURIBA)

VERSO MÍSSIL

Luís Turiba

 

 

 

Quisera fazer um verso
com a sublime arritmia do amor
um verso míssil
neurastênico e febril
ar do dia anterior à criação do universo

Um verso instantâneo e uno
momento raro
como em Let It Be
(um órgão clássico bachiano
entrelaça-se ao solo rock da guitarra de Harrison)
perfeita harmonia, divino encaixe

Ficam as lembranças
das perfeições carnais
como notas musicais

Ah, meu grande amor!
erguerei um dia tamanho verso
nanico faminto camundongo e sábio
como um menino de rua brasileiro

Um verso de trivela
transverso e subversivo
acorde de uma nuvem cor-de-rosa
cheiro da cor da maçã
o gosto do suor e dos raios de vida que transitam por nossos corpos

Um verso de fogo e batom
histórico histérico e erudito
alexandrino perfeito
tão alexandrino como teu nome de solteira
tão perfeito e feroz
como as garras de um tigre faminto
rasgando a alma de sua presa


Poemas e Poesias sexta, 28 de abril de 2023

HINO AO TABACO (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

HINO AO TABACO

Júlio Dinis

 

 

 

No centro dos círculos De nuvens de fumo, Um deus me presumo,
Um deus sobre o altar! Nem doutros turíbulos
Me apraz tanto o incenso Como o deste imenso Cachimbo exemplar!

Em divas esplêndidos, Cruzadas as pernas, Fuma, horas eternas.
O ardente sultão Subindo-lhe ao cérebro O mágico aroma, Esquece Mafoma,
Houris e Alcorão.

Longe, oh! longe o ópio, Que os sonhos deleita
Da mísera seita
Dos Theriakis!
Horror ao narcótico
Que vem das papoulas!
E ao que arde em caçoulas
No altar de Caciz!


Que a raça gentílica Das zonas ardentes Consuma as sementes Do arábio café.
Despejem-se as chávenas
Da atroz beberagem
Da cor do selvagem
Da adusta Guiné.

E a tal folha exótica, Delícias da China, Por nossa má sina Trazida de lá,
Servida em família
Num morno hidro-infuso?... Anátema ao uso
Das folhas do chá!

Nem tu, ó alcoólico Humor dos lagares, Terás meus cantares, Meus hinos terás, Embora das ânforas, Vazado nas taças,
Aos outros tu faças, A língua loquaz.

Cerveja britânica, De furor espuma? De coisa nenhuma Me podes servir.
Quando oiço do lúpulo
Gabarem proezas
Às boas inglesas,
Desato-me a rir.

Nem venha da cânfora
Pregar maravilhas
O das cigarrilhas
Famoso inventor.
Raspail é cismático
E eu sou ortodoxo
O seu paradoxo
Não me há-de ele impor.


Meu canto é da América, País do tabaco,
Perante o qual Baco
Seu ceptro partiu.
A Europa, Ásia e África
E a Terra hoje toda
Este herói da moda
De fumo cobriu.

Até na Lapónia
Da gente pequena,
Se fuma; e no Sena,
No Tibre e no Pó,
No Volga e no Vístula,
No Tejo e no Douro;
Que imenso tesouro
Se deve a Nicot!

Meus áridos lábios
Mais fumo inda aspirem;
Que os parvos suspirem
Por beijos aos mil.
Não quero outros ósculos,
Não quero outra amante..
Qual mais doudejante
Que o fumo subtil?

Tornadas Vesúvios, As bocas fumegam
De nuvens que cegam Vomitam montões. Fumar! Oh delícias! Prazer de nababo!
E leve o Diabo
Do mundo as paixões.


 


Poemas e Poesias quinta, 27 de abril de 2023

UM MONSTRO FLUI NESSE POEMA (POEMA DO ALAGOANO JORE DE LIMA)

UM MONSTRO FLUI DESSE POEMA

Jorge de Lima

 

 

 

Um monstro flui nesse poema
feito de úmido sal-gema.

A abóbada estreita mana
a loucura cotidiana.

Pra me salvar da loucura
como sal-gema. Eis a cura.

O ar imenso amadurece,
a água nasce, a pedra cresce.

Mas desde quando esse rio
corre no leito vazio?

Vede que arrasta cabeças,
frontes sumidas, espessas.

E são minhas as medusas,
cabeças de estranhas musas.

Mas nem tristeza e alegria
cindem a noite, do dia.

Se vós não tendes sal-gema,
não entreis nesse poema.


Poemas e Poesias quarta, 26 de abril de 2023

RIOS SEM DISCURSO (POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

RIOS SEM DISCURSO

João Cabral de Melo Neto

 

 

 

Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.

 


Poemas e Poesias terça, 25 de abril de 2023

EXALTAÇÃO DO AMOR (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

EXALTAÇÃO DO AMOR

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

Sofro, bem sei... Mas se preciso fôr
sofrer mais, mal maior, extraordinário, 
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrêla alcançar... colher a flor...

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor! 
Como um louco talvez, ou um visionário 
hei de alcançar o amor... com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu 
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...

Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor! 
Se esse amor não puder ser meu viver 
há de ser meu para eu morrer de amor!


Poemas e Poesias segunda, 24 de abril de 2023

PÁSSAROS (POEMA DA PAULISTA HILDA HILST) - VÍDEO

PÁSSAROS

Hilda Hilst

 


Poemas e Poesias domingo, 23 de abril de 2023

JOGOS E SOMBRAS (POEMA DO SERGIPANO HERMES FONTES)

JOGOS E SOMBRAS

Hermes Fontes

 

 

 

Sempre que me procuro e não me encontro em mim,
pois há pedaços do meu ser que andam dispersos
nas sombras do jardim,
nos silêncios da noite,
nas músicas do mar,
e sinto os olhos, sob as pálpebras, imersos
nesta serena unção crepuscular
que lhes prolonga o trágico tresnoite
da vigília sem fim,
abro meu coração, como um jardim,
e desfolho a corola dos meus versos,
faz-me lembrar a alma que esteve em mim,
e que, um dia, perdi e vivo a procurar
nos silêncios da noite,
nas sombras do jardim,
na música do mar...


Poemas e Poesias sábado, 22 de abril de 2023

FLOR DO SAFALDO (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

FLOR DO ASFALTO

Guilherme de Almeida

 

 

 

Flor do asfalto, encantada flor de seda,
sugestão de um crepúsculo de outono,
de uma folha que cai, tonta de sono,
riscando a solidão de uma alameda...

Trazes nos olhos a melancolia
das longas perspectivas paralelas,
das avenidas outonais, daquelas
ruas cheias de folhas amarelas
sob um silêncio de tapeçaria...

Em tua voz nervosa tumultua
essa voz de folhagens desbotadas,
quando choram ao longo das calçadas,
simétricas, iguais e abandonadas,
as árvores tristíssimas da rua!

Flor da cidade, em teu perfume existe
Qualquer coisa que lembra folhas mortas,
sombras de pôr de sol, árvores tortas,
pela rua calada em que recortas
tua silhueta extravagante e triste...

Flor de volúpia, flor de mocidade,
teu vulto, penetrante como um gume,
passa e, passando, como que resume
no olhar, na voz, no gesto e no perfume,
a vida singular desta cidade!


Poemas e Poesias sexta, 21 de abril de 2023

O AMOR (POEMA DO PORTUGUÊS GUERRA JUNQUEIRO)

O AMOR

Guerra Junqueiro

 

 

 

I

Eu nunca naveguei, pieguíssimo argonauta
Dans les fleuves du tendre, onde há naufrágios bons,
Conduzindo Florian na tolda a tocar frauta,
E cupidinhos d'oiro a tasquinhar bombons.
Nunca ninguém me viu de capa à trovador,
Às horas em que está já Menelau deitado,
A tanger o arrabil sob os balcões em flor
Dos castelos feudais de papelão doirado.
Não canto de Anfitrite as vaporosas fraldas,
(Eu não quero com isto, ó Vénus, descompor-te)
Nem costumo almoçar c'roado de grinaldas,
Nem nunca pastoreei enfim, vestido à corte,
De bordão de cristal e punhos de Alençon,
Borreguinhos de neve a tosar esmeraldas
Num lameiro qualquer de qualquer Trianon.
Eu não bebo ambrósia em taças cristalinas,
Bebo um vinho qualquer do Douro ou de Bucelas,
Nem vou interrogar as folhas das boninas,
Para saber o amor, o tal amor das Elas.
Não visto da poesia a túnica inconsútil,
Pela simples razão, sob o pretexto fútil
De ter visto passar na rua uns pés bonitos;
Nem do meu coração eu fiz um paliteiro,
Onde venha o amor cravar os seus palitos.
Sou selvagem talvez, e sou talvez grosseiro,
Mas as cousas que sinto eu digo-as francamente:
Não quebro da friura a água de Castália,
Nem a bebo panada assim como um doente.
Detesto o lamurear dum realejo de Itália,
Detesto um maçador, detesto uma maçada,
Um discurso comprido, uma bota apertada,
E uma unha raspando a cal duma parede;
Detesto o pedantismo, a hidrofobia, e crede
Que detesto também com infinita zanga
As paisagens, horror! bordadas a missanga,
Que a província fabrica, e que Lisboa admira;
Detesto duma letra o prazo, quando expira,

Detesto intimamente a carta de conselho,
Detesto o calembour, como um toiro o vermelho,
E detesto da morte os pálidos umbrais;
Detesto os folhetins que escrevo nos jornais,
Detesto Tito Lívio e detesto os venenos,
Mas detesto tudo isso ainda muito menos
Do que a sensiblerie, a doce musa antiga,
Que passou de ser musa a ser uma lombriga.
Eu não subo, é verdade, a calçada do Combro,
De bengala na mão e de madeiro ao ombro,
Como um Cristo-Romeu, como um Jesus-Manfredo;
Não me chamo Lindor, nem Artur, nem Alfredo,
E nem recito ao piano, o que parece incrível;
Mas enfim eu não sou um cofre incombustível,
Eu sou um homem também, eu também sinto e vivo,
Tenho o meu coração no lugar respectivo,
Admiro um corpo airoso e fino e delicado,
Sou como toda a gente um bacharel formado,
E posso dar por isso a minha opinião
Sobre o amor — essa eterna, essa imortal canção.

II

O amor feito petisco e brisa e filomela,
Ao próprio coração pondo uma manivela
De realejo, e passando uma existência falsa
A traduzir em polca, em hino, em guincho, em valsa
As guerras do alecrim e mais da manjerona,
Moídas como café nessa imortal sanfona;
O amor sem a paixão fremente, esplendorosa,
O amor literatice, o amor licor de rosa,
Lacoonte de biscuit, torcendo-se aos corcovos
Nas doces espirais duma lampreia d'ovos;
O amor açucarado, o amor amor-perfeito,
De tristeza na fronte e de vulcão ao peito,
A rouxinolizar um berimbau d'alquime;
O amor de barba intensa, o velho amor sublime
Dos precitos, aos quais a desventura alquebra,
Mussets de botequim que vão beber genebra
Sobre o cairel do abismo às horas do sol pôr;
O amor que se derrete, o florianesco amor,
De conceitos gentis, subtis, que eu não destrinço,
— Um amor sustentado a beijos e a painço,
Que suspira e soluça e chora e gargareja
À noite na varanda e de manhã na igreja;
O amor que passa a vida a celebrar as bodas
Co'a Ela que contém em si as elas todas;
O amor com a tristeza aérea dum arcanjo,
Mas arrastando sempre, insípido marmanjo,
Das asas de flanela a franja inocentíssima;
O amor bijutaria, o amor pomada alvíssima,
Enfim, o terno amor, o puro amor ideal,
O amor sem sentimento — o amor sentimental,—
Oh, esse amor detesto-o, e entrego-o com delícia
Às bengalas dos pais e às unhas da polícia.

III

Mas quando o amor se torna em paixão verdadeira,
Puro como uma hóstia erguida sobre o altar,
Quando um amor domina uma existência inteira
Como a Lua domina os vagalhões do mar;
Quando é o amor radiante, esplêndido, que arvora
Em nossos corações um pavilhão d'aurora
Desdobrado no azul, quando é o amor profundo,
Um amor que nos veste uma rija armadura
Para se atravessar a batalha do mundo,
Como um leão atravessa uma floresta escura;
Então adoro o amor, de joelhos, como adora
No topo da montanha um índio o Sol doirado,
Porque um amor candente é uma hóstia d'aurora,
E o peito que o encerra é um sacrário estrelado!


Poemas e Poesias quinta, 20 de abril de 2023

GUERRA DE CENTAURAS (POEMA DA PAULISTA FRANCISCA JÚLIA)

GUERRA DE CENTAURAS

Francisca Júlia

 

 

 

Patas dianteiras no ar, bocas livres dos freios,

Nuas, em grita, em ludo, entrecruzando as lanças,

Ei-las, garbosas vêm, na evolução das danças

Rudes, pompeando à luz a brancura dos seios.

 

A noite escuta, fulge o luar, gemem as franças;

Mil centauras a rir, em lutas e torneios,

Galopam livres, vão e vêm, os peitos cheios

De ar, o cabelo solto ao léu das auras mansas.

 

Empalidece o luar, a noite cai, madruga...

A dança hípica pára e logo atroa o espaço

O galope infernal das centauras em fuga:

 

É que, longe, ao clarão do luar que empalidece,

Enorme, aceso o olhar, bravo, do heróico braço

Pendente a clava argiva, Hércules aparece...


Poemas e Poesias quarta, 19 de abril de 2023

LÉPIDA E LEVE (POEMA DA CARIOCA GILKA MACHADO)

LÉPIDA E LEVE

Gilka Machado

 

Lépida e leve
em teu labor que, de expressões à míngua,
o verso não descreve...
Lépida e leve,
guardas, ó língua, em teu labor,
gostos de afago e afagos de sabor.

És tão mansa e macia,
que teu nome a ti mesma acaricia,
que teu nome por ti roça, flexuosamente,
como rítmica serpente,
e se faz menos rudo,
o vocábulo, ao teu contacto de veludo.

Dominadora do desejo humano,
estatuária da palavra,
ódio, paixão, mentira, desengano,
por ti que incêndio no Universo lavra!...
és o réptil que voa,
o divino pecado
que as asas musicais, às vezes, solta, à toa.
e que a Terra povoa e despovoa,
quando é de seu agrado.

Sol dos ouvidos, sabiá do tato,
ó língua-idéia, ó língua-sensação,
em que olvido insensato,
em que tolo recato,
te hão deixado o louvor, a exaltação!

– Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!
– Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas!
Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de
alucinação, és o elatério da alma... Ó minha louca
língua, do meu Amor penetra a boca,
passa-lhe em todo senso tua mão,
enche-o de mim, deixa-me oca...
– Tenho certeza, minha louca,
de lhe dar a morder em ti meu coração!...

Língua do meu Amor velosa e doce,
que me convences de que sou frase,
que me contornas, que me vestes quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua que me cativas, que me enleias
ou surtos de ave estranha,
em linhas longas de invisíveis teias,
de que és, há tanto, habilidosa aranha...

Língua-lâmina, língua-labareda,
língua-linfa, coleando, em deslizes de seda...
Força inferia e divina
faz com que o bem e o mal resumas,
língua-cáustica, língua-cocaína,
língua de mel, língua de plumas?...

Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,
amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som que à idéia emprestas
e pelas frases mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...


Poemas e Poesias terça, 18 de abril de 2023

CANTIGAS LEVA-AS O VENTO (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

 

CANTIGAS LEVA-AS O VENTO

Florbela Espanca

 

 

A lembrança dos teus beijos
Inda na minh’alma existe,
Como um perfume perdido,
Nas folhas dum livro triste.

Perfume tão esquisito
E de tal suavidade,
Que mesmo desapar’cido
Revive numa saudade!

 


Poemas e Poesias segunda, 17 de abril de 2023

DOIS POEMAS CHILENOS (POEMAS DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

DOIS POEMAS CHILENOS

Ferreira Gullar

 

 

 

I

Cuando llegué a Santiago

el otoño arrancaba por las alamedas

como un ladrón

Latifundios con nombres de personas, familias

con nombres de empresas

también arrancaban

con dólares y dolores

en el corazón

Cuando llegué a Santiago en mayo

en plena revolución

II

Allende, en tu ciudad

oigo cantar esta mañana a los pájaros

de la primavera que llega.

Pero tu, amigo, ya puedes escucharlos

En mi puerta los fascistas

pintaron una cruz de advertencia

Pero tú, amigo, ya no la puedes borrar

En el horizonte repican

esta mañana las metralletas

de la tiranía que llega

para matarnos

Y tu, amigo,

ya ni siquiera las puedes escuchar.


Poemas e Poesias domingo, 16 de abril de 2023

CONTEMPLO O QUE NÃO VEJO (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

CONTEMPLO O QUE NÃO VEJO

Fernando Pessoa

 

 

 

Contemplo o que não vejo.

É tarde, é quase escuro,

E quanto em mim desejo

Está parado ante o muro.

 

Por cima o céu é grande;

Sinto árvores além;

Embora o vento abrande,

Há folhas em vaivém.

 

Tudo é do outro lado,

No que há e no que penso.

Nem há ramo agitado

Que o céu não seja imenso.

 

Confunde-se o que existe

Com o que durmo e sou

Não sinto, não sou triste,

Mas triste é o que estou.


Poemas e Poesias sábado, 15 de abril de 2023

ONDAS (POEMA DO FLUMINENSE EUCLIDES DA CUNHA)

ONDAS

Euclides da Cunha

 

 

 

Correi, rolai, correi _ ondas sonoras

Que à luz primeira, dum futuro incerto,

Erguestes-vos assim _ trêmulas, canoras,

Sobre o meu peito, um pélago deserto!

Correi... rolai _ que, audaz, por entre a treva

Do desânimo atroz _ enorme e densa _

Minh'alma um raio arroja e altiva eleva

Uma senda de luz que diz-se _ Crença!

Ide pois _ não importa que ilusória

Seja a esp'rança que em vós vejo fulgir...

_ Escalai o penhasco ásp'ro da Glória...

Rolai, rolai _ às plagas do Porvir!


Poemas e Poesias sexta, 14 de abril de 2023

TROVAS HUMORÍSTICAS - 19 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA HUMORÍSTICA 19

Eno Teodoro Wanke

 

Meu caro Poeta: o Universo

Espero atenda meu rogo:

Ou pões mais fogo no verso

Ou pões os versos no fogo.

 

 

 


Poemas e Poesias quinta, 13 de abril de 2023

NOTURNO (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

NOTURNO

Da Costa e Silva

 

Estava a sonhar contigo,
Mas acordo de repente...
Ouço bater ao postigo 
Lentamente...longamente...

Penso que és tu, morta ausente, 
Que voltas ao teu abrigo.

Corro, impaciente, à janela.
Olho a noite. Ermo profundo...
O vento frio e iracundo
As árvores arrepela...

E eu pergunto às sombras: — E Ela?
Não voltará mais ao mundo?

O chão de folhas se junca
Ao vento que as solta e leva...
E ouço, em silêncio, na treva:
— Quem morre não vem mais nunca.

O CORVO de Poe se ceva,
Cravando-me a garra adunca.

— Ai! que saudade! — Maldigo
A vida, triste e descrente:  
— Se eu dormisse eternamente...
E volto a sonhar contigo.

Bate o vento no postigo...
Cai a chuva lentamente...

 

Poemas e Poesias quarta, 12 de abril de 2023

ANGELUS (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

ANGELUS

Cruz e Sousa

 

 

 

     Ah! lilazes de Ângelus harmoniosos,
     Neblinas vesperais, crepusculares,
     Guslas gementes, bandolins saudosos,
     Plangências magoadíssimas dos ares...
 
     Serenidades etereais d'incensos,
     De salmos evangélicos, sagrados,
     Saltérios, harpas dos Azuis imensos,
     Névoas de céus espiritualizados.
 
     Ângelus fluidos, de luar dormente,
     Diafaneidades e melancolias...
     Silêncio vago, bíblico, pungente
     De todas as profundas liturgias.
 
     É nas horas dos Ângelus, nas horas
     Do claro-escuro emocional aéreo,
     Que surges, Flor do Sol, entre as sonoras
     Ondulações e brumas do Mistério.
 
     Surges, talvez, do fundo de umas eras
     De doloroso e turvo labirinto,
     Quando se esgota o vinho das Quimeras
     E os venenos românticos do absinto.
 
     Apareces por sonhos neblinantes
     Com requintes de graça e nervosismos,
     Fulgores flavos de festins flamantes,
     Como a Estrela Polar dos Simbolismos.
 
     Num enlevo supremo eu sinto, absorto,
     Os teus maravilhosos e esquisitos
     Tons siderais de um astro rubro e morto,
     Apagado nos brilhos infinitos.
 
     O teu perfil todo o meu ser esmalta
     Numa auréola imortal de formosuras
     E parece que rútilo ressalta
     De góticos missais de iluminuras.
 
     Ressalta com a dolência das Imagens,
     Sem a forma vital, a forma viva,
     Com os segredos da Lua nas paisagens
     E a mesma palidez meditativa.
 
     Nos êxtases dos místicos os braços
     Abro, tentado de carnal beleza...
     E cuido ver, na bruma dos espaços,
     De mãos postas, a orar, Santa Teresa!...


Poemas e Poesias terça, 11 de abril de 2023

SONETO III (POEMA DO CARIOCA CLÁUDIO MANOEL DA DOSTA)

SONETO III

Cláudio Manoel da Costa

 

 

 

Pastores, que levais ao monte o gado,
Vêde lá como andais por essa serra;
Que para dar contágio a toda a terra,
Basta ver se o meu rosto magoado:

Eu ando (vós me vêdes) tão pesado;
E a pastora infiel, que me faz guerra,
É a mesma, que em seu semblante encerra
A causa de um martírio tão cansado.

Se a quereis conhecer, vinde comigo,
Vereis a formosura, que eu adoro;
Mas não; tanto não sou vosso inimigo:

Deixai, não a vejais; eu vo-lo imploro;
Que se seguir quiserdes, o que eu sigo,
Chorareis, ó pastores, o que eu choro.


Poemas e Poesias segunda, 10 de abril de 2023

LÚBRICA (POEMA DO PORTUGUÊS CESÁRIO VERDE)

 

LÚBRICA

Cesário Verde

 

 

 

Mandaste-me dizer,
No teu bilhete ardente,
Que hás de por mim morrer,
Morrer muito contente.

Lançastes, no papel
As mais lascivas frases;
A carta era um painel
De cenas de rapazes!

Ó cálida mulher,
Teus dedos delicados
Traçaram do prazer
Os quadros depravados!

Contudo, um teu olhar
É muito mais fogoso,
Que a febre epistolar
Do teu bilhete ansioso:

Do teu rostinho oval
Os olhos tão nefandos
Traduzem menos mal
Os vícios execrandos.

Teus olhos sensuais,
Libidinosa Marta,
Teus olhos dizem mais
Que a tua própria carta.

As grandes comoções
Tu neles, sempre, espelhas;
São lúbricas paixões
As vívidas centelhas...

Teus olhos imorais,
Mulher, que me dissecas,
Teus olhos dizem mais
Que muitas bibliotecas!


Poemas e Poesias domingo, 09 de abril de 2023

OU ISTO OU AQUILO (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

OU ISTO OU AQUILO

Cecília Meireles

 

 

 

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.


Poemas e Poesias sexta, 07 de abril de 2023

AS TRÊS IRMÃS DO POETA (POEMA DO BAIANO GONÇALVES DIAS)

AS TRÊS IRMÃS DO POETA

Castro Alves

 

 

 

É Noite! as sombras correm nebulosas.
Vão três pálidas virgens silenciosas
Através da procela irrequieta.
Vão três pálidas virgens... vão sombrias
Rindo colar num beijo as bocas frias...

Na fronte cismadora do Poeta:
"Saúde, irmão! Eu sou a Indiferença.
Sou eu quem te sepulta a idéia imensa,
Quem no teu nome a escuridão projeta...
Fui eu que te vesti do meu sudário...
Que vais fazer tão triste e solitário?..."

- "Eu lutarei!" - responde-lhe o Poeta.
"Saúde, meu irmão! Eu sou a Fome.
Sou eu quem o teu negro pão consome...
O teu mísero pão, mísero atleta!
Hoje, amanhã, depois... depois (qu'importa?)
Virei sempre sentar-me à tua porta..."

-"Eu sofrerei"-responde-lhe o Poeta.
"Saúde, meu irmão! Eu sou a Morte.
Suspende em meio o hino augusto e forte.
Marquei-te a fronte, mísero profeta!
Volve ao nada! Não sentes neste enleio
Teu cântico gelar-se no meu seio?!"
-"Eu cantarei no céu" - diz-lhe o Poeta!


Poemas e Poesias quinta, 06 de abril de 2023

ILUSÃO (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

ILUSÃO

Casimiro de Abreu

 

 

 

Quando o astro do dia desmaia
Só brilhando com pálido lume,
E que a onda que brinca na praia
No murmúrio soletra um queixume;

Quando a brisa da tarde respira
O perfume das rosas do prado,
E que a fonte do vale suspira
Como o nauta da pátria afastado;

Quando o bronze da torre da aldeia
Seus gemidos aos ecos envia,
E que o peito que em mágoas anseia
Bebe louco essa grave harmonia;

Quando a terra, da vida cansada,
Adormece num leito de flores
Qual donzela formosa embalada
Pelos cantos dos seus trovadores;

Eu de pé sobre as rochas erguidas
Sinto o pranto que manso desliza
E repito essas queixas sentidas
Que murmuram as ondas co'a brisa.

É então que a minha alma dormente
Duma vaga tristeza se inunda,
E que um rosto formoso, inocente,
Me desperta saudade profunda.

Julgo ver sobre o mar sossegado
Um navio nas sombras fugindo,
E na popa esse rosto adorado
Entre prantos p'ra mim se sorrindo!

Compreendo esse amargo sorriso,
Sobre as ondas correr eu quisera...
E de pé sobre a rocha, indeciso,
Eu lhe brado: - não fujas, - espera!

Mas o vento já leva ligeiro
Esse sonho querido dum dia,
Essa virgem de rosto fagueiro,
Esse rosto de tanta poesia!...

E depois... quando a lua ilumina
O horizonte com luz prateada,
Julgo ver essa fronte divina
Sobre as vagas cismando, inclinada!

E depois... vejo uns olhos ardentes
Em delírio nos meus se fitando,
E uma voz em acentos plangentes
Vem de longe um - adeus - soluçando!

........................

 


Ilusão!... que a minha alma, coitada,
De ilusões hoje em dia é que vive;
É chorando uma gloria passada,
É carpindo uns amores que eu tive!


Poemas e Poesias quarta, 05 de abril de 2023

SEGUNDO POEMA VAZIO (POEMA DO PERNAMBUCANO CARLOS PENA FILHO)

SEGUNDO POEMA VAZIO

Carlos Pena Filho

 

 

 

Este vento que chegou
talvez da costa irlandesa
e entrando pela janela
debruçou-se em minha mesa,
e fez agora esse gesto
da entre alegria e surpresa,
é o mesmo que há muitos anos
lavou teu rosto, Teresa,
e te deixou sob a pele
essa invisível tristeza
de quem descobre o que existe
de mágoa, atrás da beleza
e por isso se aremessa,
água solta da represa,
e embora deixando os olhos
nos objetos da mesa
perde o pensamento e a sombra
na fria costa irlandesa.


Poemas e Poesias terça, 04 de abril de 2023

CAMPO DE FLORES (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

CAMPO DE FLORES

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

Deus me deu um amor no tempo de madureza
Quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro
E a um e outro agradeço, pois que tenho um amor

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
E outros acrescento aos que amor já criou
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
E talhado em penumbra sou e não sou, mas sou

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
E cansado de mim julgava que era o mundo
Um vácuo atormentado, um sistema de erros
Amanhecem de novo as antigas manhãs
Que não vivi jamais, pois jamais me sorriram

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
Imensa e contraída como letra no muro
E só hoje presente
Deus me deu um amor porque o mereci
De tantos que já tive ou tiveram em mim
O sumo se espremeu para fazer vinho
Ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo

E o tempo que levou uma rosa indecisa
A tirar sua cor dessas chamas extintas
Era o tempo mais justo. Era tempo de terra
Onde não há jardim, as flores nascem de um
Secreto investimento em formas improváveis

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
Para arrecadar as alfaias de muitos
Amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes
E ao vê-los amorosos e transidos em torno
O sagrado terror converto em jubilação

Seu grão de angústia amor já me oferece
Na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
Os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
E o mistério que além faz os seres preciosos
À visão extasiada

Mas, porque me tocou um amor crepuscular
Há que amar diferente. De uma grave paciência
Ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
Tenha dilacerado a melhor doação
Há que amar e calar
Para fora do tempo arrasto meus despojos
E estou vivo na luz que baixa e me confunde


Poemas e Poesias segunda, 03 de abril de 2023

SONETO 122 - DIZEI, SENHORA, DA BELEZA IDEIA (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)

DIZEI-ME, SENHORA, DA BELEZA IDEIA

Soneto 122

Luís de Camões

(Grafia original)

 

 

Dizei, Senhora, da Beleza ideia:
Para fazerdes esse áureo crino,
Onde fostes buscar esse ouro fino?
De que escondida mina ou de que veia?

Dos vossos olhos essa luz febeia,
Esse respeito, de um império dino?
Se o alcançastes com saber divino,
Se com encantamentos de Medeia?

De que escondidas conchas escolhestes
As perlas preciosas orientais
Que, falando, mostrais no doce riso?

Pois vos formastes tal como quisestes,
Vigiai-vos de vós, não vos vejais;
Fugi das fontes: lembre-vos Narciso.

 


Poemas e Poesias domingo, 02 de abril de 2023

SONETO DA SUPOSTA SANTA (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE)

SONETO DA SUPOSTA SANTA

Bocage

 

 

 

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;

Conheço agora já quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura.

Eu me arrependo; a língua quasi fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... a santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!.


Poemas e Poesias sábado, 01 de abril de 2023

CEM TROVAS - 009 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)

 

CEM TROVAS - 009 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)

TROVA 009

Belmiro Braga

 

Só mesmo Nossa Senhora
pode dar paz e conforto
à desgraçada que chora
a ausência de um filho morto.
 

 


Poemas e Poesias sexta, 31 de março de 2023

VANDALISMO (POEMA DO PARAIBANO AUGUSTO DOS ANJOS)

VANDALISMO

Augusto dos Anjos

 

 

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas,
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais,
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a Imagem dos meus próprios sonhos!


Poemas e Poesias quinta, 30 de março de 2023

LÉLIA (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

LÉLIA

Álvares de Azevedo

 


Passou talvez ao alvejar da lua,
Como incerta visão na praia fria...
Mas o vento do mar não escutou-lhe
Uma voz a seu Deus!...ela não cria!

Uma noite, aos murmúrios do piano
Pálida misturou um canto aéreo...
Parecia de amor tremer-lhe a vida
Revelando nos lábios um mistério!

Porém, quando expirou a voz nos lábios,
Ergueu sem pranto a fronte descorada,
Pousou a fria mão no seio imóvel,
Sentou-se no divã... sempre gelada!

Passou talvez do cemitério à sombra
Mas nunca numa cruz deixou seu ramo,
Ninguém se lembra de lhe ter ouvido
Numa febre de amor dizer: "eu amo!"

Não chora por ninguém... e quando, à noite,
Lhe beija o sono as pálpebras sombrias
Não procura seu anjo à cabeceira
E não tem orações, mas ironias!

Nunca na terra uma alma de poeta,
Chorosa, palpitante e gemebunda
Achou nessa mulher um hino d’alma
E uma flor para a fronte moribunda.

Lira sem cordas não vibrou d’enlevo,
As notas puras da paixão ignora,
Não teve nunca n’alma adormecida
O fogo que inebria e que devora!

Descrê. Derrama fel em cada riso,
Alma estéril não sonha uma utopia...
Anjo maldito salpicou veneno
Nos lábios que tressuam de ironia.

É formosa contudo. Há dessa imagem
No silêncio da estátua alabastrina
Como um anjo perdido que ressumbra
Nos olhos negros da mulher divina.

Há nesse ardente olhar que gela e vibra,
Na voz que faz tremer e que apaixona
O gênio de Satã que transverbera,
E o langor pensativo da Madona!

É formosa, meu Deus! Desde que a vi
Na minh’alma suspira a sombra dela...
E sinto que podia nesta vida
Num seu lânguido olhar morrer por ela.


Poemas e Poesias quarta, 29 de março de 2023

GOZO E DOR (POEMA DO PORTUGUÊS ALMEIDA GARRETT)

GOZO E DOR

Almeida Garrett

 

 

 

Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
- Não. Ai!, não; falta-me a vida,
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.

Dói-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou,
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.

É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida - ou a razão.


Poemas e Poesias terça, 28 de março de 2023

IDEALIZANDO A MORTE (POEMA DO GAÚCHO ALECEU WAMOSY)

IDEALIZANDO A MORTE

Alceu Wamosy

 

 

 

Morrer por uma tarde assim como esta tarde,
fim de dia outonal, tristonho e doloroso,
quando o lago adormece e o vento está em repouso,
e a lâmpada do sol no altar do céu não arde.

Morrer ouvindo a voz de minha mãe e a tua
rezando a mesma prece, ao pé do mesmo santo,
vós ambas tendo o olhar estrelado de pranto,
e no rosto e nas mãos palidezes de lua.

Morrer com a placidez de uma flor que se corte,
com a mansidão de um sol que desce no horizonte,
sentindo a unção do vosso beijo ungir-me a fronte
— beijo de noiva e mãe, irmanados na morte.

E morrer... e levar com a vida que se trunca,
tudo que de doçura e amargor teve a vida:
o sonho enfermo, a glória obscura, a fé perdida,
e o segredo de amor, que não te disse, nunca!

 


Poemas e Poesias segunda, 27 de março de 2023

FETICHISMO (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)

FETICHISMO

Alberto de Oiveira

 

 

 

 

Homem, da vida as sombras inclementes

Interrogas em vão: — Que céus habita

Deus? Onde essa região de luz bendita,

Paraíso dos justos e dos crentes?...

 

Em vão tateiam tuas mãos trementes

As entranhas da noite erma, infinita,

Onde a dúvida atroz blasfema e grita,

E onde há só queixas e ranger de dentes...

 

A essa abóbada escura, em vão elevas

Os braços para o Deus sonhado, e lutas

Por abarcá-lo; é tudo em torno trevas...

 

Somente o vácuo estreitas em teus braços;

E apenas, pávido, um ruído escutas

Que é o ruído dos teus próprios passos!...


Poemas e Poesias domingo, 26 de março de 2023

ERRANDO NO MUSEU PICASSO (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

ERRANDO NO MUSEU PICASSO

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

Picasso
erra
quando pinta
e erra
quando ama.

Mas quando erra
erra
violenta e
generosamente,
erra
com exuberante
arrogância,
erra
como o touro erra
seu papel de vítima,
sangrando
quem, por muito amar, fere
e sai ovacionado
com banderilhas na carne.

Pintor do excesso
e exuberância,
Picasso
é extravagância.
Ele erra,
mas nele,
o erro
mais que erro
- é errância.


Poemas e Poesias sábado, 25 de março de 2023

O VESTIDO (POEMA DA MINEIRA ADÉLIA PRADO)

 

O VESTIDO

Adélia Prado

 

 

No armário do meu quarto escondo de tempo e traça
meu vestido estampado em fundo preto.
É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas
à ponta de longas hastes delicadas.
Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,
meu vestido de amante.
Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.
É só tocá-lo, e volatiliza-se a memória guardada:
eu estou no cinema e deixo que segurem minha mão.
De tempo e traça meu vestido me guarda.

 

 

 

 


Poemas e Poesias sexta, 24 de março de 2023

POEMA NATURAL (POEMA DA CARIOCA ADALGISA NERY)

POEMA NATURAL

Adalgisa Nery

 

 

(pintura de Maxfield Parrish)

 

Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.


Poemas e Poesias quinta, 23 de março de 2023

QUANDO TE VI (POEMA DA PORTUGUESA VIRGÍNIA VICTORINO)

QUANDO TE VI

Virgínia Victorino

 

 

 

A manhã era clara, refulgente.

Uma manhã dourada. Tu passaste.

Abriu mais uma flor em cada haste.

Teve mais brilho o sol, fez-se mais quente.

 

E eu inundei-me dessa luz ardente.

Depois não sei mais nada. Olhei... Olhaste...

E nunca mais te vi. . . - Raro contraste! –

A madrugada transformou-se em poente.

 

Luz que nasceu e apenas cintilou!

Deixou-me triste assim que se apagou,

às vezes fecho os olhos; vejo-a ainda...

 

E há tanto sol dourando esses trigais!

Olhaste, olhei, fugiste... Ai, nunca mais,

nunca mais tive outra manhã tão linda!


Poemas e Poesias quarta, 22 de março de 2023

A MIRAGEM (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A MIRAGEM

Vinícius de Moraes

 

 

 

Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem vida 
Nem que a tua presença se diluiu na névoa que veio. 
Busquei inutilmente acorrentar-te a um passado de dores 
Inutilmente. 
Vieste - tua sombra sem carne me acompanha 
Como o tédio da última volúpia. 
Vieste - e contigo um vago desejo de uma volta inútil 
E contigo uma vaga saudade… 
És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo 
Como uma aflição para todas as minhas alegrias. 
Tu és a agonia de todas as posses 
És o frio de toda a nudez 
E vã será toda a tentativa de me libertar da tua lembrança. 

Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida 
E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada pela areia 
Eu sinto que me terás como me tinhas no passado - 
Sinto que me virás oferecer a água mentirosa 
Da miragem. 
Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril 
Num desejo de aniquilamento. 
Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem 
Que estará suspensa e me prometerá água 
Embora sabendo que tu és a que foge 
Eu me arrastarei para os teus braços.

 

 


Poemas e Poesias terça, 21 de março de 2023

PRIMEIRA SOMBRA (POEMA DO PAULISTA VICENTE DE CARVALHO)

PRIMEIRA SOMBRA

Vicente de Carvalho

 

 

— Mal me quer... bem me quer...
                        — Será preciso
Que uma flor assegure o que digo e tu vês ?
 O meu olhar, poisando em teu sorriso,
Mostra-te que és amada e adivinha que o crés.

— Mal me quer... bem me quer...
                        — E, commovida,
Tremes, como esperando uma sentença atroz...
 Suppões que espalhe a noite em nossa vida
A sombra de uma flor perpassando entre nós?

 

 — Mal me quer... Mal me quer... Desde, hontem quando
Faltaste, adivinhei tudo que a flor me diz.
Tenho-te junto a mim e fito-te chorando;
 Beijas-me ainda, e já não sou feliz.,

 Sinto que és meu, aperto-te em meus braços,
E, no pavor de um sonho angustiado e sem fim,
Ouço como um rumor fugitivo de passos
 Que te afastam de mim.

 Dize que estou sonhando, que estou louca!
Jura que sou feliz, que os teus dias são meus,
E que o beijo que ainda orvalha minha bocca
 Não é tua alma que me diz adeus.

 A amorosa doçura do teu verso
Echoou em minha alma; em teu verso aprendi
A soletrar o amor, o Amor — esse universo
 Radioso, immenso, e resumido em ti.

 A tua voz chamou-me ; eu escutei-a
E segui-a, ditosa, a sorrir e a sonhar...
Fala-me ainda de amor ! Não te cales, sereia
 Que me attrahiste para o azul do mar!

 

Minha alma, envolta em trapos de mendiga,
Vai seguindo, no chão, do teu passo o rumor.
Não me deixes! Serei a sombra que te siga,
Sem indagar onde me leva o amor.

Não me abandones! Ama-me! A risonha
Aurora inunda o céu todo afogado em luz...
Sou formosa, sou moça, amo-te... Ama-me! Sonha,
Poisada a fronte nos meus seios nús!

Que alegre madrugada cor de rosa,
Ser amada por ti, claro sol que tu és!
Eu dei-te a minha vida. E’ tua. Esbanja-a, gosa
Toda esta primavera estendida a teus pés.

Bem amado que, como um passaro num ramo,
Vieste acaso poisar o vôo no meu seio,
Não me deixes! Eu quero ouvir ainda o gorgeio
Em que teu beijo é que dizia: «Eu te amo!»


Poemas e Poesias segunda, 20 de março de 2023

O POETA É A MÃE DAS ARMAS (POEMA DO PIAUIENSE TORQUATO NETO)

O POETA É A MÃE DAS ARMAS

Torquato Neto

 

 

 

O Poeta é a mãe das armas
& das Artes em geral - 
alô, poetas: poesia
no país do carnaval;

Alô, malucos: poesia
não tem nada a ver com os versos
dessa estação muito fria.

O Poeta é a mãe das Artes
& das armas em geral:
quem não inventa as maneiras
do corte no carnaval
(alô, malucos), é traidor
da poesia: não vale nada, lodal.

A poesia é o pai da ar
timanha de sempre: quent
ura no forno quente
do lado de cá, no lar
das coisas malditíssimas;
alô poetas: poesia!
O poeta não se cuida ao ponto
de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo
já sabe: não está cortando nada
além da MINHA bandeira ////////// =
sem aura nem baúra, sem nada mais pra contar.
Isso: ar.ar.ar.ar.ar.ar.ar.ar.ar.ar.ar.ar.a
r: em primeiríssimo, o lugar

poetemos pois


Poemas e Poesias domingo, 19 de março de 2023

CANÇÃO DO AMOR ARMADO (POEMA DO AMAZONNNSE THIAGO DE MELLO)

CANÇÃO DO AMOR ARMADO

Thiago de Mello

 

Vinha a manhã no vento do verão,
e de repente aconteceu.
Melhor
é não contar quem foi nem como foi,
porque outra história vem, que vai ficar.
Foi hoje e foi aqui, no chão da pátria,
onde o voto, secreto como o beijo
no começo do amor, e universal
como o pássaro voando — sempre o voto
era um direito e era um dever sagrado.

De repente deixou de ser sagrado,
de repente deixou de ser direito,
de repente deixou de ser, o voto.
Deixou de ser completamente tudo.
Deixou de ser encontro e ser caminho,
deixou de ser dever e de ser cívico,
deixou de ser apaixonado e belo
e deixou de ser arma — de ser a arma,
porque o voto deixou de ser do povo.

Deixou de ser do povo e não sucede,
e não sucedeu nada, porém nada?

De repente não sucede.
Ninguém sabe nunca o tempo
que o povo tem de cantar.
Mas canta mesmo é no fim.
Só porque não tem mais voto,
o povo não é por isso
que vai deixar de cantar,
nem vai deixar de ser povo.

Pode ter perdido o voto,
que era sua arma e poder.
Mas não perdeu seu dever
nem seu direito de povo,
que é o de ter sempre sua arma,
sempre ao alcance da mão.

De canto e de paz é o povo,
quando tem arma que guarda
a alegria do seu pão.
Se não é mais a do voto,
que foi tirada à traição,
outra há de ser, e qual seja
não custa o povo a saber,
ninguém nunca sabe o tempo
que o povo tem de chegar.

O povo sabe, eu não sei.
Sei somente que é um dever,
somente sei que é um direito.
Agora sim que é sagrado:
cada qual tenha sua arma
para quando a vez chegar
de defender, mais que a vida,
a canção dentro da vida,
para defender a chama
de liberdade acendida
no fundo do coração.

Cada qual que tenha a sua,
qualquer arma, nem que seja
algo assim leve e inocente
como este poema em que canta
voz de povo — um simples canto
de amor.
Mas de amor armado.

Que é o mesmo amor. Só que agora
que não tem voto, amor canta
no tom que seja preciso
sempre que for na defesa
do seu direito de amar.

O povo, não é por isso
que vai deixar de cantar.


Poemas e Poesias sábado, 18 de março de 2023

ELOGIO DO ALEXANDRINO (POEMA DO MARANHENSE SOUSÂNDRADE)

ELOGIO DO ALEXANDRINO

Sousândrade

 

Asclepiádeo verso: à evolução do poema
Das sestas, cadenciar daltas antigüidades,
já porque bipartido em fúlgidas metades
Reata em conjunção opostos de um dilema,
E já por ser de gala a forma do matiz
Heleno na escultura e lácio na linguagem
Reacesda, de Alexandre, em fogos de Paris:
Paris o tom da moda, o bom gosto, a roupagem;
Que desperta aos tocsins, galo às estrelas dalva,
Que faz revoluções de Filadélfia às salvas
E o verso-luz, fardeur das formas, de grandeza,
o verso-formosura, adornos, lauta mesa
Ond tokay, champanh, flor, copos cristal-diamantes
Sobrelevam roast-beef e os queijos e o pudding.
Porém, mens divinior, poesia é o férreo guante:
Ao das delícias tempo, o fácil verso ovante,
o verso cor de rosa, o de oiro, o de carmim,
Dos raios que o astro veste em dia azul-celeste;
E para os que têm fome e sede de justiça,
O verso condor, chama, alárum, de carniça,
Dharpas dÉsquilus, de Hugo, a dor, a tempestade:
Que, embora contra um deus "Figaro" impiedade
Vesgo olhinho a piscar diga tambour-major,
Restruge alto acordando os cândidos espíritos
Às glórias do oceano e percutindo os gritos
Réus. Ao belo trovoar do magno Trovador
Ouve-se afinação no mundo brasileiro,
Acorde tão formoso, hodierno, hospitaleiro,
Flamívomo social, encantador. Fulgura
Luz de dia primeiro, a nota formosura,
Que ao jeová-grande-abrir faz novo Éden luzir.

 


Poemas e Poesias sexta, 17 de março de 2023

PROFUNDIDADE (POEMA DO BAIANO RICARDO LIMA)

PROFUNDIDADE

Ricardo Lima

 

 

 

De dentro, emerge!

 

Profundas, densas, calmas, alma.

 

Profundidade, raza... acalma.

 

Ama, alma... profundidade.


Poemas e Poesias quinta, 16 de março de 2023

INGRATIDÃO (POEMA DO FLUMINENSE RAUL DE LEÔNI)

INGRATIDÃO

Raul de Leôni

 

 

 

 

Nunca mais me esqueci!… Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança…
Cresceu… cresceu… e aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança…

Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,

Como aquela magnífica amendoeira,
E florescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio…


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