Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 10 de abril de 2020

SEMANA SANTA - HISTÓRICO

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SEMANA SANTA - HISTÓRICO

Violante Pimentel

A SEMANA SANTA é uma tradição religiosa cristã que celebra a PAIXÃO, a MORTE e a RESSURREIÇÃO de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela se inicia no Domingo de Ramos, que relembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, e termina com a Ressurreição de Jesus, que ocorre no domingo de Páscoa.

OS DIAS DA SEMANA SANTA:

1- DOMINGO DE RAMOS - Abertura solene da Semana Santa, com a celebração da Missa de Ramos, onde os fiéis exibem um ramo nas mãos, comemorando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Jesus é recebido com um Rei, mas os mesmos homens que o receberam com festa o condenaram à morte. Jesus é recebido e aclamado com ramos de palmeiras. Nesse dia, são comuns procissões em que os fiéis levam consigo ramos de oliveira ou palmeira, o que deu origem ao nome da celebração. De acordo com os Evangelhos, Jesus foi para Jerusalém celebrar a Páscoa Judaica com os seus discípulos. Entrou na cidade como um rei, mas sentado num jumentinho - simbolo da humildade - e foi aclamado pela população como o Messias, o Rei de de Israel. A multidão o aclamava: "Hosana ao Filho de Davi!" Isso aconteceu alguns dias antes da sua Paixão, Morte e Ressurreição.

SEGUNDA-FEIRA SANTA - A Segunda-Feira Santa é o segundo dia da Semana Santa, cujo começo tem lugar no Domingo de Ramos, e durante o qual os cristãos se preparam em orações para reviver a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

TERÇA-FEIRA SANTA - É o terceiro dia da Semana Santa, onde são celebradas as Sete Dores de Nossa Senhora Virgem Maria. E um dia de penitências, no qual os cristãos cumprem promessas de vários tipos ou o dia da memória do encontro de Jesus e Maria no caminho do Calvário.

1.4 QUARTA-FEIRA SANTA- Ou QUARTA-FEIRA DE TREVAS- É o quarto dia da Semana Santa. Em algumas Igrejas celebra-se nesse dia a piedosa procissão do encontro de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores. Ainda há Igrejas que nesse dia celebram o Ofício das Trevas, lembrando que o mundo já está em trevas, devido à proximidade da morte de Jesus. É uma celebração bonita e muito triste.

QUINTA-FEIRA SANTA - ou QUINTA-FEIRA DA CEIA DO SENHOR - é o quinto dia da Semana Santa e, na manhã desse dia, nas catedrais das dioceses, o Bispo se reúne com o Clero para a celebração do Crisma, na qual são abençoados os óleos que serão usados na administração dos Sacramentos do Batismo, Crisma e Unção dos Enfermos. Com essa celebração se encerra a Quaresma.
Neste mesmo dia, à noite, são relembrados os três gestos de Jesus durante a Última Ceia: a instituição da Eucaristia, o exemplo do Lava-pés, com a instituição de um novo mandamento (ou "ordenança") segundo algumas denominações cristãs, e a instituição do Sacerdócio. É neste momento que Judas Iscariotes sai para entregar Jesus por trinta moedas de prata. E é nesta noite que Jesus é preso, interrogado e, no amanhecer da sexta-feira, açoitado e condenado a morrer na CRUZ.

SEXTA-FEIRA SANTA ou SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO -

É quando a Igreja recorda a morte de Jesus. É celebrada a Solene Ação Litúrgica, Paixão e a Adoração da Cruz. A recordação da morte de Jesus consiste em quatro momentos: A Liturgia da Palavra, Oração Universal, Adoração da Cruz e Rito da Comunhão. Presidida por presbítero ou bispo, os paramentos para a celebração são de cor vermelha.

SÁBADO SANTO ou SÁBADO DE ALELUIA -
É o dia da espera. Os cristãos junto ao sepulcro de Jesus aguardam sua ressurreição. No final deste dia é celebrada a Solene Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias, como disse Santo Agostinho, que se inicia com a Bênção do Fogo Novo e também do Círio Pascal; proclama-se a Páscoa através do canto do Exultet e faz-se a leitura de 8 passagens da Bíblia (4 leituras e 4 salmos) percorrendo-se toda história da salvação, desde Adão até o relato dos primeiros cristãos. Entoa-se o Glória e o Aleluia, que foram omitidos durante todo o período quaresmal. Há também o batismo daqueles adultos que se prepararam durante toda a quaresma. A celebração se encerra com a Liturgia Eucarística, o ápice de todas as missas.

DOMINGO DE PÁSCOA -

É O DIA MAIS IMPORTANTE PARA A FÉ CRISTÃ, POIS JESUS VENCE A MORTE, PARA MOSTRAR O VALOR DA VIDA. Esse dia é estendido por mais cinquenta dias até o Domingo de Pentecostes.

A PÁSCOA CRISTÃ celebra, portanto, a RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 10 de abril de 2020

A SEMANA SANTA, NA MINHA JUVENTUDE

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A SEMANA SANTA, NA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE
O APELO QUE GUARDO NA MEMÓRIA:
“UMA ESMOLINHA, PELO AMOR DE DEUS! PRA MINHA MÃE JEJUAR NO DIA D’OJE!!!”

 

Na sala da nossa casa, ficavam dois sacos grandes, um com brote, outro com bacalhau. Eram as esmolas que minha mãe distribuía aos pedintes, na Quinta-Feira Santa e na Sexta-Feira da Paixão. Nessa época, década de 60, bacalhau era produto de baixo custo.


Paralelamente, na Sexta-Feira, havia uma grande preocupação das famílias, de esconder suas galinhas dentro de casa. Os "biriteiros" de plantão costumavam furtá-las dos quintais nessa noite, e transformá-las em guizados, para lhes servir de tira-gosto.


O furto de galinhas, na noite da Sexta-Feira Santa, era uma tradição, fruto da cultura popular nordestina. Geralmente, os "gatunos" eram jovens conhecidos e de boa família, e faziam isso por brincadeira, às vezes compartilhada pelos próprios donos.


As comadres da minha mãe, que residiam na zona rural, traziam-lhe beijus de goma e coco de presente, cujo cheiro e gosto nunca esqueci.


A Semana Santa, para os adeptos da Igreja Católica, era uma época triste e sombria. Para começar, não havia aula durante essa semana. O martírio de Nosso Senhor Jesus Cristo era revivido com respeito. Não se ouvia música profana. Não se chamava nome feio, e quase não havia briga. Era um período de reflexão, e esperança de um mundo melhor.


Na Quarta-Feira da Semana Santa, a chamada Quarta-Feira de Trevas, não se ouvia o apito do trem, pois ele não trafegava. Não havia entrega de leite dos currais, pois não se tirava leite naquele dia, sob pena de em vez do leite, do animal jorrar sangue. Ainda por cima, propagava-se o perigo de ficar entrevado, para aquele que tomasse banho nesse dia.


Esses medos faziam parte da crendice popular, nos recantos nordestinos mais atrasados.


Na Quinta-Feira Santa , quando se revive a traição de Judas, durante a Última Ceia, sentia-se na cidade o clima de tristeza, Era o começo do martírio de Jesus, que carregaria sua Cruz até ser crucificado e morto.


Na Sexta - Feira da Paixão, Jesus estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem.


Nesse dia triste, eram praticados o jejum de carne e a abstinência de bebidas alcoólicas.


As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, em troca de 30 moedas.


Os clubes sociais e outros ambientes de entretenimento não funcionavam, em respeito à morte de Jesus Cristo.


O sábado de Aleluia revive a expectativa da Ressurreição de Jesus Cristo, o filho de Deus.. A liturgia da Páscoa, ou passagem, ocorre pela madrugada.


A Páscoa Cristã é uma das festividades mais importantes para o cristianismo. De acordo com o calendário cristão, a Páscoa consiste no encerramento da chamada Semana Santa.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 04 de abril de 2020

A HISTÓRIA SE REPETE

 

 

A HISTORIA SE REPETE

A Gripe Espanhola de 1918 se alastrou pelo mundo, inclusive pelo Brasil, fazendo inúmeras vítimas. O Rio Grande do Norte também foi atingido.

Quando eu era adolescente, gostava muito de conversar com uma tia-avó muito idosa, Idila dos Santos Lima, irmã da minha avó-materna, a poetisa Anna Lima. Ela falava muito sobre a Gripe Espanhola (1918), que tinha vitimado duas irmãs suas, muito jovens, Luzia e Olindina.

Tia Idila provinha de uma prole de nove irmãos, incluindo Anna Lima, Dr.Luiz Antônio dos Santos Lima e Dr. Nestor dos Santos Lima. Com o passar do tempo, os irmãos foram morrendo, restando ela, como única sobrevivente.

Apesar do grande número de vítimas, resultante da epidemia da Gripe Espanhola, a história registra a grande luta dos médicos, em busca de soluções, através de remédios que pudessem evitar a ação da “influenza”. As autoridades, preocupadas em evitar o alastramento da gripe, fizeram uso dos jornais em todo o território nacional, para divulgar uma série de medidas consideradas úteis, visando minimizar os riscos de se contrair a doença.

Por coincidência, as recomendações eram quase as mesmas de hoje, no combate à atual Pandemia do COVID-19 (CORONAVÍRUS).

Durante a Gripe Espanhola de 1918 (INFLUENZA), a Inspetoria de Higiene recomendava ao povo:

1- Evitar aglomerações, principalmente à noite.

2- Não fazer visitas.

3- Tomar cuidados higiênicos com o nariz e a garganta; inalações de vaselina mentolada, gargarejos com água e sal, com água iodada, com ácido cítrico, tanino e infusões contendo tanino, como folhas de goiabeira e outras.

4- Tomar como preventivo, internamente, qualquer sal de quinino, nas doses de 25 a 50 centigramas por dia, e de preferência no momento das refeições.

5- Evitar toda fadiga ou excesso físico. O Doente, aos primeiros sintomas, deve ir para a cama, pois o repouso auxilia a cura e afasta as complicações e contágio; também, não deve recebe,r absolutamente, nenhuma visita.

6- Evitar as causas de resfriamento é de necessidade, tanto para os sãos, como para os doentes e convalescentes. As pessoas idosas devem aplicar-se com mais rigor ainda, todos esses cuidados.

Além dessas recomendações que foram publicadas a pedido da Inspetoria de Higiene, os médicos começaram a se manifestar rapidamente, acerca de quais seriam os remédios mais adequados para combater a epidemia que estava se abatendo sobre a população naquele momento.

No dia 19.10.1918, foi publicada no jornal “A República” uma carta enviada pelo Dr. JANUÁRIO CICCO, com recomendações à população natalense, as quais foram republicadas durante vários dias, nos meses de outubro a dezembro, no mesmo jornal. A carta continha um conjunto de medidas prescritas pelo DR JANUÁRIO CICCO, com o objetivo de combater a Influenza, abaixo reproduzida:

“ Sr. Redator de “A REPÚBLICA”,

Acreditando auxiliar a defesa da Saúde Pública, contra a epidemia de gripe ou influenza espanhola que, celeremente, se dissemina por toda a parte, e, por isso mesmo, sem medidas de profilaxia geral, devo aconselhar à população deste estado, o que se fez na França, na memorável epidemia de 1889 e 1890.

Parece ter sido Hochard o divulgador do efeito dos sais de QUININO contra a gripe e este juízo mereceu a confirmação de todos os médicos eminentes. Embora alguns contestassem o valor profilático da QUININA por ser vaso-constritor e portanto, hipertensor e como a gripo-toxina é deprimente e hipertensora, o remédio preferido antes e durante a moléstia é a QUININA, porque ela é ainda anti-térmica, anti-séptica, abrevia a convalescença e se opõe à astenia.

Ninguém espere adoecer para fazer uso dos sais de quinina; é necessário tomá-lo como preventivo, tanto mais quanto o professor Hochard acrescenta serem as formas ligeiras da gripe, sem febre, apenas com coriza e uma simples traqueíte, mas suscetíveis de agravação do que outra qualquer, pela insidiosidade da moléstia e suas complicações.

Ainda como medida de profilaxia individual, é indispensável fazer a desinfecção das fossas nasais e da boca com soluções de fenol (50 centigramas por 1.000 de água), água thenicada (5 gramas para 1.000), fenosalil (2 gramas para 1.000), água oxigenada, etc… Os cuidados da pele são indispensáveis e o uso diário de banhos mornos é aconselhável. A pulverização ou insuflação nas fossas nasais de um antiséptico não irritante (Subnitrato de bismute- 6 gramas, benfoime pulverizado – 6 gramas, ácido bórico – 20 centrigramas, mentol – 10 centigramas) completam as medidas de defesa às cavidades.

À menor indisposição que se sinta, frio, arrepios, mesmo quebrantamento de forças, coriza, guarde-se o leito, não devendo afrontar-se às correntes de vento para atenuar ou evitar como diz o professor G. André, o segundo ou terceiro ato deste drama.

O professor Mossé afirma que o QUININO exerce uma ação preventiva sobre as manifestações da infecção gripal e por este motivo deve ser usada em dose relativamente elevada. E aproveitando as múltiplas propriedades dos sais de quinina, dei às farmácias uma forma pilular, cujo uso será indicado de acordo com a idade.

Não é novidade farmacêutica, mas a QUININA, associada a outros elementos anti-fluxionários, age, levantando as forças vitais contra o bacilo da gripe e anulando a gripo-toxina sobre os centros nervosos.

Não é para reclamar as pílulas que dou aqui instruções de profilaxia, mas sendo a classe desafortunada que maior tributo paga às epidemias, formulei uma receita de fácil aquisição e emprego.

Seria até para louvar se os poderes competentes distribuíssem recursos, mandando um funcionário da inspetoria de higiene em toda choupana fornecer esta ou qualquer outra fórmula farmacêutica contendo QUININA e aconselhando: Cuidados higiênicos nas habitações, evitando as bebidas alcoólicas, os excessos, a fadiga, as aglomerações; escolher uma alimentação sadia, beber água fervida para fugir das complicações intestinais e trazer o ventre desembaraçado. São estas as precauções e os conselhos a seguir, é tudo o quanto se pode fazer à falta de outra profilaxia.

Muito grato pela publicação destas linhas, se asseguro: Vosso amigo e admirador Januário Cicco.”

É interessante notar o valor que, já na época da Gripe Espanhola, se deu ao sal de quinino, tanto no processo preventivo, quanto curativo, o que fez com que este produto atingisse em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, um preço astronômico, provocando uma intervenção do poder público no sentido de frear a especulação, que foi a distribuição do produto por órgãos do governo. Outra tentativa de combater a disseminação da epidemia foi a utilização da vacina destinada ao combate da varíola .

No livro A Gripe Espanhola em São Paulo, escrito por Cláudio Bertolli Filho, consta uma análise de 27 receitas prescritas por médicos que atuaram na capital paulista, onde são identificadas 178 diferentes drogas, com predominância de calomelanos (soluções com baixa concentração de mercúrio), os compostos de quinino, os chás de erva e o fósforo. A primeira substância tinha uma função purgativa, pois o ideário médico da época considerava que a eliminação do bolo fecal e a regularidade das funções intestinais eram o caminho mais acertado para a eliminação das toxinas, produzidas pelo micróbio da Influenza.

Apesar da evolução fantástica da Medicina, atualmente, mais de 100 anos depois da Gripe Espanhola, a Quinina continua sendo usada, agora na luta pela cura do CORONAVÍRUS, associada a outros medicamentos.

Que a Cloroquina tenha êxito!

Dr. Januário Cicco (30 de abril de 1881 · São José de Mipibu-RN / 1 de novembro de 1952 – Natal-RN)


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 28 de março de 2020

A QUININA

 

A QUININA

Reza uma lenda espanhola, que, certa vez, um soldado acometido de Malária, no meio da selva, tremendo de febre, calafrios e morrendo de sede, bebeu da água amarronzada de uma pequena lagoa, onde o tronco de uma árvore havia caído. Depois de matar a sede com essa água marrom, o soldado adormeceu. Só acordou no dia seguinte, sem qualquer indisposição. A febre altíssima e calafrios haviam passado completamente.

A árvore era QUININA.

Os colegas, que já o consideravam quase moribundo, surpreenderam-se quando o viram curado, como por milagre.

O soldado, então, lhes falou da febre, calafrios e sede desesperadora, que sentira no dia anterior, e da água marrom, que bebera, avidamente, até se fartar.

A cura do soldado se espalhou e a Quinina passou a ser usada no tratamento da Malária (ou Impaludismo).

Em 1633, um jesuíta, chamado Padre Calancha, descreveu as propriedades de cura da árvore na Crônica de Santo Agostinho:

“Uma árvore cresce, que eles chamam de árvore da febre, na região de Loxa, cuja casca tem cor de canela. Quando transformada em pó, juntando-se uma quantidade equivalente ao peso de duas moedas de prata, e oferecida ao paciente como bebida, ela cura febre. E tem curado, milagrosamente, em Lima.”

Jesuítas, no Peru, começaram a utilizar a casca da árvore para prevenir e tratar Malária.

Em 1645, o padre Bartolomeu Tafur levou algumas cascas para Roma, onde seu uso espalhou-se entre os clérigos.

Em 1654, a casca peruana foi introduzida na Inglaterra.

A descoberta da Quinina pelo Ocidente data do final do século XVI e início do século XVII, durante a conquista do Império Inca pelos espanhóis, na região do Peru. Nessa época, os invasores espanhóis tomaram conhecimento de uma árvore usada pelos índios para curar febre.

A QUININA é uma árvore medicinal, cujo tronco possui uma casca de poderoso gosto amargo, sendo considerada um dos mais importantes vegetais, usados no combate à Malária, ou Impaludismo.

A importância extraordinária dessa árvore reside na sua casca, considerada como um dos mais valiosos medicamentos, para a cura de febres intermitentes, nevrálgicas, e outras doenças.

Foi o médico genovês, Sebastião Bodos (1663), quem primeiro descreveu a casca da Quinina e mencionou suas propriedades febrífugas. Mas a droga deve o seu maior sucesso à cura da condessa Del Cinchon, esposa do vice-rei espanhol no Peru, acometida de forte febre terçã (própria da Malária). Ao ingerir uma poção feita pelos índios chamada “quina-quina”, a febre cedeu e a continuidade do tratamento a deixou curada.

A partir desse relato, padres jesuítas da missão espanhola levaram o pó para a Europa, para vendê-lo como medicamento para a cura da Malária, que depois ficou conhecido como “pó dos jesuítas”.

Em 1679, o Rei Charles II da Inglaterra foi vitimado por uma forte febre, porém sendo protestante, preferia morrer a tomar um medicamento católico, por melhor que ele fosse.

Surgiu um amigo seu, Robert Talbor, com um medicamento “protestante” que o rei não hesitou em tomar. Ficou curado e, como agradecimento, sagrou Talbor, cavaleiro e médico real.

Alguns anos depois, foi revelado que o remédio “protestante” de Talbor era, na verdade, o “pó dos jesuítas”, apenas em uma formulação diferente.

O mal que acometeu a condessa e o rei, foi, de fato, a Malária. Este nome tem origem na expressão italiana “mala aria” (ar ruim), pois se acreditava que a doença era transmitida pelo ar, contaminado por pântanos e esgotos.

A Malária é causada pelo protozoário Plasmodium falciparum, descrito em 1880, pelo médico francês Charles Louis Alphonse Laveran, sendo transmitida pela picada das fêmeas do mosquito do gênero Anopheles.

Quinina (fórmula química: C20H24N2O2) é um alcalóide de gosto amargo, que tem funções antitérmicas, antimaláricas e analgésicas. O sulfato de quinina é o quinino.

A Quinina entra na composição de numerosos preparados, como: Água Tônica de Quinino, Vinho de Quina, Quinado, Tintura, Xarope e pílulas.

Para uso externo, a quinina serve como dentifrício e adstringente.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 21 de março de 2020

VIVER É UMA ARTE

 

VIVER É UMA ARTE

As escolas, por melhores que sejam, não nos ensinam a arte de viver. Também não produzem nenhum sábio. A sabedoria é como uma planta que brota na mente de alguém, como por milagre, como é o milagre da vida.

A vida é um jogo de baralho. As cartas que recebemos são o nosso destino. A nossa maneira de jogar representa as nossas escolhas.

Pelos caminhos da vida, é comum nos depararmos com pessoas sábias, mas que nunca frequentaram uma escola. Por isso, podemos dizer que nem sempre o analfabeto é burro. Como também podemos dizer que nem sempre o alfabetizado é inteligente.

Certa vez, um homem prepotente, que se sentia acima de todos os homens, precisou entrar num barco, para fazer a travessia de um rio. Logo puxou conversa com o barqueiro, para ver até onde iria o grau de ignorância.daquele homem pobre e tímido, que ganhava a vida fazendo a travessia de viajantes num rio tão agitado.

E perguntou-lhe, de uma só vez:

– Você sabe ler e escrever? Já leu sobre os oceanos e os rios? Já ouviu falar em Matemática, Astronomia, Botânica e Geografia?

Encabulado, o humilde barqueiro respondeu que não sabia ler nem escrever. Também não sabia nada daquilo que ele estava perguntando. Nunca tinha ido a uma escola.

O homem rico deu uma gargalhada e disse, sarcasticamente:

– Que pena! Não aprendeu nada! Nem a ler nem escrever! Você perdeu boa parte de sua vida!

E o sabichão contou ao barqueiro que, além de ser Médico, entendia de outras ciências. Era filho de um fazendeiro rico e tinha estudado nas melhores escolas. E continuou contando grandeza e perguntando coisas ao barqueiro, sabendo que ele não saberia responder. Somente para ter o gosto de humilhar o pobre homem.

E repetiu para o barqueiro:

– Coitado de você! Perdeu boa parte de sua vida!!!

O barqueiro coçou a cabeça, nervoso, demonstrando irritação. Sentiu-se humilhado diante da conversa daquele homem rico e importante. De repente, o barco foi de encontro a uma pedra sofrendo uma avaria. Começou a entrar água no barco e o barqueiro disse para o doutor:

 Vosmecê que sabe tudo, também deve saber nadar!!! Tire os sapatos e o paletó, pois vamos ter que ir nadando, e a correnteza está muito forte…

Em pânico, o doutor gritou:

– Não!!! Eu não sei nadar!!!

O barqueiro respondeu:

– Que pena, doutor! Pois o senhor perdeu toda a sua vida!!!

Com muita dificuldade, o barqueiro nadou até a outra margem do rio, puxando o “doutor”, que por um triz não morreu afogado.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 14 de março de 2020

O RAPTO

 

O RAPTO

Ao chegar da escola, Paulinho, dez anos, encontrou uma novidade no quintal da sua casa : Uma bonita galinha pedrês.

Dona Elza, sua mãe, a tinha comprado para o almoço do domingo. Seria preparada ao molho de cabidela, também conhecido por molho pardo.

Paulinho havia deixado de comer galinha, desde o dia em que presenciou a cozinheira da casa, Josefa, matar uma galinha para servir no almoço. O menino ficou traumatizado. Nunca tinha visto uma cena tão grotesca.

Ao ver a nova galinha, Paulinho entrou em pânico, e lhe veio à mente, a empregada cortando o pescoço da galinha e o sangue jorrando, aparado num prato fundo com um pouco de vinagre, e por ela batido com um garfo, para fazer a cabidela, ou molho pardo.

Desta vez, Paulinho jurou para si mesmo que iria salvar a galinha. Era uma galinha cevada, gorda, que nem se defendeu, quando o menino a segurou, levando-a para um esconderijo.

Paulinho pegou um caneco com água para dar à galinha raptada, mas antes disso, molhou a pequena cabeça da ave, dizendo que a estava batizando, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E deu-lhe o nome de Martinha.

Logo que escureceu, Martinha se aninhou no quartinho de depósito, onde Paulinho a escondeu e logo adormeceu.

O menino entrou em casa feliz da vida, jantou com os pais e irmãos e foi logo dormir. Acordou tranquilo, pois sua amiga Martinha estava batizada e protegida num esconderijo. Josefa que procurasse fazer um almoço diferente, sem galinha e sem cabidela.

Somente na hora de pegar a galinha para matar, no domingo pela manhã, a cozinheira notou o seu sumiço. A mulher fez o maior rebuliço, procurando a galinha no quintal, e em cima das árvores. Perguntou a Paulinho se a tinha visto no dia anterior e a resposta foi não.

O menino insinuou que a galinha pudesse ter sido furtada ou tivesse fugido, com o que Josefa concordou. A empregada ainda se culpou, por não ter cortado as asas da galinha, logo que ela chegou.

Dona Elza, quando soube do sumiço da galinha, ficou muito chateada, pois estava desejando comer galinha à cabidela, como também seu marido e filhos, exceto Paulinho .

Desapontada, mandou que a cozinheira providenciasse uma macarronada à bolonhesa, ou seja, com suculento molho de tomate, misturado com carne moída, para substituir a galinha à cabidela, que a família tanto esperava.

Dois dias depois, Paulinho entrou em casa, desconfiado, com a galinha debaixo do braço, para dizer à mãe que ela havia aparecido no quintal. Disse-lhe que ela agora era sua amiga e se chamava Martinha. Fez a mãe prometer que ela nunca iria para a panela.

Pelos olhinhos cheios de lágrimas do filho, Dona Elza compreendeu que ele era o responsável pelo sumiço da galinha. Emocionou-se e respeitou o seu pedido.
Martinha, a galinha pedrês, morreu de velha.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 07 de março de 2020

A INSATISFAÇÃO

 

 

A INSATISFAÇÃO

O comportamento humano é cheio de manias e esquisitices. Há pessoas que quando não tem problemas, arranjam. A felicidade bate à porta, mas elas estão sempre chutando o balde e jogando a felicidade fora.

Pois bem. Valter e Amarílis formavam um casal perfeito, pois o fator que os unia era o amor. Ele sempre dizia confiar piamente na esposa. Entretanto, não gostava de vê-la produzida, isto é, com roupas sensuais, maquiagem, unhas e cabelos feitos, pois ficava enciumado. Amarílis era belíssima e o marido tinha consciência de que era muito feio.

Ele desconhecia o ditado popular que diz:

“Quem ama o feio, bonito lhe parece”.

Mesmo contrariada, Amarílis era a própria Amélia do compositor Mário Lago, aquela “que era mulher de verdade”. Além de muito bonita, era extremamente virtuosa e simples. Muito feio, baixinho e gordo, Valter era servidor público federal e ela era “do lar”, para sua tranquilidade. O casal tinha dois filhos e a família era feliz.

Levavam uma vida simples. Iam muito ao cinema, e aos domingos iam à Missa das 19 horas.

Amarílis chamava a atenção de todos e causava muita inveja às mulheres. Era morena clara, olhos cor de mel, alta, corpo escultural e cabelos castanhos, lisos e longos.

Aos domingos pela manhã, o casal costumava ir à praia, com os dois filhos pequenos. Quando Amarílis ficava de maiô, todos os olhares convergiam para ela. Os motoristas eram muito gentis e paravam, espontaneamente, para que o casal e os filhos atravessassem a rua. Faziam isso para apreciar a beldade que desfilava à frente deles.

Em todas as conversas com os amigos, Valter tinha a mania, quase neurose, de falar da beleza da sua mulher e da sua feiura. Achava que ela merecia ter casado, com um homem bonito igual a ela. Tinha complexo de feiura e isso o incomodava muito. Ele mesmo, sem querer, despertava o interesse dos amigos por Amarílis.

Certo dia, visitando um amigo, Valter, sempre repetitivo, confessou sentir-se o homem mais infeliz do mundo, por ter uma esposa tão bonita. Disse-lhe que preferia ter se casado com uma mulher feia.

Esse amigo, dessa vez, perdeu a paciência e retrucou:

– Por que você não se separa logo dela e acaba com essa lenga-lenga? Arranje uma mulher feia como você! Parece que o que você quer mesmo é ser CORNO!

Valter nunca mais tocou nesse assunto e se afastou dos amigos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 29 de fevereiro de 2020

A CONFISSÃO

 

A CONFISSÃO

Antero, ainda menino, ingressou no seminário, por imposição da mãe, que era muito carola. Missa diariamente, batina, orações, confissão, comunhão, pregações sobre a fé, esperança e caridade, rezas em Latim, no começo empolgaram o menino, que se sentia num pedacinho do Céu. Depois a empolgação diminuiu.

O Seminário Menor é aberto a jovens com idade entre 11 e 17 anos.

Betânia, 40 anos, viúva há dois anos, semanalmente frequentava a Capela do Seminário São Bento, para se confessar ao Padre Tiago. Desabafava com ele suas mágoas, angústias e dores, pela morte do marido, além das tentações e desejos, que o falecido, nas suas noites de insônia lhe provocava. A mulher confessava ao Padre sua culpa, por não se conformar com a solidão, sentir falta dos carinhos do marido e gostar dos sonhos eróticos que tinha com ele.

O Padre já havia decorado os pecados que a viúva vinha lhe confessar semanalmente. As penitências que lhe aplicava, inclusive orações para que Nossa Senhora do Desterro desterrasse da sua cabeça os maus pensamentos, não eram cumpridas.

A assiduidade com que a viúva ia se confessar na Capela do Seminário chamava a atenção das pessoas, e as más línguas já diziam que a viúva estava assediando o Padre.

Certa vez, Antero, o seminarista que ingressou no Seminário contra a vontade, acordou triste, com crise de saudade de casa e da sua liberdade. Visivelmente deprimido, depois do almoço, afastou-se dos colegas e foi meditar sozinho na Capela do Seminário, fora do horário previsto para meditação, o que não era permitido. Depois de algum tempo, avistou o austero Padre Tiago adentrar à Sacristia. Temendo ser visto pelo Padre, o seminarista escondeu-se no confessionário. O Padre se retirou e antes que Antero saísse do confessionário, Dona Betânia, a viúva, frequentadora habitual das confissões, ajoelhou-se no confessionário e falou:

– Estou aqui de novo, Padre Tiago, para me confessar. Pequei novamente.Não consigo me controlar mais e continuo pecando, desejando sexo e não sei mais o que fazer.

O seminarista entrou em pânico, ao perceber que estava desrespeitando as regras do Seminário. A primeira era ter entrado na Capela para meditar, fora do horário permitido. A segunda, foi se sentar no Confessionário. E agora, aconteceu o pior: estava ouvindo uma confissão, coisa que não cabia a um seminarista. A mulher não parava de falar, e Antero temia o escândalo que ela daria, ao notar que não era o Padre Tiago que estava no confessionário.
Horrorizado e ouvindo os “pecados” da mulher, o seminarista ficou em silêncio. A viúva, estranhando, perguntou:

– Está ouvindo, Padre Tiago? Parece que o senhor está cochilando!!!

O seminarista tossiu e logo resolveu falar:

– Minha senhora, procure logo um homem para se casar, antes que caia em pecado mortal! Eu não sou Padre Tiago. Sou um seminarista.

Antero saiu do confessionário, sob os insultos da viúva, que deu um verdadeiro escândalo na Capela do Seminário, acusando-o de se passar por Padre Tiago.

O caso foi submetido à apreciação de um Conselho, tendo à frente o Reitor do Seminário, resultando na expulsão do seminarista.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 26 de fevereiro de 2020

PRESIDENTE BOLSONARO E SEUS MINISTROS APLAUDIDOS NOS BONECOS DE PERNAMBUCO

 

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e multidão, texto que diz


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de fevereiro de 2020

A SUPERAÇÃO

 

A SUPERAÇÃO

Maria, nascida no interior do Rio Grande do Norte, era “aleijada de nascença”, como se dizia antigamente. Não tinha o braço direito nem as duas pernas. Mesmo com dificuldade, Maria aprendeu a se arrastar e andar sozinha, de joelhos, sempre protegidos por trapos, que, com o passar do tempo, foram substituídos por joelheiras. Era a 5ª filha e a única deficiente, de uma prole que chegou a 10 filhos.

Com a mente perfeita e sonhos próprios das crianças , Maria, mesmo contra a vontade da mãe, que temia que ela fosse vítima de discriminação, conseguiu frequentar uma escola particular, em Areia Branca, onde morava, e logo aprendeu a ler. À tarde, quando as amigas chegavam em sua casa, Maria brincava de dar aulas, procurando transmitir para elas, o que havia aprendido na escola. E assim, surgiu sua vocação para o magistério.

Nessa época, o deficiente físico, quase sempre, era marginalizado, sendo um peso morto para a família. Não era aceito para estudar ou trabalhar., e era excluído do convívio social..

Maria se tornou uma moça graciosa, inteligente e desinibida. Tinha uma personalidade muito forte e não aceitava ser discriminada. Logo cedo, demonstrou independência nos seus atos, dentro de casa. Dizia que queria ser professora e iria lutar por esse ideal. Passava as manhãs na escola particular e aproveitava os intervalos para ler cartilhas e livros de Português, Aritmética e Estudos Sociais.

Aos 12 anos, recebeu o certificado do Curso Primário, das mãos do mestre Albertino, dono do Educandário Padre Anchieta, particular, onde tinha passado a estudar. Mas, em Areia Branca não havia Curso Ginasial.

A família, então, mudou-se para Mossoró, para que os filhos fizessem o Curso Ginasial.. Mas Maria não foi aceita em nenhum colégio, por ser deficiente física.

A solução que a família encontrou foi se mudar para Natal, para que Maria realizasse seu sonho de continuar estudando. Maria trazia na bagagem a esperança de dias melhores. Queria estudar e trabalhar. Antes, porém, teria que fazer o Curso Ginasial. Foi aprovada mais de uma vez no Exame de Admissão ao Ginásio, no Colégio Atheneu, mas na hora da matrícula, era preterida, em virtude da sua deficiência física.. Terminou procurando o Secretário da Educação da época, que, comovido com o problema, determinou que sua matrícula fosse aceita.

Sonhava em fazer o Curso Pedagógico e ser professora em um Grupo Escolar. Enquanto isso, em sua residência, dava aulas particulares.

Depois de concluir o Curso Ginasial, Maria matriculou-se na Escola Normal do Estado, para fazer o Curso Pedagógico, e poder ser professora primária.

Quando cursava o 2º ano do Curso Pedagógico, foi editada a Lei nº 2.889, de 11 de janeiro de 1961, que trata da organização do Ensino Normal, que dispunha:

Art.. 21 – Os candidatos a exame de seleção deverão apresentar diploma de conclusão de Curso Ginasial……bem como satisfazer os seguintes requisitos:

a. Sanidade física e mental;

b. Ausência de defeito físico ou distúrbio funcional que contraindique o exercício da função docente;

c. Qualidades pessoais que o recomendem ao Magistério.” (RIO GRANDE DO NORTE, 1961)

Finalmente, chegou o ano de Maria concluir o Curso Pedagógico (1962). Maria foi escolhida a oradora da turma. Estava muito feliz, pois iria receber o tão sonhado diploma do Magistério.

Já perto da formatura, numa certa manhã, a austera Diretora entrou na classe, para perguntar quem gostaria de receber o diploma com seu nome escrito em letras góticas. Maria levantou seu único braço e respondeu:

– Eu, senhora diretora!

A diretora respondeu rispidamente:

– Você não, Maria! Você não receberá o diploma! A sua condição física não permite!

Maria, ofendida e humilhada, não conseguiu segurar as lágrimas. Saiu caminhando de joelhos, como era o seu caminhar, e se dirigiu à casa de uma irmã , que trabalhava no Palácio do Governo. Depois de alguns minutos, as duas foram expor o caso ao Governador, que se comoveu com a “via crucis” de Maria e revogou a decisão da diretora.

Maria recebeu o diploma, mas continuou impedida de lecionar em escolas públicas e privadas, sob a mesma alegação. Era deficiente física. Faltavam-lhe o braço direito e as duas pernas. Só andava de joelhos..

Diante dessa decepção, Maria continuou ensinando particular. Fundou o Externato Santa Terezinha, de sua propriedade, onde era professora e diretora.

Como era muito dinâmica, ainda se formou em Ciências Econômicas, e em 1976, quando houve eleições municipais, Maria se candidatou a vereadora para a Câmara Municipal de Natal, pelo MDB, ficando na primeira suplência.

É lamentável, que essa grande mulher não tenha alcançado os tempos atuais, quando os deficientes físicos contam com a proteção legal, em todos os aspectos. Portadora de uma mente perfeita e uma inteligência privilegiada, Maria foi excluída do exercício do Magistério, por suas limitações físicas. Uma mulher culta, grande oradora e uma excelente professora.

As peculiaridades de caráter físico podem ser consideradas como características pessoais. As barreiras impostas a Maria, pela própria sociedade, não lhe permitiram realizar seu ideal, que era exercer o Magistério em escolas públicas e privadas.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 15 de fevereiro de 2020

A DISCÓRDIA

 

A DISCÓRDIA

 

Conta a Mitologia Grega, que havia no Olimpo, local onde habitam os deuses, uma deusa muito má, cuja presença tirava a harmonia de qualquer ambiente. Era uma deusa invejosa e intrigante, que provocava desentendimentos entre as companheiras. De tão detestável, era chamada de Discórdia.

Júpiter, o rei dos deuses, expulsou Discórdia do Olimpo, e ela resolveu se vingar.

Durante uma reunião realizada na terra, da qual participavam todas as deusas, e para a qual Discórdia não fora convidada, esta atirou para a assembleia uma maçã de ouro, onde estava escrito: “Para a mais bela”.

Essa maçã de ouro passou para a história como “o pomo da Discórdia”.

Discórdia fez isso, para provocar a desarmonia entre as deusas, pois todas se julgavam belas e merecedoras do presente.

Juno, Minerva e Vênus foram declaradas as mais formosas. Mas, como o prêmio era um só, para não ofender as três extraordinárias belezas, nenhum dos deuses do Olimpo quis se comprometer com o julgamento. Foi decidido, então, que um mortal, jovem e belo pastor, chamado Páris, faria a eleição, para escolher a quem caberia o prêmio.

As três deusas ofereceram a Páris preciosos dons. Juno deu-lhe um reino; Minerva prometeu-lhe a vitória numa grande batalha e Vênus ofereceu-lhe por esposa a mais bela mulher do mundo.

No fim do certame, Páris considerou Vênus a mais bela mulher, entregando-lhe o prêmio. Muitos dizem que a escolha foi por causa do famoso cinturão da deusa, ao qual se atribuía a virtude de irradiar graça e beleza, a quem o usasse.

Páris era o filho dos reis de Troia, os quais tinham se desfeito dele, quando era menino, e mais tarde o haviam feito vir ao seu palácio. Nunca pôde esquecer a promessa de Vênus e quando chegou a ser um valente guerreiro e ouviu falar da esplendorosa beleza de Helena, disse para si mesmo: “É essa a mulher que Vênus me prometeu.” Reuniu, então, os seus navios e homens e partiu para o país onde Helena vivia. Aí a encontrou, raptou-a e levou-a com ele para Troia.

Tróia era uma cidade fortificada, capital de um grande e poderoso reino. Helena era a rainha de uma cidade grega, chamada Esparta.

Helena havia sido disputada por muitos pretendentes, mas escolheu Menelau, um rei lendário. Vivia feliz com ele, quando foi raptada por Páris.

E foi assim que teve início a Guerra de Troia, tema do maior, entre os poemas épicos da Antiguidade, os de Homero e de Virgílio.

Menelau apelou aos seus irmãos, líderes da Grécia, para que se unissem a ele, nos esforços para resgatar a esposa.

Houve entre os homens de Páris e os de Menelau, uma terrível guerra, que durou muitos anos. Nessa guerra, Páris terminou sendo morto. Menelau, então, pode retornar a Esparta, resgatando Helena, sua esposa.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 08 de fevereiro de 2020

INCITATUS

 

 

“INCITATUS”

Quando se fala da História Antiga, é difícil separar a realidade da fantasia. É o que acontece quando se discorre sobre a vida do terceiro imperador de Roma, Caio Júlio César Augusto Germânico, conhecido como Calígula, que reinou de 37-41 d.C. Calígula era da dinastia júlio-claudiana e passou para a história como um dos mais cruéis, polêmicos e extravagantes imperadores romanos.

O incondicional amor que esse Imperador nutria por seu cavalo, Incitatus (em latim, Impetuoso), levou-o à loucura de nomeá-lo Cônsul de Roma e Cônsul da Bitínia, uma antiga região do noroeste da Ásia Menor, na costa do Mar Negro. Contam os historiadores que isso era uma afronta ao Senado e às Instituições que ele desprezava, como déspota absoluto.

Incitatus tratava-se de um cavalo de corrida, trazido da Hispânia, de onde, na época, Roma importava cerca de 10.000 cavalos por ano. Hispânia foi o nome dado pelos romanos à Península Ibérica (atuais Portugal, Espanha, Andorra, Gibraltar e uma pequena parte ao sul da França).

De acordo com a biografia de Calígula, de autoria do escritor Suetônio, Incitatus tinha cerca de dezoito criados pessoais, era enfeitado com um colar de pedras preciosas e dormia no meio de mantas de cor púrpura (a cor púrpura era destinada somente aos trajes imperiais, ou seja, era um monopólio real). Foi-lhe também dedicada uma estátua em tamanho real, de mármore, com um pedestal em marfim. Por se tratar de um cavalo de corrida, Calígula exigia, na noite anterior à sua competição, um silêncio absoluto da cidade de Roma, para que não fosse incomodado o sono do animal, com quem o imperador dormia. O castigo, a quem ousasse interromper o silêncio, era a pena de morte.

O cavalo era, na realidade, o verdadeiro imperador, com poderes absolutos.

Verdade ou não, é interessante se conhecer a História Antiga, que foi construindo a História Moderna através dos séculos, para que se reconheça o que a Humanidade conquistou em matéria de liberdade. As possíveis loucuras dos atuais governantes não são nada, se comparadas às loucuras dos antigos imperadores e reis despóticos, tiranos e absolutistas do passado.

Estamos muito distantes do que foram os impérios antigos e suas arbitrariedades. Somente os pessimistas fanáticos não enxergam a realidade.

É importante que nas escolas se ensine a História Antiga, para se entender melhor e apreciar os saltos que a Humanidade deu, à procura de uma dignidade maior das pessoas, de uma visão mais clara dos direitos humanos, e do direito da sociedade de compartilhar o poder com os políticos.

Somente para lembrar os saltos para melhor da história humana, basta recordar que, por exemplo, nos tempos de Calígula e até séculos depois, os pais tinham o direito de vida e morte de seus filhos ao nascer. Podiam concedê-los o direito à vida ou, se não gostassem, podiam sacrificá-los.

O estatuto dos direitos da infância à vida e à necessidade de ser respeitados só tem 25 anos. Por sua vez, a mulher, há menos de um século, era mais um objeto nas mãos do homem do que uma pessoa com direitos. Na Espanha, há pouco tempo as mulheres não podiam viajar sem a permissão de seus maridos, estudar na Universidade, ter uma conta corrente.

Sem contar com os avanços da ciência e da medicina, que nos permitem viver mais do que nunca, demos saltos gigantescos na política e nas ciências sociais. Hoje a palavra escravidão é condenada, e ninguém pode ser punido por suas crenças e seus gêneros, nos países que chegaram a um certo grau de democracia e respeito pela individualidade.

Devemos ser resistentes às tentações dos governantes, de querer voltar aos tempos dos absolutismos. A resistência da sociedade e as lutas pelas liberdades, hoje nos permitem dizer que os tempos atuais são bem melhores, do que aqueles que a História Antiga nos mostra.

Os loucos, ao modo de Calígula, chegam a parecer ficção.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 01 de fevereiro de 2020

A PRAGA

 

 

A PRAGA

Décadas atrás, minha tia- avó Idila Lima, solteirona e idosa, costumava às sextas-feiras dar esmolas, na janela da casa onde morava com o irmão, Dr. Nestor dos Santos Lima, na Praça 7 de Setembro, em Natal, onde hoje é o prédio da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte.

Segurando uma bolsa cheia de dinheiro, tia Idila se distraía, fazendo essa caridade. Eram moedas de pequeno valor, mas que, na época, davam para comprar alguma comida. Eram distribuídas moedas de 500 réis, depois de 1 cruzeiro, 2 cruzeiros, etc. Esse gesto provocava o agradecimento dos mendigos.

Tive a oportunidade de ouvir, diversas vezes, um agradecimento de um mendigo cego, ao receber a esmola das mãos de tia Idila, que dizia:

– DEUS TE LIVRE DA PRAGA DO MAU VIZINHO!!!

E tia Idila respondia:

– AMÉM!!!

Nesse tempo, eu era uma adolescente e ainda não conhecia o lado mau da vida.

Em Nova-Cruz, só havia maus vizinhos, na época das campanhas políticas. Eram adversários políticos, que discutiam, defendendo seus candidatos. Depois das eleições, as intrigas eram esquecidas.

Depois de adulta e casada, vi que essa qualidade de gente, o mau vizinho, existe mesmo.

Quando somos nós que temos um mau vizinho, às vezes, o caso torna-se desesperador. Já vi pessoas se mudarem de uma casa, ou apartamento, por causa de um mau vizinho.

Aquele agradecimento que eu ouvia o mendigo cego dizer para tia Idila, ao receber das suas mãos a esmola, nunca saiu da minha memória.

“Deus te livre da praga do mau vizinho!!!” Hoje, na maturidade, cheguei à conclusão de que o mau vizinho é, realmente, a pior praga que existe”.

Logo cedo, convenci-me da existência da praga do mau vizinho, no caso, da má vizinha.

Pois bem. Minha Mãe adorava gatos e criava uma gata Angorá, branca de olhos azuis, a quem chamava de Vélvete. Numa certa manhã, ouvi minha Mãe aos prantos, ao ver sua gata chegar no quintal da nossa casa, cambaleando e completamente sem pelos.

A vizinha, de mal com a vida, odiava a gata, porque ela tinha o costume de pular o muro para o quintal da casa dela. A megera, então, nesse dia, jogou na gata uma panela de água fervendo, o que fez cair todo o seu pelo. A gata morreu em consequência desse ato vil e criminoso.

A mulher negou o ocorrido, mas sua empregada, dias depois, contou à minha Mãe que a patroa vivia planejando dar um fim àquela gata, pois tinha horror quando a via no seu quintal. A gata sempre era enxotada de lá a vassouradas, até que a criminosa pôs em prática o seu plano macabro, jogando-lhe água fervendo.

Tirou na sorte grande, aquele que nunca teve um mau vizinho.

Num prédio onde morei, vi um morador agressivo e bêbado acabar com uma festinha de adolescentes, às 10 horas da noite, jogando baldes d’água nos convidados, diretamente do seu apartamento no 2º andar. A festinha era ao lado da piscina.

Outra vez, esse mesmo homem quis acabar com a comemoração de um aniversário, no salão de festas, mandando um recado pelo porteiro, para que desligassem o som, que o estava incomodando. Eu me meti e mandei-lhe um recado, dizendo que ele devia ir ao centro de velório que havia perto do prédio, para se distrair um pouco, olhando os defuntos que estavam sendo velados. Se ele não gostava da alegria dos vivos, fosse se distrair com a tristeza da morte.

Ainda faltava se cantar o “parabéns pra você”, e, por causa disso, a festa iria se prolongar um pouquinho mais. Era um som antigo, sem muita potência, e que só poderia incomodar os “chatos de galocha”, como ele.

Em edifícios de apartamentos, sempre há um mau vizinho, ou má vizinha, de mal com a vida, cheios de problemas de família, filhos desajustados, e que detestam qualquer manifestação de alegria, por parte dos demais moradores. Essas pessoas tiram a harmonia do prédio. Tornam-se antipáticas e agressivas. Tratam mal aos empregados do condomínio, dando-lhes ordens aos gritos, como se eles fossem seus empregados particulares. Já vi uma vizinha agressiva e violenta, ameaçar de demissão o porteiro do prédio. O homem se recusou a cumprir uma ordem sua de largar a portaria, para ajeitar alguma coisa no apartamento dela, como se o empregado fosse particular e não do condomínio.

Um amigo meu, que morava numa casa, teve seu cachorro envenenado pelo vizinho, que não suportava ouvi-lo latir.

Existem pessoas que carregam uma carga de energia negativa muito grande e acabam transmitindo essa energia consciente ou inconscientemente. Não suportam a felicidade de ninguém.

Os olhos são como lentes que concentram a energia do corpo e da alma, conseguindo transmitir um elevado grau de magnetismo e energia. Todo olhar é poderoso. Pode curar, regenerar, abençoar e até ajudar uma pessoa a prosperar na vida.

Mas quando o olhar vem de uma pessoa invejosa, cheia de ódio, despeito, rancor, raiva, ganância, egoísmo, malquerer, que tem o espírito e o coração impregnados de pensamentos negativos e de destruição, pode, em casos raros, causar a morte a quem seja vítima desta forma de olhar. Isso é o que se chama mau olhado ou olho gordo.

Portanto, Deus nos livre da praga do mau vizinho, ou má vizinha, e da cobra que habita dentro deles!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de janeiro de 2020

OS CISNES

 

 

OS CISNES

Telmo, contabilista, era um homem bonito, boêmio e inteligente. Tinha uma legião de amigos, principalmente boêmios como ele. Bebia muito e quando estava “alto”, gostava de fazer discurso e recitar. Tinha loucura pelo soneto Os Cisnes, de Júlio Salusse. Já era conhecido em mesas de bar, por essa sua queda de fazer “falas” e dizer poesias. Gostava de músicas românticas e era grande conhecedor da MPB.

Muito sentimental, quando a cerveja subia à sua cabeça, Telmo recitava “Os Cisnes”, com lágrimas nos olhos, focado na morte da esposa, aos 32 anos, vitima de um acidente de carro, há 15 anos, quando ela mesma dirigia. Esse acidente contribuiu para que ele se tornasse alcoólatra.

Mesmo acometido de cirrose hepática, Telmo contestava as recomendações médicas, para que parasse de beber:

-Doutor, eu não sou alcoólatra. Minha bebida é CERVEJA. Sou “cervejeiro” e sei que cerveja não prejudica o “figueiredo”. Ledo engano. O médico cansava de lhe dizer que a cerveja, em excesso, é tão prejudicial ao figado como o Uísque (Whisky), a cachaça ou qualquer outra bebida alcoólica.

Ele não se conformava com o resultado dos exames que lhe diagnosticaram cirrose em estado avançado, e descumpria as ordens médicas que o proibiam de beber. Além da bebida, fumava 3 carteiras de cigarros por dia. No bar, os amigos de copo, irresponsavelmente, diziam para ele que “quem vai em conversa de médico, fica doido”. E ele bebeu até que os sangramentos causados pela cirrose aparecessem e encerrassem sua trajetória de vida.

Certa vez, numa mesa de bar, onde a bebida corria solta, começou a cessão de lamentos e discursos. A cirrose estava ainda no início. Chegou uma fã de suas “falas”, que terminou pedindo:

-Sr. Telmo, recite aquela poesia linda, sobre os patos!!! Ou é sobre os gansos!!!

A gargalhada foi geral.

A poesia que a mulher queria ouvir era OS CISNES, poesia esta que representa o amor.

Isso mesmo. Os Cisnes sempre foram o símbolo da beleza e do amor eterno. Dizem os estudiosos que essa ave tem apenas um parceiro, ao longo de sua vida, e é fiel até a morte.

O Cisne é considerado uma ave diferenciada, em todas as suas formas, pois é uma espécie monogâmica, coisa raríssima no reino animal.

Depois do acasalamento, o macho e a fêmea tornam-se fiéis, até a morte. O ritual anterior ao acasalamento é como uma dança na água.

A beleza física dos Cisnes impressiona, especialmente quando abrem as asas para levantar voo.

O Cisne é uma ave branca em sua totalidade, que destaca seu bico “laranja” intenso, e uma mancha negra que envolve seus olhos e seu bico. Tem um tamanho muito maior do que os patos e seu pescoço longo e fino é sua característica mais marcante.

Pode medir até 1,5 metro de altura, e pesar até 15 quilos, no caso dos machos e até 11 quilos, no caso das fêmeas.

Suas belíssimas asas brancas e longas, quando abertas, atingem o mais alto ideal da beleza do universo.

No que se refere ao “namoro” dos Cisnes, este ocorre no inverno e começa com movimentos sensuais, que se iniciam no pescoço e com a emissão de sons roucos. Esses movimentos são feitos tanto pelo macho, quanto pela fêmea. Depois, os dois nadam juntos, colocam seus bicos várias vezes na água e cruzam os pescoços, como um sinal para o acasalamento. É uma verdadeira dança, e foi essa cena que inspirou “O Lago dos Cisnes”, um dos mais belos espetáculos do balé clássico mundial.

A atividade de compor para balé era considerada, até o século XIX, um ofício para pequenos e desconhecidos compositores, pois a atração principal era o bailado, e não a música propriamente dita. Entretanto, Tchaikovsky tornou-se célebre, justamente, pelas composições para balé, que iniciou já no final da carreira.

A primeira foi justamente “O Lago dos Cisnes”, encomendado pelo Bolshoi, que só foi aceito pela necessidade financeira de Tchaikovsky e, também, pelo seu desejo de se aventurar pelo mundo da dança.

O “Lago dos Cisnes” é uma das peças mais marcantes do balé clássico mundial. O Teatro Bolshoi, de Moscou, estreou o espetáculo em 1877, com a coreografia elaborada por Julius Reisinger a partir de uma composição encomendada a Tchaikovsky — autor de outras obras de impacto na história do ballet, como o “O Quebra Nozes”
(1892).

No séc XVII, pensava-se que todos os cisnes fossem brancos. Por mais cisnes que fossem vistos, eles eram todos brancos. Até que, na Austrália, foi descoberto o primeiro cisne negro. Apesar de milhares de anos de observações de cisnes brancos, bastou uma única aparição de um cisne negro, para derrubar a hipótese de que “todos os cisnes são brancos”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho terça, 21 de janeiro de 2020

UM PRESENTE

 

 

UM PRESENTE

Um presente é um mimo, um regalo, um carinho, um gesto de delicadeza, que se dá a alguém, espontaneamente. Normalmente, isso ocorre em datas de aniversário natalício. Demonstra, antes de tudo, um elo de consideração e afeto entre duas pessoas. O gesto, por si só, é o verdadeiro presente.

Há pessoas que não pensam assim, e tem a crônica mania de trocar por coisa diferente, qualquer presente que recebem. É como se quem as presenteou não tivesse bom gosto. Essas pessoas não valorizam a escolha de quem comprou o presente, e a primeira iniciativa é irem à loja onde o mesmo foi adquirido, para providenciar a troca e saber quanto custou. Se se tratar de peça de vestuário, não trocam nunca por número maior ou menor. Querem, tão-somente, um presente diferente daquele que lhes foi dado. E fazem questão de revelar a troca do presente, à pessoa de quem recebeu. É um modo estranho de ser.

Para mim, um presente recebido, antes de tudo, traz consigo o perfil e o gosto de quem o comprou. Não vejo nele o valor monetário, e o carinho que ele representa não tem preço. Não costumo trocar os presentes que recebo, nem tenho coragem de dizer à pessoa que me presenteou, o que já ouvi: “Se eu não gostar, eu troco por outra coisa.”

Considero isso, o cúmulo da indelicadeza. É a curiosidade mórbida, que compõe o caráter dessas pessoas, que as leva à loja, onde foi adquirido o presente, para saber seu preço. A segunda providência é trocar o presente por outro diferente, ou até por mais de um, quando o preço foi alto.

Essas pessoas, que sofrem da mania de trocar qualquer presente que recebem, só não devolvem a mercadoria na loja e pedem o dinheiro que o adquirente pagou, porque há uma regra no comércio, que diz: Mercadoria não se devolve; troca-se. Somente em caso de vício redibitório (defeito), o comprador poderá optar pela devolução da mercadoria e recebimento do dinheiro pago. Entretanto, esse direito é próprio do adquirente da mercadoria e não de quem a recebeu de presente.

O valor emocional de um presente não diz respeito ao preço, mas sim à afeição que liga a pessoa que deu o presente àquela que o recebeu. O gesto espontâneo de presentear não tem preço, nem comporta a expectativa de retribuição, ou contraprestação.

Há presentes que, para pessoas sensíveis, não tem preço. Um sorriso franco de uma pessoa querida, uma palavra de delicadeza, um abraço, um elogio, um telefonema falando de saudade, ou uma frase de amor, alegram mais a alma de quem está aniversariando, do que um objeto caro, comprado na mais rica loja.

O maior presente que se pode receber de alguém de quem se gosta é o carinho, o respeito e a consideração.

O ato de presentear, portanto, é um gesto espontâneo. Sinto saudade do tempo da delicadeza.

A franqueza rude sempre fere as pessoas sensíveis. Trocar um presente dado com carinho, só por trocar e ver quanto custou, não passa de um gesto indelicado.

Na minha infância distante, ouvi muito minhas tias Edite e Eulina dizerem:

“Esse presente é da Maroca. Não se dá, não se vende e não se troca.”

Traduzindo: “Foi Fulana quem me deu esse presente e eu não dou, não vendo e não troco.”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 11 de janeiro de 2020

LEMBRANÇAS

 

 

LEMBRANÇAS

Por mais que se queira esquecer as amarguras da vida, as armadilhas do destino, e as pedras que encontramos pelos caminhos, as lembranças tristes sempre ocupam espaço na nossa mente.

Tento me fixar nas boas lembranças e desterrar os pensamentos amargos. para o Céu, onde os anjos, que não desceram à terra, continuam com a mesma idade e as mesmas asas.

As marcas que tenho na alma são tão profundas, que, mesmo na maturidade, muitas vezes sonho na casa grande de Nova-Cruz, de quintal enorme, ouvindo o apito do trem, e com a certeza de que depois da Rua Grande, correm os Rios Curimataú e Bujari, os rios temporários da minha infância.

A vida acumulou em mim tempestades de emoções. Ventania, chuva, e vida que segue. Há muitos anos, pessoas queridas moram no “convento” que há além da morte e que se chama Paz!” Penso na minha Mãe.

Esqueci o berço, mas não esqueci o colo. Carícia que volta, com doçura de eternidade..

Nova-Cruz não tinha energia elétrica e era fácil admirar o Céu estrelado. Eu, Salete e Auxiliadora, minhas amigas de infância, gostávamos de olhar para o Céu todas as noites, para contar as estrelas. Matina, a avó de Salete, nos alertava para o perigo que corríamos em contar estrelas. Esse costume, segundo ela, iria resultar no aparecimento de verrugas nos nossos dedos. Crendice popular, que nunca se concretizou.

Eu tinha pavor a dentista. Certa vez, precisei de tratamento dentário e minha mãe me prometeu o presente que eu quisesse, para que eu não desse escândalo no Consultório Dentário do Dr. Gilberto Tinoco, como eu, ainda criança, costumava fazer. Escolhi um presente impossível: A estrela Dalva. Mas me comportei bem e não gritei. O presente foi substituído por chocolates “torrone”.

Quando minha Mãe morreu , escolhi a estrela mais brilhante que vi no Céu, para ela habitar.. Ainda hoje, quando a tristeza me pega de frente, converso com minha mãe, olhando para essa estrela, minha estrela-guia.

Mesmo na maturidade, ainda me sinto a mesma menina, à procura de uma estrela. Sinto saudade de ser embalada. Insônia é isso…. É o milagre do amor de Mãe, o amor puro e verdadeiro.

Mais triste do que sentir saudade, é não ter do que sentir saudade. Só se tem saudade de momentos felizes.

O bom seria que pudéssemos segurar a felicidade e manter no olhar a magia dos sonhos. Que nunca esquecêssemos as brincadeiras da infância, a solidariedade e a compaixão.

Temos que desfrutar das coisas boas da vida. Não adianta vivermos à espera de ocasiões especiais, nem de apoteoses de felicidade. Cada dia é especial e deve ser vivido intensamente.

O amor, já se descobriu que é a solidão a dois. Então, a solidão sempre perseguirá o homem, sozinho ou acompanhado.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 06 de janeiro de 2020

DIA DE REIS

 

DIA DE REIS

Violante Pimentel

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Os três Reis Magos indo entregar presentes ao Menino Jesus

 


O dia de Reis foi criado para lembrar a data em que os três Reis Magos entregaram presentes ao Menino Jesus. É uma festa da Igreja Católica Apostólica Romana, realizada entre os dias vinte e quatro de dezembro e 06 de janeiro, o dia da comemoração.


Trazida pelos portugueses na época da colonização do Brasil, a folia de reis é um movimento cultural onde os grupos saem caminhando a pé pelas ruas das cidades, para levar às pessoas as bênçãos do menino Jesus.


Os participantes saem a caráter, cada personagem possui roupas próprias, deixando a folia com um ar mais animado.
Dentre os personagens que aparecem na festa temos: mestre, contramestre, músicos, tocadores, reis magos, palhaço e outras pessoas, donas de conhecimentos da data.
Na história do natal os reis magos foram guiados por uma estrela até chegarem ao local onde Maria estava com seu filho, na presença de José. O caminho percorrido foi longo, pois cada um estava em uma localidade, por isso demoraram cerca de doze dias para chegar a Belém.


Gaspar partiu da Ásia, levando incenso para proteger o Messias. Sua utilidade é espantar insetos com o aroma espalhado pelo ar, fazendo também do objeto uma reprodução da fé e da espiritualidade.


Da Europa, o enviado foi Belchior ou Melchior. Seu presente, o ouro, era oferecido apenas para os deuses, motivo pelo qual o ofertou para Jesus, simbolizando a riqueza, a realeza.


A mirra não foi esquecida. Baltazar levou-a da África, como a lembrança oferecida aos profetas. É um óleo ou resina extraído de uma planta, utilizado para o preparo de medicamentos.


Em agradecimento ao cortejo e às bênçãos recebidas, as donas das casas deixam vários tipos de alimentos prontos, para oferecer aos personagens do cortejo. Como estes saem pelas ruas das cidades, desde bem cedo, vão recebendo desde lanches, café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar.


Com a folia, encerram-se as comemorações natalinas em todo o mundo, podendo desmanchar as árvores de natal e retirar todos os enfeites que representam a festa. O importante é abençoar a todos com a festa!

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 04 de janeiro de 2020

FELIZ ANO NOVO

 

 

FELIZ ANO NOVO

Cada ano que se inicia, faz-me lembrar que já carrego no corpo, na alma e no coração, as tatuagens do tempo. No entanto, não devemos deixar que a alegria fuja de nós, nem devemos parar de sonhar.

Já houve, na minha vida, várias entradas de Ano Novo, felizes, que hoje são saudades. Nesse tempo, meu Pai e minha Mãe estavam vivos. A vida me sorria e tudo me parecia cor de rosa.

Hoje, Dia de Ano Novo, 1 de janeiro de 2020, essas lembranças dos tempos idos e vividos fazem abrir no meu coração um leque de saudades. As recordações da minha infância e juventude estão muito vivas e a saudade dói em mim..

A vida é uma escada com muitos batentes. O melhor da vida é o meio da escada. Contando as pessoas que já estão em cima, ficamos tristes. Mas, como a tristeza nos faz baixar a cabeça, vemos que embaixo de nós vem muita gente. E isso nos alegra. A subida dos batentes, até o meio da escada, é o que tem de melhor. Puxar os que estão embaixo, para o meio da escada, é o que nos dá satisfação.

Levando em conta, que todos nós temos que cumprir a mesma escalada da vida, vemos que ninguém é melhor do que ninguém. A efemeridade da vida nivela ricos e pobres.

Entretanto, há ricos prepotentes, que se julgam acima de todos os homens. Isso é estupidez. A influência da estupidez é muito pior no homem do que nos animais irracionais..Os prepotentes esquecem que o tempo é inexorável e a vida tem prazo de validade. Quando o homem alcança o fim da escada, não existe caminho de volta..

Por isso, devemos pensar no Sermão da Montanha, onde Jesus Cristo proclamou a bem-aventurança de todos os pobres, os que tem fome e sede de justiça, os que padecem perseguições e os limpos de coração.

No Sermão da Montanha, Jesus disse: “Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e oprimem, – para que sejais filhos de vosso Pai que está nos céus, e faz que o sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.” Disse ainda:

“Porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância; mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso, falo por parábolas: porque eles, vendo , não veem, e ouvindo, não ouvem nem compreendem. Neles se cumpre a profecia de Isaías: “Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e vendo, vereis, mas não percebereis.”

Jesus sabia que o seu reino não era deste mundo. Reclinou a cabeça, afinal, na cruz, onde foi morto pela primeira vez.

E todos os dias, Jesus Cristo continua sendo crucificado.

Há pessoas que tem a alma amarga e não se comovem diante do sofrimento do seu semelhante. São as pessoas que se julgam as donas da verdade e do País. Vivem sob a volúpia do poder.

Mas tudo tem seu fim.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 27 de dezembro de 2019

NOITE DE NATAL

 

 

NOITE DE NATAL

Tradicionalmente, a Noite de Natal é sagrada para todos os lares. Noite de encanto e mistério para as crianças e de ternura e carinho para os adultos. Isso, para as famílias que tem boas condições financeiras. Para os pobres, é mais uma noite, onde as diferenças sociais são gritantes.

No silêncio da Noite mágica do Natal, as crianças sonham com Papai Noel, sorrindo para elas e lhes entregando os mais bonitos e engraçados brinquedos. Antes de se deitarem, mais cedo do que de costume, elas não esquecem de colocar os seus sapatos perto das suas caminhas, pensando na surpresa da manhã seguinte.

Antônio tinha oito anos. Na manhã do dia de Natal, levantou-se da cama muito cedo, para ver se o Menino Jesus, disfarçado de Papai Noel, dessa vez, tinha posto algum presente no seu sapato. Já estava cansado de desilusão, e quase convencido de que o velho, vestido de vermelho e de barbas brancas, não dava presente a menino pobre.

Para desapontamento de Antônio, no seu sapato estavam duas moedas de 1 real. E perguntou a si mesmo, por que o Menino Jesus fizera isso com ele?!!! Sabia que os seus conhecidos sempre ganhavam lindos presentes!!!

Na mesma hora, veio à cabeça de Antônio a ideia de que teria sido o seu pai que pusera as duas moedas no seu sapato, para que ele deixasse de acreditar em Papai Noel. Antônio nem tocou nas moedas. Achou o presente repugnante.

A partir de então, passou a detestar Papai Noel. Na sua cabeça, o Menino Jesus, tão amigo das crianças, mais uma vez tinha se esquecido dele.

O pai alcançou o seu intento, na hora em que acabou com a ilusão de uma criança de oito anos, seu próprio filho.

O menino chorou muito e sofreu como um adulto, ao ver seu sonho desfeito. Viu, pela primeira vez, entrar na sua alma o veneno da dúvida e a mágoa do pai. Ficou revoltado para o resto da vida.

A lenda do Papai Noel reveste-se de vários aspectos e é comemorada de forma diferente pelas famílias do mundo inteiro. Em muitos países, há o hábito de se armar a árvore de Natal. Há regiões, em que todas as famílias, sejam ricas ou pobres, arranjam o seu ramo de pinheiro e o enfeitam de brinquedos e luzes.

Escritores e poetas contam belas histórias sobre a origem desse costume. Falam da Rosa de Jericó, que, na noite de Natal, abriu-se debaixo dos pés da Virgem Maria, e das árvores que se vestiram de linda folhagem e deliciosos frutos, cobrindo de alegria a festa do Natal, que é essencialmente familiar.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 14 de dezembro de 2019

O TEMPO

 

 

O TEMPO

Balzaquiana ou mulher balzaquiana é uma expressão que surgiu após a publicação do livro A Mulher de Trinta Anos (1831-32), escrita pelo francês Honoré de Balzac. Tal expressão se refere às mulheres com idade próxima à casa dos 30 anos e, mais recentemente, também às mulheres de até 40 anos de idade.

Margarida era servidora pública e vivia para o trabalho. Depois de dois noivados desfeitos, fechou-se em amargura e resolveu dar um tempo a si mesma, para colocar as ideias em ordem. Revoltada com a leviandade dos homens, passou a se dedicar somente ao trabalho, dizendo sempre que o órgão público onde trabalhava, após aprovação em concurso, era “o marido de que precisava”. Seu trabalho garantia sua independência financeira e ela não queria mais pensar em casamento, pois, para ela, nenhum homem prestava.

Entretanto, uma vez por outra, batia em Margarida um vazio, ao ver as colegas casadas, separadas, viúvas, ou mesmo solteiras e livres, todas com suas histórias para contar, enquanto ela continuava sozinha e travada para assuntos amorosos.

Na verdade, pouca coisa ela tinha para contar.

De repente, passou dos trinta anos, tornando-se uma balzaquiana, e quando caiu em si, estava entrando na casa dos “enta”.

No dia em que completou quarenta anos, Margarida ficou depressiva, pois não viu o tempo passar. Bateu-lhe, então, uma certa tristeza, ao pensar que estava correndo o risco de envelhecer sozinha, sem marido e sem filhos. Quando menos esperasse, estaria com cinquenta anos. A velocidade do tempo estava lhe apavorando.

Apesar da sua ótima situação financeira, Margarida passou a sentir muita solidão. Resolveu tirar férias e viajar para o Rio de Janeiro, para se divertir. Talvez seu príncipe encantado ainda estivesse a caminho e ela conseguisse namorar e casar.

Margarida comprou roupas novas, da moda, deu um corte moderno no cabelo, colocou luzes, e ficou aparentando dez anos a menos. Era o que ela achava, ao se olhar no espelho. Sua autoestima aumentou consideravelmente. Tirou férias e viajou para o Rio de Janeiro, para se divertir com duas primas solteiras, que lá residem. Jurou para si mesma que iria descolar um grande amor.

E conforme planejou, chegando ao Rio, não perdeu tempo. Junto com as primas, divertiu-se pra valer. Mas a distância entre os sonhos e a realidade é grande. Do destino, ninguém foge. Margarida chegou a namorar com um viúvo reformado da Marinha, saiu com ele para jantar num restaurante fino, mas não pintou nenhum clima para que terminassem a noite num lugar mais íntimo.

Mesmo muito loura e com roupas sensuais, não conseguiu descolar nenhum namoro sério, como pretendia. Retornou a Natal, as férias terminaram e Margarida voltou à sua rotina. As amigas, loucas para se inteirar sobre as possíveis aventuras amorosas de Margarida no Rio de Janeiro, estranharam o seu mau humor, no retorno das férias. Quando lhe perguntavam se tinha arranjado algum namorado bacana no Rio de Janeiro, a resposta era uma só:

– O Rio de Janeiro é uma ilusão!!! Os homens de lá só querem as mocinhas do Funk e do pagode.

E Margarida continuou sozinha e donzela como nasceu.

Parafraseando a “Carolina” de Chico Buarque, “o tempo passou na janela e só Margarida não viu…”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 07 de dezembro de 2019

O PRÊMIO

 

 

O PRÊMIO

O Futebol, esporte de origem popular, antigamente reunia em seus times jogadores muito pobres e sem estudo. Isso contribuía para a ocorrência de situações constrangedoras e, ao mesmo tempo, hilárias, durante alguma entrevista.

No Rio Grande do Norte, ao término de uma partida importante de Futebol, os times costumavam dar um prêmio ao melhor jogador em campo, escolhido por uma comissão especial de desportistas. Era uma forma de estimular cada vez mais, o desempenho dos jogadores.

Na década de 1960, o melhor jogador de uma partida de futebol, em Natal, era premiado com um rádio da marca MotoRádio, uma das melhores da época.

A MotoRádio foi uma empresa paulista, fundada em 1942, pelo imigrante japonês Hiroshi Urushima, em São Paulo.

Certa vez, o Palmeiras de São Paulo veio jogar em Natal, contra o ABC Futebol Clube. Após o término da partida, com um empate de 1X1, o jogador Niltão, do time do ABC, foi escolhido o melhor jogador em campo e recebeu como prêmio, doado pela loja “A Sertaneja”, um MotoRádio.

Entrevistado por um comentarista esportivo da Rádio Cabugi, ao responder se estava feliz com o prêmio recebido, Niltão falou:

– O prêmio, pra mim, foi G.G.

O comentarista esportivo retrucou:

– Não entendi. G. G.???

– Sim. JOINHA, JOINHA!!! E se eu fui escolhido o melhor jogador em campo, foi por merecimento de verdade. Também, corri feito um doido e me esforcei muito pra empatar o jogo. Mereci ganhar o prêmio e estou muito satisfeito.

Como não sei dirigir, vou vender a moto. Mas, o rádio, eu vou dar à minha Mãe. A “véia” adora escutar novela de rádio na casa da vizinha e quero dar a ela esse luxo. Ela agora vai escutar novela no rádio dela.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 29 de novembro de 2019

A CONVERSA (CONTO DE VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

A CONVERSA

No Brasil, é considerado que o pai do futebol foi Charles Miller, filho de um empregado de uma empresa ferroviária. Nascido no Brasil, Miller foi à Inglaterra para estudar na Banister Court School. Lá, tornou-se um admirador do futebol e quando retornou, em 1894, trouxe com ele duas bolas na mala.

Apesar de ter se firmado como o esporte preferido dos brasileiros já na década de 1920, o futebol não foi visto com bons olhos, durante sua popularização pelo país. As mais fortes críticas vieram de setores da elite intelectual.

O escritor Graciliano Ramos escreveu, em sua crônica “Traças a Esmo”, que o futebol era a prova da superioridade européia sobre o brasileiro, afirmando que sua popularidade seria passageira, em consequência do fraco biotipo dos brasileiros. E Graciliano Ramos terminava a crônica, com perversa ironia:

“Os verdadeiros esportes regionais estão aí abandonados: o porrete, o cachação, a queda de braço, a corrida a pé, tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas, a pega de bois, o calto, a cavalhada, e o melhor de tudo, o cambapé, a rasteira. A rasteira! Esse sim é o esporte nacional por excelência!”

As críticas mais sarcásticas, entretanto, partiram do escritor Lima Barreto (13.5.1881 – Rio de Janeiro- RJ – 1.11.1922 – Rio de janeiro – RJ).

Ele via no futebol um fator de conflito, e considerava os clubes, agremiações comandadas por descendentes dos senhores de escravos. Em seu artigo “Como Resposta, Careta”, na publicação “Marginália”, o escritor afirma ser o futebol “primado da ignorância e da imbecilidade“. Por essas opiniões, Lima Barreto chegou a criar a “Liga Contra o Foot-ball“, na qual tentava a proibição do esporte no País, usando como justificativas supostos malefícios da sua prática, como brigas e mortes.

A popularização do esporte iniciou a briga entre o amadorismo, a realidade da época, e o profissionalismo. Os primeiros indícios de jogadores assalariados vêm do futebol operário. Inicialmente, usado como lazer e fonte de disciplinarização para seus funcionários, os donos de fábricas logo perceberam que o sucesso das equipes que levavam o nome da fábrica era um ótimo meio de divulgação dos seus produtos. Os trabalhadores que se destacavam com a bola nos pés começaram, então, a gozar de vários benefícios, como prêmios por vitória (o ‘bicho’), dispensa para treinos, e trabalhos mais leves. Ocorria assim, pela primeira vez, a valorização do ‘capital esportivo’. Surgia, então, o que foi chamado de ‘operário-jogador’. Sobre isso, o escritor Mário Filho, abordando o caso específico do Bangu, fala no livro O Negro no Futebol Brasileiro:

“Operário que jogasse bem futebol, que garantisse um lugar no primeiro time, ia logo para a sala do pano. Trabalho mais leve. Os garotos que jogavam no largo da igreja sabiam que, quando crescessem, se fossem bons jogadores de futebol, teriam lugares garantidos na fábrica. Depois de trabalhar muito, e principalmente, de jogar muito, o operário-jogador ganhava o prêmio da sala do pano. E podia ser ainda melhor se continuasse a merecer a confiança da fábrica, do Bangu. Havia o escritório, o trabalho mais suave do que na sala do pano. E o ordenado era maior.” 

O aparecimento do ‘operário-jogador’ proporcionou aos operários a possibilidade do esporte ser uma segunda fonte de renda, além de uma relativa mobilidade social dentro da fábrica. A prática começou, então, a ser vista como possibilidade de ascensão social. Exemplo claro desse processo, o jogador Domingos da Guia, que fez muito sucesso na década de 30, relatou numa entrevista, que seu início no futebol começou muito mais por necessidade, do que por vontade própria. Seu interesse na atividade se dava pelos lucrativos ‘bichos’, que recebia após cada vitória.

Depois de uma escalada de lutas contra os preconceitos sociais, o futebol é hoje o esporte mais amado pelos brasileiros e um dos mais populares do mundo.

Décadas atrás, Otávio e Sérgio, jogadores de futebol de um conhecido time de São Paulo, não foram presos dentro de um ônibus, por um triz. Tudo por causa de uma animada conversa que os dois travaram, acerca da contratação de um novo jogador, pelo Corinthians.

No mesmo transporte, iam duas senhoras “de idade”, uma cochilando e a outra lendo a Bíblia Sagrada. Com a conversa dos rapazes, sentados no banco vizinho, a mulher que cochilava despertou. As duas, então, ficaram atentas ao que eles falavam.

Este era o diálogo dos dois jogadores de futebol:

– Otávio, você gostou da contratação de Bento?

E Otávio respondeu a Sérgio:

– Achei excelente! Ele brinca muito bem com “a menina”. Sabe meter com perfeição, por dentro e também por fora.

Sérgio, então, perguntou:

– Você acredita que Bento irá aguentar o serviço, durante 90 minutos?

Otávio respondeu:

– Claro! E ainda tem mais: Garanto que, durante esse tempo, ele vai meter cinco ou seis “meninas” no “corredor”…Vai ser um furacão!

Aí o bicho pegou… As duas senhoras, indignadas, “armaram um barraco”. Exigiram que o motorista expulsasse do ônibus aqueles dois tarados, que estavam lhes faltando com o respeito e conversando imoralidade. Exigiram, ainda, que o motorista levasse os tarados até uma delegacia de polícia, para que fossem presos em flagrante.

O escândalo que as duas mulheres fizeram foi enorme, e maior ainda foi o rebuliço dentro do ônibus, com os outros passageiros querendo ver a cara dos tarados.

O que salvou a “pátria” foi o fato do motorista ser louco por futebol, torcedor do Corinthians e conhecer os dois jogadores. Caso contrário, teria sido difícil explicar às pudicas senhoras, que “menina” era a bola e “corredor”, era uma parte do campo, nas proximidades das balizas.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de novembro de 2019

ARCO E FLECHA

 

 

ARCO E FLECHA

Poucos esportes se ligam, tão estreitamente, à história da humanidade, como o Arco e Flecha, ou tiro com arco, arma tradicional durante séculos, para a caça e a guerra. Seu uso remonta à idade da pedra e, na antiguidade, alcançou grande desenvolvimento.

Entretanto, a regulamentação da prática do Arco e Flecha, como atividade esportiva, só ocorreu na primeira metade do século XIX. Depois de um intenso emprego desses instrumentos no período medieval, a invenção da pólvora fez com que os arcos desaparecessem, aos poucos, dos campos de batalha e que seu emprego, com fins desportivos e de entretenimento, ganhasse crescente importância. O tiro com arco, prova olímpica de 1900 a 1920, foi, após vários anos de supressão, reintroduzido nos jogos em 1972.

Pois bem. Era uma vez, uma ilha delirante, chamada “Sol e Mar”, cheia de bananas, com muito sol e muito mar. Lá, um decadente bordel foi transformado num palácio real.

A população da ilha era composta por um rei, príncipes, ministros, um esfaqueador, vendedores ambulantes, lavradores, e muitos urubus em cima dos telhados. A ilha vivia grandes desventuras políticas, protagonizadas por homens de capas pretas, segurando suas espadas ameaçadoras. Era cercada de tubarões em todos os sentidos e por todos os lados.

Um certo dia, o povo acordou com um alto-falante anunciando aos quatro cantos da ilha:

– Atenção, moradores da Ilha “Sol e Mar!

– Por ordem do Suavíssimo e Humaníssimo Rei, Sua Majestade Folote II, não se pode mais entrar no Palácio real, comendo pipocas Bokus, nem mascando chicletes de bola. Muito menos, assoando o nariz ou tirando catota. em público. Também, fica proibido deixar escapar da “região cual” vento estocado e gases putrefatas, contaminando o ambiente real.

O filho único do Rei era abobalhado, mas, mesmo assim, era atleta e praticava Arco e Flecha. Para satisfazer seus gostos, o pai permitia que ele mantivesse sempre um homem do povo amarrado a uma cadeira, em praça pública, portando na cabeça um alvo, para que exercitasse seu esporte preferido. O alvo era sempre uma maçã, um cacho de bananas, uma melancia ou uma jaca. Mas, por maior que fosse o alvo, o “atleta” sempre errava a mira e acertava a flecha no peito do homem do povo. O rei, então, mandava anunciar, que aquela morte ocorrera em decorrência de um mal súbito, que fulminara o homem do povo.

Admoestado, o filho se justificava perante o Rei, de que precisava de fortes emoções, para se sobressair no seu esporte. Para ele, não tinha graça nenhuma preservar a vida de um homem do povo, se, para o próprio Rei, esse homem não tinha nenhum valor.

O rapaz insistia com o pai, para que ele permitisse que fosse amarrado à cadeira, em praça pública, não um homem do povo, mas um dos seus ministros, com uma jaca na cabeça. Somente assim, ele se sentiria motivado a atingir o alvo e preservar a vida do importante homem.

O Rei não concordou, temendo que o filho errasse o alvo, “sem querer”, e matasse o ministro. Aliás, essa cena já tinha ocorrido dois anos antes, quando um ministro, com uma jaca na cabeça como alvo, e amarrado a uma cadeira em praça pública, foi vítima da maldade do filho do rei. O rapaz preservou a integridade da jaca e matou o importante homem. Mais uma vez, a notícia que se espalhou foi de que a vítima tinha sido acometida de um mal súbito e fulminante.
O Rei relembrou o ocorrido, mas o filho disse que, dessa vez, com um ministro, ele teria mais cuidado. E perguntou ao pai:

– Meu pai, para que serve um ministro nesta Ilha?


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 16 de novembro de 2019

O PROTESTO

 

 

O PROTESTO

Mailson da Nóbrega, economista brasileiro, exerceu o cargo de Ministro da Fazenda, no governo de José Sarney, no período da hiperinflação, em fins dos anos 1980. Foi sucedido por Zélia Cardoso de Mello.

Manuel Manu era Auxiliar de Serviços Gerais, de uma Secretaria do Rio Grande do Norte. Gostava de beber e faltava muito ao serviço. Era protegido do Chefe e por isso ainda não tinha perdido o emprego. Tinha pouco estudo e muita pose, por ser casado com uma jovem bem nascida. Apesar disso, sempre foi péssimo marido e pai, mas a mulher era apaixonada por ele e não aceitava os conselhos da família para que se separasse.

Manuel Manu, como ASG, ganhava um salário mínimo. O sogro era quem cobria as despesas da filha e do neto.

Certo dia, quando começou a gestão de um novo Secretário, o expediente da manhã, naquela Secretaria, começou agitado. Sentia-se no ar uma certa confusão, e ouviam-se vozes alteradas.

O novo Secretário foi avisado de que Manuel Manu, Auxiliar de Serviços Gerais, munido de um megafone, estava incitando os seus colegas de trabalho a fazerem greve, para terem aumento de salário. Protestava contra o fato dos Auxiliares de Serviços Gerais do Estado do RN ganharem um salário mínimo, enquanto o Ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, do Governo do Presidente José Sarney, ganhava uma fortuna. Tinha em mãos um jornal, onde estavam estampados os vencimentos do Ministro da Fazenda,

Na verdade, havia se instalado um movimento de protesto dentro da repartição, entre os Auxiliares de Serviços Gerais. Manuel Manu era um tipo moreno, barba por fazer e pose de líder.

O Secretário, então, mandou chamar Manuel Manu em seu gabinete, para uma conversa.

Visivelmente alcoolizado, o ASG entrou no Gabinete do Chefe, encarando-o com altivez e achando-se cheio de razão.

Dr. Abdias dos Santos, o novo Secretário, com a ironia que lhe era peculiar,dirigiu-se ao ASG:

– Bom dia, Manuel Manu! Antes de tudo, quero lhe dar os parabéns, por saber que você foi colega de bancos escolares do Ministro da Fazenda, Dr. Mailson da Nóbrega!!! Então, você tem Curso superior de Ciências Econômicas, igual a Mailson da Nóbrega! Quero ver o seu Diploma de |Nível Superior!!!

Gaguejando, Manuel Manu respondeu:

– Não, Dr. Abdias! Eu nem conheço o Ministro Mailson da Nóbrega, Nunca estudei com ele, nem sou formado em coisa nenhuma. Nem o ginasial eu terminei. Nunca gostei de estudar…

Dr. Abdias respondeu:

– E como você quer ganhar igual ao Ministro Mailson da Nóbrega??? Vá estudar, Manuel! E acabe imediatamente com essa algazarra, se não quiser perder o emprego.

Manuel Manu saiu do gabinete do Secretário, murcho e cabisbaixo. Imediatamente, o protesto terminou.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 09 de novembro de 2019

ISTO MESMO NÃO!!!

 

 

ISTO MESMO NÃO!!!

Nunca ouvi dizer que alguém houvesse morrido, porque comeu uma tapioca. “Na prática, a teoria é outra”…

Dona Lia, minha Mãe, era, essencialmente, uma mulher “do lar”, apesar de ser Professora de Inglês, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Nova-Cruz. Adorava costurar e cozinhar. Bolo “Cabano” era sua receita de bolo preferida, Também, fazia tapioca divinamente, habilidade da qual muito se orgulhava. Aliás, Dona Lia sabia cozinhar tudo muito bem. Sabia até fazer macarronada, fabricando a massa ela própria, artesanalmente, abrindo-a com um rolo de madeira e cortando-a em tiras largas, com a ajuda de uma faca de mesa. Colocava as tiras para secar, num pano de prato enxuto, estirado sobre uma mesa e polvilhado de farinha de trigo. Isso, numa época remota, quando ainda não havia, em Natal, e muito menos em Nova-Cruz, máquina de fazer macarrão.

Dizia sempre que não conhecia ninguém, que fizesse tapioca tão bem quanto ela. Tinha empregada, mas gostava de fazer, ela mesma, as tapiocas. A empregada se encarregava, somente, de raspar o coco.

Depois da goma permanecer de molho algumas horas, numa panela de barro, quando a goma “sentava”, ela escorria a água e colocava para secar, às vezes, sob o sol. Em seguida, peneirava a goma, colocava sal e esquentava bastante uma assadeira rasa. Baixava o fogo e espalhava na assadeira duas colheres de sopa cheias da goma e por cima uma colher de sopa de coco natural, que havia sido partido em duas quengas e raspado no tradicional “raspador”, que se colocava num tamborete e se prendia, sentando em cima do cabo. Sobre o coco, espalhava mais duas colheres da goma. Com a ajuda de uma faca, verificava se a parte de baixo estava toda unida, e virava a tapioca para que assasse do outro lado. O movimento era rápido, para que a tapioca não queimasse ou ficasse chamuscada. Sobre a mesa, mantinha um pano de prato limpo e seco, e em cima dele espalhava as tapiocas para esfriar. Depois, molhava cada uma delas com leite de coco puro e fresquinho, ao mesmo tempo em que encostava uma borda na outra, dobrando-as.

Numa tarde, em que Dona Lia tinha se esmerado, para fazer uma travessa de deliciosas tapiocas, no estilo tradicional, molhadas com leite de coco, eis que entra de casa a dentro uma parenta nossa, do tipo que não faz elogios a nada nem a ninguém. Como manda a boa educação, a parenta foi convidada a sentar-se à mesa e participar do nosso lanche da tarde, onde o prato único eram as tapiocas, acompanhadas de um excelente café, coado num pano, e cujo cheiro se espalhava pela casa toda.

A parenta comeu muita tapioca com café, sem fazer um só elogio. Enquanto isso, Dona Lia elogiava suas próprias tapiocas e as filhas e neta faziam eco:

– Que tapiocas maravilhosas, mamãe!!! Ô vó, que tapioca gostosa!!! Quero mais!!!

A parenta, então, empanturrou-se de tapioca, sem querer acordo com ninguém. Não deu um pio, para elogiar a habilidade de Dona Lia, por mais que ouvisse os elogios que nós lhe fazíamos.

De repente, para surpresa nossa, a mulher parou de comer e quebrou o silêncio:

– Lia, outro dia eu comi uma tapioca tão gostosa, na casa de Maria de Lourdes, uma amiga minha! Ela faz tapioca tão bem, como eu nunca vi igual!!!

Esse elogio, às tapiocas feitas por uma pessoa desconhecida de Dona Lia, soou-lhe aos ouvidos como uma grosseria, uma ofensa, uma desfeita das grandes.

O sangue de Dona Lia ferveu nas veias, ela ficou vermelha como uma pimenta e não se conteve:

– Tapioca melhor do que a minha??? Invente outra coisa!!! ISTO MESMO NÃO!!!

Dona Lia perdeu a graça, e teve de se controlar, para não dizer à parenta os desaforos que ela merecia ter ouvido.

Era uma parenta muito próxima. Quanto mais, se fosse uma “CONTRAPARENTA!!!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 02 de novembro de 2019

O INSTRUMENTO

 

 

O INSTRUMENTO

Dona Francisca era uma mãe zelosa, à moda antiga, e não permitia que Bibina, sua filha de 17 anos, ficasse a sós com o noivo, na sala de visitas da sua casa, todas as noites.

A conservadora senhora, viúva, ficava de plantão, sentada numa poltrona, fingindo fazer tricô, enquanto sua filha e o noivo conversavam, fazendo planos para o futuro, até 21:30 h, nenhum minuto a mais.

Como, à noite, estava muito cansada dos afazeres domésticos, Dona Francisca não percebia os cochilos que costumava dar na poltrona, deixando cair no chão as agulhas de tricô e o novelo de lã.

 

Certa noite, a dona da casa cometeu o deslize de adormecer, profundamente, na poltrona. Despertou assustada, e flagrou o casal aos beijos e abraços, dando para notar que o batom da boca da sua filha tinha passado para o rosto do rapaz.

Isso foi o estopim da bomba, e a mulher ficou indignada. Tentou disfarçar, mas não conseguiu. No dia seguinte, sentindo-se desrespeitada, Dona Francisca deu de presente ao futuro genro uma Escaleta, instrumento musical que estava na moda. Exigiu que, a partir daquela noite, o rapaz tentasse aprender a tocar de ouvido, pois ela estava muito cansada e iria se deitar. Ficaria ouvindo do quarto. Só não queria que a sala ficasse em silêncio, nem, ao menos, um minuto.

Como acordava muito cedo para cuidar dos afazeres domésticos, essa foi a solução que a mulher encontrou para deixar de ser vigilante da filha e do futuro genro, e, ao mesmo tempo, sem deixar de zelar pela virgindade da jovem. Era muito conservadora e queria que a filha casasse virgem.

Dona Francisca acreditava que, com a Escaleta, o rapaz não tentaria se aproveitar do momento mágico, vivido todas as noites com sua filha, até 21:30 h. Não iria procurar certas intimidades, coisas que, na sua opinião, só poderiam acontecer depois do casamento, no Padre e no Juiz.

A mulher só não imaginava que era a filha que ficava direto tentando tocar a Escaleta. O rapaz, com a boca e mãos livres, podia avançar o sinal o quanto quisesse. Da sala, ouvia-se Dona Francisca roncando. A filha ia olhar e via que a mãe estava dormindo profundamente.

O casal, muito apaixonado e com os hormônios fervendo, abusando da liberdade proporcionada, ingenuamente, por Dona Francisca, não se controlou por muito tempo. Logo, o casamento foi antecipado. Bibina casou grávida, sob os protestos e insultos da mãe.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 26 de outubro de 2019

O MELHOR REMÉDIO

 

 

O MELHOR REMÉDIO

Ambrósio, dono de uma farmácia numa cidade do interior, lamentava muito por não ter podido estudar. Achava que daria um ótimo médico. Pela experiência que adquiriu na farmácia, sabia indicar remédios e curar virose, dor de barriga e outras perturbações passageiras.

Com a maturidade, tornou-se falante e gostava de opinar sobre problemas de saúde. Como, atualmente, o problema de saúde mais sério que existe no mundo é a depressão, Ambrósio tornou-se “especialista” no assunto e já tinha opinião própria sobre a terrível enfermidade, que, se não tratada, poderá ter um final trágico.

Nas suas conversas com os amigos, ele passou a receitar “mulher para homem” e “homem para mulher”, para evitar e até curar a depressão. Era muito criticado por causa disso, embora houvessem provas de cura radical de pessoas depressivas, após encontrarem sua alma gêmea.

E era o que Ambrósio “receitava”, para as pessoas que sofriam de depressão. Entretanto, tudo dependia da sorte de cada pessoa, pois, se a união fosse desastrosa, o resultado poderia ser bem pior. Um casamento desastrado pode provocar, até, uma debilidade mental, para o resto da vida, em quem já tem tendência à depressão. Mas, a receita de Ambrósio raramente falhava. O difícil era conseguir o remédio, ou seja, um bom “lençol de orelha”, produto que não é vendido em farmácia. Tudo dependia da escolha certa e da sorte.

Em certos Países, onde o número de pessoas que vivem sozinhas é muito elevado, para combater a depressão, algumas instituições filantrópicas promovem campanhas, para aproximar pessoas solitárias, para fins matrimoniais. Os resultados são sempre surpreendentes. Porém, foi constatado que as pessoas, em sua maioria, vivem sozinhas por simples opção.

Na mesma cidade onde morava Ambrósio, Cacilda, 35 anos, tinha mania de doença. Era hipocondríaca. Absorvia todos os sintomas de qualquer doença de que ouvisse falar, e, com isso, seu sistema nervoso ficava muito abalado. Vivia à beira de uma depressão. As doenças provocadas por mosquitos, como Dengue, Zica e Chikungunya, ela teve todas. Fora isso, achava que sofria da vesícula, do apêndice, dos rins, e de tudo que há no abdômen. Levada à capital do Estado para se consultar diversas vezes, não foi constatada nenhuma enfermidade em Cacilda.

Por obra do destino, passou um vento bom na cidade e trouxe de volta para lá, um viúvo fresquinho, que há 20 anos morava no Rio de Janeiro. Reformado da Marinha, e triste por ter, recentemente, perdido a esposa, Melquíades resolveu voltar à sua terra natal, onde tinha parentes. Suas irmãs lhe apresentaram Cacilda, e alcovitaram o namoro dos dois, que terminou em casamento.

Esse foi o remédio que Cacilda precisava para se curar da hipocondria e da sua ansiedade crônica, quase depressão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 19 de outubro de 2019

CASA DE PRAIA

 

 

 

CASA DE PRAIA

Antônio tem casa de praia, onde costuma descansar nos finais de semana. Para ele, não existe nada melhor nesse mundo, do que poder relaxar na praia, deitado numa confortável rede, sentindo o cheiro de maresia e o barulho do mar. Diz sempre que sua esposa, Marlene, sua alma gêmea, também adora relaxar na praia, e é com muita satisfação que ela se encarrega da enorme feira semanal, para abastecer a geladeira e o “freezer”, para os fins de semana na praia. Quase sempre, o casal recebe a visita de amigos, como também do filho, com a nora e dois netos.

Seu fim de semana na praia é sagrado. Na sexta-feira à noite, o casal organiza as coisas que tem que levar para o fim de semana, e os dois arrumam na caminhonete. Marlene se encarrega de preparar petiscos e quitutes à vontade. Antes do amanhecer, o casal já está na estrada. Uma hora depois, os dois já estão na casa da praia, descarregando a camionete.

 

O marido abastece o “freezer” e a geladeira e depois vai verificar se a bomba está funcionando, para encher a caixa d’água. Sempre encontra vazamento em alguma torneira, bronca pequena, que ele aprendeu a resolver.

Por sua vez, Marlene se instala logo na cozinha, para preparar um reforçado café da manhã. Em seguida, a mulher se encarrega de varrer e arrumar a casa, sacudir os colchões, forrar as camas e lavar os banheiros. Depois, começa a preparar o almoço, que sempre é uma feijoada, um cozido ou um peixe com pirão,

Antônio varre os alpendres e arma as redes. Depois, sozinho, vai dar um mergulho no mar e caminhar um pouco pela praia. Mas não se demora, pois o sol já está bastante quente.

Depois do almoço, Antônio se aboleta numa rede, mas não consegue dormir. Tem que consertar o chuveiro, ajeitar o ferrolho do portão da garagem e colocar “spray” contra ferrugem nas dobradiças e fechaduras das portas.

Marlene, depois de lavar a louça do almoço, também se deita numa rede e adormece.

A noite chega e eles jantam. Depois, assistem os noticiários na televisão, numa imagem péssima, sinal de que há algo errado com a antena.

Antônio espalha inseticida pela casa, para matar baratas e mosquitos. Os maruins e muriçocas não deixam ninguém em paz.

Acordam cedo, com a chegada do filho, a nora e os dois netos. Marlene prepara o café da manhã e põe a mesa, com bolo, pão, queijo e presunto. Faz cuscuz e tapioca, frita ovos, e todos comem à vontade.

Marlene aguardava uma nativa que sempre lhe ajuda, nos fins de semana. Mas, dessa vez, a moça mandou um recado dizendo que não poderia ir, pois estava doente.

Após o café da manhã, Antônio foi fazer sua caminhada matinal pela praia, para levar sol e dar um mergulho no mar. Marlene não pôde sair da cozinha. Estava terminando de preparar o almoço e uma sobremesa.

Antônio chegou da praia e ficou no terraço com o filho, tomando uma cerveja. Marlene, com ar de cansada e suada, pôs o almoço na mesa.

Todos almoçaram e depois procuraram se deitar nas redes, exceto Marlene, que permaneceu na cozinha, lavando pratos e panelas, e organizando o que era preciso levar de volta. A mulher arrumou tudo na camionete e depois acordou o marido. para pegarem a estrada. A nora arrumou as crianças e juntou as roupas molhadas para lavar em casa. Elas acharam o dia maravilhoso. Antônio, o filho e a nora de Marlene, também.

Chegaram em Natal à noitinha, pois o trânsito estava congestionado. Antônio tomou um banho reconfortante e, exausto, adormeceu na sua confortável cama box, só despertando no dia seguinte, quase na hora de ir trabalhar. Marlene descarregou a camionete, guardou o que precisava, tomou banho e, exausta, também atirou-se na cama, adormecendo imediatamente.

No dia seguinte, no trabalho, Antônio, com ar de cansado, gaba-se aos colegas de que não troca o seu descanso na praia, nos finais de semana, por nada neste mundo.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 14 de outubro de 2019

COMPULSÃO POR CELULAR

 

 

COMPULSÃO POR CELULAR

Há pessoas que não controlam a compulsão por telefone celular e não conseguem passar uma hora, sequer, sem usá-lo, mesmo que estejam numa festa. O pior é que forçam os amigos ou amigas que estão ao seu lado a se desligarem da música que a orquestra está tocando, obrigando-os (as) a olhar, mesmo na penumbra, para o seu celular, e ver fotos dos seus familiares, coisas que só interessam a elas próprias. Quem está na festa para se divertir, de repente se torna refém do amigo (a), compulsivo (a), sendo obrigado a olhar fotos e tecer elogios, só por delicadeza.

O compulsivo por celular é o dono do pedaço. Para eles, prevalece a regra “os incomodados que se mudem”. O seu “semancol” não funciona e o egocentrismo lhe faz roubar as atenções de quem foi ali à procura de diversão. E ele (a) se torna um chato (a).

O chato também tem a mania de comentar acontecimentos vividos em viagens, com detalhes que somente a ele interessam. O ar de superioridade que ele ostenta, quando relata esses episódios, interessantes somente para ele, provoca, às vezes, irritação nas pessoas que o escutam, principalmente aquelas que não costumam viajar. Há quem não viaje por comodismo, por falta de dinheiro, ou por medo de avião ou navio.

Para esses, prevalece o ditado popular “Boa romaria faz, quem em sua casa está em paz.”

Entretanto, há também pessoas discretas, que viajam sempre, mas não gostam de propagar o que viram, e pessoas curiosas e chatas, que, quando sabem que alguém chegou de uma viagem, principalmente internacional, fazem mil perguntas e querem saber de todos os detalhes.

Pois bem. João Amaro, um homem de pouca conversa, havia chegado de uma viagem internacional e foi convidado para uma festa de Bodas de Ouro de um casal amigo. Ocupou uma mesa com a esposa, aguardando a chegada de outros amigos. Nesse ínterim, chegou à sua mesa um chato curioso, sentou-se e lhe cobriu de perguntas:

– É verdade que você foi à Paris? Com certeza, foi ao Museu do Louvre e viu a Mona Lisa; viu as mulheres lindas do Lido e do Moulan Rouge; deve ter visitado o Palácio de Versalhes, e passeou a pé pelo Bois de Bologne, ao cair da tarde. Deve ter jantado naqueles bistrôs de Saint-Germain ou nos restaurantes típicos de Montmartre.

João Amaro respirou fundo, cheio de tanta pergunta, e respondeu:

– Eu sou um homem pobre e fui a Paris, a serviço. Fiz refeições no hotel onde me hospedei. Não tive tempo para me divertir. Além do mais, em Paris é tudo muito caro. O senhor deve ser rico e deve ter estado lá a passeio, somente para fazer turismo e se divertir.

O chato curioso tomou a palavra:

– Realmente, a vida em Paris é caríssima!!! O Museu do Louvre, os Cabarés Lido e Moulin Rouge, os bistrôs de Saint Germain e Montmartre, o Palácio de Versalhes, é tudo belíssimo! Sonho todas as noites com a cidade-luz! Adoro Paris, mas nunca estive lá, pois meu dinheiro não dá para isso! Ai, quem me dera! Se eu pudesse e se meu dinheiro desse!!!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de outubro de 2019

AMOR POR AVIÃO

 

 

AMOR POR AVIÃO

Anos atrás, quando índios eram somente índios e só tinham coragem de andar em canoa, os médicos sanitaristas organizavam expedições e se embrenhavam na selva amazônica, para o trabalho assistencial. Tratavam dos índios doentes, distribuíam remédios e faziam parto nas índias.

 

Os índios viviam nas suas respectivas etnias e não gostavam do homem branco.. Ainda hoje, na grande selva amazônica, existem etnias que não admitem que o homem branco se aproxime delas. Não conhecem o açúcar nem o sabão e só se alimentam de peixe e banana verde.

Os expedicionários chegavam à região dos índios, num pequeno avião. Quando o avião pousava, as tribos se escondiam com medo.

Numa determinada região, observaram que havia um índio, que sempre se aproximava deles e gostava de ficar perto, olhando para aquele “bicho pesado que voava”. .E, falando um pouquinho a linguagem do homem branco, pedia ao piloto para dar um passeio naquele avião. O homem prometeu que,qualquer dia, ele iria realizar seu sonho.

Certo dia, em que seria feito um voo de fiscalização das plantações, o piloto pediu licença ao Médico, chefe da expedição, para levar o índio com eles, e assim cumprir a promessa que lhe tinha feito, diversas vezes. O Médico concordou, mesmo não tendo gostado da ideia.
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O índio, que vivia grudado no avião feito um chiclete, ficou feliz da vida. Sorria feito criança, quando se viu passeando de avião. Finalmente seu sonho estava sendo realizado.

Por pura maldade e para fazer medo ao índio, o piloto, em pleno voo, falou:

-Olhe, doutor, estamos sobrevoando o local onde, no ano passado, caiu um avião igual a esse e não escapou ninguém.

Ouvindo isso, o índio entrou em pânico e perguntou:

– E AVIÃO CAI??? QUERO DESCER!!!

O índio gritava e pedia socorro.

O piloto e o médico sorriam, se divertindo com a reação do índio, que queria sair do avião à força.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 28 de setembro de 2019

O EVENTO

 

 

O EVENTO

Anos atrás, Mariana se inscreveu para participar de um Congresso de Direito Administrativo em Fortaleza, que ocorreria no Hotel Vila Galé, na Praia do Futuro. Como não havia mais vagas nesse hotel, sua filha Sílvia, que também participaria do evento, fez uma pesquisa na Internet, a fim de conseguir hospedagem num hotel que também ficasse na Praia do Futuro, e nas proximidades do hotel do evento. Sílvia terminou encontrando uma pousada, que se enquadrava, perfeitamente, às pretensões de sua mãe. A diária estava em promoção, ao preço de 60 reais, enquanto o preço da diária no hotel “5 estrelas” era quase 500 reais. Mariana lembrou-se do ditado “esmola grande, cego desconfia” e não quis nem saber.

 

Mais tarde, de cabeça fria e sem outra opção, Mariana terminou cedendo, e autorizou a filha a fazer as reservas de três diárias na tal pousada, e transferir os 50% de praxe, do valor da hospedagem.

Saindo de Natal, num voo executivo da Varig, às 14 horas de uma terça-feira, uma hora depois já estavam Mariana e a filha Sílvia, desembarcando no aeroporto de Fortaleza, onde um taxista as aguardava, exibindo um cartaz com o nome das duas, para levá-las ao “hotel”.

O táxi velho tinha escrito na porta o nome da pousada. O motorista, quase idoso, tinha aparência de sujo e vestia roupa visivelmente surrada.

A “pousada”, apesar de usar como referência de localização a Praia do Futuro, ficava num descampado, onde não se via viva alma, nem casas na vizinhança.

Muito desconfiadas, Mariana e Sílvia preencheram as fichas no balcão de entrada e perguntaram a uma atendente se havia muitos hóspedes ali, para participar do Congresso de Direito Administrativo, cuja abertura se daria na manhã seguinte. A resposta da funcionária foi positiva, e, além de já haver muitos hóspedes, segundo ela, outros estavam para chegar ainda naquela tarde.

O taxista permaneceu na portaria, conversando com as atendentes, enquanto Mariana e Sílvia foram encaminhadas à ”suíte” para elas reservada. Ficaram decepcionadas com a simplicidade e o desconforto do pequeno cômodo.

A pousada era uma casa térrea, antiga, e simples. No jardim havia uma pequena piscina, mas não se via nenhum movimento de hóspedes, parecendo mais que as duas estavam hospedadas num convento.

Mariana e Sílvia deixaram a bagagem no quarto e contrataram o mesmo motorista para levá-las ao Hotel Vila Galé, na esperança de que houvesse surgido alguma vaga. Em lá chegando, pediram que ele aguardasse um pouco, para, em seguida, deixá-las no melhor Shopping de Fortaleza.

Como por milagre, o hotel Vila Galé informou-lhes que no dia seguinte, logo cedo, iria desocupar uma suíte. Mariana não pensou duas vezes, e pagou logo a reserva das três diárias, no hotel do evento, como se as duas tivessem alcançado uma graça. De lá, o taxista as deixou no Shopping, cobrando-lhes um preço exorbitante, sem que elas contestassem.

O bonito Shopping havia passado por uma grande reforma e ali naquele templo de consumo, as duas lancharam, olharam as lojas e se descontraíram, por saber que no dia seguinte estariam no Hotel Vila Galé.

Voltaram para a pousada às 21 horas, e não viram movimento nenhum, fora as duas moças da “recepção”, onde tinham preenchido as fichas de entrada.

Dormiram assustadas e preocupadas em se levantar cedo, tomar café e se transferir para o hotel Vila Galé, antes da abertura do evento.

Foram as primeiras a chegar à sala de refeições. Pareciam ser as únicas hóspedes. do “hotel”.

Uma mulher morena e gorda colocava numa mesa de alvenaria, que separava essa sala, da cozinha, um bolo em fatias, uma bandeja pequena com fatias de queijo, uma bandeja com alguns pães do tipo “francês”, dormidos, uma garrafa térmica com café e outra com leite. Fora isso, açúcar e adoçante dietético.

Mariana e Sílvia esperavam, pelo menos, um café da manhã reforçado. Enquanto mãe e filha se entreolhavam, demonstrando insatisfação por estar ali, levaram um susto horrível. Uma voz estridente partiu da cozinha, dirigindo-se às duas:

-VOCÊS VÃO QUERER OVO???

A resposta das duas soou uníssona:

-Não! Obrigada!

A pergunta partira da mulher morena e gorda, que parecia ser a cozinheira do “hotel”.

Uma crise de riso se apoderou de Mariana e Sílvia, que se limitaram a se servir do que já havia na mesa.

A vontade era sair dali correndo.

Foram pegar as malas no quarto e pediram a conta. A “recepcionista” não perguntou nem o que tinha havido.
O mesmo taxista já estava na recepção. Foi quem levou Mariana e Sívia ao Hotel Vila Galé.

Essa arapuca serve de lição, para que ninguém acredite 100% nas ofertas da Internet.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 21 de setembro de 2019

A EXPOSIÇÃO

 

 

A EXPOSIÇÃO

Nas festas de exposição de animais, comuns em algumas cidades nordestinas, o bode reprodutor, o chamado “pai-de-chiqueiro”, sempre se destaca, pelo porte elegante, desenvoltura, chifres belíssimos, cavanhaques e sacos enormes.

Os bodes são os machos reprodutores, criados e mantidos nas propriedades, para fazerem a monta, garantindo a geração de cabritos de alta qualidade. Há grande influência na qualidade da sua descendência. Enquanto a cabra produz um ou dois descendentes ao ano, o bode cobre 35 fêmeas, podendo ser o pai de até 70 crias.

Zé de Firmo era um empregado de confiança na Fazenda Curió, do “Major” Elomar, conhecido criador de bodes. O “Major” tinha um bode reprodutor de raça estrangeira, que pesava quase 60 quilos. Participava de todas as exposições de animais que havia na região e sempre era premiado. Esse bode, pai-de-chiqueiro, que era chamado de Belo, era o orgulho do fazendeiro. Belo não parava de cobrir as cabras, que viviam prenhas. Era uma fonte de renda inigualável.

Certa vez, um grupo de religiosas de um Colégio de Natal foi convidado para a abertura da Exposição de Animais, que acontece anualmente.

Como de costume, o dono da Fazenda Curió estava presente, expondo Belo, seu valioso bode reprodutor, verdadeiro pai-de-chiqueiro, escoltado por seu tratador. Zé de Firmo era um homem falante e gasguito, que mal sabia ler e escrever. Mas era um excelente empregado, fiel escudeiro do “Major” Elomar.

As freiras aceitaram o convite e lá estavam, felizes e deslumbradas com a beleza dos bovinos e caprinos, entre eles Belo, o bode reprodutor escoltado por Zé de Firmo. As religiosas, sob o comando da Madre Superiora, admiravam a beleza dos animais expostos, até que se aproximaram de Belo, e ficaram encantadas com o que viam em sua frente. Belo era um bode pai-de-chiqueiro, de postura elegante, exibindo seus enormes chifres, um belo cavanhaque, além de um avantajado saco, que balançava ao vento, no simples caminhar. Um belíssimo animal branco malhado, arisco, fogoso e berrante.

As freiras, como se sabe, são verdadeiras santas, incapazes de dizer ou admitir palavrões ou palavras irreverentes em sua frente. Estão acostumadas a ouvir as maravilhosas músicas sacras nas Missas e a fazerem suas orações.

A mais empolgada delas, impressionada com a “performance” do Bode Belo, puxou assunto com Zé Firmo, homem rude, e dono de um palavreado chulo, querendo saber se o precioso animal “dava conta” mesmo das cabras.

Diante dos visitantes, que arrodeavam o famoso bode reprodutor, a freira ouviu de Zé Firmo, a seguinte resposta, que soou como uma explosão nos seus ouvidos e das demais religiosas:

– Dona, a senhora não sabe como este bode é sem-vergonha!!! Só vive cobrindo as cabras!!! É um “fudedorzinho” da gota serena!!!

Nesse ínterim, a religiosa teve uma crise histérica e começou a gritar. Saiu da exposição numa maca do SAMU, direto para uma urgência hospitalar.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 14 de setembro de 2019

O GOL

 

 

O GOL

Era um dia feriado, consagrado ao Exército Brasileiro. Um dia de laser, dentro do Quartel do 16 RI, em Natal, com várias competições esportivas, inclusive um jogo de futebol, disputado por dois times formados por Oficiais.

Na plateia, estavam presentes Tenentes, Capitães e o General Mendes Rosa, um homem careca, bonito e simpático, muito querido pelos oficiais e por toda a Corporação. Deficiente visual de um olho, em consequência de um acidente em serviço, esse General, optou por permanecer em atividade, mesmo tendo direito à transferência para a Reserva Remunerada. Para ele, era um orgulho continuar fazendo parte do serviço ativo do Exército Brasileiro.

As torcidas dos dois times de futebol já estavam a postos, esperando o início do jogo, que iria decidir um campeonato interno. Um deles seria o campeão do torneio e receberia uma taça relativa àquela data.

O jogo começou cheio de emoção, e somente no final do 2º tempo, foi que um dos times conseguiu fazer um gol sensacional, o chamado gol de placa. O autor foi o Tenente Luz, Oftalmologista do Corpo Médico do Exército, que, num assomo de euforia, não se conteve e disse para os colegas:

– PORRA!!! Este gol eu quero dividir com o General Carequinha!!!

A gargalhada dos colegas foi geral. Acontece, que o General Mendes Rosa, ouviu isso e entendeu que era com ele, que nunca admitiu ser chamado de careca ou carequinha por ninguém, principalmente por um Oficial que lhe era subalterno na carreira militar. O General, que estava assistindo ao jogo com alguns amigos e com eles tomava seu Whisky, não gostou nada do que ouviu. Sentiu-se ridicularizado, como se fosse um palhaço. Fechou a cara e se retirou.

O Tenente Luz, que não imaginava que o General tivesse ouvido o que ele falou para os colegas, arrependeu-se desde o dia em que nasceu e perdeu o fim de semana, nervoso e com dor de barriga, só em pensar na punição que deveria receber na segunda-feira. Sabia que seria punido por aquele desrespeito e podia até pegar uma cadeia.

O General Mendes Rosa gostava muito do Tenente Luz, e às vezes se consultava a ele. Não esperava nunca ser desrespeitado logo por esse Oficial a quem tanto prezava.

Na segunda-feira, logo cedo, o Tenente Luz chegou ao Quartel, e, imediatamente, foi chamado à sala do General. Levou um chá de espera de uma hora, no sol quente, até que recebeu a ordem para entrar. Quase tremendo de medo do que iria acontecer, foi recebido grosseiramente pelo General, que sempre o tratava por Dr. Luz, mas, dessa vez, limitou-se ao “Bom dia, Tenente Luz!”

E num tom grosseiro e autoritário, o General perguntou-lhe:

– O senhor pode repetir as palavras que proferiu no campo de futebol, sexta-feira, logo que fez o gol da vitória?

O Tenente, visivelmente nervoso, mas com toda altivez, respondeu:

-Antes de repetir o que eu disse, confesso que me arrependi tremendamente e jamais repetiria aquelas palavras. Na euforia do gol, quis homenagear o senhor, sem imaginar que iria lhe magoar. O que eu disse foi:

“Porra! Esse gol eu divido com o General Carequinha! “

O General, com sua voz estridente, respondeu:

-O senhor me faltou com o respeito e me expôs ao ridículo, como se eu fosse um palhaço. Sempre o respeitei como médico, tratando-o por Dr. Luz, dando-lhe sempre um tratamento especial. Mas o senhor não correspondeu.

O Tenente Luz, bonito e vaidoso, não cortava os cabelos à moda militar. Tinha uma cabeleira negra e sedosa, o que era uma liberalidade que gozava junto ao seu superior.

O General não disse mais nada. O Tenente Luz foi entregue ao ajudante de ordem, para ser encaminhado à barbearia da corporação, onde teve a cabeleira raspada, sendo preservada, apenas, uma pequena trunfa na parte superior.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 07 de setembro de 2019

A PROTETORA

 

 

A PROTETORA

Cândida sempre foi muito estudiosa. Formou-se em duas faculdades: De Psicologia e de Letras. Optou por ser professora, obtendo aprovação em concurso público federal.

Sua marca registrada sempre foi a personalidade forte, que chegava a ser confundida com fanatismo. Desde criança, tinha opinião própria, até nas escolhas de suas roupas, o que não acontecia com suas duas irmãs. Ainda adolescente, tinha fanatismo por partido político, candidatos, time de futebol, cantores, artistas de cinema, fora os heróis de revistas em quadrinho.

Apesar de ser tratável, Cândida sempre saía do sério, quando alguém ousava se posicionar contra os seus fanatismos. Quem assim o fizesse, imediatamente recebia sua reprovação, o que, às vezes, resultava em intrigas passageiras.

Desde criança, Cândida deixou de comer galinha, pois, certo dia, sem querer, viu a cozinheira da sua casa matando uma, para preparar o almoço. Ficou em pânico e revoltada. As poucas galinhas de sua mãe, que restaram no galinheiro, morreram de velhas e de morte natural, a pedido dela. Afeiçoou-se às galinhas e pôs nomes em cada uma delas, inclusive uma se chamava Marta Rocha, o no nome de uma Miss Brasil.

Certa vez, Cândida, já adulta, viu um gatinho ser atropelado perto da sua casa. Penalizada, levou-o para uma clínica veterinária e pagou as despesas do tratamento, até que ficasse curado. O gato teve alta e Cândida passou a criá-lo. Alguém soube disso e a casa se transformou num depositário de gatos enjeitados. As pessoas abandonavam os gatos no jardim da sua casa e Cândida se afeiçoava a eles, transformando-se numa verdadeira protetora. Se um adoecesse, Cândida chamava o veterinário, para atendimento a domicílio. Gastava uma boa parte do seu salário com remédios e às vezes internamentos em clínicas veterinárias.

Numa visita ao Cemitério, perto do túmulo de um ente querido, Cândida viu um gato com uma ferida no pescoço. Por telefone, chamou um médico veterinário até lá. O homem examinou o gato e receitou os remédios necessários. Mas, no Cemitério “moravam” outros gatos, doentes e famintos. Cândida não os levou para a sua casa, mas assumiu, consigo mesmo, o compromisso de patrocinar o tratamento de suas enfermidades e levar sempre ração para eles, sob os cuidados do Administrador. Decorridos alguns anos, Cândida ainda mantém o mesmo hábito, sozinha, e por conta própria. Solteira por opção, sua vida é dividida entre sua residência, o trabalho profissional, e as visitas ao Cemitério, onde seus pais estão sepultados, e onde se encontra um enorme número de gatos, esperando a visita de sua protetora.

Mesmo já contando tempo de serviço suficiente para se aposentar, Cândida, que detesta a palavra “aposentadoria”, optou por continuar trabalhando, até que seja alcançada pela compulsória. É uma grande mulher, digna de admiração.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 31 de agosto de 2019

O DESABAFO

 

O DESABAFO

Um conhecido Professor, de uma faculdade de Direito particular, de Natal, chegou para dar aula atrasado, pela primeira vez em sua vida. Visivelmente irritado, o jovem e eloquente professor pediu desculpas aos alunos pelo atraso.

Antes de iniciar o tema da aula de Direito, para se descontrair, improvisou uma fala para a turma, quase toda feminina, sobre os problemas da vida a dois.

Começou dizendo que aconselhava aos alunos, moças e rapazes, casados ou solteiros, que nunca atormentassem a vida de seus cônjuges, se quisessem ser felizes no casamento. Principalmente, não tirassem o espaço um do outro dentro de casa.

E frisou bem que a mulher, quando é vaidosa demais, torna-se egoísta, de tal forma, que não tem tempo de pensar no bem-estar do marido nem dos filhos. Estes são entregues às babás ou às creches, e, às vezes, os pais só veem os filhos pequenos quando eles estão dormindo, ou nos fins de semana. Por esse motivo, as crianças se apegam mais às babás do que aos pais, e, em casa, preferem dar atenção aos brinquedos eletrônicos, incluindo-se os “tablets”, e filminhos, principalmente um tal de “Galinha Pintadinha”, por quem ele, pessoalmente, sentia verdadeira ojeriza.

Disse que sua mulher “privatizou” a suíte do casal, apossando-se do banheiro, de tal forma que ele só dispunha, nas inúmeras prateleiras de vidro, de um pequeno espaço, para colocar sua escova de dentes. Disse que vivia estressado, pois, ao chegar do trabalho no final da tarde, sua mulher nunca estava em casa. Sempre tinha saído para a Academia e ele já estava cansado de jantar sozinho, por não ter paciência de esperá-la até 19 horas.

Naquele dia, especialmente, disse ele, estava com os nervos em pandarecos. Depois do café da manhã, como sempre fazia, havia entrado no banheiro para tomar banho, já pensando no trânsito que iria enfrentar, para chegar até ali e dar sua primeira aula. Lavou os cabelos com “shampoo” e condicionador, enxugou-se e se arrumou apressadamente. Ao se pentear, percebeu que tinha exagerado no condicionador, ou sua mulher tinha comprado uma nova marca, aliás de cheiro excelente. Mas seus cabelos haviam ficado ralos e sem jeito. Muito vaidoso, não conseguiu penteá-los ao seu gosto. Disse que estava se achando a cara de “ Marcelino Pão e Vinho”, com uma franja cobrindo sua testa, coisa que ele detestava.

Disse ainda que, na hora de sair de casa, havia entrado no banheiro e aproveitara para ver a marca do novo condicionador que a destrambelhada da mulher tinha resolvido comprar. Devia ser algum lançamento e de uma marca muito cara, do jeito que ela gostava.

Qual não foi sua surpresa, ao constatar que, em vez de condicionador, ele tinha usado nos cabelos, após o “shampoo”, um sabonete íntimo, cremoso, da sua esposa, com um perfume inebriante. Já era tarde para lavar os cabelos novamente.

E concluiu sua fala:

-Não é brincadeira, não! Eu, um Advogado e Professor respeitado, estou aqui me sentindo uma VULVA, por causa da futilidade da minha mulher!!!!!!

A classe não conteve o riso, e o desabafo do Professor diminuiu o seu estresse.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 24 de agosto de 2019

O GALANTEIO

 

 

O GALANTEIO

O antigo galanteio nada tem a ver com o chamado Assédio sexual, definido no Art. 216 do Código Penal, como o ato de “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

Tempos atrás, não se falava em assédio sexual, como hoje. O que havia era galanteio. As cantadas “sadias”, elogios e galanteios não eram crimes, e podiam até envaidecer a mulher, aumentando-lhe a autoestima. As propostas indecentes sempre existiram, sem que caracterizassem crime de assédio sexual, como nos tempos atuais.

Dr. Minora, um conhecido advogado, recebeu em seu escritório uma senhora, bonita e insinuante, 50 anos, que queria contratá-lo para fazer o seu divórcio.

Depois de ouvir os motivos que estavam levando a cliente a pedir a separação, o advogado elogiou a sua beleza e comentou que existia homem idiota, que não enxergava a mulher que tinha ao seu lado.

Na verdade, o advogado era galanteador por natureza e não podia ver uma mulher bonita, que tentava conquistá-la, mesmo que fosse sua cliente, Sentia um certo fascínio por mulheres casadas, em fase de separação. Sentiu-se atraído pela cliente e os elogios eram verdadeiros.

A mulher sentiu-se gratificada, pois vinha atravessando uma fase de desprezo do marido, que há meses não tinha com ela qualquer relacionamento conjugal. Isso massageou o seu ego.

Ao sair do escritório, o Dr. Minora foi com um amigo, Dr. Rildo, também advogado, até o café mais próximo, onde fizeram um lanche e conversaram sobre sua nova cliente. Contou ao amigo os elogios que lhe tinha feito e se justificou, dizendo que toda mulher gosta de receber elogios, principalmente quando já está entrando na idade madura.

De repente, de surpresa, a esposa do Dr. Minora chegou ao café e sentou-se para lanchar também, junto com o marido e o amigo. Muito bonita e elegante, Rosilda despertou a atenção de quem estava por perto, e o amigo do seu marido. não conseguia deixar de admirar a sua beleza. Teceu-lhe elogios e parabenizou Dr. Minora, pela bela mulher que ele tinha. Disse, ainda, que o Dr. Minora era um felizardo. por ter se casado com uma mulher daquela, bonita, elegante e simpática.

Ele sempre ouviu Dr. Minora dizer que um homem educado, quando está diante de uma mulher atraente, tem o dever de fazê-la sentir-se admirada. Isso massageia o ego feminino, pois a mulher gosta de elogios.

A indiferença do homem diante de uma mulher bem vestida e elegante é humilhante para ela, principalmente quando se trata de uma mulher na idade madura. Vem logo o complexo de velhice, que é o pavor de todas as mulheres.

Baseado no que sempre ouvia o Dr. Minora dizer, o amigo se desmanchou em elogios à sua esposa, que ficou muito envaidecida.

Dr. Minora ficou sério e não gostou do que viu e ouviu. Teve uma crise de ciúme.

O amigo se justificou:

– Sempre escutei você dizer que o homem educado tem que elogiar as mulheres.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 17 de agosto de 2019

UMA PESSOA ADORÁVEL

 

UMA PESSOA ADORÁVEL

Numa Escola pública de Natal, num dia de prova de Português, o primeiro quesito foi uma Redação, com o tema “Uma pessoa adorável” Nessa escola, predominava o número de alunos criados somente pela mãe.

Todos fizeram a redação, focalizando seus heróis de revistas em quadrinhos, artistas de cinema e televisão, cantores, e até jogadores de futebol. Em nenhum momento, homenagearam os pais ou outros parentes, exceto Antonina, uma aluna exemplar, que sempre se destacava em tudo, inclusive na educação. Essa aluna era a mais aplicada da classe e foi quem primeiro entregou a prova.

Sobre o tema da redação, ela assim se expressou:

“Para mim, uma pessoa adorável é o meu Pai, Antônio Firmino. Ele é meu herói , meu amigo. Tem dedicado sua vida a mim e à minha irmã, desde que perdeu nossa mãe para o câncer.

Já faz seis anos e até hoje ele não quis casar novamente. Diz sempre que jamais nos dará uma madrasta. Eu digo a ele que isso não seria problema nenhum. Toda pessoa viúva tem direito de se casar de novo. Mas ele diz que não quer. Para mim e minha irmã, ele é pai e mãe. Faz o possível para nos dar uma boa educação e diz que seu maior objetivo na vida é nos ver formadas e muito felizes.

Neste mundo, não existe pessoa melhor do que meu Pai. É a ele que eu mais amo na vida.”

Ao corrigir a redação de Antonina, a professora ficou impressionada com a maturidade dessa aluna de 12 anos e se emocionou. Leu a redação em voz alta para toda a classe ouvir.

Aquela declaração de amor ao pai provocou lágrimas em alguns alunos. Todos se comoveram com o fato de Antonina ser órfã de mãe.

A menina ficou feliz com o destaque que a professora deu à sua redação, considerando-a uma das melhores da classe.

Seus colegas passaram a olhá-la de forma mais carinhosa e solidária.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 10 de agosto de 2019

A MOLEZA

 

A MOLEZA

Numa sexta-feira, ao terminar o expediente, os advogados de um escritório de advocacia de Natal, como costumavam fazer, saíram direto para um barzinho. Pouco tempo depois, Marleide, 45 anos, esposa do mais velho, Dr. Salomão, 50 anos, começou a lhe telefonar direto, para que fosse para casa jantar. Já impaciente, o marido disse-lhe que ela podia jantar com os filhos, pois o papo estava muito bom e ele iria demorar mais um pouco.

Do barzinho, seguiram todos para a casa de um deles, para continuar bebendo e conversando.

O Dr. Salomão se excedeu no Whisky e ficou completamente embriagado. Já eram quase 23 horas e o advogado adormeceu na cadeira, sem jeito de despertar.

Querendo encerrar a brincadeira, os colegas o levaram para tomar um banho de chuveiro na suíte do casal. Tiraram sua roupa e o deixaram sentado no chão do box, com o chuveiro aberto. Uma hora depois, Dr. Salomão chegou no terraço, ainda tonto, mas devidamente vestido, cabelo penteado e molhado. Pediu aos amigos que fossem deixá-lo em casa, pois sua mulher devia estar uma fera.

Como era de se esperar, foi recebido com “quatro pedras na mão” e uma série de impropérios. Não adiantou dizer onde estava, nem com quem, pois isso já não interessava à mulher dominadora e ciumenta.

Dr. Salomão jogou-se na cama, e adormeceu na mesma hora, vestido do jeito que chegou da rua. Não tirou nem os sapatos. Quando já estava roncando, Marleide resolveu tirar a roupa do marido e deixá~lo dormir somente de cueca.

A indignação da esposa de Dr. Salomão aumentou ainda mais, ao ver que o marido estava usando uma calcinha feminina, preta e toda rendada!!! A mulher teve uma crise histérica e gritou para quem quisesse ouvir que iria se separar dele no dia seguinte, pois acabara de descobrir que era casada com um boiola, há quase 20 anos, sem saber!

Dr, Salomão dormia em berço esplêndido, roncando loucamente, enquanto Marleide se “descabelava” de raiva dele, com vontade de esganá-lo.

No dia seguinte todos os colegas do escritório ficaram sabendo da confusão da “calcinha preta” e foi preciso que fossem todos, inclusive a dona da calcinha, à casa de Marleide e Dr. Salomão. para desfazer o equívoco.

O difícil foi convencer Marleide de que seu marido, ao tentar vestir a cueca depois do banho, por equívoco, vestiu a calcinha da dona da casa, que estava ao lado. Ele não tinha nada de boiola.

Foi muita moleza do Dr. Salomão!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 03 de agosto de 2019

A CIRURGIA

 

A CIRURGIA

Há várias décadas, entrando pela 2ª metade do século passado, em Nova-Cruz (RN) o atraso era geral. Não havia energia elétrica, água encanada, hospital, clínicas ou consultórios médicos.

Qualquer problema de saúde, que um chá com uma “Cibalena” não resolvesse, o caminho certo era procurar atendimento médico em Natal ou João Pessoa, capital da Paraíba, Estado com o qual a nossa cidade faz fronteira.

Dona Lia, minha saudosa mãe, padeceu durante anos, com problemas de varizes nas duas pernas. Para completar o sofrimento, surgiu na sua perna esquerda, uma pequena úlcera varicosa, que logo aumentou de tamanho, passando a arder e doer cada vez mais.

Depois de usar os unguentos vendidos na farmácia e todos os remédios caseiros, sem qualquer resultado, Dona Lia se deslocou para Natal, a fim de se consultar a um especialista em varizes. Marcou uma consulta com o mais famoso Cirurgião Vascular da capital, a quem vou chamar de Dr. Abelardo.

A consulta ao Cirurgião Vascular foi feita e o tratamento indicado para a úlcera varicosa foi o cirúrgico, com a retirada da veia Safena (Safenectomia).

Feitos os exames pré-operatórios, inclusive o risco cirúrgico, o Cirurgão Vascular marcou a data e o horário da cirurgia, a ser realizada na Casa de Saúde São Lucas, numa terça-feira, às 14 horas.

Dona Lia, muito nervosa, tinha veneração pelo renomado Cirurgião e Obstetra, Dr. José Tavares, por quem, abaixo de Deus, teve sua vida salva, num delicado caso de uma gravidez molar, anos atrás. Dessa vez, entretanto, seu problema de saúde teria que ser tratado por um Cirurgião Valcular. Ela não se conformava com isso.

Na sexta feira, que antecedeu à cirurgia de Dona Lia, à noite, estiveram na casa de sua irmã Carmen, onde ela estava hospedada, seus amigos: Dr José Tavares (Obstetra), Dr. Héllen Costa (Cardiologista) e o Dr. José Valério Cavalcanti (Clínico Geral e Cirurgião), como sempre acontecia,

A amizade desses médicos com a tia Carmen Pimentel era grande, e, ao saberem do nervosismo de Dona Lia, ante a perspectiva da cirurgia a que iria se submeter na 4ª feira, todos se prontificaram a assistir ao procedimento.que seria feito pelo famoso Cirurgião Vascular.

Na hora marcada, estavam todos na Casa de Saúde São Lucas. Depois dos preparativos de praxe, vimos nossa mãe ser levada na maca para o centro cirúrgico.

Em seguida, passaram por nós os três médicos antigos que iriam assistir ao procedimento e por fim o Dr. Abelardo, responsável maior pela complexa cirurgia, que durou cinco horas.

A cirurgia foi um sucesso e o Dr. Abelardo, ao ver seu feito assistido por médicos antigos e renomados, brincou com todos e disse que ali, de fraco o único era ele.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de julho de 2019

A ARAPUCA

 

 

 

A ARAPUCA

Há viciados em bar, que não se conformam em voltar para casa, no fim da noite, quando o proprietário começa a fechar as portas e os garçons começam a recolher mesas e cadeiras. Por eles, continuariam fazendo o exercício de levantamento de copos, até o dia amanhecer. Alguns fazem de conta que não estão vendo o dono fechando as portas e os garçons arrumando tudo. O expediente etílico, para eles, deveria ser do tipo “24 horas”.

Continuam sentados na mesma mesa, às vezes cochilando, mas sem vontade de deixar o bar. Esperam que a vassoura passe perto dos seus pés, para poderem se levantar. São os chamados alcoólicos inveterados, que esquecem que tem família em casa, ou que são separados e moram sozinhos. Saem do bar, reclamando que a cidade é atrasada e não tem vida noturna.

Dois amigos boêmios, corretores de imóveis, saíram de um bar, em Natal, quase de madrugada, e se dirigiram a uma “boate”, à procura de companhia feminina para o fim da noite.

Quando lá chegaram, o mais afoito simpatizou logo com uma bonita morena e subiu para o quarto com ela. No quarto, a mulher, rapidamente, uniformizou-se para a prestação do serviço, ou seja, tirou tudo. Enquanto isso, o homem, embriagado , sentou-se na cama e começou a desabotoar a calça e a camisa. A mulher, querendo se livrar logo daquele freguês, mostrou-se impaciente e pediu para ele se apressar. Em tom autoritário e grosseiro, disse-lhe que, na cama. havia um jornal para ele colocar os pés. Por isso, não precisaria tirar os sapatos.

O homem se irritou, sentindo-se maltratado e humilhado por aquela mulher, cuja profissão lhe exigia respeito e consideração aos clientes.

De repente, o boêmio sentiu-se sóbrio e, com toda dignidade, falou:

-Basta! Não quero mais nada com a senhora!

Vestiu a roupa, rapidamente, e desceu as escadas.

Atrás dele, a mulher gritou:

-Tem que me pagar! Ocupou meu tempo!!!

E ele respondeu:

-Pagar o que, se nem cheguei perto de você?!!! Para tudo nesta vida, é preciso ter classe, inclusive na profissão que você exerce.

Nessas alturas, apareceu um “leão- de -chácara” para defender a mulher. Ao ouvir o relato do cliente, viu que ele tinha razão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 20 de julho de 2019

A PRIMEIRA MOITE

 

A PRIMEIRA NOITE

Lúcia e Bento, recém-casados, viajaram em lua de mel, de carro, para conhecerem uma agradável cidade serrana, na Paraíba.

A viagem, mesmo longa, foi muito agradável, pois os dois “pombinhos”, finalmente, iriam se pertencer, uma vez que Lúcia teve uma educação muito rígida e reprimida... Nesse tempo, as noivas ainda casavam virgens.

Já instalados num hotel, aparentemente antigo, os dois chegaram exaustos da viagem. Pediram almoço no quarto mesmo, tomaram banho e resolveram descansar o resto do dia.

O quarto com banheiro era muito aconchegante, com mobília estilo colonial e cortinas discretas, em cor neutra. À noite, pediram o jantar, e depois continuaram com os afagos e carinhos que há tempos reprimiam.

A felicidade plena dos dois jovens na noite de núpcias, com a certeza de que nada no mundo perturbaria aqueles momentos mágicos que estavam vivendo, completava o cenário do sonho das “mil e uma noites”.

Diz a sabedoria popular, que “o diabo sempre encontra um meio, de lançar a sua gota de absinto na taça da felicidade”. Coincidência ou não, isso sempre acontece.

O casal que estava em paz, gozando das delícias da primeira noite, de repente passou a ouvir risadas e conversas indecentes, dos hóspedes que bebiam no quarto vizinho. Depois de alguns minutos, sem que a balbúrdia cessasse, Bento foi até à gerência e pediu providências, no sentido de que aqueles hóspedes diminuíssem o barulho. Ele e a esposa estavam sem poder relaxar.

Mesmo tendo sido abordados com cordialidade pela gerência, a reclamação não foi bem recebida pelos rapazes, que disseram estar comemorando o aniversário de um deles. Já haviam pedido muita bebida e comida e a euforia continuou.

Lúcia e Bento se entregaram, novamente, aos braços um do outro, tentando não ouvir as risadas nem as conversas picantes dos rapazes. Mas, era impossível.

Ao saberem, pelo empregado do hotel, que no quarto vizinho havia um jovem casal em lua de mel, a excitação e euforia dos hóspedes aumentou. Aparentemente embriagados, falavam ao mesmo tempo, até que se ouviu uma voz forte e pastosa:

– É preciso que os noivos venham aqui brindar conosco! Nós beberemos à saúde deles e ensinaremos ao cara seus deveres conjugais! Melhor ainda, será nós irmos ao quarto deles!!!

Após essas palavras, seguiu-se uma euforia ainda maior, e vozes chamando uns aos outros para irem ao quarto dos noivos. Os dois jovens em lua de mel estremeceram, temendo que o quarto fosse invadido pelos rapazes, e houvesse um assalto ou um estupro.

Por sorte, ouviu-se uma ordem superior, quase aos gritos, mandando que eles se calassem e ficassem onde estavam. Aos poucos, a balbúrdia cessou e fez-se um relativo silêncio.

Nesse ínterim, o clima de desejo entre o casal esfriou, dando lugar a um medo terrível dos hóspedes do quarto vizinho. A noite de amor foi interrompida e se transformou numa noite de terror. Nesse tempo, não se falava em assalto, nem existia a violência dos dias atuais.

Lúcia e Bento estavam certos de que aquela seria a noite mais feliz da vida deles. Mas, ninguém pode dizer “hoje serei feliz”. Às vezes, a pessoa faz os melhores planos para sua vida, mas o Universo conspira contra eles.

Quando o casal já estava calmo e sentindo-se em paz, os hóspedes do quarto vizinho voltaram a fazer barulho. Dessa vez, começou uma cantoria, acompanhada por um trombone. Vieram até a porta dos recém-casados e gritaram:

– Boa noite para os noivos!!! Muitas felicidades!!!

Cantaram uma canção de amor, acompanhada pelo trombone e finalmente deixaram o hotel, para sossego do casal e do hoteleiro, que temia perder a freguesia dos hóspedes costumeiros e barulhentos, mas que lhe davam muito lucro.

Lúcia e Bento continuaram imóveis na cama, tensos, como se tivessem despertado de um pesadelo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 13 de julho de 2019

RETRATO DE UM CASAMENTO

 

 

RETRATO DE UM CASAMENTO

Faço parte, no facebook, do grupo “NOVA-CRUZ NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO”. O presidente do grupo é Celso Lisboa Neto, o nosso querido amigo Celsinho. Ontem à noite, ele postou uma foto das antigas, como ele diz, e pediu a quem identificasse alguma pessoa conhecida, que se pronunciasse. A foto era de um casal de noivos, na calçada da Igreja, com um grupo de convidados, incluindo os padrinhos. Um grupo grande de pessoas. Os noivos, eu não conhecia. Do grupo, identifiquei, apenas, dois casais, que, conforme alguém comentou, eram as testemunhas. Tratavam-se do Sr. Carluce e esposa dona Bernadete, e do Sr. Alfredo Ângelo e esposa, dona Terezinha. Repito que os noivos, eu não conhecia.

 

Na leitura dos vários comentários à postagem da fotografia, fiquei surpresa, quando alguém escreveu que ali na foto estavam Seu Chico e Dona Lia, exatamente meu pai e minha mãe.. Eu contestei e escrevi um comentário, dizendo que meus pais não estavam na foto. Disse que a autora do comentário, certamente, havia confundido Seu Alfredo com meu pai. Aliás, sempre achei os dois parecidos.

Ao ler meu comentário, contrário ao dela, a moça insistiu que na foto estavam seu Chico e dona Lia. Fiquei irritada e voltei a repetir que não eram eles.

A moça voltou a insistir que Seu Chico e Dona Lia estavam na foto, a qual lhe fora ofertada pela própria dona Lia. Para completar minha irritação, a moça comentou que aquele casamento era, exatamente, de Seu Chico e Dona Lia.

Então, aqueles noivos eram os meus pais, e eu não tinha reconhecido??? Disparate maior do que esse não podia existir. Quase pirei, pois sempre soube que minha mãe e meu pai se casaram em Natal, onde ela morava. Eles fixaram residência em Nova-Cruz, a terra dele e onde ele sempre morou, mas, repito, o casamento deles foi celebrado em Natal. E a foto, mesmo antiga, era de um casamento em Nova-Cruz!!!

Quando eu já estava cansada de repetir, que naquela foto não estavam meu pai e minha mãe, um conterrâneo que também é do grupo, “salvou a pátria”, com um comentário definitivo:

– Minha gente, esse retrato é do casamento de “CHICO PRETO” e Dona Lia, pessoas de Nova-Cruz.

Chico Bezerra e Dona Lia Pimentel Bezerra, meus pais, realmente, não estavam na foto. Eu tinha razão…

Tive uma crise de riso e fiquei aliviada por ter sido desfeito o equívoco. Ora, ora, meu pai era Francisco Bezerra e o apelido era Chico. Minha mãe se chamava Lia e não tinha apelido. Nasci e me criei, sabendo que eles haviam se casado em Natal. De repente, vejo na página do Grupo NOVA-CRUZ NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO, a foto do casamento de Chico e Lia, na Igreja de Nova-Cruz!… Vi logo que não eram eles. Mas, a moça que postou a foto teimou comigo e repetiu diversas vezes. que Seu Chico e Dona Lia estavam na foto, e que a mesma era do casamento deles.

Tive razão de me irritar. Mas ela também teve. Só depois da confusão, foi que o nome de Chico Preto apareceu. A noiva também se chamava Lia, o nome da minha Mãe.

Haja Deus!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de julho de 2019

O TREM

 

 

O TREM

Anos atrás, o trem passava como um raio em Logradouro, um lugarejo que liga Nova-Cruz (RN) à Caiçara (PB), uma das fronteiras do Rio Grande do Norte com a Paraíba..

A meninada, todas as tardes, esperava o espetáculo da passagem do trem, o que para eles era uma diversão.

A velocidade, com que o trem passava por ali, impedia que eles vissem os passageiros nas janelas. Mesmo assim, davam adeus para eles e os mais medonhos distribuíam-lhes “bananas” (o gesto com o braço). Os meninos corriam ao lado do trem, enquanto podiam. Cansados, abandonavam a corrida e voltavam para as suas brincadeiras costumeiras. Jogavam bola, até o fim da tarde.

Zequinha, 12 anos, ficava sempre pensativo, depois que o trem passava. Não se conformava com a indiferença do maquinista, ao passar pelo lugarejo onde eles moravam, sem parar.

Muito inteligente e levado, o menino traçou um plano para obrigar o trem a parar em Logradouro. Somente assim, ele e os colegas poderiam matar a curiosidade e ver de perto a locomotiva “Maria Fumaça” e os inúmeros vagões.

Certa tarde, depois que o trem passou, Zequinha prometeu aos colegas que, no dia seguinte, iria fazer com que ele parasse em Logradouro. Só não disse como. Os colegas ouviram isso e duvidaram. No outro dia, depois da escola e do almoço, foram todos, como sempre, esperar a passagem do trem, para acenar ou dar “bananas” para os passageiros.

Quando o trem surgiu ao longe, no topo da ladeira, Zequinha se posicionou entre os trilhos, com os braços abertos e de frente para ele, como se desafiasse o maquinista a matá-lo ou frear. A meninada gritava, apavorada, mandando que Zequinha saísse do meio dos trilhos. Eram 3 horas da tarde. De longe, o maquinista avistou o menino, de braços abertos, impedindo a passagem do trem. A locomotiva apitava sem parar, ao mesmo tempo em que o homem tentava freá-la, num esforço sobre-humano.

Finalmente, o trem parou e o maquinista desceu da locomotiva Maria Fumaça, rangendo os dentes de raiva, louco para repreender o menino. Por um triz, o homem não o atropelou. Sem falar no risco que o trem correu de descarrilhar, causando transtornos aos passageiros.

Os meninos, ao verem o trem frear, fugiram em disparada, junto com o causador do quase acidente. Não tiveram tempo de ver o trem de perto, pois todos sumiram, com medo do maquinista.

Zequinha, a partir dessa façanha, tornou-se o líder da sua turma de amigos. Além disso, passou a ser conhecido na redondeza, como o menino que fez o trem parar em Logradouro.

Levou uma surra do pai, pela imprudência praticada, a qual poderia ter tido um desfecho trágico.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 05 de julho de 2019

O XERIFE ULTRAJADO PELOS LADRÕES

 

 

VIOLANTE PIMENTEL – NATAL-RN

Prezado Editor,

Boa tarde!

Jesus Cristo continua sendo crucificado todos os dias. Ontem, foi a vez dele se encarnar na pessoa do Ministro Sérgio Moro, o grande brasileiro que, como Juiz, atuou a Operação Lava-Jato, no combate à corrupção que ainda se alastra pelo País.

Os assaltantes do erário público, ladrões de colarinho branco, achincalharam, ultrajaram e humilharam o Ministro Sérgio Moro, chamando-o de ladrão, numa gritante inversão de valores, uma vez que ali os ladrões eram eles próprios. Tiveram a coragem de ultrajar o homem íntegro, que tem nas mãos a lista de nomes dos maiores ladrões do Brasil, com seus respectivos codinomes, inclusive, daqueles que o agrediram.

O Ministro Sérgio Moro é odiado por esses elementos, por ter erguido a bandeira de combate à corrupção espalhada pelo Brasil, punindo os responsáveis e colocando na cadeia os peixes mais graúdos, que se consideravam intocáveis, os verdadeiros tubarões.

Na Audiência da Comissão de Constituição e Justiça na Câmara dos Deputados, a Nação assistiu a um espetáculo degradante, numa cena revoltante de inversão de valores, onde bandidos interrogavam e ultrajavam o “xerife”. Eram as bananas “querendo comer o macaco”, contrariando a metáfora que diz:

“O macaco é quem come a banana. A banana não pode comer o macaco.”

Os agressores do Ministro Sérgio Moro, todos atolados em investigações criminosas até o pescoço, e todos com processos nas costas, sentiram-se no direito de interrogar, intimidar e ultrajar o Herói Brasileiro, Ministro Sérgio Moro, numa atitude vil e revoltante.

Que esses Parlamentares inconsequentes, e com “ficha suja”, sejam logo punidos, na forma da lei, pelos crimes já apurados e agora pelos crimes de Calúnia e Injúria contra o Ministro Sérgio Moro, e também por falta de decoro parlamentar, uma vez que, durante a audiência, comportaram-se como verdadeiros canalhas e agitadores.

Para seu engrandecimento, o Brasil precisa de mais homens honrados, como o Ministro Sérgio Moro, símbolo de competência e integridade moral!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 29 de junho de 2019

A ABRIDEIRA

 

 

A ABRIDEIRA

 

No Brasil, a aguardente de cana, posteriormente denominada “cachaça”, está ligada à cultura popular, assim como o samba e o futebol. Começou como bebida dos escravos e de pessoas pobres. Com a evolução dos costumes, os ricos descobriram a cachaça e o preconceito que havia contra ela desapareceu. Atualmente, a cachaça está presente nos melhores restaurantes nordestinos e é considerada a “Abrideira” do apetite, principalmente quando se trata de uma feijoada.

A cachaça nasceu da indústria do açúcar. Tornou-se bebida nacional e está para o Brasil, como o Rum está para a Ilha de Cuba. O Tabaco, soberano em Cuba, e abundante no Brasil, não conseguiu superar a cachaça, na influência cultural.

Os negros e ameríndios gostavam muito da aguardente destilada do mel de açúcar. O nome “cachaça, termo do Brasil” surgiu em 1873, no Tesouro da Língua Portuguesa, de Domingos Vieira,

A cachaça tornou-se a mais popular bebida brasileira. Foi a primeira bebida destilada pelo português, imitando a técnica espanhola usada na América. Para a cachaça, convergiram todos os sumos das frutas nativas ou aclimatadas no Brasil, resultando na série inacabável das “batidas”.

Como toda bebida alcoólica, a cachaça, tomada com moderação, não faz mal a ninguém. No entanto, quando o hábito de beber se torna um vício, qualquer bebida passa a ser prejudicial à saúde.

As bebedeiras tem sido responsáveis por casos hilários.

Certa vez, após uma festa de Padroeira numa cidade do interior, Josenildo e mais dois colegas “biriteiros” pegaram a estrada para voltar para Caraúbas, num “Celta” antigo.

No primeiro boteco que eles avistaram, pararam o carro para ir ao banheiro e aproveitaram para beber umas “bicadas” de cachaça. Logo continuaram a viagem e menos de duas horas depois, avistaram outro boteco. O mesmo ritual. Pararam, foram ao banheiro e aproveitaram para tomar outra “chamada”. Pegaram a estrada novamente. Quem estava dirigindo era Josenildo, o dono do Celta. Nessa pisada, já viajavam ha mais de três horas, e ainda havia muita estrada pela frente.

Uma hora depois, avistaram outro boteco e pararam novamente, para as mesmas finalidades.

Prosseguiram viagem novamente, até que avistaram mais um boteco. Quando Josenildo estava estacionando, notou que o possível dono estava fechando as portas. Os três homens desceram do carro, e só por muita insistência o proprietário os atendeu. Disse que serviria apenas uma dose a cada um, pois estava de saída. Iria ao velório de um fazendeiro da região, Seu Brás Fonseca, de quem era compadre..Josenildo disse que o falecido era seu padrinho de Crisma e por isso eles também iriam ao velório. Os três viajantes do Corsa acompanharam o fusquinha do dono do boteco.

Chegando ao casarão da fazenda, dirigiram-se à enorme sala, onde estava ocorrendo o velório. Josenildo, já bastante melado, não suportou olhar para o morto e chorou compulsivamente, chegando a beijar-lhe a testa. Disse que aquele homem era seu padrinho de Crisma e para ele representava o seu segundo pai..Disse que naquele triste momento, sentia-se órfão de pai pela segunda vez. Seu pai havia morrido, há dois anos.

Os três filhos do “de cujos” cumprimentaram Josenildo e ele explicou que morava em São Paulo há alguns anos, e tinha vindo de férias, visitar a mãe e a irmã.

Na realidade, os três amigos nunca tinham visto o falecido. Mesmo assim, Josenildo fez um discurso, exaltando as boas qualidades do “seu padrinho”, e lamentando sua triste e inesperada partida.

Os três impostores passaram a noite toda no velório, comendo do bom e do melhor, e bebendo cachaça a noite toda, como é costume no interior.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de junho de 2019

COISAS DO ARCO DA VELHA

 

COISAS DO ARCO DA VELHA

 

A calçada da casa de praia na Barra do Cunhaú estava animada. Sessão de conversas amenas de uma noite de verão. Histórias do “Arco da Velha” vinham à tona. Lembranças e saudades das coisas de Nova-Cruz.

Saudade do apito e do barulho do trem, quando a locomotiva Maria Fumaça fazia suas manobras em plena madrugada; saudade do toque do triângulo do vendedor de cavaco chinês; saudade de Seu Anísio, o vendedor de pão, gritando na porta da casa da minha avó, “Olha o pão, dona Júlia!”; saudade da voz do vendedor de copos d’água na feira: “Água doce, fria, gelada, do Piquiri!!!”.

Arco-da-velha é uma expressão usada, quando se quer referir algo de tempos antigos. Trata-se de uma forma reduzida de “Arco da lei velha”, em referência ao “Arco-íris”, que, segundo diz a Bíblia Sagrada, no Velho Testamento, Deus teria criado, em sinal da eterna aliança entre ele e os homens, após o dilúvio.

Enquanto conversávamos animadamente, parou na calçada uma nativa muito desbocada, que foi logo puxando conversa:

– Eu queria ter nascido uma jabuticaba… É a fruta da felicidade. Nasce e vive pregada no tronco da Jabuticabeira, e morre sendo “degustada”. Disse isso e passou, deixando-nos com ar de riso.

A Jabuticabeira é uma árvore brasileira, da família Myrtaceae. Originou-se no centro-sul do país, e depois tornou-se conhecida, passando a ser plantada em toda a América do Sul.

Aliás, a Jabuticabeira e o seu fruto fazem parte, agora, do anedotário político brasileiro, como metáfora, em relação ao crescimento econômico do País e à politicalha que se apoderou do Brasil há vários anos. A bandalheira cresceu, igual a uma Jabuticabeira florida, que frutificou assombrosamente e se alastrou pelo país inteiro.

A jabuticaba é uma frutinha negra, muito gostosa. A Jabuticabeira é uma árvore brasileira, da família Myrtaceae. Originou-se no centro-sul do país. Depois propagou-se, passando a ser plantada em toda a América do Sul.

Já existe até um ditado popular que diz:

“Se só existe no Brasil e não é jabuticaba, desconfie”.

O economista Winston Fritsch, um dos formuladores do Real, em 1966, foi categórico: “Quando falam que o Brasil tem alguma coisa diferente dos outros países que não é jabuticaba, então é besteira.” A frase ilustra uma apropriação simbólica frequente da jabuticaba: se o país burlar os padrões do mundo globalizado, acabará mal.

“Jabuticaba do mesmo pé” significa o mesmo ditado: ” É tudo farinha do mesmo saco.”

É característica da Jabuticabeira, o crescimento lento e a rápida velocidade com que da flor surge o fruto maduro (30 dias).

Mas, as jabuticabas fenecem rapidamente.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 15 de junho de 2019

O CÓDIGO DE BARRAS

 

O CÓDIGO DE BARRAS

 

Nerina era muito espirituosa e vivia de bem com a vida. Muito querida, tinha sempre um bom conselho para dar às amigas. Não sabia o que era mau-humor. Era casada com Salin,, um turco da fala enrolada, apesar de radicado no Brasil, há muitos anos.

 

O casamento já durava há mais de 20 anos e Nerina continuava fogosa , o que não acontecia com o marido. O homem só se preocupava com o seu comércio e já não a tratava com o carinho e o romantismo de antigamente. Mas Nerina procurava sempre ser coquete e sensual, para despertar o desejo de Salin.

Muito astuciosa e sentida com o esfriamento do marido, Nerina resolveu lhe provocar ciume. Certo dia, na hora do almoço, quando estava toda a família reunida, Nerina recebeu uma corbelle de rosas vermelhas, com um cartão assinado por um “admirador misterioso”.

A empregada recebeu o presente e Nerina levantou-se para ver quem era o remetente. O marido estava na mesa, almoçando de cabeça baixa, e de cabeça baixa continuou. Não deu o menor cabimento de olhar o que era. Também não demonstrou o menor ciúme. Serviu-se da sobremesa e se retirou da mesa. Quando Salin saiu da mesa, o filho mais velho do casal disse para a mãe:

– Deixa de presepada, mamãe…Essa corbelle, eu juro que foi a senhora mesmo quem lhe enviou. Não existe por trás disso nenhum admirador… O rapaz caiu na risada, sob os protestos da mãe.

Nerina mantinha na parede da sala de visitas as fotos dos sogros, em tamanho natural. Salin passava horas olhando para as fotos, e às vezes parecia estar conversando com os pais.

Concita, uma amiga de infância de Nerina, que havia morado fora vários anos, voltou para Natal e foi fazer-lhe uma visita.. Ao ver as duas fotos na parede e ouvir da amiga que aqueles eram os pais de Salin, perguntou:

– Eles são vivos?

Nerina respondeu:

– Graças a Deus, não!!!

Conversando com Nerina a amiga contou-lhe que estava namorando com um homem muito bom, mas sem estudo. Ele falava errado e lhe fazia vergonha. Numa roda de pessoas intelectuais, ele se saía com:

“Nesse “INTERÍM…” “Menas gente”, “O pessoal chegaram” e daí por diante. Ela disse que sentia muita vergonha do namorado falar errado. Só estava levando o namoro adiante, com medo da solidão.

Nerina, então, torcendo para que a amiga, já coroa, saísse do caritó, deu-lhe o conselho mais inteligente do mundo:

– Ô Concita, você, já com 50 anos, quer um namorado pra fazer discurso, ou pra namorar? Porque se for pra fazer discurso, mande desenterrar o finado Rui Barbosa!!!

As gargalhadas foram grandes.

Chegou o aniversário de 60 anos de Nerina, e os filhos organizaram um almoço em sua homenagem, reunindo 100 convidados, entre familiares e amigos. A festa foi num sábado pela manhã, num buffet de luxo, ao som de um excelente pianista, que executava uma seleção de MPB, de 1ª qualidade.

Foi uma festa muito bonita, e a aniversariante, muito bem vestida, de cabelo arrumado e maquiada, irradiava alegria, não aparentando a idade que estava completando.

Às 16 horas, todos se aproximaram da mesa , muito bem ornamentada, onde estava o belíssimo bolo artístico, confeccionado pela mais famosa especialista de Natal., para o tradicional “parabéns a você”.. Acenderam as duas velas , 6 e 0 e começaram a cantar “Parabéns”.

Na hora de apagar as velas, Nerina se recusou a fazê-lo. As velas queimando e os filhos e netos adulando a aniversariante para apagá-las. Só eram duas: um 6 e um 0 (sessenta, de rombo), e mesmo assim, Nerina só fazia rir.

Então, a filha lhe perguntou por que motivo ela não queria apagar as velas. Rindo muito, Nerina confessou:

– Para apagar as velas, vou ter que fazer um bico, soprar e vai aparecer meu Código de Barras, que eu tenho horror. E, ainda mais, vai aparecer nas fotos…

Ela se referia às inevitáveis rugas (preguinhas) que ficam abaixo do nariz.

Sopra, Mãe!!! Sopra, Vó!!! Sopra as velas!!!

Finalmente, Nerina apagou as velas, protegendo o “Código de Barras” com as duas mãos, numa cena hilária, que provocou risos em todas as pessoas presentes.

Muito espirituosa, a aniversariante gritou:

– Mas não mostro o “Código de Barras!!!”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 08 de junho de 2019

OS CONES INFERNAIS

 

 

OS CONES INFERNAIS

 

Os cones de tráfego (também chamados cones de estrada ou cones de segurança) são cones de plástico, de cores brilhantes e fortes. São sempre vermelhos, amarelos ou laranja, com uma fita refletora que os torna mais visíveis., Esses cones são muito usados nas estradas e também dentro das cidades. Tem a finalidade de avisar aos condutores de veículos, que por ali trafegam, algum desvio necessário, em decorrência de obras ou serviços. São usados, também, nas Blitz, dentro ou fora da cidade.

Dentro das cidades, quando necessário, os cones são usados para organizar o trânsito em frente às escolas, espaços públicos , ou marcar ruas em obras e serviços, que impliquem em desvio de passagem de veículos..

Esses cones são fáceis de colocar e retirar. Onde se precisam de marcas maiores e consistentes se utilizam barreiras de tráfego, recheadas de areia.

O furto de cones de tráfego parece ser comum entre vândalos, pessoas embriagadas e violentas. Eles são usados na realização de blitz nas estradas, em vésperas de feriados e nos dias de carnaval. São de grande utilidade. Entretanto, em Natal, nos últimos anos, os cones de tráfego passaram a invadir o espaço de circulação de pessoas e veículos, a ponto de impedir a passagem por algumas ruas e lojas, dificultando a vida do povo. Os cones deixaram de ser usados somente pelo DETRAN, passando agora, ilegalmente, a serem usados por particulares, donos de garagem e lojas, impedindo o estacionamento de veículos em sua frente. O uso dos famigerados cones invadiu indiscriminadamente o comércio do Bairro do Alecrim, a ponto de você se ver obrigado a usar estacionamentos privativos e afastados. Os logistas não permitem que se estacione na frente de suas lojas, mesmo que o condutor do veículo seja um freguês.

O contribuinte paga IPTU e IPVA, e se vê impedido de circular livremente, a pé, ou de carro, pelas ruas da cidade. Centenas de “amarelinhos” (a cor da farda é amarela), servidores da “indústria da multa”, com talonário e caneta bic na mão, “pastoram” quem infringe as absurdas regras estabelecidas para o condutor de veículo particular ou não, gerando multas altas e constantes. Os guardas de trânsito, jocosamente chamados de amarelinhos, estão em toda parte, caçando presas para multar e garantir suas gratificações na folha de pagamento.

Além do desassossego provocado pelos agentes de trânsito (Amarelinhos), com um talonário de multas e uma caneta “bic” na mão, aplicando multas absurdas, até em portas de hospital, finais de semana, deparamo-nos, agora, com a proliferação de cones de trânsito por toda parte, atrapalhando a passagem de pessoas e veículos..

Sábado à tarde, precisei parar numa padaria, no Tirol, e a Avenida Afonso Pena estava interditada, cheia de cones impedindo a passagem de veículos, e com barracas armadas e espalhadas nas duas vias (mão e contramão), A metade da Avenida Afonso Pena, uma via pública, de intensa movimentação, estava à disposição de um logista, durante toda a tarde do sábado. Estava servindo a uma exposição de produtos encalhados de uma determinada loja. Um evento de iniciativa privada, impedindo a passagem de veículos.

Certa vez, num dia de semana, às 13 horas, precisei ir ao Escritório de uma Casa Funerária no Alecrim, pegar a Nota Fiscal das despesas que havia pago pelo funeral de uma tia minha e fiquei procurando vaga para estacionar o carro. Depois de rodar muito, sem encontrar onde estacionar, vi um espaço na frente de uma loja, com dois famigerados cones impedindo o estacionamento. Já estressada, num calor de quase quarenta graus, e cansada de ouvir das pessoas que ali era “estacionamento proibido”, dei uma de doida. O escritório da Funerária ficava perto de onde eu estava, e a Nota Fiscal das despesas, segundo informação que me fora dada por telefone, já estava pronta. Em menos de 20 minutos, daria para eu ir e voltar. Parei o carro entre os dois cones, e foi o suficiente para vir correndo um vigilante da loja e me mandar tirar o carro. Na mesma hora, chegou um guarda de trânsito e me pediu para eu estacionar em outro local. Chorando de raiva e muito nervosa. implorei ao guarda :

-Pelo amor de Deus, seu Guarda, deixe eu parar esse carro aqui, pois só quero ir ali àquele Escritório do “Grupo Vila”, buscar uma Nota Fiscal, que já está pronta, referente às despesas do funeral de uma tia minha, que se enterrou ontem. Eu volto rapidamente.

Nessas alturas, meu nível de estresse aumentou e eu disparei no choro. O guarda me olhou assustado , tirou os cones da frente da calçada da loja e disse:

-Tenha calma, senhora! Já que é coisa rápida, pode deixar o carro aqui. Eu mesmo vou ficar pastorando, para evitar que um colega meu venha lhe aplicar uma multa e queira rebocar o veículo.

Quase sem acreditar naquele fato, para mim inédito, do próprio guarda de trânsito me tratar com tanta gentileza, fui quase correndo ao escritório do Grupo Vila, recebi a Nota Fiscal que já estava pronta, e retornei como um raio.

Agradeci ao guarda e ele me tratou com muito respeito. Saí dali, ainda triste, tanto pela morte da minha tia Edite, como pelo estresse que acabara de passar. Entretanto, senti-me gratificada, por ter encontrado, naquele momento, um Guarda de Trânsito tão humano.

Lembrei-me do filme “OS BRUTOS TAMBÉM AMAM”.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 01 de junho de 2019

O GATO

 

 

O GATO

 

Carmen criava um gato preto retinto, a quem dera o nome de Koruga. Ela acostumou o gato a ser “luxento” . Era um gato tão bonito, que parecia um príncipe negro, um verdadeiro “ébano”.

O gato vivia dormindo no sofá, no tapete, nas cadeiras, nas camas, conforme sua vontade, e ela não permitia que ninguém o enxotasse. Koruga tinha todas as regalias, como se fosse um filho que Carmen não tivera.

 

Certa vez, Carmen notou que Koruga estava na cadeira de balanço e quando Madalena, a empregada, apareceu na sala, ele deu um pulo e saiu correndo apavorado. Achando estranho o comportamento do gato, Carmen perguntou à empregada por que o animal tinha medo dela. A moça gaguejou, dizendo que gato era assim mesmo. Carmen fez de conta que tinha se conformado com a resposta, mas resolveu fiscalizar o tratamento que a empregada dava a Koruga.

Não demorou muito para que Carmen flagrasse as vassouradas que o gato levou da empregada, por ter entrado na cozinha. Isso devia ser frequente, e agora estava explicado o motivo desse medo. Bastou esse flagrante, para que a serviçal fosse despedida, sem dó nem piedade. Não houve pedido de desculpa nem lágrimas, que fizessem Carmen confiar mais nessa mulher.

Koruga era louco por sardinha enlatada. Era mais inteligente do que certos humanos.

À tardinha, quando estava perto da hora de Carmen voltar da Receita Federal, onde trabalhava, Koruga se plantava na janela, olhando para a rua, até que o fusquinha de sua dona apontasse na esquina da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação. Antes disso, não tinha quem conseguisse tirá-lo da janela. Nessa época, as janelas ainda podiam ficar abertas até à noite. Era um tempo em que, em Natal, ainda não havia ladrão.

Um certo dia, meses depois da saída da perversa empregada, Carmen já estava no trabalho, quando chegou na sua casa um irmão casado. Foi ver a mãe e terminou almoçando lá. Depois, dirigiu-se ao quarto de hóspedes, para dar um cochilo. Chateado por encontrar o gato deitado na cama, enxotou-o com uma grosseira mãozada. O homem adormeceu e dormiu a tarde toda. Ao acordar, enfiou os pés nos sapatos e eles estavam cheios de cocô de gato, cujo fedor se espalhou por toda a casa.

Nesse ínterim, Carmen chega do trabalho e sente falta de Koruga na janela. Entrou em casa, na hora em que o irmão esbravejava contra o gato e o procurava para dar-lhe outras mãozadas, por ter enchido seus sapatos de cocô.

O escândalo foi grande. Carmen quando ouviu o alarido dentro de casa, interferiu e ameaçou o irmão de cortar relações com ele, se tivesse a ousadia de encostar um dedo em Koruga, seu gato de estimação. Nesse momento, Koruga estava acuado e escondido debaixo de outra cama, temendo ser espancado novamente.

Esse irmão demorou muito a voltar à casa de Carmen.

Dessa vez, para alegria de Carmen, Koruga se vingou do agressor.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de maio de 2019

PISA NA FULÔ

 

 

PISA NA FULÔ

 

Esse era o apelido de Gerinaldo, um “faz tudo” ou “quebra-galho” de Natal. Ele era ótimo para fazer pagamentos em bancos, enfrentar filas do INPS, desde a madrugada, para tirar fichas para atendimento médico, resolver problemas na Prefeitura, no Detran e em outras repartições públicas. Todos os “abacaxis”, ele descascava com perfeição. Era um portador de 1ª qualidade, e sabendo que portador não merece pancada, arranjava confusão em tudo que era canto. Pedia para ser logo atendido e inventava, sempre, que a pessoa interessada estava muito doente. O apelido lhe foi posto pelos amigos “biriteiros”, em homenagem à música do saudoso João do Vale, “Pisa na Fulô”, que ele gostava de cantar.

 

 

Era o final da década de 80, quando chegaram a Natal as primeiras secretárias eletrônicas, também chamadas de atendedores de chamadas (ou ainda atendedores automáticos). Era um dispositivo usado para responder automaticamente chamadas telefônicas e gravar mensagens, deixadas por pessoas que ligavam para um determinado número, quando a pessoa chamada não podia atender o telefone, nessa época, fixo. As primeiras secretárias eletrônicas usavam tecnologia de fita magnética. Hoje, os equipamentos são mais modernos, mas as fitas magnéticas ainda são utilizadas em muitos dispositivos de baixo custo.

Na época, uma secretária eletrônica facilitava os contatos comerciais. Era o que havia de mais moderno. No caso de Sérgio, que era representante comercial, ele podia atender aos clientes através do telefone, anotando os pedidos deixados na secretária eletrônica.

O dono da secretária eletrônica podia gravar sua própria mensagem, ou utilizar-se da mensagem-padrão, instalada de fábrica, que era mais prático.

Como o aparelho atendia, automaticamente, o telefone e gravava recados, era ideal para quem precisava se ausentar do escritório, ou para quem trabalhava sozinho.

Ao saber do lançamento desse importante aparelho eletrônico, Sérgio comprou um imediatamente e a firma lhe indicou um técnico autorizado para a instalação. A fita gravada de fábrica, com uma bonita voz feminina, dizia:

“ESTA É UMA GRAVAÇÃO. NO MOMENTO, SÉRGIO NÃO SE ENCONTRA. APÓS O SINAL, DEIXE SEU RECADO.”

No primeiro dia, foi um fracasso. Sérgio só chegou ao escritório no 2º expediente, confiando na secretária eletrônica. Apertou o botão para ouvir as mensagens deixadas por seus cliente, mas só ouviu desaforos e palavrões.

No dia seguinte, Pisa na Fulô foi logo cedo ao DETRAN, agendar a vistoria do carro de Sérgio. Ao ser atendido, surgiu um problema e ele, de um orelhão, ligou para o escritório do “patrão”, ignorando a existência da secretária eletrônica.

Ao ouvir que aquela voz era uma gravação e que ele deixasse seu recado, o fiel escudeiro de Sérgio entrou em parafuso. Pensou logo que tivesse ligado para o número errado. Insistiu na ligação e na 3ª vez explodiu, soltando o verbo para “aquela sirigaita” que atendera o telefone de Seu Sérgio:

-Moça, eu quero falar com Seu Sérgio!!! Quem tá falando aqui é Pisa Na Fulô. Só quero falar com Seu Sérgio!!!Passe o telefone pra ele!!! Ainda estou no Detran!!! Chame logo, sua condenada!!!

E terminou Pisa na Fulô mandando a secretária eletrônica se danar.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 18 de maio de 2019

OS LENÇÓIS

 

 

OS LENÇÓIS

 

Na sua venda, que na verdade era um armazém de “Secos e Molhados”, Seu Francisco vendia em grosso e a varejo. No grande depósito, entre diversas mercadorias, ele estocava açúcar da Usina “Estivas”, comprado em sacas de 60 quilos, feitas de tecido de algodão rústico. À medida que o açúcar ia sendo despejado num depósito de madeira com tampa, para ser vendido a granel, ou seja, no peso, as sacas vazias eram levadas para nossa casa por Dona Lia, minha mãe, que as colocava de molho e depois de bem lavadas, secas e passadas, fazia com elas panos de chão, para a limpeza doméstica.

Como eram muitas, minha mãe sempre costumava doar sacas vazias às pessoas que lhe pediam. Algumas donas de casa usavam essas sacas até mesmo para confeccionar lençóis e fronhas, para uso da família.

Nesse tempo, os lençóis e fronhas eram costurados em casa, numa máquia de costura, quase sempre da marca “Singer”, movida a pedal. Comprava-se em peças o tecido apropriado para esse fim (bramante).

Nos tempos em que não havia tanta tecnologia, os armazéns (ou vendas) existiam em cada esquina, e eram a maior, e, às vezes, a única fonte de mantimentos para a população, principalmente nas cidades do interior do Estado.

Nesse tempo, os dias eram calmos e não havia violência. As mães podiam mandar um filho sozinho a uma venda, comprar alguma coisa de última hora e pedir ao dono para anotar na caderneta. Esse era o sistema de crediário mais antigo e seguro da época. Dificilmente, um freguês não cumpria a obrigação de pagar a caderneta no dia em que recebia “o ordenado”. O tempo da desonestidade ainda não tinha nascido.

O dono da venda, geralmente, sabia de cor os dias em que cada freguês recebia seu ordenado, palavra usada para “salário” ou “vencimento”, naquela época, e tinha como certo o pagamento das dívidas do mês para aquela data. A palavra dada valia mais do que o papel e a letra.

Nas cidades do interior, todos se conheciam pelo nome, e todos confiavam uns nos outros.

Nas vendas ou armazéns de “Secos e Molhados”, havia sempre uma balança sobre o balcão, para pesar as mercadorias que seriam vendidas a granel. As balanças antigas foram substituídas pelas da marca”Filizola”, mais modernas e bonitas, com o marcador do peso à mostra, em ponteiros. Os antigos “pesos”, aos poucos, foram abolidos.

A “Caderneta”, portanto, era o “cartão de crédito” de antigamente. Todas as pessoas da cidade tinham conta corrente em alguma venda (ou armazém). Compravam o mês todo e pagavam quando saía o “ordenado”. Os calotes quase não existiam. Também não existia o supérfluo, que hoje “enlouquece” os compradores compulsivos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 10 de maio de 2019

A VOCAÇÃO

 

 

A VOCAÇÃO

 

Era dia de Finados, 2 de novembro, década de 70. Luizinho, 12 anos, entrou na venda do tio Francisquinho, pela manhã, e pediu que lhe confiasse uma caixa de velas, com 20 caixinhas, para ele vender no Cemitério. Quando vendesse todas, voltaria para pagar a dívida. Perguntou qual era o valor e por quanto deveria vender cada caixinha. Queria lucrar um dinheirinho.

O tio ficou surpreso com o pedido, pois era a primeira vez que isso acontecia. Confiou no menino e entregou-lhe a caixa com as velas. Uma hora depois, Luizinho estava de volta, para pagar o que devia, com parte do apurado e comprar “fiado” outra caixa de velas. Voltou ao Cemitério para continuar a venda. 
Nessas idas e vindas, o menino passou o dia todo vendendo velas no Cemitério, e pagando ao tio quando voltava para comprar outra caixa. Guardava o lucro no bolso da calça curta que vestia. Nessa época, em Nova-Cruz, não havia lanceiros nem ladrões.

Luizinho guardou o pouco dinheiro que obteve com a venda das velas e passou dias custeando seus gastos com chocolates, pirulitos e outras guloseimas, sem incomodar a mãe.

Chegaram as festas de fim de ano. Em Nova-Cruz, o Comercial Atlético Clube promovia um grande baile no dia 1º de janeiro, com uma orquestra de Natal, João 
Pessoa ou Recife. Essa festa atraía o povo da redondeza e também de João Pessoa e Natal. Havia, ainda, a turma animada do Recife, pessoas que tinham família em Nova-Cruz.

Luizinho começou a azucrinar o juízo de sua mãe, dois dias antes dessa festa. Queria, por que queria, que ela preparasse um caldeirão de carne moída para ele vender cachorro quente em frente ao Clube, onde populares ficariam no sereno, apreciando a entrada do povo rico e bem vestido. Os populares, com certeza, iriam sentir fome e comprariam cachorro quente para lanchar.

A mãe deu-lhe diversos “não”, sob a alegação de que seria uma vergonha seu filho, tão novo ainda, vender cachorro quente em frente ao Clube. Eles não precisavam disso. Ela e o marido podiam sustentar os 5 filhos. Inconsolável , Luizinho chorou muito. Dona Lia, sua tia, ouviu a discussão e entrou na casa da concunhada, para saber o que estava acontecendo. Ao se inteirar do problema, teve pena de Luizinho e intercedeu em seu favor. Disse à sua mãe que não via nada demais nisso. Afinal, era uma noite de festa e o dinheiro apurado seria para ele mesmo. Além do mais, trabalhar não era desonra.

E lá se foi Luizinho, na noite do baile, com um caldeirão de carne moída, muito bem temperada por sua mãe, e um pacotão de pão de sanduíche, vender cachorro quente, em frente ao Clube. Seu ajudante era outro garoto, amigo seu.

A venda de cachorro quente foi um sucesso.

Enquanto a vocação para o comércio aflorou logo cedo em Luizinho, a vocação para estudar passou por muito longe. Ele nunca se saiu bem na escola. Por mais 
que a mãe e o pai o estimulassem a estudar, inclusive colocando-o em aulas de reforço, quase sempre era reprovado. Nunca conseguiu ser um bom aluno.

Um tio materno de Luizinho, dono de uma madeireira em Natal, tomando conhecimento do problema, propôs à irmã trazê-lo para trabalhar com ele. Aqui ele poderia continuar os estudos.

Para Luizinho, esse convite foi uma alegria. Com 14 anos, viajou para Natal com o tio e passou a trabalhar com ele na madeireira. Tornou-se os pés e as mãos desse tio. Anos depois, o homem se aposentou e encerrou suas atividades. Luizinho recebeu uma excelente indenização em madeira e o ponto comercial onde trabalhava, que tinha uma grande clientela. Investiu numa pequena fábrica de portas, janelas e esquadrias, a que deu o nome de “O JANELÃO”. Tornou-se um comerciante próspero. Casou-se e constituiu família, com uma prole de quatro filhos.

Tempos depois, Luizinho construiu um Restaurante na Praia de Tabatinga, com um apartamento no 1º andar, onde passou a residir. O menino sonhador, nascido em Nova-Cruz, que, por vontade própria, chegou a vender velas no Cemitério e cachorro quente na frente do Clube da cidade, transformou-se num alto comerciante em Natal e dono de um requintado restaurante. Ainda tinha muitos planos pela frente. Mas seus sonhos pararam aí.

Numa noite de domingo, depois de um dia muito cheio, Luizinho, aos 45 anos, morreu, em consequência de um assalto, no Restaurante de Tabatinga, sua maior 
realização.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 04 de maio de 2019

O ALFAIATE

 

O ALFAIATE

 

Nicanor ficou rico costurando roupas masculinas. Alfaiate de mão cheia, aprendeu esse ofício, ainda rapaz, ajudando a um antigo alfaiate da cidade. Começou pregando botões, fazendo costuras de mão e alinhavos. Anos depois, de ajudante, passou a dono da alfaiataria. Nesse tempo, as máquinas de costura eram manuais ou de pedal. Com a sua arte, conseguiu juntar dinheiro e, vivendo com simplicidade, tornou-se um homem razoavelmente rico.

 

Já coroa, casou-se e constituiu família, com uma prole de quatro filhos. Mesmo cheio de dinheiro, Nicanor continuou com “um pé preso na senzala”, como diz o ditado popular. Sem estudo e convivendo com pessoas simples, mal assinava o nome e tinha um vocabulário muito pobre. Faltava-lhe o traquejo social e a cultura geral que a leitura proporciona. Faltava-lhe também o bom gosto na maneira de se vestir. Ao falar, perdia-se nas palavras, mas não se perdia nas ideias. Mesmo rico, Nicanor continuou sendo um homem simples.

Era tímido e sabia manter a distância entre ele e os seus clientes ricos.

Um dos seus clientes, padrinho do seu filho, convidou-o para se associar aos Clubes da cidade, a fim de se entrosar mais com as pessoas. e fazer novas amizades. Afinal, ele tinha dinheiro suficiente para frequentar a mesma roda social dos seus fregueses.

Aconselhou-o a arranjar um “personal stylist”,professor de etiquetas, para lhe ensinar a ser traquejado.

A primeira orientação desse “professor” foi de que ele providenciasse roupas de boas marcas, de cores berrantes e chamativas, para se vestir com mais elegância.

Sua esposa, Esmeralda, não aprovou nada disso, pois era muito simples e tímida. Mas o marido não lhe deu ouvidos.

Ele, então, foi na onda do compadre e se associou ao Clube Comercial e ao Lions Clube da cidade. Reuniões, festas, mensalidades e novas amizades.

Nicanor passou a frequentar uma academia e se matriculou num curso de dança de salão. Seu sonho era aprender a valsar.

Contratou um professor de Português para lhe dar aulas, mas não houve jeito de Nicanor aprender nada mais do que já sabia. Continuou falando errado e lendo e escrevendo pouco e ruim. Leitura lhe dava sono. Jamais seria um autodidata.

Nicanor terminou desistindo de tudo, ao ver que estava gastando muito, e o custo-benefício não compensava. Preferiu continuar na sua vida simples de antes. Nada de novo no “front”. Leitura lhe dava sono. Vida social, academia e aula de dança, tudo isso custava dinheiro, o dinheiro do seu trabalho. Era mais barato, continuar fazendo suas caminhadas, junto com Esmeralda, sua esposa. Essa mudança de hábitos estava mexendo com o seu bolso. Afinal, tudo o que ele conquistou foi fruto de anos e anos de trabalho na sua alfaiataria. Nicanor nasceu pobre, mas não queria ver a sua família terminar a vida pobre. Desistiu de ser chique e voltou à sua vida normal, para felicidade geral da família e para o bem de suas finanças.

“Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de abril de 2019

A UNIÃO

 

A UNIÃO

 

Antonina, viúva, 38 anos, tinha duas filhas e era costureira. Apaixonou-se por Zé Bento, um fazendeiro de 60 anos, também viúvo e com um filho rapaz. O romance dos dois resultou num “casamento” pelo regime do livre arbítrio, onde não foi preciso padre nem juiz. Como toda vassoura nova varre bem, o “casamento” começou muito feliz. Antonina teve quatro filhos, um atrás do outro.

Decorridos 15 anos dessa união, Zé Bento começou a mudar. A paixão que uniu o casal se diluiu no tempo e no espaço.

Do dia pra noite, o homem virou a cabeça e abandonou a família, sem dar qualquer satisfação a ninguém. Foi dominado por outra paixão violenta, que fez ruir por terra sua união com Antonina, aparentemente estável e definitiva.

A mulher adoeceu de tristeza e de revolta, com a falsidade de Zé Bento. Jamais imaginou que, sendo bem mais nova do que ele, fosse passar por essa humilhação de ser abandonada, juntamente com todos os filhos, inclusive o enteado.

Revoltado com a atitude do pai, por haver abandonado a mulher e os filhos, Júnior, filho do 1º casamento de Zé Bento, já com 30 anos, assumiu a família, e meses depois pediu Antonina em casamento. Sentia-se o pai dos seus próprios irmãos e o peso da responsabilidade pesava sobre os seu ombros. Literalmente, ocupou o lugar do pai, dentro de casa.

Zé Bento, quando soube do resultado do embrolho que havia provocado, e do casamento do filho Júnior com Antonina, entrou em parafuso e, envergonhado, meteu a cara na cachaça. Indignado, sentia-se traído pelo filho e desrespeitado pela ex-companheira. Como “macaco não olha pro rabo”, Zé Bento não reconhecia seus erros.

A situação de Antonina mudou. De madrasta, quase mãe, passou a ser mulher do enteado, irmão dos seus quatro filhos, por parte de pai. Júnior passou a ser padrasto dos irmãos e ao mesmo tempo marido de Antonina, que antes era sua madrasta e mãe dos seus irmãos. Antonina agora era a mulher do enteado, quase filho. Os quatro filhos que teve com Zé Bento eram irmãos por parte de pai de Júnior, que, por conseguinte, passou a ser o pai deles. Júnior passou a ser padrasto dos seus irmãos e marido da “madrasta”.

Zé Bento não se conformava de ser sogro de Antonina, sua ex- mulher. Nem com o fato dela ser mulher do seu próprio enteado, quase filho.

Passou a viver embriagado, e a toda hora comentava com os companheiros de copo que essa história era de arrombar…

Já não sabia quem era ele…

Para aumentar a confusão, Antonina e Júnior tiveram um filho homem, neto dela e de Zé Bento. Com essa, o homem esclerosou de vez.

O caso foi igual ao drama vivido por um homem, que passou por situação semelhante e resolveu morrer, por não saber mais quem era.

Quando a cabeça não pensa, o corpo padece.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 20 de abril de 2019

O APELO

 

 

O APELO

 

“UMA ESMOLINHA, PRA MINHA MÃE JEJUAR NO DIA D’HOJE!!!”

Nunca esqueci esse triste apelo, ouvido das crianças que pediam esmolas, de porta em porta, em Nova-Cruz, na Quinta-Feira Santa e na Sexta-Feira da Paixão. Aos meus ouvidos, esse apelo soava como um lamento cheio de dor.

Na sala da nossa casa, ficavam dois sacos grandes, um com brote, outro com bacalhau. Eram as esmolas que minha mãe distribuía aos pedintes, durante a Semana Santa, especialmente na quinta e na sexta-feira. A distribuição começava de manhã cedo, sem hora para terminar.

 

 

 

Nessa época, começo da década de 60, bacalhau era produto de baixo custo. Não chegava a Nova-Cruz o bacalhau de 1ª qualidade.

A Semana Santa, principalmente para os católicos, era uma época triste e sombria. O martírio de Nosso Senhor Jesus Cristo era revivido com respeito.

Para começar, não havia aula durante a Semana Santa. Não se ouvia música profana; ninguém chamava “nome feio”, e ninguém brigava. Era um período de reflexão, arrependimento e orações.

Na Quarta-Feira de Trevas, que antecede o martírio de Jesus, parecia que o mundo estava de luto, com a perspectiva de que no dia seguinte começaria o seu Calvário. Na Igreja lotada de fiéis, era rezado o “Ofício das Trevas” , no final da tarde,

A crendice popular era tão forte, que grande parte do povo da roça chegava ao ponto de não tomar banho na Quarta-Feira de Trevas, achando que era pecado e temendo ficar entrevado. Foi preciso a intervenção de Frei Damião, numa das “Santas Missões” que costumava fazer na cidade, para convencer o povo da roça de que não era pecado tomar banho na Quarta-feira de Trevas. E o Santo Frade Capuchinho, sempre terminava seus sermões, pela manhã, dizendo:

-Agora, vocês voltem para suas casa, e vão tomar banho!!! Não quero que cheguem aqui na Igreja mais tarde, fedendo a “bacurim”!

Na Quinta-Feira Santa, quando se revive a traição de Judas durante a Última Ceia, sentia-se na cidade o clima de tristeza e solidariedade. Era o começo do martírio de Jesus, que carregaria sua Cruz até o Calvário ou Gólgota, colina na qual seria crucificado e que, na época, ficava fora de Jerusalém.

Fazia parte da cultura nordestina, o furto de galinhas, na Sexta-Feira da Paixão, para servir de tira-gosto aos cachaceiros de plantão. Essa brincadeira grosseira, detestada pelas donas de casa, quase sempre era praticada por turmas de amigos, que gostavam de farrear.

Para se precaver dessa prática desalmada, à tardinha, as donas de casa mais cuidadosas transferiam as galinhas, do galinheiro para um quarto dentro de casa.

Na Semana Santa, as comadres da minha mãe, que residiam na zona rural, traziam-lhe beijus de goma com coco de presente, feitos em Casa de Farinha. O cheiro e o gosto desses beijus, eu nunca esqueci.

A partir da 4ª feira de trevas, não se comia carne. O almoço era na base de bacalhau, peixe, ou fritada de sardinha “Coqueiro”, feijão e arroz de coco.

Na Sexta – Feira da Paixão, Jesus estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem. Era o chamado dia do “beija”.

Nesse dia triste, eram obrigatórios, de acordo com os preceitos da Igreja Católica, o jejum e a abstinência de carne e bebidas alcoólicas.

As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se ouvia o apito do trem, pois ele não trafegava. Não havia entrega de leite dos currais, pois não se tirava leite naquele dia. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, em troca de 30 moedas.

Os clubes sociais, os bares ou outros ambientes de entretenimento também não funcionavam.

A tristeza só desaparecia no Sábado de Aleluia, que revive a expectativa da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nesse dia, havia a malhação de Judas, um boneco/homem, de palha ou de pano, em tamanho natural, que era exposto em praça pública, para ser castigado. por ter traído Jesus.

A malhação ou queima de Judas é uma tradição vigente em diversas comunidades católicas e ortodoxas, que foi introduzida na América Latina pelos espanhóis e portugueses. É também realizada em diversos outros países, sempre da Sexta-Feira da Paixão para o Sábado de Aleluia, à meia noite. Simboliza a morte de Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus.

A liturgia da Páscoa, ou passagem, ocorre na madrugada do Sábado de Aleluia para o Domingo.

No Domingo de Páscoa, a data mais importante do calendário cristão, comemora-se a Ressurreição de Cristo, três dias depois de sua morte. Esse é o maior motivo e fundamento da Fé cristã.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 13 de abril de 2019

O QUINTAL

 

O QUINTAL

 

A casa da minha infância, em Nova-Cruz (RN), era vizinha à de Dona Júlia, minha avó paterna, onde havia um enorme quintal. Eu acordava cedo e corria logo para lá, ao encontro das goiabeiras, colher as minhas frutas preferidas.

Minha avó sempre dizia que eu iria ficar com o pescoço defeituoso, de tanto olhar para cima, procurando goiaba. No quintal, havia uma vara com um gancho, próprio para esse fim, o que facilitava o trabalho, quando as goiabas brotavam nos galhos altos. As mangas caíam sozinhas.

Eu vivia com os pés cheios de frieira, pois, contrariando as ordens da minha mãe e da minha avó, eu entrava descalça no chiqueiro dos porcos, onde também havia pinhas maduras. Sem as sandálias, podia subir melhor nas pinheiras.

O chiqueiro dos porcos, no interior nordestino, é uma fonte de micoses e fungos. Os porcos são animais injustiçados. Os criadores inventaram que eles são sujos e não tem paladar. Por isso, os criam na lama e os alimentam com restos de comida. São criados no desconforto, com fama de mal-cheirosos e sujos. No Sul, o tratamento dado aos porcos é diferente. As pocilgas são amplas e limpas.

Está provado que os porcos nunca utilizam o local em que comem e dormem, para fazer suas necessidades fisiológicas. Isso só acontece quando não há espaço suficiente. Eles adoram tomar banho dentro d’água. Deitam-se na terra molhada, porque não conseguem transpirar. São, praticamente, obrigados a se deitar na lama.

Voltando à “Frieira”, ela provocava uma coceira desesperadora e incontrolável nos pés, principalmente entre os dedos. E eu coçava até sangrar… Às vezes, os pés ardiam tanto, que se tornava impossível até o uso de chinelo.

“A frieira é uma infecção provocada pelos fungos Trichophyton mentagrophytes ou Trichophyton rubrum, que ataca preferencialmente a sola dos pés e os espaços entre os dedos. Conhecida também como tinea pedis ou pé de atleta, a frieira é a micose de pele mais comum no mundo. “

Certa vez, meus pés ficaram tão inflamados, e com o aspecto tão feio, que o “Unguento Maravilhoso”, vendido na farmácia de Nova-Cruz, não estava mais surtindo efeito. Por sorte, coincidiu que, à noite, Nova-Cruz seria palco de um grandioso comício, com a presença do renomado médico norte-riograndense, Dr. Vulpiano Cavalcanti, líder do antigo Partido Comunista Brasileiro, posteriormente transformado em PC do B (1962).

Depois desse esperado comício, meu tio Paulo Bezerra, correligionário e amigo pessoal do Dr. Vulpiano Cavalcanti, levou-o para jantar em sua casa, que era vizinha à nossa.

Tio Paulo aproveitou a ocasião e também o levou até a nossa casa, para ver o estado dos meus pés. À luz de candeeiro, Dr. Vulpiano Cavalcanti examinou meus pés e prescreveu uma fórmula, a ser manipulada em Natal, com urgência, para ser aplicada sobre eles três vezes ao dia, e durante 60 dias. Foi um santo remédio.

A partir de então, para minha tristeza, fui definitivamente proibida de andar de pés descalços no quintal da casa de Dona Júlia.

Mas, esse quintal nunca saiu dos meus sonhos e faz parte das minhas saudades. Era um paraíso particular, onde, de manhã cedo, ouvia-se o cantar dos passarinhos e se sentia o cheiro das frutas frescas, misturado com o cheiro do mato verde.

Ainda hoje, sofro da nostalgia do quintal, recanto sagrado que faz parte das lembranças da minha infância.

Tenho pena das crianças que, na vida moderna, não desfrutam mais das coisas da natureza e não sabem como é gostoso brincar num quintal. Elas não conhecem a paz que existe nesse recanto do paraíso, cujo cheiro nos acompanha por toda a vida, povoando nossos sonhos.

Toda criança precisa conhecer um quintal, onde possa brincar, correr, saborear uma fruta colhida por ela mesma, e onde possa, de manhã cedo, ouvir o cantar dos passarinhos, o “có có có” das galinhas “de verdade” e o “glu glu glu” dos perus.

Longe desse insensato mundo do Celular e da Televisão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de abril de 2019

E O DESTINO DESFOLHOU

 

 

“E O DESTINO DESFOLHOU”

 

Esse é o título de uma linda valsa, uma das preferidas do meu pai. Quando eu era menina, sempre o ouvia solfejá-la. Descobri agora, pesquisando, que é da autoria de Gastão Lamouner (1893-1984) e Mário Rossi (1911-1981) – gravação de Carlos Galhardo (ODEON- 1938).

 

Houve uma época, quase na década de 60, em que estava na moda as moças estudarem acordeon (sanfona). Em Nova-Cruz, foi uma verdadeira “coqueluche”. Minha mãe comprou uma sanfona para a minha irmã Ana Maria e contratou o Mestre da Banda de Música de Nova-Cruz, para ministrar aulas a ela e à outra minha irmã, Valéria. Elas estudavam pelo “Método de Acordeom”, de Mário Mascarenhas”. Nesse Método, entre inúmeras músicas, também constava a valsa “E o Destino Desfolhou”, de que meu pai tanto gostava.

Por ser eu a caçula, ou talvez por economia, não fui matriculada na aula de sanfona. Tampouco, podia chegar perto dela, com a desculpa das minhas irmãs de que eu iria desafiná-la.

Irmã caçula sofre muito…Todos achavam que eu era muito criança para estudar acordeon. Sentindo-me injustiçada, quando eu me via sozinha em casa, a primeira coisa que eu fazia era colocar a sanfona no colo e tentar aprender a tocar de ouvido. E aprendi a tocar, quase com perfeição, todas as músicas que minhas irmãs estudavam pela partitura,com aulas diariamente, das 13 às 14 horas. Eu me “babava” de inveja, mas não tinha coragem de reclamar. Só não entendia por que não me foi dado o direito de também estudar acordeon. Seria pecado ser caçula??? Mas isso não me impediu de aprender a tocar, mesmo de ouvido.

Conheço pessoas que só tem orelha. Mas tenho certeza de que, além de orelha, eu também tenho “ouvido”. E dei prova disso. Aprendi a tocar sozinha. Aliás, o Nordeste é berço de excelentes sanfoneiros, que aprenderam a tocar sozinhos, de ouvido. São coisas de Deus…

Certa vez, no Cinema Éden, do meu tio Paulo, foi organizado um “showmício”, em homenagem a um determinado candidato a governador do Estado do Rio Grande do Norte. Luiz Gadelha, conhecido político de Nova-Cruz e marido da minha tia Nazinha, foi o organizador. Pensando que eu também estudava acordeon, perguntou-me se podia incluir meu nome na pauta das atrações musicais que fariam parte do show. Eu disse que sim, só por danação, e que só não poderia levar a sanfona. A música que eu escolhi para tocar foi “E o Destino Desfolhou”, que minhas irmãs tocavam por partitura e eu aprendi “de ouvido”. Mas, na nossa casa, ninguém sabia disso.

Pois bem. No dia do “showmício”, o cinema do tio Paulo ficou lotado.

Luiz Gadelha, fazendo as vezes de apresentador, começou a anunciar diversos números artísticos. Houve poesias, cantorias, e chegou a minha vez de tocar. E ele anunciou:

“Ouviremos, agora, um número de acordeon!!! Com a garota Violante, a valsa “E O DESTINO DESFOLHOU”. Silêncio total…

Subi no palco pela entrada lateral e sentei-me em uma cadeira que já me esperava. Luiz Gadelha me acompanhou, trazendo a sanfona de um dos músicos e colocou-a sobre o meu colo.

Toquei calmamente, como se estivesse sozinha em casa. Não enxerguei ninguém na plateia. Nem meus pais, que estavam nas cadeiras da frente. O Mestre da Banda de Música , professor de acordeon das minhas irmãs, levantou-se e me acompanhou com o Saxofone, numa verdadeira apoteose interiorana. Sinal de que eu estava tocando bem. Só dei por mim, quando estrondaram os aplausos do “respeitável público”.

Desci do palco por onde eu tinha entrado e corri para junto de Dona Lia e Seu Francisco, que me abraçaram fervorosamente. Meu pai estava chorando, emocionado com a surpresa de me ver tocar, e ainda por cima, a música que ele adorava, “E O DESTINO DESFOLHOU”.

Minha mãe ainda estava tensa, com a surpresa de me ver subir ao palco e tocar, sem ainda ter sido aluna do Mestre da Banda de Música, como minhas duas irmãs.. Ela comentou que, ao ouvir Luiz Gadelha anunciar o meu nome, pensou que ele houvesse se confundido. Com certeza, quem iria apresentar o número de acordeon seria Ana ou Valéria, alunas do Mestre da Banda de Música .E quando me viu entrar no palco, com Luiz Gadelha atrás de mim trazendo uma sanfona, gelou… Esperou que a apresentação fosse um fracasso, coisa de menina danada. Mas foi um sucesso…

Dona Lia adorava contar essa história…


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 30 de março de 2019

UMA LUTA INGLÓRIA

 

 

UMA LUTA INGLÓRIA

 

Acabou-se o tempo em que a vaidade era requisito exclusivamente feminino.

Décadas atrás, ouvi meu avô materno dizer que perfume de homem era o suor. No seu entender, homem de verdade não usava perfume, pois isso era coisa de mulher.

Com a modernidade, o homem passou a ser concorrente da mulher, em matéria de vaidade e também na luta contra a velhice. A vaidade física dos dois é a mesma, a começar

pela pintura dos cabelos e tratamentos em busca de rejuvenescimento.

Minha avó materna, a poetisa Anna Lima, respondendo sobre o que mais temia na vida, disse:

“O que mais temo na vida é a velhice caprichosa/ que faz da moça bonita/ uma carcaça horrorosa/ uma megera maldita”. Palavras fatídicas.

As mulheres detestam dizer a idade, muito mais do que os homens. Todas temem o envelhecimento.

Quando a fachada facial começa a dar sinais de que ela já não tem 24 anos, a mulher entra em ação, para camuflar o início da maturidade. E quando se torna impossível esconder as primeiras rugas, a mulher vaidosa procura logo uma solução, recorrendo aos cosméticos antirrugas ou ao esteticista. Se tiver boa condição financeira, apela para os modismos: “botox”, “pelling”, e, por fim, cirurgia plástica, recursos que cooperam, de forma mais que perfeita, com “as farsas” contra o envelhecimento. E a luta continua, até que se esgotem todos os recursos possíveis e imagináveis, na preservação da juventude.

Mesmo assim, chega um dia em que o prazo de validade da juventude se esgota. E o tempo de vigência da beleza física também.

Pois bem. Matilde era esposa de um político importante do Rio Grande do Norte, e chegou a ocupar o “posto” de 1ª dama de uma importante cidade. Muito vaidosa e rica, todos os anos viajava ao Rio de Janeiro, para “pedir socorro” ao mais famoso cirurgião plástico da época, na luta contra o envelhecimento. A força dos anos pesava sobre ela como uma maldição.

Ao longo de mais de dez anos, submeteu-se a várias cirurgias plásticas e sempre voltava do Rio com cara de menina, “passível de pegar sarampo”. Rosto esticado, silhueta elegante, mas já sem a leveza do andar, própria da juventude.

Induvidosamente, toda luta tem começo, meio e fim. Chega um tempo em que, realmente, a velhice caprichosa “ faz da moça bonita uma carcaça horrorosa, uma megera maldita”.

Matilde, ao se aproximar dos 80 anos, já havia se submetido a todas as cirurgias plásticas que a medicina permitia. Passou por todas as recauchutagens possíveis e imagináveis. Nem o moderno “botox” resolvia mais. Só fazia efeito dois meses e a pele arriava novamente.

Finalmente, na sua última viagem ao Rio à procura de socorro, seu cirurgião plástico usou de franqueza e lhe disse que sua verdadeira idade não lhe permitia mais nenhuma cirurgia plástica. Sua pele estava completamente flácida e não tinha mais elasticidade para ser esticada.

O mundo desabou sobre a cabeça da vaidosa Matilde. Revoltou-se com o médico, mas teve que se conformar. Dessa vez, voltou à sua cidade, sem ter feito nenhum procedimento para rejuvenescer. Olhava-se no espelho, sentia-se uma múmia, e não se conformava com o “veredicto” do famoso médico, de que não adiantava mais fazer plástica.

Não havia base nem pó de arroz que escondesse as rugas do seu rosto. Quem a conhecia sabia que ela tinha sido uma mulher linda, chique e adorada pelo marido, que fazia questão de alimentar a sua excessiva vaidade.

Matilde entrou em depressão e foi obrigada a fazer terapia, para tentar aceitar a velhice.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 22 de março de 2019

UMA VACA PARIDA

 

UMA VACA PARIDA

Violante Pimentel

 

Desde criança, em Nova-Cruz (RN), eu era acordada por Dona Lia, minha mãe, às 5 horas da manhã, para tomar leite cru no curral de Seu Leó. Depois, passamos para o curral de Seu Manoel Silvestre, onde o ordenhador avisava:

 

– Leite com "dote" é mais caro, porque não faz espuma.

 

Ele queria dizer "Toddy", um dos achocolatados mais antigos do Brasil, e, na época, o mais usado. Meu copo de 500 ml era de alumínio e eu o tomava completamente cheio. E sem "dote". Gostava do leite com açúcar e muita espuma.

 

A Toddy foi fundada em 1916 pelo porto-riquenho Pedro Santiago.

 

Em 15 de março de 1933, Pedro Santiago obteve licença do governo provisório de Getúlio Vargas, para comercializar o produto no Brasil.

 

Vim para Natal, aos 15 anos, para estudar na Escola Normal. Trouxe comigo, entre as minhas saudades, a saudade do leite cru da minha infância, tomado na companhia da minha mãe e irmãs. Perdi, para sempre, o convívio com aquela folia gostosa do curral, quando tomava leite cru, tirado diretamente do "peito da vaca", em ordenha manual.

 

Esse afastamento faz parte das minhas lembranças e das minhas perdas. Parece infantilidade, mas não é. Com a minha vinda para Natal, distanciei-me de um dos melhores costumes da minha terra, que era essa ida ao curral todas as manhãs, quando o sol estava raiando.

 

Mesmo passando as férias escolares em Nova-Cruz, a vida foi mudando seu rumo, e o rumo foi mudando a minha vida. Nas férias escolares, cheguei a ir algumas vezes ao curral de Seu Miguel Silvestre, mas sem a mesma euforia do meu tempo de criança.

 

Meu plano era terminar o curso pedagógico e voltar para Nova-Cruz, para exercer o magistério. Mas a roda-viva do cotidiano mudou tudo. Casei-me aos 18 anos e continuei morando em Natal.

 

Meu marido tinha um irmão, que morava, e ainda mora, em São Paulo, e é proprietário de uma chácara no município de Pereiras, a duas horas da capital paulista. Logo que casamos, fomos a São Paulo, juntamente com a minha sogra, visitar esse seu irmão. No fim de semana, fomos a Pereiras, conhecer a chácara.

 

Minha surpresa foi grande, quando chegamos nesse local abençoado. Eu não sabia que na chácara do meu cunhado havia algumas cabeças de gado, incluindo uma vaca parida. À tardinha, ele nos convidou para tomar leite cru, e eu me esbaldei. Matei a saudade do leite cru de Nova-Cruz, do curral de Seu Leó e do curral de Seu Miguel Silvestre.  Lembrei-me do aviso do ordenhador, palavras que nunca esqueci:

 

– "LEITE COM "DOTE" É MAIS CARO"! Porque "Dote", não deixa o leite espumar! "

 

Em Pereiras, eu, meu marido, minha sogra, meu cunhado e sua namorada tomamos leite-cru até topar.

 

Foi gratificante o meu reencontro com o leite cru, tirado "do peito da vaca", na hora. Leite puro, sem ser "batizado" com água, e sem aditivos químicos para conservá-lo, como acontece com o leite atualmente. O leite " in natura" é inigualável. Por mais cara que seja a marca do leite pasteurizado e industrializado, nenhum tem o seu sabor.

 

O progresso modificou tudo, trazendo danos à saúde do consumidor e aumentando o lucro do produtor. Prejudicou o povo com os aditivos químicos e hormônios, que complementam a ração do gado, mas provocam doenças da moda, como "intolerância à lactose".

 

Para quebrar a harmonia do fim de semana em Pereiras, assustei-me com os gritos de pavor da namorada do meu cunhado, dono da chácara, que estava tomando banho e saiu do banheiro toda molhada e enrolada na toalha, chorando, como se tivesse visto uma assombração. A moça, criada na capital, aterrorizou-se com a presença de uma inofensiva rãzinha, agarrada à parede do banheiro. Não estava acostumada com sapos, rãs, grilos e outros bichinhos que vivem no mato.

 

Minha sogra, mais que depressa, preparou-lhe uma garapa, para que se acalmasse.

 

Eu, acostumada com os sapos e enormes Cururus de Nova-Cruz, quando entendi do que se tratava, tive uma crise de riso, no que fui acompanhada por meu marido. Saímos da sala e fomos rir bem distante da casa. Nunca tinha visto tanto "fricote" na minha vida, como diria minha mãe.

 

O tempo passou e hoje, quando ouço pessoas amigas, falando em comprar apartamentos novos, carros importados, IPHONE e IPAD, fico rindo e confesso que o meu sonho de consumo continua sendo uma vaca parida, para eu poder tomar leite cru à vontade.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 15 de março de 2019

O CENTRO DA TERRA

 

 

O CENTRO DA TERRA

 

Quando alguém perguntava, aos antigos sábios, onde ficava o Inferno, de pronto, eles respondiam:

– O INFERNO FICA NO CENTRO DA TERRA.

E citavam a existência dos vulcões.

Nessa época, os vulcões eram temidos, como se fossem a cozinha do Inferno. E ninguém queria ser condenado a arder numa fornalha.

Séculos se passaram e o inferno, até hoje, continua sendo no centro da terra, povoado por assassinos, ladrões, estupradores, pedófilos, assaltante etc.

O tempo levou consigo os sábios de antigamente, que tinham inspiração divina. Mas a resposta deles, com relação à localização do inferno, ainda prevalece.

Nos dias atuais, a televisão e a Internet trazem para dentro de nossas casas, notícias piores do que a erupção de um vulcão. São verdadeiras comédias humanas, tragédias que aterrorizam crianças, adultos e idosos.

Acordamos com as notícias do inferno dentro de nossas casas. Além da violência das ruas, entre os humanos, aumentou assustadoramente o índice de violência doméstica, assaltos e crimes de toda espécie. Desapareceu a tranquilidade do povo, que vive assustado, mesmo quando trancado em apartamentos de luxo e condomínios fechados, verdadeiras “gaiolas douradas”.

Paralelamente, tem aumentado o índice de desastres ecológicos, acidentes aéreos e tragédias que destroem vidas humanas.

O homem está acuado, com medo, e preso em gaiolas de ouro, enquanto os bandidos estão soltos, invadindo bancos e escolas, dizimando vidas humanas.
O povo brasileiro está cansado de sofrer.

A tragédia de Brumadinho (MG), que, para os entendidos, foi anunciada previamente, mostrou que, para os ricos, uma vida humana não tem o menor valor.

E de quebra, hoje, o Brasil foi surpreendido com o massacre ocorrido em uma Escola Pública de Suzano (SP). Dois assassinos, ex-alunos, armados até os dentes, contra uma escola totalmente desarmada e de portas abertas. Mais uma tragédia, que chocou o povo brasileiro.

O povo anseia por notícias boas! Chega de indecência na televisão e nas ruas, vídeos imorais, violência nas redes sociais e baixaria!

Chega de se tentar tirar leite de pedra, procurando atrapalhar o novo Governo do Brasil, legitimamente eleito!

Apesar do sofrimento do povo brasileiro, ainda houve, em São Paulo, no ultimo carnaval, uma Escola de Samba, cujo samba-enredo homenageou o Demônio e humilhou Jesus Cristo, com coreografia agressiva à religião católica. Nota ZERO para essa Escola de Samba.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 08 de março de 2019

DEU A LOUCA NO MUNDO

 

 

DEU A LOUCA NO MUNDO

 

A palavra moda vem do latim “modus” e significa costume, maneira ou comportamento.

A evolução da moda e dos costumes, ao longo de décadas, indiretamente, tem contribuído para a degeneração dos valores morais da sociedade.

Entretanto, “para os anormais, tudo é normal”.

O modernismo atual resultou no culto ao que é “antinatural” e ao que se opõe aos costumes e aos princípios morais. Essa mudança conseguiu fazer, numa grande parte da população, uma verdadeira lavagem cerebral, no que se refere a tudo aquilo que envolve respeito à moral e aos costumes. No começo, houve um choque entre os costumes tradicionais e o modernismo considerado “indecente”, pelas pessoas conservadoras. Mas a maioria é quem manda…

 

Antigamente, no nordeste brasileiro, a moda chegava atrasada. Mas com a globalização, o modismo passou a influenciar as pessoas, imediatamente.

A televisão é uma verdadeira escola de novos hábitos e costumes, e a juventude tende a seguir os seus ensinamentos.

Pois bem. Certa vez, no início da década de 60, presenciei Dona Lia, minha saudosa mãe, que costurava muito bem, ficar sem graça, ao receber a visita de uma sobrinha que tinha chegado da capital. A jovem, de 17 anos, estava vestida com uma mini blusa de mangas compridas e uma calça bastante colada ao corpo, de cintura baixíssima, que mostrava o umbigo e boa parte do torso. Para Dona Lia, isso era falta de pudor. Ela considerava o umbigo uma parte sagrada do corpo, pois estava ligada ao parto.

Horrorizada com a exposição do umbigo da sobrinha, Dona Lia, muito franca, não se conteve e disse:

– Minha filha, você se vestiu tão bem, mas deixou de fora seu umbigo?!!!

Resposta da sobrinha:

– É calça “Saint-Tropez”, tia! É a última moda!!!

Dona Lia respondeu que considerava aquela roupa uma indecência. Para ela, o umbigo era quase uma parte genital. Era falta de pudor, deixá-lo à mostra.

A resposta da jovem veio com estupidez:

– A SENHORA É DE 12… “ (Xingamento usado, na época, pelos jovens, para agredir as pessoas mais velhas e conservadoras) .

Deu uma rabissaca e deixou a tia falando sozinha.

Minha mãe ficou chocada com isso. Nunca imaginou que fosse chegar o dia em que as moças se cobririam todas, mas deixariam à mostra o umbigo. Nunca tinha visto uma indecência tão grande!!!

Pouco tempo depois, surgiram outros modismos que escandalizaram Dona Lia, como o “monoquíni”, “fio dental” “exposição de barriga grávida” (adotada pela saudosa atriz Leila Diniz) e a nudez mostrada na televisão.

Coisas muito piores, como as que acontecem atualmente, incluindo a desvirtuação total dos valores morais, ela não chegou a ver.

A cintura baixa foi uma novidade dos anos 1960, na forma da calça saint-tropez, que mostrava escandalosamente toda a região do umbigo. A parte da frente da calça, que tinha normalmente 30cm, passou a ter entre 10 e 20cm, alongando o desenho do torso. Este corte de calças durou mais alguns anos como parte da cultura hippie, nos anos 1970. A região francesa onde foi lançada essa moda, emprestou seu nome ao novo tipo de calça.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de março de 2019

O HOMEM NA LUA

 

 

O HOMEM NA LUA

Violante Pimentel

 

 

A chegada do homem na Lua, que completará 50 anos no dia 20 de julho do corrente ano, marcou um dos ciclos da corrida espacial, disputada entre os Estados Unidos e a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

A Apolo 11 foi um voo espacial tripulado norte-americano, responsável pelo primeiro pouso na Lua.

A ficção se confundiu com a realidade. Na tarde de 16 de julho de 1969, a nave Apollo 11, que foi lançada de Cabo Canaveral, na Flórida (EUA), levou à órbita da Lua os astronautas Neil Armstrong, Edwin "Buzz" Aldrin e Michael Collins. Quatro dias depois, Armstrong entrou para a história, como o primeiro ser humano a pisar na superfície lunar.

 

O comandante Neill Armstrong e o piloto Buzz Aldrin pousaram o módulo lunar Eagle em 20 de julho de 1969 às 20h17min UTC. Armstrong foi, portanto, o primeiro homem a pisar na Lua seis horas depois já no dia 21, seguido por Aldrin vinte minutos depois. Os dois passaram aproximadamente duas horas e quinze minutos fora da espaçonave e coletaram 21,5 quilogramas de material para trazer de volta à Terra. Michael Collins pilotou sozinho o módulo de comando e serviço Columbia na órbita da Lua, enquanto seus companheiros estavam na superfície. Armstrong e Aldrin passaram um total de 21 horas e meia na Lua até reencontrarem com Collins.

 

"Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade" - foram as palavras proferidas pelo astronauta Neil Armstrong, enquanto descia do módulo aterrissado na superfície lunar, em 20 de julho de 1969. Ele tornou-se o primeiro ser humano a caminhar sobre a Lua, seguido pelo astronauta Edwin Buzz Aldrin, seu companheiro de missão. Esse momento histórico foi televisionado para o mundo todo. Cerca de um bilhão de pessoas assistiram a essa memorável cena, testemunhando o que viria a ser uma das maiores conquistas tecnológicas de todos os tempos e um marco do progresso científico. A chegada do homem ao solo lunar foi uma conquista obtida na corrida entre os Estados Unidos e a Rússia (na época ainda União Soviética), as duas potências econômicas que disputavam, em meio à Guerra Fria, a superioridade científica, tecnológica e cultural.

 

Os soviéticos saíram na frente, com o lançamento do satélite espacial Sputnik, em 1957 e no mesmo ano foram os primeiros a enviar seres vivos, como a cadela Kudriavka, e, logo depois, o astronauta Yuri Gagarin, ao espaço em 1961.

Sete anos depois, os norte-americanos comemoraram o pioneirismo, ao circunavegar a Lua e, no ano seguinte, a missão Apolo 11, tripulada por Michael Collins, Neil Armstrong e Edwin Aldrin, fincou a bandeira dos EUA na superfície da Lua, aos olhos estarrecidos dos telespectadores do mundo todo.

 

Em 1968, foi lançado o filme de ficção científica "2001: A Space Odyssey (2001: Uma Odisseia no Espaço), produzido e dirigido por Stanley Kubrick, coescrito por Kubrick e Arthur C. Clarke, baseado parcialmente no conto " "The Sentinel" do próprio Clarke. Um romance do mesmo nome, escrito concomitantemente com o roteiro, foi publicado logo após o lançamento do filme.

O filme lida com os elementos temáticos da evolução humana, existencialismo, tecnologia, inteligência artificial e vida extraterrestre.

A trilha sonora é belíssima, resultado da associação feita por Kubrick entre o movimento de satélites e os dançarinos de valsas, o que o levou a usar a valsa Danúbio Azul, de Jonhann Strauss II, e o famoso poema sinfônico de Richardd Strauss, Also sprach Zarathustra, para mostrar a evolução filosófica do Homem, teorizado no trabalho de Friedrich Nietzsche de mesmo nome.

Esse filme assombrou o mundo, e o sucesso foi enorme.

 

Pois bem. Em Nova-Cruz (RN), interior nordestino, conheci um senhor. Seu Josivaldo, ferroviário aposentado, que não acreditava em notícia de rádio, jornal ou televisão. 

Analfabeto de pai e mãe, para ele qualquer notícia extraordinária era pura mentira.

Josivaldo era um homem muito sério e mal-humorado. Certas coisas lhe pareciam absurdas. Parecia que em sua volta tudo fedia.

 

Foi assim com a notícia da chegada do homem na lua.

Ele esbravejava, para todo o mundo ouvir:

 

– Uma notícia mentirosa dessa, quem inventou devia ser preso. É coisa de Satanás!!!

 

Para Seu Josivaldo, certas coisas lhe pareciam absurdas. Uma delas foi a chegada do homem na Lua. Parecia que em sua volta tudo rodava. E com essa notícia de que o homem fora à Lua, quem saiu de órbita foi Seu Josivaldo. Desorientou o juízo mesmo. E não parava de gritar:

 

– Essa foi a maior mentira de todos os tempos!!! Deus ia permitir uma coisa dessa? Como é que o homem furou a Lua pra entrar???

 

E Seu Josivaldo morreu com mais de 90 anos, sem acreditar que o homem foi à Lua. Descrente como ele, ainda existe muita gente no interior nordestino.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 22 de fevereiro de 2019

O TELEGRAMA (PROFESSOR CLEMENTINO CÂMARA)

 

O TELEGRAMA

(PROFESSOR CLEMENTINO CÂMARA)

Violante Pimentel

 

Minha mãe me contou. Era um começo de noite em Nova-Cruz (RN), quando meu pai chegou do trabalho, trazendo um telegrama vindo de Natal.

 

À luz de candeeiro, ele leu o telegrama em voz alta, onde viu escrito:  "PROFESSOR CELESTINO MORREU." 

 

Minha mãe, filha de Celestino Pimentel, tomou o telegrama, leu novamente, e gritou: –Não foi meu pai que morreu!!! Aqui está escrito: "PROFESSOR CLEMENTINO MORREU".

 

Muito choro na sala, principalmente da minha avó Júlia, prima/irmã de Clementino Câmara e das tias que tinham estudado em Natal, na sua casa.

 

Sempre ouvi minha avó falar com muito carinho desse primo/irmão, que ficou órfão de pai aos dois anos de idade, e de mãe, aos nove. Apesar do pai ter sido senhor de engenho, dono de terras e escravos, depois de sua morte, a família passou sérias dificuldades.

 

Clementino Câmara Nasceu na Praia de Pipa, em Tibau do Sul (hoje, Município de Goianinha), a 17.01.1888

 

Dona Júlia, minha avó paterna, dizia que Clementino aprendeu a ler atrás da porta, ouvindo aulas particulares.

 

Ainda garoto, em Natal, começou a trabalhar como serralheiro e depois como operário de fábrica de tecidos (Patronos e Acadêmicos, V. II, p. 194 - Veríssimo de Melo). Aos 17 anos, em Natal, matriculou-se num Externato, completando sua alfabetização. Começou a ensinar aos próprios colegas de classe, que tinham mais dificuldade em aprender.

 

Aos 18 anos, ensinava particular nas residências e também na casa onde morava em Natal, na antiga Rua dos Tocos, cuja sala foi transformada em sala de aula.

 

Já casado, numa das aulas particulares, mandou para casa, por mau comportamento, o aluno JOÃO CAFÉ FILHO Motivo: Ao ser chamado à atenção, o aluno, muito insubordinado, deu "uma banana" à dona Hilda, esposa do professor. Na época em que não se dizia palavrão, esse gesto significava uma grande irreverência.

 

Professor Clementino nunca imaginou, que, décadas depois, esse aluno insubordinado chegaria à Presidência da República do Brasil, como chegou (Café Filho foi presidente do Brasil entre 24 de agosto de 1954 e 8 de novembro de 1955. Filho de Presbítero da Igreja Presbiteriana, foi o único potiguar e o primeiro protestante a ocupar a Presidência da República do Brasil (junto com Ernesto Geisel).

 

Professor Clementino Câmara tornou-se autodidata, dedicando-se à leitura de jornais e se interessando pela História do Brasil e do Rio Grande do Norte.

 

Firmando-se como professor particular, fez boas amizades e conseguiu emprego num jornal da cidade, chegando a trabalhar como redator.  Tempos depois, foi convidado para lecionar no Atheneu Norte-Rio-Grandense e posteriormente na Escola Normal, onde chegou a exercer o cargo de diretor.  Sua disciplina era História e Geografia do Rio Grande do Norte.

 

Publicou as seguintes obras: "Revelações", "Geografia e História do Rio Grande do Norte", "Décadas" e "Romance do Atheneu".

 

Clementino Câmara, além de professor, consciente das funções que exercia e da dedicação com que assumiu o magistério durante toda a sua vida, tinha dois posicionamentos não aceitos pela Igreja católica, nem pela forma de governo da época. Ele havia assumido sua função de intelectual, junto à Maçonaria e à Igreja Presbiteriana. Os dois posicionamentos se opunham aos princípios religiosos dominantes.

 

Pesquisou a linguagem popular e os costumes do povo do agreste, do campo e das praias, fazendo anotações, que se tornaram preciosas em sua vida literária. Transformou sua longa pesquisa em livro, ao qual deu o título de "GERINGONÇA DO NORDESTE." (1937)

 

Esse livro merece uma especial atenção, pelo fato de ter sido censurado durante o Estado Novo. O livro buscava tratar a questão do estudo realizado por Clementino Câmara, sobre os termos falados pelas classes populares do sertão, agreste e praias do Nordeste. Na verdade, era um grande dicionário de gírias populares e que, por se tratar de um patrimônio intelectual da cultura potiguar, deveria ser publicado pelo governo do Estado, com base na lei estadual 145, de 06.08.1900, que versava sobre o custeio de publicação de livros escritos por autores potiguares.

 

A recusa veio, então, pelo interventor Rafael Fernandes Gurjão, por meio do parecer emitido por uma comissão que julgara o livro como " INADEQUADO E ATÉ PERIGOSO" para os jovens que porventura o lessem.

 

Por falta de sorte, o requerimento foi parar nas mãos do Cônego Amâncio Ramalho, Diretor do Departamento de Educação do Estado e guardião dos interesses do Estado Novo, em se tratando de política educacional. O trabalho foi jogado no Arquivo Público Estadual, como se fosse lixo.

Cinquenta anos depois (1986), e muito depois da morte do grande Professor Clementino Câmara, esse processo, datado de 4.10.1937, foi localizado no Arquivo Público Estadual. Nele, o insigne Professor, invocando a lei estadual nº 145, de 6 de agosto de 1900, de incentivo à cultura, sancionada pelo então Governador Alberto Maranhão (V. "MARANHÃO, Alberto Frederico de Albuquerque", Século XIX), solicita a publicação do seu estudo sobre as classes populares do sertão, agreste e praias do Nordeste, onde colhera elementos para constituir um vocabulário típico e que, assim entendia, logo seria incorporado ao léxico. O Governador, à época Rafael Fernandes, que em pouco tempo seria Interventor, indeferiu o requerimento, face ao parecer contrário recebido. Entre outros argumentos, alegava-se o realismo de certas expressões "que não podiam cair em mão de pessoas de pequena idade". Não obstante, o Dr. Edgar Barbosa, um dos Membros da Comissão, aprovara-o, reputando-o como ótimo glossário de modismos, dos mais completos que já se editaram no Brasil. Acompanhando-o, apenas sugerira a exclusão de alguns termos; o terceiro membro, Sr. Véscio Barreto, omitira-se e o Cônego Amâncio Ramalho, na condição de Diretor do Departamento Estadual de Educação, encaminhara a decisão).

 

Cinquenta anos depois, "post mortem", ironicamente, o processo foi retirado do Arquivo Público Estadual, sendo o trabalho do Professor Clementino Câmara resgatado, estudado e usado como base de tese de pós-graduação, por aluno da UFRN. Somente assim, o trabalho de pesquisa do Professor Clementino Câmara foi reconhecido. Aprovada a tese, o autor, Geraldo Queiroz, publicou o livro GERINGONÇA DO NORDESTE, agora com o subtítulo A FALA PROIBIDA DO POVO. (Saiu a 2ª Edição - Natal-2009).

 

Na capa, não há referência ao nome do Professor Clementino Câmara, primeiro ocupante da Cadeira nº 19 da Academia Norte-rio-grandense de Letras (Patrono: Ferreira Itajubá) e Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

 

Hoje, Clementino Câmara é nome de rua, de escola e de Loja Maçônica, em Natal. Faleceu, nesta capital, em 18 de setembro de 1954.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 14 de fevereiro de 2019

A INTRIGA

 

A INTRIGA

Violante Cavalcante

 

Bartolomeu passou muito tempo no Rio de Janeiro e, já beirando os 60 anos, voltou para sua terra natal, no interior do Rio Grande do Norte. Boêmio e seresteiro, reencontrou vários amigos da sua juventude e os encontros em mesa de bar tornaram-se diários.  Voltou do Rio de Janeiro, chiando e com uma boa economia financeira, fruto do seu trabalho em um Jornal. Veio disposto a viver a vida com que sempre sonhou:  "Sombra e água fresca". Queria, agora, somente tomar suas cervejas, conversar com os amigos e curtir serestas, onde ele mesmo era o melhor violonista e cantor.

 

Divorciado, preferiu permanecer sozinho, sem qualquer relacionamento sério. Bom de copo e de conversa, os amigos sempre aguardavam, com ansiedade, a sua chegada.

 

Certo dia, Bartolomeu sentiu um incômodo no pescoço e, muito assombrado com doença, foi depressa à casa do Dr.  Simplício, um médico antigo da cidade, que há anos estava aposentado.  O Dr. Simplício, disse-lhe que não estava mais clinicando, mas, por delicadeza, apalpou o pescoço de Bartolomeu, constatando alguns gânglios. Contundente, o médico sugeriu, então, que ele fizesse uma consulta com um médico moderno, na capital do Estado. Podia não ser nada e podia ser muita coisa. Por isso, era melhor prevenir do que remediar.

 

Bartolomeu ficou decepcionado com o Dr. Simplício e considerou uma grosseria o fato de ele ter se recusado a lhe receitar qualquer remédio.  E falou:

 

– O que é isso, Dr. Simplício?  Um médico bom, como o senhor sempre foi, não esquece nunca o que aprendeu no exercício da sua profissão. Não está vendo que eu não vou sair daqui para me consultar a um médico novo, que ainda não tem a sua experiência?

 

Bartolomeu reclamou tanto que o médico saiu do sério. E falou aborrecido:

 

– Olha, Bartolomeu, para mim é difícil dar um diagnóstico sem os exames que se fazem necessários. Por isso, eu insisto com você, para que vá a um médico em Natal, especialista em pescoço.

 

Bartolomeu não concordou com a sugestão do Dr. Simplício e disse que não iria a nenhum outro médico, muito menos em Natal.  Já tinha passado muito tempo longe de sua terra e de seus familiares, e não se afastaria mais dali por motivo nenhum.

 

Nessas alturas, o nervosismo tomou conta de Bartolomeu e ele perguntou ao médico:

 

– Se for câncer, quanto tempo terei de vida, doutor?  Pode dizer, pois não tenho medo de morrer!!!

 

Já irritado com a insistência de Bartolomeu, o médico sentenciou:

 

–Se for câncer, no máximo, seis meses.

 

Bartolomeu saiu arrasado da casa do Dr. Simplício. Não foi a nenhum centro adiantado para se consultar e continuou no interior, com a sua vida normal, de boemia e boas conversas com os amigos. Passou a usar no pescoço, todos os unguentos caseiros que lhe arranjavam, e, aos poucos, seu pescoço normalizou.

 

Quase um ano depois, Bartolomeu, completamente em forma, resolveu voltar à casa do Dr. Simplício, que lhe sentenciara, se fosse câncer, "no máximo, seis meses de vida". Lógico, que não era câncer. Sorte de Bartolomeu.

 

O velho médico costumava passar as tardes na janela de sua casa, olhando o movimento da rua.  Quando Bartolomeu vinha se aproximando, Dr. Simplício o reconheceu, saiu da janela e a fechou bruscamente. Humilhado, Bartolomeu foi ao encontro dos amigos que o esperavam no bar e contou a decepção por que tinha passado. Literalmente, o médico batera a janela na sua cara.

 

Um dos amigos saiu-se com essa tirada:

 

– Não se engane não, Bartolomeu. Esse Dr. Simplício ficou intrigado com você, somente porque você não morreu!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 07 de fevereiro de 2019

A SOMBRINHA

 

A SOMBRINHA

Violante Pimentel

 

Rosilda e Josimar eram casados há bastante tempo e já caminhavam para as Bodas de Ouro. As duas filhas já estavam casadas e haviam lhes dado dois netos.

 

Certa vez, Rosilda tinha saído de casa para assistir à Missa das 6:30 h, como costumava fazer todas as manhãs.  Deixara o marido dormindo e todo coberto. A Igreja não ficava muito longe e dava para ir a pé.

 

Quando já tinha percorrido mais da metade do caminho, o tempo fechou e, como ainda era cedo, Rosilda resolveu voltar ligeiro, para buscar a sombrinha. Ao chegar em casa, abriu o portão da garagem e entrou.  Qual não foi sua surpresa, ao encontrar Josimar e a empregada da vizinha deitados no chão da garagem, transando loucamente. Ao vê-la, Josimar, nervoso, disse a célebre frase:

 

– Não é nada disso do que você está pensando!!!

 

Revoltada, Rosilda foi para a calçada, gritando para quem quisesse ouvir:

 

– Venham ver a cena que encontrei na minha própria casa! Olhem que tipo de marido eu tenho há 45 anos e não sabia!!! Ele é indigno de ter uma esposa como eu!!! Canalha!!! Bandido!!!

 

A empregada da vizinha saiu na carreira, antes que levasse uns bofetões de Rosilda.

 

Desesperada, a mulher telefonou para as duas filhas casadas, contando o que o pai delas tinha aprontado. Desde quando ele vinha fazendo isso, ela não podia imaginar!

 

Dentro de pouco tempo, as filhas chegaram e encontraram a mãe em estado de choque, dizendo que tinha vontade de matar "esse cabra safado"!!! Enquanto isso, o gostosão, safenado e beirando os setenta anos, chorava de vergonha, trancado no escritório.

 

As filhas tentaram acalmar a mãe, dando-lhe uma garapa e até uma dose de "Coramina".

 

Josimar era tão sonso, que, nem de banda, olhava para outra mulher, por mais bonita que fosse. Dizia sempre que, para ele, só existia Rosilda. Os dois eram considerados um casal exemplar.

 

Depois dessa decepção, Rosilda, dona de um gênio muito forte, separou-se de Josimar, que chegou a lhe pedir perdão de joelhos. As filhas imploraram à mãe que o perdoasse, mas não houve jeito.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de fevereiro de 2019

NÃO POSSO VIVER SEM ELA

 

NÃO POSSO VIVER SEM ELA

Violante Pimentel

Estou só, e as lembranças não me deixam sossegada. Procuro desviar o pensamento, mas o redemoinho das recordações me perturba a mente.

Quero contornar essa ausência, neutralizar as lembranças, mas para mim é impossível. Sonhei com ela ontem, e hoje passei o dia todo sofrendo com saudade. Emocionalmente, sempre dependi dela, mas foi impossível continuarmos juntas. Ela enfraqueceu, tornou-se frágil, sem forças, incapaz de me enlaçar com firmeza. Não podia mais me envolver com o seu calor. Impossível evitar o final.

O tempo passou e chegou o momento da separação. Tive que substituí-la por outra. A cada minuto que passa, mais me dói a solidão. À medida que a noite avança, minha inquietação vai aumentando. Está demorando a amanhecer…

A noite está fria e a lua se escondeu com os seus mistérios. As estrelas, em solidariedade à lua, também se esconderam. As recordações longínquas ocupam minha mente. Sua quentura, seu aconchego e até o seu cheiro estão encravados em mim. Ardo de saudade dela, e chego a murmurar:

MINHA QUERIDA E ANTIGA COLCHA DE FLANELA, VOLTA PRA MIM!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho terça, 29 de janeiro de 2019

O NOIVADO

 

O NOIVADO

Violante Pimentel

Dona Nazinha , viúva, tinha uma filha única, Maria das Dores. Ficava louca de preocupação quando Felisberto, seu futuro genro, chegava em sua casa para “noivar”, todas as noites.

Nesse tempo, anos 60/70 do século passado, era tradição as jovens casarem virgens. Também não saíam sozinhas com o pretendente, nem para assistir Missa. Todo cuidado era pouco, e as mães não confiavam nem nas ”batatinhas”.

Astuciosa como todas as mães, Dona Nazinha, para acalmar sua neurose, instalou o seu velho piano na sala de visitas, e no horário nobre do namoro da filha, permanecia executando alguma partitura musical do tempo do “ronca”. Às vezes, para tormento do casal, a distinta senhora resolvia cantar, com sua voz estridente e feia, acompanhando-se pelo instrumento de estimação. Às suas costas, a filha e o noivo, no sofá, namoravam como podiam.

Certa noite, a educada senhora demonstrou cansaço e resolveu deixar o casal a sós, longe da sua fiscalização. Justificou-se, alegando estar com dor de cabeça e que iria tomar um analgésico para repousar. Não se rendeu, e de cinco em cinco minutos, posicionava-se perto da sala, para olhar como estava o “namoro” e ouvir o que os dois pombinhos conversavam. Mas, logo teve uma decepção. Cismada com o silêncio dos namorados, adentrou à sala e viu o casal em pé, abraçado, e num beijo de “desentupir pia”. Os dois nem sequer perceberam a presença de Dona Nazinha, que voltou para o quarto em pânico.

Mais que depressa, a mulher pegou um despertador e programou para que “despertasse” a cada 15 minutos, na entrada da sala. Na cabeça de Dona Nazinha, isso seria uma forma de interromper o que o casal estivesse fazendo. A cena se repetiu por várias noites, até que o noivo, não aguentando mais o controle da futura sogra, resolveu antecipar o casamento.

Para decepção de Dona Nazinha, cinco meses depois do enlace, sua filha foi mãe e ela foi avó de um menino. O impacto da mulher foi grande. Sentiu-se traída miseravelmente pela filha e pelo genro. Viu que fizera papel de idiota, ao tentar fiscalizar o noivado da filha e preservar a sua virgindade.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 21 de janeiro de 2019

O CINE ÉDEN

 

O CINE ÉDEN

Violante Pimentel

 

Paulo Bezerra era o retrato vivo da generosidade. Foi um dos maiores empreendedores de Nova-Cruz, na metade do século passado. Nessa época, na cidade, não havia agência bancária, e os financiamentos para instalação de empresas eram uma utopia.

 

Paulo Bezerra era baixinho, (1,55m) e franzino, mas dono de um grande coração. Era um sonhador e acreditava no futuro. Suas ideias eram ímpares, e ele não contava com assessoria técnica, para lhe dar orientações. Foi o dono do 1º cinema de Nova-Cruz, o “CINE ÉDEN”, cujo palco também serviu à apresentação de peças teatrais e shows. Nesse palco, houve encenação da peça O Avarento, de Moliére, com a troupe do grande artista Procópio Ferreira, além de apresentações de outras companhias de teatro, conhecidas nacionalmente…

 

Além de ter sido o dono do primeiro cinema de Nova-Cruz, Paulo Bezerra também foi dono de uma Gráfica, a única da redondeza, e de um enchimento de bebida, onde ele mesmo fabricava, artesanalmente, Vinho de Jurubeba, que, na época, tornou-se famoso na região.

 

O Cine Éden possuía um prefixo musical, que anunciava o início do filme. “Estrondava” no recinto a Ópera “O Guarany”, de Carlos Gomes. A plateia fazia silêncio total, igual ao que deveria ser feito durante a execução do Hino Nacional. O filme, propriamente dito, era antecedido de episódios de seriados, como TARZAN e JIM DAS SELVAS.

 

A torcida e a gritaria da plateia infantil e juvenil eram grandes. Eufóricos, todos torciam pelos seus heróis.

 

Os projetores não passavam o filme inteiro, e havia intervalos, para que o “rolo” da fita fosse trocado. Fora a troca normal dos rolos de filmes, havia interrupções da projeção, porque a toda hora as fitas se quebravam, A gritaria da plateia era grande, e Ernesto, o encarregado da projeção dos filmes, era xingado de fdp a toda hora. Quando recomeçava a projeção, Ernesto era louvado e aplaudido.

 

Os filmes de Carlitos e os de “O GORDO E O MAGRO”, além dos clássicos com John Wayne, Gary Cooper, Bette Davis, Robert Mitchum e outros, garantiam a frequência dos amantes do cinema

 

Lindalva, esposa de Paulo Bezerra, era a vendedora dos “ingressos”, ou “bilheteira”. A ordem do marido era de que a bilheteria fosse fechada, logo que acabasse a fila de compradores. Simultaneamente, era aberto o portão lateral, que dava acesso à plateia 2, para que a turma da pracinha, que ficava ao lado da Igreja Matriz e em frente ao cinema, pudesse entrar, gratuitamente. Era a “hora dos lisos”, que ocupavam a plateia 2, mais perto da tela, e onde assistiam o filme sentados em bancos, ao invés de cadeiras. A intenção de Paulo Bezerra era beneficiar os pobres e descamisados. Entretanto, a afluência maior, na “hora dos lisos”, era de “pirangueiros”, que preferiam se arriscar a saírem do cinema com torcicolos, por ficarem mal sentados e olhando para cima, do que pagar ingresso para a Plateia!, onde havia cadeiras.

 

Nova-Cruz teve a honra de ter sido berço de Paulo Bezerra, um homem generoso e preocupado com os pobres, que poderia muito bem ser cognominado de “Pequeno Grande Homem”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 20 de janeiro de 2019

MUITO MELHORADA

 

MUITO MELHORADA

Violante Pimentel

 

Dr. Francisco Santos, médico pernambucano, que trabalhava no Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), em Nova-Cruz (RN), nas décadas de 50 e 60, era um homem alto, forte, grisalho, muito vermelho, e simpático. A esposa era parteira e o casal era muito querido na cidade.  Além do atendimento no Posto de Saúde do SESP, na sua casa havia um consultório particular, onde ele atendia pacientes ricos e pobres, indistintamente. Consultava, também, a domicílio.

 

Se o doente não tivesse condições de lhe pagar nada, o atendimento era o mesmo, pois exercia a medicina como se fora um sacerdócio.

 

No atendimento em seu consultório particular, quando se tratava de uma paciente já adulta, o primeiro procedimento exigido pelo Dr. Francisco Santos era um exame ginecológico, feito na hora, antes mesmo de ouvir as queixas da doente, que, frequentemente, se resumiam à garganta inflamada, gripe, dor de estômago ou enxaqueca. Essa sua prática gerava comentários maldosos a seu respeito, e havia quem dissesse que isso fosse enxerimento. Entretanto, os seus dois netos, meninos de dez e doze anos, que passavam férias na sua casa em Nova-Cruz, acompanhavam pelo buraco da fechadura, esses exames ginecológicos, e saíam contando os detalhes aos amigos. Durante esses exames, os netos nunca viram no avô qualquer gesto ou atitude suspeita, que indicasse libidinagem, ou pretensão de se aproveitar das pacientes. Somente depois de muito tempo, o povo se conscientizou de que esse exame ginecológico, exigido pelo Dr. Francisco Santos naquela época, não passava de um exame preventivo, hoje tão comum e necessário.

Portanto, em Nova-Cruz, o Dr. Francisco Santos foi o precursor do exame para prevenção do câncer de útero e outras doenças ginecológicas. Até então, os exames preventivos eram desconhecidos em Nova-Cruz,

 

Uma noite, Dr. Francisco Santos recebeu um chamado, para atender, a domicílio, uma paciente cardíaca, que estava passando mal. O médico viu a gravidade do caso, mas como na cidade não havia hospital, o jeito foi tratá-la em casa mesmo, utilizando os recursos de que dispunha. Com muito esforço, conseguiu tirar a paciente da crise de falta de ar, e deixou a medicação para lhe ser dada novamente, depois de algum tempo.  Retornou à sua casa pela madrugada, preocupado com o estado de saúde da paciente, tendo recomendado ao marido que a levasse, com urgência, a Natal, para uma consulta a um cardiologista.

Mal amanheceu o dia, o médico foi acordado por alguém batendo palmas à sua porta. Era Seu Antônio, o marido da paciente, que viera lhe comunicar o seu falecimento, há alguns minutos. Surpreso e desapontado, Dr. Francisco Santos procurou palavras para confortar o pobre homem, que estava inconsolável, mas somente acertou dizer:

 

"Olhe, Seu Antônio, pode ficar certo de que sua esposa morreu, mas morreu muito melhorada!!! Aquele remédio que ela tomou era muito bom!!! "

 

O médico assinou o atestado de óbito da mulher e entregou ao viúvo, que saiu para providenciar o funeral, sem conseguir entender o significado daquelas palavras. Na sua ignorância, o homem chegou a comentar com algumas pessoas, que Dr. Francisco Santos lhe garantiu que sua esposa tinha morrido muito melhorada... 

Essa história se espalhou e virou piada.

Pouco tempo depois, o médico voltou para Recife, sua terra natal e de sua esposa, e o caso passou a fazer parte do folclore médico da cidade.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 07 de janeiro de 2019

VIOLANTE E DAMARES: COINCIDÊNCIAS NO TRAJAR

 

Senhor Editor,

Boa tarde!,

Veja a coincidência nos “trajes”:

O meu, no lançamento de meu livro “Cenas do Caminho“, em Natal – 28.11.2018, na Academia Norte-Riograndense de Letras, e o da Ministra Damares Alves, no dia da sua posse…..rsrsrs.

Um abraço e um Feliz 2019!

COMENTÁRIO DE LUIZ BERTO, EDITOR DO JBF:

 

R. Minha querida amiga e ilustre colunista do JBF, não vejo motivo algum pra ficarmos espantados com esta coincidência.

É que este povo dos altos escalões governamentais é tudo ligado nesta gazeta escrota.

Eles acessam o JBF todos os dias, ávidos pra saber das fofocas e das novidades.

É evidente que a nova ministra leu aqui a postagem feita no dia 4 de dezembro passado, na qual aparecem fotos do concorrido lançamento do seu livro aí na capital potiguar.

Damares gostou, achou lindo e copiou o modelito que você usava no evento!

Simples assim.

É como eu sempre digo: neste JBF acontece de tudo e mais alguma coisa!

Pra encerrar, um dica:

Quem ainda não leu o excelente livro de Violante, é só fazer a solicitação no espaço dos comentários desta postagem que receberá em casa o seu exemplar autografado pela autora.

Sucesso, minha querida amiga!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de janeiro de 2019

A CRISE

 

A CRISE

A rotina é a maior vilã que existe na vida conjugal. É tão perigosa quanto a infidelidade. Põe fim às paixões violentas, destrói a atração física e até a vaidade do homem e da mulher.

Marleide, casada há oito anos com Vítor, estava insatisfeita com a monotonia do seu casamento. Não tinham filhos, e ela se contentava em cuidar da casa e do marido. A paixão que os uniu já tinha se evaporado, no tempo e no espaço.

Recentemente, Marleide tinha lido numa revista, que o marido lhe trouxera, o benefício que as férias conjugais representavam para o casal em crise. Sobre o assunto, havia depoimentos de diversos médicos, inclusive de um psiquiatra, favoráveis a esse tipo de férias. Todos tinham a mesma opinião de que a insatisfação conjugal era responsável pelo aparecimento de várias doenças, inclusive gastrite e depressão.

Marleide era hipocondríaca e ficou impressionada com o que lera nessa revista, sobre o perigo das crises conjugais. Convencida de que um casamento fracassado poderia adoecer o casal, Marleide resolveu fazer a sua parte. Para tentar salvar seu casamento e preservar sua saúde e a do seu marido, estava decidida a tirar férias conjugais, por período indeterminado.

Para completar sua irritação, naquela tarde, Vitor lhe telefonou, avisando que, depois do trabalho, levaria seu amigo Tiago para jantar, e, por isso, ela caprichasse um pouquinho mais na comida.

Foi a gota d’água. Marleide achava Tiago intolerável. Pernóstico e falante, esse advogado tinha mania de grandeza. Vítor o bajulava, por ser ele de família de políticos. As conversas eram sempre as mesmas, e seu marido dizia “amém” para todas as suas opiniões. Transformara-se num puxa-saco de 1ª grandeza.

Irritadíssima, por Vitor não respeitar sua antipatia por Tiago, Marleide não fez jantar nenhum. Preparou uma bolsa de viagem, e se mandou para Fortaleza, onde residiam seus pais. Resolveu “dar um tempo” ao seu monótono casamento, e refletir sobre os seus sentimentos com relação ao marido. Deixou um bilhete em cima da mesa, dizendo que precisava de férias conjugais. Não disse para onde iria, nem quando voltaria.

Ao chegar em casa, sem amigo nenhum, Vítor não encontrou a esposa, como também não encontrou jantar preparado. Leu o bilhete da mulher e sorriu de felicidade.

Afinal, a revista funcionou… Era o que ele mais queria.

Feliz da vida, ligou para os amigos e foi comemorar sua liberdade.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 28 de dezembro de 2018

A FEDENTINA

 

 
A FEDENTINA

De uma hora para outra, a cozinha da casa de Joana e Mandurico começou a exalar um mau cheiro terrível! A patroa escalou a cozinheira para descobrir de onde vinha o odor fétido. Nada foi encontrado e o fedor persistiu. Foi a vez da copeira se encarregar de descobrir de onde vinha o mau cheiro. Ela e a cozinheira se empenharam na caça à catinga e não obtiveram êxito. Limparam a casa toda, os móveis, o fogão e a geladeira, mas o mau cheiro de coisa podre persistia. No dia seguinte, ainda estava pior.

No terceiro dia, quando Mandurico chegou do trabalho, ensaiou dar um escândalo com a mulher, por causa do mau cheiro que continuava. Não admitia uma coisa daquela, se ele pagava à cozinheira, arrumadeira, lavadeira e engomadeira, para não ter preocupação. Não tinha cabimento ele ainda encontrar a casa fedendo.

 

A mulher se voltou contra o marido, pondo a culpa no desleixo das serviçais. Ao mesmo tempo, reconheceu que estava sendo injusta com elas, pois, conjuntamente, tinham feito uma faxina geral na casa, todas empenhadas em descobrir o foco do mau cheiro.

Mandurico ameaçou dispensar todas as serviçais, caso o problema não fosse resolvido no prazo de 24 horas. Houve choro e uma revolta conjunta, das empregadas e da patroa.

A casa estava visivelmente limpa e encerada com Cera “Parquetina”; os móveis estavam lustrando e cheirando a óleo de Peroba, e o terrível mau cheiro persistia.

No dia seguinte, Joana acordou às cinco horas da manhã e trouxe dois vidros de perfume francês, de 100 ml, para ela mesma espalhar pela cozinha e pelo resto da casa.

Para Joana, o efeito do perfume foi ótimo. Neutralizou, momentaneamente, o fedor. Mas o marido não gostou. Ao descer para tomar café, ele mesmo saiu farejando pela casa toda, com um lenço tapando o nariz, para não vomitar. A mistura do perfume francês, com o mau cheiro entranhado na casa, irritou ainda mais Mandurico.

Aos gritos, o homem teve um acesso de raiva:

-Jogaram perfume numa ruma de cocô!!!

Muito irritado, o dono da casa começou a revirar a cozinha. Puxou todas as gavetas de um móvel, onde eram guardados os panos de prato, e, numa delas, encontrou um ninho de ratos mortos e podres.

Ele mesmo costumava, antes de ir dormir, colocar perto desse móvel alguns pedacinhos de queijo com raticida, para acabar com os ratos que invadiam a cozinha de sua casa, através de um pergolado.. Vinham de um terreno baldio, que havia ao lado. Pela lógica, os ratos comiam o queijo envenenado e entravam numa das gavetas do tal móvel.

A culpa foi do patrão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 21 de dezembro de 2018

A NOVATA

 

 

A NOVATA

Era o final da década de 60. Maria tinha chegado de Nova-Cruz, pela manhã, para trabalhar como empregada doméstica, em Natal, na residência do casal Ângela e Nelson. Saiu diretamente das brenhas daquela cidade, para a capital, onde os costumes e até as comidas eram um pouco diferentes.

Antes da chegada do progresso ao interior nordestino, as jovens da roça chegavam para trabalhar em Natal, sem nunca terem visto Coca-Cola, geladeira, chuveiro,  ventilador, fogão a gás, ferro elétrico ou piscina.

A primeira vez que viu o mar, Maria perguntou à patroa, se aquilo era um açude do governo.

Ao ver a piscina da casa de um casal amigo dos patrões, ficou impressionada e confessou que, até aquele dia, nunca tinha visto um “barreiro” tão bonito (barreiro é um pequeno açude, feito para amenizar a seca nordestina).

Ao lhe ser oferecido, pela patroa, um copo de Coca-Cola, timidamente, Maria recusou, procurando se justificar:

– Eu não quero esse vinho, não. Tenho medo de ficar “beba”. E não houve jeito de tomar a Coca-Cola.

De água gelada, a moça disse que já tinha ouvido falar, mas nunca tinha visto. Mas não gostou de conhecer. Dizia que sentia dor nos dentes, com a frieza da água.

No dia em que Maria chegou em Natal, Ângela, a patroa, tinha feito uma caçarola de calda de ameixa, para decorar um pudim e um manjar, que seriam servidos no dia seguinte, aniversário do seu marido. Essa caçarola com a calda de ameixa, já pronta, passou o dia todo em cima do fogão, devidamente tampada.

A dona da casa passou o dia desempenhando outros afazeres e somente à noite desenformou o pudim e o manjar nos respectivos pratos. Em seguida, foi buscar a caçarola da calda de ameixa, para decorar as duas gostosas iguarias, que estavam “na moda”. Encontrou o fogão limpo, coberto com um pano bordado, e nem sinal da caçarola com a calda de ameixa. A patroa viu o referido utensílio doméstico lavado e pendurado no tripé de alumínio, na época, usado para esse fim. Imaginou que a nova empregada houvesse guardado a calda de ameixa em algum recipiente e procurou nos lugares onde poderia estar. Não a encontrando em lugar nenhum, a mulher resolveu chamar a empregada, que, por sinal, já estava recolhida aos seus aposentos. O jeito foi bater na porta do quarto de Maria, para perguntar onde ela tinha guardado o conteúdo da caçarola. A empregada levantou-se sonolenta e respondeu que não tinha mexido em nada; não sabia de nada, nem tinha visto nada daquilo, que a patroa estava lhe perguntando.

A dona da casa segurou a caçarola vazia e mostrou à empregada, dizendo:

-Maria, a calda de ameixa estava aqui, nesta caçarola que você lavou!!! Onde foi que você guardou?

A moça ficou pensativa, olhando para o teto da casa, como quem estava procurando a resposta. Parecia um aluno traquino, que não estudou a lição. e estava sendo interrogado pela professora.

Encabulada e sem olhar nos olhos da patroa, Maria perguntou:

– Dona Ângela, era um negócio preto, da cor de piche, com um caldo grosso, que “tava” dentro dessa panela, em riba do fogão?

Depois da patroa dizer que sim, Maria confessou:

-“Apois”, eu “avoei” tudo no mato. Pensei que fosse coisa “pôde” e não tive nem coragem de cheirar. Não sabia que aquilo se comia.

Ângela, mesmo contrariada, explicou que aquilo era uma calda de ameixa, que se usava para acompanhar sobremesas.

A resposta de Maria:

-Nunca ouvi falar, na minha vida, nessa tal de “almeixa”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 14 de dezembro de 2018

SABUGO

 

 
SABUGO

Toda cidade do interior possui suas figuras folclóricas, cujas lembranças se eternizam na nossa memória. São figuras que nos causavam medo, mas, ao mesmo tempo, nos divertiam.

Em Nova-Cruz (RN), Sabugo era uma dessas figuras. Seu nome era Daniel, porém era mais conhecido por esse apelido, devido à cor da sua pele, meio rajada de sarnas, em cima de um branco desbotado. Nascera com um atraso mental, que o acompanhou por toda a vida.

Sabugo tinha loucura por caminhão. Passava horas sentado, em frente à usina de beneficiamento de algodão, observando o carregamento dos caminhões, que transportavam o produto para outros estados. Ficava fascinado com o barulho dos motores e vivia imitando esse barulho e a buzina, com a sua voz estridente. Já adulto, só andava correndo, girando os braços para frente e para os lados. simulando curvas, como se estivesse segurando a direção de um caminhão. Corria, freava, fazia de conta que ligava a ignição, e assim passava a maior parte do seu tempo, sem fazer mal a ninguém e vivendo num mundo imaginário.

Por brincadeira, certa vez, um mecânico, dono de uma velha sucata, deu-lhe “de presente” uma direção de caminhão, danificada e imprestável, que alguém havia jogado no lixão. Sabugo ficou radiante com o presente e seu gosto por caminhão aumentou mais ainda. Continuou correndo pelas ruas da cidade, agora muito orgulhoso, “dirigindo” seu caminhão imaginário, e imitando, agora com a voz ainda mais forte, a buzina e o barulho do motor.

Na sua debilidade mental, Sabugo se sentia possuidor de um caminhão, como se tivesse alcançado o seu maior ideal. Passou a correr mais ainda pelas ruas da cidade, feliz da vida, segurando a direção velha que ganhara de “presente”. Às vezes, chegava a se enveredar pela estrada afora, até se cansar e adormecer debaixo de alguma árvore frondosa.

Sabugo era conhecido em toda a redondeza e todos o protegiam, exceto os moleques de rua.

Quando ainda nem se falava em “bullyng”, Sabugo já era vítima dessa covardia. O seu apelido o deixava completamente perturbado, quando proferido em tom de deboche, pelos moleques da cidade, que o vaiavam sempre, ao vê-lo correndo pelas ruas, “dirigindo” seu caminhão imaginário.

Certo dia, diante das vaias humilhantes dos moleques, Sabugo teve uma reação inesperada. Cheio de ira, baixou o calção e, com a duas mãos, segurou os órgãos genitais, exibindo-os para o lado dos seus algozes. Essa reação se tornou frequente, sempre que era vaiado. Apesar dessa atitude obscena, que caracteriza crime de atentado ao pudor, Sabugo tinha o atenuante de ser inimputável, perante a lei.

Essa sua reação tornou-se frequente, sempre que os moleques da rua o vaiavam. Por ser portador de debilidade mental, as pessoas da cidade o defendiam e intercediam em seu favor, repreendendo a molecada canalha. Essa situação vinha passando incólume, até ser presenciada por um grupo de religiosas do Colégio de Nova-Cruz, causando um desmaio em uma das freiras, que precisou de atendimento médico. A partir de então, Sabugo foi levado para um hospital psiquiátrico em João Pessoa (PB), onde permaneceu em tratamento, durante vários meses.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 08 de dezembro de 2018

O INFRATOR

 

O INFRATOR

Josivaldo, CD (come e dorme), rapaz de família rica, estacionou o carro em local proibido. Um guarda de trânsito que estava de serviço, aproximou-se e exigiu do infrator a apresentação da Carteira de Habilitação e os documentos do carro.

Visivelmente alcoolizado, Josivaldo negou-se a apresentar os documentos solicitados e proferiu impropérios contra a autoridade do trânsito. Logo se formou uma platéia de curiosos e as gargalhadas ecoaram no ar.

Ao sentir-se apoiado pela platéia, Josivaldo se encheu mais ainda de razão. Aumentou o tom da voz e também os insultos contra o guarda, chegando a dizer:

– Homem vai te “rear”!!!

O guarda, então, usou dos seus direitos. Chamou uma viatura policial e conduziu o infrator à Delegacia Distrital.

O Comissário de plantão, muito mal humorado, quis saber o que tinha havido. O guarda de transito relatou que aquele homem havia estacionado seu veículo em local proibido, e se recusara a apresentar os documentos de praxe. Além disso, chegara a desacatá-lo, mandando-o “se rear”.

O Comissário encarou o infrator e perguntou o que o levado a desrespeitar as normas do trânsito.

A resposta foi rápida:

– Estaciono onde quero. A rua é pública. Se estiver achando ruim, vá se “rear” também!!!

A vontade do Comissário foi jogar o infrator no xadrez e mandar que lhe fosse aplicado um corretivo.

Com o Livro de Ocorrências na mão, o homem perguntou ao infrator:

– Qual o seu nome completo?

O infrator respondeu:

– Marcolino Alves.

O Delegado ia passando na hora e, ao ouvir o nome do infrator, gritou:

– Soltem esse homem, imediatamente!!!

A ordem foi cumprida e o infrator foi levado à sala do Delegado, que, muito nervoso, desculpou-se:

– O senhor está coberto de razão, por ter se chateado com o guarda de trânsito. Ele foi muito infeliz, tratando o senhor tão mal, por causa de uma infração de trânsito tão leve. Nós não o ensinamos a agir assim. Ele vai ser punido, por abuso de autoridade!!! O senhor é um homem fino e é da família do Governador!!! Queira desculpar!!!

Nesse ínterim, o Guarda de Trânsito já ia se afastar, quando o comissário perguntou:

– Pra onde o senhor está indo?

Humilhado, o Guarda respondeu:

– O infrator mandou que eu fosse “me rear” e é o que vou fazer, antes que a coisa complique pro meu lado.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 30 de novembro de 2018

MEDO DE DOENÇA

 

 
MEDO DE DOENÇA

Dona Dalva tinha muito medo de doença. Por isso, era viciada em remédios. Diariamente, ia à farmácia e só saía de lá, depois que o “farmacêutico” lhe vendia um remédio para a dor que estava sentindo. Cada dia era uma dor diferente. Entretanto, dizia que os remédios eram faca de dois gumes. Serviam para uma coisa e provocavam outra. Cada remédio tinha o seu efeito colateral.

 

 

Todo remédio que tomava, Dona Dalva achava que tinha lhe atacado o fígado, os rins, o estômago, ou qualquer outro órgão.

Em sua casa, havia uma “farmacinha” branca, com uma cruz vermelha desenhada, pendurada na parede do seu quarto, Ali ela mantinha estoque de remédios paliativos, como analgésicos, pomadas, colírios, antiácidos, remédio para gases, mertiolate e outros.

Impressionada com doença, a mulher só se sentia segura, se, diariamente, tomasse um remédio, seja para qual doença fosse. Seu assunto principal eram as dores que sempre dizia sentir. Para facilitar sua “neurose”, Dona Dalva já andava com uma lista das dores que sentia, para mostrar ao “farmacêutico”, ou apenas aos empregados de farmácias. Dizia que sofria de todas as doenças simples, como:

“Amidalite”, otite”, apendicite, faringite, azia, gases, prisão de vente ou dores de barriga, quando comia rabada ou feijoada em excesso. Para completar a lista de doenças, dizia que não podia ter uma contrariedade, pois lhe dava uma agonia na “cumeeira da cabeça”.

Dona Dalva gostava de recomendar dietas alimentares às pessoas. Dizia que não se devia misturar certos alimentos, pois algumas combinações poderiam se transformar em veneno, levando a pessoa à morte. Por exemplo:

-Manga com leite fazia mal;

-Manga com cachaça se transformava em veneno;

– Melancia, melão, jaca e talo de abacaxi eram indigestos, e assim por diante.

-A carne de porco era condutora da tênia solitária, responsável pelo aparecimento de tumores no cérebro.

A mulher tomava remédio para o coração, mas o remédio atacava-lhe os rins. Tomava remédio para os rins, que lhe causava desarranjo intestinal, e o remédio para esses desarranjos terminava lhe provocando prisão de ventre..

Pela manhã, quando o farmacêutico a via entrar na farmácia, sabia que a “lengalenga” sobre doenças imaginárias seria grande.

Dona Dalva começou a entrar em pânico, por causa dos males imaginários que dizia sentir. Foi morar com uma filha, em outra cidade, com medo de morrer a qualquer momento. Os anos se passaram, e vinte anos depois, chegou a notícia de que Dona Dalva havia morrido, com mais de noventa anos.

Quando o farmacêutico soube, ficou penalizado e lamentou?

-Com tanta doença que pensava ter, Dona Dalva terminou morrendo de velhice. Seu mal era apenas “sistema nervoso abalado.”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 24 de novembro de 2018

O FILME

 

O FILME

Violência significa agressão, desrespeito e transgressão à lei, como também significa o ato de violentar.

O índice da violência aumentou nas últimas décadas, tanto em relação ao idoso, como em relação à população em geral. Ocorre a qualquer hora e em qualquer lugar, inclusive em teatros e cinemas.

Não tem coisa mais intolerável do que duas pessoas juntas no cinema, na fila atrás da nossa, comentando o filme o tempo todo, ou batendo com o pé na nossa cadeira.

Já vi discussões e brigas feias no cinema, por causa disso. Quando o incomodado é calmo, procura mudar de cadeira. Mas quando é afobado, reclama em voz alta, chegando a chamar de “mal educado”, o espectador que não respeita quem está sentado à sua frente. A discussão continua, às vezes transformando-se numa briga.

Certa vez, num cinema de Natal, um casal de idade madura entrou, quando o filme já havia começado. Os lanterninhas estavam distantes e a escuridão do ambiente dificultava a visibilidade. O casal entrou “tateando”, sem enxergar direito as cadeiras.

De repente, sem querer, “abalroou” um indivíduo que estava saindo. Embriagado e enfurecido, o “abalroado” deu um empurrão no casal, jogando, marido e mulher, por cima dos espectadores que estavam sentados. Além do empurrão, o “valentão” chamou o casal de “velhos dementes e cegos”, chegando a gritar que “lugar de velho é fundo de rede”. Vários espectadores se levantaram para acudir o casal, que continuava sendo xingado.

A desumana e desrespeitosa agressão provocou a revolta da plateia, e vários espectadores compraram a briga, defendendo o casal, das garras do agressor. O rapaz, visivelmente embriagado, parecia estar possuído pelo espírito do mal. Distribuía pesadas e empurrões com os defensores do casal. Nessa altura do acontecimento, a luz da plateia foi acesa.

Finalmente, o “valentão foi imobilizado pelos seguranças do cinema, auxiliados por alguns espectadores, e conduzido ao Distrito Policial do Bairro. Mesmo amarrado, o agressor continuava xingando o casal e dizendo palavrões com todos.

Ao chegar ao Distrito Policial, o “valentão” experimentou xingar também os policiais e o delegado, mas se deu mal. Além de ser instaurado contra ele, o competente Inquérito Policial, foi trancafiado no xilindró, “para se acalmar”, por ter sido preso em flagrante delito.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho terça, 20 de novembro de 2018

TESTE

TESTE


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 17 de novembro de 2018

O QUEIMA

 

O “QUEIMA”

Décadas atrás, entrando pelo século passado, as lojas não faziam promoções. Faziam “queimas”.

Em Natal, o povo esperava, com ansiedade, o “queima” semestral das Lojas Paulista, Casas Cebarros e outras lojas tradicionais da cidade. Era possível se comprar tecidos, lençóis, toalhas e outros artigos, por preços baratos, com pagamento à vista.

 

As tentadoras “parcelinhas”, dos cartões de crédito, só apareceram muito tempo depois.

A modernidade trouxe vantagens e desvantagens para o povo. Entretanto, ainda há pessoas que sentem saudade dos antigos “queimas”, quando o freguês tinha que ter o dinheiro na mão, para poder comprar.

Em 1956, o Diners chegou ao Brasil, sendo, inicialmente, um cartão de compra e não um cartão de crédito. Em 1968, foi lançado o primeiro cartão de crédito de banco, o Credicard, e em 1971 foi fundada, no Rio de Janeiro, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços – ABECS.

Antes do advento do cartão de crédito, o poder aquisitivo do povo era menor, mas, em compensação, havia mais controle entre os compradores. Com as facilidades proporcionadas pelos cartões de crédito, as pessoas passaram a ser induzidas a comprar cada vez mais, para pagar em “parcelinhas”.

Atualmente, com as constantes promoções, as lojas atraem centenas de pessoas por dia, incluindo compradores compulsivos. Confiando nas parcelinhas do cartão de crédito, nesse momento, eles esquecem suas limitações financeiras e comprometem o orçamento doméstico.

Dizem os estudiosos, que os compradores compulsivos, estimulados pelas “parcelinhas” dos cartões de crédito, entram nas lojas com o olhar sereno e depois de cinco minutos, diante das “promoções”, o “pisco” dos olhos acelera, acentuadamente. No final das compras, quando já estão no caixa, subscrevendo as dívidas contraídas, esses “piscos” atingem seu ápice, como se o “freguês” houvesse sido acometido por uma enfermidade ocular.

A inadimplência do comprador compulsivo poderá resultar em angústia e depressão, se ele tiver boa índole. Caso contrário, passará a encarar a inadimplência com naturalidade.

Os devedores compulsivos, quando se tornam inadimplentes, procuram contrair empréstimos, aumentando ainda mais suas dívidas. É o que se chama, na linguagem popular, procurar “cobrir um santo, descobrindo outro.”

O bom é evitar a tentação das promoções e das “parcelinhas” dos cartões de crédito, pois, como diz o ditado popular, “quem não pode com o pote, não pega na rodilha”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 09 de novembro de 2018

BELEZA INTERIOR

 

BELEZA INTERIOR

Nem sempre uma pessoa bonita, fisicamente, reúne todas as grandes qualidades que a tornariam perfeita. Às vezes, a pessoa é somente bonita e nada mais. Falta-lhe cultura, educação, bom caráter e simplicidade. Entretanto, há casos raros, em que uma pessoa é bonita por dentro e por fora. É a tal da beleza interior, que não interessa somente aos “decoradores de ambiente”.

Pois bem. Belisário considerava Maura, sua esposa, a mulher ideal. Aquela mulher que todo homem gostaria de ter ao seu lado. Para não ser perfeita, Belisário achava Maura bonita demais para ele. Era seu único defeito.

Baixinho, usando óculos de grau do tipo “fundo de garrafa”, narigudo, careca e muito magro, Belisário tinha complexo de feiura. Por isso, preferia que a esposa fosse menos bonita e não tivesse atributos físicos tão acentuados. Por outro lado, não podia negar que se sentia orgulhoso, por ser casado com uma mulher linda como Maura. Além da beleza física, sua esposa reunia qualidades, como bom caráter, simpatia, cumplicidade, bondade, além de ser totalmente dedicada a ele e aos filhos. Não jogava problemas corriqueiros em cima dele, tomando, ela mesma, providências para resolvê-los.

Maura procurava contornar todas as dificuldades da vida e não dava valor aos bens materiais. Para ela, a beleza interior valia mais do que tudo nesse mundo.

O casal vivia em plena harmonia. Aos domingos, os dois iam à Missa das 9 horas, levando com eles os dois filhos de 7 e 9 anos.

Na realidade, o que tinha Maura de bonita, tinha Belisário de feio. Ele se sentia humilhado, quando iam à praia, e ela, mesmo com um maiô discreto, deixava homens e mulheres boquiabertos. Sabia que destoava fisicamente de Maura. Perto dela, sentia-se um tipo insignificante.

Maura era alta, de pele morena clara, ancas largas, seios fartos e chamava atenção pela sua elegância.

Certa vez, em conversa com Bento, seu melhor amigo e colega de trabalho, depois de tomar algumas cervejas, Belisário confessou o seu complexo de feiura. Chegou a manifestar vontade de se separar da esposa, por causa disso.

O amigo quis convencê-lo de que ele não era feio, mas foi em vão. Embriagado, Belisário abriu as torrentes, chorou e disse que Maura chamava a atenção até de mulheres e pessoas idosas. Parecia uma misse. Disse que tinha a impressão de que todas as pessoas sentiam pena dela, por ser tão bonita e ter se casado com um homem horroroso como ele. E não parava de elogiar a mulher:

– Saiba, amigo, que minha mulher tem beleza natural. Nem ao menos se pinta. Nunca vai à academia, cabeleireiro, manicure, nem usa cosméticos. Usa sabonete no corpo e até na cabeça. Nem Xampu ela usa. Seu perfume é natural, igual ao da Gabriela de Jorge Amado, com seu cheiro de cravo e canela.

O amigo, cheio de cerveja e já irritado com a “lenga-lenga”, falou:

– Pois, quando ouço você falar isso tudo, fico revoltado com Rosilda, minha mulher. Quanto mais a danada gasta pra ficar bonita, mais feia fica. Tenho uma proposta pra lhe fazer, Belisário:

– Vamos trocar de mulher, amigo???

Belisário não gostou da proposta e retirou-se indignado. A partir desse dia, cortou relações com o amigo Bento.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 02 de novembro de 2018

O MARIDO MANSO

 

 
O MARIDO MANSO

Antonino, como todos os homens traídos, era um marido manso, incapaz de levantar a voz para a esposa Bernadete, ou para quem quer que fosse. Dizia aos amigos que sua mulher era uma santa, e que os dois eram muito felizes. Quando dava as costas, suas palavras serviam de chacota, pois todos sabiam que a coquete e bonitona mulher não era confiável e tinha um comportamento suspeito. Flertava abertamente com os amigos do marido, e isso era o mínimo que ela fazia. Em suma, Antonino levava mais chifres do que pano de toureiro.

Certa tarde, Antonino saiu do escritório mais cedo. Querendo fazer uma surpresa, antes de ir para casa, entrou numa doceria e comprou uma torta de abacaxi para levar para a mulher. Era a sua torta preferida.

Ao chegar em casa, foi direto colocar a torta na geladeira. Não viu Bernadete, mas ouviu sua voz e sua risada, falando com alguém ao telefone, dentro do quarto do casal. Como sempre fazia, foi até onde estava a mulher, que se assustou e demonstrou irritação pela sua chegada inesperada. Bernadete abafou o telefone e disse para o marido:

-Quer me matar de susto? Entrou silencioso como um ladrão! Estou conversando com Rosanália. Ela está me contando um filme ótimo, que assistiu na televisão. Uma comédia nacional.

Antonino sentiu algo estranho no ar. Nunca tinha desconfiado da mulher, mas, dessa vez, ficou de orelha em pé. Achou muito estranha a reação dela ao notar que ele havia chegado. Em vez de demonstrar alegria, Bernadete mostrou-se irritada, chegando a ser grosseira com ele. Antonino saiu do quarto pensativo e a mulher continuou falando ao telefone, agora em tom muito alto, como quem queria mostrar que estava conversando mesmo com a amiga:

-Desculpe, Rosanália! Foi Antonino que chegou. Amanhã eu te ligo. Vamos combinar para almoçarmos juntas, quando você se curar dessa virose.

Bernadete desligou o telefone e disse para Antonino que a amiga Rosanália havia sido acometida de uma virose, e estava em casa, repousando.

Na mesma ocasião, alguém tocou a campainha da porta e Antonino mesmo foi abrir. Era Rosanália, saudável e eufórica como sempre, que viera visitar Bernadete.

O destino é imprevisível. A chegada de Rosanália foi uma péssima surpresa para Bernadete e uma grande decepção para Antonino.

Desse dia em diante, o marido manso acordou para a realidade.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de outubro de 2018

A ARTRITE

 

 
A ARTRITE

A artrite é uma inflamação das articulações, com desgaste da cartilagem, que gera sintomas como dor, deformidade e dificuldade nos movimentos. Em geral, seu tratamento é feito com medicamentos, fisioterapia e exercícios, e, em alguns casos, com cirurgia. É uma enfermidade que não mata, mas maltrata, e é muito comum nos dias atuais.

Pois bem. Na época em que os religiosos cumpriam votos de pobreza, vestiam batina e usavam transporte coletivo, Padre Belizário, muito conhecido em Natal, sempre andava de ônibus, para fazer visitas às Paróquias da periferia. Durante o percurso, evitava conversar com estranhos, procurando ler a Bíblia, que sempre levava consigo.

De pouca conversa e irritado por natureza, certa vez, esse padre teve a “sorte” de ver sentar-se ao seu lado, num transporte coletivo, um bêbado, sujo e mal cheiroso, que insistia em puxar assunto com ele. Essa figura entrou no ônibus tombando e tossia bastante. A cada solavanco do ônibus, o bêbado tombava para o lado do padre, que o empurrava irritado. O padre abriu Bíblia e fingiu estar lendo. Mas o bêbado não parava de interromper a leitura do vigário, sempre cutucando o seu braço:

-Padre, que horas são no seu relógio?

E o padre, secamente, respondeu: – São 14 horas.

-Padre, já viu que calor???

O padre balançou a cabeça, afirmativamente, e fixou os olhos na Bíblia, fingindo concentrar-se na leitura.

De repente, o bêbado interrompeu, novamente, a leitura do padre:

-Seu Padre, o senhor sabe o que é artrite?

Chateado, o padre respondeu:

-É uma doença muito grave, que dá nas pessoas cachaceiras, farristas e irresponsáveis.

Assustado, o bêbado perguntou?

-Essa doença mata, padre?

O padre respondeu, irritado:

-Mata e mata muito rápido. Se o doente não parar de beber, morre logo. Não dura seis meses. É galopante mesmo.

Ao ouvir a resposta do padre, o bêbado entrou em pânico:

-Padre, o senhor jura que isso é verdade? Artrite mata ligeiro assim?

O Padre respondeu?

-Pode acreditar, em nome da Cruz de Cristo, que artrite mata muito ligeiro. Não tem cura! E o pior: Quem morre de artrite, vai direto arder no fogo do inferno! Vai se encontrar com Satanás, na mesma hora!!!

O bêbado começou a chorar e depois falou:

-Ô meu Deus!!! Coitadinho dele, Padre! Vai morrer logo. Ele bebe vinho todo dia!!!

O padre, já cheio de tanta chateação, disse:

-Pois trate logo de se tratar e não beber mais nada! Se não, você vai morrer já, já. E vai se encontrar com Lúcifer!!!

O bêbado, com a voz trêmula, respondeu:

– Eu estou bonzinho, seu padre. Quem está com artrite é o Papa. Eu ouvi a notícia no rádio…

O padre levantou-se e foi sentar-se mais na frente.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 19 de outubro de 2018

O INTERROGATÓRIO

 

 
O INTERROGATÓRIO

A vida imita a arte, muito mais do que a arte imita a vida… (Oscar Wilde)

“A Escolinha do Professor Raimundo”, programa do saudoso e genial humorista cearense, Chico Anysio, durante anos encantou os telespectadores brasileiros. Nesse programa, entre outros personagens hilários, havia um que se destacava: “Seu Rolando Lero”. As reações desse personagem, coincidentemente, eram idênticas às de algumas pessoas, arroladas como testemunhas, em processos criminais.

 

 

Esse caso ocorreu há várias décadas, numa Comarca do interior do Rio Grande do Norte.

Foi cometido um homicídio em Serra Negra do Norte (RN), em plena via pública e em frente à principal Barbearia da cidade, frequentada por fazendeiros ricos, chefes políticos e outras pessoas importantes da comunidade. Ali, era o ponto de encontro, onde tudo que acontecia na cidade, de bom ou de ruim, era comentado.

O barbeiro Manoel Divino, proprietário da barbearia, foi arrolado como principal testemunha do crime, no inquérito e na denúncia, para ser ouvido em Juízo.

No dia da audiência de instrução e julgamento, o barbeiro compareceu ao Fórum, visivelmente nervoso. Aguardava, com ansiedade, a sua vez, para relatar ao Juiz, na presença do Promotor de Justiça, do Advogado e do Escrivão, e de todos os interessados no processo, o que sabia informar sobre o fato criminoso.

Iniciada a audiência, o Juiz perguntou à testemunha:

– O que a testemunha sabe dizer, sobre o crime ocorrido em frente à sua barbearia, e a morte de Antônio Bento da Silva, na tarde de 10 de março do corrente ano?

Demonstrando uma grande surpresa, o barbeiro respondeu, com voz trêmula:

– Doutor, o senhor está dizendo que o meu compadre Antônio Bento morreu? Mataram o meu compadre???– Juro que estou sabendo desse acontecimento infeliz, agora. Pode acreditar, Dr. Juiz, que eu não sabia dessa tragédia! Então, o meu compadre, amigo e melhor cliente morreu e eu não fui avisado?!!!

Ato contínuo, a testemunha puxou um enorme lenço do bolso da calça e disparou num choro compulsivo, abrindo as torrentes e ensopando o lenço de lágrimas.

O barbeiro, principal testemunha arrolada, não teve mais condições psicológicas para dar o seu depoimento, indispensável na elucidação do fato criminoso. .

O Juiz dispensou a testemunha, marcando outra data para ouvir o seu valioso depoimento, sem tanto nervosismo.

A cidade inteira sabia que Manoel Divino tinha sido testemunha ocular do crime. Seu depoimento seria de suma importância nos autos.

Essas cenas imprevistas, em que as testemunhas são acometidas de surtos nervosos, são comuns, quando elas são ameaçadas pela parte contrária ou, praticamente, são obrigadas a depor. Ninguém gosta de ser testemunha, principalmente em processos criminais. Por isso, é fato comprovado, que, mesmo jurando dizer a verdade, é comum as testemunhas omitirem, nos depoimentos, detalhes importantes por elas testemunhados, e que, por si só, bastariam à elucidação do crime… Essas omissões prejudicam o julgamento dos processos, e tornam a justiça mais lenta..


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 12 de outubro de 2018

TEM GENTE!!!

 

 
TEM GENTE!!!

Era dia de eleições municipais. Nas cidades do interior, os caminhões começavam a transportar, ainda pela madrugada, os eleitores da zona rural, que votariam nas zonas eleitorais da cidade.

Nesse tempo, as cabines de votação eram verdadeiros quartinhos fechados, e o voto era mesmo secreto. O eleitor ficava mais à vontade, para votar.

Muitos eleitores da zona rural só sabiam assinar o nome. Eram semianalfabetos e os votos eram de cabresto, fiscalizados pelos políticos e donos de propriedades rurais, onde eles trabalhavam. Era fácil votar, pois bastava colocar um “X” no quadrinho ao lado do nome do candidato escolhido e depois colocar na urna eleitoral. A apuração dos votos era manual e demorada. O resultado das eleições somente era divulgado, no mínimo, dois ou três dias depois.

Para votar, a matutada vinha para a cidade, vestida com a melhor roupa que tivesse. Os homens que tinham paletó, iam votar todos enfatiotados. O dia da eleição era um dia de festa, nas cidades do interior.

Em Nova-Cruz (RN), a prefeita em exercício abria as portas de sua enorme casa, oferecendo ao eleitorado de cabresto, comida farta, ponches e água para beber, à vontade.

Da mesma forma, acontecia na casa do candidato da oposição. Era o dia em que a pobreza aproveitava para se empanturrar de comida, tirando, literalmente, a barriga da miséria.

Havia eleitores inescrupulosos, que aproveitavam o dia da fartura e enchiam a barriga, exageradamente, com tudo o que havia de comida boa, nas casas dos candidatos dos partidos da situação e da oposição. O PSD e a UDN eram os partidos principais. Os eleitores chegavam a se empanzinar com tanta comida. Essa fartura durava até o fim do dia. Ainda havia almoço farto, em algumas casas de outros cabras eleitorais dos dois partidos.

Havia, nesse tempo, as fraudes de se entregar a chapa ao eleitor já marcada, como também de se trocar a chapa que o eleitor levava para lhe servir de modelo, por outra do outro partido, com o nome do outro candidato. Essas fraudes eram feitas por pessoas que faziam “boca de urna”.

Fora isso, ainda havia as famosas “BREJEIRAS”, nome que se dava ao “roubo” de urnas, depois do encerramento das eleições. Essas “brejeiras”, onde os votos eram trocados, eram chefiadas por verdadeiras quadrilhas, especializadas em fraudes eleitorais, compostas por “gente grossa”, incluindo políticos e advogados.

Conta-se que em uma conhecida cidade do interior nordestino, um matuto entrou na cabine para sufragar o seu voto, sentindo cólicas intestinais. Não deu tempo de olhar para a chapa, e só lhe restou se acocorar e evacuar ali mesmo. Para se higienizar, fez uso da chapa eleitoral onde teria que marcar seu candidato com um X e de santinhos de diversos candidatos, que trazia no bolso.

Quando o mesário bateu na porta da cabine, avisando que seu tempo de votação havia se esgotado, o eleitor gritou:

-TEM GENTE!!!

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 05 de outubro de 2018

A INJÚRIA

 

 
A INJÚRIA

Injúria é a ação de ofender a honra e a dignidade de alguém. Em termos penais, o direito define a injúria como um dos crimes contra a honra, assim como a calúnia e a difamação.

O crime de injúria está previsto no artigo 140 do Código Penal (CP), e a queixa crime por injúria pode gerar condenação, com pena de 1 (um) a 6 (seis) meses de prisão e multa.

Esse caso ocorreu há décadas, numa determinada audiência, quando o Juiz ouvia o depoimento de uma testemunha de defesa, em processo de crime de injúria.

A acusação que pesava contra o constituinte do grande criminalista José Moreno, era a de que o acusado havia chamado o autor da representação de “PEDERASTA”. O autor tratava-se de um conhecido vereador da cidade, candidato à reeleição.

O Ministério Público estava ali representado por uma Promotora de Justiça, no início da carreira, muito séria e cerimoniosa, que demonstrava absoluto respeito aos circunstantes.

O crime de injúria, para ser provado, exigia perguntas indiscretas e respostas claras, no sentido de inocentar o réu. O Juiz começou a ouvir o depoimento de uma testemunha de defesa, empregado de uma mercearia, que tinha pouco estudo. O réu seria inocentado, caso a prova da pederastia de que era portador o autor da representação viesse para o processo.

Mesmo se esforçando, para manter o equilíbrio da seriedade da audiência, o advogado de defesa, com muita ética profissional, fez, através do juiz, a seguinte pergunta:

– Pergunto à testemunha se pode informar se o autor da ação demonstra “trejeitos” nos seus costumes de homem honrado ou algum gesto efeminado?

Imediatamente, a testemunha respondeu:

– Doutor, eu não entendo essas palavras difíceis que o senhor falou. Mas, mesmo assim, doutor, pela maneira e o tom da pergunta, posso dizer, com toda a certeza, que o autor da representação, como toda a cidade sabe, realmente, dá o “SEDÉM”.

Diante da inesperada resposta que a testemunha deu ao Juiz, na presença das partes, pairou na sala de audiências um silêncio sepulcral, deixando surpresos todos os participantes daquele ato jurídico.

Esse caso passou a fazer parte do anedotário forense do Rio Grande do Norte.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 28 de setembro de 2018

O PARENTE

 

 
O PARENTE

Numa manhã de domingo, Severina estava preparando o almoço, quando alguém tocou a campainha da porta. Era um homem aparentando uns 30 anos, bem vestido e educado, que assim falou:

-Bom dia! O Genésio está?

A empregada respondeu:

-Não. Dr. Genésio saiu com dona Ângela e os filhos. Só volta na hora do almoço.

O homem continuou:

-Ah, meu Deus! Meu primo parece que é leso. Combinou comigo para eu vir almoçar com ele hoje e colocar os assuntos em dia, e parece que se esqueceu.

O homem segurava uma sacola na mão, onde se podia ver alguns presentes.

A empregada, que era novata na casa, perguntou:

-O senhor é primo dele?

E o estranho respondeu

-Sou primo legítimo, quase irmão.. Fomos criados juntos. Meu nome é Josué.

A empregada , então, disse:

-Faz uma semana que estou trabalhando aqui. Vim do interior. Já que o senhor é primo dele, pode entrar e esperar que ele chegue.

O rapaz agradeceu o convite, entrou e colocou a sacola de presentes sobre uma cadeira. Sentou-se na sala, pegou o controle remoto e ligou a televisão, como se fosse muito íntimo da casa.

A empregada voltou para a cozinha e continuou preparando o almoço. O visitante elogiou o cheiro da comida e permaneceu, muito à vontade, assistindo televisão. Toda ancha com o elogio, Severina ofereceu ao homem um cafezinho com bolo, mas ele recusou. Perguntou se tinha cerveja, e foi o que a mulher lhe serviu.

Josué, o “primo”, perguntou à empregada:

– Genésio tem recebido carta da tia Raimunda, a mãe dele?

A mulher respondeu:

-Não sei não, senhor. Só faz uma semana que estou trabalhando aqui.

O “primo” visitante entrou no quarto do dono da casa, dizendo que iria usar o banheiro. A empregada ouviu isso com naturalidade, já que se tratava de um primo do seu patrão.

O homem saiu do quarto e disse à empregada que iria dar uma volta pelo quarteirão, para fazer hora. A espera pelo primo já estava lhe dando sono. Lá da praça, ele veria Genésio chegar em casa e voltaria para o almoço.

Genésio, Elza e os dois filhos, finalmente, chegaram em casa. Estranharam a liberdade da empregada novata, em ligar a televisão, e em volume tão alto.
A patroa reclamou, irritada:

-Quem lhe ensinou a ligar a televisão, Severina?

A empregada respondeu:

-Quem ligou a televisão, não fui eu, não. Foi o primo de Dr. Genésio, Seu Josué, que estava aqui esperando por ele. Ele disse que Dr. Genésio convidou ele pra almoçar hoje aqui. Ele deixou até uma sacola de presentes aí na cadeira. Esperou muito e depois disse que ia dar uma volta no quarteirão, pra passar o tempo e depois voltava pra almoçar.

Genésio mudou de cor:

-Eu não tenho nenhum primo chamado Josué, nem convidei ninguém pra almoçar aqui, Severina!

-Dr. Genésio, ele disse que era quase seu irmão.trouxe até essa sacola cheia de presente, que está aí na cadeira, pro senhor, Dona Ângela e os meninos. Ele chegou antes das 10 horas. Ligou a televisão, pediu cerveja e depois usou seu banheiro. Parece que estava desarranjado. Depois disse que já estava cansado de esperar e por isso ia dar uma volta pra passar o tempo. Depois, voltava para o almoço.

Genésio, Ângela e os dois filhos de 8 e 10 anos pegaram a sacola e abriram todos os “presentes”. O que parecia uma caixa de sapato, continha um vidro vazio. Os outros, eram somente papel picado.

Ao avisar à empregada que estava indo ao banheiro, o golpista furtou de dentro do guarda-roupa do casal, todas as joias da casa, e todo o dinheiro que ali estava guardado.

Genésio e a esposa registraram um Boletim de Ocorrência (BO) na Delegacia de Polícia, mas não deu em nada.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 21 de setembro de 2018

MARQUESA

 

 
MARQUESA

Era o final da década de 70. Zefa, 26 anos, saía todas as tardes para comprar o pão, na Padaria São Miguel. Numa certa quarta-feira, ao chegarmos do trabalho, não a encontramos em casa. Já eram quase 18 horas e a casa ainda estava às escuras. Também, não havia jantar pronto.

Ficamos apreensivos, quando vimos que o dinheiro do pão não estava em cima da geladeira. Estava claro que Zefa tinha saído para comprar o pão e que algo muito grave havia acontecido. O nosso primeiro pensamento foi de que a moça houvesse sido atropelada, na Avenida. Hermes da Fonseca, onde o trânsito, em Natal, é muito intenso.

Saímos à procura de Zefa, perguntando às empregadas domésticas da vizinhança, se a tinham visto naquela tarde, indo à padaria. Mas ninguém a tinha visto sair de casa. Os empregados da padaria também não a tinham visto. Percorremos todas as ruas próximas à nossa casa, no bairro do Tirol, indagando das pessoas, aqui e ali, se tinham notícia de algum atropelamento, ali por perto, naquela tarde. Todas as respostas foram negativas.

Telefonamos para o Pronto-Socorro mais próximo, mas não constava a entrada de ninguém com o nome de Josefa Maria da Silva, nas ocorrências daquela tarde. Telefonamos para outros hospitais e recebemos a mesma resposta. Até para o IML, nós ligamos, e, para nosso alívio, o nome de Josefa Maria da Silva não constava na relação de cadáveres que tinham dado entrada, no referido órgão, naquela tarde/noite.

No dia seguinte, fomos registrar esse desaparecimento na Delegacia de Polícia Civil.

Zefa era do interior e não tinha parentes em Natal. Trabalhava na nossa casa, há mais de um ano, e o seu endereço era o nosso: Rua Ângelo Varela – 1007, Tirol. Não sabíamos detalhes da sua vida, pois era muito calada e se limitava a fazer suas tarefas domésticas com perfeição. Sua folga dominical, passava na casa de uma amiga chamada Rosilda, cujo endereço nós nunca soubemos.

O fato é que o sumiço de Zefa nos causou um transtorno muito grande.

No sábado, três dias depois do seu desaparecimento, Zefa, por volta das 14 horas, abriu o portão do quintal da nossa casa e entrou, calmamente, dirigindo-se para o seu quarto e fechando a porta.

Mesmo aliviada por ela estar viva, senti uma certa indignação, pelo fato dela ter ficado três dias sem nos dar notícia. Como se fazia antigamente, em Nova-Cruz (RN), tomei uma garapa para me acalmar e fui conversar com Zefa, para saber o que tinha acontecido.

Quando lhe perguntei o motivo do seu inesperado desaparecimento, imediatamente, ela começou a chorar e falou:

– Meu pai está no hospital, operado, muito doente, e eu estava sendo acompanhante dele.

Muito irritada, eu respondi:

-Ainda que ele tivesse morrido, você devia ter mandado me avisar. Você não sabe a aflição que nós passamos com isso. Telefonamos para todos os hospitais e até para o IML, pensando que você houvesse morrido atropelada!!! Fomos à Polícia e comunicamos o seu desaparecimento! Amanhã, seu nome vai ser publicado no jornal “O POTI”, como pessoa desaparecida.

E continuei, irritada:

-Seu pai foi operado de que? Em que hospital está?

Em cima da bucha, Zefa respondeu, sempre chorando:

-Pai se operou de ovário (Isso mesmo, OVÁRIO!!!). Está internado no Hospital das Clínicas, na enfermaria 12, leito 3, pelo FUNRURAL. O nome dele é José Bento da Silva. A senhora pode ir lá, pra ver se não é verdade!!!

É lógico que o pai de Zefa não podia ter sido operado dos ovários. Atribuí o equívoco à sua ignorância. Na certa, o homem havia se operado da próstata.

Peguei a chave do fusca e, sem dizer nada, fui ao Hospital das Clínicas. Constatei as seguintes mentiras:

-Não havia nenhum paciente internado, com o nome de José Bento da Silva;

-Naquele hospital, não havia enfermaria 12, leito 3, no segundo andar;

-Os pacientes do FUNRURAL não tinham direito a acompanhantes.

Voltei para casa, vermelha de raiva e fui novamente conversar com Zefa:

-Como você mente mal, Zefa! Estou voltando do Hospital das Clinicas agora. Seu pai nunca esteve lá, pois o nome dele não consta na relação das pessoas ali internadas. Também não existe enfermaria 12, leito 3, no segundo andar. Mesmo que fosse verdade, os pacientes do FUNRURAL não tem direito a acompanhantes. E você ainda levantou um falso ao seu pai, dizendo que ele se operou de ovário.Quem tem ovário é mulher, Zefa!!!

A “moça” prendeu o choro e confessou:

– “Apois”, vou contar a verdade: Quarta-feira de tarde, eu tive que fazer uma “coretage” (curetagem). Tinha tomado uma garrafada pra abortar e depois que a senhora e seu marido saíram pra trabalhar, senti uma dor muito grande no pé da barriga. De repente, comecei a ter uma “morragia” (hemorragia), que não parava. Com medo de morrer, peguei um táxi na pista e corri pra Maternidade. Só tive alta hoje… A senhora me desculpe! Eu tive vergonha de lhe dizer que estava “buchuda”.

Sem acreditar mais em nenhuma palavra de Zefa, peguei o fusca, novamente, e fui à “Maternidade Escola Januário Cicco”, para conferir se ela continuava mentindo.

Para minha surpresa, dessa vez, ela havia dito a verdade. Seu nome e o nosso endereço estavam registrados na lista de pacientes, atendidas gratuitamente,. na tarde da última quarta-feira. Também estava registrado o procedimento cirúrgico ao qual Zefa fora submetida, em consequência do aborto sofrido. A curetagem, realmente, tinha acontecido, e Zefa não morreu por um triz, pois perdeu muito sangue.

Voltei para casa mais calma e muito triste. Fui ao quarto de Zefa e lhe contei que tinha ido à Maternidade, conferir se o que ela tinha dito, dessa vez, era verdade. De fato, agora estava tudo esclarecido. Reclamei por ela não haver confiado em mim, pois, talvez, nada disso tivesse acontecido. Também, alertei-a para o risco de morte pelo qual ela havia passado, ao provocar um aborto, que poderia ter tirado, ao mesmo tempo, duas vidas. Ela chorou muito e eu confesso que fiquei muito penalizada com o ocorrido. Vi até que ponto vai a miséria humana.

Enquanto isso, ali perto, cheia de ternura, estava Marquesa, a minha gata angorá, alimentando seus filhotes. É impressionante, como os animais amam e defendem suas crias.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 14 de setembro de 2018

DUAS VIÚVAS, DOIS DESTINOS

 

 
DUAS VIÚVAS, DOIS DESTINOS

Tina, 53 anos, sofreu muito com a morte repentina de Quintino, 60 anos, com quem foi casada durante dez anos. Ele era aposentado da Rede Ferroviária Federal. Moravam em João Pessoa (PB), mas iam sempre a Nova-Cruz, onde ela tinha familiares. Viviam bem, financeiramente, e sempre em harmonia.

Com a morte do marido, e sem filhos, Tina ficou muito depressiva e sozinha. Era alta e bonitona. Depois de viúva, começou a engordar e tornou-se obesa. Tinha 1.70 m, e passou a pesar quase 100 quilos. Tornou-se o que se diz no interior, “um mulherão”.

Um ano depois, Maura, 46 anos, sua melhor amiga, também residente em João Pessoa (PB) e casada com Petrônio, também ferroviário, por coincidência, enviuvou. Sua única filha já era casada e morava no Rio de Janeiro. De repente, Maura se viu mergulhada na mesma solidão em que Tina passara a viver.

As duas amigas, viúvas, e ainda “casáveis”, meses depois, começaram a sair juntas para o shopping, Igreja, cinema, circo e finalmente se juntaram a outras pessoas da cidade, para fazer excursões. Isso serviu para que descobrissem que a vida continuava. Tornaram-se vaidosas e alegres.

De repente, os olhos das duas voltaram a brilhar, apesar da saudade que continuavam sentindo dos falecidos maridos.

Maura, mais coquete e charmosa do que Tina, por obra do destino, reencontrou numa das viagens ao Rio de Janeiro, um ex-namorado do seu tempo de juventude, agora divorciado. Os dois se sentiram novamente atraídos um pelo outro e ressurgiu entre eles um novo relacionamento, que depois se transformou em união estável.

Tina era muito religiosa, conservadora e se policiava muito. Jurava que jamais colocaria outro homem no lugar de Quintino.. Apesar de muito simpática, não era atraente, e sua obesidade a prejudicava. Era ruim de dieta e tinha dificuldade de perder peso.

Ao ver Maura se aprumar com o ex-namorado, Tina sentiu inveja, embora escondesse isso da amiga. Disfarçava sua frustração, dizendo sempre que a coisa melhor do mundo era a liberdade. Jurava que, após esses cinco anos de viuvez, se fosse possível o falecido voltar, ela seria a primeira pessoa a lhe dizer:

“Homem, pela caridade, não invente de voltar, não! Fique aí no Céu mesmo! A sede do inferno mudou-se aqui pra terra. É época de campanha política e a coisa aqui está preta. “

Com o passar do tempo, Tina entrou em depressão. Perdeu o gosto de passear e viajar, deixando que a tristeza se apoderasse dela. Vivia sempre chorando e olhando para o retrovisor do passado. As amigas a aconselharam a fazer terapia. A viúva procurou um Psiquiatra e abriu-lhe as torrentes, confessando o motivo de toda sua angústia:

– Doutor! Eu sinto falta de um companheiro, como meu marido Quintino era! Não é de um “macho”! Estou tão solitária, que já redigi até um anúncio para colocar, domingo, nos “classificados” do melhor jornal da cidade. O senhor pode ler!

No papel, estava escrito:

“Procura-se um companheiro, para fins de relacionamento sério, de 45 a 60 anos, que “dê no couro”, seja .sadio e que tenha ainda as seguintes qualidades:

– Saiba ler e escrever;

– não diga: “adevogado” “menas gente”, “o pessoal foram”, “o povo disseram”, “nesse “interím”, “bonel”, “fazem dois anos”;

– de preferência, que seja motorista de caminhão, podendo ser um belo mulato. Não precisa ser doutor, nem “branco de m…..”

Em troca, ofereço:

– casa, comida, roupa lavada, e ainda uma boa mesada!!!”

O médico se controlou para não sorrir. Aconselhou Tina a sair de casa, para se divertir, namorar, viajar e evitar a solidão. Receitou-lhe antidepressivos, até que a angústia desaparecesse. A viúva ainda continua “esperando Godot”.

Nas suas crises de solidão, Tina se lastima:

“Ah, meu Deus, se as farmácias vendessem marido bom, eu comprava de ruma…”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 07 de setembro de 2018

O APOSENTADO

 

 
O APOSENTADO

Alexandrino, professor aposentado, tinha horror à velhice, e não dizia sua idade, “nem a pau”.

A quem lhe perguntasse quantos anos tinha, respondia em cima da bucha: “Sou do tempo da civilidade, quando era falta de educação se perguntar a idade”.
Na verdade, o homem já beirava os setenta anos, assim como quase todos os seus amigos de prosa, com quem se reunia todas as tardes.

Sentindo que a velhice estava chegando, o aposentado começou a ter sonhos eróticos, passando a alimentar o desejo de ir para a cama com uma mulher bonita, fogosa e de carne dura, como tantas vezes fizera no seu tempo de rapaz. Ele não aceitava o fato de ser idoso.

 

Há quarenta anos, apaixonou-se por Rosalinda, com quem se casou e constituiu família. Entretanto, a rotina, a maior responsável pelo fim dos relacionamentos, logo transformou a paixão em fogo de palha. O amor que uniu o casal, há anos havia sumido, no tempo e no espaço.

A frustração de Alexandrino, ao acordar todas as manhãs, era grande. Passava a noite sonhando com outras mulheres e logo cedo despertava, ao lado da esposa sessentona, xexelenta e flácida da cabeça aos pés. Esquecia de que ele, também, já não tinha 24 anos. No íntimo, quando via a esposa ao seu lado, a vontade que tinha era de lhe dar uma pisa. Mas vontade dá e passa… Jamais faria isso. Sempre dizia que numa mulher, não se bate nem com uma flor.

A diferença de idade entre o casal era somente de dois anos.

Certo dia, morreu uma cunhada de Rosalinda, e ele, como bom marido que era, comprou-lhe passagem de avião para ir ao Rio de Janeiro, assistir aos funerais. Por economia, não acompanhou a mulher.

Ao se ver sozinho, Alexandrino foi se encontrar com os amigos e manifestou sua vontade de fazer uma farra. Afinal, esse sonho ele há muito tempo alimentava, mas não tinha coragem de pôr em prática. Considerava-se um preso, em prisão domiciliar. Só faltavam as tornozeleiras. Era dominado por Rosalinda, e não tinha voz altiva pra nada. A mulher era uma jararaca.

Por essa chance, ele não esperava. Por isso, não podia desperdiçá-la. Dessa vez, iria matar seu desejo de ir pra cama com uma das mulheres lindas, que povoavam os seus sonhos.

No “clube” em que a turma foi se reunir, havia mulheres para todos os gostos.

O aposentado sentiu-se atraído por uma bela morena, e com ela seguiu para uma suíte. Até que enfim, iria matar o seu desejo de ter nos braços uma mulher jovem, bonita e gostosa, e reviver sua juventude.

Depois de horas de amor, exausto, Alexandrino adormeceu. A “mariposa”, acostumada a grandes noitadas, aproveitou o seu sono profundo, retornou ao salão, e continuou se divertindo e bebendo. Quando o dia estava amanhecendo, muito embriagada, voltou à suíte e deitou-se junto do cliente.

O homem, ainda sonolento, acordou assustado, pensando que estava em sua casa, ao lado de Rosalinda. Mas, de imediato, veio-lhe à mente a noite de amor que tivera com uma mulher linda e gostosa, uma verdadeira artista na cama. Procurou a beldade e ficou paralisado. Ao seu lado, estava um travesti sem peruca, exageradamente pintado e completamente nu. Uma figura dantesca, que lhe provocou um terrível mal-estar. Ao vê-lo passando mal, a “moça” fugiu da suíte, correndo, à procura de socorro.

O SAMU veio buscar Alexandrino, que estava desfalecido. O idoso sofreu um AVC, que lhe deixou sequelas para o resto da vida.

Rosalinda nunca soube dessa estripulia do marido. Soube, apenas, que ele se sentiu mal, em casa mesmo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 01 de setembro de 2018

TERRA SECA

 

 
 
TERRA SECA

Num lugar de terra muito seca, um matuto perseverante, que tinha muita fé em Deus, comprou um pequeno terreno, e começou a trabalhar nele com empenho. Terminou transformando a terra seca numa produtiva plantação. Empenhou-se de noite e de dia, capinando, arando, cultivando, adubando e limpando as pragas locais. Exausto pelo trabalho físico, recebeu a visita do vigário da cidade, que passeava pelos campos.

Ao avistar a plantação, de um verde deslumbrante, o vigário perguntou quem era o responsável por aquela plantação. O matuto respondeu que era ele.

Mas o padre retrucou:

– Isso tudo foi a mão de Deus!

O matuto, muito católico, concordou, sem esquecer o duro que tinha dado para recuperar aquela terra seca.

-Foi com a ajuda de Deus – disse novamente o padre, sem fazer ao homem um só elogio, pelo empenho que tivera na recuperação dessa terra seca. O trabalho do homem não foi valorizado pelo padre, em nenhum momento.

Na sua ignorância, o matuto sabia do esforço que fizera para restaurar a terra que comprara, e em cuja recuperação obtivera êxito. Por isso, não gostou das palavras do vigário, que em nenhum momento reconheceu o seu esforço e a sua dedicação, em recuperar aquela terra e torná-la produtiva. Como era católico, o matuto balançou a cabeça, concordando com o padre. Mas lembrou-se do trabalho que tivera, plantando milho e legumes, e as noites inteiras que, junto com os filhos, passou regando tudo com cuidado. Por isso, a plantação floresceu tanto.

O padre já ia dizer que tudo aquilo fora com a ajuda de Deus, quando o matuto falou:

– Mas, deu uma praga danada de gafanhotos por aqui e destruiu tudo.

O vigário ficou desapontado, e não pôde dizer que ali tivera a mão de Deus. Preferiu se calar. E o matuto continuou, dizendo que adoeceu de aperreio com a praga de gafanhotos, mas, ele e os seis filhos arregaçaram as mangas e conseguiram debelar o problema. Todos foram à luta, empenhando-se no cultivo da terra e recuperando o estrago.

Desapontado por não ter recebido um só elogio do padre, pelo êxito da plantação, o matuto disse:

-Mas seu padre, o trabalho foi grande. Ajudei muito a Deus, para poder recuperar essa terra seca. Mas, é claro que ele me ajudou muito mais, com a sua proteção.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 24 de agosto de 2018

A DECEPÇÃO

 

 
 
A DECEPÇÃO

Anos atrás, um pobre homem, completamente embriagado, pisava torto numa rua de grande movimento em Natal e morreu atropelado por um ônibus. 
Sem documentos, o corpo foi conduzido ao IML, e lá permaneceu à espera de alguém que fizesse sua identificação.

O caso foi noticiado no programa de rádio “Patrulha da Cidade” e logo se espalhou no Bairro de Mãe Luiza.

Enquanto isso, Geraldo, vendedor ambulante, que se dava ao feio vício da embriaguez, saíra para trabalhar e há dois dias não pisava em casa.

Ouvindo a “Patrulha da Cidade,” Antônia, sua mulher, teve um mau pressentimento e saiu em disparada, até o IML, para verificar se o corpo que ali se encontrava era o dele.

O morto ficara com a face desfigurada, mas Antônia o identificou, através de alguns sinais que ele tinha nas costas. Sem dúvida, o defunto era Geraldo, seu trabalhoso marido, cachaceiro contumaz e irresponsável.

Há 15 anos, Geraldo e Antônia eram casados e tinham dois filhos, de 14 e 13 anos.

Foi providenciada a compra do caixão, e o corpo foi velado num salão pertencente à casa funerária “Nossa Senhora da Guia – Sua morte é nossa Alegria”.

Os amigos e parentes choraram muito, lamentando a partida precoce de Geraldo, bom de prosa e de copo. O falecido era ótimo amigo, embora fosse péssimo marido e pai.

Durante o velório, a viúva estava lívida e controlada, contendo as lágrimas. Mantinha sua dignidade ao lado do falecido, sem dar escândalo. Seu olhar era parado, como se a ficha ainda não tivesse caído. Essa reação é comum, nos casos de morte repentina e trágica de alguém.

Ao mesmo tempo em que o velório acontecia, lá na cadeia pública da cidade, um outro cachaceiro, que tinha ido em cana na noite anterior, estava sendo solto. Dirigiu-se para casa, mas, ao descer do ônibus, dois conhecidos o abordaram, avisando que a sua casa estava fechada, e estavam todos no seu velório. Seu sepultamento seria à tarde. Esse homem era Geraldo.

Achando que se tratava de uma brincadeira de mau gosto, Geraldo foi até sua casa, encontrando-a, realmente, fechada. Como sempre perdia a chave nas carraspanas que tomava, a mulher era quem lhe abria a porta, quando chegava em casa.

Revoltado com a falsa notícia de que tinha batido as botas, Geraldo foi depressa ao local do velório, para desfazer o engano. No íntimo, sentia-se gratificado, pois ainda pretendia viver muito e tão cedo não iria prestar contas ao Criador.

Ficou sabendo que quem estava no caixão era um bêbado, que morrera atropelado e o rosto ficara irreconhecível.

Mesmo sem dizer nada, Geraldo assumiu a culpa dessa confusão, pois há dois dias, não pisava em casa. Por isso, sua mulher ficou certa de que o homem atropelado era ele. Ainda por cima, ela identificou o corpo, por causa de alguns sinais, idênticos aos seus.

Furioso, o homem adentrou ao salão, onde o defunto estava sendo velado e chegou a agredir a ex-quase-viúva, fisicamente. Os amigos o contiveram e os parentes levaram Antônia dali, para a casa de seus pais.

Geraldo não se conformava com o fato de ter sido confundido com outro homem, que só podia ser algum “macho” da mulher.

A ex –quase-viúva se refugiou na casa dos pais, temendo se encontrar frente à frente com o ex-quase-defunto, seu violento marido. Jurou que nunca mais voltaria para Geraldo, de quem há 15 anos, juntamente com os filhos, só recebia maus-tratos. Ela sempre manteve a casa, com o dinheiro das costuras que fazia para fora. O dinheiro de Geraldo só servia para ele tomar de cachaça.

Antônia não parava de chorar, lamentando que o defunto que velara não tivesse sido seu marido. O traste continuava vivo.

Depois que o IML levou o defunto de volta, Geraldo e os pinguços, companheiros de copo, foram comemorar com muita cachaça a sua ressurreição.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 17 de agosto de 2018

O EMBAIXADOR

 

O EMBAIXADOR

Luiz entrou para o serviço diplomático brasileiro em 1947, tendo servido em Belgrado, (capital da antiga Iugoslávia), México, Guatemala, Egito, Dinamarca, Japão, Venezuela, Suriname e República Dominicana.

Até então, fora um jovem imaturo, que, por competência pessoal, furara as barreiras tradicionais, que fechavam o acesso à carreira diplomática, a quem não pertencesse às elites dos estados mais influentes na República brasileira, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia. Uma vez admitido, logo visualizou que poderia realizar seu sonho de conhecer o mundo, para melhor compreender os problemas do seu país.

Fez os primeiros estudos em Natal, seguindo, depois, para Recife (PE), onde se formou em Direito.

Durante todo o tempo em que andou pelo mundo, como Embaixador, Luiz acalentou o sonho de voltar para Natal, na companhia tranquila da esposa Verônica e da filha Graziela, quando chegasse a época da sua aposentadoria. Elas sempre concordaram com as suas escolhas de posto, dentro dos estreitos limites que lhe permitia a fria administração que o comandava de longe. Pensava em Natal todos os dias. Natal representava a paz com que ele sonhava.

Depois de 40 anos fora do Brasil, Luiz foi aposentado pelo Itamaraty, retornando em 1985.

Pouco tempo depois, estava morando em Natal, na Praia do Meio, numa enorme casa que mandara construir.

Imaginava que Natal continuava a mesma cidade branca, cheia de tranquilidade. Sonhava caminhar descalço novamente pela areia da praia e mergulhar na imensidão do mar azul.

Da varanda da sua casa, o Embaixador podia observar, com a família, a interminável e diária partida de futebol de areia, na qual os inúmeros contendores se esforçavam para fazer “gols”, nas balizas dos dois grupos.

Sua mulher, cuja formação acadêmica a tornou uma incansável observadora, disse-lhe subitamente: “É curioso. Os jovens que se batem nessas infindáveis peladas, neste sol causticante, não são negros, embora o pareçam. Na verdade, ou são índios ou mestiços de índios”.

Luiz parou para pensar e retorquiu: “São os mesmos brasileiros que receberam aqui nestas praias, em 1500, os primeiros portugueses e os comeram. Quanto progresso fizemos de 1500 pra cá… Não é?” E todos riram com a sua pertinente observação.

O Embaixador temia sofrer, em breve, um impacto visual, com a construção desenfreada de arranha-céus na Praia do Meio e com a cogitada construção de uma ponte colossal, que cruzaria a barra, ligando a Praia do Meio à Praia da Redinha. Considerava essa ideia um absurdo, fruto da cabeça dos improvisados urbanistas das novas gerações.

De repente, a tranquilidade na casa de Luiz, na Praia do Meio, começou a sofrer as consequências de um tresloucado projeto da autoridade que dirigia a prefeitura de Natal, que visava transformar a praia de Iemanjá em Zona turística, com barracas imitando as da Bahia.

Como todo governante nordestino, a maior autoridade municipal de Natal esqueceu de que o povo nordestino também tem suas necessidades fisiológicas. Resultado: As concentrações de bêbados e farristas, que passaram a utilizar as barracas construídas pela prefeitura, passaram a fazer suas necessidades mal cheirosas, na própria praia ou em torno do aconchegante muro de dois metros, da casa da esquina, em frente à casa do Embaixador. A poluição orgânica dos bêbados e dos farristas, e a poluição sonora dos poderosos aparelhos eletrônicos das tais barracas e mais os dos bêbados automobilistas, passaram a infernizar a vida do Embaixador e de sua família. A zona de concentração dos frequentadores era em frente à sua casa. O barulho não tinha hora para terminar.

O Embaixador tomou as providências necessárias, para solucionar o sério problema junto às autoridades competentes, mas não obteve êxito.

Para completar,a perturbação, os cultos e os alfabetizados de Natal resolveram se divertir, quebrando garrafas a tiros, na beira das praias urbanas, tornando impraticáveis as caminhadas na areia, com os pés descalços.

Num momento de inspiração, Luiz lembrou-se da técnica jesuítica, que ensina com o exemplo. E foi à luta. 
A partir de então, todos os dias via-se um homem com uma camisa vermelha e uma lata a tiracolo, onde estava escrito “GARI VOLUNTÁRIO”, percorrendo as praias do Morcego, dos Artistas, de Iemanjá, e Praia do Forte. Colhia cacos de vidro, sem se importar com o que os outros pensassem dele.

Luiz passou o primeiro mês, fazendo as suas colheitas de cacos de vidro, nos três quilômetros da Praia do Meio, dialogando sempre com os curiosos que o seguiam, as mulheres que o interrogavam e os céticos que o provocavam.

Os velhos pescadores lhe perguntavam por que o doutor estava pescando caco de vidro: “Pra botar em cima do muro?”, “Pra vender?”

Ele sentia que a curiosidade aumentava com o espetáculo diário e com o seu silêncio, que era outra palavra de ordem de um grande líder francês, o General De Gaulle. Nada como o silêncio para acentuar a autoridade. Até um simples pescador compreende a linguagem do silêncio.

Luiz sabia que o que estava fazendo incomodava. Nos altos círculos intelectuais da cidade, pelo telefone da Academia de Letras, um confrade o inquiriu sobre o disparate de um Embaixador, mesmo aposentado, estar colhendo cacos de vidro nas praias da cidade. E não faltava quem lhe dissesse que “uma andorinha só não faz verão.”

Nas suas costas, os “amigos” o ridicularizavam, dizendo que ele voltara do exterior, sueco, e que queria limpar as praias.

O exemplo que Luiz quis dar, apanhando lixo nas praias, logo teve repercussão. Certa manhã, na Praia do Meio, uma moça de ótima aparência aproximou-se dele e perguntou: – O Senhor é Embaixador mesmo? -Não, fui. – respondeu. E a moça continuou: – E está apanhando cacos de vidro, para que? – A ela, Luiz respondeu:

“Para ver se dou uma lição ao Governo, de como se começa a resolver um problema. E a moça continuou: “Eu vou tirar algumas fotografias do Senhor, se não for inconveniente.” E Luiz respondeu:– Não há nenhum inconveniente. Posso lhe assegurar.

Passadas duas semanas, pararam em sua casa enormes caminhões da Globo, com equipamento mirabolante. Vinham se certificar se era tudo verdade.

Duas semanas depois, o programa “Fantástico” abriu às 20:00, com a manchete: “Um embaixador aposentado limpa as praias de Natal, colhendo cacos de vidro”.

Seguiram-se as imagens que haviam feito.

Luiz solucionou sua insatisfação, perante a inércia do poder público municipal de Natal, mudando-se para Brasília, em 1991.

Em 1993, Luiz voltou a Natal. Muita coisa tinha mudado. As barracas imundas, que poluíam as areias e o mar, tinham desaparecido, devido à intervenção da Marinha, solicitada por ele próprio ao Almirante Didier. Permaneceram as barracas horríveis da Prefeitura, sem latrinas para os bêbados e os farristas.

Andando pela praia, um velho pescador aproximou-se de Luiz e perguntou: “Cadê os cacos de vidro, Embaixador? Acabaram, como o senhor queria?”

– Exatamente. – respondeu Luiz.

Em 1999, Luiz foi dar um mergulho, na baía que cerca todo o paredão do rochedo negro do Morcego, onde se situam grandes restaurantes, que antes jogavam esgoto na baiazinha. Notou a água azul, impecável. Indagou, então, aos moleques que o acompanhavam:

“Água limpa, hein? O esgoto não cai mais para este lado?”

O garoto foi franco: -Doutor, agora não há mais “merda” por aqui.

Luiz foi confirmar com o pessoal da Peixada da Comadre, a quem muitas vezes entregara memorando sobre a implantação dos coletores da CAESB. Estavam lá, sim. Os coletores tinham sido implantados e agora os excrementos colhidos são expulsos para longe, pela unidade de compressão dos esgotos da Praia do Meio. Ouviu encantado essa boa notícia, que serve para provar, que nem tudo está perdido, neste Brasil de tantos problemas.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 11 de agosto de 2018

A MADAME

 

A MADAME

Malvino, 65 anos, morava perto de um botequim, que era um verdadeiro canavial. Lá, a cana corria solta e os caneiros enchiam a cara no final da tarde, entrando pela noite. Uns iam curtir a bebedeira em casa e outros ficavam no botequim até de madrugada.

 

 

Malvino fazia parte do grupo que ia curtir a cana em casa. Valdete, sua segunda esposa, uma mulher braba e irreverente, não permitia que ele cometesse excessos com a bebida. Ia buscá-lo no botequim todas as noites e ele a obedecia mansamente.

Muito querido pela turma da boemia, Malvino, contador aposentado, era considerado um intelectual.

Era bom de copo e de prosa. Lia os principais jornais da cidade, diariamente, e assistia aos telejornais.

Sempre que anoitecia, ele avisava aos companheiros de copo:

– Daqui a pouco, a chata da minha patroa vem me buscar para jantar. Não aguento mais essa jararaca. Parece uma bruxa. Só falta uma vassoura, para que saia daqui voando.

As gargalhadas dos boêmios que ali se encontravam eram uníssonas.

Na verdade, a esposa de Malvino parecia um sargento de cavalaria reformado. Mandona e prepotente, não hesitava em agredi-lo fisicamente, se o encontrasse embriagado. Certa vez, nesse botequim, ela tirou o sapato e deu-lhe na cara, por encontrá-lo bêbado. Se ele discordasse de uma opinião sua, a mulher partia logo para o bufete.

Malvino sentia-se injustiçado, perante a sociedade. Sonhava com a Lei “Malvino”, para concorrer com a Lei “Maria da Penha”.

Num final de tarde, quando o papo estava animado, e Malvino tinha enchido a cara, Valdete chegou para buscá-lo. Ao vê-lo embriagado, ficou possessa e gritou:

– Ah, bandido! Eu pedi para você não beber hoje, pois nós vamos ao aniversário do meu irmão! Ande logo, seu irresponsável!!!

Envergonhado perante os amigos, o homem respondeu:

-Tenha calma, querida! Quase não bebi…

De nada adiantaram suas palavras. Parecendo endemoniada, a mulher arrastou o marido pelo braço e deu-lhe um empurrão, que o desequilibrou na calçada.

Os companheiros de copo baixaram a cabeça, fazendo de conta que não estavam vendo nada.

Entretanto, um velho “cachacista”, que estava na calçada e a tudo assistira, ao ver Malvino levar um empurrão da mulher, não se conteve e gritou:

– Mulher dos seiscentos diabos, respeite seu marido!!! Volte para o lugar de onde saiu!!!

Na realidade, há dez anos, Malvino havia se apaixonado por Valdete, num cabaré. De quenga, ela passou a “Madame”. Vinte e cinco anos mais nova do que ele, nunca conseguiu ser “bonita, recatada e do lar.” Era somente “boazuda”. Parecia que tinha escrito no rosto: “Eu sou p….”

E o velho “cachacista”, ainda indignado, continuou falando:

– Essa mulher, Malvino tirou da Zona. Mas ela nunca deixará de ser quenga!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 03 de agosto de 2018

O TROCO

 

O TROCO

Idalino e Lenira, ambos com 57 anos, eram casados há 30 anos. e tinham dois filhos, com 25 e 27 anos.

Júlio, o mais novo, muito calmo, casou-se com a primeira namorada e já dera um neto aos pais.

 

 

Tiago, o mais velho, era um “boa vida” e muito inconstante. Apaixonava-se facilmente e logo o fogo de palha se apagava. Era namorador e aventureiro. E tinha a quem puxar.

Lenira era uma esposa exemplar e dedicada à família. Filha de pais ricos, casara com Idalino, quando ele ainda era estudante de Direito. A mulher era proprietária de alguns imóveis herdados dos pais e tinha uma excelente renda.

Depois de formado, Idalino passou a exercer a advocacia, abrindo um escritório com dois colegas de turma.

Idalino vivia “pulando a cerca” e, certa vez, chegou a abandonar a casa, para morar com uma amante. Tempos depois, o relacionamento terminou, e ele conseguiu o perdão de Lenira, retornando ao lar. Jurou à esposa que jamais repetiria a loucura de deixar a família por causa de uma “vagabunda”.

Entretanto, poucos meses depois, voltou a ser o mesmo “conquistador barato” de antes.

Quando Lenira já estava certa de haver reconquistado o marido, apostando na sua fidelidade, Idalino, foi acometido, mais uma vez, de uma paixão violenta.

Através de um amigo, conheceu Cacilda, uma “mulher de programa” e virou a cabeça, como se fosse um adolescente.

Quando se viu, novamente, apaixonado, Idalino montou um apartamento para Cacilda, em um bairro afastado, refúgio para tardes de amor inesquecíveis, onde poderiam dar vazão à atração fatal que os unia. Tudo do jeito que o diabo gosta.

As noites eram livres para os dois. Ele, em casa, pousando de bom marido, ao lado da esposa, e Cacilda solta na noite, para fazer o que bem quisesse.

Tiago, o filho mais velho de Idalino e Lenira, era mulherengo igual ao pai e dava preferência às mulheres mais experientes. Casualmente, conheceu Cacilda em uma boate, e houve entre eles uma atração mútua. Pouco tempo depois, Tiago passou a dormir no apartamento dela. De dia era o pai, à noite era o filho.

O tempo foi passando e um detetive pago por Lenira, para seguir os passos do seu marido, informou-lhe que Idalino tinha uma amante de nome Cacilda, e tinha montado um apartamento para ela.

Dias depois, informou que a referida mulher estava traindo Idalino com um rapaz jovem, chamado Tiago, que subia para o apartamento dela todas as noites, depois das baladas.

Numa noite em que Idalino chegou em casa, dizendo-se exausto do trabalho no escritório, Lenira resolveu desmascará-lo, pois não aguentava mais tanta falsidade.

Cheia de ironia, a mulher falou:

– Idalino, tenha vergonha!!! Já estou cansada de ouvir suas mentiras. Eu sei que você passou o dia no apartamento de uma rameira, chamada Cacilda, como vem fazendo há vários meses. Pois fique sabendo que ela lhe põe chifres, com um rapaz muito jovem.

Idalino reagiu, agressivo:

– Pra “seu governo”, eu e você não temos mais nada em comum! Não adianta essa nossa convivência doentia, cheia de desconfiança.! Por conta dessas insinuações, vou me separar de você e agora é pra valer!!! Sem retorno!!!

Idalino saiu de casa indignado, dizendo que iria dormir no escritório. Entretanto, pela madrugada, usando sua cópia da chave, entrou no apartamento que mobiliara para Cacilda. e deparou-se com uma cena sórdida:

Seu filho Tiago e Cacilda estavam em colóquio amoroso animalesco, do jeito que nasceram.

Idalino tossiu alto, e agrediu o filho com bofetões e impropérios. Entretanto, não tinha moral para se voltar contra ele, que era um rapaz solteiro, livre e desimpedido. O adúltero, ali, era ele próprio, casado e com filhos.

Sem controle emocional, Idalino gritou para Tiago:

– Se você ama esta vagabunda, trate de dar o fora daqui com ela, agora mesmo! Arranje um emprego para sustentá-la, e não conte mais com o meu dinheiro!

Disse isso e saiu, sentindo um misto de raiva e decepção, por ter sido corneado pelo próprio filho.

Quando voltou para casa, o homem ainda encontrou a esposa dormindo. Deitou-se no sofá da sala, e ali permaneceu acordado, até o meio dia.

No íntimo, desejava que Cacilda lhe telefonasse, pedindo perdão.

Três dias depois, um empregado do prédio informou a Idalino que Cacilda havia se mudado dali, deixando a chave e um bilhete na portaria, para lhe serem entregues.

O bilhete dizia: “POR FAVOR, NÃO ME PROCURE NUNCA MAIS.”

Querendo ser agradável a Idalino, o empregado lhe disse baixinho:

– Acho que, agora, Cacilda se arrumou. O rapaz que está com ela parece que é muito rico. Foram morar num apartamento de luxo.

Idalino ficou perplexo. Sabia que o filho não tinha condições de bancar um apartamento luxuoso para ninguém. Ainda morava com ele e Lenira e tinha horror a trabalho.

O homem ficou de orelha em pé e jurou que iria descobrir de onde estava saindo esse dinheiro.

Na mesma semana, descobriu que quem estava bancando todas as despesas do filho e Cacilda era sua própria esposa.

Lenira, ironicamente, confessou tudo.

Revoltada por estar sendo traída novamente, a mulher procurou dar o troco ao marido, prometendo ao filho que assumiria todas as suas despesas com Cacilda, e incentivando-o a “casar” com ela.

A separação dessa vez foi definitiva. Lenira deu o troco a Idalino, pela traição que sofrera, ao longo desses trinta anos de um casamento, que se arrastou aos trancos e barrancos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 27 de julho de 2018

A TRAIÇÃO

 

A TRAIÇÃO

Jonas, há quinze anos casado com Josefa, e com três filhos adolescentes, era um marido fiel e ótimo chefe de família. Entretanto, a rotina, maior rival dos relacionamentos amorosos, já tinha mandado para o espaço a paixão que uniu o casal.

Josefa respeitava muito o marido e sempre dizia:

– Enquanto você me for fiel, eu também serei. Mas não caia na besteira de me trair, pois você será corno para o resto da vida. E não existe “ex -corno.”

Com essa ameaça na cabeça, Jonas foi sempre sonso. Comportava-se como um marido fiel, mas nunca deixou de pular a cerca. Sabia fingir muito bem que era apaixonado pela esposa. Só pulava a cerca durante o dia, e em dias úteis.

Ocupando um posto elevado dentro de uma instituição financeira em Fortaleza, Jonas recebeu para trabalhar em sua sala uma moça muito bonita, chamada Zênia, com curso de computação, para ser sua secretária.

De tanto conviver com Zênia no ambiente de trabalho, Jonas por ela se apaixonou, sendo correspondido. Foi uma paixão violenta, que fez o homem “bem casado” virar a cabeça completamente. Seguiram-se inúmeras saídas para motéis depois do expediente, e telefonemas de Jonas para Josefa, avisando que estava em “reunião”.

O romance tomou vulto e a moça passou a pressionar Jonas para que se separasse da esposa. Chegou a dar-lhe um ultimato: Se fosse para ele continuar com a esposa, a amante colocaria um ponto final naquele romance. Afinal, ela era jovem e bonita, e desejava ter um lar, marido e filhos.

Por sorte, Jonas foi transferido para um novo escritório da empresa, instalado em Teresina (PI). A Secretária o acompanharia.

Muito satisfeito com a transferência, Jonas recebeu a notícia como uma oportunidade de poder se separar de Josefa. Como não tinha coragem de pedir a separação cara a cara, e dizer que, para ele, ela era apenas a mãe de seus filhos, e muito menos dizer que estava apaixonado por outra mulher, Jonas resolveu lhe enviar uma carta pelo correio, confessando tudo.

Providenciou um apartamento em Teresina (PI), para iniciar, aos 40 anos, uma nova vida a dois. Tinha certeza de que Zênia era o grande amor de sua vida.

Não tinha intenção de voltar para sua família. Entretanto, desde já, continuaria dando total assistência financeira aos filhos e à esposa.

Jonas escreveu à Josefa uma longa carta, onde, entre frases de elogio e gratidão, dizia:

“Josefa:

Sempre lhe fui fiel e jamais tive intenção de me separar de você, uma mulher maravilhosa, que me deu três filhos lindos e que sempre me respeitou. Mas a carne é fraca e de repente me apaixonei perdidamente por outra mulher. Como não quero me sentir um traidor, preferi lhe escrever para dizer que já contratei um advogado para fazer a nossa separação. Estou deixando a nossa casa definitivamente. Estou me mudando para Teresina (PI), para trabalhar no novo escritório da Financeira

Nada faltará a você nem aos nossos filhos. Determinei à empresa uma pensão no valor de 40% do meu salário, que será paga a você todos os meses.”

Jonas pôs essa carta no Correio, poucos minutos antes da viagem.

Os dois amantes pegaram a estrada para Teresina (PI) e algumas horas depois sofreram um acidente fatal, ao tentar ultrapassar um caminhão.

Josefa estava certa de que o marido tinha viajado a negócios e que logo estaria de volta.

Inconsolável, no velório do marido, Josefa esqueceu que tinha filhos e a toda hora pedia a Deus que também a levasse, pois queria morrer junto com o amor da sua vida.

Depois do sepultamento, a viúva e os filhos voltaram para casa. À tarde, um dos rapazes abriu a caixa de correspondência e encontrou a carta endereçada à mãe. Não imaginava que fosse do pai, que acabara de ser enterrado. Josefa abriu a carta e leu a confissão do marido de que estava indo embora de casa para sempre e que estava apaixonado por outra mulher. Josefa sentiu o mundo desabar novamente sobre ela. O marido, que ela considerava um santo, revelava-se agora um grande canalha.

O sangue de Josefa ferveu nas veias e ela desejou estrangular o marido. Ainda bem que ele já estava morto e enterrado!!! E que ficasse por lá mesmo!!!. Nem luto ela usaria, nem mandaria celebrar missa de 7º dia, e muito menos de 30º dia!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 20 de julho de 2018

A VISITA

 

A VISITA

Rosa e Bento estavam em casa, numa sexta-feira à tardinha, quando um amigo que estava em Natal, numa excursão, telefonou, dizendo que ele e a esposa queriam aproveitar aquela noite, para visitá-los. se fosse possível. No dia seguinte, teriam que cumprir a programação do pacote turístico, sendo impossível visitá-los depois.

Muito preocupados com a inesperada visita, Rosa e Bento foram ligeiro ao supermercado, para comprar uma pizza e um bom vinho.

Os donos da casa estavam de dieta, e, sob orientação de uma nutricionista, haviam abolido carne vermelha e outras proteínas, gorduras, carboidratos e açúcar. O modismo havia feito com que introduzissem na alimentação alimentos integrais, soja, linhaça, chia, gergelim, semente de girassol e até alpiste, comida de passarinho. Esses cereais eram a coqueluche do momento.

No interior do Estado, espalharam que esses alimentos da moda, além de servirem para emagrecer, curavam todas as doenças, inclusive diabetes, hipertensão, colesterol alto, intestino preso, insuficiência renal, problemas hepáticos, hérnia de disco, cãimbra, unha encravada e bicho-de-pé.

Com a dieta rígida que estavam fazendo há um ano, o casal havia emagrecido quase dez quilos. Os dois estavam pálidos e com aparência doentia.

Naquela noite, a dieta iria ser interrompida. A visita ilustre que iriam receber merecia o sacrifício. Mas no dia seguinte, voltariam à dieta rígida.

Na fila do supermercado, encontraram algumas pessoas conhecidas, por coincidência, todas bem alimentadas, coradas e saudáveis.

A moça do caixa não parava de passar a mão no cabelo, visivelmente esticado por uma escova “progressiva”, também na moda.

Enquanto aguardava sua vez, Bento pediu que a esposa fosse pegar dois refrigerantes “zero”. Quando a mulher se afastou, ele avistou na fila um colega seu do curso Ginasial, que não via há bastante tempo e de quem era intrigado. Hoje, ambos já casados e bem sucedidos, não havia motivo para essa intriga.

Bento sorriu para Herculano e o cumprimentou. Em resposta, ouviu um grosseiro “você deve estar me confundindo com alguém”.

Bento ficou encabulado. Mas, em seguida, o próprio Herculano foi quem falou:

-Como é seu nome? Você é encanador?

Bento respondeu:

-Nunca fui encanador. Eu me chamo Bento. Fui seu colega no Colégio São Luiz.

Com cara de gozação, Herculano, hoje construtor, disse:

-Rapaz, você deve estar com alguma doença grave. Está pálido e com os olhos amarelos. Estou me lembrando da minha tia Marina, que começou assim e quando foi ao médico, foi diagnosticada com câncer de fígado, em estado terminal. Só durou três meses.

Bento ficou apavorado.

E o maldoso rapaz se despediu do antigo colega de classe, dizendo:

-Até qualquer dia. Mas não se impressione. Pode ser que ainda não esteja no estado terminal. Procure se alimentar muito bem, mas não deixe de ir logo ao médico.

Rosa encontrou o marido em pânico, querendo desistir das compras e voltar logo para casa. Esqueceu até de que os dois iriam receber a visita do casal amigo.

A mulher foi quem passou as compras, e Bento, desesperado, chamava para irem logo embora.

Rosa ouviu Bento contar sobre o rápido encontro com Herculano, colega de Ginásio, com quem era intrigado e a quem não via há 20 anos. Contou sobre o susto que Herculano fingiu ter tomado, dizendo que ele estava muito pálido e abatido, com cara de quem estava muito doente. Achando pouca a humilhação de ter fingido não o ter reconhecido, Herculano ainda lhe dera um péssimo prognóstico, comparando o seu estado de saúde com o de uma sua tia falecida há pouco tempo.

Mesmo conhecendo a maldade de Herculano, Bento ficou impressionado e combinou com Rosa que, dessa noite em diante, voltariam a se alimentar como antigamente, com proteínas, massas, manteigas e todas as comidas boas, das quais os dois vinham se privando, em nome do modismo.

Às favas, as folhas, frango grelhado, alimentos integrais, leite desnatado e cereais.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 13 de julho de 2018

O BANQUETE

O BANQUETE

Luiz Gonzaga Pimentel, nascido em Natal (RN), cursou a Escola Naval no Rio de Janeiro, e ingressou na Marinha de Guerra. Fez uma brilhante carreira militar, chegando ao posto de Almirante. Foi comandante do Navio Almirante Barroso e chegou a exercer o cargo de Adido Militar do Brasil, em Londres.

 

 

Numa de suas vindas a Natal, para visitar o pai Celestino Pimentel e demais familiares, na hora do almoço não se serviu da famosa macarronada, feita por sua madrasta Francisca Pimentel, dando preferência a outros pratos que compunham a mesa.Todos estranharam, pois sabiam que o prato preferido dele era macarrão. Sem dar explicação, ele almoçou muito bem, sem sequer olhar para a macarronada. A madrasta ficou sem entender aquela “mudança de hábito.” O militar deixou para se justificar depois. Pediu desculpas à madrasta, mas não houve quem fizesse ele se servir da célebre macarronada, feita exclusivamente em sua homenagem.

Como Adido Militar em Londres, Luiz participava sempre de jantares e almoços com o corpo diplomático, e teve oportunidade de participar até de banquetes em que a Rainha da Inglaterra estava presente.

Nesses banquetes, havia comidas sofisticadas e para ele desconhecidas. Certo dia, num desses banquetes, temendo não gostar da comida, Luiz optou pela mesa de Massas, com molhos variados. Aliás, macarrão sempre foi sua comida preferida. Serviu-se de macarrão com molho de ervas e quando começou a mastigar, sentiu que estava mastigando um cabelo. Luiz ficou paralisado, dominando a vontade de pôr para fora tudo o que tinha na boca. Entretanto, o ambiente era altamente requintado e formal. Num banquete solene, sob holofotes, um Adido Militar não poderia cometer tamanha gafe. Luiz tinha que continuar comendo. Lembrou-se de Natal e sentiu saudade da macarronada feita por sua madrasta, muito mais saborosa do que aquela e sem cabelo dentro.

Por um minuto, Luiz entendeu que a solução seria engolir o cabelo. Sua vontade era devolver ao prato a porção que tinha na boca. Mas seria um gesto grosseiro no ambiente requintado em que se encontrava.

Jamais na sua vida, Luiz tinha passado por uma experiência tão desagradável. Por alguns segundos, conseguiu permanecer sem engolir, mas, finalmente, respirou fundo e, ajudado por um gole d’água, engoliu a porção que tinha na boca, juntamente com o maldito cabelo. Pegou-se com todos os anjos e arcanjos, para não vomitar. Sem saber se o cabelo era preto, branco ou louro, nem de onde tinha saído, Luiz sentiu vontade de sumir para sempre daquele ambiente de luxo e ir direto ao banheiro para vomitar. Passou o resto do dia enjoado. Sentiu-se a pessoa mais infeliz do mundo, como se naquele dia tivesse pagos todos os seus pecados, passados, presentes e futuros.

E o Almirante fez uma jura de nunca mais comer macarrão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 06 de julho de 2018

O FANATISMO

 

Décadas atrás, havia em Natal dois boêmios e amigos inseparáveis, Plínio e Baltasar, fanáticos por velórios e enterros. Nessa época, os velórios ocorriam em casa, pois ainda não havia Centro de Velórios na cidade.

Diariamente, eles se informavam sobre a ocorrência de algum óbito e o endereço do velório. E para lá se dirigiam, mesmo que não conhecessem o defunto nem a família enlutada.

Abraçavam os parentes do (a) morto (a), choravam, procuravam consolá-los e faziam até discursos, lamentando aquela partida “precoce”, ainda que se tratasse de uma pessoa centenária..

Bem apessoados e educados, eram recebidos com cordialidade e até confundidos com os parentes e amigos.

Entretanto, o que mais os atraía nos velórios era o costume de se oferecer bebida aos presentes, principalmente quando se prolongavam pela madrugada. A cana corria solta e os dois passavam a noite enchendo a cara. Duros na queda, pela manhã conseguiam acompanhar o enterro e ainda faziam discurso no Cemitério.

Os dois tinham o dom da oratória, apesar de não terem formação acadêmica. Nos discursos, exaltavam as virtudes da pessoa morta e às vezes confundiam a identidade, chegando a elogiar as qualidades daquela “admirável esposa e mãe”, quando, na verdade, a pessoa morta era solteirona e virgem como tinha nascido.

Mesmo sendo carismáticos, ambos eram os “timotes” de tradicionais famílias da cidade. Em tudo que era velório ou enterro eles se metiam. Faziam-se tão íntimos da casa, que chegavam a receber pêsames e procurar onde estavam as bebidas.

Quando não tomavam conhecimento de nenhum velório, Plínio e Baltasar costumavam fazer ponto num bar, perto do Cemitério do Alecrim. Mas, se, por acaso, vissem a chegada de algum enterro, entravam no Cemitério e antes do coveiro começar a enterrar, o que estivesse mais “alto” iniciava um discurso bonito e comovente, tirado dos jornais, que eles sabiam decorado. Foi assim no enterro de um simples servidor público, que havia morrido em consequência de um tumor fecal. Plínio, o orador do momento, saiu-se com essas palavras:

“Mataram-te, Presidente, mas serás enterrado em pé. A cabeça acima do coração. O coração acima do estômago!”

E prosseguiu com o discurso feito por um doido, no enterro de João Pessoa.

Certa vez, Baltasar, o outro fanático por enterro, foi convidado por um grupo de teatro amador para ser o Lázaro, na peça “A PAIXÃO DE CRISTO”. Ao lado do teatro havia uma birosca e ele se embriagou bem antes da peça começar. Como Lázaro teria que se deitar num caixão de defunto, Baltasar achou ótimo. Adormeceu profundamente e não houve jeito de obedecer às ordens do artista que representava Jesus Cristo. Cansado de chamá-lo, o artista implorava:

-Levanta-te, Lázaro! Ergue-te, Lázaro! Ressuscita, Lázaro!

O artista que representava Jesus Cristo perdeu a calma e deu um chute no caixão.

O bêbado abriu os olhos, meio confuso, olhou para aquele Cristo de araque e respondeu aos gritos e grosseiramente:

-Vai se lascar, homem! Vai se f….

A cortina do palco foi fechada, e a peça terminou aí.

Também terminou aí a futura carreira artística de Baltasar.

 

 

Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 01 de julho de 2018

MAIA BOA, A HONRADA DONA DE CABARÉ POTIGUAR NO TEMPO DA GUERRA

 

Recebi de um amigo e conterrâneo, Tadeu Arruda Câmara, essa música “histórica”.

Achei interessante e resolvi lhe enviar, a título de “ilustração”…rsrs.

Está no google.

 

  

A lendária Maria Boa em foto dos anos 40

 

COMENTÁRIO DE LUIZ BERTO, EDITOR DO JORNAL DA BESTA FUBANA:

Maria Boa era dona de um cabaré que tinha muito mais respeito, honradez e moralidade do que o STF dos dias hoje.

Um cabaré que era frequentado por autoridades, homens do povo, celebridades e pessoas gradas de então.

Tornou-se até nome de uma excelente cachaça, uma das melhores daqui do Nordeste.

Todos os anos, na reunião de fubânicos que promovemos aqui na minha casa, Violante sempre me presenteia com uma caixa deste precioso líquido.

Atualmente, os cachacistas sedentos que frequentam meu terraço é que se deliciam com este maravilhoso presente, eis que a abstinência compulsória imposta pelo meu cardiologista me impede de encher o rabo com esta maravilha.

 

 

Quem quiser saber mais sobre Maria Boa, clique aqui para tomar conhecimentos de quem foi esta figura mitológica da história potiguar.

Um texto muito interessantes, falando daquele tempo em que Natal estava cheia de soldados americanos, no período da 2ª Guerra e Maria Boa teve seu nome pintado na fuselagem de uma caça de guerra dos EUA, uma homenagem dos marinheiros daquele país à dona do maior cabaré do estado.

E vamos ao vídeo que nos foi enviado pela nossa colunista.

 

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 29 de junho de 2018

UMA RUMA DE ZÉ

No interior nordestino, é comum se usar a alcunha de Zé, ou seu Zé, para nominar alguém do sexo masculino, cujo verdadeiro nome se desconhece. É o “nome” mais comum que existe. Zé do Café, Zé de Baixo, Zé de Riba, Zé da Luz; Zé do Cuscuz; Zé da Água; Zé do Algodão Doce; Zé da Cocada; Zé da Pipoca.

É Zé, em banda de lata…

Para se ter o privilégio de ser chamado de Zé, não interessa o nome de batismo ou registro de nascimento.

Já em relação à mulher, da qual não se sabe o nome, costuma-se chamar “Dona Maria”, quando se trata de uma senhora, ou “Maria”, para se chamar as mocinhas. Também se usa chamar “essa menina” ou “esse menino”, para meninas e meninos.

Na feira de Nova-Cruz, era comum se ouvir: “Seu Zé, quanto é um cacho de pitomba?” “ Dona Maria, quanto é o litro da goma? “Esse menino, quanto é um pirulito?” E assim por diante.

 

 

Contam os historiadores norte-riograndenses, que Natal (RN) esteve na rota de viagens de Antoine de Saint-Exupéry, na 1ª fase da 2ª guerra mundial. Esse piloto francês e escritor pisou o solo do Rio Grande do Norte, descansando em Natal dos seus seguidos voos. Chegou a se familiarizar com várias pessoas do povo. Entretanto, diante da dificuldade da pronúncia do seu nome, logo foi apelidado de Zé Perri, ficando assim conhecido e “batizado”. Portanto, nem Exupéry escapou dos costumes da região, passando a ser conhecido como mais um Zé. Estabeleceu-se, então, uma relação afetiva entre ele e a capital potiguar.

Durante esse período, o transporte de malotes do correio, com escalas na África, passava pela capital potiguar, primeiro ponto continental sul-americano, depois de Fernando de Noronha, com escala de pouso para hidroaviões.

Realmente, está evidenciado que Natal esteve na rota de viagens do autor de “O Pequeno Príncipe”.

O Baobá da Rua São José o encantou e lhe serviu de inspiração, ao escrever, depois, a importante obra.

Muitas histórias cercam a sua passagem por Natal, havendo registros incontestáveis da constância dessas visitas.

Exupéry escreveu diversas obras, focalizando sempre elementos de aviação e de guerra, entre elas: “O Aviador” (1926), “Voo Noturno” (1931), “Terra dos Homens” (1939), e “Carta a um Refém” (1944).

Entretanto, sua obra mais importante foi “O Pequeno Príncipe” (1943), livro mais vendido no mundo, depois da Bíblia.

O famoso piloto e escritor foi vitimado por um acidente de avião, durante uma missão de reconhecimento, no dia 31 de julho de 1944. Seu corpo nunca foi encontrado. Em 2004, foram encontrados os destroços do avião que pilotava, a poucos quilômetros da costa de Marselha, na França.

O assunto voltou à tona, com o lançamento dos livros “O Pequeno Príncipe me disse” e “Antoine de Saint-Exupéry – A história da história”, no dia 22 de março de 2009, em São Paulo, pela escritora e pesquisadora Sheila Dryzun. Como convidado, esteve presente ao evento François d’Agay, 84 anos, sobrinho do autor de “O Pequeno Príncipe”. Ele ainda participou de uma conversa, no dia 6 de março de 2009, na Aliança Francesa de Natal (Praça Cívica, Petrópolis), sobre seu tio, e sobre os livros de Dryzun. O sobrinho ratificou a evidência da relação do parente famoso com Natal.

Ainda no dia 6 de maio de 2009, o Baobá da Rua São José, em Natal, hoje chamado “O Baobá do Poeta”, recebeu a visita do sobrinho de Saint-Exupéry, engenheiro François D’Agay, a convite da Prefeitura Municipal.

 

 

No nosso planeta, o Baobá é considerado a árvore mais longeva que existe, podendo atingir milhares de anos. Sua altura pode atingir mais de 25m. O seu tronco pode medir até 20m de diâmetro. São necessários vinte homens abraçados, para abraçar o tronco de um Baobá.

Entre as famosas frases de Exupéry, na sua obra “O Pequeno Príncípe”, estâo:

“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos”.

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.


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