Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Xico com X, Bizerra com I segunda, 24 de dezembro de 2018

SOU TUDO, ATÉ AVÔ

 

SOU TUDO, ATÉ AVÔ

Sou o pai que engaveta o grito, desemburra a cara emburrada e esconde o castigo num lugar tão bem escondido que nem mesmo eu sei onde. Sou a mãe que usa e abusa da prerrogativa da tolerância e, sempre sorridente, mantém a caneta à mão para a prevenção de um Habeas Corpus justo e pertinente, para a sentença de alforria e o alvará de soltura. Sou a tia que conta histórias e que, apesar do lobo mau, das bruxas e das tantas madrastas descobre sempre um jeito de inventar príncipes encantados e caçadores bem intencionados por todos os lados para fazer brotar alegrias em seu sorriso. Sou o tio que, ainda que detestando praia e sol quente, leva-o até o mar e com ele se solidariza no lambuzar de areia sob o sol que houver. Sou o coleguinha de escola, repartidor das manhãs num parquinho infantil, subindo escadas, descendo escorregos, num balanço a balançar alto, correndo e caindo, caindo e correndo de novo. Sou um lutador na guerra de travesseiros e de espadas imaginárias, desafiando a criatividade e a inocência infantil, ele, super-herói invencível. Sou um compositor que se inspira e escreve canções que falem dele, sempre de bem. Até em Poeta me transformo para escrever bestagens e bobagices sobre ele. Afinal, sou avô de Bernardo.

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Xico com X, Bizerra com I terça, 18 de dezembro de 2018

SILÊNCIOS ABSTRATOS

 

 
SILÊNCIOS ABSTRATOS

No meu espaço desmedido, por desmesurado que é em relação à pequenez que me acompanha, deixo-me envolver na dureza que o concreto propicia, deparando-me, quando em vez, com todos os silêncios abstratos que povoam minha alma. Nessas terras de rara existência e pouquíssimos sonhos percebo que a poesia areja e arejará a alma das pessoas, que o verso limpa o coração dos homens ensejando-lhes sentimentos bons. A pedra do silêncio continuará sendo pedra, imóvel enquanto alguém não a chute, muda, mas que pode ser bem lavada, limpa, embora continue silenciosa, mas abstraída do ruim. Se assim for, de tão bonita, ninguém ousará atirá-la contra alguém. De tão silenciosa e serena calará nos homens os sentimentos maus. E pedras deixarão de ser atiradas. Chegará o dia?

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Xico com X, Bizerra com I terça, 11 de dezembro de 2018

A MENINA DO SINAL

 

A MENINA DO SINAL

As televisões anunciam o jornal das oito. A avenida, já um pouco menos lotada de automóveis, de pedintes e de lavadores de para-brisas. A menina que distribuía sorriso no sinal da esquina, neste final de dia, volta para a favela sobrando-lhe tristeza e chicletes não vendidos. A dor se reflete em sua retina. Na bolsa quase vazia, esperança em porção pouca. Alegria e miséria não se unem, exatamente porque interesses opostos se digladiam, água e óleo desunidos que são: o rico é rico, o pobre é pobre. E a força do pobre é menor que a prepotência do rico. Luta inglória, rochedo e marisco. A chuva que vem prenunciada pelo assobio do vento confirma a negritude dos tempos que estão por vir. Se acinzenta o horizonte. Tudo como dantes. Nada mudou. O sinal ficou verde e todos partiram. Buzinas e faróis, algaravia total. Nem a menina do sinal ficou. Ela também partiu, magra e frágil quanto sempre foi, desde quando, recém-nascida, se abraçava ao peito da mãe, tão frágil e magra quanto ela, pedindo esmola naquele mesmo sinal, incitando misericórdia nos motoristas que as via e lhes dava uma moeda para depois seguirem se enganando com o equivocado sentimento da consciência tranquila e do dever social cumprido. Amanhã cedo, após a chuva, aquela menina voltará àquela esquina, com seus chicletes, um sorriso banguela de desesperança plena e um olhar cor de tristeza profunda. Nada mudou. Tudo como dantes no sinal de Abrantes.

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Xico com X, Bizerra com I terça, 04 de dezembro de 2018

MEU ROMANCE - QUEM VIVER, VERÁ

 

 
MEU ROMANCE – QUEM VIVER, VERÁ

No campo das escritas, gosto do pouco: escrever pouco. Por isso escrevo crônicas, pequenas. De vez em quando, faço versos, também pequenos que, de quando em vez, se transformam em canções. Assim, restrinjo a possibilidade do erro. Gosto, também, de fazer histórias infantis que, por assim serem, dispensam maior extensão, são sempre curtas. Em se tratando de textos mais longos, prefiro lê-los. Calma e preguiçosamente. Mas, ainda assim, estou começando a escrever um romance, um pequeno romance, não mais que 160 páginas, para não fugir à regra, contando a história de Bastião do Jesus Bom, um deficiente mental, um louco, apaixonado por Tieta, uma quase irmã de caridade (era assim que chamávamos as freiras na minha cidadezinha do interior). Por conta dessa remotíssima possibilidade de a impossibilidade tornar-se possível, Bastião vai-se tornando, inversamente à lógica, cada vez mais lúcido, menos louco, ao contrário de sua Tieta, que se aliena aos poucos até tornar-se tão louca quanto louco era seu pretendente. O livro está escrito até o Capítulo 5, os personagens com seus perfis delineados e até o seu desfecho também está escrito. Falta, apenas, coragem, para retomar o lápis e dar andamento ao projeto. A expectativa é que eu conclua o trabalho em meados de 2040, dentro, portanto, de vinte e dois anos. Tivesse eu a disposição, o talento e a genialidade de Dr. José Paulo, que gastou apenas 10 anos para pensar, escrever e concluir sua obra prima sobre Fernando Pessoa, eu não levaria tanto tempo para conclusão de meu romance. Mas se a preguiça deixar e a saúde permitir, o acesso às bestagens e bobagices de meu romance se dará neste ano 40 que está por vir, daqui a 5 copas do mundo.


Xico com X, Bizerra com I terça, 27 de novembro de 2018

A CASA DAS DUAS JANELAS

 

A CASA DAS DUAS JANELAS

 

A casa tinha apenas uma porta, sempre fechada, ladeada por duas pequenas janelas, sempre abertas. Os passarinhos não precisavam de porta aberta para adentrar àquela casa: faziam-no por uma das janelas, à livre escolha de suas asas. Dentro da casa, o velho solitário lia livros antigos balançando-se em sua cadeira enquanto o sono não lhe vencia. E o sono sempre vencia, forte e inabalável, aquele contendor já fraco e sem forças. Pelo chão, grãos de milho que o velho espalhava logo cedo para atrair as aves. Ele gostava do convívio com os pássaros. Seus cantos se espalhavam pelos cantos da casa e fazia do velho um velho quase feliz. E nada lhe exigiam. Um dia acabou o milho. A seca não permitira a colheita do grão. Nada mais havia a oferecer aos pássaros, além de um sorriso amarrotado pelo tempo e um jeito sereno de ver a vida. Mas, para sua surpresa, os bichos não o abandonaram e continuaram a fazer a mesma festa diária, ainda que sem o milho que outrora lhes era oferecido. O velho sorria a cada ‘serenata’. Lembrava-se, quando em vez, dos tempos áureos antes da rasteira que a vida lhe preparara, levando seus bens, inclusive uma casa com várias portas e janelas. Sobrou-lhe aquela, apenas. A porta, agora sem utilidade, vivia sempre fechada porque os amigos o abandonaram tão logo tomaram conhecimento de sua derrocada, do início de sua estrada rumo à pobreza. Ninguém por ela entrava ou entraria. Hoje, final do dia, o velho, cansado e desiludido, fecha as janelas (a porta, nem precisa pois fechada já está), coloca o livro que lê sobre a mesa, enxuga uma lágrima teimosa e insistente e deita. Ainda assim e apesar de tudo, sonha. Imagina o dia em que a amizade seja verdadeira e em que os homens não precisem de milho para enfeitar a vida dos amigos com seus cantos. Sonha com o dia em que os amigos sejam como os pássaros, que valorizam muito mais a amizade que um grão de milho. Com o dia em que uma porta aberta tenha serventia.


Xico com X, Bizerra com I sábado, 24 de novembro de 2018

TENENTE AGUIAR

 

 
TENENTE AGUIAR

Os anos 60 vestiam fraldas. Corria célere o de 62, ou o de 63, não tenho certeza. Na casa do Tenente Aguiar, bairro de Nazaré, em Fortaleza, morava o único televisor da região. Luxo de poucos. O militar, caladão, abusado, cochilava e peidava em sua poltrona, sonhando um dia ser Capitão. Sua esposa, Dona Madalena, ao contrário dele, era afável, talvez para compensar a cara-durice de sua cara-metade. Aquela casa ficava na rua paralela à nossa Francisco Parrião (nunca descobri quem era ou o que fez esse cidadão para merecer nome de rua), e, para lá íamos ficar parados em frente à única janela aberta para a rua, eu e muitas outras crianças, olhos arregalados, esperando entrar no ar o Vídeo Alegre, TV Ceará, início de carreira de Renato Aragão. Tempos em que não havia o Faustão. Como demorava bater 8 horas da noite! Às risadas se juntava a frustração da falta de um assento, um tamborete que fosse, para a gente se sentar. As trapalhadas, nas quartas-feiras, eram a diversão maior de todos nós. Sobravam gargalhadas e pernas doídas depois de uma hora em pé na janela da casa do Tenente. Tempos depois, lembro bem, meu pai conseguiu comprar uma TV, SEMP, acho que de 20 polegadas, com uma antena em forma de ‘V’ sobre ela. Na época inventaram um plástico colorido, vermelho-amarelo-verde que se colava à frente da tela preto e branca e aí tínhamos a TV colorida. Literalmente colorida. Ficamos todos felizes. Pedi a meu pai, e ele atendeu, que colocasse na sala um banco grande que coubesse os 7 ou 8 meninos que comigo assistiam Renato Aragão se transformar em Didi Mocó, em sua fase pré-Trapalhão. Além de sentados, víamos o programa ‘a cores’ e sem precisar ouvir o ronco do quase velho Tenente Aguiar. Aquela era a única TV ‘a cores’ da Região. Até dona Madalena rendeu-se aos apelos ‘tecnológicos’ da época e um dia foi assistir a novela colorida, sentada no banco da meninada que, àquela hora, jogava bola de meia na rua Francisco Parrião. Inocente e alegremente, sem notícia de trapalhadas como as que hoje frequentam as não-esquinas de um Planalto brasileiro. Só muito tempo depois soube que o Tenente Aguiar fora para a reserva sem realizar seu sonho de ser Capitão.


Xico com X, Bizerra com I terça, 20 de novembro de 2018

TENENTE AGUIAR

 

 
TENENTE AGUIAR

Os anos 60 vestiam fraldas. Corria célere o de 62, ou o de 63, não tenho certeza. Na casa do Tenente Aguiar, bairro de Nazaré, em Fortaleza, morava o único televisor da região. Luxo de poucos. O militar, caladão, abusado, cochilava e peidava em sua poltrona, sonhando um dia ser Capitão. Sua esposa, Dona Madalena, ao contrário dele, era afável, talvez para compensar a cara-durice de sua cara-metade. Aquela casa ficava na rua paralela à nossa Francisco Parrião (nunca descobri quem era ou o que fez esse cidadão para merecer nome de rua), e, para lá íamos ficar parados em frente à única janela aberta para a rua, eu e muitas outras crianças, olhos arregalados, esperando entrar no ar o Vídeo Alegre, TV Ceará, início de carreira de Renato Aragão. Tempos em que não havia o Faustão. Como demorava bater 8 horas da noite! Às risadas se juntava a frustração da falta de um assento, um tamborete que fosse, para a gente se sentar. As trapalhadas, nas quartas-feiras, eram a diversão maior de todos nós. Sobravam gargalhadas e pernas doídas depois de uma hora em pé na janela da casa do Tenente. Tempos depois, lembro bem, meu pai conseguiu comprar uma TV, SEMP, acho que de 20 polegadas, com uma antena em forma de ‘V’ sobre ela. Na época inventaram um plástico colorido, vermelho-amarelo-verde que se colava à frente da tela preto e branca e aí tínhamos a TV colorida. Literalmente colorida. Ficamos todos felizes. Pedi a meu pai, e ele atendeu, que colocasse na sala um banco grande que coubesse os 7 ou 8 meninos que comigo assistiam Renato Aragão se transformar em Didi Muçu, em sua fase pré-Trapalhão. Além de sentados, víamos o programa ‘a cores’ e sem precisar ouvir o ronco do quase velho Tenente Aguiar. Aquela era a única TV ‘a cores’ da Região. Até dona Madalena rendeu-se aos apelos ‘tecnológicos’ da época e um dia foi assistir a novela colorida, sentada no banco da meninada que, àquela hora, jogava bola de meia na rua Francisco Parrião. Inocente e alegremente, sem notícia de trapalhadas como as que hoje frequentam as não-esquinas de um Planalto brasileiro. Só muito tempo depois soube que o Tenente Aguiar fora para a reserva sem realizar seu sonho de ser Capitão.


Xico com X, Bizerra com I terça, 13 de novembro de 2018

ERA ASSIM EM 1979

 

 
ERA ASSIM EM 1979

Em frente à igreja de Santo Antônio, pombos e putas disputam espaço com os pingos de chuva que caem, insistentemente. E o ônibus demora a chegar. O guarda chuva já não é suficiente para deixar minha camisa desmolhada. Na rua, o corre-corre das seis da noite, todos ansiosos para chegar em casa, depois de mais um dia. Carros, homens e beatas agora se misturam aos pombos e às putas, na calçada e na rua, em frente à porta principal da Igreja. E o ônibus demora. Ainda bem que sou um dos primeiros da fila e, otimista, nunca imagino a existência dos espertos que a furam com a maior sem-cerimônia. Até que enfim me livrarei de tudo, da chuva, dos pombos, das putas, dos carros, dos homens apressados, das beatas e de suas ave-Marias e dos espertalhões que furam as filas. Cedo meu lugar a uma mulher gorda que não consegue se desvencilhar da água que cai. Quem está logo atrás reclama, com razão, de minha gentileza com os vários chapéus alheios dos que estão depois de mim, na fila. Conformam-se: obesos, idosos, aleijados e grávidas desde esse tempo já tinham prioridade. A mulher gorda, espremendo no banco o rapaz magrinho sentado no lado da janela, ocupa o último lugar sentado dentro do ônibus. Aquele, o lugar que seria meu. Pelo menos oferece-se para levar minha bolsa. Levo para Candeias alguns pingos de chuva guardados no bolso de minha camisa azul e o cansaço de um dia de trabalho. Como se não bastasse, me acompanha também a falta de cheiro do suor do homem que viajou a viagem inteira perto de mim, braço levantado, sovaco exposto às narinas de quem perto dele estava. Que bom que Candeias não é tão longe assim. Ainda hoje guardo, com cuidado, não só os pingos da chuva como todas as boas e más lembranças daquele distante tempo. Os pombos se foram e os homens continuam apressados. As beatas, como disse um Poeta amigo meu, viraram evangélicas ou ativistas políticas e as putas hoje trepam pelo celular. Sinal dos tempos. Do homem do sovaco fedorento, não mais tive notícias, tampouco saudades A mulher gorda morreu. Hoje sou amigo de sua filha, dona de um restaurante regional em Santo Amaro. Serve ótima galinha à cabidela.


Xico com X, Bizerra com I terça, 06 de novembro de 2018

COLINA DA UTOPIA

 

COLINA DA UTOPIA

Na colina das borboletas felizes os dias eram todos de sol e duravam 25 horas. De quando em vez por ali passeava um arco-iris colorido que misturava suas cores com as das asas que voavam por entre as flores. Sem pressa, as pessoas colhiam rosas dos mais diversos matizes e cheiros. Davam-nas uns aos outros. Os pássaros cantantes também frequentavam a colina e ali se deliciavam com a leveza do ambiente. Todos puros, todos bons, bichos, plantas e crianças, únicos habitantes do lugar. Só se pensava o bem. Na colina das borboletas felizes o tempo da maldade não havia chegado, não se via ladrões. Dali, sequer se enxergava, tão longe que era, o planalto dos ratos medonhos. Estes, não se dariam bem naquele ambiente de pureza.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 29 de outubro de 2018

O SOL E O NUBLADO

 

 
O SOL E O NUBLADO

O sol foi passear na praia e encontrou pouca gente. E uma gente triste. Não entendeu: A praia boa, um domingo amanhecendo e o povo em casa … – O que houve? quis saber. – Será que a lua se escondeu esta noite e maltratou esse povo? Ou a desesperança tomou conta de todos? O alto tornou-se anuviado, o negro tomou conta do céu e o nublado se instalou. Escuro e insistente. Relâmpagos e trovões surgiram de rtepente, prenunciando a tempestade vizinha. O sol, cansado, foi embora e prometeu voltar daqui a quatro anos …


Xico com X, Bizerra com I quinta, 25 de outubro de 2018

O MENINO, A MENINA E A ELEIÇÃO

 

 
O MENINO, A MENINA E A ELEIÇÃO

Tudo parecia igual naquele meio-dia, num domingo antes da eleição. O restaurante sempre à meia-lotação e o cheiro de boa comida no ar. De diferente, uma passeata política que passava na rua em frente: carros, bandeiras, zoada muita. Passada a multidão, tudo volta ao normal. Quase. Em mesas diferentes e à pouca distância entre elas, pessoas vestidas de vermelho, umas, e de amarelo, outras, começam a se desentender e elevam o tom das falas. A motivação, percebe-se, é política. Refere-se a diferenças entre as partes sobre o pleito que se aproxima e os candidatos que o disputam. Ninguém mais presta atenção ao DVD de Maciel Melo que passa nos dois televisores estrategicamente colocados no interior do restaurante. Sobram insultos, de parte a parte. Moucos a tudo, duas crianças, um menino e uma menina, não mais que 5 anos, brincam despreocupadamente no parquinho infantil a um canto do lugar, indiferentes à discussão que se travava entre seus pais, em mesas opostas. Foi quando me lembrei da última eleição, quatros anos passados: nela, um Senador e uma Presidente disputavam o comando do País e o clima era parecido com o atual. Hoje, denunciado por crimes, ele foi ‘rebaixado’ a Deputado, única e humilhante forma de preservar um foro dito ´privilegiado’; ela, afastada do Poder, amargou um quarto lugar na disputa pelo Senado, por um estado do Leste. Os candidatos atuais abominam a presença dos dois em seus programas políticos. Valeu a pena tanta briga, discussão e inimizade em defesa dos protagonistas da época? Terá valido a pena, quando o domingo passar, a discussão e a inimizade em defesa dos protagonistas atuais? Melhor não seria cada um exercer seu direito de voto livremente, sem pressão, de acordo com a consciência de cada um? Chegou minha hora de ir embora. No parquinho, as duas crianças de 5 anos, ele de camisa azul, ela de short vermelho, como se fossem amigos há tempos trocam um fraternal, inocente, desinteressado e emocionante abraço. Antes de sair, dei um beijo na menina, um cheiro na cabeça do menino e fui-me, triste com a discussão que prosseguia dentro do restaurante. Convenci-me da certeza que sempre tive: criança é muito mais inteligente que adulto. Por isso, melhor ficar com a pureza delas.


Xico com X, Bizerra com I terça, 23 de outubro de 2018

O AZUL E O AZUL

 

 
O AZUL E O AZUL

Era só uma quarta-feira, igual a tantas outras quartas-feiras já vividas. Estava eu a soletrar sílabas, embalar palavras e transformá-las em versos, quando abri o escuro e meus olhos enxergaram um azul mais azul que aquele que o Poeta Carlos Pena Filho tanto gostava. Acho que até meus sapatos, se estivessem em mim calçados, estariam azuis. Meus cabelos, revoltos e também azuis, voavam ao sabor dos ventos anunciadores da chuva que estava por vir. A lua, escondida entre nuvens, teimava em clarear de quando em quando, anunciando que naquele dia ela estava preguiçosa e sem vontade, meio azulada, até. Estava ali apenas por obrigação de ofício. O relógio bateu meia-noite e naquele instante respirei o cheiro de uma quarta-feira de passado recente. Além disso, percebi restar um derradeiro cheirinho de chuva pendurado na telha, caindo num ritmo lento e compassado, tal qual uma valsa triste de um final de noite, molhando a pata-de-elefante adormecida no jardim azul de minha casa. Mas aí já era quinta-feira.


Xico com X, Bizerra com I terça, 16 de outubro de 2018

PRIMAVERAR

 

 

 
PRIMAVERAR

desde sempre sou assim:
quando em vez me primavero, 
antes que o verão me abrace
e me leve o cheiro da flor …

deixo-me no sereno,
antes que as folhas do outono
embacem o meu pensar
e me proíbam lembrar a flor

inverno-me e chovo
com todos os pingos da chuva,
e deixo-me molhar de alegria
para nunca esquecer a flor …

e na chegada do verão,
meus jardins então floridos,
aromas e cores a me afagar,
sinto o cheiro bom
pois sempre há flor…


Xico com X, Bizerra com I quinta, 11 de outubro de 2018

VOTO ABERTO

 

 
VOTO ABERTO

(Esta crônica foi escrita antes do dia 7. Assim, quando for publicada, na segunda, dia 8, já teremos, ou talvez não, o novo comandante do barco verde-amarelo. Será que desperdicei o meu voto?)

Já sei em quem vou votar. Declaro abertamente meu voto ao amigo Rochinha, candidato independente política e ideologicamente, que promete um Ministério de duendes, fadas e elfos para cuidar da Secretaria das Coisas Impossíveis. Obriga-se com a nomeação de um agente social muito bem intencionado e falante que visite as casas do povo para tomar um cafezinho e falar da vida alheia … Também serão criadas a Assessoria de Sonhos e Prevenção a Pesadelos, a Comissão Interministerial de Visitas a Senadores Inoperantes, o Centro de Ócio Permanente e uma Procuradoria Geral Para Assuntos Irrelevantes. No Plano de Governo a criação da Ouvidoria Especial de Poetas, a Diretoria Consultiva de Afazeres Domésticos Noturnos e o Conselho de Nuances Semânticas. Tantas promessas boas já me fizeram decidir em quem votar. Condiciono meu sufrágio, porém, a que ele inclua no seu programa a criação do Bolsa Sorriso, disponibilizando-o a todos que sofrem com diarreia, cáries dentárias e desamor. Também exijo que ele determine, de imediato, a construção de uma fábrica de fazer carinho e de uma escola de ensinar abraços. Se não for muito condicionar, peço que não esqueça de derramar muitas flores na estrada dos encantos juvenis e na beira do açude dos prazeres inadiáveis. Com o meu voto e de outros tantos que ainda acreditam na felicidade geral, ele estará eleito no curral eleitoral dos homens e mulheres de boa vontade, onde cada voto é trocado por um beijo sincero, um sorriso terno e um piscar de olhos sedutor, fugaz e cheio de encanto. Pouco me importa quem será seu vice: meu voto será de Rochinha. Está decidido!


Xico com X, Bizerra com I terça, 02 de outubro de 2018

O ARADO E O ARADOR

 

 
O ARADO E O ARADOR

O terreno, devastado, está à espera de quem tenha competência para cultivá-lo, tornando-o fértil e útil para quem nele vive, para quem dele depende. A nós, pobres mortais, mas ainda com poder de decisão, compete escolher o arador certo, como bem disse um Poeta amigo meu. Ter a liberdade de escolher o arado já é um grande privilégio, impensável em outros tempos. Melhor, porém, é saber escolher quem vai pilotar esse arado. Se mal escolhido, a amplidão dos sonhos, de que fala as pessoas sábias, pode transformar-se numa estreiteza em que não passe a menor das pedras que desejamos filtrar, um terreno tão árido que não aceite e impeça a floração da boa semente, que impossibilite a colheita de flores. Não quero canhões, nem porões, nem ladrões. É preciso ter cuidado. Caminhar, cantar e seguir a canção é muito bom, mas isto só, não basta. O mundo é bem mais vasto.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 24 de setembro de 2018

ACORDAR SONETO

 

 
ACORDAR SONETO

Beber um trago de Poesia, com gosto de Quintana e esbarrar na pedra que atrapalhava o caminho de Drummond. Daí é um passo para o reencontro com as rãs com que sonhava Manoel de Barros. As canções de um certo Buarque, também chamado de Chico, se insinuam entre um canto e outro do passarinho Bandeira, misturando o encanto de suas palavras com as do distante Neruda ou as dos tão próximos Louros e Pintos de nossos sertões. Presentes, todos os Severinos de João Cabral. E aí não dá para não torcer pelo encontro iminente da lua carente com o incerto sol, deixando a todos nós, sob o clarão das estrelas, balançando numa rima, cochilando num verso, dormindo num poema para, feliz, acordarmos num soneto de amor.


Xico com X, Bizerra com I sexta, 21 de setembro de 2018

SILÊNCIOS E BARULHOS

 

 
SILÊNCIOS E BARULHOS


 

Para onde vão nossos silêncios quando calamos nosso sentir? Acho que se arraigam em nosso peito e se escondem nos vazios da alma até que alguém os descubra, antes que virem pesadelos. E então descobertos, eles tagarelam com toda a zoada que o silêncio liberto pode permitir. É quando os sentimentos se mostram presentes para iluminar, colorir e perfumar nossa vida, tornando-a um poço de possibilidades alvissareiras em que o barulho silencioso de um abraço torna-se tão envolvente quanto o silêncio ensurdecedor de um reencontro desejado. É quando silêncios e barulhos se desimportam e se confundem ante a importância do todo ao redor, da pequenina e distante estrela à imensidão do mar.


Xico com X, Bizerra com I terça, 18 de setembro de 2018

SILÊNCIOS E BARULHOS

 

 
SILÊNCIOS E BARULHOS


Para onde vão nossos silêncios quando calamos nosso sentir? Acho que se arraigam em nosso peito e se escondem nos vazios da alma até que alguém os descubra, antes que virem pesadelos. E então descobertos, eles tagarelam com toda a zoada que o silêncio liberto pode permitir. É quando os sentimentos se mostram presentes para iluminar, colorir e perfumar nossa vida, tornando-a um poço de possibilidades alvissareiras em que o barulho silencioso de um abraço torna-se tão envolvente quanto o silêncio ensurdecedor de um reencontro desejado. É quando silêncios e barulhos se desimportam e se confundem ante a importância do todo ao redor, da pequenina e distante estrela à imensidão do mar.


Xico com X, Bizerra com I terça, 11 de setembro de 2018

NÃO DIGO

 

 
NÃO DIGO


 

vem e tá chegando …
embrulhado num pingo de chuva,
amarrado numa bula de remédio,
‘apregado’ no suor do matuto …

vem, chega já, já
no fumacê do cigarro,
no pincinês do ‘ ceguim’,
no vidro de merthiolate no fundo da bolsa …

vem, eu já tô vendo
escondido na pestana de uma puta,
‘amontado’ na boléia de uma mula,
no algodão de um cotonete …
vem, e já chegou
chegou das bandas de lá,
e não me pergunte o que é …
eu sei mas não digo!


Xico com X, Bizerra com I segunda, 03 de setembro de 2018

VERO AMAR E VERBO MENTIR

 

 
 
VERBO AMAR E VERBO MENTIR

Verdades e mentiras andam encangadas na mesma cangalha, abraçadas no mesmo caçuá. Às vezes a carga pende pra um lado e a gente mente verdades que no dia seguinte soam falsas, como na verdade são; outras vezes verdadeirizamos mentiras de uma forma tão real que elas terminam por confundir quem as ouve. Mas bom mesmo é quando todas as verdades nos apraz e satisfaz a quem amamos. Aí até esquecemos o que é a mentira. Pra quê, se recitar o verbo amar é muito mais doce que declamar o verbo mentir?


Xico com X, Bizerra com I terça, 21 de agosto de 2018

VIAGEM DAS ÁGUAS



À sombra de uma mangueira, no quintal da casa de minha avó, vejo o rio passar. Um filete de água, apenas, mas o rio mais bonito que conheço. Igual a ele, nenhum outro. Nem o rio da aldeia de Pessoa. Todos os rios dos Poetas são bonitos, mas o da minha Aldeia é mais. À frente, ele se juntará a outros rios e estes a outros e outros até desembarcarem, todos de mãos dadas, ainda doces, no salgado do mar. Chove e a chuva fininha tenta encher o bucho do rio mas o bucho é grande e a chuva, pouca. Os pingos são apenas gotas minguadas em seu ventre. Servem apenas para molhar as pedras, pintadas de verde pelo lodo. Minha avó se preocupa que eu não vá à margem, que eu não escorregue. Não vou. Consola-me o distante olhar. Penso no mistério dos peixes quando, à tarde, o sol se afoga em suas poucas águas. É o rio parindo sossego e alegrando a pupila de meus versos. No dia seguinte, de sóis e claras manhãs, tento decifrar a correnteza e imaginar a viagem das águas. E eu, pequenino diante do mundo, diante do rio, também pequenino, respiro a vida daquela água limpinha que corre para o mar.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 13 de agosto de 2018

PÉS DE TODO MÊS

 

PÉS DE TODO MÊS

 

 

Plantações de Janeiro, se não tiverem o adubo de Dezembro, dificilmente chegam a Março. E o local a ser plantado tem que ser bem escolhido, perto dos sonhos e bem distante do poço da ganância de jardineiros que vestem paletó e viajam pro Planalto para se esconderem de nós nas poucas esquinas que aparecem por ali. Para aguar, a água tem que ser colhida na fonte dos desejos solidários e terá que ter a cor da esperança misturada com o amarelo do sol. E água tem cor? – perguntarás. Claro que tem. Veja a chuva caindo maneira, pouco mais que um chuvisco e você entenderá o que quero dizer. No mais, é deixar o pé-de-janeiro por conta das estrelas sorridentes e da lua alcoviteira. Ele florescerá e, quando você menos esperar, será setembro e ele fará sombra para as flores que chegarão ansiosas por lhe fazer companhia. Que venham os Outubros …


Xico com X, Bizerra com I segunda, 30 de julho de 2018

VOTO ABERTO

 

VOTO ABERTO

 

Já sei em quem vou votar. Declarei meu voto ao amigo Paulo Rocha, candidato que promete uma equipe de duendes, fadas e elfos para cuidar do Ministério das Coisas Impossíveis. Um agente social muito bem intencionado que visite as casas do povo para tomar um cafezinho e falar da vida alheia … Também serão fundadas a Assessoria de Sonhos e Prevenção a Pesadelos, a Comissão Interministerial de Visitas a Senadores, com tudo pago, o Centro de Ócio Permanente e uma Procuradoria Geral Para Assuntos Irrelevantes e outras ideias que são “contra tudo que está aí”, como a Ouvidoria Especial de Poetas, a Diretoria Consultiva de Afazeres Domésticos Noturnos e o Conselho de Nuances Semânticas. Tantas promessas boas que já me fizeram decidir em quem votar. Condiciono meu sufrágio, porém, a que ele inclua no seu programa o Bolsa Sorriso, disponibilizando-o a todos que sofrem com diarreia, cáries dentárias e desamor. Também exijo que ele determine, de imediato, a construção de uma fábrica de fazer carinho e de uma escola de ensinar abraços. Se não for muito condicionar, peço que não esqueça de derramar muitas flores na estrada dos encantos juvenis e na beira do açude dos prazeres inadiáveis. Com o meu voto e de outros tantos que ainda acreditam na felicidade geral, ele estará eleito no curral eleitoral dos homens e mulheres de boa vontade, onde cada voto é trocado por um beijo sincero e um piscar de olhos sedutor, fugaz e cheio de encanto.


Xico com X, Bizerra com I sábado, 28 de julho de 2018

DIA DOS AVÓS

 

DIA DOS AVÓS

Inventaram o dia dos Avós. Foi ontem. Penso que todo dia é o dia deles. Ainda que assim não seja, é muito bom ser avô, todo dia. Sobre isso, disse Rachel de Queiróz (e quem sou para dela discordar?) “Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu… É como dizem os ingleses, um ato de Deus” … “Completamente grátis – nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade, longe de ser um estranho, é um filho seu que é devolvido.“ …Disse ainda Rachel: “E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono abre o olho e diz: “Vô!”, seu coração estala de felicidade, como pão no forno!” Salve Bernardo, que me dá a alegria de ser avô.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 23 de julho de 2018

TRISTEZA

 

TRISTEZA

Era triste. Tão triste quanto um jardim deserto de flor ou uma terra que não vê chuva, vários invernos ausentes. Não se sabia exatamente a razão da tristeza daquela mulher. Sabia-se, apenas, que ela era triste. E sua tristeza era plenamente perceptível aos olhos até dos mais desatentos: bastava olhar para senti-la triste, talvez desesperançada. Por certo, algum amor não correspondido ou uma saudade escondida no fundo do peito. Na verdade, toda tristeza é quase igual, seja de saudade, seja de desalento ou mágoa. Fere a alma e magoa o coração da mesma forma, quase. Nunca me atrevi a perguntar-lhe a razão de tamanha tristeza. Talvez, com receio de que também ficasse triste ao saber. Temor de que tristeza fosse algo contagiante. E é. Só de vê-la triste também entristeci.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 16 de julho de 2018

ONDE O VENTO FAZ A CURVA

 

ONDE O VENTO FAZ A CURVA

 

Lá onde Judas perdeu as botas e o vento costuma fazer a curva, pedi ao senhor dos ares, com a maior das humildades, que, antes de fazer a volta, viesse acariciar minha alma e afagar meu coração. Estava precisado. E o vento atendeu ao meu pedido, sorrindo com jeito de conivência. Também sorri satisfeito por saber que há razões ainda para cantar e fazer versos. E os farei. E cantarei. Enquanto razões houver estarei atento para saudar o dia, o céu, o sol, a noite e as estrelas. Quanto à lua, esta eu sempre reverenciei e assim vou continuar fazendo, retribuindo tudo o que dela recebo. E não é pouco.

 

 

 


Xico com X, Bizerra com I domingo, 15 de julho de 2018

O DIS SEM SOL E NOSSOS POLÍTICOS

 

O DIA SEM SOL E NOSSOS POLÍTICOS

Essa Copa de algumas surpresas serviu também para revelar-me uma região da Rússia, onde está situada a cidade de São Petersburgo, onde o sol permanece ‘aceso’ por 18 horas durante o dia, por conta do fenômeno relacionado à sua posição geográfica. Hoje, por exemplo, dia da semifinal da copa, sábado, 14 de julho de 2018, o nascer do Sol ocorreu às 4:01 h e seu pôr se dará às 22.07 h, perfazendo um dia com 18 horas, 5 minutos e 29 segundos.

Há outras regiões em que isto ocorre com maior intensidade, não havendo noites, literalmente. A lua vive de férias e o sol trabalhando 24 horas por dia. No verão no Polo Sul , durante quatro meses, a noite é inexistente, ou seja, vários dias de 24 horas com o sol brilhando no céu.

Em outros lugares a natureza se diverte de forma diferente: são vários dias de escuridão, sol escondido e muito mais frio durante o inverno. Em Norilsk, por exemplo, três meses por ano, de novembro a fevereiro, o sol não nasce e somente a aurora boreal rompe a escuridão da longa noite. Ventos e o frio são quase eternos.

Dentro da utopia que às vezes nos ajuda a sonhar, fiquei a imaginar fosse o Brasil situado vizinho à Norilsk, num lugar em que não existisse dias e que o sol não aparecesse. Seriam 24 horas de lua, de muitas luas, de noites longas, escuro total. Seria o local ideal onde deveriam morar nossos políticos: talvez as 24 horas às escuras os estimulassem a dormir e, dormindo, não pudessem nos roubar. Talvez sonhassem com o roubo, como sonho com a existência desse lugar. Sonhar ainda pode.


Xico com X, Bizerra com I terça, 10 de julho de 2018

SER PASSARINHO

 

SER PASSARINHO

Acordei querendo ser passarinho. Outra vez. Mas não fui capaz. Tentei. Há dois minutos, não mais, pela última vez e soltei-me a cantar. Mas ninguém ouviu. Estavam todos preocupados com a Síria e com Trump. Meu canto era mais desimportante que o ditador coreano ou a malvadeza dos tiranos. Lembrei-me que há dois mil anos quem foi passarinho, de tanto cantar o bem, teve as asas espetadas numa cruz e ali ficou. De nada adiantou ter voado sementes e abençoado colinas. Voei dez mil anos atrás: foi quando descobri-me dinossauro, que não sabia voar. Que não adiantava cantar. Mas vou continuar tentando. Passarinho serei. Não tenho vocação para dinossauro.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 02 de julho de 2018

TEMPO DE DRUMONDS E BANDEIRAS

 

 

Um dia, eu também quis ir pra Pasárgada dos meus sonhos, mas no caminho do meio tinha uma pedra colocada pela nora que nunca tive. E nem adiantou dizer que era amigo do rei, pois tinha uma pedra no meio do caminho que não me deixava passar, tornando impossível aquele caminho. Não adiantou invocar Joana, a louca da Espanha: não houve meio de tirar a pedra do caminho. Chamei, chorei, clamei, e mãe-d’água não veio me contar as histórias do meu tempo de menino, dos tempos de Rosa, porque tinha um caminho de pedra no meio e minha água foi pouca para bater e furá-la deixando o caminho sem pedras tal e qual as estradas da Pasárgada verdadeira, onde não existe a vontade de se matar, onde as pedras são pequeninas, quase grãos. Onde todos são apenas Carlos, alguns Manoel. Tantos Drumonds e tantos Bandeiras. E hoje, aprendido o caminho, retiro as pedras e volto à Pasárgada. É que lá sou amigo de Bandeira. Pode perguntar a Drumond …

 

 

 


Xico com X, Bizerra com I terça, 26 de junho de 2018

CASAMENTO MATUTO

 

Era semana pré-carnavalesca e o Anjo da Guarda de Bastião, mermo de ressaca, nesse dia tava de prontidão e foi ele quem segurou a mão de seu Benedito de Dora, que já tava se coçando em procura da lambe-suvaco amolada, num sei quantas polegadas. O ‘bigodim de beiço de gato mijado’ do caba fazedor da mal à fia dele chega arrupiou-se todim. E Francisquim, ali quieto e embuchado já há cinco meses, só assistindo, de camarote, à solenidade. O cabra do Cartório já tava meio invocado com o lero-lero do vigário, falando da riqueza e da pobreza, da doença e da saúde, aquele papo que rola em todo casório. Quando Padre Luiz, afinal, perguntou se tinha alguém contra aquele casamento, Francisquim arretou-se, levantou o dedo, de dentro do bucho cutucou o umbigo da mãe menininha do Crato e gritou em alto e bom som pra todo o sertão do Araripe escutar: ‘tem não, seu Pade, se avexe e acabe logo esse babado que eu tô querendo descansar um pouquim’. Descansou por mais quatro meses, sonolento e preguiçoso desembuchou, e hoje tá aí, contando história, fazendo poesia bonita que só a gota e aumentando a prole. Benedito Neto que o diga. E inté hoje são felizes que só a gota serena!


Xico com X, Bizerra com I terça, 19 de junho de 2018

FERNANDA E PAULO

 

Paulo esquivou-se. Fez que ia, não foi e terminou por mudar de calçada. O que temia? Aquele reencontro já fora seu sonho dourado, mas, àquele dia, não seria apropriado: ele estava triste, sem muita motivação e não queria que ela percebesse que ele envelhecera, que seus cabelos ficaram brancos e que as rugas já haviam lhe visitado. Fernanda, também, já tinha o branco a cobrir-lhe a cabeça e, pernas cansadas, andava lentamente, num compasso de valsa bem diferente do baião que outrora melodiava a trilha sonora de seu andar. Fernanda percebeu Paulo mas fez que não. Olhou pro lado de dentro das casas e pro lado de dentro de si enquanto ele, do outro lado, também virou o olhar pro lado contrário da rua e pro seu lado interior, cansado e desesperançado. Fernanda desapareceu no final da rua. Paulo sumiu do outro lado da mesma rua do mesmo mundo tão parecido e tão diferente. A exemplo de Fernanda, Paulo também andava lentamente, num compasso de valsa bem diferente do baião que outrora melodiava a trilha sonora de seu andar. De seus andares.


Xico com X, Bizerra com I terça, 12 de junho de 2018

DEUS SALVE O CANÁRIO BELGA

Quando menino, encantava-me um canário-belga que pousava em minha janela, cantando alegre e belamente. Em sua homenagem resolvi torcer pela Bélgica nessa Copa que está chegando. Será minha modesta vingança em nome dos que se deitam no chão de hospitais da rede pública à espera de um atendimento que, muitas vezes, não acontecem: a morte chega antes. Será meu insignificante protesto contra a educação do País e o transporte público degradante a que o povo está submetido. Será o meu desagravo àqueles que passaram da extrema miséria ao desemprego e à pobreza enorme graças a alguns contos de réis oferecidos para calar a boca destes. Será o meu não-conformismo aos imensos ‘elefantes -brancos’ construídos às custas do povo que paga o maior imposto de todo o mundo. Será o meu Basta! ao roubo, à corrupção, aos malfeitos dos que se elegem e aos que habitam o entorno do nosso mundo político, não me interessando a coloração partidária de suas ‘ideologias’. E tem mais: se a Bélgica não conseguir ir adiante, estarei, de azul e branco, torcendo pela Argentina. Ou pela Espanha, por Portugal ou Uruguai. Quem sabe, a França? Nada de Pátria de chuteiras: a Pátria está descalça e o caminho é pedregoso.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 04 de junho de 2018

A POESIA, O POETA E A MUSA

 

Ela detesta poesia. Verdade. Ela me disse. Jamais pararia para ouvir um Poema. Livros de Poesia, nunca os leu. Arredia, é um pé de parede em que a rima fugidia escapa pra casa vizinha onde mora um cabra que, um dia sem querer, inventou a palavra saudade e mandou todos à volta à puta que os pariu. Nunca ouviu falar de Joaquim Cardozo e pouco, ou quase nada, sabia sobre João Cabral. Mas gostava de flores e de pássaros e ficava feliz se o Poeta lhe falasse de luas e estrelas. Mas detestava Poesia, mesmo amando o Poeta. Adorava quando o Poeta lhe dizia – Eu Te Amo! Na verdade, ela ama Poesia.

 

 

Xico com X, Bizerra com I terça, 29 de maio de 2018

NUVEM, NEBLINA, CHUVA

 

Escureço-me
e me faço bonito pra chover.
Sou nada suspenso no ar
precipitando-me até virar nuvem.
Vapores e partículas de gelo
enfeitam o céu
fazendo e desmanchando bichos no alto azul.
Elefantes, jacarés, em breve instante,
passeiam lá no alto
antes de se trasformarem em girafas e em nada.
Neblino.
O ar resfriado me faz líquido
e então gotejo e viro água.
Pinto de verde o chão
e assisto à parição de frutos doces.
O que era semente vira alimento.
Lavo sonhos e enxaguo mágoas.
Águas sou.
Tempo líquido de um quase inverno.
Sou chuva.

 

 

 


Xico com X, Bizerra com I terça, 22 de maio de 2018

VERDE OU AZUL?

 

 

Minha cor preferida era o verde até Bernardo me confessar que sua cor predileta era o azul. Então vi como estava errado: claro que o azul é a cor mais bonita, muito mais bonita que o verde. A partir daí, minha cor preferida passou a ser o azul, não importa se claro ou escuro, mas o azul. Não há como discordar da sabedoria de Bernardo. Meu barquinho azul hoje navega no mar azul e as estrelas azuis povoam o azul do céu. E nós, eu e Bernardo, conseguimos vislumbrar barquinhos e estrelas. Nossos olhos vêem as cores que queremos ver. Doce e singelamente. E aí, todos os meus lápis de cor agora são de uma cor só que eu não posso revelar. Ganha um presente azul quem descobrir a cor dos meus lápis. São tão coloridos quanto os lápis azuis de Bernardo.

 

 

 


Xico com X, Bizerra com I domingo, 13 de maio de 2018

VIVA A MULHER, VIVA A MÃE

 

 

 

Súbito, a luz.

A claridão invade os olhos e tudo aquilo que não se via agora está à vista. Parece tão simples quanto um interruptor que, a um simples toque, permite que o dedo invente o claro e faça o escuro já não ser.

E é assim, tão simples quanto sublime, a invenção que antecedeu a de Thomas Edison, muito tempo antes de a lâmpada ter sido inventada.

Um homem, uma mulher, o amor. Depois de nove meses, a luz. Naturalmente. O desprisionamento, a liberdade, a vida.

O acolher no colo, o amar e o babar a cria, cumprindo o milagre divino da vida, dádiva de Deus.

Do óvulo à gente, a parição sublime, o dormir seu resguardo com as tetas cheias de leite para nutrir o novo cidadão que acaba de conhecer o claro.

Viva a luz e viva aquela que a produz!

Viva a mulher mãe!

(In BREVIÁRIO LÍRICO DE UM AMOR MAIOR QUE IMENSO, Xico Bizerra, Edições Bagaço, 2013)

 

 

Xico com X, Bizerra com I terça, 08 de maio de 2018

NEBLINA E TEMPESTADE
 

 

Antes de tornar-me chuva, neblinei-me lentamente em meio às nuvens cinzentas que flutuavam sobre meu chapéu. Ao primeiro pingo mais grosso, pressenti o brotar de um pé de verso, carregado de poesia, rimas e amor, no jardim de minha casa, bem ao lado ao lado do meu pé de manacá. A semente do bem-querer virou flor. Já quase tempestade, deixei-me envolver no lençol das lembranças boas e dormi o sono dos que acreditam que pode haver um mundo feliz. E sonhei. E ainda sonho. E sonharei até quando for possível sonhar.


Xico com X, Bizerra com I terça, 01 de maio de 2018

MORADA DOS LAGARTOS E DAS PEDRAS
 

 

Sinto-me sede e redescubro o pote que repousa, seco, à sombra de uma esquina esquecida dentro de casa. Sobre ele descansa o caneco de alumínio areado, quase inox, capaz de saciar-me, de amenizar o soluço doloroso da falta de saliva, a pouca água que me visita, às vezes. Mas nada se contém no pote além do seu destino frustrado de saciar sedes. Frustração de um barro que poderia ter sido um violeiro de Vitalino e transformou-se num artefato sem utilidade naquele sertão sem águas. Sou sede de justiça, do bem comum, tão incomum nas bandas de cá, das planícies distantes, da morada dos lagartos e das pedras. Sedo-me e aguardo a água, uma ribançã que seja voltando para casa com a asa molhada, um trovãozinho ‘peido-de-véia’ ou um relampo pequenininho, do tamanho de minha fé que está indo embora, no primeiro pau-de-arara que aparece levantando a poeira da vergonha. Sêde justo, meu Deus.

 


Xico com X, Bizerra com I segunda, 23 de abril de 2018

PAVÃO MYSTERIOZO - REVISITA

 

Misterioso pavão de colorida cauda: qual teu destino secreto senão o mistério dos céus desconhecidos? Tu és formoso e em tua cauda aberta em leque me guardarei moleque num eterno brincar, enquanto moço sou e serei. Voa, e diz àquela donzela que de tuas faíscas despejadas em trovões haverá de nascer a força para contar nossa história de amor no combate feroz contra os condes raivosos, que são muitos, eu sei, mas não sabem voar. Menos ainda nos nossos céus de anil em que misturas as cores de tuas penas de matizes tão fortes quanto o nosso amor.

 


Xico com X, Bizerra com I terça, 17 de abril de 2018

PIRILAMPOS E VAGALUMES

Bem sei, deveria pirilampear em tua noite escura na mais pura esperança de te abraçar. Mas uma nuvem negra e espessa de tão carregada me carregou de volta à solidão, velha companheira, não me deixando ser o vagalume desejado. Tentei, em vão, relampejar a minha claridade mas a cidade, sonolenta, preguiçosa e ainda não desperta, não deixou que meu sonho prosperasse. Nada a fazer a não ser me enuvencer cinzento e chorar as mágoas junto com a chuva que cai e molha as lágrimas do meu rosto. Trovões fazem coro ao meu sofrer.


Xico com X, Bizerra com I terça, 10 de abril de 2018

O FILHO DA FILHA DE DONA DULCE

 

O arrulhar dos mais gentis pombos e o zunir de abelhas aflitas pelo excesso de mel levam para Bernardo o silêncio de um belo sino a badalar na mais antiga das igrejas do meu povoado. E o filho da filha de dona Dulce, no sigilo misterioso que se contém no bater de asas de uma nuvem colorida de borboletas, olha para mim, ainda sem saber falar, mas já balbuciando a palavra Amor, deixando escapar na ternura de seus olhos a canção de Paz por que tanto lutei. E depois, no calor de um grão de chuva, neblina pouca em uma manhã de sol, sinto na pele o amanhecer do dia ao preparar os meus milhares de colos e berços para receber Bernardo, enquanto começam a surgir as notas da canção que pensei criar e que o desassossego da vida só permitiria compor os primeiros acordes. Mariana dança. Sua mãe sorri. Bernardo agora dorme o sono do ano um, enternecendo minha tarde de domingo. Era 2014, outubro.

 

Xico com X, Bizerra com I domingo, 08 de abril de 2018

CHUVA CHEGANDO

 

Bem que eu achei que estava bonito pra chover. Céu cinzento, um vento arejador e portador de boas novas. Daí, pingos e mais pingos. Esse água que cai do Céu serve também pra nos fazer lembrar da existência de um ser supremo que transforma nuvens em rimas e poemas em chuva. Que bom ver de volta a ribançã com a asa molhada e o chão vestindo um verde bonito como os tons da fartura. Motivação e inspiração para os poetas, cantadores e outros loucos de plantão. Saudemos a sagrada água e agradeçamos sua chegada com letras, palavras e versos com a cor dos crisântemos, o cheiro das rosas e a beleza das dálias e margaridas. Será tudo poesia, sonetos e poemas, a saudar o bom tempo que se anuncia. Acordai, Poetas: a chuva chegou.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 12 de março de 2018

NÃO, NUNCA MAIS

 

Às margens não tão plácidas do Capibaribe da cidade se ouve apenas um grito de revolta pelo sol que já não brilha raios de alegria e felicidade. Nosso sonho, antes intenso, é uma fresta fina de efemera esperança quase no fim. Continuas belo e impávido mas teu povo sofre e está triste. Teus risonhos, lindos campos resistem, mas têm muito menos flores que espinhos e nossos bosques sucumbiram à presença de tantos ladrões. Mas a gente não foge à luta e grita, esbraveja, esperneia e, principalmente, canta, bem alto, pois te adoramos como mãe gentil, como Pátria amada chamada Brasil. Que nosso canto faça brilhar os astros não permitindo o bis nesse Teatro de loucura. De novo, não! Nunca mais.


Xico com X, Bizerra com I quinta, 08 de março de 2018

O QUINTO METATARSO

 

 

Zé quebrou o quinto metatarso do pé direito quando, ao carregar um saco de cimento, caiu-lhe o fardo sobre o pé. Ninguém o socorreu. Era apenas um operário da construção civil. Depois de horas lembraram-no da existência de um posto do SUS logo ali, a poucos quilômetros do Edifício Paris, onde trabalhava. Teve que ir a pé, a um pé só. Não tinha dinheiro para o táxi e a ambulância solicitada não chegou. Pra que paguei tanto imposto? – se perguntava sem encontrar resposta. Fila, burocracia, e, depois de cinco horas de espera, o atendimento e a marcação da cirurgia para dali a 7 meses. Para depois da Copa do Mundo. Quando menino, Zé tentou estudar e nunca quis jogar futebol. Também nunca sonegou imposto: não tinha renda para tal.


Xico com X, Bizerra com I terça, 06 de março de 2018

TEMPO DOCE, AMARGO TEMPO

 

 

 

 

O sabor do tempo varia, como varia o sabor dos frutos, doces e amargos. Os amargos tempos, jogo-os longe numa distância tal que me permita esquecê-los. Os doces, costumo guardar na gaveta da esperança, embrulhados com papel de sonho, e sempre que estou triste vou lá e os desembrulho, esfrego-os no peito e a alma se rejuvenesce, tão feliz quanto aquele retalho de chita guardado, sempre alegre, colorido e feliz. É quando o relógio para e os calendários se embranquecem, sem datas a marcar, sem segundas ou quintas. É quando o coração gargalha e a carne treme habitada pela alegria dos dias bons. Relógio, deixo-o parado o quanto posso; calendário, para quê? Pedaços de tempo feliz não sabem contar os dias.


Xico com X, Bizerra com I terça, 27 de fevereiro de 2018

SOL DO MEU DIA

 

 

 

 

beijo a boca de uma brisa
sinto o vento alcoviteiro
busco a bússola precisa
pra enflorar meu canteiro

farejo o pescoço do céu
limpo a sujeira da curva 
faço do choro, escarcéu
pra limpar a água turva

e da chama infinita
que de forte faz-se eterna
que de tanta é tão bonita

acendo o farol da alegria
que clareia, pulsa e agita
o sol pleno do meu dia


Xico com X, Bizerra com I terça, 20 de fevereiro de 2018

NAQUELE PAÍS BEM LONGE

 

 

 

 

O dia amadureceu antes do tempo e o sol tratou de arregalar seu olho sobre a vila que, na verdade, gostaria de continuar adormecida por mais algum tempo. Diante disso, nada mais restava à aldeia a não ser desembrulhar-se de sua cambraia branca, guardar o travesseiro e deixar a luz atravessar aquela madrugada que se apresentava alegre e fagueira. Tudo ao redor conspirava em favor da felicidade: as borboletas pareciam mais leves e coloridas. Os pássaros, em coral, entoavam a canção da Paz. Até o vento passeava na velocidade ideal do clima bom. Todos riam e dançavam. Festa. A liberdade morava por ali. Todos viviam alegres naquele lugar onde os homens e mulheres eram todos sérios e honestos, por isso felizes. Só havia sonhos bons. Bem longe daqui.


Xico com X, Bizerra com I terça, 13 de fevereiro de 2018

CARNAVAIS ETERNOS

 

 

 

 

Nos paralelepípedos respingados de chuva e suor, uma sandália ainda ensaia um passo em plena quarta-feira de cinzas, embora cinza nenhuma haja. Pula e dança na luxúria de um frevo, sozinha, sem par. Uma cantiga alegre entoada por marinheiros de Olinda não deixa que a festa acabe tão cedo. Confetes e serpentinas se misturam aos cheiros de cerveja e de mijo. E de um trombone distante e invisível ouve-se Capiba. Escuto murmúrios, sussurros e suspiros vindos de dentro daquelas casas que hospedaram alegria e receberam festa, numa folia única e quase solitária, feita de lembranças boas. No intervalo de cada nota e acima dos compassos ritmados da música dormem passos dançantes sonhando desejos e vontades, alegrias e saudades, gozos e risos do carnaval que se foi. Um ano depois, tudo de novo. É Carnaval.


Xico com X, Bizerra com I terça, 06 de fevereiro de 2018

CAÇA

 

Sou Pássaro.
Deixe-me no ar.
Não me casse o direito de voar.
Não me caçe.
Deixe que me case com as outras aves,
Onde cessa minha dor,
Cercada por nuvens branquinhas 
Da cor do amor.
Deixe-me no ar.
Onde tudo passa.
Sou Pássaro.
Não sou caça.


Xico com X, Bizerra com I terça, 30 de janeiro de 2018

DEDOS E ANÉIS

 

O tempo ensina o pouco valor que se deve dar aos anéis. Às jóias. Cordões e Pulseiras nada valem. Adereços, apenas. Que fiquem os dedos e, junto com eles, o viço da idade pouca ou da experiência plena. Que restem as unhas como adorno terminal de finos dedos, a enfeitá-los, prontos para coçar um passado que se esconde na palma da mão cheia de calos. Que resistam imunes os dedos que apontam as mazelas, os mesmos que se benzem e fazem o sinal da cruz. Continuarei dedo mas sem anéis: de nada valerá tê-los. Por isso busco porto qualquer para ancorar os aros enfeitadores que adornam as dores das safiras, dos topázios e de todas as outras pedras. Os dedos, estes não: quero-os.


Xico com X, Bizerra com I terça, 23 de janeiro de 2018

SEVERINO GATES E ZÉ CLÁUDIO

 

Crônica publicada no Facebook em 06/Jan/2018, inspirada no artigo BILL GATES E ZÉ CLÁUDIO, de José Paulo Cavalcanti, na Coluna PENSO, LOGO INSISTO deste JBF, em 28.12.201

Em lúcido e inteligente artigo, aliás, como é do seu feitio sempre fazê-lo, o eminente mestre de letras jurídicas e outras mais, Doutor Zé Paulo Cavalcanti, analisa os poucos pontos convergentes entre o incensado e milionário Bill Gates e o artista pernambucano José Cláudio. Um nasceu em Seattle e tem como mania juntar milhões de dólares. O outro, nascido mais perto, sob o sol de Ipojuca, não foi bafejado pela deusa da riqueza mas, em contrapartida, os deuses do talento afagaram-lhe a alma desde a mais tenra idade.

Bill mora numa mansão na cidade em que nasceu, arrodeado por 60 seguranças a proteger-lhe os passos e frustrando-lhe qualquer privacidade. Já o outro, o Pintor, se indagado, diz que mora por trás da casa de Abel. Que Abel? Sabe-se lá quem! O Severino americano não sabe pintar na mesma dimensão que o Pintor Zé não teve ‘talento’ para juntar tantos milhões. Mas algo em comum os dois tem: Quando recolhidos ao lar, nenhum deles usa sapatos. Nem camisa. Apenas um calção tão largo quanto indecente. E assim permanecem, ainda que recebam a mais ilustre visita.

Não que eu inveje o Bill das Américas, podre de rico, como se diz lá pelo Crato. Nem o seu dinheiro. Não posso invejar quem precisa de 60 seguranças para viver. A Zé Claudio, certamente, invejo: o seu talento e o modo de vida. A ambos, copio num detalhe: o calção frouxo, o sem-camisa e os pés descalços dentro de casa. Tudo livre como livre deve ser a vida de quem está de bem com ela. Só me falta saber pintar como Zé Cláudio e ter 60 seguranças para, com o maior prazer do mundo, dispensá-los, sem justa causa, pagar-lhes todos os direitos, vestir meu calção frouxo, tirar a camisa, descalçar os pés e viver a vida. Como gente. E ser feliz, como Zé Cláudio."


Xico com X, Bizerra com I segunda, 15 de janeiro de 2018

GRAVATÁ AMARELA

 

Ipê amarelo de Gravatá:
Que mistérios se escondem em tua flor?
Que segredos se entranham em teu florar?
Diz-me de que ourossão feitos teus enfeites
Que se penduram e pendem
Até o chão encontrar …
E aí a estrada se amarela
E, de tão bela, pede ao passante para parar …
Como seguir diante de tão belo cenário? E gurdadodr
Para que?
Amarelo, fiel depositário e guardador do açafrão, do ouro, da flor do Ipê …
Até as rãs saem do aconchego frio para te ver …


Xico com X, Bizerra com I segunda, 08 de janeiro de 2018

OS FANTASMAS E O CASAL DE BODE

 

A casa é deveras malassombrada.
e os fantasmas, a passos lentos, passeiam no alpendre 
onde descansam guarda-chuvas que guardaram apenas sol,
pois chuva não lhes foi oferecida.
Minha cachaça aguarda,
ao lado de uma dupla de cajás, a hora certa de ser entornada
antes que o sol se ponha.
Frutas podres, mas ainda dependuradas 
em suas mães-árvores outrora frondosas,
avistam de cima a bosta de bichos vadios,
sem asas, que tentam, mas não sabem voar.
O que era Hospital, quase no começo da serra íngreme,
é um quase Hospital que cai a cada dia um pouco,
e em sua torre não mais se vê telhas. Apenas o lugar delas.
Quem é dali sabe do que falo
Um bicho magro, bode a fugir da faca, se junta à sua cabra querida,
se escondem num chiqueiro improvisado 
e fazem amor à luz da lua,
que chegou de mansinho, sem fazer alarde.
A arca de Noé espera paciente a chegada de todos os bichos.
No alto da Serra do Araripe, bem longe do mar,
o casal de bodes se atrasará, por um justo motivo. 
Rogo paciência a Noé.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 01 de janeiro de 2018

UMA BODEGA NO MATO

 

Duas  fôia de papel
Pra embrulhar coisa alguma
Nada, vendendo de ruma
Mosca fazendo escarcéu
Garrafa seca sem mel
Formiga sem formicida
Sem rapadura ou batida
Balança pença sem prato
Uma bodega no mato
Mesmo sem nada é sortida

caba contando lorota
devendo pra mais de um mês
só Maciel de frequês
com Xico tomando meiota
na saída o dono anota
a conta na caderneta
dinheiro, só com luneta
em Iguaraci ou no Crato
uma bodega no mato
mermo sem nada é porreta

meio cibazol furado
e dois dedim de aguardente
par de óculos sem lente
farpas do arame farpado
um papel todo riscado
uma caneta estragada
um cabo cotó de enxada
remédio pra matar chato
Uma bodega no mato
É uma fartura de nada


Xico com X, Bizerra com I segunda, 25 de dezembro de 2017

ALMA INQUIETA

 

 

No verão de outros dias você foi batendo suas asas em sentido contrário às minhas alegrias. Vestias a mais branca das cambraias, blusa e saia a combinar com o claro engomado do sol. E eu, com minha alma inquieta, procurava a primavera no bolso do meu casaco azul e só encontrava o outono das dúvidas. Não achava a paz que tanto buscava. O coração, descompassado, batia sem futuro, lembrando o passado e o tempo bom de tudo que um dia foi. De presente, apenas a lembrança da ausência sentida e uma esperança pequenininha de que, no inverno, a chuva traria seu sorriso de volta numa daquelas gotas que caía e escorria pelo terreiro da saudade.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 18 de dezembro de 2017

EU E TU

 

Sou pés descalços em grãos de areia fina,
Buscando tuas terras firmes, rochosas,
Belas, formosas …
Mas feri-me de tanto te buscar
De andar à tua volta e de não te achar …
Vesti-me então de vento
E busquei os ares do mar, para,
Leve, levar-me a ti …
Para te agradar
Risquei poemas no chão de areia branca
Correndo o risco de ser saudade sem te ver,
Fui estrada longa, com princípio, meio e sem fim
Com todos os nãos, nenhum sim …
Não cheguei, não chegarei,
És um acolá distante e eu sou apenas um aqui
Que de tão perto nem sombra sou …
Somos apenas eu e tu,
Nada mais que dois pronomes
Que dão nome a um amor que não há …


Xico com X, Bizerra com I terça, 12 de dezembro de 2017

SUSTENIDOS DO VENTO, BEMÓIS DO LUAR

 

 

O Teatro inundou-se de beleza e as notas musicais passeavam de ouvido a ouvido, de coração a coração. As maiores sinfonias não seriam grandes se todos os instrumentos não se abraçassem entre si: se os sustenidos do vento não soprassem em sintonia com os bemóis do luar, se o compasso dos sonhos não comportasse notas alegres como o canto de uma sabiá, com intervalos coloridos como as asas da mais bela borboleta. De nada adiantaria um Maestro, por melhor que ele seja. A platéia, respeitosa, saberá aplaudir toda a Ópera, porque construída com amor e dedicação. E ao final, quando o sonho voltar a ser apenas um sonho, a alma de todos estará mais leve, flutuando serena em meio às escalas musicais que nos ajudam a transpor os acidentes não musicais que nos atordoam e nos deixam menos felizes. E acordes sonoros conduzirão nossos olhos para tantas mariposas brancas, pardas ou luzentes, tanto quanto formos merecedores de enxergá-las.


Xico com X, Bizerra com I quarta, 06 de dezembro de 2017

DE MEIO-GOLE EM MEIO-GOLE

 

Eu e meu amigo abstêmio José Paulo, na casa do Editor Berto

 

Meu amigo detesta álcool, qualquer que seja a sua natureza: cerveja, whisky, cachaça. Nada. Conhaque, nem pensar. Mas, cavalheiresco que é, tolera os amigos que têm o paladar tolerante para as bebidas e com eles se senta às mesas, apenas para petiscar e jogar conversa para fora e para dentro … No seu caso, meio gole de champanhe a cada réveillon é o máximo a que se permite, porre maior com que se deleita. Ou seja, a cada dois anos, um gole completo de champanhe. Hoje, aos 60 anos e imaginando que seu ritual alcoólico teve início à flor de seus vinte anos, ou seja, há quarenta anos, chega-se à fácil conclusão que o meu amigo, ao longo de sua trajetória ‘boêmia’, ingeriu até agora 40 meio goles do precioso líquido francês, o equivalente a 20 goles de champanhe. Ou, feita a devida equivalência corretiva, um terço de uma garrafa do precioso líquido de origem francesa. Menos por curiosidade e mais por falta de algo melhor a fazer, usei goles d’agua para encher uma garrafa de champanhe secada no meu último réveillon e fiz a experiência que me indicou a necessidade de 120 meio-goles para enchê-la totalmente. Assim, uma garrafa integralmente cheia, tomada aos meio goles anuais, consumirá 60 goles líquidos, ou, na medida dele, 120 meio goles. Se a cada 2 anos ele bebe 1 gole e, desde que começou, já bebeu 20 goles, resta-lhe beber 40 goles para realizar a proeza de secar a garrafa, o que demandará exatos 80 anos, mantida a medida do meio gole anual. Assim, somente no réveillon de 2097 poderemos comemorar a festiva data. Até lá vou bebendo minha cervejinha diária para que, aos 147 anos, eu e ele, lúcidos, bengala a nos amparar, possamos comemorar a data, com mais um meio gole da bebida francesa. Levarei de presente uma garrafa de Krug Clos d’Ambonnay, feito com as melhores uvas Pinor Noir para o início de novo ciclo que se findará em 2157. De minha parte, após a festa, entornarei uma boa caneca de chopp e torcerei para que, na volta para casa, não me depare com os fiscais da Lei Seca.


Xico com X, Bizerra com I terça, 05 de dezembro de 2017

PALAVRA MUDA

 

 

 

 

Calo e deixo a minha voz muda. O silêncio cheiroso das letras que se ajuntam para fazer o som das sílabas é tudo que se encontra em um dicionário repleto de palavras próprias para me fazer rir ou chorar. Parágrafos enormes com lotação completa de palavras se acotovelam no texto que preenche aquele livro de folhas finas e menos dizem que o que diz meu olhar. Mas a palavra insiste, existe e é o destino final das orações, o casuismo do verbo, o caminho das frases. Falo, com a boca ou com os olhos, mas falo, ainda que queiram impedir. Não posso calar.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 27 de novembro de 2017

HISTÓRIA DE MINHAS MÚSICAS - 146 - NÊGA

 

No meu primeiro CD – FORROBOXOTE, as letras tinham uma característica de ludicidade que foi muito elogiada à época pela crítica local. Esta música fala de um cabra nordestino que saiu pelo Nordeste inteiro com sua companheira, em busca de melhores dias e onde chegava ‘fazia’ um filho. Ao final, já eram 8 sem contar o que estava pra chegar, já encomendado na barriga da mulher. Quem canta é Serginho Luz e Nico di Pádua. O arranjo e a sanfona, de Zé Bicudo.

NÊGA
Xico Bizerra

 ô nega linda, dê cá os meus documento 
se atrepe em meu jumento mode a gente flauteá 
se avexe, nega, cuidado c’a sua saia 
enganxe as perna na cangaia pra ninguém tê o que espiá 
vamo pro norte, namorá em parnaíba, 
depois a gente arriba e vai dormí em quipapá, 
de mossoró, depois que eu fô no mato, 
nós se beija e vai pro crato e faz um neguin por lá

nega bonita do cabelo de escapole
ocê sabe que eu sou mole, que eu vou me apaixoná 
vamo simbora que ainda é muito cedo, 
eu quero passá em penedo prum neguin encomendá 
campina grande, itabaiana e codó, 
no sertão do bodocó nós vai chegá no fim do mês 
em itabuna eu vou comprá um caçuá 
que é pra mió acomodá os três neguin que a gente fez

nega cheirosa, coração de saltimbanco 
desapeie de seu tamanco, eu num quero mais passeá 
já andamo muito, corremo o sertão inteiro 
quase te matei de cheiro de tanto sem-vergonhá 
inda sou moço, demoro a ficar caduco 
mas já tô quase maluco com esses pra lá e pra cá 
esse negoço de viajá num dá certo 
dacá pouco nós tem perto de dez neguin pra criá

ô nega bela, boa da gota serena
nega sapeca que mora em meu pensamento 
nega dengosa, ocê sabe eu num agüento 
dez neguin é muito nego presse nego véi criá 
nega danada, convém que nós se aquiete 
de neguin, já contei sete 
fora esse que no bucho tá


Xico com X, Bizerra com I segunda, 27 de novembro de 2017

ANDARILHAR

Para que se prestam os caminhos se não para andarilhar?
Por estradas e veredas, andarilho, sim,
Vendo o dia amanhecer, o sol dando bom dia,
A vida se acordando com o ‘De Acordo’ de Deus.
Para que lembrar de um adeus?
De tristezas, não vale a pena lembrar.
E esqueço tudo que não for sorriso.
Prefiro a vida, o tempo, o canto.
Do destino, perdôo as covardias
e descubro-me menino,
inventando sonhos, fabricando asas, voando.
E escrevendo versos, cantando, sorrindo.
E andarilhando.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 20 de novembro de 2017

VIVA A TODOS

 

 

 

Viva quem está na Bahia, em Pernambuco ou em qualquer lugarzinho escondido nesse Brasil. Tenhamos sempre razões para dar vivas a todos, a brancos e pretos, a velhos e jovens, a belos e feios. Aos que torcem pelo nosso time e aos que torcem pelos rivais. Vivas a quem percebe que somos todos iguais, em cor e em dor, em jeito e em peito, em mares e ares viajados. Vivas a quem não tem dúvidas quanto o valor da Poesia para apaziguar a alma e açucarar o coração. Vivas a todos que alimentam motivos para dar vivas a todos os povos. De algum lugar outros vivas virão com o objetivo de sorrisos banguelas em gargalhadas de alegrias, desalentos em esperança e, principalmente, gente com força para mudar e melhorar, apesar de todos os pesares, E se todos aos vivas tantos se juntassem, tanto melhor!


Xico com X, Bizerra com I segunda, 13 de novembro de 2017

SEVERINOS

 

 

Às vezes sonho com saudades
de quem sequer conheci.
Ontem, foi de João Cabral
e de seus Severinos tantos,
todos magérrimos, todos famintos.
Era um cinema, era escuro.
Eu e ele na última fila.
Fim do filme,
Latifúndio dividido, nem largo nem fundo,
Vi escorregar uma lágrima do olho de João.
Choro que molhou
O punhado final da terra
Que jogavam sobre o homem,
A poeira última, o derradeiro pó.
Senti escorregar uma lágrima do meu olho.
Era escuro e não era um cinema.
Solidário, disse-lhe:
– Nada mudou!
As luzes do cinema não se acenderam


Xico com X, Bizerra com I terça, 07 de novembro de 2017

HÁ GOSTO EM CANDEIAS

 

A rede de varandas perfumadas
balança um arco-iris de sete mil cores
enquanto a língua do mar
lambe grãos de areia mágica e conchas sorridentes.
U’a boca carinhosa, na janela dos afagos,
descansa ruminando ondas de abraços
açoitados por doce e terna ventania.
Sementes ninadas preparam setembros …

Nas telhas, uma gota d’água repleta de afetos
sussurra o canto feliz de quem avisa chuva


Xico com X, Bizerra com I segunda, 30 de outubro de 2017

A MULHER QUE NÃO CRIA EM DEUS

 

Aquela mulher de tantos nãos bem que poderia transpirar futuros e exalar suores de um presente ausente, gostasse dos sins. Quem sabe, transferir seus íntimos backups para pendrives e liberar a memória para assuntos de amor? Perdeu tempo. Versos lhe assustavam, prosas não lhe interessavam e eventuais romances estavam todos ainda no prólogo, no aguardo de inspiração. Faltava-lhe um prefácio animador e uma apresentação decente. E assim seguia, passo a passo, sem índice definido, por São Joões tantos. Dela, sumiram as notícias. Talvez esteja a bordo de um balão, num céu azul e distante, olhando lá de cima, esperando crer num Deus que ela não cria e no aguardo de um milagre que ainda pode acontecer. Ou não. Estará dançando um forró ou deitada sob um pé de acerolas ainda verdes.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 23 de outubro de 2017

UM JARDIM PARA CECÍLIA

 

 

Um jardim para Cecilia:
não o trago por falta de flores.
Os que conheço,
Sobram-lhes as dores dos dias de hoje,
sem borboletas ou lavadeiras,
sem folhas verdes faceiras
e passarinhos com ovos nenhum em seus ninhos…

Também não lhe trago um caracol.
De que adiantaria um se não há sol
que penetre sua concha?
Sequer sei onde busco
um vespertino lusco-fusco
que o torne mais molusco.

Não poderei trazer sapos e formigueiros,
nem cigarra e nem canções:
o povo é mudo, sem emoções
e jardineiros já não há…
Os sapos se foram e s formigas sumiram
levando com eles as canções e as cigarras
na maior das farras.
Onde estarão?

Resta-me trazer para Cecília
um carnaval, mas, sem Pierrots,
sem frevos e alegrias, sem serpentinas,
Sem Colombinas…
Apenas palhaços,
traços do povo e gente assim feito nós,
entre o muro e a hera,
trepadeira no outono da primavera,
ou no inverno do verão…
De quebra, e para alegria dela,
Prometo trazer-lhe um grilinho dentro do chão…

De tudo que lhe traga, Cecília mais gostará
Do grilinho dentro do chão…
Sei bem de Cecília, conheço seu coraçã


Xico com X, Bizerra com I segunda, 16 de outubro de 2017

JOÃO E ZÉ

 

 

Vendo a vida atrás das lentes de um ray-bam João rumou à Academia pensando em um dia ser o maioral, músculos e bíceps à la Schwarzeneger. Na mão, o i-phone que lhe mantinha a par de todas as fofocas coloridas da periferia e lhe ofertava os sons mais modernos. Em tempo real. De bermuda suja e rasgada Zé o espreitava na primeira esquina. Mirradinho, a Zé interessava apenas o celular, com suas fofocas de what-zap e sua parada de sucessos e o óculos que tornavam a vida mais verde. De arma em punho, Zé deixava de ser mirrado e tornava-se gigante diante de um João, este sim, agora mirradinho e indefeso. Sem opção, João passou a ver a vida em sua natural cor. Naquele dia não correu cinco quilômetros na bicicleta parada e não pode mandar a foto para seus amigos do Facebook. Restou-lhe apenas, no bolso de trás de sua calça jeans, um carnê da Casas Bahia com duas prestações vencidas.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 09 de outubro de 2017

PAULA

 

 

Paula é do tempo em que ainda existiam relojoeiros, sapateiros e amoladores de tesoura. Morava vizinho à sua casa, nas quebradas de um sertão brabo, um alfaiate. Não mais costura: faltam-lhe encomendas. Paula sobreviveu à fome e à vida vendendo seu corpo frágil, mas bonito, nos cabarés mais lordes do Recife antigo. Sim, ela é do tempo em que existiam cabarés na parte velha da Cidade. Vivia à noite ali e dormia de dia no kitinete alugado no Califórnia. Até o dia em que aportou no cais um navio cheio de japoneses e um deles se apaixonou perdidamente por Paula. Daí, morar no outro lado do mundo foi ligeiro demais. Hoje, Paula ainda lembra daquele tempo, e vive entre Tókio e Cabrobó com a fotografia de um casal de Japonesinhos na bolsa. Ela ama seus filhos. Este fim-de-semana levou-os à praia, bem em frente ao Edifício Califórnia.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 02 de outubro de 2017

ANJOS E PÁSSAROS

 

Em tempos de tanta música descartável, minha modesta – mas sincera - homenagem ao músico que junta seu instrumento ao peito e saí por aí alegrando almas, corações e mentes do povo brasileiro: o Sanfoneiro:

 

Num salto profundo
Altura tantas de tantos tons
A sanfona agarra-se ao peito do sanfoneiro
Feito asa, feito pássaro,
Voam juntos
Ele e ela.
E das asas nascem as notas, bemóis,
Brotam sustenidos 
Também flutuantes, 
Sonoras avoantes
De xotes e baiões
E de tudo o mais que há.
Na leveza do voo
Prende-se, cada vez mais,
À caixa dos peitos,
A sanfona de cores tantas
Quanto os sons que dela saem.
Num pulo sem partituras,
Sem partes, Parto sem dor,
Num pulo de porte
Perto dos deuses que sabem voar,
Flutuam 
Qual anjos e passarinhos 


Xico com X, Bizerra com I segunda, 25 de setembro de 2017

NA BEIRA DA ESTRADA

 

 

Sento-me à beira da estrada estreita para conversar com as pedras e trocar ideias com tantas folhas caídas à sua margem. Pequenos grilos cantam canções que só eles sabem cantar. Poucos as entendem. Borboletas cirandeiam alegres e felizes, colorindo o céu azul, de manchas brancas. Um vento sussurra que a chuva está por chegar e me apresso em busca de proteção. Desisto. Faz tempo não vejo a chuva e estou com saudades. Deixo que os pingos que caem me contem segredos guardados nas nuvens e só revelados a quem, como eu, não teme futuros e vive presentes. O peito nu é minha camisa e os cabelos, meu chapéu. Peito aberto, corpo molhado, despeço-me das amigas pedras, abraço as folhas e sigo o caminho rumo às alegrias vindouras. Acompanha-me sorridente um raio de sol pós-chuva, se encaminhando para a formação do primeiro arco-íris do dia. Ele, já brilhante, me deseja um bom dia e eu sigo. Feliz.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 18 de setembro de 2017

TEMPO PERDIDO SEM POESIA

 

Tinha um coração povoado por sombras e uma alma que se incumbia apenas de transferir gelo para suas veias. Desconhecia o bem querer e o amor era algo estranho para ele. Seus ouvidos não tinham tempo para ouvir os acordes de uma canção ou a leveza suave de palavras ternas. Apenas zumbidos e sussurros lhe chegavam às ouças. Nada mais. Até que lhe foi apresentado um poema de Manoel. Uma poesia de Barros. Poderia ter sido de Bandeira ou de Drumond, mas foi de Manoel de Barros. Aí, as pedras ganharam cor, o escuro se encheu de Luz e a incerteza se vestiu de verdades. Viu quanto tempo foi perdido. Sumiram as sombras e o gelo se desfez. Havia conhecido todo o encanto que há nas palavras. Quanto tempo ele perdeu ao desconhecer o quanto de belo há em um grilo, quanta claridade se encontra numa poça d’água que reflete a luz da lua, quanta sinceridade pode se encontrar numa simples pedra largada à beira do caminho.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 11 de setembro de 2017

PASSAREIO

 

 

eu passarinhando,
passeio.
a dor passou
e é só passado …
num passo sem pressa,
passo.
passarinho vou,
vôo,
num feliz passarinhar.
e nem Quintana sou …

SALVE, SALVE
Mário Quintana, Manoel de Barros,
Manoel Bandeira, Pablo Neruda


Xico com X, Bizerra com I segunda, 28 de agosto de 2017

A ÚLTIMA MESA DO SAVOY

 

A Guararapes,
quase já não há …
tem escola, correios e calçadas …
Não mais a loja de discos e o Trianon …
já não parece um festim
às cinco da tarde.
Sumiram os trinta homens,
seus desejos se confundiram com seus sonhos
e os chopps não foram servidos …
nem sorvidos …
banhos às escondidas,
meio amor nas mãos,
vaidades rijas só na alma de Pena …
resta a mesa derradeira,
já sem copos a enfeitar-lhe …
Do Savoy,
Apenas o sorriso de Joaquim
e uma saudade danada …


Xico com X, Bizerra com I segunda, 21 de agosto de 2017

MÔNICAS E TELMAS

Disse-me o amigo José que sonhar é viver vontades. Poderíamos então dizer que, da mesma forma, viver vontades é sonhar? Segundo ele, é para isso que existem as Mônicas. E as Telmas, Com elas José sonha sempre de madrugada, já quase na hora de acordar. E várias são as Telmas: da recatada à mais depravada das moças, da religiosa quase freira àquela que só acredita nos poderes do corpo e da carne. Gosta de todas, José. As Telmas lhe ensinam o caminho da alegrias e prazeres. As Mônicas justificam suas vontades, realizando-as em sonhos. E entre Telmas e Mônicas, segue José seu caminho de devaneios, sonhando e dormindo, dormindo e sonhando, bebendo quimeras, sorvendo delírios, se alimentando de utopias. Sonhando desejos. Vivendo vontades. Sempre bem acompanhado de Mônicas e Telmas.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 14 de agosto de 2017

INVERNIA

Debaixo de um céu quase azul, com nuvens se desmanchando sobre a plantação, vê-se a ribançã voltando pra casa, de asa molhada. Celebrando sua volta, o homem tira o chapéu, olha pro céu, se benze e agradece a chuva que vai pintar de verde o seu chão. São José atendeu suas preces. Dele e de tantos outros que têm na chuva a esperança d’água. Por isso aquele velho homem sorri. Sua mulher ajuda-o no sorrir e deixa bacias e vasilhas prontas à espera da bendita água que vem daquele céu benditamente escuro. O joelho tantas vezes dobrado, já tão ralado de tanto pedir, outra vez se curvará no piso da igrejinha, desta vez para agradecer. O menino sorri à beira do pote no aguardo do banho de chuva que está por tomar. Água virá. Sedes serão saciadas. O inverno anuncia que está chegando. Será bem recebido. ‘Tá bonito pra chover.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 07 de agosto de 2017

PERDI O TREM

Fortaleza, Crato, Fortaleza. Quantas vezes, idas e vindas. Quantas madrugadas acordadas para não perder o trem que partia às cinco horas. Quantas malas carregadas, quantas saudades deixadas e outras levadas na bagagem. Quantos trilhos e estações, vendedores de pitomba, de tapioca, zoadentos com seus balaios nas cabeças. Do Crato até o Cedro, Várzea Alegre, Iguatu, Quixeramobim e sua ponte quase do mesmo tamanho do nome da cidade. E as frutas de Baturité, existem mais doces? O destino final, enfim. Havia sineta anunciando a partida, para alguns. Para outros anunciava a chegada. E aí se via os carreteiros sem carretos, acenos, risos e lágrimas. Dos bancos de madeira dava pra se ver pela ampla janela a paisagem de uma volta dali a algum tempo. Resta a saudade do apito, da fumaça, da Maria enfumaçada rastejando feito cobra cortando os sertões, levando gentes e sonhos, trazendo sonhos e gentes. Passou o trem, passou o tempo, passamos nós.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 31 de julho de 2017

A COR DA FELICIDADE

Minha alma se alimenta de cores e só é feliz quando encontra os matizes em que se escondem os passarinhos coloridos. Procuro-os em todo campo, em todo céu, em todo mato e sempre os encontro. Se acaso, por um instante, me fogem os passarinhos e os versos, me contento em beber brisa e estrelas, e vou preparando a vida para o encontro que se dará, logo, dali a pouco, ali adiante. E então, versos e passarinhos me acariciam a pele e alisam meu cabelo, confortando minha alma. É quando volto a sonhar e a ter a certeza de que a felicidade existe e mora perto. Ela é verde, azul, amarela, de qualquer cor. É um arco-íris. Da cor que nossos olhos enxergam. Da cor que faça feliz nosso coração. São os pincéis que pintam nossa vida da cor do amor, seja que cor ele tenha.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 24 de julho de 2017

PEDRAS E PARALELEPÍPEDOS

Volto e nada mais é como era. Procuro e não encontro onde está o céu azulzinho em que se penduravam brancas nuvens em forma de carneirinhos. E o vento que batia no meu peito nu, sem camisa, onde está? Vejo as pedras nas ruas de minha pequena aldeia e me deparo com a dureza que é lembrar das estradas de terra em que meus pés corriam atrás de uma bola de meia. Hoje, paralelepípedos frios cobrem e soterram minhas pegadas infantis. São sonhos escondidos sob pedras, é um passado deitado embaixo do chão. Apenas o pequenino rio continua a nos levar nos sonhos e na vida, molhando nossa saudade e passando água em nossa criancice já tão distante, mas tão presente. Seu correr sereno lava minhas mágoas enxaguadas pela saudade que insiste em me acompanhar.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 17 de julho de 2017

BORBOLETAS E FLORES

Ao ver entre o céu e minha cabeça borboletas azuis, amarelas e de todas as cores e matizes veio-me à lembrança a dúvida que sempre tive: borboletas são flores que aprenderam a voar ou são as flores borboletas preguiçosas que preferem ficar no chão? Não importa. O bailar preciso e bonito desses voares me encanta desde sempre. Um corpo de baile coeso e colorido, um arco-íris voante a enfeitar o céu e a vida da gente. Me encantam as flores esvoaçantes nos céus do meu olhar do mesmo jeito que me enfeitiça a aquarela viva das borboletas com preguiça mágica seduzindo os jardins. Onde Deus se inspirou para criar tamanha beleza? Nas borboletas ou nas flores?


Xico com X, Bizerra com I segunda, 10 de julho de 2017

O RATO ROEU

 

Francisco, junto com seus amigos, plantou estrelas no jardim de sua casa. A aldeia ficou linda. Sua mulher enfeitou a varanda com pés de manacá, junto a mandalas coloridas, para deles extrair seus cheiros. Todas as outras mulheres fizeram o mesmo. Hoje, Francisco não consegue mais ver suas estrelas e chora a ilusão de tê-las plantado. Roubaram-lhe todas. Seus filhos não podem sentir o cheiro das flores nas varandas. Elas não cheiram mais. Toda a luz que ali havia o gato comeu. O vento da alegria, o rato roeu junto com a roupa dos que habitam a aldeia e o povo está nu. Até o rio, outrora belo, quase desencheu de água tão suja a poluir-lhe o curso. E a paz, de tão rara, tão pouca, calou-se, enquanto a flor, que vivia a enfeitar a vida, sumiu nessa roça tão louca. Pior, com medo de quem tem a chave do ruim guardada em suas mãos, a tristeza fez morada na casa, na rua, na aldeia de Francisco. Sua mulher se arrepende de ter enfeitado a varanda e, triste, fez das bandeiras que empunhava alguns panos de chão. Ironicamente, hoje, eles se prestam a limpar sujeiras. Pior: as bandeiras de outras cores também se emolambaram e não têm outra serventia que não seja servirem de pano de chão. Do mais reles chão.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 03 de julho de 2017

MEDOS E TEMORES

 

Já não me assombram as sombras que faziam minha noite durar muito mais do que o necessário para o regresso do dia. Já não mais me assusto com o arrastar de correntes imaginárias nos corredores da casa sem luz. Já não me mete medo o escuro de uma noite chuvosa e seus trovões zoadentos clareados por relâmpagos faiscantes. Nada disso me apavora, mais. Meus temores são outros. Temo pela injustiça social, pelo desrespeito do homem pelo próprio homem. Sofro pela presença maciça e constante de políticos ladrões, de governantes irresponsáveis, de gestores públicos descompromissados com seu povo, sua gente. Se pudesse, voltava a ter apenas os pequenos medos e temores de minha infância. Assustam menos as sombras, as correntes arrastadas e as noites chuvosas repletas de trovejar que ratos ricos e poderosos passeando livres pelos planaltos do meu País. Com bafo de uísque escocês e cheiro de perfume francês, tudo patrocinado por todos nós.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 26 de junho de 2017

GAIOLA DOS HOMENS

 

Pássaros livres voam distâncias à procura de grãos pelo chão da terra também livre. Eles merecem esse voar feliz. Como as borboletas que um dia foram lagartas. Nada fazem ou fizeram, pássaros e borboletas, para entristecer as pessoas ou desonrar sua raça. Ao contrário, seus cantos e voos coloridos contribuem para enfeitar a vida no mundo. Os humanos, nem tanto: em uma gaiola, os passos do homem são barrados. Imóvel, ele apenas olha em volta sem nada a fazer, a não ser lamentar seu processo de impossibilidades. Água e alpiste é o que lhe resta de uma liberdade que se foi. Quisera, e alimenta o sonho de abrirem-se as portas da gaiola para que as lonjuras sejam voadas, que lhe voltem o perfume da França e a bebida da Escócia. Sem poeira, sem arames, sem freios. Só o vento, as asas e a senhora Liberdade. Ele, como os pássaros, não nasceu para Gaiola. Ele nasceu para ter a seu dispor a liberdade do voo. Mas nem sempre mereceu deixar de ser lagarta para virar borboleta.


Xico com X, Bizerra com I terça, 20 de junho de 2017

A IDADE DOS RELÓGIOS

 

 

 

Letras, sílabas, palavras estão perdidas em páginas frias, em papel fino e empoeirado. Parágrafos extensos, não revisados, ali permanecem preservados do olhar, protegidos do saber, desaprumados na estante. Ninguém os desempoeira. Pendurados na parede, ponteiros enferrujados já não marcam horas, nem minutos, nem segundos. Sequer saem do lugar. O tempo está perdido dentro da biblioteca. Ninguém percebe, mas o romance, em seu leito de morte, sofre espasmos de tristeza e de dor tendo por testemunha apenas um calendário de datas passadas, que não mais voltarão. O livro está fechado e as letras escorrem por entre o papel sem que ninguém as leia. Um relógio que não marca horas a tudo observa. Apenas observa. Nada pode fazer.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 12 de junho de 2017

PLANTAR SOMBRAS E COLHER LUZES

 

Flutuar ao sabor das estrelas é navegar por infinitos nunca dantes trafegado. É colher luzes no pomar das alegrias infindas, ainda que só se tenha plantado sonhos com pouca luminosidade. Ver estrelas é despertar da noite escura e envolver-se, direta e completamente, num abajur de cores vivas e ardentes, em que os astros passam a ser companheiros a espantar cuidadosamente e com bons modos a senhora boba e feia chamada solidão. Que se acendam as estrelas e que os céus às vezes escuro permita o flutuar na vida, para o bem dos cosmos e alegria geral da alma de quem, sobre a franja de um muro irregular, procura ver-se acender a varinha mágica da paz. Ela ainda existe. Até quando?


Xico com X, Bizerra com I segunda, 05 de junho de 2017

TEMPO AMARELO

 

As fotografias, em preto e branco, estão perdidas num álbum antigo, empoeirado e guardado no fundo de uma gaveta poucas vezes aberta. Agora, tudo se dá no momento, na ponta dos dedos, no diafragma automático, exposição definida e programada pela própria máquina. A tecnologia se encarrega de buscar a luz adequada, o ângulo perfeito, o bom enquadramento. Se, apesar de tudo, não ficar bom, corrige-se depois: técnicas há para isto. O digital esqueceu o papel e a arte se escondeu no progresso técnico. Restou, apenas, a visão obturada de papéis amarelados pelo tempo, com vincos de saudade, riscados de ontem. Já não mais há revelações. Foram-se a luz e a velocidade deixando quimeras, utopias e delírios em close-up.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 29 de maio de 2017

MÃOS



As mãos que escavam covas e aram a terra são as mesmas que se postam na oração pela ventura da vida. São mãos de unhas cravejadas de dor. São mãos, são nãos conflitando com todos os sins. Nos sertões desabrigados de inverno, elas se unem, umas às outras, para pedir chuva e agradecer chuviscos, quando caem. Não caindo, novamente se postam à espera de trovões e relâmpagos, que quase nunca vêm. Mãos que se encontram em procissões e filas de fome, de busca de pão. Mãos adultas que ensinam a maõzinhas menores os caminhos que nem mesmos os maiores de mãos sabem se certos. Mãos que assinam leis e assassinam gente e bichos, que batem e disparam armas mas que também regem orquestras, que tocam canções e vão aos parques. Mãos de lutas, mãos que afagam e acariciam, que rezam terço e novenas, batem palmas nas novenas e tocam tambor em todos os terreiros. Mãos que catam feijão e preparam peixes, que lavam pratos e passam roupa. Mãos de mães. Ternas.São mãos que votam e escolhem seus algozes. Mãos que se cruzam, no leito final, quando a vida se descruza. As mesmas mãos.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 22 de maio de 2017

VENTO TRAQUINO

 

O vento criança brincava nos retângulos escondidos nas esquinas. E o eco respondia alinhando e reproduzindo os cantos de todos os quadrados. Por todos os lados ouvia-se o seu barulho. As cortinas dançavam a dança do sopro, dos malinos ares, indiferente a todos os ângulos, retos e oblíquos, complementares e congruentes. Tangiam-se sonhos e lembranças, todo o tempo, esvoaçando um passado que parecia dormir. Mas o vento pouco se importava com a tristeza do espaço e cumpria sua missão, traquinando, assoviando ao redor de círculos, sendo vento. Só vento. Somente ventando, assanhando o cabelo da menina, apagando a vela, revoltando o mar. Ventando.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 15 de maio de 2017

MORADA DOS LAGARTOS E DAS PEDRAS


Sinto-me sede e redescubro o pote que repousa, seco, à sombra de uma esquina esquecida dentro de casa. Sobre ele, descansa o caneco de alumínio areado, quase inox, capaz de saciar-me, de amenizar o soluço doloroso da falta de saliva, a pouca água que me visita, às vezes. Mas nada se contém no pote além do seu destino frustrado de saciar sedes. Sentimento de um barro que poderia ter sido um violeiro de Vitalino e transformou-se num artefato sem utilidade naquele sertão sem águas. Sou sede de justiça, do bem comum, tão incomum nas bandas de cá, das planícies distantes, da morada dos lagartos e das pedras. Sedo-me e aguardo a água, uma ribançã que seja voltando par a casa com a asa molhada, um trovãozinho ‘peido-de-véia’ ou um relampo pequenininho, do tamanho de minha fé que está indo embora, no primeiro pau-de-arara que aparece levantando a poeira da vergonha. Sêde justo, meu Deus.


Xico com X, Bizerra com I sábado, 13 de maio de 2017

HISTÓRIA DE MINHAS MÚSICAS - 153 - BAIÃO DO SOL ESCONDIDO

Em meados de 2009 – lá se vão quase 7 anos – e ainda não se falava de Mensalão, Petrolão e Pasadeña com a insistência de hoje, eu já havia me decepcionado com o PT, depositário de meu voto em três oportunidades. Em Janeiro de 2010 publiquei aqui mesmo no JBF o comentário e a música BAIÃO DO SOL ESCONDIDO, em que, por meio de metáforas, mostrava toda a minha decepção com o momento político da época e com toda a lama que viria a emergir até os dias de hoje. Decepção com Lula, com as alianças espúrias do ex-Presidente com os Sarneys, Collors, Renans, Temers e Barbalhos da vida. Decepção com os Dulcídios, Cunhas, Humbertos e tantos outros da mesma camarilha. Pela atualidade do tema e para abraçar amigos que, à época, me condenaram e que hoje, mais que eu, reconhecem a podridão do ambiente político brasileiro, solicitei a reedição da mesma música, pela atualidade do tema.

BAIÃO DO SOL ESCONDIDO
De Ozi dos Palmares e Xico Bizerra
Com Miguel Filho

 

nos lupanares de uma aldeia sem esquinas
mãos tão malinas escondiam nosso sol
e a consciência da peneira
se agigantou pra que a sujeira
se derramasse feito lama encharcando toda a terra
vendo o boi que ao rebanho anuncia, grita e berra
que todo o pasto se foi e não voltará
nem hoje, talvez nunca mais
a fé que não foi replantada
a lua que não se acendeu
um rio de água tão suja que se desencheu
e a paz, de tão rara, tão pouca
calou-se, de rouca, se foi
e a flor numa roça tão louca, sumiu


Xico com X, Bizerra com I segunda, 08 de maio de 2017

O PÃO, O DIABO E O VOTO

 

 

Comeu apenas o bico do pão amassado pelo Diabo. Mais, não lhe foi oferecido. E saiu, buscando as tangentes da vida mas procurando, principalmente, tanger da vida tanta agrura. Mais um emprego será tentado, tantos passos serão dados à procura de um alento, de um sim. Ao fim do dia, cheio de nãos e mãos vazias a volta ao lar, se é que assim se possa chamar aquele pedaço de chão com toscas paredes levantadas. O olhar perdido da companheira é do tamanho do sonho também perdido por mais um dia que se perdeu. Dormirá? Amanhã, o recomeço, o tudo de novo. E o nada a persegui-lo, a negação a oferecer-lhe o braço e a mão, feito o político safado que tudo prometerá em troca do seu voto naquela eleição que está por chegar. Resistirá até lá? Na manchete de Jornal a aposentadoria tripla e milionária do velho Senador. Menos mal: ele não sabe ler.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 01 de maio de 2017

POEMA FINAL



 

O Poeta engasgou-se com sílabas e ficou enauseado com a gordura dos parágrafos extensos. Levantou-se da mesa certo do pouco que lhe restava. O verso já não chegava e o respirar era difícil. A hora do partir, inexorável, chegara. Antes, porém, no vomitar de rimas, instantes finais, um soluço de poesia lhe fez abrir os olhos e enxergar, nos estertores do poema final, um Drumond conversando com Gullar, a poesia a dizer adeus. Um Manoel de Barros rindo com a prosa de Vinícius ainda conseguiu fazer-lhe sorrir naquela hora. Um soneto se demorou um pouco no meio do caminho, tropeçou em pedras, e se deslumbrou com Pessoa. E ela, demorará a chegar? O Poeta merece um pouco mais de vida e nós merecemos um traço, por mais tênue que seja, de sua enorme Poesia. Bebeu três gotinhas de Quintana, duas colheres de chá de Bandeira e uma dose de Chico Buarque. … sua Poesia continuou viva.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 24 de abril de 2017

O BARULHO DO SILÊNCIO

O silêncio das alturas é tão intenso que arranha meus ouvidos. Estou no cume da montanha e, de cima, vejo tudo o que os olhos não deixam ver. Sinto o cheiro da alegria em cada pássaro que se atreve a tão alto voar. Eles farejam risos e beliscam grãos de felicidade que só encontram nos pomares próximos do céu. Aqui, até a chuva que desabita os sertões parece pintada com as cores da paz e cada gota se colore com a cor da paz se mistura numa aquarela de intensas cores outras, também de paz. Aí, o sabor do saber toma conta de minha alma até então ignorante e passo a perceber o quanto pequeno somos, o quanto frágeis estamos na base, sem escadas, sem apoio. Voar. Tivéssemos asas assim o faríamos, todos os dias. Mas temos apenas pernas, fracas, impotentes para que o eventual percurso desejado se repita no dia-a-dia. É sentar, contemplar e dizer obrigado à mãe natura. E ali demorar-se, por quanto tempo der, sem calendários, sem relógios, sem ninguém. Numa conversa íntima com Deus.


Xico com X, Bizerra com I terça, 18 de abril de 2017

O DERRADEIRO WHISKY DE UM HOMEM SÓ

 

Eis que a madrugada chega, apressada, estragando o prazer do homem só. Quantas doses lhe foram servidas? Quantos cinzeiros se encheram com as cinzas de seu cigarro? E agora, quanta conversa terá que ser adiada até o próximo encontro? Quantos abraços deixarão de ser trocados? Conversas outras ficarão de novo guardadas. Palavras continuarão escondidas no fundo do coração, silentes e misteriosas. São segredos apenas conhecidos daquela mulher de coxas muitas, seios fartos e decote generoso, tanto quanto seus ouvidos a escutar histórias, lamentos e confidências indecorosas. As cores da Noite abraçam a luz do Dia. Cadeiras começam a se amontoar nos cantos e as toalhas manchadas se preparam para o iminente enxágue. As mesas serão limpas, já à luz do sol. Os abajures se apagam e a sala se despenumbra lentamente. No palco da lembrança, os mais melosos boleros parecem soar para deleite da alma. O garçom, já sem gravata, lhe serve o derradeiro whisky enquanto a mulher se despede presenteando-o com um beijo, meio-batom, meio-gim. O homem volta a ser só. Ele, ele e sua saudade de não sei o quê.

 

 

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Xico com X, Bizerra com I segunda, 10 de abril de 2017

FANTASMAS E FLORES

 

A Casa sem ninguém, dentro ou fora, é adormecida pelo vento das lembranças do que se foi. Fantasmas dormem por ali e, quase nunca, vagueiam pelas varandas escuras ao lado de pirilampos e vagalumes de luzes desacendidas. Na confusão da fumaça que embaça os vitrais da porta semi-aberta, ou semi-fechada, um vulto passeia, cabelos em desarrumo, roupas brancas e esfarrapadas. Qual a sua missão? O que faz ali? De mãos dadas com o tempo, aquela senhora vai ao quintal, colhe flores e deposita-as na jardineira sem areia, sem chuva e sem perspectiva de qualquer futuro. Mas o faz. É sua missão florir a vida até onde vida não há. Ou até quando for possível fazê-lo. A lua vai embora, os fantasmas despertam e esperam novos ventos para que a casa de novo lhes faça companhia e adormeça.

 

 

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Xico com X, Bizerra com I segunda, 03 de abril de 2017

VIXE, COMO TEM SCHOPENHAUER LÁ NA DEUTSCHLANDSBER
 

Nunca me acostumei com o pessoal da Alemanha, Polônia, Áustria e adjacências, que não têm qualquer simpatia por vogais e enchem os nomes das pessoas de consoantes que os deixam sem poesia e impronunciáveis. O poeta Nietshe bem que poderia se chamar ZÉ, como o nosso DA LUZ. O Papa Ratzinger seria muito mais simpático se tivesse o nome do atual CHICO. CICERO ou DAMIÃO também lhe cairiam bem. Pra quê se chamar Brecht se TOIM soa bem mais agradável aos ouvidos? Já pensou se Jackson tivesse nascido praquelas bandas, numa cidadezinha que não Alagoa Grande, Quixeramobim ou Crato? Imagina ele cantando:

VIXE, COMO TEM SCHOPENHAUER
COMO TEM SCHOPENHAUER LÁ NA DEUTSCHLANDDBER

Não teria encantado Almira Castilho. Nem a mim.

 

Arthur Schopenhauer (1788-1860)


Xico com X, Bizerra com I segunda, 27 de março de 2017

SOU AVEXADO


 

A exemplo de Gorki, não me contento em esperar pelo amanhã. Meu relógio não tem ponteiros. Tenho pressa, sede do hoje, estou sedento do agora. Por isso não calo, como nunca calei. Sei que toda noite tem auroras, como pregava o bom baiano Castro Alves, aquele do Navio Negreiro, bem antes de Caetano. Razões tenho para gritar, mas razões também as tenho para sorrir. Rio porque sonho. Gargalho porque acredito no meu sonho de paz entre os homens. De harmonia. Acredito na poesia e na sua força de transformar os homens. Quero continuar com a missão de acendedor de consciências e sair mundo afora lembrando a todos da necessária luz para um melhor mundo. Modestamente, com minhas canções. Tomara que eu consiga.


Xico com X, Bizerra com I segunda, 20 de março de 2017

GOL


Sou de um passado, ainda não perdido na poeira da lonjura, em que havia jogo bonito, Tempos de Santos e de Botafogo. E em cada jogo, a bola era escrava do craque e cada ataque um prenúncio de gol. Coisa que não se aprende na escola. A barra era a senzala da bola, depois de um lançamento de não-sei-quantas jardas. A bola matada no peito, com todo o respeito, era amaciada pra grama (naquele tempo havia grama de verdade) e, de uma trivela bem dada ou uma folha-seca certeira a bola beijava a rede. O campo, um teatro, jogadores, seus atores dialogando uma troca de passe E os aplausos da galera como que a gritar Bravo! Hoje, os Pelés e Garrinchas já não enfeitam as tardes de domingos. A violência venceu e o clássico virou a mais reles das peladas. Como antes, apenas a bola continua redonda.

 


Xico com X, Bizerra com I segunda, 13 de março de 2017

HISTÓRIA DE MINHAS MÚSICAS - 166

 

Sempre fui muito aberto a parcerias. Acho que elas revigoram e possibilitam novos caminhos ao compositor. Assim é que tenho vários parceiros em minha caminhada na estrada da música. Alguns, entretanto, ao longo do tempo se revelam mais frequentes, por afinidade ou acaso. Assim é que Maria Dapaz, Leninho e Bráulio Medeiros são meus parceiros mais frequentes. Com este último, paraibano de Patos, nasceu ESTRADA LONGA, lançada inicialmente por Elba Ramalho cantando juntamente com Cezinha e, no mais recente disco nosso, por Alaíde Costa. É esta a versão que acompanha essa nossa história, nesta semana.

ESTRADA LONGA
Xico Bizerra e Bráulio Medeiros

 

se a estrada é longa eu parto mais cedo
se não tem clarão desacendo o medo
a solidão nunca foi meu brinquedo
eu faço tudo pelo nosso amor

por sobre as pedras eu apresso o passo
bebo da vontade de ter teu abraço
meu peito sorrindo bate sem compasso
fazendo festa para o nosso amor

se o mundo inteiro no meu ouvido vier cochichar
me dizendo que eu não devo ir
eu não ligo e digo, tô indo pra lá
pra te encontrar
coisa mais dengosa, coisa mais bonita
bordo em minha alma dois laços de fita
pra enfeitar o brilho do teu olhar


Xico com X, Bizerra com I segunda, 13 de março de 2017

HISTÓRIA DE MINHAS MÚSICAS - 154


Contrariando a prática que utilizei nas 153 edições anteriores desta coluna HISTÓRIA DE MINHAS MÚSICAS, hoje publico uma música inédita que será lançada em breve no disco de Leninho de Bodocó, meu parceiro na canção. Em tempos de Lava-Jato (Limpa Fossa não seria mais adequado?), com Políticos, Líderes de Partido, Senadores, Tesoureiros, Empresários, Assessores, Banqueiros, Aspones presos, a música diz bem o que se pensa da classe política no Brasil de hoje. Infelizmente.

O penúltimo verso (DE SACO CHEIO COM TANTO CABRA SAFADO) foi substituído pelo cantor, contra a minha vontade, por DE SACO CHEIO DE TANTO SER ENGANADO.

DE SACO CHEIO
De Xico Bizerra e Leninho de Bodocó

 

 

Seu dotô,
Seu lero-lero num deixa barriga cheia
Prometer e num cumprir é coisa feia
Ocê pediu e nos votemo em vosmecê
Depois sumiu
Foi se esconder lá pras bandas do planalto
E eu aflito, te chamei, gritei bem alto
E o que eu queria era apenas lhe dizer:

Que o sol tá quente
E aquela chuva inté hoje num choveu
E o açude que vosmecê prometeu
É lama e pedra, toda a água evaporou
E as panela
Naquele tempo já tava quase vazia
Secou de vez como há tempo num se via
Trabái pra nos, nem notiça, seu dotô

Eu tô sabendo
Daqui uns tempo vosmece vai ta voltando
E o voto desse povo implorando
Que e pra poder ficar mais rico e mais feliz
Vou lhe dizendo
O nosso povo ta sofrendo um bocado
De saco cheio com tanto cabra safado
Que so pensa em roubar nosso país

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Xico com X, Bizerra com I terça, 07 de março de 2017

É MUITO ATREVIMENTO, MAS COMO EU SOU ATREVIDO … – 6
 


O Poeta Pedro Romulo Nunes, inspirado como sempre, disse aqui pelo Face:

A vida é uma estrada
onde deixamos valores
há alguns plantado espinhos
e outros plantando flores
e nesta diversidade
aquele que faz maldade
com certeza colhe dores

Atrevido como sou, respondi-lhe:

E nessa estrada da vida
Que tem somente uma via
Existe semente boa
Outras sem qualquer valia
Só sei que plantando bondade
Não tem possibilidade
De não se colher alegria

 


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