Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 15 de maio de 2022

GAIOLA DE OURO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

GAIOLA DE OURO

Violante Pimentel

 

Conheço crianças que só comem mel em vez de açúcar, alimentos integrais, não comem guloseimas como chocolates, e que são policiadas por mães neuróticas para que não engordem. Crescem pálidas, e raquíticas, sem resistência física, pois as mães as privam das melhores comidas, como se elas fossem doentes.

Junte-se a isso, o fato dessas crianças não terem direito a colocar os pés no chão dentro de casa, e não terem acesso a nenhum quintal, onde possam estar em contato com areia, sol, chuva ou sereno. Não adquirem “anticorpus” e por tudo adoecem.

Essas crianças ricas não conhecem a felicidade de brincar num quintal, correr descalças na terra seca do chão, jogar bola, subir em árvores, colher frutas maduras, tomar banho de chuva, sentar no chão, dar topadas, cair e ralar os joelhos, mesmo arrancando chaboques,

Não veem os passarinhos voando e cantando, ao vivo e a cores, fora da televisão.

Quando, desde cedo, não vão para as luxuosas creches, onde passam o dia todo, os meninos ricos ficam entregues às babás. nem sempre qualificadas. Sentam-se em um quarto atapetado, arrodeado de brinquedos eletrônicos, sem apego a nenhum deles, diante da fartura de opções que tem ao seu dispor.

Não imaginam que, fora daquele mundo artificial de fantasias, existe um mundo natural, onde a natureza coloca fruteiras variadas, pássaros com seus cantos maravilhosos, sol, chuva, e uma terra seca para eles brincarem à vontade.

Quase sempre, usam sapatos ortopédicos, pois a mãe tem medo que seus pés entortem. E só conhecem as árvores, que passam apressadas atrás do vidro do carro do pai.

Certa vez, um menino rico ganhou um belo pássaro importado, que vivia preso em uma gaiola caríssima, e se alimentava do melhor alpiste e água fresca. Ele não entendia porque razão o pássaro vivia triste e não cantava, apesar da gaiola bonita e boa alimentação. Era a falta da liberdade, que Deus deu ao pássaro para voar.

Na inocência do menino rico, o leite vinha das caixinhas da padaria e não das vacas. Tinha muitos brinquedos, bolas coloridas, mas sempre brincava sozinho, dentro do quarto atapetado. Só via a rua através das grades de sua janela. Ouvia na televisão histórias que falavam de assaltos, sequestros, balas perdidas, e ficava com medo do mundo lá de fora.

Na realidade, as “gaiolas de ouro” geram pobres meninos ricos. São meninos tristes e “policiados” pelos pais ou babás 24 horas por dia.

Não tem liberdade nem contato com a natureza. Não comem cuscuz com ovo, a base da alimentação do menino pobre, e que dá sustança. Mas comem granola e outros alimentos sofisticados, da moda.

Enquanto isso, os meninos pobres, sem conforto em casa, não notam que são pobres, pois a maior riqueza que eles tem é a liberdade. Jogam bola, tomam banho de rio, sobem nas árvores e comem frutas frescas. E até acompanham a chamada do palhaço do Circo: “Hoje tem espetáculo? Tem, sim, senhor”!

Hoje, o menino pobre cresceu, cheio de sonhos de ganhar muito dinheiro, para comprar toda a felicidade que ele já tinha e não sabia. Trabalhou muito, juntou dinheiro, construiu uma casa, mas teve que colocar grades.

O menino rico cresceu querendo ser livre. Somente depois de homem feito, pôde correr descalço e descobrir que a felicidade estava nas coisas simples.

Vivo hoje a saudade do quintal da casa dos meus pais .e dos meus avós paternos em Nova-Cruz (RN), onde na minha meninice, eu subia nas goiabeiras e pinheiras, e ali mesmo comia goiaba e pinha à vontade.

A modernidade veio para destruir o lirismo dos quintais, das conversas nas calçadas e das esquinas.

Lana Bittencourt – POBRE MENINO RICO – Vargas Júnior-Oscar Bellandi – Ano de 1955

 

 

 

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 07 de maio de 2022

BALANÇARAM O PÉ DE FAVA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

BALANÇARAM O PÉ DE FAVA

Violante Pimentel

 

 

Algumas pessoas supersticiosas acendiam velas para espantar o Demônio, quando sentiam flatos espalhados pelo ar.

 

 

Foi aí que começou o famoso costume de se riscar um fósforo, para acabar com o mau cheiro da flatulência..

Martinho Lutero, inclusive, recomendava aos fiéis soltar puns para afastar o diabo.

O enxofre é um elemento químico com odor igual a ovos podres. Por isso, ninguém consegue suportar a catinga de flato sem demonstrar indignação.

O odor dos flatos provém de pequenas quantidades de sulfeto de hidrogênio (gás sulfídrico) e enxofre e os mercaptanos livres na mistura.

Quanto mais rica em enxofre for a dieta, mais desses gases vão ser produzidos pelas bactérias no intestino, fazendo portanto com que estes gases cheirem ainda pior.

Alimentos como cebola, repolho, batata doce, milho, pimenta, couve-flor, leite e ovos são notórios por produzirem esses gases.

Flatulência é muitas vezes referida, vulgarmente, como pum (onomatopeia), peido (do latim peditu), bufa, gases, bombatraque (onomatopeia), entre outros nomes.
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Pois bem. Décadas atrás, entrando pelo século passado, numa certa noite, em plena campanha política para prefeito de Nova-Cruz (RN) e governador do Estado, durante a realização de um acirrado comício da UDN, com a presença do candidato a governador Djalma Marinho, houve um acontecimento hilário: “Balançaram o pé de fava” e o povo se dispersou.

Alguém que parecia ter comido guisado de urubu cozinhado no fogo do inferno, se infiltrou na multidão e “empestou” o comício com uma catinga de carniça e enxofre, que denunciava a chegada do Demônio ou da Besta Fera. No mesmo instante, Dona Neném Calango, mulher cinquentona, viciada em comício e desbocada, gritou:

– EU NÃO FUI!!!

E uma voz de homem respondeu:

–  AH, CONDENADA INFELIZ!!! QUEM PRIMEIRO SENTIU DO SEU LHE SAÍU!!!!

Muitos insultos foram dirigidos a Dona Neném, que perdeu a “classe” que nunca teve e respondeu com palavrões, pagando na mesma moeda.

Muita gente cuspiu e escarrou, e algumas pessoas chegaram a vomitar, com a sensação de que tinham engolido o “traque”.

Foi o caso de Lúcia, nossa vizinha, que estava com a tia no comício. A jovem chegou em casa doente, com a sufocante catinga do traque entranhada no nariz. Vomitou a noite toda. Estava gritando “Já ganhou”, de boca aberta, quando a catinga de carniça se espalhou no ar. Em pânico, botou na cabeça que tinha engolido o traque. Adoeceu na hora. Teve uma intoxicação, que levou uma semana para ir embora.

Dona Neném Calango já era conhecida, por expelir gases podres, onde quer que se encontrasse. Certa vez, acabou com o velório de um político, ficando, por alguns minutos, na sala da casa, apenas ela e o distinto “de cujus”.

Por isso, sua presença era evitada pelos conhecidos, em qualquer aglomeração. Era uma presença indesejável.

A história do comício se espalhou e Dona Neném Calango ganhou a fama de ter sido responsável pela intoxicação de Lúcia. Sua ideia infeliz de gritar “eu não fui !” quando a catinga se espalhou, contribuiu para que isso fosse uma declaração de culpa, ou melhor, uma confissão.

Valeu o ditado popular:

“Quem primeiro sentiu, do seu lhe saiu”!!!

Pela primeira vez, em Nova-Cruz (RN), alguém adoeceu por ter engolido um “traque ”.

Este caso é Verdade e dou Fé.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 30 de abril de 2022

MUNDO CÃO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

MUNDO CÃO

Violante Pimentel

 

É um documentário sobre coisas bizarras do mundo inteiro, e o primeiro “blockbuster”, palavra de origem inglesa, que indica um filme (ou outra expressão artística) produzido de forma exímia, sendo popular para muitas pessoas .do gênero na História. A partir de então, surgiram outros documentários chocantes mostrando coisas absurdas.

 

 

O cineasta Marcos Jorge, autor de Mundo Cão, traduziu a epígrafe desse documentário :

“As cenas que vocês vão ver são verdadeiras e filmadas sem truques. Se, às vezes, serão amargas, é porque muitas coisas são amargas nesta terra. O dever do cronista não é adocicar a realidade, mas descrevê-la objetivamente”.

Os temas de “Mundo Cão” são difíceis de digerir. A trama se passa quando ainda ocorria o extermínio de animais sadios no âmbito do município de São Paulo. “Santana é um funcionário do Departamento de Combate às Zoonoses e trabalha recolhendo cachorros perigosos das ruas. Com uma mulher evangélica e dois filhos, leva uma rotina tranquila, até que seu caminho se cruza com o de um rottweiler. Ele terá que se ver com o dono do cão, Nenê, envolvido com atos ilícitos”.

O conflito principal surge da impossibilidade do diálogo. “Os dois homens se encontram, um deles já está furioso, e o outro fica nervoso também. Eles trocam palavras, mas nenhum tenta entender o ponto de vista do outro. Tudo nasce disso, do diálogo que não se estabeleceu entre o Santana e o Nenê.”

Apesar de antigo, o documentário “Mundo Cão” reflete o momento atual do País, em que as pessoas estão “homologando” em vez de dialogar. Uma vez estabelecido o diálogo, você deixa de considerar o outro como um objeto, alguém sem importância. Ele assume subjetividade e personalidade. Dialogar faz com que você se aproxime do outro ser humano.

Pois bem. O Império Etíope, também conhecido como Abissínia, se enquadra muito bem nesse “Mundo Cão”. Ocupou os territórios da Etiópia e da Eritreia, existindo aproximadamente de 1270 (início da dinastia salomônica) até 1974, quando a monarquia foi deposta por um golpe de estado. Foi, na sua época, o mais antigo estado do mundo, e, além da Libéria, o único cuja independência resistiu com sucesso à Partilha da África pelas potências coloniais do século XIX.

Os Massais são um grupo étnico de seminômades, que vive no Quênia e no norte da Tanzânia. Devido aos seus costumes distintos e residência próxima aos parques de caça da África oriental, eles se situam entre os grupos étnicos africanos mais bem conhecidos internacionalmente. Famosos como pastores e guerreiros, preservam seus costumes e tradições culturais. A vida deles gira em torno do gado, como comprova a base de sua alimentação, leite com sangue.

É uma sociedade patriarcal em que o homem pode ter quantas mulheres conseguir sustentar. Suas vidas são marcadas pela passagem de diversos rituais, sendo o mais importante o da circuncisão, quando o garoto passa a ser considerado um homem. As meninas também vivenciam um ritual semelhante, em que seu clitóris é “retirado”, para serem consideradas mulheres.

Na tribo abissínia dos “massais”, o filósofo Ludwig encontrou um estranho costume: Durante as festividades, os chefes guerreiros fazem introduzir um boi vivo na sala do banquete, para carneá-lo, poupando-lhe as artérias e deixando-o esvair-se em sangue, sob os olhos estarrecidos dos convidados. Parece cena do “Mundo Cão”.

A descrição desta cena nos faz refletir se será mais cruel devorar uma nação viva, ou um animal que entra para o matadouro inconsciente do que o espera.

O Brasil, como nação livre e capaz de determinar-se por si mesma, está sendo tratado à semelhança do boi abissínio.

Condotiero (em italiano: Condottiere) é um chefe mercenário que controla uma milícia, sobre a qual tem comando ilimitado, e estabelece contratos com qualquer Estado interessado em seus serviços. Enquanto se julgam delfins e herdeiros, os chefes supremos estão carneando vivo o regime e só poupando as artérias para que estas, imprensa, parlamento e garantias constitucionais, deem ao povo a ilusão de que está viva a soberania nacional, quando, na verdade, ela morreu com a própria arma que lhe deram para defender-se.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 24 de abril de 2022

A VOLTA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

A VOLTA

Violante Pimentel

 

 

A humanidade precisa de amor, numa dose cavalar, capaz de nos reumanizar, nos corrigir e nos vacinar contra o ódio e a tirania. Precisa-se de uma vacina contra a volúpia da destruição dos mais fracos, ofendidos e humilhados.

Um amor que nos vacine contra a maldade, a opressão, a humilhação, a tortura psicológica, e tudo o mais que estamos vivenciando.

 

 

A coroa de espinhos de Cristo continua sendo posta na cabeça de pessoas inocentes.

Se Luiz Gonçalo ainda fosse vivo, estaria implorando hoje para ver novamente a banda passar, “cantando coisas de amor”.

Na época em que Chico Buarque de Holanda, aos 22 anos de idade, gravou A Banda (1966), Luiz Gonçalo já era sessentão. Contador antigo, fazia a escrita de vários estabelecimentos comerciais de Natal e ia sempre à Receita Federal, trocar ideias sobre as eventuais mudanças relativas à Declaração de Imposto de Renda.

Sempre de bem com a vida, bem-humorado, inteligente e educado, Luiz Gonçalo era muito bem relacionado, e os funcionários da Receita Federal o recebiam muito bem.

Carmen Pimentel, minha tia, era fiscal da Receita Federal, cargo que passou a se chamar posteriormente, Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil. Era funcionária antiga, já perto de se aposentar.

Nessa época, estava no auge o grande sucesso de Chico Buarque de Holanda, A Banda, a música mais tocada nas rádios de Natal.

Numa certa tarde, Carmen estava em pleno expediente na Receita Federal, quando Luiz Gonçalo entrou na sua sala, com a costumeira pasta executiva na mão. Ele sempre se dirigia a ela, quando precisava fazer alguma consulta relacionada ao Imposto de Renda. Amiga pessoal do contador, Carmen tinha satisfação em atendê-lo. Como também era muito bem humorada, ao vê-lo, Carmen, por brincadeira, cantarolou um trecho da música A Banda, que diz:

“O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou…”

Imediatamente e sem sair do tom, Luiz Gonçalo respondeu à provocação da amiga, cantando outro trecho da mesma música. “A Banda”:

“A moça feia debruçou na janela,
Pensando que a banda tocava pra ela…”

Os funcionários da Receita Federal que ouviram a resposta de Luiz Gonçalo não se contiveram , e a gargalhada foi geral.

O contador, com sua presença de espírito, não ficou por baixo diante da provocação de Carmen, que também riu muito, diante da merecida resposta que ouviu. Ela não imaginava que Luiz Gonçalo também soubesse cantar A Banda.

Carmen Pimentel, muitos anos depois de aposentada, ainda ria, quando se lembrava desse fato.

O momento atual, de tanta maldade, opressão, autoritarismo e sede de vingança, me traz à memória o lirismo da música de Chico Buarque de Holanda, A Banda, que tanta alegria e esperança leva aos corações de adultos e crianças.

A felicidade imensa com que é recebida a passagem dessa banda tão simples, tão brasileira e repleta de lirismo, é a comprovação da carência de amor pela qual o povo brasileiro passa.

A Banda de Chico não vem entoando marchas militares, dobrados de guerra, nem convida a matar o inimigo, pois ela não tem inimigos. Essa banda é feita de amor e só festeja o amor. Prefere rasgar corações, fazendo penetrar neles “o fogo que arde sem se ver, o contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, abrindo a ferida que dói e não se sente”, como fala o poeta português Luís de Camões.

Encontro na banda o remédio para todas as tristezas, pois a alegria que ela proporciona atinge meninos e velhos, feios e bonitos, fracos e fortes. Se a banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e até a lua cheia surgir, é porque é possuidora de uma beleza generosa e de uma força superior. Há nela, uma indicação clara, para todos que tem responsabilidade de mandar e os que são mandados; os que estão contando dinheiro e os que nada tem; os vingativos, os que tem facilidade de perdoar e os ambiciosos.

As coisas do amor abrangem um vasto terreno nas relações humanas. A Banda consegue alvoroçar a cidade, atrair o velho fraco, a moça feia, o homem sério, o faroleiro, e todos que a veem passar. Por uns minutos, todos se sentem felizes.

Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las e distribuí-las, começando por querer que elas floresçam. Abrangem um vasto terreno, nas relações humanas.

Se depois que a banda passou, “o que era doce acabou”, que venha outra banda, que nunca deixe de musicalizar o povo brasileiro.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 16 de abril de 2022

A SEMANA SANTA, NA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

A SEMANA SANTA, NA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE

Violante Pimentel

 

 

“UMA ESMOLINHA, PRA MINHA MÃE JEJUAR NO DIA D’OJE!!!”

Eram as crianças de Nova-Cruz pedindo esmolas na Semana Santa.

Na sala da nossa casa em Nova-Cruz (RN), ficavam dois sacos grandes, um com brote, outro com bacalhau. Eram as esmolas que minha mãe distribuía aos pedintes, na Quinta-Feira Santa e na Sexta-Feira da Paixão. Nessa época, década de 60, bacalhau era produto de baixo custo.

 

Paralelamente, na Sexta-Feira, havia uma grande preocupação das famílias, de esconderem suas galinhas dentro de casa. Os “biriteiros” de plantão costumavam furtá-las dos galinheiros nessa noite, e transformá-las em guisados, para lhes servir de tira-gosto.

O furto de galinhas, na noite da Sexta-Feira Santa, era uma tradição, fruto da cultura popular nordestina. Geralmente, os “gatunos” eram jovens conhecidos e de boa família, e faziam isso por danação. Às vezes, o furto era compartilhado pelos próprios filhos dos donos da casa.

As comadres da minha mãe, que residiam na área rural, traziam-lhe beijus de goma com coco de presente, cujo cheiro e gosto nunca esqueci.

A Semana Santa, para os adeptos da Igreja Católica, era uma época triste e sombria. Para começar, não havia aula durante essa semana. O martírio de Nosso Senhor Jesus Cristo era revivido com respeito. Não se ouvia música profana. Não se chamava nome feio, e quase não havia briga na cidade. Era um período de reflexão e esperança de um mundo melhor.

Na Quarta-Feira da Semana Santa, a chamada Quarta-Feira de Trevas, a Igreja ficava lotada de fiéis à tardinha, para se assistir a cerimônia do Ofício das Trevas. Os fanáticos e sujos acreditavam que o banho tomado nesse dia poderia deixar a pessoa “entrevada” para o resto da vida.

Mas, Frei Damião, numa das Santas Missões que fez em Nova-Cruz, acabou com esse tabu, que assombrava o povo do mato. Durante as Missões, no intervalo das missas, mandava que todos fossem para casa tomar banho, para não voltarem fedendo a paturi (produto do cruzamento de pato com marreca).

Na Quinta-Feira Santa, quando se revive a traição de Judas durante a Última Ceia, sentia-se na cidade o clima de tristeza, Era o começo do martírio de Jesus, que carregaria sua Cruz até ser crucificado e morto.

Na Sexta – Feira da Paixão, Jesus estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem. Era a cerimônia do “beija”.

Nesse dia triste, eram praticados o jejum de carne e a abstinência de bebidas alcoólicas.

As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, em troca de 30 moedas.

Os clubes sociais e outros ambientes de entretenimento não funcionavam, em respeito à morte de Jesus Cristo.

O sábado de Aleluia revive a expectativa da Ressurreição de Jesus Cristo, o filho de Deus.. A liturgia da Páscoa, ou passagem, ocorre pela madrugada.

A RESSURREIÇÃO DE CRISTO é o acontecimento mais importante da humanidade!

A Páscoa Cristã é uma das festividades mais importantes para o cristianismo. De acordo com o calendário cristão, a Páscoa consiste no encerramento da chamada Semana Santa.

Hoje, os costumes mudaram e a Semana Santa se transformou num feriadão igual ao carnaval.

Na praia da Pipa, onde o turismo do Rio Grande do Norte se concentra, os dias da Semana Santa são dias de intensa euforia, festas, danças e muita música eletrônica.

Apesar da banalização dos costumes, os ritos religiosos continuam sendo celebrados na Igreja Católica, durante toda a semana Santa, começando no Domingo de Ramos.

O antigo preceito de jejum de carne vermelha durante a Semana Santa, que é substituída pelo peixe, bacalhau e camarão, continua presente na mesa dos ricos, sejam católicos ou não. Esse hábito se dá por luxo e tradição, dificilmente por religiosidade.

Enfim, os tempos mudaram. O povo mais simples continua frequentando os ritos da Semana Santa nas Igrejas, enquanto os ricos, por comodidade, preferem assistir tudo pela televisão, isso quando não viajam para o turismo religioso.

E a saudade bate forte no meu peito, na Semana Santa. Vejo Dona Lia, minha querida e saudosa Mãe, dando o toque final no feijão de coco, arroz de coco, uma fritada de sardinha com batatinhas, ou um ensopado de bacalhau, com batatinhas e azeite de oliva.

Quanto mais o tempo passa, mais aflora essa saudade. E ninguém tinha morrido.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 14 de abril de 2022

SEMANA SANTA - HISTÓRICO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

SEMANA SANTA - HISTÓRICO

Violante Pimentel

 


 

A SEMANA SANTA é uma tradição religiosa cristã que celebra a PAIXÃO, a MORTE e a RESSURREIÇÃO de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela se inicia no Domingo de Ramos, que relembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, e termina com a Ressurreição de Jesus, que ocorre no domingo de Páscoa.

OS DIAS DA SEMANA SANTA:

1- DOMINGO DE RAMOS - Abertura solene da Semana Santa, com a celebração da Missa de Ramos, onde os fiéis exibem um ramo nas mãos, comemorando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Jesus é recebido com um Rei, mas os mesmos homens que o receberam com festa o condenaram à morte. Jesus é recebido e aclamado com ramos de palmeiras. Nesse dia, são comuns procissões em que os fiéis levam consigo ramos de oliveira ou palmeira, o que deu origem ao nome da celebração. De acordo com os Evangelhos, Jesus foi para Jerusalém celebrar a Páscoa Judaica com os seus discípulos. Entrou na cidade como um rei, mas sentado num jumentinho - simbolo da humildade - e foi aclamado pela população como o Messias, o Rei de de Israel. A multidão o aclamava: "Hosana ao Filho de Davi!" Isso aconteceu alguns dias antes da sua Paixão, Morte e Ressurreição.

SEGUNDA-FEIRA SANTA - A Segunda-Feira Santa é o segundo dia da Semana Santa, cujo começo tem lugar no Domingo de Ramos, e durante o qual os cristãos se preparam em orações para reviver a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

TERÇA-FEIRA SANTA - É o terceiro dia da Semana Santa, onde são celebradas as Sete Dores de Nossa Senhora Virgem Maria. E um dia de penitências, no qual os cristãos cumprem promessas de vários tipos ou o dia da memória do encontro de Jesus e Maria no caminho do Calvário.

1.4 QUARTA-FEIRA SANTA- Ou QUARTA-FEIRA DE TREVAS- É o quarto dia da Semana Santa. Em algumas Igrejas celebra-se nesse dia a piedosa procissão do encontro de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores. Ainda há Igrejas que nesse dia celebram o Ofício das Trevas, lembrando que o mundo já está em trevas, devido à proximidade da morte de Jesus. É uma celebração bonita e muito triste.

QUINTA-FEIRA SANTA - ou QUINTA-FEIRA DA CEIA DO SENHOR - é o quinto dia da Semana Santa e, na manhã desse dia, nas catedrais das dioceses, o Bispo se reúne com o Clero para a celebração do Crisma, na qual são abençoados os óleos que serão usados na administração dos Sacramentos do Batismo, Crisma e Unção dos Enfermos. Com essa celebração se encerra a Quaresma.
Neste mesmo dia, à noite, são relembrados os três gestos de Jesus durante a Última Ceia: a instituição da Eucaristia, o exemplo do Lava-pés, com a instituição de um novo mandamento (ou "ordenança") segundo algumas denominações cristãs, e a instituição do Sacerdócio. É neste momento que Judas Iscariotes sai para entregar Jesus por trinta moedas de prata. E é nesta noite que Jesus é preso, interrogado e, no amanhecer da sexta-feira, açoitado e condenado a morrer na CRUZ.

SEXTA-FEIRA SANTA ou SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO -

É quando a Igreja recorda a morte de Jesus. É celebrada a Solene Ação Litúrgica, Paixão e a Adoração da Cruz. A recordação da morte de Jesus consiste em quatro momentos: A Liturgia da Palavra, Oração Universal, Adoração da Cruz e Rito da Comunhão. Presidida por presbítero ou bispo, os paramentos para a celebração são de cor vermelha.

SÁBADO SANTO ou SÁBADO DE ALELUIA -
É o dia da espera. Os cristãos junto ao sepulcro de Jesus aguardam sua ressurreição. No final deste dia é celebrada a Solene Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias, como disse Santo Agostinho, que se inicia com a Bênção do Fogo Novo e também do Círio Pascal; proclama-se a Páscoa através do canto do Exultet e faz-se a leitura de 8 passagens da Bíblia (4 leituras e 4 salmos) percorrendo-se toda história da salvação, desde Adão até o relato dos primeiros cristãos. Entoa-se o Glória e o Aleluia, que foram omitidos durante todo o período quaresmal. Há também o batismo daqueles adultos que se prepararam durante toda a quaresma. A celebração se encerra com a Liturgia Eucarística, o ápice de todas as missas.

DOMINGO DE PÁSCOA -

É O DIA MAIS IMPORTANTE PARA A FÉ CRISTÃ, POIS JESUS VENCE A MORTE, PARA MOSTRAR O VALOR DA VIDA. Esse dia é estendido por mais cinquenta dias até o Domingo de Pentecostes.

A PÁSCOA CRISTÃ celebra, portanto, a RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 09 de abril de 2022

UM SONHO LINDO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO
 

UM SONHO LINDO

Violante Pimentel

Tenho por hábito pôr em prática o que Freud ensina, em “Além da Alma.” Quando o sonho é bom, ao acordar, registro-o num caderno que trago sempre ao lado da minha cama.

Hoje, sonhei com minha mãe, cantarolando “Garoto da Rua”, uma das suas músicas preferidas (1947 – composição de Renê Bittencourt e gravação de Augusto Calheiros).

Ao acordar, ouvi a música mais de uma vez e de repente me veio à memória a beleza de “Nós, os Meninos de Palmares”, primeiro capítulo do livro “A Prisão de São Benedito e Outras Histórias”, obra prima do consagrado escritor Luiz Berto. O livro é belíssimo desde a capa, as orelhas escritas pelo autor, e a fabulosa apresentação do poeta Orlando Tejo.

Sobre a Prisão de São Benedito e Outras Histórias, escreveu o poeta Orlando Tejo, em artigo publicado na Revista A REGIÃO, Recife, 1983:

“Há alguns meses, porém, A Prisão de São Benedito e outras histórias”, o mais opulento livro que já li em seu gênero, possibilitou-me a visão clara e geral do universo palmarense.

Nunca os tipos populares de nenhum lugar mereceram perfis literários mais precisos. Nenhum deles é caricaturado. São todos fotografados com a exatidão da arte que se pode exigir de um mestre. Luiz Berto os faz desfilar em assombrosa passarela universal, cada um deles com seus cacoetes humanos e suas características congênitas, fundo do riquíssimo cotidiano local que, em verdade, não é diferente do dia a dia de nenhuma outra cidade interiorana. Todas as cidades possuem os mesmos doidos, os mesmos boêmios, os mesmos aleijados, as mesmas prostitutas, as mesmas presepadas; e os bares, o cabaré, a noite, o clima de vida, o folclore, enfim, são clichês.

Tipos populares, portanto, não são privilégios de lugar nenhum. Ocorre, todavia, que somente Palmares deu um Luiz Berto. E isso explica o fenômeno. É o mesmo que pensarmos o que seria a Bahia sem Jorge Amado.”

Diz o Escritor Luiz Berto que não é poeta. “Nós, os meninos dos Palmares”, entretanto, é poesia pura; puro lirismo, característica dos poetas. Os meninos de Palmares eram “apontadores de estrelas”, “gáveas ao vento’, e “bebiam até a última gota naquele pote de felicidade.” Colocações poéticas lindíssimas!

Teimo em dizer, que o Escritor Luiz Berto é um dos maiores poetas que eu conheço. Seus escritos são poemas em prosa.

O garoto da rua, de que fala a composição de Renê Bittencourt, tinha a mesma alma dos meninos de Palmares, os mesmos sonhos, a mesma liberdade e as mesmas aspirações. Era um craque na bola de meia e andava com o bolso pesado de bolas de gude.

“Nós, os meninos de Palmares” é o retrato de uma infância feliz, que marcou uma época em que a maldade não tinha nascido.

Augusto Calheiros GAROTO DA RUA

 

 

 
 

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 02 de abril de 2022

MESA DE BAR (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

MESA DE BAR

Violante Pimentel

 

– Já fui casado, já tive um lar, com uma esposa que era uma santa, e cinco filhos. Mas a minha irresponsabilidade e minha vida boêmia destruíram meu lar.

 

 

Os amigos de copo já sabiam da história de cor e salteado, mas, mesmo assim, gostavam de ouvir.

Durante o tempo em que fora casado, Zé de Vina esquecia que a esposa e filhos precisavam se alimentar. A prioridade do seu dinheiro era a boemia. Mesmo com família constituída, ele só tinha olhos para mesa de bar e mulheres de cabarés.

Depois de anos de discussões e promessas não cumpridas, Bernadete, a esposa, cansada de passar privações junto com os cinco filhos, e de ver o marido chegar de madrugada, embriagado e agressivo, tomou uma atitude desesperada, para escapar das garras de um casamento infeliz.

Numa certa madrugada, ao chegar em casa trocando as pernas, Zé de Vina a encontrou completamente vazia. A mulher havia se mudado, para lugar incerto e não sabido, com os filhos e os móveis. O susto que ele levou fez com que ficasse sóbrio, imediatamente. Sem rumo e sem prumo, saiu perambulando pelos bares e adormeceu no chão.

Desesperado por se ver sozinho, sem esposa e filhos e com a casa vazia, Zé de Vina mergulhou ainda mais na boemia. Pagara muito alto o preço de sua irresponsabilidade. Mas, reconhecia que fizera por merecer.

Os maus-tratos a que tinha submetido a família, durante os dez anos em que fora casado, não mereciam perdão.

Dias depois que a família o abandonou, chegou aos ouvidos de Zé de Vina que um rico “coronel”, dono de fazendas, viúvo e cheio de filhos, fizera de Bernadete sua “teúda e manteúda” e estava fazendo as vezes de pai para seus filhos, dando a todos uma vida sossegada e com conforto.

O “coronel” era um importante chefe político, um figurão, e contava com o respeito de todos na cidade.

Depois de descobrir o endereço do tal fazendeiro, Zé de Vina, foi até lá, na esperança de rever, não a mulher, mas os cinco filhos. Estava conversando com eles, quando desceu de um cavalo o tal coronel, de rebenque na mão e com um vozeirão estridente:

– Boa tarde, seu Vina!

Os companheiros de copo, mais uma vez, ouviam atentos, talvez pela vigésima vez, a narrativa de Zé de Vina, e aguardavam o desfecho.

Percebendo a curiosidade dos amigos, Zé de Vina concluiu a conversa, jocosamente:

– Quando eu vi o tipão que é o coronel, só fiz desengalhar meu honroso chapéu da galhada de chifres e respondi, educadamente:

– Boa tarde, coronel Homero! Que Deus guarde Vossa Senhoria e suas excelentíssimas famílias! Bernadete tem bom gosto…


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 26 de março de 2022

A PROPAGANDA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

A PROPAGANDA

Violante Pimentel


Antigamente, a melhor maneira de se promover um produto era o tradicional “boca-a-boca”. Os próprios consumidores elogiavam para amigos, vizinhos e parentes os artigos de que haviam gostado.

A história da propaganda no Brasil começou em 1808, quando nasceu a Gazeta do Rio de Janeiro. Esse periódico publicou o primeiro anúncio de que se tem notícia:

”Quem quiser comprar uma morada de casas de sobrado com frente para Santa Rita, fale com Joaquina da Silva, que mora nas mesmas casas.”

 

 

A partir daí, pequenos textos sem ilustração, alguns sem título, do tipo “classificados”, começaram a oferecer serviços: professores de línguas, casas à venda ou para alugar, oferta de escravos, recompensas para quem encontrasse algum negro fugido etc.

Por volta de 1860, começaram a aparecer os primeiros painéis de rua, bulas de remédios e panfletos de propaganda.

Quinze anos depois, em 1875, os jornais Mequetrefe e O Mosquito inauguravam os reclames ilustrados. Desenhos, litogravuras e logotipos passaram a ocupar um espaço cada vez maior, sobretudo depois de 1898, quando surgiu O Mercúrio, jornal de propaganda comercial. Impresso em duas cores, esse periódico contava com ilustradores famosos, como Julião Machado, Bambino e Belmiro de Almeida. Os grandes anunciantes eram, então, os hotéis, as lojas de confecções e os fabricantes de remédios.

Os anos 30 deram à propaganda um novo e importante veículo: o rádio, que transmitia comerciais na voz dos grandes astros das emissoras.

A Agência Ayer foi pioneira no patrocínio de programas de rádio em cadeia (1933/1934), transmitindo as vozes de Francisco Alves, Carmen Miranda, e outros.

Em 1936, a Unilever (resultado da junção da empresa holandesa Margarine Unie e a Lever Brothers, da Inglaterra) se esforçaria em conquistar o mercado brasileiro. Os jingles serviriam como uma estratégia, não somente da Lever, mas também de outras empresas internacionais, para conquistar um mercado urbano brasileiro que começava a assumir uma postura consumista.

Lançada pela Unilever, no Brasil, a campanha do sabonete Lifebuoy começou a ser veiculada em 1937, nas rádios brasileiras, com o jingle:

“ESTE É O TAL QUE NÃO USA LIFEBUOY”, de autoria do publicitário Rodolfo Lima Martensen, responsável também pela criação do termo “C.C” (cheiro de corpo), que ainda hoje é usado no mesmo sentido.

Surgiram outras propagandas, como:

“Evite o “C.C”. (cheiro de corpo)! Use Lifebuoy!”

“Use sabonete Lifebuoy! Só ele contém o elemento purificador especial que de fato evita o “C.C”.

“Lifebuoy livra você do “C.C.”

“Nada de “C.C” comigo! Uso Lifebuoy!”

O odor da transpiração afastava os amigos e as mulheres, e transformava o ‘tal’ que não usava Lifebuoy, num renegado e marginalizado pelo próprio corpo.

Presente em mais de 40 países, Lifebuoy tornou-se marca líder, no segmento de sabonetes antibacterianos, no mundo.

Exalar o cheiro do corpo ou o cheiro de suor, seria algo inaceitável, num período de aglomeração nas cidades. Essa luta pelo bom cheiro do corpo sempre existiu.
O olfato se transformou num bem material, em forma de sabonetes, desodorantes, perfumes, pastas ou enxaguatórios bucais. O mau cheiro deveria ser banido e o bom cheiro deveria ser comprado.

O alerta servia a todos, sem exceção de cor, raça ou classe social.

O sabonete Lifebuoy e a sua campanha publicitária contra o “C.C.” foram considerados o que melhor representava o anseio de se livrar dos maus odores corporais.

O termo “C.C.” acabou sendo incorporado à norma culta da Língua Portuguesa na década de 1980, como “cê-cê” – cheiro de corpo.

A prova de que a preocupação com os odores naturais do corpo se faz presente na vida das pessoas, é que a campanha do “Lifebuoy” ganhou a atenção dos potenciais consumidores e foi um sucesso.

Nos anos 50, com o aparecimento da televisão, ampliou-se largamente o campo publicitário. O grande sucesso da década eram as “garotas-propaganda”, que ganhavam a simpatia e cumplicidade do telespectador para o produto.

As fotos de modelos provinham dos Estados Unidos: mulheres lindas, mas quase todas louras.

Percebendo a necessidade de gente morena para vender os produtos brasileiros, Charles Dulley , da Agência Ayer, colocou um anúncio nos classificados de “O Estado de São Paulo”: “Jovens bonitas, morenas, para trabalho fácil e bem pago.” No dia seguinte, dois “secretas” (policiais) foram à agência averiguar que tipo de “trabalho fácil” era aquele.

Os executivos da Unilever, no Brasil, identificaram um ponto que deveria ser revisto na propaganda do sabonete Lifeboy:

Em 1937, o desodorante ainda não era um produto acessível a todos. Naquela época, não havia no Brasil poder aquisitivo para justificar o uso cotidiano de desodorantes. Portanto, um sabonete que oferecesse as vantagens de um desodorante e dramatizasse essa qualidade junto ao consumidor, através de um forte cheiro, teria grande aceitação.

A utilização de figuras como a miss Brasil Marta Rocha ou a atriz Grace Kelly ajudava a compor o denominado “mundo da fantasia”, criado pela indústria cinematográfica de Hollywood.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 20 de março de 2022

ARLEQUIM (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

ARLEQUIM

Violante Pimentel

O escritor australiano Morris West (1916 – 1999) escreveu a obra “Arlequim” (1974), que narra o que acontece com um homem, quando se vê envolvido e visado pelos “mercadores da morte”.

Na ausência de uma filosofia que permita frear as pressões do mundo moderno, a era dos assassinos parece que nunca terá fim.

O que vemos agora é o terror rondando o nosso planeta, e a humanidade apavorada, diante da perspectiva de uma hecatombe mundial. O terror nos ronda e os “mercadores da morte” nos cercam. Eles existem, literalmente.

 

 

 

São homens que, através do uso sofisticado de computadores, promovem um assassinato aqui, uma revolução mais além, conspirando sempre contra a humanidade.

Paul Desmond passou a ser constantemente assediado, com sucessivos convites para almoços, jantares, coquetéis, conferências particulares. Alguns “amigos” de Arlequim, há muito afastados, ao saberem da sua enfermidade, procuraram Paul, com informações úteis sobre o mercado de ações, ou sobre um lote de ações a preço reduzido.

O fato mais significativo, porém, foi a intervenção pessoal de Basil Yanko, presidente da “Creative Systems Incorporated”. Seu telex de Nova York foi lacônico e objetivo:

“Em Genebra amanhã. Solicito conferência particular às 10 horas. Confirme, por favor. Yanko.”

Apesar de não gostar de Yanko devido à sua arrogância, Paul confirmou sua presença. Afinal, “Arlequim et Cie” havia subscrito todas as iniciativas da “Creative Systems Incorporated” e suas empresas afiliadas. Por recomendação deles, haviam conquistado uma dúzia de contas da maior importância.

Yanko era um homem alto, esquelético, de pele cinzenta, boca pequena e olhos pretos e pequenos, nos quais não havia o menor indício de humor. Era mundialmente conhecido e bajulado como o mais brilhante cérebro na tecnologia do computador.

Sua riqueza já se tornara conhecida em todo o mundo. Seus sistemas eram os fios que controlavam milhões de vidas-marionetes. Fazia questão de deixar isso bem claro, pois ninguém usava seus sistemas. Ao contrário, seus sistemas é que usavam as pessoas.

Mal começou a reunião em Genebra, Yanko jogou um envelope na frente de Paul e disse:

– Leia isto. É o relatório médico sobre George Arlequim.

Furioso com aquele ato de invasão de privacidade e desrespeito a Arlequim, que se encontrava hospitalizado, Paul mostrou-se indignado. Yanko não poderia estar de posse daquele relatório médico, sobre a saúde de Arlequim, exibindo-o numa reunião.

E Yanko continuou:

– Se Arlequim morrer, os herdeiros naturais são a esposa e um filho ainda criança. A direção de “Arlequim et Cie” será delegada aos atuais diretores e quaisquer talentos novos que eles possam descobrir. Não é muito fácil encontrar bons banqueiros. A consequência lógica é uma redução no valor das ações e nos lucros em potencial.

Essa era a lógica de Yanko, que estava disposto a apostar nessa consequência inevitável. Se Arlequim viesse a morrer, ele queria comprar todas as suas ações. Cobriria qualquer proposta que fosse feita. Se Arlequim sobrevivesse, como não tinha dúvidas Paul, a proposta de Yanko continuava de pé, conforme ele anunciou na reunião. Solicitou, inclusive, que Paul a transmitisse a Arlequim, assim que ele estivesse em condições de examiná-la.

Paul Desmond estava certo de que Arlequim recusaria. Como alternativa, Yanko comunicou que estava preparado para comprar as ações de todos os sócios.

Pelos Estatutos do banco “Arlequim et Cie”, George Arlequim tinha a preferência para comprá-las. Yanko sabia disso, mas esperava que ele estivesse disposto a renunciar à preferência na compra das ações, ou a vendê-la.

Paul perguntou porque esse interesse de Yanko sobre o patrimônio de Arlequim. Ele só fez sorrir. Fez uma pausa e tirou da maleta uma pasta volumosa, acrescentando:

– Vocês nos pagam para efetuarmos uma verificação de segurança em suas contas. Este é o relatório dos últimos seis meses. Os computadores mostraram algumas anomalias curiosas. Descobriram que algumas estão a exigir ação imediata. Se precisar de mais algum esclarecimento ou ajuda, o meu pessoal está à sua disposição.

Yanko se levantou e estendeu a Paul a mão frouxa e fria. Agradeceu por dispor do seu tempo e enviou para Madame Arlequim votos de rápida recuperação do seu marido.

Ao acompanhá-lo ao elevador, Paul Desmond sentiu um tênue calafrio, como mau presságio.

O computador seduz o homem a uma fé cega por ele e depois o trai à sua própria idiotice. Não se pode comprar o cérebro. Aluga-se o seu tempo. Contrata-se analistas de sistemas e se lhes explicam as necessidades.

Recorre-se a programadores, para fornecer ao cérebro os fatos e os números. Baseiam-se decisões de fundamental importância nas respostas proporcionadas pelo computador. Mas, não se tem tranquilidade, com relação aos possíveis erros dos programadores a que eles sejam subornados. Utilizam-se monitores para controlarem o cérebro em busca do menor indício de erro ou fraude. E assim se acreditava que o sistema era seguro e sagrado, à prova de escroques. Ledo engano. As fraudes são constantes.

Havia apenas um sério problema: o cérebro eletrônico, os programadores e os monitores eram todos membros da mesma família, a “Creative Systms Incorporated”, que sonhava em ter todos sob o seu controle, ao comando do seu chefe, Basil Yanko.

Quer gostassem quer não, estavam todos presos dentro de um círculo mágico, riscado por um mago do século XX. O relatório que estava em cima da mesa de Paul, esperando ser aberto, era um documento de magia, cheio de encantamentos e perigosos mistérios. Ele precisava reunir toda a sua coragem para abri-lo. Precisava de silêncio e tranquilidade para examiná-lo. Avisou à secretária que não lhe passasse nenhum telefonema. Trancou a porta e começou a ler o relatório. Duas horas depois, Paul enfrentava a brutal realidade: “Arlequim et Cie.” fora sangrada em quinze milhões de dólares. E quem a sangrara, fora o próprio George Arlequim!!!

A fraude mais absurda que Basil Yanko poderia ter feito em sua vida. Arlequim teria “roubado” seu próprio banco!!!

Paul Desmond quebrou lanças para conseguir cobrir o “desfalque” fraudulento no valor de quinze milhões de dólares, enquanto Arlequim ainda estava hospitalizado.

Quando Arlequim se recuperou da enfermidade, tomou conhecimento de tudo e se recusou a negociar suas ações com Basil Yanko. Lutou, pagando para provar a sua inocência, e não cedeu à pressão do verdadeiro autor da fraude.

Os abutres contavam com as ações do “Arlequim et Cie”. Mas, para desapontamento de todos, principalmente Basil Yanko, Arlequim se recuperou e pôde lutar para se defender da acusação de fraude e punir o verdadeiro culpado.

São os crimes da era cibernética; operações fraudulentas, para prejudicar empresas. É a lei do mais forte. Arlequim foi acusado de roubar seu próprio banco”, em fraude praticada por ordem de Basil Yanko.

Arlequim se recuperou e pode lutar para provar que os mafiosos da computação tinham praticado uma fraude em seu nome, no seu próprio banco.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 13 de março de 2022

CASIMIRA INGLESA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

CASIMIRA INGLESA

Violante Pimentel

 

 

O portador, Adamastor Silva, era amigo da sua família e viajaria a Natal, alguns dias antes da festejada data natalícia.

 

 

O presente era um corte de casimira inglesa, azul-marinho, para confecção de um terno, cor predileta do seu pai.

Junto com o presente, o Almirante enviou-lhe uma carta de felicitações pelo seu aniversário (21/06), como costumava fazer.

Convém salientar que a roupa clássica do Professor Celestino Pimentel era terno azul-marinho, de casimira inglesa, com camisa branca de cambraia de linho e gravata.

Ansioso para saber se o pai havia gostado do presente, tio Alberto contava os dias, estranhando a demora de notícias dele.

Quatro meses depois do aniversário do pai, o Almirante resolveu lhe escrever, pedindo notícias. Na verdade, ele também queria sondar se o pai tinha recebido, ou não, o corte de casimira inglesa, presente de aniversário que lhe enviara por um portador idôneo, acima de qualquer suspeita.

O Almirante não quis se mostrar sentido pela falta de notícias do pai, depois da remessa do presente. Entretanto, como ele sempre respondia suas cartas rapidamente, e sempre agradecia os presentes que recebia, o silêncio foi estranho.

Alberto passou a se inquietar, chegando a fazer mau juízo do portador. Mas, comprovadamente, Adamastor era um homem acima de qualquer suspeita.

Nessa época, décadas de 50/60, o único meio de comunicação que havia era através dos Correios. Uma carta demorava mais de um mês para chegar ao seu destino.

O Almirante ficou meses aguardando a resposta da carta, que acusaria o recebimento do presente. Estranhou o esquecimento do pai e mil cogitações passaram pela sua cabeça. Sabia que o pai era muito atencioso. Jamais deixaria de responder à sua carta nem de agradecer seu presente.

Seis meses de espera da resposta da carta se passaram e nenhuma notícia do pai do Almirante. Não aguentando mais esperar, tio Alberto escreveu ao pai e procurou um jeito sutil de tocar no assunto do suposto extravio do presente.

Muito escrupuloso, não queria se mostrar sentido com o pai, pela falta de resposta da carta, nem queria insinuar que o presente pudesse ter sido surrupiado pelo portador, pessoa conhecida e, até então, idônea.

O Almirante Alberto, então, escreveu ao pai, dizendo-se muito decepcionado com o amigo Adamastor, pois sempre o tivera em alta conta, como um homem íntegro e honrado. Entretanto, o presente de aniversário do qual ele fora portador, com certeza, não foi entregue ao destinatário. Não queria fazer mau juízo de Adamastor, mas “diante de fatos, não há argumentos”.

Após receber essa carta, o Professor Celestino escreveu, imediatamente, ao filho, desfazendo o mal-entendido e se desculpando pelo lapso de não haver agradecido, imediatamente, o presente.

O amigo Adamastor, portador do presente de aniversário do Professor Celestino Pimentel, estava completamente inocente nessa história. E o novo terno de Casimira Inglesa já tinha sido confeccionado pelo melhor alfaiate de Natal.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de março de 2022

SOMENTE CINZAS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

SOMENTE CINZAS

Violante Pimentel

 

Saudade da composição de Chico Buarque de Holanda A Banda:

A “minha gente sofrida” ainda não pôde se despedir da dor, “pra ver a Banda passar, cantando coisas de amor.. “

“O homem sério que contava dinheiro” não parou; “o faroleiro que contava vantagem” não parou; “a namorada que contava as estrelas” também não parou, para ver, ouvir e dar passagem à Banda, que mais uma vez, neste carnaval, foi proibida de sair às ruas.

“A moça triste que vivia calada” não teve motivos para sorrir…”A rosa triste que vivia fechada” não se abriu…

“A meninada” nem ao menos se assanhou, pois não havia banda a passar, tocando coisas de amor.

“O velho fraco” não se esqueceu do cansaço, nem pensou que ainda era moço pra sair no terraço e dançar…

“A moça feia” não se debruçou na janela, pensando que a banda tocava pra ela, pois, simplesmente, não havia banda.

“A marcha alegre” não se espalhou na avenida, nem “a lua cheia”, que vivia escondida, surgiu.

E a minha cidade não se enfeitou, pois não havia banda a passar, cantando coisas de amor.

O carnaval do fatídico mês 2 do ano de 2022 foi um desencanto total e “a Banda”, mais uma vez, não passou.

Há mais de dois anos, o povo não sabe o que é alegria nem liberdade de brincar o Carnaval. Nada mudou de lugar, nem a banda passou cantando coisas de amor.

Lembrei-me do personagem de Carlos Heitor Cony, na crônica “Cinzas e Nada Mais”. Trata-se de um religioso, que atendia pelo nome de Monsenhor Cinzas, como fora apelidado. Ao contrário do que o apelido sugeria, não era incolor nem apático, e sim um homem sanguíneo, dono de inúmeras frustrações e revoltado contra as pessoas bem sucedidas. Um pasto de “imensas cóleras contra a iniquidade do homem”.

Não tinha nada de cinzento, a não ser a alma.

 

 

Seu comportamento amargo afastava as pessoas que dele se aproximavam. Destruía as amizades, com sua curiosidade mórbida e sua inveja gritante. Sua revolta e seu mau humor deram origem ao apelido, que o acompanhou por toda a sua vida.

O apelido vinha do fato dele sempre gostar de lembrar que tudo na “humana lida” termina em cinzas.

Seu dia glorioso, seu grande dia, portanto, era a Quarta-feira de Cinzas (sua “finest hour”). “Cinzas e Nada Mais” era o seu bordão.

Ele passava o ano todo se lembrando de que toda a glória, toda a exultação e toda a formosura, mais cedo ou mais tarde, sem metáforas nem ressentimentos, acabam em um punhado de cinzas. E só se sentia feliz, quando tinha oportunidade de gritar o seu bordão: “Cinzas e Nada Mais”. Queria entristecer as pessoas que lhe ouviam e acabar com a alegria de viver de todos.

Contam os memorialistas que “quando o Fluminense foi tricampeão em 1938, Monsenhor Cinzas, que era Botafogo, invadiu a festa das Laranjeiras e ficou gritando: “Cinzas e Nada Mais!” Como quem diz: “Um dia, isto se acaba”…

Sua ferocidade era destruidora e desarticulava a alegria de quem estivesse feliz. Conta-se que ele agrediu um folião na terça-feira do Carnaval de 1944, que no bonde, cantava alto nos ouvidos dos passageiros:

“É hoje só, amanhã não tem mais! É hoje só, amanhã não tem mais!”

Deu-lhe um bofetão e ameaçou os demais passageiros, gritando:

“Cinzas e Nada Mais! Cinzas e Nada Mais!”

Monsenhor Cinzas terminou velho, desbotado e cinzento. Sofreu um AVC, sobreviveu, mas, mesmo assim, continuou revivendo “sua glória”, quando chegava a Quarta-Feira de Cinzas. Esse dia era para ele, ao mesmo tempo, a epifania, o Natal, a Páscoa e o triunfo. Era o dia das cinzas!!! Sua glória!

Ele era o verdadeiro “Corvo”, de Alan Poe. Uma figura macabra.

Foi professor de vários idiomas, mas a única frase que deixou gravada na memória dos alunos foi:

“Cinzas e Nada Mais!”

Pesquisando as marchinhas antigas, da coleção (Anos 30 a 84),organizada pelo produtor musical natalense, meu amigo José dias, encontrei essa bonita e significativa marchinha de Carnaval dos anos 30, “Rasguei Minha Fantasia”, do grande compositor brasileiro, Lamartine Babo: (Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1904 — Rio de Janeiro, 16 de junho de 1963).

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 27 de fevereiro de 2022

SAINDO DO SÉRIO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

SAINDO DO SÉRIO

Violante Pimentel

 

 

Por sinal, tenho loucura pelo carnaval, apesar de nunca ter brincado em clubes nem blocos, salvo no interior, na minha adolescência.

Hoje, me divirto, assistindo aos desfiles na TV, ouvindo as músicas dos carnavais antigos do Recife e também dos imortais trios elétricos de Armandinho, Dodô e Osmar.

Pois bem. Zé de Vina, quando não estava trabalhando na usina de algodão da qual era sócio e gerente, gostava de ler jornais e ouvir os noticiários do rádio.

Inteligentíssimo e politizado, também era muito observador.

Décadas atrás, num sábado de carnaval, enquanto ele se dirigia à banca de Jornal, um rapaz com aparência de necessitado e com voz chorosa o abordou, pedindo-lhe um auxílio para o funeral do pai. Entretanto, Zé de Vina reconheceu na fisionomia do rapaz, a mesma pessoa que, em anos anteriores, no sábado de carnaval, lhe pedira auxílio para esse mesmo fim. E no último ano, esse mesmo rapaz lhe pedira ajuda para o sepultamento da mãe. Descaradamente e com bafo de cachaça, estava, agora, repetindo o pedido de ajuda, para, mais uma vez, enterrar a mãe.

 Homem vivido e experiente, Zé de Vina encarou o golpista e lhe disse com sua voz grossa e estridente, em tom irritado:

– PAI VOCÊ PODE TER MUITOS!!! MAS MÃE, VOCÊ SÓ PODE TER UMA, seu malandro! Você já me pediu ajuda para enterrar seu pai umas dez vezes. Agora é a segunda vez que você está pedindo ajuda para o enterro de sua mãe. E é sempre no sábado de carnaval, já com bafo de cachaça. Você já está conhecido por aqui como um grande malandro, picareta e enrolão. Pegue o beco e se mande daqui, se não quiser que eu entregue você à Polícia.

O “órfão” se mandou, com medo de ser preso por malandragem.

Deve ter ido aplicar golpes em outro bairro, para poder encher a cara nos dias de carnaval.

 

Marchinhas de Carnaval – Me dá Um Dinheiro Aí

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 19 de fevereiro de 2022

REMEMORANDO O ALMIRANTE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

REMEMORANDO O ALMIRANTE

Violante Pimentel

 

Certo dia, durante um banquete que reunia a alta cúpula da Marinha, a esposa de um Almirante amigo dele, Josino Alves, sentiu que um dos saltos dos seus sapatos havia se quebrado. O Almirante Alberto, no final, se ofereceu para levar o sapato da esposa do amigo ao sapateiro de sua confiança. Segundo ele, esse sapateiro era um exímio profissional e o sapato, com certeza, ficaria perfeito.

 

 

Três dias depois, o Almirante Josino Alves, marido da senhora, dona do sapato, faleceu de um mal súbito. Não deu tempo do Almirante Alberto devolver ao amigo o sapato consertado, da sua esposa.

Inconsolável com o precoce e súbito falecimento do marido, a viúva entrou num processo depressivo e, poucos dias depois, viajou para o exterior, onde moravam seus parentes.

Não teve condições de comunicar sua mudança aos amigos e viajou sem se despedir.

Dez anos depois, regressou ao Rio de Janeiro e entrou em contato com o Almirante Alberto, um dos maiores amigos do seu falecido marido, querendo fazer-lhe uma visita.

Acompanhada da filha e do genro, a viúva fez a visita ao Almirante Alberto, no seu apartamento, à Rua Santa Clara, em Copacabana.

Depois de superadas as emoções do reencontro, o Almirante entregou à mulher uma sacola com alguma coisa dentro: Era o sapato, devidamente consertado há mais de dez anos, conforme ele se prontificara a mandar fazer.

Mostrando-se surpresa com a memória do Almirante Alberto, ela agradeceu os préstimos, e se emocionou, relembrando que aquele fora o último banquete da Marinha, do qual ela e o saudoso marido participaram. Entretanto, jamais imaginou que o Almirante Alberto houvesse guardado seu sapato consertado, durante todo esse tempo.

Perguntado por alguém, por qual motivo guardara esse sapato por tanto tempo, tio Alberto respondeu:

-Cumpri meu dever como militar. Promessa é dívida. Prometi ao meu grande amigo, Almirante Josino Alves, que mandaria consertar o sapato de sua esposa e assim o fiz. Infelizmente, em face do súbito falecimento dele e da consequente mudança da viúva para o exterior, não tive oportunidade de devolver, em tempo hábil, o sapato consertado.

O Almirante Alberto contava essa história e dizia que só teve sossego, depois que entregou o sapato à sua dona, mesmo decorridos mais de dez anos.

Se ainda havia serventia ou não do sapato, somente a dona poderia decidir.

– Só Deus sabe como me preocupei com isso! – Dizia o Almirante Alberto Pimentel, quando relembrava esse fato.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 12 de fevereiro de 2022

O ALMIRANTE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

O ALMIRANTE

Violante Pimentel

 

O combate às muriçocas

 

Minha mãe tinha dois irmãos, Luiz Gonzaga Pimentel e Alberto Edmundo Pimentel, que cursaram a Escola Naval no Rio de Janeiro e chegaram ao posto de Almirante da Marinha de Guerra. Só vinham a Natal a passeio.

Tio Luiz, não cheguei a conhecer, pois faleceu aos 52 anos e eu era de braço.

Tio Alberto, eu o visitava na casa do meu avô materno, sempre que ele vinha a Natal.

Décadas atrás, Nova-Cruz (RN), onde nós morávamos, era o fim do mundo. Ninguém tinha automóvel e as viagens daqui pra lá e de lá pra cá (Natal) eram feitas de trem ou de ônibus, e levavam de 5 a 6 horas.

Quando vinha a Natal, tio Alberto fazia questão de ir a Nova-Cruz, visitar a irmã Lia, minha mãe. Gostava de observar as conversas de meio de rua e a linguagem do povo. O que achava engraçado, anotava num caderno.

Nova-Cruz fazia um calor horrível durante o dia (30 a 40 graus), e à noite soprava uma brisa agradável, chegando mesmo a fazer um friozinho gostoso.

Os esgotos a céu aberto colaboravam para a proliferação de muriçocas. E as surras de muriçocas, que o Almirante Alberto levava nas noites em Nova-Cruz, ficaram na história. E ele, muito bem humorado, se divertia, contando, pela manhã, quantas picadas havia levado durante a noite. Como diz o matuto, ele devia ter o sangue doce, para que, numa só noite, levasse mais de 100 picadas de muriçoca.

Ele também se divertia com a linguagem do povo. Os termos: “Sostou!!!”, “bom que só!”, “Oi de casa”!, “Verter água”(urinar)”, “se banhar”, “bassoura”, “Bacio” (pinico), “ Aparelho” (sanitário)”, “Boca da noite” (o anoitecer), “Pico do meio-dia”, “Ponche”, “Garapa” (água com açúcar), Caningado (chato), Caninga (chatice), ”Barrer”(varrer) e outros, ele anotava num caderno que fazia parte da sua bagagem.

Depoimento da nora do Almirante Alberto Pimentel, residente em Brasília, no Facebook:

Esse depoimento da minha prima Catharina, que reside em Brasília e é viúva de Milton, filho de Tio Alberto, me comoveu. Ele era adorável!

O Almirante Alberto Edmundo Pimentel combatia a corrupção e abominava a desonestidade.

Costumava dizer que, aquele que deseja banalizar o roubo, achando que roubar é normal e que todo brasileiro é ladrão, deveria conhecer a história do Almirante Ary Parreiras, que construiu a Base Naval de Natal (que hoje tem o seu nome), entre os anos de 1941 e 1942, com a metade do dinheiro que lhe foi destinado para a construção. A outra metade, devolveu ao Ministério da Marinha, porque não precisou usar.

Um caso nunca visto!

Atualmente, os corruptos dominam a Nação.

E os desonestos consideram os honestos pessoas burras.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho terça, 08 de fevereiro de 2022

SATÍRICON – PETRÔNIO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

SATÍRICON – PETRÔNIO

Violante Pimentel

 

SUPERNUS AMOR
(Autor desconhecido)

Ser Petrônio, imperar dentro do Palatino
Conversar, dialogar com Sêneca e Lucano;
A César confundir, detestar Tigelino;
Afrontar o poder do Exército Romano.

Dos elegantes, ser o árbitro divino;
Sentir pela beleza, um desdém soberano;
Por Eunice descrer, o Zeus Capitolino,
Crisóstomo odiar, sobranceiro e tirano…

Tudo isso não vale, a atroz paixão sincera,
Desse funesto amor, a Lígia idolatrada,
Que Vinícius pagão cristãmente venera…

Ah! tudo isso não vale a trágica jornada,
em que o belo augustal todo se dilacera,
Procurando Calina em Roma incendiada.

 

Gaio Petrônio Árbitro (Petronius – Roma, 66 d.C.) foi um cortesão romano, da época do Imperador Nero, escritor, mestre na prosa da literatura latina, e satirista notável. Deixou um retrato sarcástico da sociedade romana do século I, da era cristã, na obra “SATÍRICON”, que se mantém atual, como crítica social e fonte documental.

Escreveu “SATIRICON”, com a clara intenção de ridicularizar o Imperador Nero e sua Corte.

Provavelmente, era filho de Públio Petrônio, cônsul sufecto em 19 e governador da Síria entre 37 42.

 

 

 

De família aristocrática, Petrônio foi descrito pelos historiadores como pessoa requintada, que amava os prazeres da mesa e da vida em geral, o que não o impediu de exercer, com eficiência e retidão, os cargos de governador da Bitínia, atual Turquia, e depois o de cônsul.

Conselheiro de Nero, no ano 63, aproximadamente, Petrônio foi por ele nomeado “Arbitere Legantiae” (árbitro da elegância).

A obra “SATÍRICON” foi escrita no período da decadência literária de Roma, que coincide com o seu declínio econômico, político e social. É um romance “costumbrista” em que se entremeiam prosa e verso, sendo narrado por Encolpo, seu personagem principal.

Em “Satíricon”, Petrônio faz uma paródia dos romances de amor gregos, substituindo, no entanto, divindades e heróis convencionais por gente da vida quotidiana depravada: homossexuais, ninfomaníacas, alcoviteiras, criados, estalajadeiros, escravos, poetas, políticos, aristocratas, frequentadores de bordeis, novos-ricos e parasitas de toda a ordem; todos povoam esse livro silencioso, o mais silencioso de toda a literatura latina.

Em linguagem, ora culta, ora cheia de vocábulos populares, de idiotismo e do coloquial da época, Petrônio denuncia, em tom risonho e mordaz, a desigualdade social e a corrupção provocada pela riqueza e a mesquinhez das classes dominantes, entregues a banquetes e orgias. “Enquanto a gente pobre jejua, vemos numa festa contínua as bocas privilegiadas”.

Como todo clássico universal, o texto de Petrônio descreve cenas que podem ser identificadas ainda no comportamento humano de nossos dias.

É também um importante testemunho da vida na antiga Roma. Porém, dizem os historiadores que a obra não chegou até a atualidade com o conteúdo completo. Ao longo dos anos, a partir da análise do texto restante, foi possível deduzir algumas passagens perdidas. Além disso, alguns fragmentos do “SATÍRICON” são encontrados em obras de autores contemporâneos, como Mauro Sérvio Honorato e Sidônio Apolinário.

As partes remanescentes do texto narram as desventuras do narrador Encolpo, em meio às viagens que realiza pela Itália, junto a seu amigo e ex-amante Ascilto e seu escravo e amante, um menino de 16 anos de nome Giton. Ao longo da história. Encolpo enfrenta dificuldades, em manter Gíton fiel à relação, pois este é constantemente seduzido por outros personagens.

A maioria dos personagens do “SATÍRICON” são desprovidos de pudor. Nota-se a completa amoralidade dos cidadãos, uma vez que o cristianismo ainda não tinha “purificado” a todos. Não existia repressão, tampouco vergonha com relação à sexualidade.

A história narrada por Encolpo cita as práticas orgíacas, heterossexuais e homossexuais das sociedades que este e seus dois companheiros de viagem vão encontrando. Há um total desprendimento moral nas pessoas, já que a visão de mundo cristão que “castraria” o sexo como elemento essencial do ser humano, ainda não ameaçava o “estilo de vida” do mundo pagão. Desse modo, não existiam pecados capitais, para podar as vontades de homens e mulheres, jovens ou velhos.

O romance foi adaptado para o cinema, em 1969 (SATÍRICON DE FELLINI – 1969).

A obra deu origem à novela moderna e foi o primeiro romance realista da literatura universal.

“SATÍRICON” é o sensível sismógrafo dos vícios e depravações de um momento histórico.

Petrônio foi condenado ao suicídio, acusado de participar da conspiração do ano de 65, contra o imperador Nero.

Passou suas últimas horas numa festa em Cumas. Nessa ocasião, catalogou os vícios de Nero e enviou-lhe a lista, antes de cortar os pulsos, no ano de 66 D.C.

Petrônio foi retratado pelo escritor Caio Tácito, nos Anais (XVI, 18-19), como um cortesão que se entregava, ora aos prazeres, ora aos negócios públicos, costumando consagrar o dia ao sono, e repartir a noite entre os deveres, a mesa e as amantes. Era ídolo de uma corte libertina, e foi nela, durante muito tempo, o árbitro do bom gosto e da elegância. Mas, finalmente, foi superado por Tigelino, seu rival, e antecipou-se à crueldade de Nero, suicidando-se. Epicurista sincero, vivia para o prazer. Mesmo nos seus últimos momentos, olhava sorrindo sua vida se escoando pelo sangue das veias abertas. E, de vez em quando, pedia que as estancassem, para conversar mais alguns minutos com os amigos, acerca de poesias festivas e versos levianos.

Entreteve-se, nos momentos finais, em traçar um relato sucinto dos excessos de Nero: pintou-o nos braços de seus amantes e amadas, ultrajando, a um só tempo, o pudor e a natureza.

Depois de encaminhar a Nero esse testamento acusador, selado com seu anel consular, morreu tranquilamente, como se estivesse dormindo.

SATÍRICON, a obra de Petrônio, é de extraordinária atualidade.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 29 de janeiro de 2022

LOUCURA POR PITOMBA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

LOUCURA POR PITOMBA

Violante Pimentel

 

A feira da nossa casa era levada na cabeça de um balaieiro, Seu Severino, que continuou fazendo o mesmo serviço, mesmo depois que conseguiu ser aposentado pelo FUNRURAL.

Era um homem humilde e trabalhador, de baixa estatura, moreno, magro e sério.

Eu voltava da feira feliz da vida, com meu cacho de pitomba realçando na cestinha.

Nunca tomei suco, ponche, nem comi doce ou geleia de pitomba, em Nova-Cruz. Lá, pitomba só servia para se chupar e comer a polpa, com muito cuidado para não engolir o caroço, que é grande para o tamanho do fruto.

Não servia nem para lanche, pois não satisfazia à fome. Não dava sustança. E as propriedades nutrientes da pitomba eram desconhecidas.

E a deliciosa frutinha ainda deixava os dentes dormentes, se chupadas com exagero, como eu fazia.

Mesmo assim, eu não abria mão do meu cacho de pitomba, no dia da feira em Nova-Cruz.

Não matava a fome, mas eu gostava; deixava meus dentes dormentes, mas eu nem ligava.

Protegida por uma casca dura e redonda, a polpa da pitomba é esbranquiçada, suculenta, levemente ácida e adocicada. É muito difícil alguém não gostar de pitomba.

Se um fruto pode ser simpático, é o caso da pitomba, além de ser gostoso. Faz parte das saudades da minha infância.

Naquele tempo, bem distante da era cibernética, não havia como se pesquisar sobre qualquer coisa, muito menos sobre pitomba.

Depois de adulta, minha loucura por pitomba diminuiu. As “jaquetas” dentárias me obrigaram a controlar minha ansiedade de chupar pitomba.

Mesmo assim, minha “loucura” continua viva, como uma brasa escondida na cinza. Continuo gostando muito de pitomba. É um vício do qual nunca consegui me livrar. Não posso ver um cacho de pitomba, que eu compro.

Fiquei feliz e surpresa, certo dia, ao me deparar com as qualidades nutrientes da pitomba, no Google:

“Apesar de pequena, a pitomba possui grande quantidade de vitaminas, fibras e propriedades que auxiliam no combate ao envelhecimento precoce, à prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, além de fortalecer o sistema imunológico. É rica em vitamina C, ferro e antioxidantes.

A Pitombeira está presente na maior parte do território brasileiro, especialmente na Amazônia e na Mata Atlântica.

Em Pernambuco, Região Nordeste, a festa de Nossa Senhora dos Prazeres, festejo religioso tradicional, realizada no Parque Histórico Nacional dos Guararapes, em Jaboatão dos Guararapes, também é conhecida como Festa da Pitomba.

A Pitombeira, árvore que pode chegar a medir até 12 metros de altura, é cultuada no Recife, e serviu de inspiração a poetas, compositores e foliões carnavalescos, influenciando a criação do Bloco da Pitombeira, com belas músicas pertinentes ao tema.

A Troça Carnavalesca “Pitombeira dos Quatro Cantos” nasceu em 17 de fevereiro de 1947, com um grupo de amigos fazendo versos embaixo de um pé de pitomba, nos Quatro Cantos, em Olinda. Segundo os historiadores, eles saíram pelas ladeiras, nus da cintura para cima, com galhos de pitomba, fazendo belíssimas canções.

Três anos depois, os foliões passaram a se fantasiar de acordo com o tema e com elementos da cultura popular do Carnaval de Pernambuco. Esse famoso bloco de carnaval visa a preservação do frevo pernambucano, característico da folia do Estado.

O “Hino da Pitombeira”, da autoria do compositor Alex Caldas, foi composto em 1950.

Esse belíssimo hino é o mais conhecido e tocado em Pernambuco, durante o carnaval.

Música e letra são contagiantes:

“Nós somos da Pitombeira
Nós brincamos muito mais
Se a turma não saísse
Não havia carnaval
Se a turma não saísse
Não havia carnaval
Bate-bate com doce eu também quero
Também quero, também quero
Bate-bate com doce eu também quero
Também quero, também quero…”

 

 

Por sua vez, o compositor Alceu Valença gravou “PITOMBA PITOMBEIRA” em 1976, que diz:

“Ó lá, ô lô, morena, flor de cheiro
Sai dessa roda, quebra esse cordão
Te dou um doce, um cacho de pitomba
Vem pro meu lado e sai da contra-mão…”

 

 

Essas músicas por mim citadas lavam a minha alma e me dão contentamento, pois a pitomba faz parte das doces recordações da minha infância.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de janeiro de 2022

O PRECURSOR (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

O PRECURSOR

Violante Pimentel

 

 

Dr. Ramos, médico pernambucano da Fundação SESP, radicado em Nova Cruz durante muitos anos (60/70), exercia a medicina como um sacerdócio. Ele e a esposa, Dona Gabi, que era parteira, eram abnegados benfeitores da humanidade, dedicados à saúde dos pobres, na pequena cidade de Nova-Cruz (RN).

 

 

Dr. Ramos atendia no Posto de Saúde, e também na sua residência, onde instalou um consultório particular, e ali atendia ricos e pobres, com a mesma abnegação.

A cidade era muito atrasada. Não dispunha de energia elétrica nem de água encanada.

As mulheres que batiam à porta de Dr. Ramos para se consultar, fosse qual fosse a queixa, antes de qualquer coisa, teriam que se submeter a um exame ginecológico, para coleta de lâmina, a fim de poder ser detectada qualquer inflamação uterina. Era o exame preventivo contra Câncer, numa época em que ainda não se falava nisso.

As pessoas de mente doentia faziam comentários maldosos contra o médico, por causa desse “exame preventivo”, mas nunca houve qualquer comprovação de conduta libidinosa por parte do respeitável profissional. Durante esse exame preventivo, o médico era auxiliado pela esposa, Dona Gabi.

Numa noite chuvosa, por volta das 19 horas, Dr. Ramos ouviu palmas à sua porta. Era Severino, um senhor que morava no Alto de São Sebastião, cuja esposa era cardíaca e estava passando mal.

Dr. Ramos o acompanhou, mandou abrir a farmácia e providenciou uma medicação paliativa, para tirar a paciente da crise.

Em Nova-Cruz, não havia hospital nem ambulância, para transporte de pacientes para Natal (RN) ou João Pessoa (PB), onde estavam localizadas as mais próximas unidades hospitalares, para atendimento de urgência.

Diante da gravidade do caso, Dr. Ramos recomendou ao marido da paciente que, no dia seguinte, a transportasse a Natal ou João Pessoa (PB), com urgência, pois o caso era grave. Tirou a paciente da crise, com os medicamentos disponíveis na farmácia e só voltou para sua residência à uma hora da manhã.

Antes de amanhecer o dia, Dr. Ramos ouviu, mais uma vez, palmas à sua porta. Era Severino, o marido da paciente, que viera avisar que a esposa havia falecido. Chorando muito, o homem esperou que Dr. Ramos preenchesse o Atestado de Óbito de Josefa Maria da Silva, para que o Cartório expedisse a competente Certidão de Óbito, e ele pudesse providenciar o enterro.

Compadecido diante do choro do viúvo, Dr. Ramos pronunciou estas palavras de solidariedade:

-Severino, se conforme. Aquele remédio que eu ministrei à D. Josefa é muito bom! Ela morreu, mas morreu muito melhorada…

Esse caso ocorreu nos anos 60/70.

Nos dias atuais, temos notícias de mortes por COVID-19, de pessoas já vacinadas com as duas doses e até com a dose de “reforço” da vacina, considerada milagrosa, pela mídia.

O que são 50 anos na História? Nada! A História se repete.

Uma verdade deve ser propagada: Pessoas já vacinadas contra COVID-19, com a primeira, segunda dose e a dose de reforço, continuam morrendo do mesmo mal, mas agora é diferente:

“ESTÃO MORRENDO MUITO MELHORADAS.”

Já é um alento para a humanidade!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 15 de janeiro de 2022

VIAGEM DE AVIÃO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

VIAGEM DE AVIÃO

Violante Pimentel


Aquela seria a primeira vez que Maria viajaria de avião. Ernesto, seu marido, havia tirado três dias de folga do seu emprego no Banco do Brasil, em Natal, para aproveitar o feriadão do dia 8 de dezembro em Recife (PE).

Com ele, Maria estava certa de que não sentiria medo “das alturas”. Ledo engano. Subiu no avião com “o coração na mão”, praticamente, “puxada” por Ernesto. Tensa e assustada, Maria “perdeu a voz”. Sabia que se o avião “baixasse um pneu”, não tinha acostamento para fazer a troca. Encolhida à janela do avião, Maria fixou os olhos nas nuvens, sem olhar para o rosto do marido. Mas não soltava sua mão, apertando tanto, a ponto dele achar graça e dizer que estava vendo a hora ela quebrar sua mão esquerda.

 

 

O que seria uma viagem rápida, de 35 minutos, para ela parecia que estava atravessando o Oceano Atlântico, num voo de várias horas.

O nervosismo de Maria era visível e Ernesto, que já era acostumado a viajar de avião, se divertia com isso.

Naquela época, década de 70, as companhias de aviação serviam refeições durante as viagens. Logo após a decolagem, foi servido o café da manhã. Maria mal se serviu, preferindo apreciar a “paisagem”.

De repente, teve a certeza de que o avião estava sobrevoando Tangará (conhecida, antigamente, por Riacho), cidade do Rio Grande do Norte, parada certa do ônibus que fazia a linha Natal/Nova-Cruz – Nova-Cruz/Natal, da Viação Riograndense.

Surpresa, Maria falou:

– Oxente! Estamos sobrevoando Tangará?!!!

A voz de Maria foi abafada pela voz da aeromoça, que anunciava:

– Senhores passageiros, dentro de 10 minutos estaremos aterrissando no Aeroporto dos Guararapes, Recife, Pernambuco, Brasil! Tempo bom e temperatura marcando 28 graus.

Maria, morta de vergonha, se sentiu uma verdadeira “beradeira”. Havia falado uma besteira, coisa de matuta mesmo, que nunca tinha viajado de avião. Até então, ela só tinha se aventurado na Onda Marinha, na Roda Gigante e nas Canoas do Parque de Diversões “São Luiz”, nas festas de final de ano em Nova-Cruz, sua terra natal.

Não deu tempo nem de Ernesto terminar de tomar o café da manhã. Foram, apenas, 35 minutos de voo.

Maria ficou sem acreditar, que o avião já houvesse chegado ao Recife. Sentiu um alívio imenso, ao desembarcar. Mas não venceu o medo, e até hoje tem pavor a viajar de avião.

Parafraseando o saudoso Ariano Suassuna, Maria não se cansa de dizer: “Tenho horror a viajar de avião”

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 08 de janeiro de 2022

UMA VIAGEM DE AMARGAR (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UMA VIAGEM DE AMARGAR

Violante Pimentel

 

Fiquei admirada com o preço baixo cobrado pelo motorista e atribui isso à amizade dele com Zanoni e Kátima.

No sábado pela manha, às 7 horas, eu e minha filha Diana entramos no táxi de Seu Radir, um senhor beirando à meia idade, educado e sério. Com pequena bagagem, estranhamos o rumo que ele tomou. Ele já estava prestes a passar pela antiga Ponte de Igapó, quanto eu lhe perguntei por que não tinha pegado a BR 101. Ele disse que eu tinha acertado com ele uma viagem à praia de Galinhos, em Macau (RN). E o caminho certo era aquele. Eu disse que ele estava completamente enganado, pois a viagem acertada seria para Porto de Galinhas, em Pernambuco e não para Galinhos (RN).

Irritada, ordenei que ele retornasse ao prédio onde moramos, pois, com ele, não iriamos mais a lugar nenhum. O taxista, só faltou chorar, e se desculpou por ter entendido mal. O preço dado por ele seria para nos deixar na Praia de de Galinhos (RN), bem mais perto. Implorou para que eu não desistisse de viajar com ele, e disse que, já que ele entendeu mal e deu o preço errado, pensando que a viagem fosse para Galinhos, iria cobrar como se a viagem fosse para Recife. De lá, até Porto de Galinhas, ele não cobraria nada. Mostrou-me a tabela de preços e eu até senti dó da situação dele.

Percebi que era uma pessoa decente e resolvi “desculpar a falha”.

Pegamos a BR 101, mas, antes disso, senti que estava muito mal sentada no Corsa Classic de Seu Radir. Simplesmente, o banco de trás tinha um enorme rasgão e se podia ver a ampola de combustível que ele conduzia (gás).

Era nesse banco que eu e Diana estávamos sentadas, salvando a ampola de gás.

Fiquei assustada com o gás, mas depois me acalmei.

O motorista nos pediu desculpas, pelo rasgão que havia no banco.

Eu trazia na bolsa de mão alguns CDs novos, dentre eles o mais novo de Chico Buarque, meu ídolo.

Depois de Goianinha, pedi ao motorista para ligar o som do carro e colocar o CD de Chico. Ele pediu desculpas novamente e disse que ali estava somente a tampa do toca-CD. O som tinha dado problema e o dono do táxi, que não era ele, tinha mandado consertar. Nem rádio tinha no carro.

Decepcionada, mostrei-me indignada, por ter que viajar durante 8 horas para Porto de Galinhas, sem ouvir nem ao menos um rádio.

Seu Radir, mais uma vez, nos pediu desculpas e disse que aquele táxi pertencia à frota de táxi de um conhecido Vereador de Natal, que não gastava um centavo com a manutenção dos carros.

Esse Vereador foi eleito pela 1ª vez em 2012. Sua campanha eleitoral foi hilária. Voltada para os idosos e crianças, pois elas poderiam conseguir para ele os votos dos pais e avós.

Imitando o Carro do Ovo, quando candidato, ele andava pelas ruas de Natal, anunciando a passagem do Carro do “Picolé”, que ele distribuía em troca de promessas de votos.

 

 

Na Zona Norte de Natal, ele mantinha uma casa de “Forró”, com entrada livre, mediante promessas de votos. Depois de seis candidaturas, ele conseguiu ser eleito.

Meu amigo Zanoni estava doente, e, pouco tempo depois, faleceu, no Pará, sem saber da Odisseia que essa viagem no táxi dirigido por seu compadre Radir representou para nós.

Não obstante o imprevisto do desconforto do táxi, o Congresso foi excelente, e o encerramento foi ótimo, com show de Alceu Valença.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 01 de janeiro de 2022

ADEUS, ANO VELHO! (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

ADEUS, ANO VELHO!

Violante Pimentel

 

 

Torço para que surjam mais fortes, a Fé e a Esperança em que nos seguramos, pois somente Deus fará atingível o nosso ideal inatingível: a cura definitiva da COVID-19.

Muito tem feito a Ciência, no intuito de erradicar esse vírus. E o que vemos são pessoas vacinadas com as duas doses, e também com o reforço da vacina, gripando constantemente, com quadros sérios de infecção pulmonar.

Ano Novo, vida nova! Que o Pai Celestial, o único Poderoso e Supremo, afaste da humanidade o terrível vírus, que tem dizimado vidas e causado sofrimento em milhares de famílias, que viram seus entes queridos e amigos partirem, vítimas também das brigas de laboratórios e desvio de verbas públicas. Tudo comprovado pela CPI da COVID, mas, até agora, os verdadeiros vilões continuam impunes.

Adeus, Ano Velho ! Vá com Deus! Que neste Novo Ano, as almas sofridas se refaçam e renasçam das cinzas! Que um novo horizonte volte a brilhar. Que a Estrela do Natal ilumine os homens da Ciência, para que acertem na vacina certa, e acabe logo o jogo de adivinhação.

Para mudar o rumo desta prosa, e falando de Adeus, lembrei-me do antigo filme “Adeus, Mr. Chips” (Good Bye, Mr. Chips – 1ª versão em 1939 e a 2ª versão em 1969), baseado no romance do americano James Hilton.

Na primeira versão, o gênero do filme era drama-romance. O elenco era composto por Robert Donat (Arthur Chipping), John Mills, Greer Garson e Terry Kilbum.

Data de lançamento: 15 de maio de 1939 (EUA)

Na segunda versão de Adeus Mr. Chips (estreia no Brasil em 1969), Peter O’Toole é o abnegado e austero professor de latim, de uma tradicional escola inglesa. Seu sonho é ser Diretor dessa escola, mas não goza da simpatia dos alunos, em virtude do seu jeito arcaico de ser e da sua austeridade.

Apesar de aspirar ao cargo de Diretor, Mr. Chips, era muito sisudo e caladão, sendo antipatizado pelos alunos.

Algum tempo depois, ele se casa com uma jovem atriz de musicais, Katherine Bridges (Petula Clark), que deixa o palco para ser apenas sua esposa, e acaba conquistando os alunos do marido, com sua beleza e espontaneidade. Aos poucos, ela também consegue transformar o marido, que, gradativamente, deixa a austeridade de lado, passando a ser amável com os alunos, a ponto de ser considerado o professor mais simpático e mais querido da escola.

Adeus, Mr. Chips é a refilmagem, em forma de musical, da produção homônima de 1939, que reuniu Robert Donat e Greer Garson. As canções foram compostas por Leslie Bricusse e interpretadas, na maioria, por Petula Clark. Apesar da transposição de gêneros ter sido bem feita, o filme não conseguiu fazer com que as velhas gerações esquecessem o original, nem conseguiu atrair os mais jovens. Com isso, o musical não fez sucesso nas bilheterias.

Ao contrário da maioria dos musicais, não há um final feliz para Adeus, Mr. Chips.

O filme marca a estreia no cinema do diretor Herbert Ross e, entre várias premiações, recebeu duas indicações ao Oscar, uma para a atuação de Peter O’Toole e outra para a trilha sonora de Bricusse e John Williams.

Segundo Ken Wlaschin, este é um dos dez melhores trabalhos da carreira de Peter O’Toole.

Peter O’Toole é o ator principal do filmaço “A Noite dos Generais”, um dos melhores filmes que já assisti.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de dezembro de 2021

A NOITE DE NATAL (CONTO DA MADRE SUPEIRORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

A NOITE DE NATAL

Violante Pimentel

 

 

O Natal é a maior festa da cristandade. Há uma Luz nessa festa, e não são luzes artificiais.

 

A Noite de Natal é sagrada. Noite de encanto, mistério e ternura, para crianças e adultos, principalmente aqueles que tem boas condições financeiras. Para os pobres, é mais uma noite, onde as diferenças sociais são gritantes e eles sabem que a solidariedade, típica da época natalina, é passageira.

É também uma noite de saudade dos nossos entes queridos, que já não se encontram entre nós.

O meu Pai, Francisco Bezerra Souto, se encantou na véspera de Natal (24.12.1984). A partir de então, apesar dos anos decorridos, essa data, para mim, permanece marcada e a minha alegria é triste. Por isso, a celebração natalina me traz melancolia. Tento disfarçar a minha dor, mas a saudade e as lembranças são mais fortes.

Entretanto, na noite de Natal, o brilho das estrelas é mais intenso. Entre elas, há o brilho dos olhos dos entes queridos que nos deixaram e que, lá do Céu onde se encontram, estão a nos iluminar.

A representação mais verdadeira dessa noite é o Presépio, que revive o cenário em que Jesus nasceu. O primeiro presépio que existiu foi montado por São Francisco de Assis, no século XIII. Ele quis mostrar ao povo como aconteceu o nascimento do Menino Jesus. Depois, o presépio tornou-se uma tradição e passou a ser montado nas casas, nas igrejas e em diversos locais, durante o ciclo natalino.

No presépio, figuram a Sagrada Família, composta por Jesus, Maria e José; os três Reis Magos (Belchior, Gaspar e Baltasar), o Anjo que anunciou a Maria que ela iria ser a Mãe de Jesus, e a Estrela-guia, que iluminou o caminho para que os Reis Magos encontrassem a manjedoura.

No sentido religioso, os anjos usados na decoração do Natal remetem a São Gabriel, o anjo que teria anunciado à Maria que ela seria a mãe de Jesus.

Os três Reis Magos foram à procura do Menino Jesus, para adorá-lo e levar-lhe de presente, incenso, ouro e mirra.

Jesus nasceu em Belém, a menor cidade da Judéia, na simplicidade, humildade e pobreza.

A festa do Natal tem como figura principal o Menino Jesus, que nasceu numa manjedoura, dentro de uma gruta despojada e pobre.

Naquele momento, a gruta abrigou toda a riqueza do Céu e da terra. O Menino estava envolto em panos e deitado na manjedoura, sob o aconchego de Maria e José, seus pais, porque não havia lugar para eles na casa dos homens.

José era um homem justo e santo, carpinteiro, que acolheu o mistério da encarnação do Filho de Deus no ventre de sua esposa. Maria, a jovem mãe judia, deu à luz o Filho gerado em seu ventre, pela ação do Espírito Santo.

Nas lautas ceias de Natal, em casas de pessoas ricas e poderosas, muitas vezes, a figura do Menino Jesus é esquecida. Nessas ocasiões, o espírito cristão, simplesmente, não existe. Comemora-se o Natal como se fosse uma festa profana, e a preocupação são a comida, a bebida, os presentes trocados e a decoração.

O Menino Jesus, Maria e José não são lembrados.

Para os Cristãos, os presentes de Natal remetem à lembrança dos presentes que os Reis Magos levaram para o Menino Jesus: O ouro, o incenso e a mirra.

Os anjos e estrelas, usados nas decorações natalinas, remetem ao Anjo Gabriel, que anunciou à Virgem Maria, que ela daria à luz o Filho de Deus, e à Estrela-guia, que iluminou o caminho de Belchior, Gaspar e Baltasar até à manjedoura.

Pois bem. Numa noite de Natal, dois mendigos caminhavam pela escuridão. De repente, tropeçaram num cachorro vira-lata, que parecia estar faminto e abandonado. Sentiram dó do animal e viram que ele era tão pobre quanto eles. Os pobres são bons para os pobres e ajudam-se uns aos outros, dividindo entre si o pouco que conseguem para comer.

Os dois mendigos, solidários ao vira-lata, levaram-no com eles, e lhe deram para comer um pouco do pão que haviam recebido de esmola. O cachorro, depois de comer, ficou mais forte e saiu caminhando à frente deles, latindo e olhando para trás, como se os estivesse guiando, através da escuridão, até uma cabana abandonada. Na cabana, havia dois bancos e uma lareira apagada, visíveis através do clarão da lua. Os dois mendigos sentaram- se em frente à lareira.

De repente, o cachorro desapareceu. Como por milagre, as duas brasas se acenderam e tornaram-se enormes. A claridade tomou conta da cabana, e os dois sentiram seus corpos aquecidos. Ficaram certos de que tinham sido agraciados com um milagre, pois, somente o Menino Jesus teria sido capaz de se lembrar deles, naquela hora de tanto frio e sofrimento. Acreditavam, piamente, que o Menino Jesus os estava protegendo daquele frio, enviando duas brasas para acender a velha lareira. Adormeceram profundamente. As brasas brilharam até o amanhecer do dia.

Os dois mendigos acordaram, como se estivessem despertando de um lindo sonho. Tinham recebido, de presente de Natal, um verdadeiro tesouro. Mesmo por uma única noite, dormiram sob o teto de uma cabana abandonada, aquecidos por uma misteriosa lareira. Olharam em sua volta e viram o cachorro dormindo. Pobre igual a eles, o vira-lata lhes retribuiu o pão que eles lhe haviam dado, levando-os até aquela cabana encantada.

Pelo menos, naquela noite de Natal, eles dormiram sob um teto, abrigados contra o frio e o vento.

Está provado que o grande tesouro dos pobres é a fantasia.

Nesta Noite de Natal, elevemos uma prece a Deus:

“Senhor, dai pão a quem tem fome e fome de justiça a quem tem pão!”

A escuridão dos nossos dias é a fome, a impunidade e a corrupção.

Que a Noite de Natal ilumine os corações do povo brasileiro!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 18 de dezembro de 2021

NATAL E A SEGUNDA GUERRA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

NATAL E A SEGUNDA GUERRA

Violante Pimentel

 

Na Base Aérea de Natal, avião com homenagem a Maria Boa

 

Quando se fala da reviravolta social que houve em Natal, com a permanência dos americanos durante a II Guerra, abre-se uma fonte inesgotável de narrativas.

No dia 28 de janeiro de 1943, o presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, teve um encontro em Natal com o presidente Getúlio Vargas.

Rafael Fernandes, então governador do Rio Grande do Norte, sem saber das ilustres visitas, foi convidado a comparecer à Base Naval sozinho, e lá chegando, tomou enorme susto, ao ver os dois presidentes.

No encontro, foi confirmada a utilização de Natal como base de conexão para as tropas americanas e discutido plano de prevenção quanto a um possível ataque nazista ao Hemisfério Sul, a partir de Dakar, no Senegal. O motivo da escolha foi o fato de Natal ser a cidade brasileira mais próxima do continente africano (3 horas de voo em jatos de hoje e 8 horas para os aviões de 1943, de Natal a Dakar, no Senegal).

Também foi acertado o envio de tropas brasileiras ao “front”.

De 1943 a 1945, portanto, funcionou em Natal, o principal quartel general dos países aliados no Hemisfério Sul.

Natal recebeu 15 mil soldados americanos. A população parecia ter duplicado.

A Base Aérea e a “pista”, ligando Natal a Parnamirim, foram construídas, em tempo recorde, envolvendo 6 mil trabalhadores. A Base Naval também foi construída nesse período.

Natal era uma “ponte” para todos os voos americanos que levavam militares das três armas, rumo à África ou aos combates do Atlântico Sul.

Em 1943, no auge do conflito, Parnamirim era o aeroporto mais congestionado do mundo, alcançando o número de 800 pousos e decolagens num dia de pico.

As jovens natalenses suspiravam, ao ver as ruas de Natal, diariamente, cheias de soldados americanos, loiros de olhos azuis.

Natal passou a ser a cidade mais badalada do Nordeste.

Os americanos se divertiam e circulavam em Natal, pelas praias, cinemas, lojas, igrejas, cabarés, Lagoa do Bonfim, e paqueravam nas pracinhas.

Minhas saudosas tias Carmen e Gilka, filhas do meu avô materno, Celestino Pimentel, professor catedrático da língua inglesa em Natal, inclusive Tradutor Oficial durante a Segunda Guerra, na época jovens, dominavam o idioma inglês fluentemente, e logo fizeram amizade com vários americanos. Inclusive, depois da Guerra tia GILKA foi convidada para trabalhar nos Estados Unidos, no Consulado Brasileiro e terminou se casando “de papel passado”, com um americano, seu chefe. O casamento durou até o fim da sua vida. Os dois tiveram um casal de filhos, que ainda hoje moram na Califórnia.

Como consta nos registros de historiadores potiguares, houve uma grande interação cultural entre norte-rio-grandenses e americanos.

Natal foi a primeira cidade do país a ter Coca-Cola, ketchup, chicletes, roupas “Jeans” e óculos “Ray-ban.

O modo de vida descontraído, dos americanos em Natal, foi influenciando, cada vez mais, a sociedade potiguar. O hábito dos homens fazerem a barba com frequência e não usarem paletó para entrar nos cinemas, causou um rebuliço nos costumes. Tomavam banho de mar, usando calções curtos de helanca, enquanto os natalenses usavam calções compridos.

De repente, as mulheres passaram a usar calças compridas, maiô aberto nas costas, sair com as amigas sem a companhia dos pais, frequentar festas, fumar e beber, principalmente Cuba-Libre. Houve uma verdadeira revolução nos costumes.

A invasão do Jazz, Charleston, Blues e do Fox-trot desbancaram o tango argentino em Natal.

Os americanos não podiam passar sem Coca-Cola. Por isso, logo instalaram em Parnamirim um engarrafamento, o primeiro do Brasil, quarto país do mundo a consumir esse refrigerante, depois dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra.

Na cantina do “PIÉCS”, para deleite dos nativos, a Coca-Cola saía de torneiras.

O “PIÉCS” era a grande atração de Parnamirim, pelos preços e novidades. Era uma enorme loja, onde se vendia quase tudo: “gadgets” , como isqueiro químico (ao invés de chama, incandescia uma telinha), fósforos de riscar na sola do sapato, óculos Ray-Ban, relógios, tecidos, blusões de couro, calçados, perfumes, vidros de confeitos, latas de biscoitos etc,

Quanto à vida noturna, Natal nunca foi tão agitada. Os soldados americanos ofereciam festas, semanalmente, na base de Parnamirim, e ainda mandavam ônibus para levar e trazer moças da sociedade natalense, sempre com “chaperones” (acompanhantes mais velhas e casadas, às vezes as próprias mães das jovens). Isso gerou a revolta dos rapazes de Natal, que apelidaram os ônibus de “Marmita”, e os vaiavam constantemente.

Pois bem. Maria de Oliveira Barros veio de Campina Grande para Natal, na década de 40, em plena juventude. Ao chegar, aqui instalou uma requintada casa noturna (Cabaré), no período em que reinava na cidade ampla prosperidade, decorrente do estabelecimento da base militar americana em Parnamirim.

Aproveitando o fluxo de soldados e grandes personalidades políticas, Maria Boa fazia questão de ostentar “glamour” em seu estabelecimento. Tornou-se uma “grande dama”, que respeitava e era respeitada pela sociedade natalense.

Maria de Oliveira Barros, a dona de cabaré Maria Boa

Primava pela boa qualidade dos serviços prestados pela casa; interferia na escolha das “operárias do sexo”, que eram submetidas a rotineiros exames de saúde, e seu gosto predominava na arquitetura do ambiente.

Por trás da “Dama do Cabaré“, estava a figura discreta e íntegra de Maria de Oliveira Barros, grande empresária, que avalizava títulos bancários para alguns figurões locais.

Cabaré era o local de trabalho das damas da noite. Não se confundia com boate, casa de massagens, casa de “strip”, “relax para homens” e outros templos do prazer carnal. Nele, havia uma proprietária, geralmente uma mulher séria e respeitável, conhecedora dos mistérios revelados à meia luz. Essa mulher recebia em sua casa, várias jovens, que, repetindo sua própria história, um dia haviam fugido de casa ou sido colocadas para fora, pelo pai, por terem perdido a virgindade, ou engravidado, sem promessa de casamento.

Natal era influenciada pelos filmes de Hollywood, trazidos pelo próprio exército norte-americano. Maria Boa, em plena juventude, foi fortemente influenciada pela moda e estética dos filmes. Vestia-se com roupas costuradas à mão, usava saltos altos, e copiava os modelos das atrizes de Hollywood.

Seu cabaré tornou-se uma referência turística, e era conhecido no Brasil e internacionalmente, pelo nome de “Casa de Maria Boa”.

O recato e compostura, com que a empresária procurou envolver sua vida e as atividades de seu Cabaré a transformaram num mito. Era considerada uma verdadeira dama. Dona do mais diferenciado cabaré que existiu em Natal, com mulheres selecionadas pela beleza, postura e educação.

O cabaré de “Maria Boa” era frequentado por políticos, empresários, advogados e outras figuras endinheiradas e importantes. Sua fama se eternizou nas telas do cinema, através do filme “For All – O Trampolim da Vitória (vencedor do Festival de Gramado de 1997), de Luiz Carlos Lacerda e Buza Ferraz.

O filme retrata Natal, capital potiguar, em 1943, quando a base americana de Parnamirim Field, a maior base fora dos Estados Unidos, recebe 15 mil soldados, que vão se juntar aos 40 mil habitantes da cidade.

A personagem central se chama “Maria Buena”.

A chegada dos americanos a Natal gerou perspectivas de progresso material e resultou em muitos namoros e casamentos. Para as jovens casadoiras, eles eram os sonhados “príncipes encantados”.

Depois da guerra, a Base Aérea de Natal homenageou Maria de Oliveira Barros, pintando o nome “Maria Boa” no lado esquerdo da fuselagem do nariz do avião B-25 J 5071.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 12 de dezembro de 2021

O HOMEM E SUAS MANIAS (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

O HOMEM E SUAS MANIAS

Violante Pimentel

 

Quase sempre, a palavra “mania” é utilizada para se referir a um mau hábito, vício ou esquisitice, ou ainda superstição, que algumas pessoas apresentam, como só usar roupas de determinada cor, roer unhas, fumar, viver com o dedo no nariz etc.

Entretanto, as “manias cotidianas” das pessoas, ou seja, os hábitos repetitivos e, em muitos casos, extravagantes, só podem ser classificadas como algum tipo de transtorno mental, quando se tornam prejudiciais às diferentes esferas da vida do indivíduo. Neste caso, as manias podem ser consideradas transtornos obsessivos-compulsivos (TOC).

Todo homem tem suas manias, mesmo sem ser doido. Há homem que só dorme de meia; mulher que só dorme de touca; outros tem mania de assobiar; alguns são cantores de banheiro, pois só tomam banho cantando; e ainda há aqueles que só se servem do vaso sanitário, lendo jornais, ou usando o celular.

Pois bem. Um rico fazendeiro do nordeste, “coronel” Josias, era um homem virtuoso, chefe de família exemplar, que nunca havia passado uma noite fora de casa. Evitava qualquer viagem, se não pudesse voltar no mesmo dia.

A posse do Sr. Manoel Soares, no cargo de ministro do governo federal, implicou numa quebra de rotina na vida do bem conceituado “coronel” Josias. Compadre e correligionário do ilustre político, não poderia faltar à importante cerimônia da sua posse. A esposa, D. Mafalda, mãe dos seus dez filhos, e sua companheira de cama há dezesseis anos, não quis acompanhá-lo. A viagem, apesar de tentadora, seria muito incômoda para ela, que nunca passara uma noite fora de casa, deixando os filhos entregues às serviçais.

O fazendeiro mandou preparar duas malas de mão, e viajou para o Rio de Janeiro para a posse do amigo.

A primeira noite de capital, para ele, foi uma tortura. Habituado à vida caseira e doméstica, não conseguiu dormir. A falta da esposa na cama o incomodou, além da saudade da casa e dos filhos. Não conciliou o sono e viu o dia amanhecer.

Sentiu tanta saudade de casa, dos filhos e, principalmente, da esposa, que um empregado do hotel onde estava hospedado, ao levar-lhe o café da manhã no quarto, perguntou-lhe se estava doente, e ele lhe contou da insônia que tivera.

Durante o dia, saiu para a posse do amigo, encontrou outros conhecidos e as boas conversas fizeram com que se divertisse.

Entretanto, à noite retornou ao hotel, e, mesmo cansado, a saudade e a insônia voltaram a lhe perturbar. Fechava os olhos e apertava as pálpebras para ver se dormia, mas a simples lembrança de que estava muito longe de casa o torturava. O sono lhe fugia e a saudade aumentava. Ficava a remexer-se aflito, na larga cama, e não conseguia dormir.

Após duas horas de martírio, deitado na cama, mas sem conseguir dormir, o fazendeiro levantou-se e começou a andar de um lado para outro, num estado de nervos, que hoje seria chamado de “crise de pânico”. Apavorado, teve uma ideia “sui generis”. Tocou a campainha, chamou o empregado do hotel e falou:

– O senhor pode me arranjar uma escova de cabelo, mesmo usada?

– Posso sim, senhor. – Respondeu o empregado, assustado, achando que o hóspede só podia ser doido.

– Traga-a aqui, por favor! – Ordenou o hóspede.

O empregado, rapidamente, trouxe a escova, recebeu uma gorjeta e saiu. O fazendeiro a segurou pelo meio, do lado do pelo, com a mão aberta, e, apagando a luz, deitou-se na cama e dormiu o “sono dos justos”, até de manhã. Adormeceu, segurando os pelos da escova, como se tivesse tomado um calmante.

Cada doido, com sua mania…


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 05 de dezembro de 2021

A NOTÍVAGA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

A NOTÍVAGA

Violante Pimentel

 

Os comentários eram agressivos entre as vizinhas, de janela para janela.

– Ontem à noite, fiquei de “plantão”, olhando pela rótula da janela, e vi tudo…Dizia a maldosa d. Maroca.

 

 

Outra respondia:

– A safada esperou que se fechassem todas as casas, abriu a porta, olhou de um lado para o outro, e como não havia ninguém, colocou um xale e saiu, só Deus sabe pra onde!!! Acho que ela vai se encontrar com algum sujeito muito rico. Não resta dúvida de que está prostituída, e já esqueceu o infeliz do falecido.

E o falatório era fogo cruzado:

– Guilhermina me contou que, outro dia, quando voltava de uma festa, tarde da noite, a encontrou saindo de casa. A degenerada cobriu o rosto com o chale, pra não ser reconhecida…

– Que mulher baixa, cínica e desavergonhada! – Isso era o mínimo que se dizia contra Madalena.

Propagado o escândalo pela redondeza, alguns moradores da rua em que morava Madalena, ficavam à espreita, horas e horas, aguardando, pelas frestas das janelas, o momento da sua saída.

Quando as rótulas se escancaravam, as cabeças apareciam e o falatório recomeçava, com a voz estridente de dona Marilu:

– Vocês viram a que hora essa “messalina” saiu de casa, ontem pela madrugada???

E a vizinhança respondia em coro uníssono:

– Somente um cego não vê uma coisa dessa! O defunto deve estar estrebuchando na cova, de raiva e vergonha…

E os comentários se espalhavam, cada vez mais:

– Quem diria! Era muito sonsa!!! Já devia chifrar o marido, há muito tempo! E o infeliz pensava que ela era uma santa!!!

Certa noite, alta madrugada, instigados pelas mulheres, alguns vizinhos acompanharam, à distância, os passos da notívaga, para desagravo do ultrajado morto.

Escondendo-se entre portais e árvores, olhando de canto a canto e pisando pé ante pé, os homens seguiram a mulher, de rua em rua, até que a viram chegar a um campo deserto, em frente a um mercado. E viram, enxugando os olhos, enquanto abria as torrentes do seu pranto, a “cadela”, “pervertida” e “degenerada”, que, saía todas as noites, mergulhada nas trevas, a disputar com os porcos, no lixão do mercado, frutas estragadas, para matar a fome dos três filhos, que todas as noites adormeciam de fome..


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de novembro de 2021

O MONTURO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

O MONTURO

Violante Pimentel

 

Totalmente em jejum, sai de casa, batendo o queixo de frio, mesmo tendo enrolado ao pescoço um lenço, que sua mãe sempre lhe põe, para proteger-lhe a garganta. Sabe que tem de andar ligeiro, para encontrar espaço, onde cumprirá sua tarefa diária. Como companhia, leva um cajado e quatro sacos plásticos, dos grandes.

O lenço amarrado ao pescoço também servirá para cobrir seu nariz e sua boca, e atenuar o mau cheiro vindo da podridão contida no monturo. Lá dentro, há gases, micróbios, bactérias e outros tipos de coisas putrefatas, que agridem o organismo humano.

Esse lenço que sua mãe amarra ao seu pescoço pertencia ao seu pai. Desde que ele morreu, o menino usa, sentindo-se o homem da casa. A mãe e suas duas irmãs pequenas não tem condições de enfrentar o monturo, na luta pela sobrevivência.

A mulher, entretanto, lhe recomenda que, ao chegar a esse local insalubre, proteja os olhos e o nariz, e não respire o ar putrefato que ele exala.

Depois de andar quase uma hora, Zezinho chega ao monturo e percebe que está atrasado. Quase não há espaço para ele. Não pode “fuçar” à vontade, para procurar alguma coisa aproveitável, seja alimento, roupa ou algo diferente.

Dezenas de meninos chegaram antes dele e já “fuçaram” o que tinha de melhor, como alimentos mais frescos e ainda aproveitáveis. Os melhores restos, que ainda poderiam ser comidos, já haviam sido resgatados. Mesmo assim, Zezinho cobre o rosto com o lenço, mete os pés no monturo e, com seu cajado, espanta os urubus.

É uma cena horripilante, cruel e degradante, comum entre os pobres do nosso país, onde a distância entre eles e os ricos aumenta cada vez mais.

Enquanto crianças famintas disputam, no monturo, restos de comida estragada para saciar a fome, nos palácios, a lagosta e o caviar, acompanhados de vinhos importados, de altas marcas, sobram do bico de outro tipo de urubus, numa cena revoltante, que agride a realidade brasileira.

São Urubus que riem da desgraça do povo, que pisoteiam nos caixões dos mortos pela COVID-19 e se divertem com isso, amordaçando pessoas de bem, e colocando na rua o bloco dos “Kanalhas”, com suas alegorias vermelhas.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 19 de novembro de 2021

A DEMORA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A DEMORA

Violante Pimentel

 

Depois de plantada a semente do Bambu-Chinês, não se vê nada, exceto um diminuto broto, a partir do bulbo.

Durante cinco anos, todo o crescimento é subterrâneo, mas, uma maciça e fibrosa estrutura de raiz que se estende, horizontalmente, pela terra está sendo construída. Então, no final do quinto ano, o Bambu-Chinês floresce e passa a crescer, podendo atingir até a altura de vinte e cinco metros.

Às vezes, chegamos a perder a esperança de que o nosso ideal, um dia, seja alcançado. Sentimo-nos injustiçados, diante de sonhos que se perdem no tempo e no espaço. Às vezes, a pessoa trabalha, investe seu tempo integral na conquista de um lugar ao sol, e não vê o mínimo resultado. E o homem chega a desacreditar da sorte.

Entretanto, chega o dia em que, como por milagre, aparece uma luz no fim do túnel, como sinal de que nem tudo está perdido.

Tal qual o Bambu-Chinês, alguns sonhos precisam ser perseguidos, sem que se perca a fé no amanhã.

As pessoas podem não estar percebendo, que o seu esforço está sendo recompensado, e não imaginam a complexa estrutura, que está se formando no seu interior, onde a semente foi plantada.

Talvez, no presente momento, você esteja se perguntando por que as coisas não estão acontecendo, de acordo com os seus anseios. Você estuda, investe, planeja e se sente frustrado, por não ver o resultado do seu esforço.

Então, quando esses sentimentos negativos invadirem seus pensamentos e a dúvida invadir seu coração, lembre-se do Bambu-Chinês, e continue se esforçando para atingir o seu ideal.

Nunca se esqueça de que, para ascender ao Céu, o Bambu-Chinês tem a sabedoria de esperar o momento certo, porque precisará estar amparado por uma base sólida, que dará todo o suporte ao seu desenvolvimento.

Assim, também acontece com as pessoas. Você pode nem estar enxergando a complexa estrutura que está se formando no seu interior. Mas, tenha a certeza de que a semente já foi plantada.

Permita-se vivenciar o caminho com alegria e acredite que o seu crescimento está acontecendo.

Crescer é um processo que demanda tempo e paciência. Por isso, não entregue os pontos. Insista, persista e não desista dos seus sonhos!

Quando menos esperar, você vai se deparar com o seu próprio Bambu-Chinês, pronto para ser contemplado, e poderá mostrar ao mundo a beleza da sua essência.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 12 de novembro de 2021

BOCA DE OURO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

BOCA DE OURO

Violante Pimentel

Em 1957, Nelson Rodrigues escreveu uma peça que se chamava “Boca de Ouro”, sobre um bicheiro que mandava arrancar todos os dentes e colocar uma dentadura de ouro, para “se alugar”.

 

 

Nessea período, pessoas ricas e vaidosas investiam altos valores em dentes de ouro, exibindo sorrisos dourados, o que começou a despertar a cobiça de assaltantes, que se “armavam” com “boticões” (alicates usados por dentistas), no intuito de assaltá-las, violentamente.

Uma ilustre dama da sociedade carioca, cuja boca era considerada uma verdadeira sucursal do maior banco do País, por um triz não perdeu a vida, ao ser atacada por marginais, que a raptaram e, na marra, “extraíram” seus dentes de ouro, de forma inadequada, provocando-lhe hemorragia, além de dores insuportáveis, que a fizeram perder os sentidos.

Os portadores de dentes de ouro, portanto, passavam a correr o risco de sofrer ataques de marginais, na ânsia de se apossarem da fortuna que eles traziam na boca.

Lana, 30 anos e dona de uma grande fortuna, nessa época, ao precisar de tratamento dentário, por vaidade, pediu ao dentista que lhe colocasse alguns dentes e obturações de ouro. Queria ter um sorriso dourado e uma “boca de ouro”. Quando falava, seus lábios pareciam uma porta se abrindo, para deixar à mostra um altar de ouro de uma luxuosa Igreja. A mulher dava suas gostosas risadas, para exibir seus dentes de ouro. Por isso, entrou na mira de marginais, que procuravam o momento adequado para atacá-la.

Certa noite, armados com “boticões”, marginais conseguiram arrombar uma porta da sua casa. Na mesma hora, ouviram entrar um carro na garagem. Era o dono da casa que chegava. Por ter encontrado o portão aberto, e temendo que houvesse ladrão dentro de casa, desceu do carro armado de revólver, atirando para cima e gritando pelos empregados, que prontamente apareceram, também armados. Viu dois bandidos fugindo. Ele e dois empregados, todos armados, percorreram os cômodos da casa e tiveram uma surpresa: Encontraram, debaixo de uma cama, um dos ladrões, escondido. Arrastado pelos empregados, o marginal foi imobilizado, tendo pés e mãos amarrados, enquanto a polícia era aguardada.

O marginal confessou que estava ali, somente, para levar a fortuna guardada na boca de ouro da dona da casa. Ao lado dele, estava a arma: um “boticão”, usado por dentistas.

Por um triz, Lana não foi vítima de uma grande violência, mesmo numa época em que a criminalidade era menor.

Felizmente, esse modismo passou e já não se usa dente de ouro.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 05 de novembro de 2021

AS LARANJAS (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS LARANJAS

Violante Pimentel 

 

Renildo, grande boêmio e pintor de letras de Natal, iniciou sua carreira ainda menino, copiando dos sacos de papel o nome de seu pai, que tinha a mania de marcar compras, feitas na padaria ou na bodega. Aos poucos, o menino ampliava e aperfeiçoava as letras, usando as paredes da casa dos seus pais como painel. Eles achavam bonito tudo o que o filho pintava e o estimulavam.

 

 

Com o tempo, a arte de Renildo tornou-se conhecida e começou a render frutos. Um bodegueiro, que morava na mesma rua que ele, amigo do seu pai, ficou impressionado com a beleza das letras que viu pintadas nas paredes internas da casa, e contratou o rapaz para pintar um letreiro, dando nome à sua bodega, que passou a se chamar “CANTINA SÃO JOÃO”.

Autodidata, Renildo desenhava a bico de pena. Sua arte o transformou-se num famoso pintor de letreiros, e ele passou a ser contratado para pintar nomes de lojas, repartições públicas e instituições bancárias. Não lhe faltava serviço.

Abriu logo uma conta num banco e juntou dinheiro. Pouco depois, sacou a metade do dinheiro, enchei o carro de prostitutas e foi farrear no Recife, num final de semana.

Familiarizou-se com o meretrício e apaixonou-se pelas mulheres. Nos cabarés onde chegava, era sempre uma festa. Enquanto estava ali, era o rei das mulheres. Cheio de dinheiro e envolvente, não queria uma só mulher, mas várias. Quando se despedia, elas continuavam trabalhando normalmente, na linha de frente do serviço. Ele não exigia exclusividade.

Renildo deixava a barba crescer bastante e só gostava de se vestir de branco. Como sofria de astigmatismo, para proteger os olhos contra o sol, acostumou-se a usar um sombreiro, chapéu do tipo mexicano, de abas enormes. inclusive para trabalhar.

Tinha voz de tenor e só trabalhava cantando músicas mexicanas, espanholas ou italianas. Granada, a famosa música do mexicano Agustin de Lara, era a música mais solicitada pelos amigos. O som da sua bela voz enchia as ruas de Natal, quando ele estava em cima de sua escada, pintando letreiros.

Casou-se por conveniência, com uma mulher direita, mas não deixou que ela lhe botasse cabresto.

Nunca deixou de farrear na companhia de amigos, mas tinha o cuidado de fazer uma boa feira semanal, abastecer a despensa e deixar sempre com a esposa, uma reserva em dinheiro, para alguma eventualidade.

Saía de casa, aos sábados pela manhã, depois de fazer feira, mercearia, e arrumar ele mesmo a despensa. Tomava banho, se arrumava, colocava dinheiro no bolso, e dizia à esposa que iria se encontrar com os amigos e tomar umas cervejas.

Essas saídas podiam ser rápidas ou não, e a mulher sabia disso.

Numa certa manhã de sábado, Renildo fez a feira e a mercearia habituais, e enquanto arrumava a despensa, a esposa lhe disse que ele tinha esquecido das laranjas.

Depois de tomar banho e se arrumar, Renildo disse à mulher que iria voltar ao Mercado, somente para comprá-las. No caminho, encontrou alguns amigos que estavam à sua procura e lhe convenceram de ir comprar laranjas em Ceará-Mirim, que era para onde eles estavam indo àquela hora. No máximo, às três horas da tarde, estariam de volta. Ele topou na hora.

Em Ceará-Mirim, não encontraram laranja nenhuma, mas havia feijoada e churrasco na casa de um amigo. Às três horas, alguém perguntou se a turma topava ir tomar banho na barragem de Poço Branco (RN), e de lá, iriam à Vaquejada de João Câmara, que seriam três dias de forró, com muitas mulheres. O dinheiro da gasolina, Renildo disse que garantia. Ele, no seu Jeep/60, e a turma atrás, em dois carros, se dirigiram em busca da vaquejada.

No terceiro dia, Renildo, comprou 2 bermudas, duas cuecas e duas camisas numa lojinha, tomou um banho, mudou de roupa e foram “tomar uma” na fazenda de um amigo. De lá, a turma foi farrear em Areia Branca, onde um cunhado de um dos amigos estava aniversariando.

Esse cunhado era o chefe da Alfândega e tinha um enorme estoque de bebidas importadas apreendidas. A esposa dele, irmã do amigo que convidou a cambada de cachaceiro, ao ver o irmão foi logo dizendo: Ai, meu Deus, com tanto doido aqui, ainda chegando mais…Foram dormir às duas horas da manhã.

No dia seguinte, foram para o Assu, beber na “Adega”. De lá, foram até a praia deTibau, em Mossoró.

Continuaram a farra, pelas cidades por onde passavam. Foram dormir na fazenda do pai de um dos amigos, onde chegaram tarde da noite. Renildo, a pedido da turma, acordou o dono da casa, cantando “Granada”. Um enorme holofote foi aceso, as portas abertas e um empregado trouxe logo um carrinho lotado de bebidas.

Dormiram todos nessa fazenda e depois do café da manhã, prosseguiram farreando por onde passavam, até que chegaram a Sobral, no Ceará. Lá, Renildo foi abordado por um conhecido, que convidou a turma para uma festa em sua fazenda, em Picos, no Piaui. Houve churrasco e bebedeira à vontade.

No 25º dia, resolveram farrear em Pernambuco. De Boa Viagem, foram até Caruaru. No 30º dia de farras, houve um convite para uma festa em Campina Grande (PB), mas Renildo não concordou. Queria retornar a Natal e precisava providenciar seu “salvo-conduto”. Iniciaram a viagem de volta.

Pararam no Mercado Público de Bayeux, Município da Paraíba, para Renildo comprar as laranjas. Ele comprou cinco centos de laranjas, embaladas em três sacas de estopa, que foram postas no seu Jeep.

Retornaram a Natal. O Jeep de Renildo e mais dois carros formavam um “comboio” de cachaceiros, com cana dormida.

Ao chegar em casa, Renildo encontrou a sogra na calçada, acalentando um neném nos braços, nascido na ausência dele. De cara feia, a mulher disse:

– Não fale comigo, seu safado. Esse tempo todo, você longe de casa, sem dar notícia! E minha filha em “estado interessante”, mais uma vez, deu à luz sem ter o marido perto!

Revoltada, a sogra recusou o abraço que o genro quis lhe dar. Ele disse que ia somente abraçar o neném, mas, a abraçou à força, feliz da vida com o nascimento de mais um filho.

Santinha, a esposa, chegou à calçada, de cara feia, esfriando um mingau no papeiro. Mesmo sendo uma verdadeira santa, não se controlou:

– Renildo, onde você estava? A gente aqui, em tempo de enlouquecer! Eu com as dores do parto, e você farreando! O rádio ligado 24 horas por dia, vendo a hora uma notícia ruim sobre você!!!

O marido respondeu:

– Saí pra comprar as laranjas. Encontrei Vilinha e outros amigos, e eles me chamaram pra comprar laranja na feira de Ceará -Mirim. Lá, não tinha laranja nenhuma, mas estava havendo um churrasco e feijoada na casa de um amigo deles. Às três horas da tarde, me chamaram pra tomar banho na barragem de Poço Branco. De lá, fomos pra umas três vaquejadas e uns dez aniversários.

“Fumaçando” de raiva, Santinha continuou falando:

– “Vamo” entrando e tire logo esta roupa fedorenta a quenga! Tome um banho pra se desinfetar! Como foi que você teve coragem de fazer, novamente, uma coisa dessa? Um mês fora de casa! Eu, mais uma vez, com as dores do parto e você farreando!!!

Ele, calmamente, respondeu:

– Pode me chamar de cachaceiro, cabra ruim, irresponsável e farrista!

Santinha, mesmo sendo uma verdadeira santa, não se conteve:

– Faltou um defeito grande: VOCÊ NÃO PASSA DE UM QUENGUEIRO SAFADO E CÍNICO!!!

Renildo, tomado banho, foi buscar no Jeep as três sacas enormes de laranjas. A mulher, admirada, falou que aquilo era demais e que as frutas iriam se estragar. Ele respondeu:

– Distribua com a vizinhança! Não quero que falte laranja aqui, nem na casa de ninguém.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 29 de outubro de 2021

O PURGANTE (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

O PURGANTE

Violante Pimentel

O empregado anterior havia sido dispensado, por desonestidade. Manoel contou essa ocorrência a Pedro, que ouviu tranquilamente, pois era cônscio da sua honestidade. Preferia passar fome, do que lançar mão do dinheiro alheio.

 

 

Uma semana depois, o patrão lhe ordenou que fosse à casa de um freguês, receber uma conta no valor de cinquenta reais.

Pedro pegou a conta escrita numa folha de caderno, dirigiu-se ao endereço indicado e recebeu o dinheiro. Quando retornava à padaria, encontrou-se com Zenilton, um conterrâneo e amigo de infância, a quem não via há bastante tempo. Os dois amigos selaram o encontro, entrando num botequim para conversar alguns minutos.

Beberam duas garrafas de cerveja, colocaram alguns assuntos em dia e Pedro apressou-se em dizer que precisava voltar à padaria. Zenilton lhe pediu que pagasse a conta, pois estava liso. Da próxima vez, ele pagaria.

Pedro lembrou-se de que o dinheiro que tinha no bolso era, apenas, a cédula de cinquenta reais, que pertencia ao patrão, da conta que fora receber. Mesmo assim, pegou a nota, pagou as duas cervejas e recebeu o troco.

Vendo a besteira que tinha feito, voltou depressa à padaria, sem saber qual desculpa daria ao patrão, ao lhe entregar o dinheiro incompleto. Na certa, seria despedido.

Entrou na padaria pela porta dos fundos, deparando-se, no quintal, com “Sultão”, o Rottweiler que o patrão criava. Pôs-se a agradá-lo e, de repente, um plano lhe veio à cabeça: Deu um grito de pavor, para chamar a atenção do patrão.

Na mesma hora, ouviu o vozeirão do homem, a perguntar:

– Que grito foi esse? O que aconteceu?

Fingindo estar em pânico, ofegante, e com os olhos esbugalhados, Pedro contou ao patrão:

– Ocorreu uma tragédia, patrão!!! Quando eu vinha entrando aqui, trazendo na mão o dinheiro que o senhor me mandou receber, “Sultão” o abocanhou e engoliu!!!

O dono da padaria franziu a testa, calculou o prejuízo, e, de um salto, estava diante do inocente “Sultão”, empunhando uma garrafa de óleo de rícino. Auxiliado pelo empregado, abriu a boca do animal, empurrou-lhe garganta a dentro todo o conteúdo da garrafa, e, depois de purgá-lo, recomendou ao rapaz:

– Agora, você vai ficar aqui junto do cachorrão, à espera do dinheiro. Logo que ele “descoma”, retire o dinheiro das fezes, trate de limpar e secar.

Duas horas depois, estava o dono da padaria de volta, para saber notícia do resultado do purgante:

– O cachorro já “descomeu” o dinheiro? – perguntou ao empregado.

Pedro, que aguardava, ansioso, por esse momento decisivo em sua vida, abriu a mão e mostrou o dinheiro que havia sobrado das cervejas, dizendo:

– Todo não, senhor. Ele só descomeu este aqui. Mas, tenho certeza que já, já ele vai descomer o que falta.

De cara feia, o patrão recebeu o dinheiro incompleto, que Pedro trazia na mão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de outubro de 2021

A MENTIRA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

A MENTIRA

Violante Pimentel

Entretanto, há mentiras necessárias, quando a finalidade é poupar ou amenizar o sofrimento de alguém que se encontra em estado precário ou terminal de saúde. Nesses casos, a mentira se torna um mal necessário. Pode ser considerada um “pecado venial.”

 

 

 

Pois bem. Nicanor acabava de fechar os olhos da esposa Minervina, que há dias se encontrava no leito de morte, com uma doença terminal. Nos seus últimos momentos, a moribunda ouviu dos lábios do marido, a notícia mais feliz, que poderia ouvir naquela hora: A total regeneração do seu neto Edu, viciado em tóxico, que havia abandonado, há mais de um ano, a casa dos pais.

O homem lançou mão de uma mentira, pensando em amenizar os últimos momentos de vida da sua mulher, uma verdadeira santa, cheia de virtudes e sofrimento.

Muito abalado pela emoção da partida da esposa, Nicanor desabafou com o motorista do táxi, no qual se dirigia à funerária, para providenciar o velório e sepultamento..

Contou ao motorista a mentira de que lançara mão há alguns minutos, para suavizar a morte da sua mulher, cujo maior desejo era ver o neto livre das drogas:

– Tenho certeza de que Deus me perdoou. Sussurrei ao ouvido dela que o nosso neto tinha se curado do vício e já estava em casa. Ela abriu os olhos, deu um leve sorriso, e deixou escorrer uma lágrima, antes do último suspiro.

Percebendo a perplexidade do motorista, Nicanor continuou:

– Conheci um piedoso monge, cuja vida se resumia em rezar e cultivar o jardim do Mosteiro onde morava. Era um jardineiro de almas e flores. Passava as manhãs de joelhos, no silêncio do Mosteiro, aos pés do Cristo Crucificado, e as tardes no pequeno jardim da ordem, curvado diante das roseiras que ele próprio plantava e regava.

O monge perseguia uma ideia fixa, de ver desabrochar no seu jardim a rosa azul do Oriente, de que tivera notícia, uma noite, ao ler os poemas latinos dos velhos monges medievais.

Para isso, casava as sementes, juntava os brotos, fundia os enxertos, combinando as terras com que os cobria, e as águas com que os regava. Esperava, ansioso, o aparecimento, no topo da haste, do sonhado botão azul.

Ao fim de setenta anos de experiências e sonhos, em que se misturavam, na sua imaginação, as chagas vermelhas de Cristo e as manchas celestes da sua rosa encantada, surgiu, afinal, no coroamento de um galho de roseira, um botão azul como o céu.

Centenário e curvado, o velho monge não suportou a emoção. Adoeceu e foi levado ao seu quarto. Ajoelhado diante do Cristo Crucificado, lhe pedia entre soluços pungentes, que, como premio à sua vida de dedicação às roseiras e às almas, não lhe cerrasse os olhos, sem que eles vissem, felizes, o desabrochar da sua rosa azul.

Ao redor do seu leito, todos choravam, emocionados.

Divulgada de boca em boca, a notícia chegou a um convento das proximidades, onde se encontrava orando uma bondosa freira. Ao ouvir a história da paixão do santo monge pela rosa azul do Oriente, a freira se compadeceu e perfumou, com essência de gerânio, uma flor de seda azul, feita por ela mesma, para ofertar ao monge, no seu leito de morte.

No dia seguinte, pela manhã, morria o monge, sorrindo entre lágrimas de alegria, pensando ter entre as mãos a sua rosa azul, com que sempre sonhara, brotada de uma das roseiras plantadas e regadas por ele.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 15 de outubro de 2021

O RANZINZA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

O RANZINZA

Violante Pimentel

 

A mulher era considerada uma Cruz na vida do homem, transmissora de doenças, e por isso estigmatizada.

Vivia-se uma época excessivamente escrupulosa, e atrasada cientificamente. O temor das doenças, fazia com que os pais dos namorados pesquisassem as condições sanitárias dos antepassados dos pretendentes de seus filhos, até a quinta geração. Os noivos eram forçados a tomar um purgante de óleo de rícino oito dias antes do casamento, para limpar as impurezas do organismo. Era uma medida humanitária propagada pelo governo. Essa exigência chegava a reduzir o número de casamentos.

Considerado um prêmio para a mulher, o casamento, na verdade, era semelhante a uma coleira, que ela recebia no pescoço, até que a morte separasse o casal.

Na realidade, a mulher era um objeto de satisfação dos desejos do homem, com a finalidade de reproduzir a espécie.

Pois bem. Sem constrangimento nem entraves na língua, certo dia, Alvino, um fazendeiro grosseirão e metido a engraçado, dizendo-se insatisfeito com a vida, “filosofava” com os amigos, na mesa de um botequim, sobre a chatice e o peso do casamento:

– O casamento só pode ser compreendido por alguém, que já teve um automóvel. A esposa, mulher definitiva, é uma espécie de automóvel particular. À medida que o tempo vai passando, não existe no mundo coisa que dê mais trabalho e despesa do que um automóvel. Um dia, é uma peça que falha; no outro, é a gasolina que está acabando; mais tarde, aparecem arranhões na lataria…. E o dono do automóvel gasta quase tudo o que ganha, para mantê-lo funcionando.

Dizia que uma amante era considerada o “táxi” do coração. Ao homem, só proporcionava alegria. O homem pega, paga, e salta onde quer, sem se preocupar onde fica a garagem, nem com o estado do motor ou a marca do lubrificante.

Nesse momento, soaram, monótonas, na torre da Igreja, as seis badaladas metálicas da Ave-Maria. Era a “”Hora do Angelus”, mediante o Toque das Ave-Marias ou Toque das Trindades, que corresponde às 6h00, 12h00 e 18h00, e relembra aos católicos (através de um toque especial dos sinos das igrejas e capelas) o momento da Anunciação – feita pelo anjo Gabriel à Virgem Maria – da concepção de Jesus Cristo, acreditada como livre do pecado original. Nesse instante, é comum ao cristão parar a sua atividade por uns breves momentos, e se recolher em meditação e oração.

Alvino levantou-se, persignou-se, fazendo, solenemente, o sinal da Cruz, e foi ligeiro para casa, onde a esposa e os cinco filhos o esperavam para jantar.

No caminho, pediu perdão a Deus, pelas besteiras que tinha conversado com os amigos. Jurou que era tudo “da boca pra fora”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 10 de outubro de 2021

OLHO POR OLHO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

OLHO POR OLHO

Violante Pimentel

 

Apesar dos cuidados de Pacífico, que procurava sempre consertar qualquer abertura na cerca do seu quintal, uma vez por outra era surpreendido com o furto de uma galinha gorda do seu terreiro. Já imaginava quem poderia ter sido, mas não podia provar.

Numa certa tarde, após sentir falta de mais uma galinha, o homem saiu pelo fundo do enorme quintal e ao olhar pela cerca do vizinho, descobriu que ali estava a galinha gorda e cevada que ele procurava. Estava sendo depenada pela dona da casa, certamente, para o jantar.

Pacífico rodeou o cercado, bateu à porta da casa, e reclamou do que estavam fazendo com a sua galinha. Acusou os vizinhos de terem furtado sua galinha, e que não era a primeira vez que aquilo acontecia.

Zé de Virna sorriu, cinicamente, e argumentou:

– Ora, compadre, pra que brigar por conta de uma galinha? Vamos entrar num acordo: A galinha vai já pra panela. Espere e jante “com nós”!

Como era Pacífico, até no nome, o dono da galinha não gostava de confusão e aceitou o convite. Esperou a hora, jantou, e voltou pra casa, de cabeça baixa, mas planejando um meio de se vingar do vizinho. Apesar de sempre suspeitar dele, quando sumia uma galinha, dessa vez a dúvida desapareceu. O vizinho era mesmo o ladrão de galinhas.

Doroteia, mulher de Zé de Virna, era uma morena forte e bonita, e toda vez que olhava para Pacífico, os olhos faiscavam e quase não desgrudavam dele. Isso acontecia em qualquer lugar, fosse na vila, na bodega ou na feira.

Pacífico lembrou-se disso e, com o desejo de vingança, resolveu explorar essa fraqueza da vizinha. Tanto planejou, que um dia, ao voltar do roçado, Zé de Virna não encontrou mais a mulher em casa.

Desconfiado, dirigiu-se à casa de Pacífico, bateu palmas, e perguntou, com seu vozeirão:

– Doroteia está aqui?

Pacífico apareceu na porta do casebre e, sorrindo, respondeu:

– Ela está aqui, compadre. Está lá dentro.

E puxando o vizinho pelo braço, convidou:

– Entre, compadre. Fique pra dormir com a gente!!! Vizinho não vai brigar por causa de galinha…


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 03 de outubro de 2021

BONEQUINHAS DE LUXO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

BONEQUINHAS DE LUXO

Violante Pimentel

 

A mulher, por muitos anos, teve uma educação diferenciada da educação dada ao homem. Era educada para servir, enquanto o homem era educado para assumir a posição de senhor todo poderoso. Quando solteira, vivia sob a dominação do pai ou do irmão mais velho; ao casar-se, o pai transmitia todos os seus direitos ao marido, submetendo a mulher à autoridade deste.

Durante muitos anos, as mulheres eram verdadeiros ornamentos da família brasileira. Objetos de reprodução da espécie. Quanto mais filhos o casal tinha, mais orgulhosos os homens se sentiam.

No interior nordestino, não havia energia elétrica nem água encanada. As famílias dormiam cedo, e era comum o casal ter mais de oito filhos.

Em 9 de maio de 1960, a primeira pílula anticoncepcional foi aprovada nos EUA. O medicamento revolucionou hábitos sexuais e ajudou a consolidar a mulher no mercado de trabalho. No Brasil, foi recebida com forte resistência.

Com a evolução dos costumes, a mulher conquistou seu lugar ao sol, e passou a ter vontade própria. A pílula anticoncepcional a libertou da gravidez inoportuna.

Depois, a mulher conseguiu progredir culturalmente, conquistando o direito de cursar faculdade e competir com o homem no mercado de trabalho.

O progresso fez com que, hoje, a mulher ocupe cargos importantes, no cenário civil e político.

Pois bem. No tempo em que a mulher era apenas “do lar”, a virtuosa D. Gertrudes, esposa de um rico capitalista, todas as tardes, reunia no terraço de sua casa, uma dezena de senhoras, na sua situação, para boas conversas e um lauto lanche.

A reunião acontecia no terraço de sua casa e as conversas eram amenas e divertidas.

Naquela tarde, o assunto mais importante que se discutiu foi o medo de baratas, ratos, rãs e outros pequenos seres, para elas, repugnantes.

De repente, Matilde, uma das senhoras presentes, esposa de um político, interveio, com uma narrativa:

– Pois eu não tenho medo de nada disso. Nenhum desses bichinhos me faz qualquer mal aos nervos, como a vocês. Imaginem que outro dia, eu estava em pé na sala de espera do cinema, quando senti uma coisa subindo pela minha perna. Sem me mover, compreendi que era uma enorme barata. Quieta eu estava, quieta fiquei. A barata subiu- me aos poucos pela perna, e eu, imóvel e enojada, suportei até atingir o meu limite.

Dona Gertrudes interrompeu a narrativa, com a maior ingenuidade do mundo, mostrando os braços arrepiados, com asco à barata. E perguntou:

– A barata subiu mesmo? Foi até aonde? Mas desceu depois?

A narradora, irritada, respondeu:

-Claro que eu não esperei que ela avançasse. Levantei a saia, a sacudi e a barata caiu. Ela quis correr, mas eu a esmaguei com o pé.

Esse tipo de conversa provocava risos em quem a ouvia, inclusive aos próprios maridos. Educadas e ricas, essas figuras da “elite”, esposas de maridos ricos, dondocas e “do lar”, totalmente submissas, eram, para eles, verdadeiras bonequinhas de luxo.

A evolução dos costumes colocou a mulher em pé de igualdade com o homem, e ela hoje está apta a exercer qualquer lugar de destaque na sociedade em que vivemos.

Acabou-se o tempo das bonequinhas de luxo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 20 de setembro de 2021

A HEROÍNA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

A HEROÍNA

Violante Pimentel

 

Nos meados do século passado, depois de passar seis meses em Lisboa, em visita aos pais, Dalva regressava, enfim, ao Brasil, louca de saudade do marido e não vendo a hora de cair nos seus braços. Viajava num navio repleto de passageiros, de diversas nacionalidades.

No restaurante do navio, conversando com o imediato, Dalva ficou sabendo que ali viajavam mais de 1.000 pessoas, entre passageiros e tripulantes.

O navio parecia uma cidade flutuante, onde Dalva não conhecia ninguém.

Os passageiros de 1ª classe, na maior parte argentinos, passavam a maior parte do tempo, bebendo e jogando.

No tombadilho, passageiros ingleses, que se dirigiam ao Rio e a Buenos Aires, fumavam, discretamente.

Durante o almoço, a saltitante e atraente senhora percebeu que o comandante, um bonito “marujo” britânico, tinha os olhos fixos nela. Ela desviou o olhar, mas continuou sentindo-se observada. Ficou incomodada com isso, pois era uma senhora casada e de respeito. Mesmo assim, sentiu-se envaidecida, por atrair o olhar de um homem tão bonito, onde havia tantas mulheres mais bonitas e jovens.

À noite, Dalva não desceu para o jantar.

No dia seguinte, durante o almoço, o comandante continuou a olhá-la insistentemente, a ponto de esquecer o whisky que tomava.

Era um inglês bonito, alto, forte, louro, bigode, pele corada e olhos azuis. Aparentava beirar os 50 anos.

A insistência do olhar do homem irritou Dalva, mas, ao mesmo tempo, massageou seu ego, ao sentir que, com 49 anos, ainda “dava um ponche”.

Após o jantar, o comandante desceu da casa de comando ao tombadilho. Aproximou-se de Dalva e lhe falou em inglês. Declarou-se apaixonado por ela, desde o primeiro minuto em que a viu.

Ela fez o possível para não ser indelicada. Disse-lhe que era casada e que o marido estava a esperá-la no Brasil. Mas, de nada adiantou. Dalva ficou tensa com a insistência do comandante, mas sua autoestima aumentou, consideravelmente.

No dia seguinte, o comandante passou o dia quase todo a persegui-la, insistindo em declarar sua paixão violenta.

Nessa época, não se falava em assédio sexual e as mulheres normais sentiam-se envaidecidas, quando eram cortejadas. Certos galanteios eram bem-vindos.

À tarde, no salão de música, o comandante se aproximou de Dalva, com os olhos inchados pela insônia e pelo desejo, e lhe declarou novamente a paixão violenta que ela lhe despertara. Convidou-a para ir, à noite, ao seu camarote. Disse-lhe, com voz trêmula e olhar apaixonado, que se ela não fosse lá até meia noite, meia hora depois ele seria capaz de meter o navio a pique, em pleno oceano, e não escaparia ninguém.

Dalva se viu entre a cruz e a espada. Sem saber se a ameaça era coisa séria ou brincadeira, se aconselhou com anjos, arcanjos e todos os santos do mundo e tomou a mais séria decisão da sua vida:

Evitou a morte de mais de mil pessoas, indo ao camarote do comandante e satisfazendo aos seus desejos.

Esse segredo, ela guardou para sempre, como um sonho “das mil e uma noites”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 12 de setembro de 2021

O BOM E O BOMBOM (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O BOM E O “BOMBOM”

Violante Pimentel

“Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita. Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á.” (Sermão da Montanha – MT 5.1-2)

 

Ajudar alguém, eventualmente, é uma coisa. Mas assumir os problemas dos outros, é outra. Há pessoas que não passam sem ter problemas. E quando não tem, arranjam. Depois, querem que os outros resolvam.
Ninguém tem obrigação de assumir os problemas de ninguém. É aí que está a diferença entre ser bom e ser “bombom.”

Os invejosos não pensam nas pedras que você encontrou pelos caminhos até chegar onde chegou. Nem na dor que você sentiu, ao machucar seus pés nas pedras. Nem nas lágrimas que você derramou, ao ver seus sonhos desfeitos.

Pois bem.

Seu Jorge, dono de uma pequena fazenda, e sua esposa Efigênia moravam numa cidade do interior nordestino. O casal tinha dois filhos. Muito caridosos, marido e mulher combinavam em tudo e viviam em harmonia. A casa deles estava sempre de portas abertas aos necessitados, como se não tivessem chaves nem tramelas.

Era comum, ao amanhecer o dia, pessoas famintas se encontrarem à sua porta, pedindo o café da manhã. Na hora do almoço, a cena se repetia. Os pobres ficavam na calçada, à espera de comida. O casal não negava um prato de alimento a ninguém, ou uma ajuda em dinheiro, para um remédio ou outra coisa necessária.

Com o passar do tempo, oportunistas passaram a se aproveitar da bondade do casal. Na hora das refeições, sempre chegavam alguns desconhecidos, com conversa mole, praticamente se convidando para almoçar ou jantar. Pediam até dormida.

Até pessoas empregadas, mas sem escrúpulos, tentavam tirar proveito do casal, usando de ardil para conseguir dinheiro “emprestado”, o que terminava em calote.

Com a hospitalidade típica do nordestino, o casal tinha prazer em hospedar, em sua casa, pessoas amigas e parentes.

O fazendeiro ajudava aos necessitados, sem alarde e, simplesmente, pelo espírito de caridade. Não era político nem cabo eleitoral.

Entretanto, pessoas sovinas e invejosas, que dão adeus de mão fechada, e são incapazes de dar uma esmola, achavam pouco o que ele fazia e instigavam os pobres para que lhe pedissem muito mais. Diziam que o fazendeiro era muito rico e devia ajudar ainda mais.

Isso chegou aos ouvidos do casal, que ficou indignado com a maldade humana.

Depois de uma conversa confidencial com o padre da Paróquia, pedindo orientação de como deveria agir para se livrar dos aproveitadores, o casal ouviu este conselho:

– Ajudar às pessoas necessitadas é exercer a caridade. Vocês são verdadeiros cristãos. Dar comida a quem não tem condições de se manter, é uma gesto sublime. Mas não se deixem explorar por pessoas más, verdadeiros golpistas.

O homem tem obrigação de ser bom. Mas não tem obrigação de ser “bombom”. Quem se faz de mel, as abelhas comem.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 05 de setembro de 2021

O FORMIGUEIRO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O FORMIGUEIRO

Violante Pimentel

 

As eleições para renovação da Câmara e recomposição do Senado se aproximavam e atemorizavam o velho senador politiqueiro, que não queria perder sua poderosa máquina eleitoral. Para isso, sempre se conduziu bem, não hesitando em atropelar amigos e se contemporizar com certos adversários. Sentia-se vitorioso e forte, como um homem que nunca se curvou a ninguém e a todos esmagou pelo caminho.

 

 

 

Enquanto ouvia as informações, trazidas pelo “formigueiro” que lhe garantia o prestígio, entrou no seu gabinete, com intimidade, um antigo senador, afastado das lides partidárias. Era um velho companheiro, que preferiu gozar em sossego os proventos da sua aposentadoria, e que continuava desfrutando de considerações especiais.

– Você, por aqui?!!!- exclamou o “Poderoso Chefão”, tirando o charuto cubano da boca, cheia de enormes dentes, que lembravam um animal feroz.
 O visitante sentou-se satisfeito e aguardou sua vez de conversar com o velho amigo, confidencialmente.

Até que o senador lhe perguntou o motivo da sua visita, e ele entrou no assunto:

– O que me traz aqui, amigo, é a situação de Josivaldo, meu afilhado. Ele precisa entrar para a Câmara e o seu apoio é fundamental. Se ele contar com o seu apoio, já é meio caminho andado. Conto com você.

O senador, acostumado a esse tipo de pedidos, lançou para o teto uma baforada do charuto que fumava e perguntou se o protegido do amigo tinha vocação para a política e se era um homem íntegro.

A resposta foi “sim”.

O senador continuou:

– Então, creio que não há nada contra ele. Vamos fazer o que for possível para que ele seja eleito.

Olhando nos olhos do velho companheiro, o senador percebeu uma certa preocupação e perguntou qual a razão do seu temor de que Josivaldo, seu protegido, não consiga se eleger para deputado.

Encabulado, o velho companheiro falou:

– O problema, amigo, é que ele é casado com uma mulher feia como um bicho!!! É de assombrar!!!

Com essa informação, a fisionomia do senador, que até então se mostrava risonha e satisfeita, mudou de expressão. O homem franziu a testa, unindo o bigode com a cabeleira, acendeu outro charuto, e, com ar preocupado, falou:

– Amigo, agora deu o diabo!!! Mas vamos ver!!!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 22 de agosto de 2021

MUDANÇA DE HÁBITOS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Aposentada e viúva, Maria Rosa se habituou a ir com sua filha, todas as manhãs, à academia, e à tarde, dia sim, outro também, ao rodízio de shoppings. Depois do jantar, adotou o hábito de escrever no computador, ate meia noite, ou até o sono chegar.

Nos finais de semana, ela e algumas amigas, quase todas aposentadas, independentes e descasadas pela lei de Deus (viúvas), ou pela lei dos homens, não perdiam as danças da AABB, onde é sócia. Vez por outra, pintava alguma festa fora da AABB, e lá iam as “andorinhas” se divertir. Se não tivessem par para dançar, a animação era a mesma, pois elas dançavam mesmo sozinhas e soltas. O importante era a descontração. Todas elas, filhos criados e bem resolvidas, levavam uma vida de dar inveja às mulheres mal casadas, que arrastam casamentos desastrosos, apenas por conveniência.

De repente, não mais que de repente, no começo de 2020, a TV anunciou, em rede nacional, que um terrível vírus letal, o Covid-19, assomara às portas do Brasil, vindo do estrangeiro, e já estava fazendo vítimas.

Ainda bem que o Dr. Dráuzio Varela, no programa do Faustão, tranquilizou a população, opinando que o vírus que estava invadindo o Brasil seria apenas “uma gripezinha”.

Ledo engano. O Covid-19 terraplanou a população e, em poucos meses, ceifou milhares de vida, causando sofrimento e dor às famílias brasileiras.

O terrível vírus já se alastrara pelo mundo inteiro, e a luta pela cura, travada pela ciência, não obtinha êxito, nos casos avançados.

E deu-se o pânico. Medidas sanitárias alertavam a população, a fim de conter a disseminação do Covid-19. Tornou-se obrigatório o distanciamento social, o uso de máscaras, a higienização das mãos com sabão ou álcool em gel, e, por fim, o fechamento de academias, clubes, repartições públicas, templos religiosos, e do comércio formal, incluindo shoppings, restaurantes e bares, e o informal, como camelôs, vendedores ambulantes, inclusive pipoqueiros e vendedores de cachorro-quente, que alimentam a família com o apurado do dia.

Isso enlouqueceu a população. Quem tinha a cabeça boa, passou a sofrer de depressão. Quem já tinha depressão, destrambelhou, e piorou de vez. Nunca se procurou tanto terapeuta, e nunca se tomou tanto antidepressivo no Brasil. Também nunca se tomou tanta Ivermectina e Cloroquina, como tratamento precoce.

E a Ciência entrou em campo, em busca de uma vacina contra o Covid-19.

A imprensa funerária, nos noticiários, informava, com ênfase, o número crescente, diário, de mortos pelo Covid-19, aumentando cada vez mais o terror da população. As crises de pânico aumentaram, resultando, inclusive, em casos de suicídios.

A partir do mês de março de 2021, com a chegada das vacinas contra o Covid-19, a população sã foi convocada a se vacinar. A imunização ainda não se completou, mas o poder público está se esforçando para que todos os brasileiros estejam vacinados até o final do ano.

O Covid-19 ainda continua ceifando vidas e os hospitais continuam cheios. Porém, com a vacinação, o povo criou alma nova. E a luta continua. Abriram-se “as portas da esperança.”

E as viúvas e descasadas, confinadas em casa por quase dois anos, que antes da pandemia saíam sempre, para espantar o fantasma da solidão, continuam sem perspectiva do “alvará de soltura.”

Mesmo já vacinadas, ainda continuam usando máscaras, e evitando aglomerações. Aguardam, ansiosas, que os tempos mudem e o lazer volte a existir, com a liberdade e segurança de antes. E que o fantasma do Covid-19 fique, apenas, como mais uma tragédia, na história da humanidade.

O distanciamento social, imposto pelas autoridades sanitárias, deixou traumas que perdurarão durante muito tempo.

E a “mídia funerária” continua aterrorizando a população, pois a vacina não garante a imunidade 100%.

Cada qual se defende como pode.

Esta semana, Maria Rosa, que é louca por música, deu um “lance de mestre”. Para espantar o estresse, comprou uma sanfona nova e bem mais leve do que a sua antiga e encostada, de 120 baixos, já “velhinha”. A distração de Maria Rosa, agora, é tocar sanfona, que voltou a ser o seu xodó, sem desprezar o teclado.

Pelo menos, ela se distrai, preenche o tempo e esquece a vontade de sair de casa, até que termine a vacinação em Natal. As festas da AABB ainda não recomeçaram. E o remédio é esperar.

Afinal, a música é o alimento da alma. Tocar um instrumento, melhora a vida interior.

Repetindo o Escritor Artur da Távola, pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros, música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 15 de agosto de 2021

A INSATISFAÇÃO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

A INSATISFAÇÃO

Violante Pimentel

 

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Andorinhas em voo

 

Há pessoas insatisfeitas e mal-humoradas, que reclamam de tudo e de todos. Essas pessoas não poupam os ouvidos de ninguém e estão sempre apontando defeitos em alguém ou em alguma coisa. São pessoas irritadas, por natureza. Só se satisfazem, quando provocam alguém e forçam uma resposta contraditória, capaz de dar início a um bate-boca. Geralmente, essas pessoas são mal resolvidas, frustradas, que erraram nas suas escolhas e querem se vingar do mundo. Quando não encontram alguém para Cristo, como se diz no interior nordestino, "dão coice no vento."

Pois bem. Benício Silva, fazendeiro rico do interior nordestino e engenheiro agrônomo aposentado, era desse tipo. Insatisfeito e mal humorado. Reclamava de tudo e de todos. Dizia detestar política, mas não deixava de ler jornais e revistas, além de não desprezar um bom livro, atual ou antigo.

Com filhos casados e netos, morando fora, o fazendeiro passava a maior parte do tempo na companhia da esposa e dos empregados, e raramente recebia visitas de amigos ou parentes.

Apontava os defeitos do governo federal, estadual ou municipal, dos partidos políticos, ministros, senadores, deputados e vereadores, e até do Papa, Bispos e padres.

Enfim, achava que somente ele era supremo, e que somente ele tinha capacidade de fazer tudo bem feito e de ser honesto.

Depois do almoço, deitava-se numa rede armada no alpendre de sua casa, para ler algum jornal ou revista, mas logo adormecia. À tardinha, se levantava, para fazer sua caminhada no pátio da fazenda, e ao mesmo tempo admirar a passagem do seu enorme rebanho, quando era tangido para o curral.

Enquanto caminhava, meditava sobre o sentido da vida, a criação do mundo, seus arrependimentos e frustrações, sempre atribuindo a causa dos seus desacertos a outras pessoas e à sua falta de coragem na hora de fazer escolhas.

Tinha ideias próprias sobre a existência humana, e chegava a dizer que se tivesse feito o mundo, seria tudo diferente. e não haveria injustiça.

À noite, junto com a esposa, costumava ler a Bíblia, pausadamente, focalizando, de preferência, os Salmos de Davi. Esse hábito sempre existiu, desde a infância dos três filhos (dois meninos e uma menina).

Numa certa tarde, ao fazer sua caminhada pelo pátio da fazenda, Benício, dominado por ideias reacionárias lidas num jornal matutino, se perdeu em pensamentos, revoltado contra as "coisas erradas do mundo".

Observando a passagem do seu enorme rebanho, achou uma injustiça o boi, que é tão forte e pesado, tem patas, chifres, orelhas e cauda, ser condenado a caminhar sempre na terra, enfrentando a quentura ou a lama, enquanto os pássaros, que são leves, voam livres e soltos, pela amplidão do espaço.

Atrás do rebanho vinham revoadas de pássaros, num espetáculo deslumbrante.

As andorinhas sobrevoaram o pátio da fazenda, chamando a atenção de Benício. Ao vê-las a voejar, Benício chegou a blasfemar:

– Está tudo errado! O mundo foi muito mal feito. Quem devia voar era o boi, que é um animal pesado! E não os pássaros, que não pesam quase nada! Mas são eles que voam, leves e soltos, se locomovendo rapidamente e dominando os ares!

Nesse momento, uma andorinha que voejava sobre o pátio, deixou cair sobre a cabeça calva e descoberta do irritado fazendeiro, alguma coisa que lhe fazia sobrecarga no intestino. Instintivamente, ele passou a mão na cabeça e, olhando seus dedos brancos daquela "sujeira", caiu de joelhos, pedindo perdão a Deus:

– Perdão, meu Senhor e meu Deus! Quem sou eu para julgar a criação do mundo! Tudo o que no mundo existe foi feito com perfeição, acerto e sabedoria!

Em lágrimas, o fazendeiro levantou-se, limpando a mão, enojado e dizendo:

– Graças a Deus, não foi um boi!...


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 08 de agosto de 2021

SOBRE AS ONDAS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

SOBRE AS ONDAS

Violante Pimentel

O garoto Ítalo Ferreira, nascido e criado na praia de Baía Formosa (RN), município do litoral leste do Estado do Rio Grande do Norte, filho de Luiz Ferreira e Catiana Ferreira, desde os seis anos de idade, apaixonou-se pelo Surfe. Gostava de brincar com as ondas, e o mar povoava seus sonhos.

Enquanto o pai trabalhava na praia, permitia que o filho brincasse, com a tampa da caixa de isopor, onde estavam os peixes, à sua vista e da mãe.

Nessa idade, o garoto já revelava sua vocação para o Surfe.

Muitas tampas de isopor se quebraram, com a brincadeira do filho, sem que o pai se aborrecesse. Afinal, o garoto ainda não possuía uma prancha.

Aos 8 anos, o menino ganhou, de um amigo do seu pai, uma prancha usada, com a ponta quebrada, que para ele teve o sabor de nova. E, usando o dom que Deus lhe deu, sem treinador, passou a enfrentar as ondas de Baía Formosa, com habilidade de chamar a atenção.

Aos 11 anos, Ítalo recebeu, de presente do pai, uma prancha de Surfe, ainda na embalagem, zerada, comprada com dificuldade, mas com muito amor. A felicidade que o homem viu estampada no rosto do filho compensou o sacrifício.
Se o garoto ficou feliz, o pai ficou ainda mais.

Pouco tempo depois, Ítalo já era vencedor de campeonatos locais.

Apesar de surfar todos os dias, o menino sempre frequentou a escola, e a prática de esporte nunca atrapalhou seus estudos.

Ítalo sofria com a falta de apoio, estrutura de treinamento e equipamento para as competições, pois o poder público, raramente, ajuda aos jovens atletas.

Mas, um verdadeiro milagre aconteceu:

Aos 12 anos, Ítalo foi descoberto por Luiz “Pinga” Campos, então diretor de marketing da Oakley, uma das mais importantes marcas de Surfe do mundo. Impressionado com o desempenho de Ítalo, durante um evento para amadores na praia de Ponta Negra, em Natal, Pinga o convidou para se juntar à sua equipe, a qual já contava com surfistas consagrados, como Adriano de Souza, Jadson André e Miguel Pupo, hoje seus colegas na elite do Surfe mundial.

Sendo conhecido como um grande gestor de carreiras de atletas, mais uma vez, Pinga mostrou sua competência, ao assumir a responsabilidade pela carreira do garoto Ítalo Ferreira, o pequeno prodígio de Baía Formosa.

Em 2019, o Surfe teve uma grande revelação, e um dos títulos mais marcantes e inesperados. Ítalo Ferreira, que havia entrado no CT em 2015, foi o grande campeão mundial de surf da WSL, depois de uma final épica, nos tubos de Pipeline e Backdoor, contra Gabriel Medina.

E agora, nas Olimpíadas Mundiais de 2021, que acontecem em Tóquio (Japão), Ítalo Ferreira, representando o Brasil na modalidade de Surfe, consagrou-se campeão mundial, conquistando medalha de ouro.

Salve ÍTALO FERREIRA, aquele garoto praiano, nordestino, que sonhava sobre as ondas do mar, e que hoje, aos 27 anos, é o atleta mais importante do nosso País, na modalidade de Surfe.

Salve BAÍA FORMOSA, RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 31 de julho de 2021

MACARRÃO9 COM LOMBO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MACARRÃO COM LOMBO

Violante Pimentel

 

No dia-a-dia, a carne consumida nas refeições era a carne-de sol, na época, chamada de “carne-seca.” Somente às sextas-feiras, no açougue, havia carne verde (gado recém abatido). O preço da carne era um só, inclusive o filé, excetuando-se apenas a carne com osso, que era a mais barata. Não se dava valor a filé. Era uma carne como outra qualquer. Tanto fazia filé, como chã de dentro, chã de fora, alcatra, picanha, patinho etc.

 

 

 

Particularmente, Dona Lia, minha saudosa Mãe, não gostava de filé, por considerá-lo uma carne sem consistência. Sempre preferiu chã de dentro, alcatra ou patinho.

Dona Lia tinha predileção por macarrão. Ela mesma fazia a massa, manualmente, usando farinha de trigo, ovos, e água para unir. Deixava-a descansar um pouco e depois a abria, com um rolo de madeira, sobre um quadrado de mármore, salpicado de farinha de trigo.

Aberta a massa, ela a cortava, com o auxílio de uma faca, em tiras largas, e as colocava para secar, sobre um pano de prato estirado sobre a mesa, também salpicado de farinha de trigo. Depois de seco, o macarrão era posto para cozinhar em água fervendo, com um pouco de sal, por uns vinte minutos, e depois escorrido.

Nessas alturas, a molha (se chamava molha, mesmo) do macarrão já estava no fogo. Era feita com manteiga, massa de tomate e um pouco da graxa do lombo de chã de dentro, por ela preparado, com esmero, e que já estava pronto, na panela. Posto o macarrão numa travessa, era colocada sobre ele a suculenta molha, queijo parmesão ralado em casa e rodelas de ovos cozidos. Em outra travessa, era colocado o lombo, regado com a sua própria graxa, e enfeitado com batatinha cozida, chamada, na época, de “batata inglesa.”

Movida pela saudade, hoje acordei com vontade de almoçar macarrão com lombo, do jeito que Dona Lia fazia. Mãos à obra.

Preparei o lombo de chá de dentro, da forma que eu, muitas vezes, a vi preparar, usando os temperos tradicionais (sal, pimenta do reino, alho, vinagre, tomate, pimentão, cebola e um pouquinho de colorau). Nada de modismos. Coloquei um pacote de macarrão para cozinhar, largo e de boa marca, mas que não chegava nem perto do que ela fazia. Entretanto, com a molha (ou molho), queijo parmesão ralado e rodelas de ovos cozidos, deu para disfarçar.

O queijo parmesão, que agora se compra ralado, já não tem o mesmo gosto do de antigamente, ralado em casa.

O macarrão e o lombo ficaram apetitosos.

Mas, faltava o principal: O toque de Dona Lia, que tinha as mãos de fada e cozinhava divinamente.

Quis comer com gosto, imaginando-a à mesa, ao nosso lado, mas a realidade falou mais alto e a saudade tomou conta do ambiente. Não parou de chover nos meus olhos.

E a falta que ela me faz doeu, ainda mais forte, dentro de mim.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 25 de julho de 2021

PAIXÃO VIOLENTA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PAIXÃO VIOLENTA

Violante Pimentel

O fato de ter abandonado o marido poderia tê-la conduzido à lama e à vergonha, mas, ao contrário, com a nova união, ela conheceu o esplendor da glória. Viagens, restaurantes caros e amigos ricos logo lhe despertaram a vaidade de ser rica.

 

 

 

 

Três anos depois, o “fogo baixou” e a paixão de Jorgete se diluiu no tempo e no espaço. Entretanto, gostava do luxo e do conforto, que Vilton lhe proporcionava.

Jorgete cultuava a fortuna e a vida boa que levava. Sentia-se feliz e via aos seus pés, derretido numa chuva de ouro, o coração desse homem generoso, nobre e rico, como aquela com que Júpiter fecundou, na torre de Argos, a desditosa Dânae, mãe de Perseu, um dos heróis mais emblemáticos da mitologia grega, considerado um semideus.

Bonito, elegante e rico, o empresário não tinha motivos para temer um competidor. No entanto, mesmo consciente da sua invejável situação econômica, Vilton vivia com o coração apertado, pela insegurança que sentia, com relação a Jorgete, que não hesitara em abandonar o primeiro marido, quando o conheceu.

E foi dominado por essa fraqueza, que, certa noite, não se controlou e desabafou com a mulher, abrindo as torrentes da sua alma:

– Você não imagina, Jorgete, o que tem sido a minha vida, depois que passamos a viver juntos. Eu tenho por você uma paixão desesperada. A minha fortuna, a minha vida e o meu destino estão nas suas mãos. Dou a você, além do meu amor, tudo o que você deseja. Nunca lhe neguei nada. Realizar seus desejos sempre foi a minha religião e a minha maior alegria. Entretanto, a minha felicidade é perturbada por uma insegurança terrível, quando penso no que você fez com seu marido, abandonando-o sem dó nem piedade.

Diante dessas palavras tão sinceras, brotadas do coração do marido, a mulher franziu a testa, coroada de cabelos dourados, como quem acabava de ouvir uma novidade maravilhosa. Sentiu-se envaidecida com essa declaração de amor.

Com os cotovelos fincados na mesa do jantar, e com o rosto de boneca, muito claro e lindo, a fisionomia de Jorgete denunciava uma grave inquietação. De repente, com ar de ingenuidade, uma pergunta aflorou, na sua boca vermelha:

– Então, existe, aqui na capital, outro homem ainda mais rico do que você?!!!

E, ansiosa, disse para si mesmo, sem olhar para o marido:

– Preciso, urgente, conhecer esse homem tão rico assim…


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 18 de julho de 2021

O MEDO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O MEDO

Violante Pimentel

Casado com Elza, uma das mulheres mais bonitas da cidade, e bem mais nova do que ele, tinha tanto medo de ser traído, que ameaçava qualquer homem que a olhasse com admiração. Ninguém se atrevia, sequer, a levantar os olhos para sua esposa. Na opinião de todas as pessoas, aquele que o fizesse seria um homem liquidado.

Foi no auge do ciúme do coronel, e quando mais se acentuava a fama da sua agressividade, que voltou a residir na mesma cidade, o famoso advogado Dr. Agostinho Santos, depois de morar vários anos fora. Não era coronel, nem major, nem capitão, nem tenente, mas sempre foi considerado o homem mais namorador da cidade, quando jovem.

Divorciado e sozinho, o advogado foi morar num apartamento de sua propriedade, que, por coincidência, ficava no mesmo prédio em que morava o coronel Otávio. Muito simpático e conversador, não foi preciso muito esforço para que o advogado se tornasse amigo do coronel.

A amizade foi tão espontânea e sincera, que, uma semana depois, o coronel convidou o Dr. Agostinho para almoçar com ele e sua esposa, no apartamento.

Muito simpático e gentil, Agostinho conquistou a simpatia do casal. O coronel, com grande esforço, conseguia disfarçar o seu ciúme e insegurança. Com um sorriso sem graça e uma amabilidade forçada, conseguia esconder sua austeridade marcial. Elza, usando um vestido elegante e jovial, jogava charme para cima do marido, chamando a atenção do convidado.

Minutos depois, estavam sentados à mesa redonda, em que havia três talheres. A palestra corria num clima amigável e feliz, entre petiscos saborosos e sorrisos significativos, quando o telefone tocou. Era o procurador do coronel, que precisava lhe falar com urgência, sobre transações comerciais, no escritório.


– Diabo! – exclamou o militar, irritado. Tenho de ir resolver um problema. E virando-se para o advogado, falou:

– Esteja à vontade, doutor. É questão de meia hora. Fique por aí; eu não demoro!

E para a esposa:

– Elza, se encarregue das honras da casa, que eu volto já!

Mal o coronel saiu, duas taças de vinho se chocaram no ar, por cima da mesa, festejando aquele momento. O enlevo foi tão grande, que, ao retornar, o marido encontrou a mulher e o advogado no seu gabinete, num colóquio amoroso. Apanhado em flagrante, o advogado pôs-se de pé, sentindo-se paralisado. Apoiado na porta que empurrara, o coronel o encarou, esbravejando:

– Sim, senhor advogado!!! Sim, Dr. Agostinho!!!

Pálido e trêmulo, o advogado lembrou-se da fama do coronel, e sentiu que iria morrer.

A mulher ainda teve coragem de dizer para o marido:

– Amor, não é nada disso que você está pensando!!!

Humilhado, o coronel falou novamente:

– Sim, senhor!!!

E abrandando a voz:

– Você está correndo o risco de sofrer uma congestão!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 11 de julho de 2021

A CONSULTA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A CONSULTA

Violante Pimentel

 

O anel de médico tem, como símbolo, duas cobras. Um médico muito brincalhão, dizia que esse símbolo tem um significado: “Se cura, cobra; e se mata, também cobra”.

Segundo a mitologia grega, Asclépio é considerado o deus da medicina, e a serpente é considerada o símbolo da saúde.

Estava Asclépio em um dos atendimentos a pacientes em seu templo, quando uma serpente enrolou-se em seu cajado. Naquele momento, o semideus não poupou esforços para retirá-la, mas a serpente tornava a subir em seu cajado novamente, onde permaneceu para sempre.

De acordo com outro escrito da mitologia, Asclépio conseguiu matar a serpente. No entanto, para surpresa do semideus, surgiu uma segunda cobra, transportando uma erva em sua boca. Esta segunda cobra depositou a erva na boca da serpente morta, que instantaneamente ressuscitou. E assim, Asclépio aprendeu a ressuscitar pessoas, fazendo o uso dessa erva especial, o que acabou despertando a fúria de Zeus.

A serpente também estaria relacionada a uma crença, de que as cobras seriam donas de grande sabedoria, da capacidade de regeneração (a troca de pele) e de curar (através de seu veneno). Elas também são relacionadas à imortalidade e ao ciclo da vida.

Há médicos simples e caridosos, que exercem a medicina como se fosse um Sacerdócio.

Quando não havia Planos de Saúde nem SUS, havia, em Natal, um médico muito caridoso, chamado Dr. Luiz Antônio dos Santos Lima, tio da minha mãe, que, uma vez por semana, atendia e tratava pacientes pobres, chamados “indigentes”, no seu consultório particular. Ele foi o precursor da Quimioterapia em Natal, e hoje, o Hospital do Câncer tem o seu nome.

Quando alguém entra numa loja para fazer uma compra, tem que pagar.

O barbeiro não faz barba de graça pra ninguém e só atende na barbearia. Da mesma forma, o advogado não trabalha de graça pra ninguém e só atende no escritório.

O ferreiro, o pedreiro, o encanador e o eletricista, também, só trabalham por dinheiro.

Há pessoas hipocondríacas e inconvenientes, que não podem ver um médico, sem se consultar, até no meio da rua. Essas pessoas esquecem que as receitas que os médicos passam são fruto de vários anos de estudo, esforço e experiência, e que eles gastaram muito para se formar e fazer residência médica, para obter uma especialização.

Pois bem. Esse abuso, antigamente, era tão constante na vida de Dr. Isaltino, que, quando ele precisava resolver qualquer coisa no centro da cidade, ficava nervoso, temendo se encontrar com alguém inconveniente, querendo se consultar na rua.

Um certo dia, precisando resolver problemas bancários na Cidade Alta, Dr. Isaltino atravessava a rua em frente ao banco, quando foi abordado por uma mulher, com aspecto de rica e muito falante:

– Doutor Isaltino, o que é que o senhor faz, quando tem tosse?

Irônico, o médico respondeu:

– Eu tusso, minha senhora!

Sem se mancar, a mulher continuou, atrapalhando o médico:

– Sim, doutor, às vezes, sinto uma dor no peito, que responde aqui no fígado, causando um grande mal-estar . O senhor acha que pode ser o que?

Dr. Isaltino, médico de renome, Clínico Geral, respirou fundo, olhou para um lado e para o outro, e numa reação hilária e eficaz, falou:

– Vamos ver isso…Dispa-se, para eu examinar a senhora!!

– Como? Aqui no meio da rua? O senhor acha que eu sou doida?

No mesmo tom, Dr. Isaltino respondeu:

– E a senhora acha que eu tenho consultório no meio da rua?

A mulher saiu resmungando, e falando impropérios.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 05 de julho de 2021

A SORTE (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A SORTE

Violante Pimentel

Deitada em seu quarto e dizendo-se doente, Querubina recebeu o “doutor”, e quando começava a lhe contar as mazelas que estava sentindo, ouviu alguém abrir o portão. Percebeu que era seu marido que estava voltando da viagem.

Apavorada diante da perspectiva do marido, homem rude e ignorante, flagrar um homem em seu quarto, a mulher pediu aos anjos e arcanjos que a ajudassem.

Num impulso movido pelo medo, Querubina levantou-se da cama e rogou ao farmacêutico que salvasse sua vida e a dele também. E implorou, abrindo a porta do guarda-roupa:

– Pelo amor de Deus, esconda-se aqui!

Sem tempo de raciocinar, o homem encolheu-se dentro do guarda-roupa, tremendo de medo. A mulher fechou a porta do móvel, tirou a chave e voltou para a cama. Deitou-se e fingiu dormir.

Venâncio, depois de colocar o carro na garagem e ir à cozinha tomar água, entrou no quarto e encontrou Querubina “dormindo”. A mulher abriu os olhos e metralhou o marido com muitos beijos e palavras amorosas:

– Meu amor! Estava com saudade!

Sentados na cama, os dois passaram a conversar, amorosamente. Ele falou sobre os negócios que resolvera na capital, e mostrou-se preocupado com os compromissos financeiros do final do mês, principalmente um título bancário no valor de vinte contos.

Solidária ao marido, Querubina respondeu:

– Tenha fé em Deus, que tudo vai dar certo!!!

Levantou os olhos para cima do guarda-roupa, e mostrando-se segura na sua fé, continuou, em voz alta:

– Aquele que está lá em cima, há de nos ajudar! Tenha confiança!

Enquanto o marido saiu do quarto e se dirigiu ao banheiro para tomar banho, num tempo em que ainda não havia suíte, a mulher soltou o prisioneiro do guarda-roupa.

Querubina ganhou na “sorte”. Para ajudar no pagamento do título bancário do marido, ela extorquiu do farmacêutico dez contos, sob pena de denunciá-lo, por invasão de domicílio e tentativa de estupro.

Disse ao marido que aquele dinheiro era fruto de suas economias.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 27 de junho de 2021

O REENCONTRO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O REENCONTRO

Violante Pimentel

 

Nesse tempo, não havia Internet nem Celular, e, à medida em que o tempo foi passando, os dois amigos se distanciaram, sem receber notícias um do outro.

 

 

No Rio, Antonino estudou e se formou em Direito. Ingressou na Magistratura e fez uma brilhante carreira.

José Neves continuou no interior nordestino, tornando-se fazendeiro, como o pai.

Muitos anos depois, José Neves encontrava-se numa fila de banco, em Natal, quando ouviu um funcionário, no balcão, chamar um senhor idoso para atendimento:

– Antonino Luz!!!

José Neves lembrou-se do amigo, que tinha este nome e que se mudara para o Rio, há décadas. Esperou que o homem fosse atendido e o chamou:

– Antonino Luz?!!!

Surpreso, o homem respondeu:

– Sim!

Atendendo ao chamado, Antonino aproximou-se desconfiado, ainda esguio, e trazendo no rosto as marcas do tempo. Estava vestido com distinção, e demonstrava nos modos, no porte e nas maneiras, saúde e prosperidade.

Olhou de perto o rosto do homem que o havia chamado e falou, emocionado:

– José Neves?!!!

– Sim!!!

Houve uma explosão de alegria:

– Antonino!!!!!!

– Zé Neves!!!

Os dois amigos se abraçaram fortemente e foi difícil segurar as lágrimas. Era o encontro de duas saudades.

Os dois, da mesma idade, agora eram setentões. Pareciam saudáveis e de bem com a vida, apesar dos cabelos brancos.

Antonino, alto, magro, bem vestido e educado, durante anos exerceu a magistratura, com dignidade, e agora estava aposentado.

Três minutos depois, estavam os dois senhores a um canto, em pé, enxugando os olhos, trocando notícias da vida pessoal de cada um e contando como a roda do destino lhes havia sido favorável.

O magistrado contou-lhe, depois, como prosperara, e como havia se dado bem, no Rio.

De repente, o fazendeiro lhe perguntou:

– Você constituiu família?

O magistrado respondeu:

– Não. Continuo solteiro. E você??

O fazendeiro falou:

– Eu fiquei viúvo, mas me casei novamente, há dois anos, com uma jovem de 20 anos. Já tenho um filhinho com ela.

– Um filho?!!! – Indagou o Juiz, admirado.

E ao ouvido do fazendeiro, cochichou:

– Você desconfia de alguém???

Os dois amigos caíram na gargalhada, como faziam antigamente.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 19 de junho de 2021

POR CAUSA DA CACHAÇA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

POR CAUSA DA CACHAÇA

Violante Pimentel

 

 

A cachaça, hóspede dos negros africanos, destronou todos os vinhos tomados costumeiramente.

Cada povo tem sua bebida preferida. No Brasil, apesar de já ter sido muito discriminada, a cachaça concorre, hoje, com qualquer bebida tradicional. É tão popular, quanto o futebol e o samba.

Também conhecida, popularmente, por pinga, cana ou caninha, há quem a chame, poeticamente, de “água que passarinho não bebe.”

Produzida no Brasil, a cachaça é obtida através da fermentação e destilação do caldo de cana ou melaço.

Seu nome pode ter sido originado da velha língua ibérica – cachaza – significando vinho de borra, um vinho inferior bebido em Portugal e Espanha.

Pois bem. Depois de beber muita cachaça, Vilinha, que adorava a noite, tentou caminhar de volta para casa, achando a rua muito estreita e trocando as pernas. Muito embriagado e com sono, parou junto de um poste de iluminação elétrica e com ele se abraçou. Olhou para o céu e ficou admirando as estrelas. De repente, sentiu a terra estremecer e rodar. Com medo de cair, abraçou-se ao poste, ainda com mais força. Fechou os olhos e começou a sonhar com um monte de moedas de ouro, postas umas sobre as outras, até à altura dos seus joelhos. Rapidamente, o monte de moedas começou a crescer, formando um caule dourado e ganhando o espaço, até atingir as nuvens. No sonho, ele viu na sua frente uma corda de ouro enorme, formada por moedas, como se fosse uma árvore de rara beleza, ligando a terra ao céu.

Deslumbrado com tanto ouro na sua frente, Vilinha ouviu alguém falar:

– Sobe, Vilinha!!!

No sonho, o bêbado segurou-se à corda de ouro, feita de moedas acumuladas, e quando começava a subir, a corda estalou e se partiu, fazendo-o despencar pelo espaço, até se estatelar com força, no chão.

Abrindo os olhos, Vilinha viu-se sentado na calçada, ao lado do poste.

Espantado, olhou ao seu redor e viu no chão uma moeda de um real, caída do bolso de algum transeunte.

Decepcionado, procurou se consolar, pensando:

– Ainda bem, que a ponta da corda ficou pra mim…

Apanhou a moeda, guardou-a no bolso e continuou o caminho de volta para casa, aos trancos e barrancos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 11 de junho de 2021

ADÃO E EVA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ADÃO E EVA

 

 

Useira e vezeira em perguntas inconvenientes, Cesarina se destacava, na sociedade em que vivia, pela curiosidade e impertinência de suas perguntas. Isso fazia com que seu submisso marido, Astrogildo, distinto professor de Português, se arrolhasse de vergonha. As rodas sociais, que ela frequentava se dissolviam, rapidamente, em virtude de suas conversas, curiosas e intempestivas.

Como diz o ditado popular, "quem diz o que quer, ouve o que não quer". Por isso, uma vez por outra, Cesarina ouvia uma resposta incisiva e grosseira, de alguma amiga, também frequentadora dessas rodas femininas, organizadas para lanches, chás e bate-papos. Alguns maridos também gostavam de participar desses encontros.

Nesse duelo, entre a tagarelice e a ingenuidade, certa tarde, Cesarina perguntou, dirigindo-se ao esposo de uma amiga:

– Bonifácio, por que é que os homens tem o rosto pontuado de barba, com pelos irritantes e incômodos para a mulher, enquanto nós mulheres possuímos o rosto macio, liso e sem pelos?

O homem olhou para o marido de Cesarina, como quem pedia socorro, passando a mão na respeitável barba, e respondeu:

– Como a senhora sabe, Dona Cesarina, o homem foi feito de barro, e a mulher foi feita da sua costela.

Pois bem. Feito em primeiro lugar, com alguns punhados de barro úmido, o homem foi posto a secar ao sol, como se faz com todas as obras de cerâmica. A senhora deve saber que todo barro molhado, quando não leva sol, cria limo. E foi o que aconteceu com o homem, cujo rosto, na ocasião de ter o corpo exposto ao sol, ficou sombreado por um ramo de árvore, na oficina do Paraíso.

A mulher, não. Feita da costela de Adão, e posta para secar com o rosto para o sol, ficou com cabelo apenas na cabeça, posta à sombra, mas, em compensação, sem o limo na face, ou barba.

Cesarina descansou o queixo na mão esquerda, e ao fitar o próprio braço, exposto até a "avenida de ligação" com os seios, insistiu:

– E em toda a parte onde o sol não atingiu, o homem criou pelo?

Bonifácio estava pronto para dar uma resposta irreverente, mas, antes de abrir a boca, viu defronte dele, com a xícara suspensa e os olhos fuzilantes, o marido de Cezarina, que o interrompeu com voz trêmula:

– Bonifácio, tome seu chá, senão esfria!

E chegando perto da mulher, suplicou:

– Cesarina, por hoje basta!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de junho de 2021

GIGOLÔ (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

e.

GIGOLÔ

Violante Pimentel

 

 

Gigolô, vocábulo de etimologia francesa, é uma antiga denominação, atribuída a homens, que vivem às custas de mulheres, independentes financeiramente, ou sustentadas por maridos ricos ou amantes. Aceitam presentes caros e dinheiro dessas mulheres, e, em contrapartida, lhes prestam favores de alcova. Geralmente, são homens jovens e bem-apessoados; inimigos do trabalho, com invejável desempenho sexual, enquanto as mulheres exploradas são sempre mais velhas.

Pois bem. Décadas atrás, no tempo em que havia ingenuidade, Georgina, esposa de um desembargador, comentava com duas amigas, que com ela lanchavam no terraço de sua casa, um artigo de uma revista, que focalizava a figura do “gigolô”, vocábulo, na época, considerado indecente.

Muito desbocada, Georgina dizia que não via razão, para a palavra gigolô ser considerada obscena e vulgar. Afinal, gigolô era o masculino de “gigolete”, um nome muito usado em cadelas, ou em outros animais do sexo feminino. Nunca fora considerado palavrão. Por sinal, em alguns lugares do Brasil, “gigolete” era o nome dado a tiaras ou diademas, ornamentos usados nas cabeças femininas.”

Na verdade, nada de bom se podia dizer da expressão “gigolô”. Esse vocábulo, de conotação escrachada, era considerado grosseiro, até mesmo em conversas entre pessoas amigas. Provocava um arrepio na alma de quem o ouvia.

O papo de Georgina, acerca da figura do “gigolô”, não agradou ao Dr. Nestor, marido de Margarida, uma das suas amigas, que ali também se encontrava. O homem, muito moralista, não gostou da conversa irreverente da ilustre senhora.

Vendo que o amigo e dono da casa, Dr. Bento, permanecia impassível diante das conversas inconvenientes da esposa, Dr. Nestor não se conteve e perguntou a Georgina se ela sabia o significado de “gigolô”. Imaginava que ela estivesse falando por leviandade, sem saber o que estava dizendo.

A resposta da mulher veio rápida:

– Claro que sei! O senhor não sabe?!!!

E como quem estava lendo a ignorância estampada na fisionomia do Dr. Nestor, Conselheiro do Tribunal de Contas, a falante senhora explicou:

“Gigolô é o indivíduo, adorado por uma mulher, que tem outro homem que a ama, amante ou marido, sempre rico e mais velho. E é às custas deste, que vive o gigolô.

O gigolô é tratado pela mulher com todos os requintes da paixão. É para ele que ela reserva os melhores beijos, os melhores presentes e os maiores cuidados.

O marido, ou o amante, atende a todos os desejos materiais da mulher, cercando-a de conforto, luxo e muito dinheiro. Em troca, ela dá tudo do bom e do melhor ao gigolô, que é quem mais torce pela estabilidade do casamento da sua protetora.

É ele o único a lucrar, com os amores e com o trabalho do cornudo.”

Dr. Nestor ficou escandalizado com o discurso de Georgina. Jamais havia imaginado que a esposa do desembargador tivesse a mente tão suja.

E ela ainda lhe perguntou, acintosamente:

– Compreendeu? E o que o senhor acha dessa profissão?

– Indigna!!! – respondeu Dr. Nestor.

Georgina protestou:

– Indigna, por quê? O nosso País está cheio de gigolôs!!!

E continuou:

– Os políticos, de modo geral, são gigolôs, que mamam nas tetas da Nação, e assaltam o dinheiro público;

– Os empresários de companhias de arte são gigolôs de uma porção de artistas;

– Os magistrados, como uns que eu conheço, são gigolôs da Justiça;

– Um ministro não passa de um gigolô do governo;

– As maiores autoridades constituídas não passam de gigolôs da Nação;

– E o senhor, que é Conselheiro, também não passa de um gigolô do erário público!!!

Trêmulo de indignação diante de tamanho insulto, o Dr. Nestor retirou-se com a esposa, despedindo-se friamente do casal.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 26 de maio de 2021

A CONFISSÃO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A CONFISSÃO

 

Chegou aos ouvidos do Padre Cipriano que a sua Paróquia, protegida por Nossa Senhora dos Aflitos, estava com a vizinhança "minada", ou seja, comprometida, com a degeneração dos costumes. Por perto, agora, havia "casas de recurso", ou cabarés.

Uma vez por outra, algumas prostitutas apareciam na Igreja, distraindo os fiéis.

A notícia era de que algumas mulheres estavam recebendo rapazes e velhos divertidos, em suas casas, os quais ali ficavam até altas horas da madrugada, ouvindo música, dançando e bebendo à vontade.

Escandalizado com a notícia, o padre encarregou o sacristão de agir rapidamente, anotando os números das "casas de recurso" que ali haviam se instalado. Aquilo só podia ser obra do Demônio. E o reverendo explicou o seu plano.

Era preciso que o sacristão, que conhecia toda a gente do bairro, indagasse quais eram as casas suspeitas ali instaladas, e fizesse um levantamento, anotando os números dos prédios.

O sacristão saiu pelas ruas do bairro, a indagar, de café em café, de botequim em botequim, de antro em antro, onde estavam situados aqueles focos de pecados.

À tardinha, retornou à casa paroquial, para entregar ao vigário as anotações que tinha feito, dizendo que tinha descoberto todos os endereços das casas suspeitas.

Eram somente quatro "casas de recurso". O padre Cipriano tomou nota num caderno, decorou os endereços e no dia seguinte foi, como de costume, confessar e absolver os fiéis.

Estava ele no confessionário, ouvindo os pecados do seu rebanho, quando percebeu que a última mulher da fila havia se ajoelhado. Era uma das senhoras que frequentavam a Igreja, cujas virtudes não mereciam grande confiança. Suas confissões eram muito pecaminosas. Cauteloso, o padre, em certo momento, perguntou à mulher:

– E você, filha, nunca abandonou o seu lar, para ir à Rua dos Barbados, nº 28?

– Não, senhor! – Respondeu a mulher.

– E à Rua do Amor? À Rua dos Sonhos?

– Também não!

– E a Rua das Paixões? -Não- Respondeu novamente.

O padre absolveu a linda "ovelha", e, como não houvesse mais ninguém a confessar, deixou-se ficar no confessionário alguns minutos, meditando. Ao sair, avistou na porta da Igreja a linda paroquiana, que, por último, confessara. Com um lápis na mão, a mulher fazia anotações em uma pequena caderneta. Desconfiado, o vigário encaminhou-se para a porta, arrastando em silêncio as suas sandálias. Chegando perto da mulher, indagou, interessado:

– O que é que você tanto escreve, minha filha?

A mulher, sem pestanejar, respondeu:

– Esses endereços que o senhor falou, Padre Cipriano, eu ainda não conhecia. Mas faço questão de conhecer.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 13 de março de 2021

TIA CARMEN (CRÔNIA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

TIA CARMEN

Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, no nordeste brasileiro, possui uma posição estratégica geográfica global muito importante. Este fato concorreu para que a cidade fosse escolhida, durante a Segunda Guerra Mundial, para receber as duas principais bases militares americanas: a Base Naval e Parnamirim Field.

A cidade recebeu um contingente de 10.000 soldados norte-americanos, para lutarem durante o conflito mundial. Este fato mudou radicalmente a pequena capital, que à época possuía 55.000 habitantes. Mais do que uma importante participação durante o conflito armado mundial, a influência cultural dos americanos marcaram, para sempre, esta cidade brasileira. 

Minha saudosa tia Carmen Pimentel, que vivenciou as “agruras” da II Guerra, também usufruiu da animação de festas, ruas, lojas e bares, apinhados de gente, e mudanças de hábitos, numa época em que a juventude podia se divertir, leve e solta, sem se preocupar com os conflitos mundiais que envolviam as mais importantes Nações do Mundo. E o mais importante: Sem o terror de Pandemia mortífera, máscara, nem álcool- gel.

Jovens sonhadoras, logo assimilaram a maneira de viver dos norte-americanos, com a ilusão de que nunca mais voltariam à vida provinciana. Ledo engano. Com o fim da guerra, quando os americanos se foram, as sonhadoras que não fisgaram um casamento, continuaram em Natal, deprimidas, amargando a saudade das festas, amores e deslumbramentos, que os americanos lhes proporcionaram.

Muitas vezes, ouvi minha saudosa tia Carmem (na casa de quem eu estudava) dizer, em conversas com algumas amigas, todas oitentonas, relembrando o tempo da guerra:

– A Guerra foi formidável!!! Ah se o tempo voltasse!!!

A nostalgia e a saudade eram grandes. Entre elas, havia uma que namorou e se casou com um desses americanos e foi morar no Estados Unidos. A casa dele era um barracão. Ele não era nada do que dizia e aparentava, inclusive a patente militar era rasa. Ela caiu no “conto do galego” Tudo era farol… A separação foi inevitável. Ela voltou para Natal e criou sozinha duas filhas, frutos desse casamento de “conto de fadas”.

Os bons ventos que sopraram em Natal durante a permanência dos americanos, favoreceram à chamada geração “Coca-Cola”(produto dos americanos) com muitos amores, paixões e casamentos. Outras moças não tiveram a mesma sorte, pois o machismo dos pais as prenderam em casa, e elas permaneceram intactas.

As festas eram bancadas pelo tesouro do “Tio Sam”.

Logo que chegaram a Natal as primeiras levas de americanos, foram criados pelo Consulado, os “Clubes 50”, com o propósito de promover a confraternização entre grupos recém-chegados e as famílias do Rio Grande do Norte.

Dizem os historiadores, que o que se pretendia, na verdade, era aproximar, através dessas festas, a fornada de voluntários americanos, principalmente aviadores, das jovens filhas de boas famílias, da terra potiguar.

A primeira festa foi organizada pela americana Mrs Knabb, auxiliada por jovens da sociedade natalense. Ocorreu no veraneio de 1941/1942, na Praia de Areia Preta, então, a praia mais concorrida de Natal. Foi erguido, ali, enorme tablado ao ar livre, onde dançaram garbosos americanos, oficiais da Marinha, com as diletas filhas de famílias importantes de Natal.

Em seguida, os americanos passaram a alugar a sede do Aeroclube, para a realização de bailes às quintas-feiras. Um antigo diretor desse sodalício, de saudosa memória, contava que chegou a ver “200 soldados disputarem umas 30 ou 40 moças de Natal para dançar”. E que nenhum homem ficava sem par, pois foi instituído o “tag”, que consistia no direito de um colega bater nas costas de outro que estava dançando, e este lhe ceder a jovem com quem fazia par, sem qualquer confusão.

O “tag” foi uma grande invenção dos americanos, para que todos pudessem dançar.

Cada um desses bailes era patrocinado por determinado grupamento militar. Por isso, eram os únicos bailes a que compareciam, juntos, do soldado raso ao Coronel, não podendo ser frequentados por integrantes de outras unidades.

As moças eram servidas de Coca-Cola e sanduiche, à vontade. Essas festas tornaram-se famosas, pela descontração, flertes, namoros, troca bilíngue de conversas, além da generosa “boca-livre”.

Surgiram, então, as oportunidades de trabalho às mulheres, nos estabelecimentos norte-americanos. Os gringos ofereciam transporte para os locais de trabalho, como também para as festas. Os ônibus da Base Aérea, quando vinham buscar as moças, eram vaiados pelos rapazes de Natal, que se sentiam rejeitados durante a permanência dos “galegos” em Natal.

Os rapazes apelidaram esses ônibus gratuitos, da Base Naval, de “Marmitas”, injuriando as mulheres de estarem sendo levadas para os americanos, como comida.

À medida que esses bailes faziam sucesso e progrediam, foram sendo quebradas, pelas frequentadoras, algumas regras da nossa cultura, inclusive o controle paterno, que extrapolava o limite da maioridade e da obediência. A permanência dos americanos em Natal ajudou-as a se emancipar, pondo fim à submissão machista patriarcal. Entretanto, por parte da diretoria dos eventos, havia a exigência de que as frequentadoras solteiras deveriam ser sempre acompanhadas por um “escort” (algum jovem parente ou amigo), ou então, por uma “chaperone” (mães, madrastas, tias ou amigas mais velhas), que, embora deixando-as à vontade, zelassem por elas, inclusive no cumprimento de etiquetas, relativas à boa educação.

Essa exigência vigorou até o último baile, em agosto de 1946, no Clube Hípico, apesar do regime seletivo de Mrs Knabb ter sido abrandado, desde a chegada de hostesses americanas da gema, menos rigorosas. Dessa forma, muitas frequentadoras, de carteirinha, passaram a ir às festas apenas na companhia das irmãs, como por exemplo, Carmen/Gilka Pimentel, Alba/Auta/Aurita Brandão e outras.

As mulheres natalenses incorporaram hábitos americanos. Passaram a fumar e a beber “Cuba-Libre” (com a “Coca-Cola” enfraquecendo a mistura de Rum).

E a Tia Carmen, já idosa, não deixava de oferecer às amigas que sempre a visitavam, boas doses de “Cuba-Libre”, recordando os bons tempos dos americanos em Natal, que juntas vivenciaram.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de março de 2021

O VALOR QUE O NOME TEM (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O VALOR QUE O NOME TEM…

 

Meu saudoso tio Paulo Bezerra, um verdadeiro “sábio” nova-cruzense, com a mente cheia de ideias empreendedoras, mas de poucas posses, dizia sempre:

“QUEM TEM DE TER, TEM QUE SE DANA. MAS QUEM NÃO TEM DE TER, SE DANA E NÃO TEM.”

Pois bem. Joaquim, um português trabalhador e com espírito empreendedor, realizou o antigo sonho de se mudar para o Brasil, onde tentaria ganhar a vida. Juntou todas as suas economias e se estabeleceu numa capital nordestina.

Seu primeiro empreendimento foi uma padaria, sonho que sempre alimentou, como bom português. Mas, não obteve sucesso. Abriu um mercadinho, também não deu certo.

Como a cidade tinha um elevado índice de prostituição, Joaquim conseguiu um sócio e os dois investiram num motel, ao qual deram o nome “fantasia” de “Motel Nossa Senhora dos Prazeres”.

O nome provocou a revolta da população católica da cidade, e o Clero impetrou um mandado de segurança, obtendo o fechamento imediato do motel.

Dois anos depois, Joaquim resolveu investir novamente num motel, com um nome diferente, que não ferisse o espírito religioso e conservador dos moradores da cidade.

Após ouvir a opinião de alguns amigos, o proprietário resolveu “batizar” o novo motel com um nome que não tivesse qualquer relação com santos, anjos ou arcanjos. Dessa forma, estaria evitando um novo problema com a população católica e com a Igreja.

Tomou, então, as medidas necessárias, para instalação do novo empreendimento, e marcou a data da inauguração. Para garantir o sucesso do evento, expediu, previamente, convites e cortesias, para as pessoas mais influentes da cidade, especialmente os homens.

Joaquim guardou segredo quanto ao nome do novo motel, fazendo suspense e deixando para revelar a surpresa na hora da solene inauguração. Tinha certeza de que, desta vez, o motel seria um sucesso e o nome agradaria a “gregos e troianos”.

No dia da inauguração, a cidade amanheceu com diversos “outdoors” espalhados em suas ruas, onde se podia ler a seguinte frase:

“PAI, LEVA A MÃE TAMBÉM PARA O MOTEL…”

As pessoas conservadoras não gostaram desse apelo e se posicionaram contra a irreverência do proprietário.

A conselho de amigos, na festa de inauguração, haveria, até, uma bênção, ministrada por um padre novato na cidade, com ideias de “vanguarda” e modernista.

Finalmente, chegou o grande momento, com um público presente, bem acima do esperado. Até as beatas resmungonas deram o ar de sua graça, atraídas pela notícia de que haveria uma bênção, ministrada pelo novo padre da cidade, que, ao que se dizia, era um verdadeiro portento.

Iniciada a solenidade de inauguração, houve a bênção e o descerramento da cobertura da grande placa luminosa, onde se destacava o nome “MOTEL FADOS E FODAS”.

As pessoas mais atentas não contiveram o riso, ao aparecer o nome do motel, iluminado e em letras garrafais., podendo ser visto à longa distância.

Como Joaquim era português, quis homenagear o Fado, música típica de sua terra. Não obstante, não atentou para o fato de que “Foda”, no Brasil, é tida como uma palavra obscena e desrespeitosa.

Mais uma vez, o empreendimento de Joaquim foi de “água abaixo.” A população conservadora da cidade ficou, novamente, indignada com o nome do motel, e o desrespeito que isso representava às famílias decentes.

Houve um “abaixo-assinado”, encaminhado à autoridade competente, e a história se repetiu, sendo, novamente, determinado o imediato fechamento do motel.

Para desespero de Joaquim, o “MOTEL FADOS E FODAS” funcionou apenas vinte e quatro horas.

Um fracasso total, causado pela infeliz escolha do nome.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de fevereiro de 2021

EM ALGUM LUGAR... (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

EM ALGUM LUGAR…

Violante Pimentel

– Na Democracia, o governo, legitimamente eleito pelo povo, é quem governa. Mas, no Brasil, o exercício do poder do Presidente está sendo atravancado pelo mal encarado grupo dos onze.

A autoridade máxima do nosso País é achincalhada a toda hora, até mesmo por apresentador e entrevistador de TV (Globolixo). O Presidente levou uma facada e, até hoje, o crime não foi devidamente esclarecido, por manobras do grupo dos onze. Em que país nós estamos?!!!

O policial, que estava ao lado, se insurgiu contra o cidadão:

– “Teje” preso! O senhor é comunista!

O homem reagiu:

– Pelo contrário, sou contra o comunismo, regime de força, autoritário e desumano! É o comunismo que está atrapalhando o governo.

– “Teje” solto! Desculpa!

A conversa continuou:

– A imprensa não tem liberdade. A regra é: “Pode falar de quem quiser, contanto que não fale do grupo dos onze.”

Mas, vivemos na Democracia.

As prisões estão abarrotadas. Muitos presos não tem culpa formada; muitos nem sabem por que estão jogados no xadrez. Esses presos fazem parte da plebe ignorante. Suas famílias passam fome.

Mas o grupo dos onze é complacente com os presos que tem culpa formada, dentro do crime organizado.

O policial aumentou o tom de voz:

– “Teje” preso!

O cidadão respondeu:

– Tou falando do comunismo, Autoridade. É no comunismo que tudo isso acontece. Sou anticomunista.

– Pois, “teje” solto.

O cidadão continuou:

– Há jornalistas sendo punidos injustamente, enquanto o grupo dos onze continua desmoralizando o Presidente. A toda hora, ele é intimado a prestar esclarecimentos sobre os atos que pratica, mesmo em função do cargo para o qual foi legitimamente eleito.

– “Teje” preso! – disse mais uma vez o policial.

O cidadão insistiu:

– Autoridade, sou democrata e amo o meu País! Isso tudo o que eu disse foi com o comunismo. Credo em Cruz!

– “Teje” solto.

E continuou o cidadão:

– O pior de tudo é a fome, com o povo sem trabalho, dependendo de esmola do governo. Pra completar, tendo que usar máscara, além do confinamento em casa, sem direito à liberdade de ir e vir. O povo sofrendo, enquanto uma elite de privilegiados fica cada vez mais rica.

– “TEJE” PRESO! – gritou o tira. – Agora, é coincidência demais!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 20 de fevereiro de 2021

O COLAR DE DIAMANTES (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O COLAR DE DIAMANTES

Violante Pimentel

Um colar de diamantes, muito valioso, que dois joalheiros, Boehmer e Bassenge, haviam feito na época de Luiz XV, terminou sobrando, não por falta de beleza, mas pelo alto preço cobrado.

Ofereceram, depois, o colar ao seu sucessor, Luis XVI, na esperança de que ele o comprasse para a rainha Maria Antonieta. Porém, já coberta de jóias, ao saber do preço do colar, a rainha deu ao rei esta resposta:

– Com um milhão e seiscentas mil libras, teremos dois navios com sessenta canhões! Temos mais necessidade de navios que de diamantes.

Laporte, um advogado interessado na comissão oferecida pelos joalheiros, procurou a desonesta condessa La Motte, para que ela pressionasse Maria Antonieta a comprar a joia, que já havia recusado.

A condessa pediu para ver a joia, e logo arquitetou um golpe para ficar com ela.

Comunicou aos joalheiros que conseguira um comprador muito rico para o colar. Logo ele entraria em contato com eles, para o acerto da compra e forma de pagamento.

Ao chegar de uma viagem, o Cardeal Rohan foi procurado pela condessa La Motte, que lhe exibiu uma suposta carta de Maria Antonieta, pedindo-lhe para comprar a joia para ela, cujo valor seria pago de sua bolsa particular, uma vez que o Rei Luiz XVI não aprovaria mais a compra.

Precisava, entretanto, de um intermediário, que, por sua personalidade, fortuna, amizade e discrição, inspirasse confiança e a deixasse despreocupada quanto ao segredo.

O Cardeal acreditou na farsa absurda. Sem hesitar, empenhou sua honra, posição, fortuna e dignidade à palavra de La Motte, à simples vista de uma pretensa carta da rainha, cuja letra ele nem sequer conhecia.

Em 24 de janeiro de 1785, ele foi ver o colar. A 29 de janeiro, no palácio de Estrasburgo, os joalheiros compareceram para assinatura do contrato, com pagamento em dois anos, de seis em seis meses, totalizando um milhão e seiscentas mil libras.

A primeira prestação deveria ser paga em 1 de agosto. A entrega do colar seria em 1 de fevereiro.

O Cardeal escreveu por seu próprio punho essas cláusulas, e “submeteu-as à aprovação da rainha”, por intermédio da condessa La Motte.

A condessa “levou” o papel e “trouxe” já assinado. À margem, diante de cada cláusula, estava a palavra “aprovado”. Embaixo, a assinatura “Marie-Antoinette de France”.

A 1 de fevereiro, o Cardeal levou, pessoalmente, a joia para Versalhes, no domicílio de Mme. De La Motte, onde a rainha deveria mandar buscá-la. A condessa fez questão que ele assistisse à entrega do colar ao enviado da rainha.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 17 de fevereiro de 2021

O ANJO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O ANJO

Morava em Nova Cruz (RN) um rapaz de nome José Teixeira, filho de uma viúva, pertencente a uma ramificação de tradicional família daquela cidade.

Dizem que, desde criança, sempre demonstrou tendência feminina nos gestos, preferindo os brinquedos das meninas e desprezando carrinhos e bolas com que os meninos brincavam. Cresceu assim, e, dessa forma, tornou-se rapaz, passando a se dedicar às prendas domésticas.

Revelou-se um verdadeiro artista, aprendendo a bordar, pintar, confeccionar flores e chapéus femininos ornamentados.

Com o passar do tempo, José Teixeira dedicou-se completamente à decoração de ambientes e preparação de festas, difundindo cada vez mais suas habilidades artísticas. Com elas, passou a ganhar dinheiro, ajudando no sustento da mãe, viúva pobre, e suas duas irmãs.

Era religioso, educado, e sabia respeitar as pessoas, sendo por isso também respeitado. Nenhuma festa acontecia na cidade, sem que estivessem presentes a sua arte e o seu bom gosto. O preparo de altares na Matriz da Imaculada Conceição, Padroeira da cidade, os andores para as procissões, festas de casamento, aniversários, enfim, quaisquer acontecimentos festivos contavam com a sua indispensável participação.

Tornou-se o decorador oficial da cidade, nos eventos públicos ou privados, inclusive nas festas religiosas do final do ano, onde havia uma Quermesse para angariar fundos para a Igreja.

Eram frequentes os jantares, os saraus, os bailes, as procissões e novenas, como manifestações da realidade artística, religiosa e social da cidade. Em tudo, estava a presença marcante desse filho de Nova-Cruz.

Merece destaque, o fato de José Teixeira nunca ter escondido sua tendência feminina, mantendo, entretanto, uma conduta discreta e digna. Vivia para o trabalho, e nunca se meteu em fofocas. Seu excelente círculo de amizade incluía moças, senhoras casadas, senhores e rapazes. Até o Padre da Paróquia de Nova-Cruz lhe fazia elogios publicamente, em agradecimento pelo seu trabalho de embelezador e colaborador das festas e procissões.

Nessa época remota, o distúrbio genético apresentado por José Teixeira era raro, e a cidade que o viu nascer o aceitava como era.

Sua presença tornou-se indispensável nas festas de aniversários, casamentos e bailes. Também ocupava lugar de honra na vida familiar da cidade, sendo sempre convidado para almoços e jantares, e ainda para padrinho de crianças. Tornou-se amigo e confidente de todos.

A cidade se desenvolveu e passou a ter mais festas, aumentando também o prestígio de José Teixeira. Era um verdadeiro “patrimônio” artístico de Nova-Cruz.

Surgiu o primeiro bloco de carnaval da cidade, tendo José Teixeira como organizador, decorador e figurinista. Esse bloco saía às ruas de Nova-Cruz no tríduo carnavalesco, “assaltando” as residências de pessoas da cidade, onde era recebido com bebidas e salgadinhos, à vontade.

As calçadas e ruas transformavam-se em salões de festa e a alegria era imensa.

O nosso Tio Paulo, uma figura inesquecível, era um dos maiores incentivadores do bloco, e o “assalto” à sua casa era indispensável! Irmão do nosso pai, Francisco, as casas eram vizinhas, e o “assalto” era aproveitado por nós, ainda crianças. Dançávamos no meio da rua, jogando confetes e serpentinas, presenteadas por ele, num clima de felicidade sem igual.

Tio Paulo distribuía lança-perfumes para os seus amigos, compradas em Natal, que eram usadas para perfumar o cangote das moças. E o cheiro se espalhava pelo ar. Não havia porre, loló nem brigas. O carnaval era só alegria e higiene mental.

O Rei Momo e a Rainha do Carnaval eram eleitos, uma semana antes, por uma comissão apontada por José Teixeira, da qual fazia parte.

José Teixeira confeccionava a alegoria, porta-estandartes e as fantasias para o carnaval.

Pierrôs, Colombinas, Arlequins, Odaliscas (vem Odalisca do meu harém vem, vem vem… ) e Piratas eram as principais fantasias.

A tarde entrava pela noite, com trombones, tamborins e outros instrumentos, executando os mais belos e tradicionais frevos e marchinhas de carnaval. A cidade era calma e o povo todo era conhecido.

Não havia o carnaval sensual/sexual de hoje, e os seios e nádegas eram guardados com recato.

As marchinha e frevos não tinham maldade. Tinham beleza e poesia.

Podemos dizer que, em Nova-Cruz, foi José Teixeira quem inventou o carnaval, o bloco, a alegoria e o estandarte, quando a maldade não tinha nascido.

Assim era José Teixeira. Totalmente feminino, amado, respeitado, e aceito por todos, sem sofrer exclusão pelo seu modo involuntário de ser.
Para mim, ele era um Anjo. E Anjo não tem sexo…

Hoje, desapareceu a pureza. Os Pierrôs, Colombinas, Arlequins, Odaliscas e Piratas se desnudaram. Restaram expostos, em abundância, seios, nádegas e tatuagens.

A modernidade nos deixou apenas o direito de nos fantasiarmos de PALHAÇOS!!!Palhaços das nossas ilusões!

Decepcionados, abafamos no peito a saudade dos velhos carnavais.

O cheiro de lança-perfumes sumiu! Roubaram as fantasias do nosso povo!

Roubaram o sorriso de felicidade, que existia nos rostos nos dias de carnaval.

Ó, abre alas, que eu quero passar!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 13 de fevereiro de 2021

MÁSPERIORCARA NEGRA (CRÔNICA DA MADRE SUA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

MÁSCARA NEGRA

Vionante Pimentel

“Quanto riso! Oh! quanta alegria!
Mais de mil palhaços no salão.
Arlequim está chorando
Pelo amor da Colombina
No meio da multidão……….”

A festa profana mais bonita do Brasil é o Carnaval. Festejado por ricos e pobres, é diferente das festas de Natal e Ano Novo, que somente os ricos podem festejar.

Em 1967, Zé Kéti e Pereira Matos compuseram a música carnavalesca “Máscara Negra”, em ritmo de marcha-rancho, que ainda hoje faz sucesso.

Gravada pelo próprio Zé Kéti e, depois, por Dalva de Oliveira (no álbum “A Cantora do Brasil), a canção venceu o Primeiro Concurso de Músicas para o Carnaval, recém-criado pelo Conselho Superior de Música Popular Brasileira do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, então presidido por Ricardo Cravo Albin.

Carnaval significa “festa da carne”. Aconselhados a se abster de consumo de carne e relações sexuais na Quaresma, os cristãos se fartavam de churrasco, nos três dias anteriores à Quarta-Feira de Cinzas.

De festa religiosa, o Carnaval transformou-se em folguedo profano, de rua, em que se brincava com o rosto coberto pela fatídica máscara negra, do diabo ou de políticos, e com brincadeiras engraçadas. Não havia violência. Os homens sempre brincavam vestidos de mulher e as mulheres com trajes imperiais.

Também nos salões, a máscara negra estava presente, nas figuras de Pierrot, Colombina e Arlequim, três personagens de um triângulo amoroso, baseado numa comédia italiana do século XVI. Pierrot vive um amor não correspondido por Colombina e ela é apaixonada por Arlequim. Os três são empregados de uma família rica e tradicional italiana e fazem uma sátira social da época.

O Carnaval foi introduzido no Brasil pelos portugueses, no século XVII, com o nome de Entrudo, que significa os três dias que precedem a entrada da Quaresma. A diversão pendia para a violência. Os foliões atiravam, uns nos outros, água, pó, cal e tudo o que tivessem às mãos.

O primeiro baile de Carnaval ocorreu no Rio de Janeiro, em 1840. Confetes e serpentinas tornaram a festa menos violenta.

Em 1846, surgiu o Zé Pereira, com grupos de foliões tocando bumbos e tambores. Vieram, em seguida, os cordões, ranchos e blocos.

As quadrinhas anônimas deram lugar a composições, especialmente criadas para a festa, graças a Chiquinha Gonzaga, com seu “Abre-alas”, em 1899. E os ritmos se diversificaram, surgindo o samba, marcha-rancho, frevo, batucada e outros.

A primeira escola de samba, fundada em 1929, no Estácio, chamava-se “Deixa Falar”.

Antigamente, nas principais cidades do Brasil, havia blocos carnavalescos, cordões, bailes, desfiles e carros alegóricos. Em avenidas e praças, adultos e crianças misturavam-se na alegria. Não havia violência nem drogas. Ninguém corria o risco de ser assaltado. Havia, apenas, excessos na bebida e “porres” de lança-perfume.

Com o progresso tecnológico, o Carnaval adquiriu o caráter de folia (do francês, folie), que significa “loucura”. E o império da televisão tomou conta da festa de Momo.

O folguedo popular transformou-se em festa para ricos e poderosos, onde predominam a nudez e o prazer imediato do sexo e das drogas. Gera empregos e lucros estrondosos para o Turismo. Há uma grande competição na disputa de prêmios, com relação a fantasias, blocos e escolas de samba.

Como uma verdadeira catarse, o Carnaval, nos dias atuais, passou a provocar emoções e descargas dos sentidos, dando margem à violência.

Por essa transformação do Carnaval, a festa tornou-se perigosa, e hoje agoniza em muitas cidades brasileiras. Passou a ser um feriadão. As pessoas passaram de participantes a meros telespectadores, pois a televisão transmite tudo o que a ela se refere.

As fantasias do corpo foram tiradas e guardadas na mente de muitos foliões. É mais comum, agora, no Carnaval, os telespectadores assistirem à nudez das mulatas, salpicada de purpurina e confete, em casa, no conforto de suas poltronas e sem risco de violência.

Este ano, não tem Carnaval. A alegria que arrastou foliões pelo Brasil afora, no Carnaval de 2020, despediu-se do povo, prometendo voltar “no próximo ano”, 2021. E o povo foi feito de palhaço. “Mais de mil palhaços no salão…”. O Corona Vírus já havia chegado ao Brasil, desde dezembro de 2019, mas somente os governantes sabiam. Os foliões caíram na armadilha do Carnaval. Verdadeiros palhaços da ilusão, nas garras do poder público.

O brasileiro continua pagando um preço muito alto por essa desonestidade dos governantes, que nada fizeram para evitar a Pandemia, que continua ceifou milhares de vidas inocentes.

Somente agora, depois de dizimadas inúmeras pessoas, aos poucos, num “duelo de Titãs”, a vacinação foi iniciada. E a disputa pela paternidade da Vacina contra o terrível Vírus continua.

Este ano, o espírito de Momo encontra-se aprisionado, em orações, pelas vítimas do COVID-19, a praga que, há mais de um ano, surgiu do nada, para castigar a humanidade. Os inocentes pagam pelos pecadores.

Quanto riso, quanta alegria! “Mais de mil palhaços no salão”…Foi o que ocorreu no Carnaval de 2020, com a presença do Corona Vírus camuflada pelo poder público, enquanto os foliões, verdadeiros palhaços, brincavam o Carnaval, sem saber que a morte estava à espreita. “Mais de mil palhaços no salão…”. Frase que se tornou fatídica, 54 anos depois da composição de Zé Kéti.

Com a vinda da Pandemia do Corona vírus, a “Máscara Negra” da música se popularizou e se introduziu na indumentária diária do povo brasileiro e das mais importantes nações, em cores diversas.

A máscara em si não é mais assunto de carnaval. Na mutação dos tempos, uma fase de terror se apossou de nós.

Mesmo usando máscara e álcool gel, conforme recomendou a Ciência, desde o começo da Pandemia, um número aterrorizante de médicos, enfermeiros e outros profissionais da Saúde, além de outras categorias de pessoas, tiveram suas vidas ceifadas pelo Covid-19.

Arlequins, Pierrôs e Colombinas, espalhados pelo Brasil, hoje pedem passagem para chorar os seus mortos.

“Ó abre-alas, que eu quero passar…”

* * *

 

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de fevereiro de 2021

MARIA ANTONIETA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

MARIA ANTONIETA

 

Maria Antônia Josefa Joana de Habsburgo-Lorena nasceu em 2 de novembro em 1755.

Nascida Arquiduquesa da Áustria, Maria Antonieta era filha do Imperador Francisco I, do Sacro Império Romano-Germânico, e da Imperatriz Maria Teresa da Áustria.

Nascida na corte vienense, recebeu a educação habitual das arquiduquesas austríacas. Estudou música, etiqueta, dança e foi instruída na fé católica.

A Imperatriz da Áustria, Maria Teresa, sua mãe, desejava selar a paz com seu histórico inimigo, a França. Para isso, nada melhor que um casamento entre as duas casas reais mais poderosas da Europa: os Habsburgos e os Bourbons franceses.

Na segunda metade do século 18, a França passava por problemas delicados. O mais rico reino da Europa mantinha-se em constantes guerras com seu vizinho, para evitar o expansionismo austríaco.

Assim, quando Maria Teresa, a imperatriz austríaca, manifestou o desejo de casar sua filha com o herdeiro francês, a corte de Versalhes dividiu-se entre prós e contras austríacos.

O rei Luís XV viu uma oportunidade para acalmar os ânimos entre os dois reinos e, finalmente, selar a paz.

Em maio de 1770, aos 14 anos, Maria Antônia deixa a Áustria e vai para a França, onde seria a esposa do Delfim Luís Augusto (futuro Luís XVI). A partir de então, entraria para a História com seu nome afrancesado: Marie Antoniette ou Maria Antonieta, em português.

Inicialmente, os esposos se tratavam de forma fria e distante. Devido a um impedimento físico do Delfim, o casamento demorou sete anos para se consumar.

Entretanto, Maria Antonieta estava mais ocupada em sobreviver às fofocas da corte francesa de Versalhes. Nesse ínterim, descobriu os prazeres da adolescência, passando noites em festas, e desenvolveu o gosto pelo jogo, o que lhe acarretou dívidas que eram pagas pelo esposo.

Com sua beleza, sua juventude e sua alegria de adolescente, a futura rainha logo daria motivos para que se tecesse contra ela uma rede de calúnias, que a atormentariam durante toda a sua vida.

Maria Antonieta era amante da natureza, da liberdade, da simplicidade, e mesmo da negligência. Detestando o fausto e a etiqueta, ela cometia o erro de acreditar que o seu fascínio de mulher valia mais do que o seu poder de rainha; que o prestígio da sua juventude e da sua bela cabeleira loura ofuscava e substituía o prestígio da sua coroa. Viram-na, muitas vezes, desdenhar da etiqueta, zombar de seus deveres e fugir, sempre que podia, da pompa solene das cerimonias oficiais, para se refugiar na intimidade da vida privada.

Mais tarde, a futura rainha deu-se conta de que, para sobreviver em Versalhes, seria preciso astúcia política e que se cercasse de fiéis colaboradores.

Com a morte do rei Luís XV, os dois jovens subiram ao trono. As pressões para que produzissem um herdeiro aumentaram. A esta altura, o rei Luís XVI já havia sido operado e o casal real teve quatro filhos.

Quando assumiu o trono junto ao seu esposo, Maria Antonieta tentou influenciá-lo, ao nomear seus protegidos, para ministérios e cargos de confiança na corte. Também insistiu para que a paz com a Áustria fosse mantida, a todo custo.

Em 1788, com a convocação da Assembleia dos Estados Gerais, o Terceiro Estado decidiu permanecer reunido e dotar a França de uma Constituição. Também conseguiram o suporte de membros do Primeiro e do Segundo Estado.

Contudo, o rei Luís XVI não conseguiu controlar os gastos do Estado francês, envolvido na guerra de independência dos Estados Unidos.

Somando-se a isso, nesses anos, um inverno rigoroso e más colheitas, houve um grande aumento na carestia de vida. A população passou a descontar na rainha austríaca, sua revolta, acusando-a de mundana e perdulária.

O monarca tentou reformar as instituições, convocando os Estados Gerais em 1788, mas a elite se recusou a pagar impostos.

A situação piorou ainda mais, quando em 1789 houve a Queda da Bastilha.

Maria Antonieta apoiou que a família real fugisse, mas foram interceptados na cidade de Varennes e levados presos a Paris.

O rei Luís XVI foi julgado e guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. Em 16 de outubro, Maria Antonieta teria o mesmo fim.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 30 de janeiro de 2021

ESTACIONAMENTO PROIBIDO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLENTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ESTACIONAMENTO PROIBIDO

Há anos, Josivaldo, profissão CD (come e dorme) e “filhinho do papai”, estacionou o carro em local proibido. Um Guarda de Trânsito aproximou-se de prancheta na mão e lhe exigiu a apresentação da Carteira de Habilitação e os documentos do carro.

Visivelmente alcoolizado, Josivaldo negou-se a atender ao pedido, mostrando-se ofendido e dizendo ser filho de gente muito importante. Proferiu impropérios contra a autoridade de trânsito, chamando a atenção de quem por ali passava.

Ao sentir-se apoiado pela plateia que se formara, o infrator se encheu mais ainda de razão. Aumentou o tom da voz e também os insultos contra o guarda, chegando a dizer:

– “Otoridade de apito na boca, vai te “rear”!!!

O Guarda, então, chamou uma viatura policial e conduziu o infrator à Delegacia Distrital.

O Comissário de plantão, mal humorado, quis saber o que tinha havido.  Relatando a ocorrência, o guarda ressaltou que aquele homem havia estacionado seu veículo em local proibido, e se negara a apresentar os documentos de praxe. Além disso, o desacatara, xingando-o e mandando que fosse “se rear.”

O Comissário encarou o infrator, que logo também o desacatou:

– Estaciono meu carro onde eu quiser… A rua é pública. Se estiver achando ruim, vá se “rear” também!!!

A vontade do Comissário foi aplicar ao malandro um corretivo, trancafiando-o no xadrez.

Com o Livro de Ocorrências na mão, perguntou ao infrator seu nome completo. A resposta foi:

– MARCOLINO SARNEY!…

O superior do Comissário, ao ouvir o sobrenome do infrator, “Sarney”, gritou:

– Liberem o homem, imediatamente!

A ordem foi cumprida e o infrator foi levado à sala do superior, que, muito nervoso, desculpou-se:

– O senhor está coberto de razão, por ter se chateado com o guarda de trânsito. Ele errou, ao tratar o senhor tão mal, por causa de uma infração tão leve… Ele vai ser punido, por “abuso de autoridade!”… O senhor é um homem fino e é da família do Presidente!!! Queira desculpar!!!

Nesse ínterim, o Guarda de Trânsito, cabisbaixo, já ia se afastar, quando o Comissário perguntou:

– Pra onde o senhor está indo?

Humilhado, o Guarda respondeu:

– Estou indo “me rear”, obedecendo às ordens do infrator importante, antes que a coisa complique pro meu lado… Ele mandou que eu fosse “me rear” e é o que vou fazer, sim, senhor.

“Manda quem pode, obedece quem tem juízo.”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de janeiro de 2021

UM SONHO DE SER NOBRE (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O SONHO DE SER NOBRE

A Aristocracia significa o governo dos virtuosos. É aristocrata, aquele que é membro do grupo dos melhores, mais virtuosos e mais ricos, de uma cidade.

O termo foi criado para descrever sociedades hierarquizadas, pelo nascimento ou herança de sangue familiar, ou pelopatrimônio herdado.

Está provado que a herança patrimonial pode predispor alguém a ter mais virtudes. Entretanto, alguém pode nascer pobre e melhorar de vida, por esforço próprio, arregaçando as mangas e indo à luta pela sobrevivência.

Conheci pessoas que aprenderam a ler, escondidas atrás das portas, ouvindo os filhos dos patrões receberem aulas particulares.

Pois bem. O Sr. Jordano era um burguês de meia-idade, que enriqueceu como vendedor de tecidos. Muito ingênuo e sentindo-se rico, passou a perseguir o ideal de sair da classe média e ser aceito como fidalgo, na aristocracia.

Para isso, providenciou roupas novas e suntuosas, deliciando-se quando o ajudante do alfaiate, ironicamente, o tratou como “Vossa Excelência”. Além disso, apesar da idade, dedicou-se a aprender as artes, que deveriam ser dominadas por um aristocrata, como a dança, a música, o esgrima e a Filosofia.

Durante as aulas, o Sr. Jordano demonstrava ser possuidor de um raciocínio muito lento, com grande dificuldade no aprendizado. Os professores mostravam-se decepcionados com isso.

A lição de Filosofia se transformara numa aula básica de linguagem, e o Sr. Jordano se mostrou muito feliz e surpreso, ao descobrir que, mesmo sem saber, sempre falara em prosa.

A esposa do Sr. Jordano, muito observadora, começou a perceber que o marido estava se tornando ridículo, e passou a insistir para que ele voltasse à sua velha e despretensiosa vida burguesa. O marido não lhe deu ouvidos, e continuou tentando ascender à aristocracia.

Observando o comportamento ridículo do Sr. Jordano, um nobre. falido e mau- caráter, dele se aproximou, tentando se aproveitar e aplicar-lhe um golpe.

Diante do comportamento abobalhado do Sr. Jordano, o aproveitador, fazendo-se de amigo, passou a alimentar seus delírios e sonhos aristocráticos, fazendo logo com que ele pagasse suas dívidas.

O Sr. Jordano tencionava casar sua filha com algum nobre. No entanto, a jovem se apaixonou por um burguês, que a pediu em casamento, tendo o Sr. Jordano se oposto ao enlace.

Com a ajuda de um empregado, o pilantra e falso amigo do Sr. Jordano, usando de disfarces, apresentou-se perante ele, como filho do Sultão da Turquia. Radiante de felicidade, o Sr. Jordano consentiu que sua filha se casasse com o suposto príncipe estrangeiro. E ficou ainda mais feliz, quando o falso Sultão o informou que, na qualidade de pai da noiva, ele também seria agraciado com um título de nobreza, numa cerimônia especial.

Celebrada a falsa e ridícula cerimônia, o novo “fidalgo” passou a gastar todo o patrimônio herdado do seu pai, até que a Madame Jordano o obrigou a retornar à vida simples, que eles sempre levaram.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 16 de janeiro de 2021

O CIRCOP (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Há décadas, na minha querida Nova-Cruz (RN), uma vez por outra chegava um Circo, que armava perto da nossa casa, na Rua Barão do Rio Branco. O mais alinhado deles era o Circo Copacabana.

Nessa época, não havia televisão e a distração do povo, à noite, era se sentar nas calçadas para conversar. Com a chegada do Circo, a monotonia da cidade era quebrada e se notava o semblante alegre das pessoas.

À estreia, a cidade em peso comparecia, incluindo o Prefeito, o Delegado, o Juiz de Direito, o Promotor e o Médico, todos com suas respectivas famílias.

No Circo Copacabana, o espetáculo era divido em duas partes. A primeira era composta de atrações de palco e picadeiro. Aí se incluíam palhaços, trapezistas, equilibristas e malabaristas. No palco, cantores maravilhosos e a grande sanfoneira Alda Lima, que do seu instrumento de trabalho arrancava as mais belas canções, cantando e encantando a plateia.

A segunda parte do espetáculo circense era uma peça de teatro da melhor qualidade, drama ou comédia, onde os artistas se revelavam grandes atores. Foi no palco do Circo Copacabana, que assisti, pela primeira vez, “O Ébrio”, “Coração Materno”, “A Megera Domada” (de William Shakespeare), “O Solar dos Urubus”, “A Canção de Bernadete”, “Marcelino Pão e Vinho”, “A Paixão de Cristo” “O Burguês Fidalgo” (de Molière), e outras grandes peças que fazem parte da dramaturgia brasileira.

Os Circos antigos, apesar da falta de luxo, tinham muito mais valor cultural do que os atuais, pois incentivavam a arte da dramaturgia, encenando peças de importantes autores, nacionais e internacionais. O apresentador, geralmente, era o dono do Circo. Com a emoção estampada no rosto e na voz, solenemente, ele anunciava a segunda parte do espetáculo e a peça teatral a ser encenada, dizendo o nome do autor.

Os aplausos eram estrondosos!!!

Nessa época, em Nova-Cruz, não havia violência. Essas doces lembranças se referem a um tempo feliz, quando a maldade ainda não tinha nascido!

Ainda meninota, assisti no Circo Copacabana, na companhia dos meus pais e irmãs, a uma comédia engraçadíssima, que minha Mãe sempre relembrava e da qual nunca esqueci. O nome era “O Solar dos Urubus”.

Começava com vários homens de capa preta, dançando em forma de trenzinho, ao som de “Olhe a Conga”: “Olhe a conga/Olhe a conga/ Mulher bonita de mim não zomba.”

A história se passava num bordel decadente, transformado em Palácio, mas conhecido como “Solar dos Urubus”, por atrair muitos urubus ao telhado, uma vez que, nas imediações, havia um matadouro público. Localizado numa ilha fictícia, chamada Bananal, era lá que estava instalada a capital do País. Ali, abundavam melancias, bananas e abacaxis.

O regime político que ali imperava era um confuso regime monárquico.

O palácio era habitado pela família real e frequentado por ministros, generais, conspiradores, um esfaqueador, compositores, maestros, professores e músicos. Pelas ruas, havia muitos vendedores ambulantes, lavradores, amantes do rei e o povo em geral.

A ilha era cercada de tubarões por todos os lados e em todos os sentidos. Lá, se desenrolava uma verdadeira aventura política de capa e espada, reunindo humor e aventura.

Os filhos do Rei eram ingênuos, quase abobalhados, e tinham o raciocínio lento. O mais velho, Luan, queria, porque queria, ser arqueiro. Vestia-se de Guilherme Tell (um herói lendário do início do século XIV, de disputada autenticidade histórica, que se pensa ter vivido no cantão de Uri, na Suiça) e, quase todos os domingos, mandava amarrar um homem a uma cadeira, com uma fruta na cabeça, nos jardins do Solar, onde o povo podia assistir à sua demonstração de “arco e flecha”. Começou com uma maçã, fruta nobre e antiga, que já existia, até mesmo, no paraíso. Como a fruta era pequena, ele sempre errava o alvo e atingia o homem.

Pela sequência de “erros” cometidos, o Rei ordenou-lhe que usasse uma fruta maior como alvo.

Cachos de banana, abacates e abacaxis foram usados, terminando com melancias. De nada adiantou.

Em busca de fortes emoções, Luan exigiu que, a partir daquele dia, com a ordem do Rei, fosse amarrado à cadeira, não mais um homem do povo, mas o Primeiro Ministro.

E numa manhã de domingo, para mais um desastroso espetáculo de “arco e flecha”, nos jardins do Solar dos Urubus, estava o Primeiro Ministro amarrado à cadeira, com uma melancia na cabeça.

O povo assistia a esse “espetáculo”, sob grande tensão, sabendo que o abobalhado herdeiro do trono não acertaria o alvo, nem pra remédio.

Na outra extremidade do jardim, estava o “arqueiro”, vestido de Guilherme Tell, esticando um bonito arco, pronto para disparar a flecha. Entretanto, ao ser disparada, a flecha atingiu o coração do homem amarrado, provocando-lhe uma grande explosão de sangue. A morte do Primeiro Ministro foi imediata. A melancia permaneceu intacta.

Friamente, Luan disse para o Rei, que havia falhado, mais uma vez.

O pai o repreendeu, dizendo-lhe que procurasse praticar um esporte diferente, que não pusesse em risco a vida humana.

O filho chorou, acusando o pai de estar tirando o seu estímulo, certamente, por querer transformá-lo num jogador de futebol, e também de ter esquecido de que o esporte, a caça, a competição e a luta faziam parte da boa educação de um herdeiro do trono.

Protestando, o Rei lembrou ao filho, que, naquele dia, tinha sido morto o sexto Primeiro Ministro da Corte, vítima da sua inabilidade como arqueiro. E isso poderia desencadear uma crise no país.

O rapaz respondeu que ninguém precisava saber dos seus “pequenos insucessos” e que o Rei deveria pôr a culpa no povo. E que nada o faria desistir do seu esporte favorito, o “arco e flecha”.

Contemporizando, o Rei ordenou-lhe que usasse uma fruta ainda maior. No caso, só faltava uma jaca, coisa que o rapaz detestava. E ele explodiu de raiva.

Então, o pai lhe permitiu usar como alvo qualquer outra fruta, desde que fosse na cabeça de um homem do povo. Mas, ele não aceitou, alegando que um homem do povo não lhe daria qualquer emoção, pois não valia nada.

Cedendo à imposição do filho, o Rei sugeriu que, nessa nova fase de exercícios de “arco e flecha”, ele usasse, amarrado à cadeira e com uma melancia na cabeça, o Ministro da Educação. O rapaz não gostou da ideia, dizendo que ali em Bananal, o Ministro da Educação não servia para nada.

E tudo continuou na mesma algazarra.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 09 de janeiro de 2021

A PICHAÇÃO (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A PICHAÇÃO

O Colégio Estadual da cidade havia sido recentemente restaurado e pintado, e o Diretor, muito austero e zeloso, estava radiante. Era o início do ano letivo e o colégio fazia gosto de ver. Os alunos do I e II Graus estavam felizes com a beleza do educandário.

Cumprindo ordem do Diretor, os inspetores de classe fizeram um apelo aos alunos, para que evitassem colocar as mãos sujas nas paredes do colégio, a fim de que a pintura não fosse danificada. Entretanto, logo na primeira semana de aula, o Diretor tomou conhecimento de que um dos banheiros masculinos havia sido pichado a carvão, com desenhos obscenos e palavrões.

O Diretor ficou revoltado e quis punir o culpado, pelo ato de vandalismo. Pela intensidade da pichação, estava claro que o autor contou com a cumplicidade de alguém. A letra de forma tornava difícil a identificação do autor.

O Diretor reuniu todos os alunos e ameaçou aplicar uma suspensão coletiva, caso o culpado não se apresentasse. Ao mesmo tempo, não achava isso justo, pois conhecia o comportamento de alguns alunos, e tinha certeza de que eles seriam incapazes de um ato desse tipo contra o Colégio. O fato é que os palavrões foram escritos com a mesma letra.

O Diretor não se cansava de analisar os palavrões escritos. Num dado momento, o mestre teve uma intuição. Sem medo de errar, identificou o culpado. Encontrou um detalhe nas palavras escritas, que clareou sua mente. Não tinha mais qualquer duvida! Estava claro que o autor da pichação era Orestes, um dos alunos conhecidos pela sua rebeldia dentro dos movimentos estudantis da época. Para quem não tivesse a experiência do Diretor, aparentemente, o culpado poderia ser qualquer outro aluno que pertencesse a esse grupo da rebeldia. Mas, havia um detalhe na forma de escrever, que chamou a sua atenção. E sua intuição não falhava. Jamais ele faria uma injustiça a alguém, especialmente a um aluno. O Diretor não tinha mais qualquer dúvida. Estava identificado o culpado.

O aluno Orestes Souza era fanho, e, por coincidência, entre os palavrões escritos nas paredes do banheiro, estava “BUNCETA”, reproduzindo exatamente a entonação da voz do fanho. E “BUNCETA” estava escrito diversas vezes, como se a palavra estivesse sendo pronunciada por um fanho. A argúcia do Diretor levou-o a deduzir que somente um fanho escreveria essa palavra assim.

Chamado à Diretoria, Orestes, o aluno fanho, em lágrimas, confessou que havia sido ele mesmo o autor da pichação.

Mesmo pedindo desculpas e mostrando-se arrependido, foi punido com três dias de suspensão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 02 de janeiro de 2021

SOBRE O RETRATO DE DORIAN GRAY (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

SOBRE O RETRATO DE DORIAN GRAY

O Retrato de Dorian Gray é um romance filosófico, da autoria do escritor e dramaturgo Oscar Wilde, por sinal, o único romance escrito por ele.

O referido romance existe em duas versões: a edição de revista de 1890 e a edição do livro de 1891.

Conforme a literatura do século XIX, O Retrato de Dorian Gray é um exemplo de literatura gótica, com fortes temas interpretados a partir do lendário Fausto. Fausto é o protagonista de uma popular lenda alemã de um pacto com o Demônio, baseada no médico, mago e alquimista alemão Dr. Johannes Georg Faust.

 

 

Os editores suprimiram, antes da publicação da revista, sem o conhecimento do autor, quinhentas palavras, temendo que a obra fosse considerada indecente, pela crítica literária.

Apesar da censura, O Retrato de Dorian Gray ofendeu a sensibilidade moral dos críticos literários britânicos, alguns dos quais disseram que ele merecia ser acusado de violar as leis que protegiam a moralidade pública. Em resposta, Wilde defendeu agressivamente seu romance e arte, em correspondência com a imprensa britânica.

Wilde revisou e ampliou a edição de revista de O Retrato de Dorian Gray (1890) para uma publicação como um romance; a edição do livro (1891) contou com um prefácio aforístico – uma apologia sobre a arte do romance e do leitor. O conteúdo, estilo e apresentação do prefácio tornaram-se famosos em seu próprio direito literário, como crítica social e cultural.

Em 1891, quando foi publicado em sua versão final, O Retrato de Dorian Gray foi recebido com escândalo, e provocou um intenso debate sobre o papel da arte em relação à moralidade. Alguns anos mais tarde, o livro foi usado contra o próprio autor em processos judiciais, como evidência de que ele possuía “uma certa tendência” – no caso, a homossexualidade, motivo pelo qual acabou condenado a dois anos de prisão por atentado ao pudor.

Mais de cem anos depois, porém, o único romance de Oscar Wilde continua sendo lido e debatido no mundo inteiro, e por questões que vão muito além do moralismo do fim do período vitoriano na Inglaterra, definida por um dos personagens do livro como “a terra natal da hipocrisia”.

Seu tema central – um personagem que leva uma vida dupla, mantendo uma aparência de virtude, enquanto se entrega ao hedonismo mais extremado. O hedonismo é uma teoria ou doutrina filosófico-moral, que afirma que o prazer é o bem supremo da vida humana – tem apelo atemporal e universal. Sua trama se vale de alguns dos traços que notabilizaram a melhor literatura de sua época, como a presença de elementos fantásticos e de grandes reflexões filosóficas, além do senso de humor sagaz e do sarcasmo implacável característicos de Oscar Wilde.

Dorian Gray é o tema de um retrato de corpo inteiro de Basil Hallward, um artista que está impressionado e encantado com a beleza de Dorian; ele acredita que a beleza de Dorian é responsável pela nova modalidade em sua arte como pintor.

Através de Basil, Dorian conhece Lord Henry Wotton, e logo se encanta com a visão de mundo hedonista do aristocrata, entendendo que a beleza e a sensualidade são as únicas coisas que valem a pena alcançar na vida.

Entendendo que sua beleza irá um dia desaparecer, Dorian Gray expressa o desejo de vender sua alma ao demônio, para garantir que, em seu lugar, o retrato envelheça e desapareça.

O desejo é concedido, e Dorian passa a levar uma vida libertina, de experiências variadas, imorais e amorais. Enquanto isso, o retrato vai envelhecendo em seu lugar, e registrando todas as coisas ruins, que corrompem a alma de Dorian Gray, que permanece jovem.

O Retrato de Dorian Gray inicia em um ensolarado dia de verão, na Inglaterra da Era Vitoriana, onde Lord Henry Wotton, um homem opinativo, observa o sensível artista Basil Hallward a pintar o retrato de Dorian Gray, seu anfitrião, e um lindo jovem que é a musa final de Basil.

Depois de ouvir a visão de mundo hedonista de Lorde Henry, um homem depravado, Dorian começa a pensar que a beleza é o único aspecto da vida que vale a pena seguir, e deseja que o retrato pintado por Basil envelheça em seu lugar.

Sob a influência hedonista de Lord Henry, Dorian explora plenamente a sua sensualidade. Ele descobre a atriz Sibyl Vane, que atua em peças de teatro de Shakespeare num teatro sombrio da classe trabalhadora. Dorian se aproxima e a corteja, e logo lhe propõe casamento. A apaixonada Sibyl o chama de “Príncipe Formoso”, e desmaia com a felicidade de ser amada. Mas, mas seu irmão protetor, James, um marinheiro, adverte que, se seu “Príncipe Formoso” a magoasse, iria matá-lo.

Dorian convida Basil e Lord Henry para ver Sibyl atuar em Romeu e Julieta. Sibyl, cujo único conhecimento do amor foi através do amor ao teatro, renuncia à sua carreira de atriz, para experimentar o amor verdadeiro com Dorian Gray. Desanimado por ela ter abandonado o palco, Dorian a rejeita, dizendo-lhe que atuar no palco era a sua beleza. Sem isso, ela já não era interessante. Ao voltar para casa, Dorian percebe que o retrato foi alterado; seu desejo realizado, e o homem do retrato carrega um sorriso sutil de crueldade.

Sentindo-se ferido e solitário, Dorian decide se reconciliar com Sibyl, mas é tarde demais. Lord Henry informa que Sibyl se matou, por engolir ácido cianídrico. Dorian Gray, então, entende que, a partir daí, sua vida dirigida pela luxúria e boa aparência seria suficiente. Nos dezoito anos seguintes, as experiências de Dorian, com todos os seus vícios e perversões sexuais falta, são influenciados por um romance francês moralmente venenoso, um presente recebido do decadente Lord Henry Wotton.

A narrativa não revela o título do romance francês, mas em seu julgamento, Wilde disse que o romance Dorian Gray era como ler À rebours (“Contra a Natureza”, 1884), de Joris-Karl Huysmans.

À noite, antes de partir para Paris, Basil vai à casa de Dorian lhe perguntar sobre os rumores de seu sensualismo auto-indulgente. Dorian não nega sua devassidão, e leva Basil a um quarto fechado para ver o retrato, que havia se tornado hediondo pela corrupção de Dorian. Na raiva, Dorian culpa Basil pelo seu destino, e o apunhala até morrer. Dorian, depois, calmamente, chantageia um velho amigo, o químico Alan Campbell, para destruir o corpo de Basil Hallward em ácido nítrico.

Para escapar da culpa de seu crime, Dorian vai para um antigo antro de ópio, onde James Vane está inconscientemente presente. Ao ouvir alguém se referir a Dorian como “Príncipe Encantado”, James o procura e tenta atirar em Dorian. Em seu confronto, Dorian engana James, ao fazê-lo acreditar que é muito jovem para ter conhecido Sibyl, que se suicidou dezoito anos antes, e já que seu rosto ainda é o de um jovem. James cede e libera Dorian, mas depois é abordado por uma mulher do antro de ópio, que reprova James por não o ter matado. Ela confirma que o homem era Dorian Gray e explica que ele não envelheceu em dezoito anos; compreendendo demasiado tarde, James corre atrás de Dorian, mas não o encontra.

Uma noite, durante o jantar em casa, Dorian espiona James rondando a casa. Dorian teme por sua vida. Dias depois, durante uma caçada, um dos caçadores acidentalmente atira e mata James Vane, que estava escondido em um matagal. Ao retornar a Londres, Dorian diz para Lord Henry que irá ser bom a partir de então. Sua nova probidade começa com não partir o coração da ingênua Hetty Merton, o seu interesse romântico atual. Dorian se pergunta se sua bondade recém-descoberta teria revertido a sua corrupção no retrato, mas ele só vê uma imagem mais feia de si mesmo. A partir daí, Dorian entende que seus verdadeiros motivos para o auto-sacrifício de reforma moral foram provocados pela vaidade e a curiosidade pela busca de novas experiências.

Decidindo que só a completa confissão iria absolvê-lo de delitos, Dorian decide destruir o último vestígio de sua consciência. Enfurecido, pega a faca com que ele assassinou Basil Hallward e apunhala o retrato. Os servos da casa acordam ao ouvir um grito do quarto fechado. Na rua, os transeuntes também ouvem o grito e chamam a polícia. Ao entrarem na sala trancada, os servos encontram um velho desconhecido, esfaqueado no coração, seu rosto e figura estão secas e decrépitas. Os servos identificam o cadáver desfigurado pelos anéis nos dedos que pertencem ao seu mestre; ao lado deles, está o retrato de Dorian Gray, que regressou à sua beleza original.

Oscar Wilde disse que, no romance O Retrato de Dorian Gray (1891), três dos personagens eram reflexos de si mesmo:

Basil Hallward é o que penso que sou: Lorde Henry é o que o mundo pensa de mim: Dorian Gray é o que eu gostaria de ser – em outras eras, talvez. Dorian Gray – um jovem atraente e narcisista, encantado com o “novo” hedonismo de Lorde Henry. Ele se entrega a cada prazer (moral e imoral), vida que finalmente o leva à morte.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 26 de dezembro de 2020

FESTA DE NATAL (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

FESTA DE NATAL

A festa de Natal é uma das mais antigas do cristianismo. Sua comemoração vem desde o berço da Igreja no Ocidente. Segundo alguns autores, o Bispo Telésforo foi quem a estabeleceu, na era cristã. Até então, a festa do Natal era móvel, e tanto podia ser celebrada no mês de janeiro, como no mês de maio.

No século IV, Cirilo, Bispo de Jerusalém, dirigiu-se ao Papa Júlio I, pedindo-lhe que ordenasse a realização de uma consulta entre os homens doutos do Oriente e do Ocidente, para que se estabelecesse o verdadeiro dia do nascimento de Jesus. Consultados os teólogos, concordaram estes que o dia a ser designado seria 25 de Dezembro, a data exata do nascimento de Jesus Cristo, em Belém da Judeia.

Quando ocorreu o nascimento de Jesus, o rei Gaspar tinha 60 anos. Era natural da Arábia. O rei Baltasar tinha 40 anos, e tinha nascido em Sabá; e o rei Melchior, que era nascido em Tarsis, só tinha 20 anos.

Cada um deles compreendeu o aviso da estrela, embora se achassem em diferentes regiões. Iniciaram suas viagens através de estradas diferentes, vindo a encontrar-se nas proximidades de Belém.

Narram as Escrituras da Idade Média, que eles se reuniram novamente, 33 anos depois, diante do sepulcro de Jesus. Morreram na Cidade Santa (Jerusalém), onde mãos piedosas lhes deram sepulturas. Depois, seus restos mortais foram trasladados para diferentes cidades europeias.
A Noite de Natal é sagrada, para todos os lares. Noite de encanto e mistério para as crianças e seus pais.

No profundo silêncio da noite, quando tudo repousa na calma e bem-estar do sono, nas cabecinhas das crianças, surge a imagem do Menino Jesus, e, ao mesmo tempo, a de Papai Noel, que lhes sorri e lhes distribui os mais belos presentes. Antes de se deitarem, as crianças deixam os sapatinhos ao lado de suas camas, imaginando os presentes que irão receber.

Coitadas das crianças, filhas de pais pobres, que não tem condições de comprar comida, nem, muito menos, presentes de Papai Noel, para alimentar as ilusões de seus filhos!

Essa bonita lenda de Papai Noel, que na sua singela invenção, encerra um tesouro de afetos, que brotam dos corações dos pais, tem provocado muitas frustrações às crianças pobres.

Conta certo escritor que, quando tinha ele oito anos, na manhã do dia de Natal, depois de ter saltado da cama, apressadamente, ansioso para ver o que o Papai Noel lhe tinha posto no sapato, encontrou duas grossas moedas de pequeno valor. O seu desapontamento deixou-lhe uma grande marca na alma. Não entendia por que o Bom Velhinho, que distribuía bonitos presentes para os seus amigos, lhe dera um presente tão sem graça?

Rapidamente, veio-lhe o pressentimento de que o responsável por sua decepção fora seu pai, com o propósito de desiludi-lo da fé que tinha em Papai Noel. Com certeza, ele mesmo metera aquelas moedas grosseiras em seu sapato, satisfazendo, assim, seu próprio desejo de para encerrar, uma vez por todas, aquele sonho do filho.

Naquele momento, desapareceu da mente do menino a visão bonita que tinha de Papai Noel, dando lugar ao veneno da descrença e da revolta contra o Bom Velhinho e contra o próprio pai. Há marcas da infância, que ficam para sempre.

No Natal, em alguns países, as crianças costumam arranjar presépios, que foi o lugar onde nasceu Jesus, colocando-os numa paisagem que representa o país de Betheem, por cujos caminhos surgem os três Reis Magos, com incenso, ouro e mirra, em homenagem ao Menino Deus; pastores tocando flauta e uma multidão de homens e animais, como cavalos, cães e galinhas, que bebem num pequeno lago, figuras que dão vida à paisagem. O chão, coberto de musgo verde, aparece rodeado de montanhas nevadas (de farinha). Este é um costume que vem da Idade Média, e que se popularizou, através de São Francisco de Assis.

Em outros países, é costume se armar a árvore de Natal. Há regiões em que todas as famílias, sejam ricas ou pobres, arranjam o seu ramo de pinheiro e o enfeitam de brinquedos e luzes.

Escritores e poetas contam interessantes histórias sobre a origem desse costume. Falam das belas coisas que aparecem na gelada e na dura terra, na noite de Natal, da Rosa de Jericó, que se abriu debaixo dos pés da Virgem Maria e das árvores que se vestiram de linda folhagem e deliciosos frutos.

Nessas festas, reina, essencialmente, o espírito familiar, pois é NOITE DE NATAL e nasceu o Menino Jesus!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 19 de dezembro de 2020

AS GALINHAS (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS GALINHAS

Violante Pimentel

Devemos ter cuidado com as ideias que nos são apresentadas, gratuitamente.

Décadas atrás, um criador de galinhas recebeu em sua granja, a visita de um homem bem parecido, que se dizia também criador de galinhas e veterinário, especialista em galinhas poedeiras.

O forasteiro passou a dar conselhos ao antigo granjeiro, despejando sobre ele suas ideias de como criar galinhas e multiplicá-las, e conseguindo vender-lhes produtos para serem adicionados à ração.

O granjeiro caiu na lábia do visitante, adotando suas ideias e teve um tremendo prejuízo. Em duas semanas, morreram centenas de galinhas.

Um mês depois, o mesmo forasteiro, muito bem apessoado, voltou à granja, para fazer uma visita ao dono. Trouxe novas ideias e novos produtos para lhe vender. O velho granjeiro, já de “orelha em pé” se entusiasmou e terminou acatando as ideias do forasteiro e comprando os novos produtos para dar às galinhas.

A cena funesta se repetiu. Morreu um número ainda maior de galinhas.

Dias depois, o granjeiro recebeu novamente a visita do forasteiro, suposto criador de galinhas, dando-lhe novas orientações sobre a criação de galinhas, para que obtivesse lucro. O ingênuo granjeiro, novamente caiu na conversa do forasteiro e a mortandade de galinhas se repetiu, desastrosamente.

Os funestos resultados das ideias e produtos vendidos pelo forasteiro, que se dizia criador de galinhas e veterinário, deixou o granjeiro acabrunhado e decepcionado, pois viu que tinha caído nas mãos de um golpista.

Algum tempo depois, não desistindo de aplicar golpes no granjeiro, o suposto “criador de galinhas” apareceu na granja novamente, com produtos diferentes, querendo vendê-los, para que as penosas se reproduzissem com sucesso. E o forasteiro ainda teve coragem de dizer:

– Agora, trago novas ideias, produtos de último lançamento, com sucesso comprovado e garantido.

O granjeiro, já lesado diversas vezes por aquele forasteiro, expulsou-o da granja aos gritos:

– Saia daqui, seu trambiqueiro! Por sua causa, morreram todas as minhas galinhas!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de dezembro de 2020

DEDÉ (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DEDÉ

Dedé era um porco de sorte. Pertencia à dona Beatriz, jovem esposa de um fazendeiro rico, que lhe dera de presente de aniversário. Era alimentado à base de ração e melaço, sob orientação de um veterinário.

Um tratador especial era encarregado de medir a temperatura da sua alimentação, inclusive da água e do leite que bebia.

No recanto reservado a Dedé, tinha iluminação própria e um colchão de crina, confortável e asseado, onde ele aprendeu a dormir. Engordava a olhos nus.

O porco olhava para os seus donos com olhos de gratidão. E sempre ouvia dona Beatriz dizer:

“Como está lindo e forte o nosso bebê. ”

Ele era muito mais bem tratado, do que milhares de crianças, espalhadas pelo Brasil afora.

Dedé tinha no pescoço um laço de fita larga, cor de rosa, que lhe dava um certo charme.

Dona Beatriz, uma mulher muito seca e indiferente, desde que recebeu o porco de presente, tornou-se carinhosa com o marido, mudança por ele notada e que o deixou feliz.

Na fazenda, foram tomadas as mais modernas medidas sanitárias, para que o porco tivesse boa saúde. Dedé tinha um banheiro com privada dotada de descarga, e uma tina cheia d’ água, para se banhar, conforto que faltava aos empregados..

Em todos os recantos por onde circulava o porco, havia termômetros instalados, para que sua temperatura fosse sempre auferida. Tudo sob orientação do veterinário, que se empenhava em evitar que o animal adoecesse.

Certo dia, numa das costumeiras visitas da sua dona em companhia do esposo, o porco foi encontrado sozinho, bebendo água de uma fonte. Eles ficaram furiosos, apesar de já ter sido feita análise bacteriológica e química da água, que constatara conter zero por cento de bactérias nocivas, e uma certa quantidade de uma substância bastante saudável de óxido de ferro e ácido carbônico, importantes para a saúde dos porcos, .

O fazendeiro, conforme costumava fazer, mergulhou o termômetro na água e ficou indignado com o que estava vendo. Em lugar dos 8 graus centígrados, o termômetro só marcava 7.5!.

A dona do porco teve um chilique de raiva, por não encontrar o tratador ainda no serviço. Dedé foi retirado da água delicadamente, sob as explicações carinhosas da sua dona, de que aquilo era para evitar que suas tripinhas resfriassem e ele adoecesse. Tamparam a tina e foram tomar satisfações com o tratador, que acabara de chegar:

– Você não mediu a temperatura da água de Dedé!!!

Gaguejando, Bento, o empregado, disse que tinha se atrasado no serviço, porque estava acudindo o filho, que havia sofrido um ataque de epilepsia.

O casal gritou impropérios para o empregado, sem se compadecer do problema de saúde do filho dele. E por causa disso, o tratador foi posto na rua, com a mulher e o filho doente, sem qualquer complacência dos patrões.

A dona do porco se voltou contra o empregado, esquecendo toda a dedicação que ele tivera como cuidador da pocilga, durante vários anos.

Antes de sair com a mulher e o filho doente, sem dinheiro e sem saber para onde ir, o cuidador da pocilga, desesperado, num acesso de loucura, sangrou o porco, com uma facada no pescoço. O veterinário, chamado com urgência, nada pôde fazer. A dona do porco quase morreu de tristeza.

Os guardas amarraram o assassino e o levaram preso. Depois, os jornais noticiaram:

“O crime de um bruto. O zelador de pocilga de nome Bento, acabava de ser despedido por negligência. Para se vingar, ele matou cruelmente a golpes de facas um porco que constituía um espécime único. O bruto já se encontra nas mãos da justiça. Comenta-se que o criminoso não tem religião. Se isso se confirmar, ficará demonstrado que aqueles que não acreditam em Deus são capazes das maiores monstruosidades.”

Bento passou três meses sob prisão preventiva, recusando-se a falar e a se alimentar. Também se recusava a ir à missa na cadeia. No curso do inquérito, foram descobertas algumas máculas no seu passado:

Com a idade de 15 anos, ele fora condenado a quinze dias de prisão, pelo delito de provocar tumulto. Ele estava parado e recebeu ordens de um guarda para circular, e as ordens foram desobedecidas. Coisas da mocidade.

Fora condenado, ainda, por uma segunda vez, por ter gritado na rua, diante de algumas senhoras elegantes:

“Sim, senhoras! De chapéus e plumas, heim?”. Fato que demonstrava seu caráter revoltado, com as desigualdades sociais.

O promotor relembrou tais pormenores assim, como todos os pecados do réu. Ressaltou, habilmente, os maus instintos revelados pelo passado do assassino e afirmou que “se o acusado tivesse à mão o fazendeiro, tê-lo-ia assassinado, em lugar do porco.” Uma alegação infeliz, pois se fosse essa a pretensão de Bento, tê-la-ia posto em prática, facilmente.

O defensor público viu-se diante de uma tarefa muito difícil. Apagar o passado do réu, não podia. Quanto ao menino doente, eram circunstâncias atenuantes muito vagas e românticas, para que a elas se agarrasse com unhas e dentes. A vida do menino, para ele, não era nada, diante da vida do porco, tirada cruelmente.

A dona do porco, presente ao julgamento, ao ver pousada sobre a mesa, entre outras provas, a fita cor de rosa, que colocara no pescoço do seu “bebê”, não pôde conter as lágrimas. Chorou compulsivamente, causando aos presentes, dó e piedade.

Respondendo a uma pergunta feita pelo Juiz, ela respondeu:

-Eu reconheço esta fita cor de rosa. Ela pertenceu ao meu querido Dedé, cujas cinzas estão sepultadas sob os canteiros de lírios do meu jardim.

O acusado foi condenado a seis meses de prisão, por “dano voluntário à propriedade alheia.” Mas. o pior castigo que ele recebeu foi a notícia da morte do seu filho doente, pelo qual, se pudesse, daria sua vida.

Para os ex-patrões, a justiça se completou com a morte do filho do empregado.

E assim, o porco Dedé repousa em paz sob um canteiro de lírios imaculados, no meio dos quais se ergue um monumento com estas inscrições:

“Aqui jaz o nosso Dedé, morto pela mão do assassino Bento, condenado a seis meses de prisão, com seis dias de jejum. O extinto foi inumado a 8 de maio de 1907, com a idade de um ano e meio. Que a terra lhe seja leve!”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 28 de novembro de 2020

OS DOZE MESES - ETIMOLOGIA DOS NOMES (ARTIGO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS DOZE MESES

O Cristianismo surgiu na Palestina, região sob o domínio romano desde 64 a.C. Tem como origem a tradição judaica de crença na vinda de um Messias, o redentor, o salvador, o filho de Deus, cuja vinda seria uma redenção para todos aqueles que acreditassem nele.

Com o aparecimento do Cristianismo, a crença em divindades pagãs desapareceu. Mas, apesar disso, a memória dos deuses e deusas ainda permanece viva em muitas tradições.

O calendário que usamos foi uma evolução do antigo calendário romano e os nomes utilizados vieram dos deuses.

Estando estreitamente ligados os seus nomes aos costumes e instituições romanas, o nosso calendário, para contagem do tempo, permanece o mesmo estabelecido pelo imperador romano Júlio César.

Relendo a história dos nomes dos doze meses do ano, é como se estivéssemos assistindo a um desfile dos meses romanos.

JANEIRO – Primeiro, aparece uma figura estranha, um deus com duas caras, um deus que olha para diante e para trás, e que segura na mão esquerda uma chave. É JANO. Os romanos adoravam Jano, num templo que estava aberto durante as guerras e que se fechava quando havia paz. Era o deus dos princípios e dos fins. Esse deus era também considerado o porteiro do céu, e os romanos o tinham como protetor das suas portas e portões. Como o ano tem doze meses, o templo de JANO tinha 12 portas.

FEVEREIRO – Segue-se ao deus JANO, uma majestosa dama romana. Era FEBRUA, a deusa das purificações. Celebravam-se no segundo mês do ano festas especiais em honra a Juno e Plutão, rei dos infernos e havia sítios especiais para aplacar as almas dos defuntos. Essas festas eram também de expiação para o povo, e chamavam-se “februais”. O termo vem da palavra februum que significa purificar; neste mês acontecia um ritual de purificação romana.

Fevereiro é o mês mais curto do ano, pois tem 28 dias nos anos comuns, e 29 nos anos bissextos. Constando o ano, aproximadamente, de 365 dias e 6 horas, ao cabo de quatro anos essas 6 horas formam um dia, que se agrega a Fevereiro. Essa inovação é do tempo de Júlio César, o qual, vendo os inconvenientes que resultavam de não serem levadas em conta aquelas 6 horas, chamou a Roma o astrônomo Sosígenes, de Alexandria, o qual propôs que de quatro em quatro anos se acrescentasse um dia a Fevereiro; daí ficou o mês, a cada quatro anos, com mais um dia, passando a ser chamado de “bissexto”.

MARÇO – Nome originado de Marte, o deus da guerra. No desfile imaginário, ele passa num carro puxado por dois cavalos, cujos nomes eram Terror e Fuga. É uma figura de guerreiro ameaçador, manejando uma comprida lança, levantando para o céu um escudo luzidio e erguendo a sua cabeça altiva, sendo iluminado pelos raios e pelo capacete. Para os romanos era mais do que um guerreiro. Era um deus que podia conseguir tudo pela sua grande força. Pediam-lhe chuva, consultavam-no sobre os casos da vida particular, sacrificando no seu altar um cavalo, carneiro, pêga ou abutre.

ABRIL – Depois de Marte, aparece ABRIL. Não é nem deus nem deusa. É o Anjo da primavera. Gracioso, delicado, meigo e bom. Chega espalhando pela terra lindas flores e fazendo nascer nos sulcos feitos pelas rodas do carro do guerreiro, flores tão pequeninas, tão bonitas e tão delicadas, que comove vê-las. “Abril é o que abre.”

MAIO – Nome em homenagem à deusa MAIA, que desfila sentada num trono de luz. Seu pai chamava-se Atlas e sobre os seus ombros pesava o mundo inteiro. Ele tinha sete filhas, das quais a mais célebre foi Maia, cujo filho era Mercúrio, que levava as ordens dos deuses para a terra.

Júpiter, o pai de todos os deuses, levou Maia e as irmãs e colocou-as como estrelas no firmamento. Eram elas que formavam o grupo de estrelas chamadas plêiadas. A sétima estrela do grupo era invisível. Representa uma das irmãs que casou com um homem chamado Sisypho, e, desde então, como o pobre Sisypho foi condenado a rolar eternamente uma pedra por um monte acima, ela, envergonhada, escondeu a cara.

JUNHO – Seguem no cortejo duas figuras disputando o sexto lugar. Uma é a deusa Juno e a outra é um homem de nome JUNIO. Mas a deusa Juno deu nome ao mês de Junho. Juno era a rainha do céu e esposa de Júpiter. Seu trono de ouro estava junto de seu marido. Todos os deuses lhe prestavam homenagem, quando se apresentavam no palácio de Júpiter; tinha poderes superiores e exercia domínio sobre os fenômenos celestes; produzia o trovão nas alturas, desencadeava os ventos e mandava nos astros. Gostava de passear pelos bosques sagrados num carro puxado por pavões.

JULHO – Em honra ao guerreiro e imperador Júlio César, surgiu o nome do mês de Julho. Júlio César não só conquistou nações, fez leis célebres e escreveu livros imortais, como também emendou o calendário, que estava em estado deplorável. O tempo e os meses já não se correspondiam como antigamente; a primavera vinha em janeiro e o inverno nos meses que deviam corresponder à primavera. O mês “quintilius’ foi eliminado em sua honra, tomando o seu nome Júlio.

AGOSTO – Nome derivado de Augusto, o primeiro imperador romano, última personagem da procissão pagã imaginária a que assistimos. A princípio, Augusto chamava-se Octávio e governou os romanos, com Marco Antônio e Lepido. Por fim, foi imperador, e fez muito pela glória e engrandecimento do seu magnífico império. O povo, na intenção de lhe agradar, mudou o seu nome de Octávio para Augusto, que significa “nobre”.

O oitavo mês foi escolhido para ter o nome de Agosto, porque era nessa ocasião que o imperador Augusto celebrava os principais acontecimentos da sua vida. Foi em Agosto que ele foi nomeado Cônsul, que acabaram as suas guerras e que conquistou o Egito. Augusto ficou na história como uma grande personagem. O seu reinado recebeu o nome de Idade de Ouro, porque ele não só trouxe paz ao mundo, farto e cansado de guerras, como também fez florescer a arte e a literatura.

Os poetas imortais, Horácio e Virgílio, viveram nessa época. Fundaram-se, então, livrarias e construíram-se templos por toda a parte.

Foi no reinado desse imperador poderoso que, longe, nasceu a Criança cujo reinado ainda não acabou e cujo nascimento criou uma época. Nunca o imperador orgulhoso pensou, quando se gabava no seu palácio, de ter encontrado Roma feita de tijolo e tê-la deixado de mármore, que existia já uma Criança que dividiria as épocas da terra e poria uma Cruz entre o reinado de Augusto e o começo de uma nova religião.

SETEMBRO – Os outros meses aparecem disfarçados, com nomes enigmáticos. Para compreendermos o nome do mês de setembro é necessário recordar que o primitivo calendário romano constava de dez meses e que começava em Março, sendo, portanto, Setembro o sétimo mês. Por isso, é representado pelo número sete, em algarismos romanos, VII. Este número lia-se em latim “septen”, de onde se derivou Setembro.

OUTUBRO – Para os romanos, como hoje é para os povos que lhes sucederam no continente europeu, Outubro era o mês das colheitas e vindimas. O nome provém de “octos”, que em latim é oito. Com efeito, era o oitavo mês do antigo calendário romano, passando a ser o décimo, quando Nuna, rei de Roma, fixou o princípio do ano no dia primeiro de Janeiro.

Celebravam neste mês, tanto os romanos como os gregos, muitas festividades. Em uma dessas festas era costume atirar aos poços e fontes coroas tecidas de flores e ervas, como tributo às ninfas, a quem tais festas eram consagradas. Era também o mês da colheita das frutas, cujas primícias se ofereciam às divindades.

NOVEMBRO – Era o nono mês, no primeiro calendário romano, e por isso lhe chamavam “November”. Contava-se que, entre as festividades e ritos religiosos mais importantes, estava o consagrado a Diana, deusa das montanhas e dos bosques. Começava com um banquete dedicado a Júpiter e com os jogos circenses, chamados assim, porque se realizavam no circo. No mesmo mês se celebravam os jogos “plebeus”, instituídos para comemorar a reconciliação de patrícios, nobres e plebeus. Eram oferecidos sacrifícios a Netuno, deus dos mares; e se faziam as festas abrumais ou do inverno, por começar na Itália o tempo chuvoso, nevoento e frio.

DEZEMBRO – do latim “December” de “decem”, dez – o décimo e último mês do antigo calendário romano. É representado hoje por um velho de barbas brancas, que traz brinquedos para dar às crianças no dia de Natal, 25 de dezembro.

Para algumas pessoas, esse velho representa São Nicolau, que viveu no século IV e é considerado o patrono das crianças. Essa ideia teve origem numa lenda, segundo a qual São Nicolau teria feito ressuscitar três crianças, que haviam sido assassinadas por um carniceiro.

Dezembro é um mês característico do frio inverno nos países da Europa, e por isso o representam numa paisagem desolada, com os caminhos cobertos de neve.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 21 de novembro de 2020

A TREPADEIRA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A TREPADEIRA

A árvore trepadeira que se chama vulgarmente Cipó matador tem, segundo assevera A. St’Hilaire (botânico francês), um tronco direito, porém delgado e fraco, necessitando do apoio de outras árvores mais robustas.

Segundo os botânicos, o surgimento das trepadeiras foi uma resposta evolutiva às plantas de caules frondosos, fortes e grossos. A disputa por radiação solar estava levando essas plantas a evoluírem, tornando-as cada vez mais altas, com copas cada vez mais frondosas e com crescimento cada vez mais rápido. As ancestrais das trepadeiras, por outro lado, não conseguiam concorrer com estas plantas e começaram a usar as mesmas como suporte para o seu desenvolvimento. Valendo-se de menos recursos energéticos, nutricionais e solares, as trepadeiras foram evoluindo, agarrando-se às árvores frondosas e alimentando-se da sua seiva, a ponto de cobri-las totalmente, abafando-as e matando-as.

Um advogado, que há anos morava no Amazonas, retornou a Natal e abriu um escritório de advocacia. Logo nos primeiros meses, os clientes foram aparecendo.

Dentro da seriedade que lhe era peculiar, Dr. Pedro, o causídico, tinha senso de humor e gostava de conversar. Contava fatos pitorescos, relacionados ao Amazonas, tema que fazia brilhar os seus olhos.

Dizia que o que mais agradava ao seu espírito de advogado era quando funcionava na defesa de um réu, perante o Tribunal do Júri. Para tanto, considerava-se um excelente orador e articulador. Gostava de comentar nas rodas de amigos e colegas, os inúmeros debates, já travados com advogados de renome.

Havia grande interesse dos seus amigos e colegas em vê-lo atuar no Júri, pois conheciam sua fama de grande tribuno. E sua estreia em Natal foi um sucesso. Entretanto, meses depois, começaram a notar que o causídico estava se tornando repetitivo nas suas teses de defesa. Criara um chavão e o repetia em todos os júris em que atuava.

Esse chavão consistia em comparar o sofrimento de um réu em julgamento, com o sofrimento de uma árvore hospedeira de uma trepadeira, tal qual o falado “cipó matador do Amazonas”.

Contava o advogado:

“No Amazonas, existe uma trepadeira, que se desenvolve como hóspede de uma grande árvore, servindo-se de sua seiva e arrochando-a de forma tão violenta, que a árvore não resiste e morre por asfixia.”

Para melhor entendimento dos jurados, comparava o Promotor de Justiça à trepadeira ou cipó matador, e a árvore, ao réu sendo atacado e morrendo pela dificuldade imposta pelo Promotor à sua defesa.

Esse chavão foi se tornando conhecido, a ponto de apelidarem o causídico de “cipó matador do Amazonas”, coisa que, se ele soubesse, jamais perdoaria ao autor dessa falta de respeito.

Sempre que o Dr. Pedro ia defender um réu no Tribunal do Júri, os adeptos de apostas se movimentavam. Uns apostavam na repetição do conhecido chavão. Outros apostavam que dessa vez, ele iria fazer uma defesa diferente, e não repetiria o chavão.

Feitas as apostas, ficavam todos aguardando o desenrolar do discurso do advogado de defesa. Alguns já se consideravam perdedores das apostas, quando, de repente, o discurso de Dr. Pedro era intercalado com o mesmo “recado”:

“Senhores jurados: estive vários anos na região Amazônica, lugar onde predominam as maiores árvores existentes na face da terra. A floresta amazônica é, sem dúvida, a mais exuberante floresta equatorial do mundo. Mesmo assim, de vez em quando, imensas árvores centenárias são sufocadas e mortas, por um tipo de planta trepadeira, também chamada de “cipó matador”, que se alimenta de sua seiva, e se trança de uma forma tão fechada sobre elas, que as leva à morte. Uma vez ou outra, há um grande relâmpago e cai um raio sobre a trepadeira, matando-a. É como se o relâmpago viesse em socorro da grande árvore que estava sendo sugada pela trepadeira. Daí por diante, aquela árvore que está sendo morta pelo sufoco, ressurge como um milagre da natureza e volta a florescer, exuberante como antes.

Estamos numa situação equivalente. De um lado, estou defendendo o meu constituinte, que coloco no lugar da árvore agonizante, sofrendo e resistindo à imensa violência de quem, aparentemente, não tinha condições de destruí-lo. Do outro lado, o ilustre Promotor de Justiça, que parece ser aquela insignificante planta, conhecida como “cipó matador”, apertando sempre o meu constituinte, já sufocado e sem chance de defesa.”

Essa argumentação desenvolvida por Dr. Pedro tornou-se uma constante, em todos os seus discursos nos Tribunais onde atuasse como advogado de defesa. Daí por diante, o defensor do réu apelava, cada vez mais, para o sentimentalismo dos Jurados, atento aos argumentos acusatórios do representante do Ministério Público.

No final, ganhava a aposta quem houvesse confiado na repetição do chavão da trepadeira, ou “cipó matador do Amazonas”.

Voltando aos dias atuais, ano de 2020, o ano gêmeo tão esperado, chego a pensar que algum “cipó-matador” abraçou o mundo e a ciência, agindo de forma traiçoeira, e jogando na humanidade o CORONAVÍRUS, que continua fazendo vítimas. Parou tudo por certo tempo, mas não parou o processo eleitoral, sendo o povo induzido a enfrentar as urnas, “sem correr risco de contaminação”. O Vírus, de conluio com os políticos, deu uma trégua aos brasileiros, durante o processo eleitoral, que ainda não terminou.

Como em alguns Estados, o povo aguarda o 2º turno das eleições municipais, as promessas e abraços continuam.

Convém alertar o eleitor que irá votar no 2º turno, que não aceite dos candidatos abraços apertados e demorados, pois eles podem absorver sua energia, chegando a sufocá-lo ou coisa pior, tal qual fazem as trepadeiras ou cipós- matadores com as grandes árvores.

Essas demonstrações de carinho dos candidatos, visando agradar o povo para chegar ao poder, podem ser maléficas. Eles podem estar utilizando o eleitor em benefício próprio, subindo nas suas costas e lhe dando migalhas.

Vale a pena evocar o pessimismo do imortal poeta Augusto dos Anjos:

“a mão que afaga é a mesma que apedreja”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 14 de novembro de 2020

TEMPO DE POLÍTICA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

TEMPO DE POLÍTICA

Violante Pimentel

 

O Brasil é um País muito grande, que luta para ser um grande País. Mas uma andorinha só não faz verão.

Precisamos de políticos honestos, que ajudem ao Presidente da República, na árdua tarefa do cargo que ocupa.

Antes do descobrimento do Brasil, como conta a História, os portugueses já cortavam os mares no caminho do Oriente, em direção às Índias. Numa dessas idas e vindas, houve aquela história das calmarias, e o Brasil foi descoberto. Mas, os portugueses tropeçaram nos índios, querendo torná-los invisíveis e usurpando a terra que eles sempre ocuparam. A “terra à vista”, já pertencia aos índios.

E, atualmente, os índios já aprenderam a dar nó no sapato e na gravata, apesar das intempéries que eles tem enfrentado.

Ainda estamos no meio da pandemia do Coronavírus. Aproximam-se as eleições municipais e o número de candidatos à reeleição para Vereador é impressionante. Maior ainda é o número de novos candidatos, que, no horário eleitoral gratuito, pedem votos, sem demonstrar, na sua maioria, as mínimas condições de representar o povo na Câmara Municipal. Os antigos Vereadores não querem abrir mão das regalias, que gozam há anos, e se agarraram ao poder, com unhas e dentes, sem querer passar o mandato à frente.

O problema do Brasil é que há carência de políticos dignos, em todas as esferas do poder. O Rio Grande do Norte está sem norte. Vai longe o tempo em que os políticos da terra defendiam o bem comum, sem desvio de dinheiro público, como acontece agora, vergonhosamente.

A Pandemia do Covid-19 continua atacando. Mas, para que possa haver Eleição, o vírus concordou em dar alguns dias de trégua, para que o povão vá às urnas votar, sem medo, e, antes disso, não perca as passeatas e comícios, onde há muita aglomeração, sendo dispensadas as máscaras e também o álcool- gel. Um “cessar fogo” capcioso e irresponsável.

“Mas na hora de votar, não esqueça a máscara, álcool-gel e a sua própria canetinha…”

Agora, aterrissou em Natal um estranho no ninho, senador petista, candidato a prefeito. Sem supostas raízes no Rio Grande do Norte, o candidato é “companheiro” de partido da governadora e de uma ex-vereadora, atual deputada federal. O “salvador da pátria” já prometeu, no horário eleitoral, se for eleito, transporte urbano 100/% gratuito para todos, benefício extraordinário à população de Natal. Onde estava esse benfeitor esse tempo todo?

Nesta época de eleições, os candidatos prometem realizar o bem comum. Mas a “amnésia pós-eleições”, uma doença antiga, ainda não foi erradicada do Brasil. Em primeiro lugar, eles. E em segundo, eles.

O povo sofrido de Natal já não acredita nas promessas dos candidatos a prefeito e a vereador, feitas na TV, no horário eleitoral. Essas promessas provocam riso. Ainda bem que sorrir faz bem à saúde.

Continuamos sendo tratados como palhaços.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 07 de novembro de 2020

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

Violante Pimentel

Nascido no Rio Grande do Norte, Café Filho, Vice-Presidente, assumiu a Presidência da República com o suicídio de Getúlio Vargas.

Pouco tempo depois, mandou chamar seu grande amigo Rubem Braga ao seu Gabinete, dizendo que estava precisando dele.

Surpreso, o grande cronista chegou ao gabinete de Café Filho e disse:

– Café, você só pode estar louco, ao dizer que está precisando de mim. Está havendo um engano. Quem precisa de você sou eu. Você virou Presidente da República, está bem empregado e com sua vida arrumada. Quanto a mim, estou duro, desempregado e precisando trabalhar. Quero um emprego qualquer. Não escolho serviço.

Um mês depois, Rubem Braga embarcou para o Chile, como Adido Cultural do Brasil. Foi lá que escreveu algumas das suas melhores crônicas.

Na mesma época, chegou ao Gabinete de Café Filho, sem marcar “audiência”, diretamente de Natal, seu amigo de infância e colega de turma na escola primária, José Antônio Areias Filho, o popular Zé Areia (1900-1972). No tempo da Guerra, trabalhou como barbeiro no Campo de Parnamirim. Ex-Rei Momo e um dos maiores boêmios de Natal, Zé Areia era dono de uma inteligência notável, grande senso de humor e muito querido.

De pouco estudo, barbeiro, vendedor, biscateiro e, principalmente, humorista nato, Zé Areia tinha resposta pra tudo e uma língua afiada. Era um boêmio, querido pelos amigos, sem cerimônia de incomodá-los e até de lhes aplicar pequenos golpes, considerados hilários, verdadeiros pecados veniais. Essas pequenas tramoias não chegavam a afastá-lo dos amigos “selecionados”, como ele dizia. Uma das suas constantes vítimas foi o saudoso Deputado Djalma Marinho, escolhido por Zé Areia para seu permanente fiador, nas locações de casas para morar.

Certa vez, Zé Areia procurou o dono de uma casa na Praia do Meio, que estava para alugar. O proprietário foi taxativo, dizendo:

– Só alugo com fiador.

Zé Areia procurou o deputado Djalma Marinho, seu amigo do peito, e pediu-lhe uma carta de fiança, sendo rapidamente atendido.

Transcorridos noventa dias, Zé Areia não pagou um só centavo do aluguel e o proprietário procurou Djalma Marinho, o fiador, para que lhe pagasse a dívida. No dia seguinte, Djalma mandou chamar Zé Areia e reclamou, ressentido:

– Mas Zé, de novo?!!! O dono da casa que você alugou me telefonou cobrando os três meses de aluguel que você não pagou!!! Como seu fiador, vi-me obrigado a pagar…

E Zé Areia, cínico, com fingida indignação, respondeu:

– Deputado, tenha paciência! Pra que é que serve fiador? Ainda bem que o senhor não me deixou passar vergonha!!!Era só o que me faltava! Eu sei selecionar meus fiadores!!!

No tempo da Guerra, trabalhou como barbeiro no Campo de Parnamirim. Ex-Rei Momo e um dos maiores boêmios de Natal, Zé Areia era dono de uma inteligência notável, grande senso de humor e muito querido.

A sua vida confunde-se com a de uma Natal provinciana e as suas tiradas divertiam Natal.

Durante a 2ª Guerra, trabalhou como barbeiro no Campo de Parnamirim. Aplicava golpes nos norte-americanos, vendendo-lhes, por exemplo, corujas por papagaios.

Depois da 2ª Guerra, Zé Areia voltou à sua antiga miséria. Não tinha emprego e vivia de vender qualquer coisa que encontrava.

A chegada do seu amigo Café Filho à Presidência da República representava para ele o fim de sua vida dura, pautada por ele mesmo.

Depois de levar um grande “chá de espera”, Zé Areia adentrou ao gabinete do Presidente Café Filho, externando sua felicidade em vê-lo ocupar o mais alto cargo do País. Depois do grande abraço, aproveitou para lhe cobrar o cumprimento da promessa que lhe fizera, há anos, de lhe arranjar um bom emprego, quando chegasse a ocupar um cargo importante.

Café Filho recebeu Zé Areia sem euforia, mas ratificou a promessa do emprego. Disse-lhe que voltasse no dia seguinte e procurasse José Monteiro de Castro, Chefe da Casa Civil.

A decepção de Zé Areia foi enorme. O emprego era de Seringueiro, na Amazônia.

Indignado, voltou para Natal, mas deixou para o “amigo” Café Filho, um bilhete, onde dizia:

“João, em nossa terra, quem tira leite de pau é buceta….
Assinado: José Areia”

Esse caso entrou para o folclore político do Rio Grande do Norte, e, até hoje, enriquece a memória satírica de Zé Areia.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 31 de outubro de 2020

A FLOR DA LUA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A FLOR DA LUA

Violante Pimentel

 

Margaret Mee nasceu em 1909 em Chesham, no condado de Buckingham, na Inglaterra. Quando jovem, frequentou as principais Escolas de Arte de sua terra natal. Em 1952, com seu segundo marido, o artista gráfico Greville Mee, veio a São Paulo visitar sua irmã. Acabaram ficando no país e, em 1956, Margaret embarcou rumo ao rio Gurupi, em sua primeira expedição amazônica.

No Brasil, foi professora de Arte na Escola Britânica de São Paulo (conhecida como Saint Paul’s School), tornando-se uma especialista em botânica pelo Instituto de Botânica de São Paulo, em 1958. Explorou a floresta tropical, a partir de 1964, pintando as plantas que via e colecionando algumas para posterior ilustração. Criou quatrocentas pranchas de ilustrações em guache, quarenta sketchbooks e quinze diários.

Perseguia o sonho de ver desabrochar a Flor da Lua, um cacto que só existia na Floresta Amazônica. Possuidora de grandes olhos azuis e enorme cabelo louro, dividido em duas tranças, usava laços verdes na cabeça, em homenagem ao verde da floresta. Maquiava os olhos, para realçar ainda mais a sua beleza.

Encantava-se com os espinhos e flores encontrados na Floresta Amazônica e se preocupava com a sua preservação. Como pintora, passava para suas telas toda a beleza das flores e botões que via de perto, nas expedições das quais participava. Sua mala com pincéis, tintas e telas fazia parte da sua bagagem.

No Rio de Janeiro, o casal residiu numa casa de três andares em Santa Tereza, dentro de um enorme jardim, que era uma mini floresta. Lá apareciam cobras e formigas, que ela não permitia que o IBAMA fosse resgatar. Participou de 15 expedições à Floresta Amazônica, pesquisando plantas, protegendo espécies raras, que estavam prestes a ser destruídas pelos indígenas, para no solo cultivarem mandioca ou construírem choças miseráveis para moradia.

Segundo seus relatos, os índios dispunham de retroescavadeiras e machados de pedra, e com facilidade decepavam as árvores, preparando o solo para plantações.

Achava dinheiro uma coisa suja. Escreveu o livro “Flores da Floresta Amazônica” e ofereceu ao Presidente Geisel, pedindo para que ele o lesse, alertando-o para a importância da Floresta Amazônica e rogando pela sua preservação.

Margaret foi considerada uma das maiores ilustradoras botânicas do século 20. Em 15 viagens à Amazônia, produziu cerca de 400 pinturas da flora tropical, como orquídeas, bromélias, helicônias, entre outras plantas. Parte desse material pode ser vista no seu livro “Flores da Floresta Amazônica”, que inclui ainda trechos de seus diários.

Um trecho de seu diário revela a admiração com que observava a natureza: “Entramos na floresta sozinhas, seduzidas por um campo de plantas maravilhosas: pontas brilhantes e vermelhas de Heliconia glauca […] e a bela orquídea Gongora maculata, com sua longa inflorescência e seu poderoso perfume aromático, equivalente a centenas de lírios.”

Margareth observava o desabrochar das flores na floresta, dormindo em redes armadas entre as árvores, e chegou a ser hóspede de tribos indígenas.

Certa vez, o Cacique de uma tribo, de quem ela chegou a ser hóspede, pediu-lhe de presente as suas duas enormes tranças, das quais ela se orgulhava. Assustada, Margareth respondeu que se ela cortasse as tranças, o marido a deixaria. O índio ficou pensativo e desistiu do pedido.
Expunha seus quadros no BOX de Londres.

Apaixonada pela Floresta Amazônica, em maio de 1988, já aos 79 anos, Margaret Mee participou da sua última expedição, a 15ª. Finalmente, alcançou o seu ideal de pintar a Flor-da-Lua. Depois de horas navegando entre arbustos espinhentos e ásperos em uma canoa, quase ao fim do dia ela atingiu o remoto local onde a flor a esperava – e ilustrou as primeiras imagens dela no hábitat.

Margareth Mee morreu na Inglaterra, em 30.11.1988, vítima de um acidente automobilístico. Em sua honra, foi fundada a “Margaret Mee Amazon Trust”, organização para educação, pesquisa e conservação da flora amazonense, promovendo intercâmbio para estudantes de botânica e ilustradores de plantas brasileiros, que desejam estudar no Reino Unido ou conduzir pesquisa de campo no Brasil.

No carnaval de 1994, no Rio de Janeiro, a famosa ilustradora botânica e pintora foi homenageada pela Escola de Samba “Beija-Flor de Nilópolis”, cujo enredo foi “Margareth Mee, a Dama das Bromélias” assinado pelo então Carnavalesco Milton Cunha.

“Margaret era uma ecologista quando esse termo ainda nem existia e defender a natureza não estava na moda”, conta Gilberto Castro, velho amigo e proprietário do barco usado em algumas de suas incursões pela Amazônia.

Um ano depois da morte de Margaret Mee, seu marido Greville Mee foi ao Amazonas, cumprir o último desejo da mulher: lançar suas cinzas sobre as águas escuras do rio Negro.

Por onde passava o barco, que conduzia o cortejo fúnebre, a vegetação acompanhava, e ia se fechando, formando um imenso tapete de folhas e pétalas, como se Margareth estivesse assistindo a tudo, o que provocou em todos uma grande emoção.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 24 de outubro de 2020

DINARTE MARIZ - POLÍTICA HILÁRIA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

POLÍTICA HILÁRIA

Dinarte de Medeiros Mariz (Serra Negra do Norte-RN – 23.08.1903 – Brasília – DF – 09.07-1984) era filho de Manoel Mariz Filho e Maria Cândida de Medeiros Mariz.

Foi governador do Rio Grande do Norte de 1956 a 1961, e Senador da República de 1955-1956 e de 1963-1984.

Apesar do pouco estudo, era dono de uma visão política extraordinária e de uma inteligência fabulosa.

Era uma excelente pessoa humana. Tinha resposta para tudo e queria agradar a todos.

Influenciou a política local por mais de meio século.

Durante o seu governo, foi criada a UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE DO NORTE.

No folclore político do Rio Grande do Norte, há casos hilários envolvendo o seu nome, que merecem registro.

Tenente Ananias é um município do interior do Rio Grande do Norte. Situa-se na região do Alto Oeste Potiguar, a uma distância de 413 quilômetros de Natal, capital do Estado. Tenente Ananias foi emancipado de Alexandria na década de 1960. O nome do município é uma referência a Ananias Gomes da Silveira (1863-1950), que foi combatente e tenente das forças-armadas do Brasil.

Vista da cidade de Tenente Ananias-RN

Quando Dinarte Mariz assumiu o cargo de governador do Rio Grande do Norte, os prefeitos do interior começaram as visitas e reivindicações de melhorias para os seus respectivos municípios.

O prefeito do município de Tenente Ananias era um deles. Deu várias viagens a Natal para falar com o governador, mas sempre havia um imprevisto e Dinarte Mariz nunca estava no Palácio, quando ele chegava.

Certa vez, o chefe de gabinete pediu ao governador que resolvesse logo o problema de Tenente Ananias. Dinarte Mariz respondeu:

– Quer saber de uma coisa? Mande redigir logo a portaria promovendo esse homem! Quero que saia amanhã no Diário Oficial!

Aperreado, o chefe de gabinete disse:

– Governador, Tenente Ananias é um município do Rio Grande do Norte! O prefeito de lá quer conversar com o senhor!

Um cabo eleitoral, fazendeiro rico, tinha um vaqueiro muito fiel, apesar de abobalhado, que sonhava em ser sargento da polícia. Quando Dinarte assumiu o governo, “cumpriu” a promessa, dando ao vaqueiro do amigo uma farda de sargento, que passou a ser usada diariamente, só dentro da fazenda.

Ao assumir o governo do Rio Grande do Norte, Dinarte Mariz recebeu a visita de um compadre do interior, fazendeiro e dono de um “curral eleitoral” acompanhado do seu afilhado. O homem lhe cobrou o cumprimento da promessa que lhe fizera de arranjar um emprego muito bom para o rapaz.

Dinarte chamou o chefe de gabinete e perguntou qual era o melhor emprego do Estado. A resposta foi que o melhor emprego do Estado, cargo em comissão, era o de Consultor Jurídico. O governador mandou que fosse preparado o ato de nomeação do filho do seu amigo para o referido cargo. Pouco depois o chefe de gabinete voltou e disse ao governador que não poderia redigir o ato de nomeação do rapaz, porque ele não era bacharel em direito, como a lei exigia. O rapaz só sabia ler e escrever.

Resposta do governador:

– Redija dois atos de nomeação: um para ele ser bacharel em direito e o outro para que seja Consultor Geral do Estado.

O chefe de gabinete disse que isso era ilegal e se recusou a redigir os atos. E foi exonerado na hora.

Uma comadre do Governador Dinarte Mariz foi nomeada para o magistério, com mais de 70 anos. O Governador foi alertado para a nulidade do ato, e a professora foi aposentada, compulsoriamente, no dia seguinte.

Esses causos, ainda hoje, correm de boca em boca.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 17 de outubro de 2020

A SOBRA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A SOGRA

Esta é a estranha história de Jacques Besson, condenado à pena de morte, pela prática de homicídio contra um ex-patrão.

Em 1836, o conde de Chamblas, dono do castelo e do domínio homônimo, localizado perto de Saint-Étienne-Lardeyrol, morreu um ano depois de sua filha ter se casado com M. de Marcellange, um jovem nobre Bourbonnais (natural de uma província histórica central da França, que corresponde ao atual departamento de Cher. Esta área destaca-se pela riqueza literária, sendo berço de autores célebres).

Pouco antes de sua morte, o conde, que apreciava muito seu genro, cedeu-lhe a propriedade e sua administração.

M. Marcellange, dono de um grande coração, decidiu, então, repatriar sua sogra, Marguerite de Chamblas, que havia sido expulsa da propriedade pelo marido, em consequência de repetidos adultérios. A condessa, dotada de uma bela renda, pôde, então, continuar sua vida mundana e amorosa em paz.

Voltando à antiga propriedade, a condessa/mãe viu aí a oportunidade de recuperar o domínio anterior, já que não demorou a colocar a filha contra o genro, tentando convencê-la de que ele não combinava com ela, pois não era de sangue nobre.

Com efeito, M. de Marcellange, que amava a vida camponesa, se envolveu de corpo e alma no campo, colocando a “mão na massa”, chegando, habitualmente, a jantar com seus empregados e rezar a oração da noite junto com eles.

Sua sogra acabou convencendo a filha Theodora a se juntar a ela, em sua mansão particular de La Roche-Négly, na cidade de Puy. As duas foram passar uma temporada na referida mansão, enquanto o marido de Theodora lutava para pagar suas despesas, com a única renda fornecida pela propriedade Chamblas.

Da sua mansão, a velha condessa continuou a assediar o genro, maculando sua reputação e suas habilidades gerenciais e aumentando o número de processos judiciais para usurpação do seu título de nobreza.

Marcellange também teria sido vítima de uma tentativa de envenenamento, durante uma visita à esposa e à sogra.

A sogra infernizou tanto a vida de Marcellange, que ele desistiu de tudo e se preparou para retornar à sua propriedade em Bordons, Allier, sua terra natal. O caso poderia ter terminado aí.

Mas, na véspera da sua partida, em 1 de setembro de 1840, por volta das 8 e meia da noite, cumprindo um piedoso e antigo hábito, Marcellange acabava de rezar com os criados a oração da noite, quando foram ouvidas várias detonações e as vidraças voaram em estilhaços.

Marcellange foi morto instantaneamente, caindo sobre as cinzas da lareira.

A investigação que se iniciou reuniu vários testemunhos: um homem teria sido visto atravessando um campo, rifle na mão, vindo de Le Puy em direção ao castelo.

Entretanto, todos os olhos estavam voltados para o Hôtel de La Roche-Négly, onde as duas condessas estavam hospedadas e, em particular, para Jacques Besson, um ex-empregado da vítima, que havia sido excluído da administração da propriedade.

Passaram-se vários meses, sem que fossem descobertos os possíveis assassinos ou mandantes do crime. Os sussurros eram grandes, em torno da autoria. Porém, ninguém se atrevia a indicar os suspeitos. Parecia que a cidade estava diante do crime perfeito, o que, na realidade, não acontecia.

Na verdade, as mandantes estavam muito perto. Mas, eram consideradas acima de qualquer suspeita, Muitos indivíduos foram presos para averiguações, mas logo foram postos em liberdade, por insuficiência de provas.

Mais de quinhentas testemunhas foram inquiridas. Mas ninguém ousava falar, ninguém ousava repetir em voz alta as estranhas suspeitas que se contavam em voz baixa, e corriam de boca em boca, na região aterrorizada:

“Mme. de Chamblas teria mandado assassinar o marido por um dos seus ex-empregados, de nome Jacques Besson.” Mas nenhuma das duas senhoras de Chamblas (sogra ou esposa da vítima) foi apontada como suspeita do crime.

Depois de dezenove meses de uma instrução minuciosa, a Justiça seguiu seu curso, mandando prender Jacques Besson. Com base em depoimentos formais, o réu foi condenado à morte, pelo Tribunal do Júri de Loire, sem responder se era culpado ou inocente. Mas a sentença foi anulada, por vício de forma e o processo teve novo andamento pelo foro de Rhône.

Antes da audiência de julgamento, as senhoras de Chamblas, que a justiça cometera a fraqueza de não apontar como cúmplices, sumiram da cidade, como quem fugia do perigo do réu abrir a boca e confessar que fora usado por elas para executar o crime.

Maitre Rouher defendera Jaques Besson, perante o Tribunal do Júri de Loire, no primeiro julgamento.

No novo Júri, em Rhône, Maitre Lachaud foi seu defensor. As paixões estavam tão acirradas, os ódios tão violentos, que Lachaud, ao sair da sessão, precisou ser protegido por soldados, contra a hostilidade da multidão.

Jacques Besson foi, novamente, condenado à morte. Caminhou para o cadafalso sem tremer, recusando-se a entregar à justiça o segredo desse terrível drama.

Quando interrogado sobre a autoria do crime, a resposta era sempre a mesma:

“Para que serviria eu falar? Nunca fui ninguém. “ – dizia aos magistrados que o cobriam com perguntas. –“ Isso não me salvaria e seria envolver muitas outras pessoas no negócio.”

O condenado foi para o cadafalso, preferindo guardar fidelidade sobre as mandantes do crime. Essa atitude do réu contrariou Lachaud, que tinha certeza de que o crime fora praticado por encomenda.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 10 de outubro de 2020

MINHA DOCE COSTUREIRA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

MINHA DOCE COSTUREIRA

Órfã de mãe aos 4 anos de idade, com 5 irmãos, Lia foi criada pelo pai e pela madrasta.

Como estavam em crescimento, as crianças eram contempladas com roupas grandes e folgadas, para não ficarem logo perdidas, como dizia a madrasta.

Quando os dois irmãos mais velhos atingiram a idade para o serviço militar, foram cursar a Escola Naval, no Rio de Janeiro, por iniciativa do pai.

 

Engajados na Marinha de Guerra, Luiz, o primogênito, ao receber seu primeiro soldo, passou a enviar uma mesada para as quatro irmãs, em Natal.

Lia já estava com 13 anos. Avisou à madrasta, que, com a sua parte, queria comprar um corte de tecido para costurar um vestido, ela mesma. A madrasta foi contra, dizendo que a enteada não sabia costurar, o que era verdade. Lia insistiu e comprou o tecido para fazer sua roupa nova.

Pegou um dos seus vestidos enormes, que a madrasta mandava costurar, desmanchou, recortou e usou como molde sobre o tecido comprado. Diminuiu o tamanho do novo vestido e aprimorou, conforme o impulso do talento que lhe aflorava.

Para surpresa da madrasta e das irmãs, o vestido ficou bonito e na medida certa, sendo considerado formidável. Daí em diante, Lia tornou-se sua própria costureira e das suas irmãs. As auxiliares domésticas, com o tempo, tornaram-se suas freguesas.

Lia tornou-se uma grande costureira. Vivia entre linhas e retalhos, numa antiga máquina “Singer”, movida a pedal, alinhavando sonhos e costurando verdadeiros mimos. Naquela época, as costuras de mão, como chuleados, bainhas, casas, colocação de botões, colchetes e pressões eram um trabalho à parte. Máquina a motor, com “ponto de ouro” não havia nem em sonho.

Mesa, fita métrica, tesoura, alfinetes, agulhas e linhas faziam parte do universo de trabalho de Lia. E a máquina de costura, locomotiva dos seus sonhos, era sua maior amiga.

Lia tinha uma Caderneta de Anotações, onde registrava as medidas das suas freguesas: Larguras do busto, cintura, quadris, comprimento da saia, largura e altura do braço e punho, eram as medidas básicas.

Sempre costurava cantarolando modinhas, mas, às vezes, era surpreendida calada e pensativa.

Com pouco mais de 20 anos, Lia conheceu um primo da madrasta, comerciante e residente em Nova-Cruz, no agreste potiguar, surgindo entre os dois um amor à primeira vista. O rapaz, poucos dias depois, a pediu em casamento. Lia aceitou e se preparou para casar e ir morar em Nova-Cruz, onde o progresso passava muito longe. A cidade não tinha energia elétrica nem água encanada. Os esgotos eram a céu aberto.

Uma única exigência, Lia fez ao futuro marido: O bangalô que ele mandara construir em Nova-Cruz, onde fixariam residência, teria que ter um aparelho sanitário de louça. Nessa época (1940), isso era luxo. O que se usava nas casas do interior era “sentina” (vaso sanitário rústico, feito de barro, com apoio para os pés, onde o usuário ficava de cócoras).

Em nome do amor, Lia enfrentou a mudança de vida, da capital para o interior, trocando o conforto pelo desconforto.

Concluída a casa e celebrado o casamento, Lia começou vida nova, vendo realizado seu sonho de se casar por amor e poder constituir uma família. O casal gerou uma prole que seria de seis filhos, se o 5º, de nome Galdino, não se tivesse encantado aos sete meses de vida.

Com o casamento, a costureira deu lugar à dona de casa, esposa e mãe. Passou a costurar somente para a família, nas horas vagas.

Lia e todos os irmãos sabiam falar Inglês, pois aprenderam com o Pai poliglota, Celestino Pimentel, Professor Catedrático da língua Inglesa.

Anos depois, em Nova-Cruz, aceitou o convite para ensinar Inglês, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, da Congregação Franciscana. Nesse tempo, não havia concurso, nem maiores exigências para o exercício do magistério.

Lia também ajudava ao marido na sua venda, diariamente, na parte da tarde, e onde ele dava tempo integral.

Sempre foi uma mulher atuante. Participava de todos os eventos sociais e religiosos da cidade, inclusive das festinhas do Colégio Nossa Senhora do Carmo, onde costumava recitar ou fazer saudações nas datas comemorativas, como o Dia das Mães.

Muito carismática e dona de uma educação requintada, Lia conquistou Nova-Cruz e elegeu essa terra abençoada, também, como sua terra natal.

Nunca foi candidata a cargo eletivo, mas vivia tentando “armar quebra-cabeças”, para ajudar as pessoas mais necessitadas.

Anos depois, já na maturidade, chegou a receber o título de Cidadã Nova-Cruzense, outorgado pela Câmara Municipal.

Francisco e Lia viveram um amor único e definitivo, vibrando com o sucesso dos filhos e sofrendo com eles, quando alguma coisa os fazia sofrer.

E com o cuidado de quem costurava uma colcha de retalhos, Lia estampou nessa maravilhosa peça o seu sonho realizado: um lar cheio de amor, ornamentado pelos filhos, aos quais ela e Francisco ensinaram os princípios morais para consolidação do caráter, e as virtudes da caridade, generosidade, lealdade e da gratidão, as quais formam o caminho da felicidade, muito mais do que bens materiais.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 03 de outubro de 2020

AS ANDANÇAS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS ANDANÇAS

Dona Maroca, a maior fofoqueira da “rua de baixo”, de tanto falar mal das filhas dos outros, pagou a língua, com o troco que lhe foi dado pelas suas duas filhas, Zefinha e Biloca, de 17 e 18 anos. Para ela, entre suas andanças e “paranças”, falando mal e reparando a vida dos outros, aquilo era uma afronta! Era o cúmulo dos cúmulos. Uma agressão incomensurável das duas filhas contra a santa e extremada mãe, que o que tinha de conservadora, tinha de linguaruda. A mulher anotava numa caderneta, as datas de casamento das filhas das amigas, para conferir se tinham casado grávidas.

 

Eis o crime das duas jovens: As duas filhas saíram para um “assustado” na casa de uma amiga, e só chegaram em casa às 7 horas da manhã, em um “baby” (antigo Buggy bugre baby), alegres e embriagadas. O dono do “baby” mal esperou que elas descessem do carro e arrancou em disparada, fazendo “cavalo de pau.”

Dona Maroca deu um escândalo com as filhas, chegando até a dar-lhes uns “safanões.” As duas protestaram, dizendo que o rapaz que tinha vindo deixá-las era um amigo da turma e que a festa tinha rolado até de manhã.

Indignada, Dona Maroca passou o dia resmungando e, vez por outra, insultava as filhas:

– Esse rapaz que veio deixar vocês é capado? Os outros que estavam na tal festa, também são capados???

Zefinha e Biloca, combinaram de deixar a mãe falar até se cansar. Passaram a dar calado por resposta.

Quando a onda baixou, as duas jovens se recolheram ao quarto, com sono e cansadas do “farrão” que tinham feito, na companhia dos amigos e amigas.

Horas depois, Dona Maroca flagrou uma das filhas, com voz doce ao telefone, dizendo:

– Pois é. A velha está intolerável! Mas a gente tapeia ela. Às 7 horas, estaremos lá.

Dona Maroca detestou ser chamada de “velha”. Bruscamente, tomou o telefone de Biloca. Em socorro à irmã, Zefinha apareceu e interrompeu a briga. Foi o começo da tormenta.

A “velha” vociferava, que o comportamento das duas era uma vergonha. Dizia que elas eram duas pestes e que preferia que tivessem nascido mortas.

– Maldita hora que o pai de vocês arribou com outra e deixou vocês comigo! -gritou.

Zefinha encarou a mãe:

– A senhora pensa que eu estou disposta a viver ouvindo desaforos? A Senhora precisa deixar de ser dominadora. Nós já somos adultas!

A mulher avançou para as duas filhas respondonas, enchendo-as de tapas e empurrões.

As duas jovens correram para a rua, enxotadas pela mãe:

– Fora, todas duas! – disse a mulher, sentindo-se desacatada.

Descontrolada, a mãe passou a proferir impropérios:

– Vão dar o que quiserem dar, mas, bem longe daqui! Não ponham mais os pés nesta casa!

As jovens deixaram a casa, que também era delas, sob a intensa fuzilaria da ira maternal, levando cada uma sua valise, com alguns apetrechos. Foram empurradas até a porta da rua, sob os olhares de vizinhos, que sem escrúpulos, a tudo assistiam “de camarote”. Tremiam e choravam, envergonhadas com a humilhação que a própria mãe lhes impusera. Na porta da rua, a mãe fez um verdadeiro comício contra filhos, dizendo que “filho é miséria! Filho é a peste bubônica!!!”

A vizinhança, ao final, se revoltou. Nenhuma mãe tem o direito de dizer essas coisas com os filhos. E essa mãe desnaturada expôs as duas filhas “às feras”, quando se sabe que até os animais defendem suas crias.

A mulher conseguiu destruir a autoestima das duas jovens, que, sem saber que rumo tomar, terminaram na casa de uma amiga, montadas numa máquina de costura, confeccionando roupas para fora, e ganhando dinheiro. Gastando o mínimo possível, e juntando dinheiro num cofrinho, com o tempo, conseguiram alugar uma casinha. Continuaram costurando e ganhando dinheiro para o próprio sustento. Tornaram-se conhecidas na cidade e superaram a mágoa que guardavam da mãe.

Perdoar é mais sublime do que doar. A doação, quase sempre, é material. Mas o perdão é a voz do coração, que chora de pena, da pessoa que teve a infelicidade de cometer um ato injusto, passando a amargar a dor do arrependimento e do remorso.

Quando a índole é boa, seja qual for a dificuldade enfrentada, a corrupção e a prostituição jamais encontrarão abrigo.

As duas filhas perdoaram a Mãe e nunca deixaram de ajudá-la, quando ela precisou.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 26 de setembro de 2020

LACHAUD (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LACHAUD

Charles Alexandre Lachaud, célebre criminalista francês, nasceu em Treignac, no departamento de Corrèze, a 25 de fevereiro de 1818. Estudou no liceu de Balzas e em 1836 viajou para Paris, a fim de fazer os seus estudos de Direito. Depois, voltou para a sua terra e abriu banca de advocacia em Tulle.

Certo dia, inesperadamente, um grande processo-crime veio tirar Lachaud da obscuridade, e jogá-lo na glória e na fama.

Pois bem. Nos primeiros dias de janeiro de 1840, Madame Lafarge (em solteira, Marie Capelle), era presa na sua quinta do Glandier, perto de Tulle, onde seu marido, proprietário de fundição, acabava de falecer.

Filha de um antigo coronel do Império e aparentada com as mais ilustres famílias da época, a jovem era odiada pela sogra, que a perseguiu até a sua morte, e, com ódio feroz, acusava-a de ter envenenado o marido com arsênico e de ter furtado diamantes de uma de suas amigas.

Essa dupla e terrível acusação, dirigida contra uma dama da alta sociedade, jovem, bela, distinta e inteligente, teve uma grande repercussão. O caso, rapidamente, tornou-se um processo célebre.

Madame Lafarge (ou Marie Capelle) já ouvira Lachaud, num processo criminal, perante o júri de Corrèze. Ainda não o conhecia, mas, a partir de então, foi seduzida pela sua eloquência, a tal ponto de prometer a si mesma a ele recorrer, se algum dia precisasse de um advogado. Nessa época, Lachaud tinha pouco mais de 22 anos.

Logo depois de presa, Madame Lafarge escreveu a Lachaud, rogando-lhe que assumisse a sua defesa, pois era testemunha do seu talento admirável. Tinha-o ouvido num processo criminal, perante um Júri em Corréze e ele a fizera chorar. Nessa ocasião, dizia ela, vivia feliz e risonha. Hoje, estava triste e sempre chorando. Terminava a carta, pedindo-lhe que restituísse o seu sorriso, fazendo brilhar a sua inocência aos olhos de todos. E assinava: “Marie Capelle” (seu nome de solteira).

Entretanto, a família de Madame Lafarge já tinha escolhido como seu defensor, outro importante advogado, Maitre Paillet, da Ordem dos Advogados em Paris. Mesmo assim, a acusada não quis abandonar o advogado que escolhera e exigiu que o seu jovem defensor auxiliasse o seu ilustre colega.

A partir de então, o nome de Lachaud ficou associado ao “processo Lafarge”, embora ele só estivesse atuando na parte referente ao furto das joias.

E Lachaud defendeu Madame Lafarge dessa acusação, com todo o seu coração e todo o seu talento.

Ele também era jovem, cheio de ardor e dedicação, possuía tesouros de talento e de eloquência em reserva, e queria gastá-los. E, assim, consagrou-se inteiramente à defesa dessa jovem de 24 anos, cujo fascínio e beleza seduziam a quantos a cercavam.

Apesar do talento e esforços de Lachaud, auxiliando a defesa feita pelo advogado Maitre Paillet, contratado pela família da acusada, Madame Lafarge foi declarada culpada e condenada a trabalhos forçados, pelo resto da vida.

Após a condenação, Madame Lafarge não se desacreditou. Conservou os seus partidários e os seus defensores.

Na prisão de Tulle, recebia mais de 6.000 cartas por ano: cartas de dó, ofertas de auxílios pecuniários e, sobretudo, declarações de amor ou pedidos de casamento, feitas por ingleses ricos ou americanos excêntricos.

Durante o seu cativeiro, escreveu um livro intitulado “Horas de Prisão”, que, segundo os historiadores, contém belíssimas páginas.

Em 1852, finalmente, escreveu ao príncipe Luiz-Napoleão, presidente da República, não para lhe pedir graça, mas justiça. Na carta, dizia que era inocente e que há doze anos se desesperava diante da justiça dos homens. Mas, agora apelava para ele, o Príncipe, que representava a justiça divina na face da terra. Dizia não estar implorando a liberdade da ventura, mas recorrendo ao meio de oferecer a Deus o triunfo do seu direito. Invocava também a figura do seu falecido pai, que se vivo fosse, só encontraria um nome bastante grande para transformar um ato de clemência num ato de justiça. E esse nome era o dele, o Príncipe Luiz-Napoleão. E finalizava a carta, rogando-lhe Graças pela memória e pela honra do seu pai, que o conhecia, e Justiça para ambos.

Napoleão concedeu a graça implorada e Madame Lafarge voltou ao seu casarão de Glandier, que ficara deserto durante mais de doze anos.

Na prisão, alimentara ingênuas ilusões de que, ao sair de lá, seria recebida com flores em sua aldeia e que em sua homenagem o povo faria uma recepção triunfal.

Para sua decepção, nada disso aconteceu. Os habitantes de Glandier receberam-na muito mal, e quando ela passeava pela aldeia, ouvia o povo murmurar, à sua passagem, as palavras: “Ladra! Envenenadora!”

Madame Lafarge não gozou longamente de sua liberdade e faleceu algum tempo depois de sua saída da prisão. No seu leito de morte, reuniu os amigos fieis e, diante do sacerdote, fez essa declaração suprema: “”Vou comparecer perante Deus para ser julgada. Diante dele, protestarei a minha inocência!”

Faleceu em 1853 e, durante vários anos, Lachaud nunca deixou de cuidar do seu túmulo, com um piedoso respeito e nele sempre mandava depositar flores.

O célebre criminalista sempre julgou Madame Lafarge inocente, antes, como depois de sua condenação. Sua convicção sobre isso era inabalável. Considerava-a uma vítima da tirania diabólica da sogra. Para ele, ela fora esmagada por uma fatalidade, mais cruel do que todas as sombrias fatalidades que pudessem existir. Dizia que essa mulher era dona de um coração prodigioso, que o compreendeu, num momento em que ele ainda estava se encontrando. E que depois da condenação, ela chegou a lhe dizer: “Meu amigo, sinto-me bem feliz, por minha desgraça ter favorecido o seu destino!”

Em 1844, depois de inúmeros triunfos, Lachaud se mudou para Paris, e ainda que chegasse precedido de sólida reputação, os seus começos foram penosos, entre o numeroso corpo de advogados que ali atuavam.

Pouco tempo depois, casou-se com a filha do acadêmico Ancelot, que acabava de se arruinar numa desastrosa exploração do teatro de vaudeville. Lachaud reuniu todos os credores de seu sogro, responsabilizou-se por todas as dívidas deste e saldou-as integralmente. Esse foi um dos muitos gestos que marcaram a generosidade delicada e inesgotável de Lachaud.

O grande criminalista não tardou a conquistar, entre os advogados de Paris, o lugar que lhe cabia. Advogou, principalmente, perante o Tribunal do júri. Era para lá que tendiam a sua natureza e o seu talento.

Lachaud morreu em 9 de dezembro de 1882. Ao sentir que estava no fim, pediu para ser transportado para o seu escritório, à rua Bonaparte, onde tantas misérias tinham vindo procurar consolo, e onde tantas confidências dolorosas lhe haviam sido feitas.

Morreu com os olhos fitos num quadro, representando uma mulher jovem, de uma beleza grave e melancólica, de longos cabelos anelados e grandes olhos negros. Era o retrato daquela, a quem ele devotara um culto apaixonado, cuja defesa fora a ideia fixa de sua vida. Era o retrato de Madame Lafarge (ou Marie Capelle), protagonista do crime que o tornou famoso.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 19 de setembro de 2020

A BACIA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

A BACIA

Agenor Maria foi marinheiro tatuado. Estava no navio “Vital de Oliveira, torpedeado em águas da Bahia, durante a 2ª guerra. Salvou-se por milagre, pois 30% dos seus colegas morreram. Comboiou, no destróier “Maranhão” (contratorpedeiro), os navios brasileiros que faziam a rota Rio-África durante todo o ano de 1944 e, em 1945 voltou para São Vicente, no Seridó (RN), sua terra natal.

Agricultor, candidatou-se e foi eleito vereador pelo PSD (1954-1958).

Fundou a Cooperativa dos Produtores de Algodão do Rio Grande do Norte em 1960, quando já estava entrosado na política.

Foi eleito deputado estadual em 1962, pelo PDC (Partido Democrata Cristão) e, após a extinção dos partidos políticos, foi candidato, em 1966, a deputado federal, pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), obtendo 13.045 votos e ficando como suplente. Quando Aluízio Alves pediu licença, Agenor Maria assumiu.

Na crise de dezembro de 1968, o Congresso foi fechado. Tudo cercado de soldados, Agenor Maria, saindo do “corredor polonês”, olhou para trás, viu as duas conchas do edifício do Congresso, desenhadas no horizonte imenso de Brasília, e fez uma jura:

– SÓ VOLTO AQUI, SE FOR PARA A OUTRA BACIA.

A maior ascensão da carreira política de Agenor Maria aconteceu em 1974, quando, com o apoio de Aluízio Alves (Angicos-RN), extraordinária força política do MDB no Rio Grande do Norte, elegeu-se Senador da República (1975-1983).

Em 1974, uma hora da manhã, na boleia do seu caminhão, levando mercadorias de João Pessoa para Currais Novos, quando passava pelo posto de Parnamirim (RN), um portador o aguardava com uma carta do deputado Henrique Eduardo Alves, chamando-o a Natal no dia seguinte, para uma reunião.

O assunto tratado nessa reunião foi quase uma intimação, para que ele fosse candidato a senador pela Oposição. Agenor Maria aceitou e foi eleito.

No dia da posse, no Senado, em Brasília, o nordestino vitorioso, ex-marinheiro tatuado e agricultor, que trabalhava honestamente transportando mercadorias no seu caminhão, por ele mesmo dirigido, olhou de longe o edifício do Congresso, viu as duas conchas de Oscar Niemeyer desenhadas no horizonte azul e lembrou-se do juramento feito seis anos atrás:

– CUMPRI MINHA JURA! VOLTEI MESMO PARA A OUTRA BACIA, A BACIA EMBORCADA!

A oposição venceu dezesseis das vinte e duas disputas para o Senado, quando Agenor Maria foi escolhido para representar os potiguares na Câmara Alta do país, até ser eleito deputado federal pelo PMDB, em 1982.

Agenor Maria era considerado uma das grandes forças políticas do Seridó, e do Rio Grande do Norte no Congresso Nacional. Durante o período em que esteve, tanto no Senado, como na Câmara, defendeu a agricultura e os trabalhadores, sempre mostrando-se preocupado com a situação econômica, pela qual o Brasil estava passando, e ainda com a situação de outras áreas importantes.

Agenor Nunes de Maria, natural do Rio Grande do Norte, filho de Antônio Inácio de Maria e Júlia Nunes de Maria, nasceu em São Vicente (RN), em 16.08.1924 e faleceu em Natal (RN), em 14.06.1997.

Um homem íntegro, simples, agricultor, e com grande vocação política. Sua atuação engrandeceu a história política do Rio Grande do Norte. Se vivo fosse, hoje estaria entre os “fichas-limpas” do Brasil. Vereador, deputado estadual, deputado federal e senador(1075-1983) pelo Rio Grande do Norte, esse homem “do povo” não se deixou corromper pela volúpia do poder.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 12 de setembro de 2020

A VILÃ (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

A VILÃ

Maria Linhares, 69 anos, mulata, alta e um pouco gorda, era dona de uma vila de quartos de aluguel, no bairro da Ribeira, em Natal, década de 70 do século passado.

Muito moralista, com voz firme e forte, tinha suas regras. Alugava quartos somente a casais sem filhos. Às 22 horas, fechava o portão de ferro do “condomínio”, com um cadeado e ninguém mais entrava, salvo se arrodeasse e pulasse o muro.

De acordo com o seu regulamento, era proibido se tomar banho nos quartos, pois na vila só havia um pequeno banheiro coletivo, onde se levava água em um balde. Ali também havia um aparelho sanitário, feito de tijolos e coberto por uma tábua, onde circulavam baratas por dentro e por fora. Nos quartos, sempre apareciam escorpiões, prontos para atacar. Era um ambiente muito pobre e insalubre.

De pouca conversa, Maria Linhares vivia pensativa e triste, com os olhos fixos no nada, em que o destino a transformou. Quem a conhecesse nessa altura da vida, não poderia imaginar o passado criminoso que ela escondia.

Pois bem. Na mocidade, essa mulata bonita, descendente de angolanos, fora empregada doméstica e protagonista de amores e tragédias. Apaixonou-se por Daniel, o filho do seu patrão e os dois viveram uma aventura amorosa clandestina, que, somente para ela, foi um amor fatal. Meses depois, chegou-lhe aos ouvidos a notícia de que o rapaz estava noivo de uma jovem de nome Arlete, e o casamento já estava marcado.

Desesperada, a mulher passou a odiar a jovem Arlete e a paixão que sentia por Daniel tornou-se uma obsessão, mesmo o rapaz tendo posto um ponto final no caso.

Como cozinheira da casa dos pais de Daniel, Maria Linhares também foi encarregada de cuidar da casa nova, já mobiliada, onde ele e Arlete iriam morar depois de casados.

Arlete trabalhava numa loja do futuro sogro, na Rua Dr. Barata, no Bairro da Ribeira. Morava com os pais, irmãs e a tia Otília, jovem e solteira, sua amiga e confidente, no bairro da Cidade Alta. Levava uma vida tranquila e feliz, com o casamento já próximo.

Fingindo querer agradar, Maria Linhares sugeriu a Arlete que fosse até a casa nova, para ver a mobília comprada por Daniel e dar sua opinião sobre a arrumação.

Muito ingênua, a jovem prometeu que logo iria.até lá. Não imaginava que a empregada fosse apaixonada por seu noivo e já tivesse havido um caso entre eles.

A jovem, então, combinou com a tia Otília para, no sábado vindouro, na volta da praia, irem até à sua casa nova, para ver a mobília que Daniel havia comprado.

Na manhã do sábado, 24 de outubro de 1942, Arlete e a tia Otília, depois do banho de mar na Praia do Morcego, hoje Praia do meio, se dirigiram a pé à casa nova, na Av. Getúlio Vargas, esquina com a Rua Joaquim Fabrício, no alto do bairro de Petrópolis.

A empregada as esperava ansiosa, e expressou grande alegria ao vê-las. Arlete resolveu entrar no banheiro, para tomar um banho de água doce, e tirar do corpo o sal da água do mar.

Quando Arlete entrou no banheiro, imediatamente, Maria Linhares chamou Otília para ver a garagem. Lá, as aguardava um homem do tipo lombrosiano (tipo de pessoa com as características físicas definidas por Cesare Lombroso, como sendo as do criminoso nato) e aspecto apavorante. O homem agarrou Otília, enlaçando seu pescoço com um pano e apertando o laço, ajudado pela empregada, e sufocando a jovem, até matá-la por estrangulamento. Com a ajuda de Maria Linhares, o corpo de Otília foi, rapidamente, arrastado e jogado na vala que já estava cavada no fundo do quintal.

Depois de alguns minutos, Arlete saiu do banheiro e chamou pela tia. Maria Linhares respondeu, atraindo-a para a garagem e dizendo que ela e Otília estavam lá. E a jovem dirigiu-se à garagem. Logo à porta, o monstro avançou para ela, que deu um grito de pavor, ouvido pelos vizinhos. Mas, imediatamente, seu grito foi abafado com um pano enlaçado ao seu pescoço, que a sufocou. Novamente, com a ajuda de Maria Linhares, o laço foi apertado até matar Arlete estrangulada, como acontecera com a sua tia Otília.

O cúmplice de Maria Linhares, após o estrangulamento, despojou o cadáver de Arlete das joias que ela estava usando. Tirou-lhe os anéis, o relógio e, do pescoço, tirou um trancelim de ouro.

Era essa a sua paga, pela participação no crime de vingança, arquitetado por Maria Linhares, sua grande amiga.

Em seguida, os dois assassinos deram início à “cerimônia” do enterramento dos cadáveres. Ao pé do muro do quintal, já haviam cavado a areia frouxa do morro, e já estava feita a vala, que supunham ser a última morada das duas jovens, Otília e Arlete. Ao enterrarem o cadáver de Otília, deixaram, também, na cova, os óculos que ela usava.

Lançaram areia sobre os corpos, cobrindo-os completamente, e deixaram o quintal sem qualquer vestígio do enterramento.

A única testemunha desse duplo e bárbaro homicídio foi o cajueiro, de sombras amplas em todo o redor.

Os dois assassinos cuidaram de espalhar folhas do cajueiro sobre a cova. O caso estava consumado.

Depois de terminado o ritual macabro, o cúmplice se retirou, levando consigo as joias que embolsara. E Maria Linhares foi logo cuidar de lavar o chão da garagem e apagar as manchas de sangue que ficaram.

No dia seguinte, domingo, o cúmplice voltou a procurar Maria Linhares, para devolver as joias, pois, em todas estava gravado o nome de Arlete. Não poderiam ser vendidas. Em troca, ele exigiu da mulher um alto valor em dinheiro.

Tudo continuava em segredo, e os dois assassinos estavam certos de que, dentro de pouco tempo, o caso cairia no esquecimento. Achavam que a impunidade deles estaria garantida.

Mas o crime, cedo ou tarde, seria descoberto, pois os vizinhos da casa nova onde iriam morar Arlete e Daniel, viram a entrada das duas jovens, mas não viram a saída. Além disso, o grito de pavor de Arlete, ao ser atacada pelo monstro, foi ouvido por algumas pessoas.

Maria Linhares cumpriu a pena de 33 anos de reclusão, na Penitenciária de Natal. Confessou seus crimes, denunciou o cúmplice Felinto Saldanha, e inocentou Daniel, o noivo de Arlete.

Maria Linhares, no Rio Grande do Norte, foi a primeira condenada que cumpriu integralmente a pena que lhe foi aplicada pela Justiça.

Em Natal, naquela época, o nome “Maria Linhares” virou um dogma de maldade e perversidade satânica.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de setembro de 2020

URUBUTINGA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

URUBUTINGA

Urubutinga é uma espécie de urubu gigante, de cabeça amarelo-avermelhada. É um abutre, ou corvo. Existe em grande quantidade em Babaneira, país que, por coincidência, lembra um outro, bastante conhecido.

Há na mídia, uma desmoralizante onda de boatos, que visa destruir a paz e tranquilidade de Babaneira. Mas é fato público e notório, que o seu Magno governante zela por seu povo pobre, ordeiro e acomodado. Mesmo assim, o Grande, Legítimo e Eleito governante recebeu um “silencioso” em sua boca, por ordem emanada do Solar Urubutinga, onde habitam os maiores urubus do reino animal. Ali, todos se sentem urubus-reis.

A felicidade reina em Babaneira, graças ao nosso Magno governante de boca amordaçada. Enquanto isso, o Solar Urubutinga, onde todos se julgam suprassumos da legalidade, cada vez mais cai no descrédito do povo.

Em Babaneira, não há desemprego, não há fome, não há epidemia. O bem-estar e liberdade de comunicação do povo é livre. “Você pode casar com quem quiser, desde que case com Zezinho”. Deu pra entender??? Ou quer que eu desenhe???

As cadeias estão, praticamente, vazias, entregues às moscas. Presos, somente PPP: Preto, Pobre e Puta. Corruptos e traficantes trafegam e traficam livres, leves e soltos. A ordem do Solar Urubutinga é que eles tenham passe livre nas suas comunidades, e não sejam detidos nem vigiados, salvo quando houver “caso grave”. Ai de quem for contra os infratores da lei. Serão mortos e sepultados em vala coletiva, tipo aquelas que aguardam os mortos do vírus assassino.

Em Babaneira, a ordem superior não emana do governante de boca amordaçada, mas desse recanto, onde fica o suprassumo da legalidade fantástica e global. Os traficantes e a mais alta cúpula da violência, que aterroriza e mata a população desarmada e indefesa, estão livres leves e soltos. O “dindin” escondido pelos ladrões de colarinho branco jamais será devolvido. É o lema adotado e permitido pelo Solar de Urubutinga.

E para se continuar vivendo nesse paraíso, deve-se estar sempre alerta, trancando-se em casa, e afastando-se daqueles que queiram quebrar essa saudável e harmoniosa paz!.

Babaneira é o céu! É um mar de rosas! Nela não há insatisfeitos! Babaneira é a “Valsa do Imperador”!!!

Por Ordem do Solar Urubutinga, a palavra “OPOSIÇÃO” foi abolida do Dicionário e do Vocabulário. E aqueles que insistirem no assunto, serão Abolidos e Trancafiados, tendo seu material de trabalho sequestrado e apreendido, seja eletrônico, cibernético ou antiquado.

A situação econômica do Solar Urubutinga é a melhor possível. Altíssima verba pública custeia a lagosta, vinhos do mais alto custo e requinte, caviar e tudo o mais, que um seleto grupo de urubus, habitualmente, degusta.

Babaneira quer enxugar a máquina pública, começando por fechar hospitais, ou desativando leitos hospitalares, equipamentos superfaturados, respiradores, ventiladores, tudo adquirido sem licitação à terra do “olho estreito”.

Com os hospitais fechados, se alguém adoecer e se o vírus mortífero permanecer entre a população, a responsabilidade será jogada nas costas do Ministério da Saúde. Quem ficar doente, que fique em casa e se cure sozinho, se for possível.

De uma hora para outra, em Babaneira, tudo resolveu entrar em crise. O abacaxi, a banana e a melancia, além de outros produtos Hortigranjeiros, espontaneamente, resolveram sabotar a economia.

A culpa é somente, e exclusivamente, do Ministro da Economia, que resolveu trocar a monocultura pela policultura. No tempo em que só se cultivava banana, duvido que houvesse esse tipo de crise no governo..

A desculpa sempre é de que fatores alheios à vontade dos governantes, como chuva em excesso, secas horrendas e pragas monstruosas de insetos subnutridos concorreram para o fracasso da economia.

Babaneira quer investir no Turismo. Mas no inferno verde, atualmente, há o perigo de mosquitos, peste, febre tifo e outras febres.

A população de Babaneira corre o risco de nova epidemia, do vírus mortal que ainda não foi erradicado. O perigo é que somente a Supremacia seja vacinada e imunizada.

Até o Ministro da Saúde, se houver, também corre o risco de não ser vacinado.

Um perigo que ronda a população de Babaneira:

De agora em diante, os cidadãos dessa terra, que apresentarem sinais de febre tifo, febre amarela, sarampo, varíola, cólera, ou outra doença tropical epidêmica serão confinados em suas residências. Já os moradores de rua, como tem acontecido, serão envenenados por algumas facções “filantrópicas”. É mais fácil serem fuzilados do que vacinados. Isso mesmo. Não serão vacinados.

Os membros do Solar Urubutinga, em recente reunião, entre um gole e outro de champanhe com tira-gosto de banana, conversaram animadamente, festejando o progresso de Babaneira, a terra da banana encantada e dos mistérios perdidos.

Coronavírus? Que delírio! Nem na nossa Idade Média houve isso!

Aliás, nem Idade Média Babaneira teve.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 29 de agosto de 2020

A SOLIDARIEDADE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A SOLIDARIEDADE

Quando Nova-Cruz (RN) não tinha energia elétrica nem água encanada, o desconforto da população era grande. O banho diário era com água de cacimbão, salobra (salgada).

A água doce, potável, usada para beber e cozinhar, era trazida num trem, do Rio Piquiri (Canguaretama-RN), uma vez por semana. Na Estação Ferroviária, formava-se uma fila de carregadores de galões de água doce, para levar as residências. Quando o inverno era bom, dava para se juntar água da chuva nas cisternas, e isso ajudava muito. Mas, se não houvesse inverno, o transtorno era grande.

Só quem sabe o que é a falta d’água permanente é quem já sofreu na pele.

A água encanada e a energia elétrica, de Paulo Afonso, demoraram muito a chegar a Nova-Cruz, cidade situada no agreste potiguar, fronteira com a Paraíba. É uma região muito seca, às margens dos rios periódicos, Curimataú e Bujari, que raramente tem água. A última grande cheia que houve foi na década de 1960.É la que estão fincadas as minhas raízes.

A cidade sempre sofreu com a falta d’água.

No início da década de 1970, houve uma grande estiagem e a falta d’água em Nova-Cruz gerou um verdadeiro caos. A água passou a ser um líquido ainda mais difícil de se encontrar. Isso foi muito vantajoso para os proprietários de carros-pipa, que abasteciam as casas das pessoas que podiam pagar. Mas a pobreza sofreu muito.Toda a população amargou um longo período de seca. Nesse tempo, água mineral era uma ilustre desconhecida, em Nova-Cruz.

Nessa época, na cidade, já havia uma agência do Banco do Brasil, que, por sinal contava com uma enorme cisterna, cujo volume d’água extrapolava às suas necessidades. Mas a população não tinha acesso a essa água.

Por trás da agência do Banco do Brasil, ficava a famosa Rua do Sapo, zona do baixo meretrício, onde ficavam os cabarés de Nova-Cruz. Ali, a boemia se encontrava com as paixões sem amanhã . Entretanto, as prostitutas já estavam quase sem condições de “trabalhar”, em virtude da falta d’água e da consequente dificuldade de higienização.

O problema da Rua do Sapo chegou aos ouvidos do Sr. Tenório, gerente do Banco do Brasil. Compadecido com o sofrimento e o prejuízo das prostitutas, o gerente, dono de uma grandeza de espírito ímpar, discretamente, e sem temer a língua dos falsos moralistas, foi até à Rua do Sapo, que ficava por trás do Banco, para ver de perto a intensidade do problema social, que estava sendo gerado. Queria se inteirar, pessoalmente, do problema que “as meninas” estavam passando. E o sofrimento delas incomodou o gerente do Banco, deixando-o penalizado. Então, publicamente, sem receio de comentários maldosos, o Sr. Tenório resolveu ajudá-las, tomando uma decisão corajosa e humana.

Por conta própria, o gerente do Banco comprou vários metros de tubos de encanamento, registros de passagem, torneiras, joelhos etc. e pagou a um encanador de Nova-Cruz para, por cima do muro do prédio do Banco, distribuir, diariamente e num horário previamente combinado, água para as sofridas prostitutas.

Graças à atitude generosa e justa, do então gerente do Banco do Brasil de Nova-Cruz, a vida na Rua do Sapo voltou ao normal, .

Somente em 1978, último ano administrativo do segundo mandato do saudoso Prefeito José Peixoto Mariano, realizou-se o sonho dos nova-cruzenses: O então governador do Rio Grande do Norte, Tarcísio Maia, inaugurou o sistema de abastecimento d’água em Nova-Cruz, oriunda do rio Piquiri (Canguaretama-RN).


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de agosto de 2020

A PAPA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

A PAPA

Há várias décadas, em Natal, eu e meu saudoso marido, com poucos meses de casados, fomos visitar a avó materna dele, bastante idosa e um pouco esclerosada.

Fiquei admirada e sem entender nada, quando a filha dela, trouxe-lhe um prato de papa e ela recusou, indignada, dizendo:

– Leve a papa de Zé Anselmo pra lá! Você quer me matar?!!!

Com muito carinho e paciência, a filha conseguiu convencê-la a comer a papa, sua comida predileta e costumeira, na hora da ceia. Segundo ela, com o princípio da esclerose, a idosa passou a rememorar fatos ocorridos há muitos anos. E o caso da “papa de Zé Anselmo” era um deles.

Pedi ao meu marido para me contar que caso foi esse, que fazia a avó dele ter tanto medo de comer papa. E fiquei sabendo a história da “papa de Zé Anselmo.”

Pois bem. Há vários anos, em Natal, (julho de 1952), o cidadão José Anselmo morreu, vítima de uma papa envenenada, juntamente com a cunhada solteira que morava dentro de casa, e o gato de estimação.

O pior é que quem fazia, diariamente, essa papa, era sua dedicada esposa, que, segundo a opinião pública, nesse caso, estava acima de qualquer suspeita. Havia, também, as más línguas, que a ela atribuíam a autoria do crime, por haver descoberto um relacionamento entre sua irmã e ele.

De família ilustre, José Anselmo era alto funcionário dos Correios e Telégrafos e a família residia numa bonita casa no Bairro da Cidade Alta.

Quem comeu da papa começou a vomitar e os socorros médicos foram inúteis. O veneno violento venceu a batalha e em poucos minutos José Anselmo, a irmã da sua esposa e o gato estavam mortos. A Perícia Médica constatou que a papa estava envenenada, tendo sido encontrado dentro da casa, um pilão, com restos do veneno que ali fora pilado.

A cidade ficou estarrecida, diante dessa tragédia, aparentemente, familiar, mas sem provas da autoria. Como era natural, a maior suspeita recaía sobre a viúva, que fizera a papa e dela não comera. Apesar disso ser um álibi, não dava para ser totalmente aceito. Mas a opinião pública, em peso, apontava a mulher como culpada, pois teria agido por ciume e vingança, em face do suposto relacionamento da sua irmã com seu marido.

José Anselmo era considerado um homem duro, acusado de agir com rigor como chefe dos Correios e Telégrafos, o que dava chance do crime ter sido praticado por pessoas alheias à sua família. Anos atrás, tinha sofrido grave atentado de morte, na sua casa em Angicos (RN), onde foi Inspetor dos Correios.

Entretanto, o fato de José Anselmo ter morrido envenenado, dentro da sua própria casa, com uma papa feita pela esposa, justificava as suspeitas.

Outro detalhe intrigante, é que a esposa de José Anselmo foi a única pessoa a não comer da papa. Até a empregada foi envenenada, ao comer um pouco da “raspa” do papeiro. Levada ao hospital, por sorte, sobreviveu.

O Inquérito prosseguiu em sigilo, e foram ouvidos vários membros da família, inclusive a filha do casal, de nome Irma Alves de Souza, que compareceu em juízo, acompanhada do advogado Claudionor Telógio de Andrade, na presença do Dr. Onofre Lopes, então médico legista, e do delegado de Ordem Social, Dr. José Emerenciano.

No dia 10 de agosto de 1952, a polícia informou: O inquérito não encerrou e serão ouvidos outros nomes envolvidos.

As notícias mostravam que a revolta não diminuiu em momento nenhum, no âmbito da família de José Anselmo.

Toda a cidade queria saber quem matou José Anselmo. Mas, a exemplo das grandes histórias policiais, pairava sempre uma incógnita, sobre quem poderia ter interesse na sua morte. A sua viúva continuava a ser a principal suspeita, levando-se em consideração o suposto envolvimento da sua irmã com ele. Marfisa teria agido por ciúme e vingança. Nesse caso, seriam falsos seu choro constante e o luto fechado que ostentava. Mas, na hipótese do criminoso se tratar de pessoa estranha à família de José Anselmo, todo esse sentimento poderia ser verdadeiro.

Mas, como isso poderia ter ocorrido, se a papa envenenada fora feita na sua própria casa?

As investigações locais mostraram-se inoperantes e o mistério continuou. Mais de um ano depois do crime, precisamente no dia 19 de agosto de 1953, o jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro (RJ), publicou:

“Cooperação da polícia carioca no esclarecimento do crime”.

Tudo indica que essa medida foi exigência do Senador Georgino Avelino, parente ilustre de José Anselmo, a vítima.

Uma vez que o inquérito policial local nada apontara, vieram então, para Natal, dois detetives da polícia carioca, para as novas investigações: Tibúrcio Bezerra dos Santos e Oreste Jupiciara Xavier. Exatamente, onze meses depois do crime, em 25 de junho de 1953.

O tempo comprova que nada foi descoberto, e o processo foi “cozinhado em fogo lento”, como aconteceu com a papa.

E o caso ficou na história, rotulado como um crime perfeito, se é que existe.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 15 de agosto de 2020

DOIS DESTINOS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

DOIS DESTINOS

Natal tornou-se “americanizada”, absorvendo novos hábitos e costumes, como a Coca-cola, o Cuba-libre (Rum com Coca-cola) chicletes, o hábito da mulher fumar e beber abertamente, o foxtrote e outros ritmos musicais.

Dois bairros tradicionais de Natal foram os mais atingidos por essas mudanças. O primeiro foi o Bairro da Cidade Alta, o mais antigo de Natal. O outro foi o Bairro da Ribeira, que se tornou o mais frequentado pelos americanos, em razão do Grande Hotel, ponto de encontro de políticos, e pela sua vida boêmia. O Grande Hotel foi até usado como moradia por soldados norte-americanos.

Inaugurado em 1939, o Grande Hotel foi construído em função dos frequentes pousos de hidroaviões de empresas aéreas, que utilizavam o estuário do Rio Potengi em Natal como escala em viagens entre a Europa e a América do Sul. Havia a necessidade de um hotel mais moderno e amplo, para acomodar viajantes especiais.

Após um curto período, no qual a ocupação ficou escassa, o Grande Hotel foi arrendado ao empresário Theodorico Bezerra, que já possuía cinco pequenos hotéis e entendia do ramo em evidência.

A economia local passou por uma grande transformação. O custo de vida aumentou, e o dólar virou moeda corrente no lugar do mil -réis. Muita gente fez fortuna e os americanos foram muito enganados por pessoas inescrupulosas, no comércio de Natal. Chegaram a comprar coruja por papagaio e urubu por pássaro raro. Havia o preço para vender a americano e o preço para vender ao nativo.

Em meados do século XIX, o Bairro da Ribeira elevou sua importância comercial em Natal. Nesse local foi construído o Porto da cidade, a principal porta de entrada e saída de mercadorias e pessoas.

Um dos maiores ícones da prostituição em Natal foi a paraibana Maria Oliveira Barros, conhecida como “Maria Boa”, figura que entrou para a história. Seu luxuoso Cabaré se consagrou em Natal.

As prostitutas que lá trabalhavam eram bonitas, diferenciadas e selecionadas pela proprietária. Eram obrigadas a se submeter a exames de saúde preventivos, regularmente, para evitar doenças venéreas. Nessa época as prostitutas eram também obrigadas a apresentar o “Love Card”, para exercer a profissão.

Recatada e discreta, Maria Boa era autodidata e gostava de ler. Não frequentava eventos sociais, nem tampouco tinha amigas dentro da sociedade natalense. Chegou a Natal na década de 1940 e se dizia empresária. Nasceu em 24.06.1920, e foi proprietária do Cabaré, que se tornou passagem obrigatória, dentro da iniciação sexual da vida dos homens natalenses.

Ao chegar a Natal, Maria Oliveira Barros demonstrou grande visão nos negócios, e inaugurou sua casa de prazeres, no período em que reinava na cidade ampla prosperidade, advinda da fixação da base militar americana em Parnamirim. Aproveitando o fluxo de soldados e grandes personalidades políticas registrados na época, Maria Boa fazia questão de ostentar glamour em seu estabelecimento.

Tornou-se uma “grande dama” de negócios em Natal, e fazia questão de se manter longe de olhos indiscretos.

A boa qualidade dos serviços, prestados em seu Cabaré, era uma das exigências de Maria Boa. Podia-se sentir sua interferência desde a escolha das profissionais, à arquitetura do ambiente da casa.

Respeitada por suas atitudes extremamente discretas, era olhada com respeito por onde passava. Sua companhia significava status para quem tivesse a honra de desfrutá-la. Por trás da suntuosidade do seu estabelecimento “comercial”, reinava a figura discreta e influentemente poderosa de Maria Oliveira Barros, que avalizava títulos nos bancos para alguns figurões locais.

Segundo os historiadores, Maria Boa tinha cultura geral e, além de irradiar simpatia, também se interessava por livros e cinema. Nessa época (décadas de 40 a 50), Natal era muito influenciada pelas películas de Hollywood, algumas trazidas pelo próprio Exército Norte-Americano. A jovem foi fortemente influenciada pela moda americana, que observava nos filmes.

O Cabaré de Maria Boa era um casarão luxuoso, localizado no bairro da Cidade Alta. Seu quadro de profissionais era constituído de “moças” de grande beleza, aparentemente finas e com certo nível cultural. Seus conhecimentos eram proporcionados pela própria Maria Boa, em aulas que eram realizadas uma vez por semana.

Uma peculiaridade desse famoso Cabaré é que, bem antes de se falar em “turismo sexual”, ele já era uma referência turística na cidade. Alguns viajantes, que chegavam a Natal, eram frequentemente convidados a conhecer as admiráveis moças de Maria Boa.

Havia uma grande preocupação por parte de Maria Boa, com tudo o que dizia respeito às “moças” que trabalhavam em sua casa. Ao saírem à rua, vestiam roupas recatadas, longe da vulgaridade. A empresária não permitia que saíssem de casa desarrumadas. Muito discreta em seus hábitos, isso transparecia em suas relações comerciais e em seu Cabaré.

Mesmo com toda a discrição mantida por Maria Boa e no seu “estabelecimento comercial”, certa vez, este foi alvo de um abaixo assinado, produzido por alguns moradores adjacentes ao local, com o intuito de fechar o estabelecimento. Tal ação foi refutada por outros vizinhos que não se sentiam incomodados com a presença do cabaré. O caso foi levado à Justiça e Maria Oliveira Barros ganhou a causa, garantindo a permanência do prostíbulo. Contudo, a presença do cabaré continuava incomodando uma pequena parcela dos vizinhos do estabelecimento, caracterizando, assim, seu permanente caráter marginal na sociedade.

Enquanto o Cabaré de Maria Boa, na Cidade Alta, esbanjava luxo e riqueza, as prostitutas que habitavam o Beco da Quarentena, no decadente Bairro da Ribeira, se consumiam em pobreza e miséria. O lugar era frequentado por homens de baixo poder aquisitivo. Alguns eram de conduta duvidosa e briguentos. Esses homens frequentavam o Beco da Quarentena, porque lá os prostíbulos eram mais baratos e a boemia era popular. Ali se encontravam prostitutas, cafetões e gigolôs, que serviam de inspiração aos poetas e escritores.

Com relação aos destinos diferentes, das prostitutas do extinto “Cabaré de Maria Boa”, e daquelas que habitavam o “Beco da Quarentena”, vem-nos à memoria antigos versos de um poeta anônimo:

“Até nas flores se encontra a diferença da sorte; há umas que enfeitam a vida, e outras que enfeitam a morte.”

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 08 de agosto de 2020

A SORTE (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A SORTE

Na primeira década do século passado, havia no Palácio do Governo do Rio Grande do Norte, um contínuo chamado Alcântara. Nessa época (1906 a 1909), o Presidente da Republica era Afonso Pena, e estava agendada sua vinda ao Estado. Ao tomar conhecimento dessa visita, o contínuo pediu ao Governador Alberto Maranhão, para fazer parte da comitiva que iria esperar o Presidente na Estação Ferroviária de Nova-Cruz, fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba.

O pedido do contínuo foi acatado, mas, mesmo assim, o Secretário achou um absurdo essa liberalidade. Afinal, Alcântara era um simples contínuo e estaria ocupando o lugar de algum político ou de mais algum puxa-saco importante. Era muito cabimento do contínuo, querer integrar a comitiva que iria esperar o Presidente da República, em visita oficial ao Governador do Rio Grande do Norte.

Indignado, o Secretário chamou o contínuo em seu gabinete e disse-lhe:

– O Governador deu permissão, então você vai na comitiva, para esperar o Presidente da República. Mas, preste atenção:

Antes do trem chegar na estação, você salta no triângulo, que é o ponto de manobra dos trens, na entrada das estações.

O trem do Governador chegou adiantado. Alcântara saltou no triângulo. Pouco depois, o trem trazendo o Presidente entrou no triângulo, para fazer a manobra. Alcântara, sozinho, subiu, foi entrando e deu de cara com o Presidente da República. E foi a primeira pessoa a dar as boas-vindas à “Sua Excelência”. Muito cordial e simpático, Alcântara foi logo mostrando-lhe a cidade pela janela. Quando o trem do Presidente chegou à Estação Ferroviária, o Governador, o Secretário do Governador, os puxa-sacos do Governador e os demais integrantes da comitiva levaram um grande susto. Alcântara, o contínuo do Palácio do Governo, apareceu na porta do trem, ao lado do Presidente da República e foi quem o apresentou às autoridades estaduais.

Seguiram todos para Natal, numa viagem cansativa e cheia de poeira, quando o progresso tecnológico era uma utopia.

Cansado, o Presidente Afonso Pena chegou ao Palácio do Governo e pediu logo um banho. De repente, entreabriu a porta do banheiro, chamou alguém e perguntou:

– Onde está o Alcântara?

Alcântara apareceu, entrou no banheiro e logo saiu. Ninguém entendeu nada. Chamado mais duas vezes pelo Presidente, Alcântara atendeu aos pedidos, e, novamente, logo saiu.

No dia da partida, à beira do cais ( o Presidente voltou de navio), o Presidente Afonso Pena chamou Alcântara , deu-lhe um abraço, e lhe falou alguma coisa no ouvido. Alcântara sorriu, saiu e não disse nada a ninguém. Os curiosos ficaram “doentes” de raiva.

Um mês depois, o Diário Oficial publicava um ato do Presidente Afonso Pena, nomeando o contínuo Alcântara, Administrador do Porto de Santos , no Estado de São Paulo. Foi um escândalo, no Rio Grande do Norte.

No bolso do paletó, Alcântara carregava uma garrafinha de conhaque francês, tamanho portátil. E Afonso Pena apreciava muito um golinho de conhaque francês.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 01 de agosto de 2020

O SERESTEIRO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O SERESTEIRO

Violante Pimentel

 

Manuel era um homem muito pobre, negro e inofensivo, que gostava de cantar, sozinho, no silêncio da noite, quando caminhava de volta para o seu barraco.

Normalmente triste e dono de uma bonita voz, quando bebia, Manuel mudava o humor e se transformava num grande seresteiro solitário. Só cantava músicas românticas, e entre uma frase e outra, às vezes, protestava contra a sociedade em que vivia, na qual, os ricos eram cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. E era aí que ele se enquadrava.

Manuel fazia biscates, mas às vezes se via obrigado a mendigar. Era gentil e muito grato às pessoas que o ajudavam e lhe arranjavam biscates. À medida que a noite ia chegando, ele sentia o peso da penúria em que vivia, sua solidão e a falta de perspectiva de melhorar de vida. Pobre, sem estudo e sem família, Manuel, quando não encontrava quem lhe pagasse bebida, logo cedo voltava para o barraco em que vivia, fechava a porta, e se entregava aos seus pensamentos, até adormecer.

Certa noite, já muito tarde, depois de se despedir de um amigo que lhe pagara alguma bebida, Manuel parou na sua praça preferida, em frente à belíssima mansão de um importante político, e ficou a admirá-la. Na sua embriaguez, gostava de apreciar aquela obra de arte, talvez, pensando até que fosse sua, como diz a música “Até Pensei”, de Chico Buarque.

Nessa noite, muito inspirado, ao parar na praça, Manuel começou a cantar “Noite Cheia de Estrelas” (Vicente Celestino – 1931) para a sua musa imaginária, que diz:

Noite alta, céu risonho
A quietude é quase um sonho

…….

Lua, manda tua luz prateada
Despertar a minha amada!
Quero matar os meus desejos…
Sufocá-la com meus beijos”

………..

O “seresteiro” fez uma pausa, sorriu e disse alguns impropérios, sempre revoltado. Nesse ínterim, um homem rico que morava perto da mansão, que não passava necessidade nenhuma e que não tinha tolerância com ninguém, muito menos com os pobres, chamou a polícia, alegando que o mendigo estava desrespeitando os moradores.

Sem perceber a chegada da polícia, que jamais entenderia o sonho de um pobre e solitário seresteiro, Manuel, o mendigo, foi agarrado por trás e derrubado por um policial de tamanho avantajado. O homem o imobilizou, colocando seu pesado joelho sobre o pescoço do mendigo, impedindo a sua respiração e sufocando-o. Enquanto isso, mais dois policiais o algemaram. O mendigo foi levado pela viatura policial, já morto por asfixia.

Manuel, o pobre seresteiro solitário, das noites desertas da sua triste vida, foi levado na viatura policial, com o seu corpo inerte, enquanto sua alma ainda cantava, subindo para o Céu.

* * *

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de julho de 2020

FEIJÃO COM ARROZ

 

FEIJÃO COM ARROZ

Sonhei que estavam faltando feijão e arroz em todos os supermercados de Natal. Mas, ouvia no rádio a notícia de que, naquela manhã, estaria chegando ao porto de Natal um navio, transportando esses dois produtos, diretamente da China. A partir das 13 horas, o feijão e o arroz estariam nas prateleiras dos supermercados. Alimentação básica do nordestino, o feijão e o arroz fortificam e dão sustança.

No supermercado, os fregueses, usando máscaras, aguardavam ansiosos que os dois produtos fossem postos nas prateleiras. O limite para compra seria de 2 quilos de cada produto, por pessoa.

De repente, houve um grande alvoroço, pois iam colocar nas prateleiras o feijão e o arroz, vindos da China, Pátria do Corona Vírus.

Os fregueses mudaram de cor, quando souberam da procedência dos dois produtos, ligando-os ao terrível vírus, fabricado em laboratório da China. Apesar da enorme fila, ninguém teve coragem de tocar, nem de leve, nas embalagens dos dois produtos chineses. A fila “congelou”, sem sair do canto, até que, no final, apareceu um herói, que gritou:

– Saiam da frente, que eu quero comprar feijão e arroz! Pouco importa que tenham vindo da China ou da Baixa da Égua! E empurrando o carrinho do supermercado, o homem pôde levar a quantidade de feijão e arroz que bem quis, enquanto os outros fregueses continuavam acuados, com medo do “Corona Vírus”, que devia estar dentro das embalagens.

De repente, houve outro tumulto, com empurrões, pancadarias, correrias e até desmaios, pois os indecisos resolveram também comprar os produtos chineses.

O ser humano é um “animal” invejoso. Quando os fregueses viram o “herói” enfrentar o vírus chinês e ter coragem de encher o carrinho do supermercado de feijão e arroz, voltaram-se contra ele e tentaram agredi-lo. A luta foi em vão. O “herói”, único freguês que não pensou duas vezes ao comprar os produtos chineses, reagiu à altura e entrou em luta corporal com um dos agressores, conseguindo fugir da multidão. Os caixas ainda estavam vazios, e isso contribuiu para que ele pudesse pagar os produtos normalmente, sem limite de quantidade.

Graças a ele, o supermercado conseguiu vender todo o carregamento de feijão e arroz, de procedência chinesa.

Em meia hora, o arroz e o feijão sumiram das prateleiras. A revolta dos que não conseguiram comprar explodiu. O gerente, com medo da fúria dos fregueses, reuniu os empregados e pediu um voluntário, para avisar ao povo que o feijão e o arroz haviam acabado.

A revolta dos fregueses aumentou ainda mais. O supermercado fechou as portas, para forçar a saída dos fregueses revoltados.

De lá, foram protestar numa praça, para combinar o que fazer diante dessa falta de feijão e arroz. Com certeza, esses produtos não estavam sendo vendidos em farmácias, padarias nem açougues. Alguém, então, sugeriu:

– Vamos todos reclamar na Governadoria! A Governadora deve ter lá um estoque de feijão e arroz escondido, junto com as pipocas Bokus.

E saíram em passeata para a Governadoria, com gritos de protesto contra a Governadora.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 18 de julho de 2020

O COFRE

 

 

O COFRE

Guilherme, alfaiate falido, resolveu costurar máscaras protetoras e cuecas, para sobreviver à crise provocada pela Pandemia do COVID-19. A Quarentena e o isolamento social compulsório provocaram muitos problemas, entre comerciantes e autônomos, resultando em falência, perdas de emprego, depressão e desespero, fora os óbitos e contaminação, provocados pelo terrível vírus.

 

Depressivo, em decorrência da quebra da sua alfaiataria, a “menina dos seus olhos”, além de um “bem de família”, passado de pai para filho, Guilherme tentava, agora, garantir a sua sobrevivência e dos seus familiares, confeccionando as convencionais máscaras, nos padrões exigidos pelas autoridades sanitárias. Paralelamente, passou a confeccionar, também, para vender, cuecas confortáveis, lisas e estampadas, com desenhos sensuais e frases românticas.

Seus clientes da alfaiataria e amigos, sabendo da dificuldade financeira que ele atravessava, passaram a lhe prestigiar. Seu atelier era pequeno e só contava com uma antiga costureira auxiliar.

Anos atrás, assistindo a um telejornal, Guilherme se surpreendeu, com a notícia de que um assessor de um deputado estadual cearense fora preso, num determinado aeroporto, portanto US$ 100 mil (cem mil dólares) dentro da cueca.

Outra vez, ouviu a notícia de que a Polícia Rodoviária Federal prendera três suspeitos de furto, também, com muitos reais escondidos nas respectivas cuecas.

Há anos, o Brasil assistiu, a prisão, pela Polícia Federal e Receita Federal, de um empresário, réu de uma determinada “operação”, que tentava entrar no País, com mais de 360 mil euros não declarados. A polícia ainda descobriu que esse homem, também, portava maços de dinheiro vivo escondidos na cueca.

Essas lembranças fizeram nascer em Guilherme uma grande vontade de fabricar um tipo de cueca, que contivesse uma espécie de “cofrinho”, próprio para esconder dinheiro. Isso evitaria assaltos. Encarou essa ideia fixa, como um sinal, para que ele se inspirasse e pusesse em prática a confecção desse novo modelo de cueca.

Ao amanhecer o dia, Guilherme passou para um papel o modelo que tinha na cabeça. Lembrou-se da passagem bíblica, onde Adão e Eva, ao serem expulsos do Paraíso, viram que estavam nus, o que fez com que Adão cobrisse as partes pudendas com folhas de parreira. Na cabeça de Guilherme, Adão, o primeiro homem, foi o inventor da primeira cueca.

E Guilherme ficou com a ideia fixa de costurar cuecas-cofres para vender. Tinha certeza de que o novo produto teria sucesso, igual ao do cotonete (tira-cera), que quem inventou ficou rico para o resto da vida.

O novo modelo de cueca teria um segredo conhecido, somente, pelo dono. Seria confeccionada em camada dupla de um tecido impermeável, resistente e flexível, com um grande bolso costurado no fundo da peça, com um fecho delicado (ri-ri), com capacidade de esconder uma razoável fortuna em euros, dólares ou reais.

E o sonho de Guilherme tornou-se realidade. A cueca-cofre foi um sucesso, em face do alto grau de insegurança que rodeia a atual população do País.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 11 de julho de 2020

O BECO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O BECO

O beco é pioneiro, na criação das cidades. É a fixação demográfica, que surgiu com as estradas, em cujas orlas se edificaram povoados, vilas e cidades.

“ O BECO DA QUARENTENA” é um marco histórico em Natal (RN). É uma ruela de passagem entre as ruas Chile e Frei Miguelinho, no Bairro da Ribeira (Cidade Baixa), medindo uma largura de dois por sessenta metros de comprimento.

A origem do nome está ligada ao tempo da epidemia do Cólera Morbus, que ocorreu no início da segunda metade do século 19. A contar dessa época, é uma das ruelas mais antigas da capital potiguar.

Contam os historiadores que as embarcações ficavam no porto durante 40 dias, a fim de que seus tripulantes não recebessem ou transmitissem o contágio. Como havia mais facilidade de hospedagem no Bairro da Ribeira, na época, núcleo central da população da cidade, os marinheiros, de quarentena, ficavam hospedados nesse Beco e adjacências, a poucos metros de distância do cais do porto.

A denominação “Beco da Quarentena”, resultou, portanto, da hospedagem de marinheiros no cumprimento de quarentena, durante a epidemia do Cólera Morbus, e também da Variola (bexiga) e da Febre Amarela.

No princípio, o beco tinha somente umas quatro ou seis casas. Com o passar do tempo, o Bairro da Ribeira se desenvolveu muito, com o aumento da população e o florescimento do Estado, nos setores econômico, social e religioso.

Entretanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Ribeira entrou em decadência. E o Beco da Quarentena, onde havia promiscuidade barata, e ambientes simples, foi jogado ao ostracismo. A Cidade Alta progrediu e a Ribeira (Cidade Baixa) regrediu socialmente. O bairro foi esvaziando e os frequentadores sumiram. Dessa forma, o Beco da Quarentena foi perdendo os fregueses. As operárias do sexo, que já eram pobres, tiveram que procurar outro “emprego”. Não era mais um ponto lucrativo para elas.

O Beco da Quarentena sucumbiu, ficando a fama de local perigoso, que atraía frequentadores de conduta duvidosa.

Como o Beco da Quarentena, existem outros becos em Natal, totalmente abandonados pelo poder público, que não se empenha em preservar a memória da cidade. Alguns já desapareceram na voragem das novas edificações. Outros já perderam a denominação original e receberam nomes de pessoas que nunca se destacaram nem fizeram nada pelo Estado, numa demonstração de puxa-saquismo, sempre na moda. Isso também acontece com relação a nomes de ruas e avenidas, que são substituídos, de repente, num desrespeito à memória da cidade.

O Beco da Quarentena, hoje abandonado, faz parte da memória do Bairro da Ribeira (Cidade Baixa), como local simples, com casas de prostituição barata. Ali, habitavam mulheres muito pobres, que remendavam seus sonhos com pedaços de nuvens. Mulheres infelizes, que por uma fatalidade do destino, se viram lançadas ao lamaçal dos bordeis, por circunstâncias alheias à sua vontade. Todas provinham de um sonho desfeito, uma desilusão com um ídolo de ouro, que de repente se transformara em ídolo de barro e ruíra aos seus pés, como contas de um rosário rolando pelo chão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 04 de julho de 2020

CORRUPIÃO DO NORDESTE (CONTO DE VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CORRUPIÃO DO NORDESTE

Décadas atrás, morava no sertão da Paraíba um poderoso e prepotente chefe político, “coronel” Matias, casado com Dona Elsa. O casal tinha quatro filhos.

 

Nas férias escolares, Ritinha, 17 anos, a filha mais velha, que estudava na capital, chegava, para alegria dos pais e irmãos. Muito bonita e mimada, a moça gostava de passear pela fazenda e se encantava com as plantações.

Num certo período de férias, Ritinha se tomou de amores por um concriz amestrado, ou corrupião, que pertencia a Joca, um antigo carpinteiro da cidade. O pássaro tinha o canto belíssimo e a todos encantava.

A moça pediu ao carpinteiro que lhe vendesse o concriz, mas recebeu um não. O homem lhe disse que o seu concriz não estava à venda, e que era um pássaro de estimação. Para ele, era como se fosse um filho.

O concriz imitava canários, patativas, assobiava, pousava no ombro do carpinteiro e coçava sua orelha com o bico.

Durante dias seguidos, Ritinha insistiu com Joca para que lhe vendesse o pássaro, e a resposta era a mesma. O carpinteiro não aguentava mais a presença da jovem e a sua insistência. Muito mimada, a moça estava acostumada a ter todos os seus desejos satisfeitos. E assim, terminou tirando a paciência do carpinteiro, que cortou a conversa e levou a gaiola com o pássaro para dentro da oficina, demonstrando sua irritação.

No dia seguinte, logo cedo, Ritinha veio novamente à carpintaria, com jeito dengoso e a mesma insistência para comprar o concriz. Diante das repetidas recusas do carpinteiro, ela reagiu, dizendo que seu pai, lhe autorizara a insistir, pois o concriz seria tratado bem melhor na casa dele, que era um homem muito rico.

Humilhado, Joca sentiu que o “coronel” Matias estava querendo usar seu autoritarismo, para forçá-lo a vender o seu concriz de estimação, e assim satisfazer o capricho de uma jovem mimada e caprichosa.

Sentindo que o concriz, objeto de sua ternura, estava lhe fugindo das mãos, o carpinteiro, com o coração partido, resolveu tomar uma atitude drástica. Abriu a porta da gaiola e retirou de lá o pássaro encantador, que, nesse instante, aproveitou para lhe fazer um carinho com o bico. Num gesto delicado e de despedida, o carpinteiro beijou a cabecinha do concriz, e diante do olhar estupefato da jovem, deixou que ele batesse suas asinhas e voasse.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de junho de 2020

O INVASOR

 

O INVASOR

Josué era useiro e vezeiro na “arte” de invasão de imóveis abandonados, apropriando-se deles e depois locando-os ou vendendo-os. Vivia de golpes, e enriquecimento ilícito. Dizia-se “protetor” de imóveis abandonados . Agia assim, por má índole e falta de caráter, pois era de família abastada.

Vivia à procura de um sócio honesto “como ele”, para o seu “ramo de atividade”.

Certa tarde, em uma de suas passagens por uma pequena cidade, Josué estava conversando numa venda e disse para algumas pessoas que ali estavam:

– Senhores, este lugar é o melhor do mundo para se morar, pois a violência e as trapaças ainda não chegaram aqui.

Sebastião, o dono da venda, envaidecido com o elogio, falou:

– Bem, seu Josué, é verdade que aqui tem muita gente boa e decente. Mas também tem gente ruim. Aposto que o senhor ainda não ouviu falar em Zaqueu, que está preso.

– Não, seu Sebastião. Nunca ouvi falar.

O Xerife, que estava presente, completou:

– Mas já vai sair esta semana. Só pegou 30 dias de cadeia; se morasse noutro país, já tinha sido enforcado. É ladrão fino.

Josué gravou na mente o nome desse Zaqueu e planejou conhecê-lo. Seria o sócio ideal, que vive procurando.

Muito traquejado em fazer amizade com malandro, Josué , dias depois de Zaqueu sair da cadeia, fez amizade com ele, e convidou-o para um passeio pela pacata periferia local, onde, sentados em um tronco, falaram de negócios.

O que Josué, na verdade, queria era um parceiro com um ar inofensivo de matuto, para seu sócio, na aplicação de golpes por aí afora. Zaqueu era o tipo de sócio que Josué procurava. Era alto, magro, claro e bem parecido, e tinha cara de pessoa boa. Disse-lhe o que pretendia e o encontrou disposto a agarrar aquela oportunidade de trabalho, coisa difícil para quem tinha estado preso, mesmo somente por trinta dias.

Deixando de lado os pequenos pecados, Josué perguntou a Zaqueu o que ele já tinha feito para tirar vantagem de trouxas. Queria saber se ele era inteligente e astucioso e sabia enrolar os bestas. Pediu que ele contasse algumas das suas façanhas.

O delinquente perguntou:

– Não te contaram? Não existe outro homem nessas montanhas, branco ou negro, capaz de roubar animais como eu, sem ser visto, ouvido ou apanhado.

– A ambição é um sentimento admirável num homem! – disse Josué.

Então, tendo combinado os serviços que iriam fazer, Josué e Zaqueu viajaram para a capital. No caminho, ao passar por outra cidade, Josué viu que havia um grande Circo armado. Ali mesmo eles desceram do ônibus e se dirigiram a uma pousada, onde cada qual ocupou um quarto. A cidade estava cheia de gente para ir à estreia do Circo. Josué nunca conseguira ver um Circo, no interior, sem se aproximar, para tirar vantagem dos pacatos frequentadores. Queria sempre recolher algum dinheiro fácil, que gira em torno do circo. Ao chegar à Pousada, foram logo providenciar uma roupa melhor para Zaqueu. O alfaiate lhe vendeu um terno azul, com um colete estampado e brilhoso, e uma gravata vermelha. Era a primeira vez que Zaqueu vestia alguma coisa que não fosse o macacão de brim e as botinas do seu uniforme de montanhês.

Naquela noite, Josué foi para perto do Circo e armou um joguinho com três conchas de noz e uma bolinha. Zaqueu seria o chamariz da jogatina. Recebera de Josué algumas notas falsas para jogar e Josué guardou um monte delas para pagar os prêmios. Josué armou a mesa e começou a mostrar às pessoas como era fácil descobrir qual noz escondia a bolinha. Os iletrados caipiras se amontoaram num círculo à volta de Josué, roçando ombros e provocando uns aos outros, para ver quem começava a apostar. Este seria o momento para Zaqueu fazer sua entrada e começar o jogo, ganhando notas falsas de dez e cinco reais, para atrair os caipiras. Mas, nada de Zaqueu aparecer.

Sem um chamariz viciado em jogo, a multidão se dispersou e todos entraram no Circo, sem que houvesse nenhuma aposta. Josué, indignado, fechou o jogo e voltou para a pousada. O sócio não havia chegado. Quando Josué já estava quase dormindo, foi surpreendido por um barulho de criança chorando. Ele abriu a porta do quarto e avistou a dona da pousada. Perguntou se ela não podia dar um jeito do bebê se calar e a mulher respondeu que o que ele estava ouvindo era o grunhido de um porco, que o amigo dele tinha trazido da rua há poucos minutos.

Indignado, Josué foi ao quarto de Zaqueu e o encontrou de pé, com a lâmpada acesa, enchendo de leite uma panela no chão, para um leitão branco rosado que não parava de grunhir.

Furioso, Josué falou:

– Como é que é, Zaqueu? Você me deixou na mão, na hora do trabalho, hoje à noite e o joguinho fracassou! Como é que você explica a presença deste porco aqui? Me parece uma traição!

– Não fique zangado comigo, Josué! – pediu Zaqueu – Já lhe disse que eu tenho o hábito de roubar animais, e porcos, principalmente. E esta noite, quando vi a oportunidade de roubar este leitão, numa tenda do Circo, não resisti.

– Bem – disse Josué- talvez isto seja uma doença. Existem atividades muito mais lucrativas. Emporcalhar a vida com um animal estúpido, desagradável, pervertido e barulhento como esse, é coisa que vai além da minha compreensão.

Eu vou voltar para a cama. Veja se consegue que ele faça silêncio!

Josué passou a noite em claro, contrariado por ter arranjado um sócio tão tratante. Levantou-se muito cedo e foi comprar um jornal. Logo na capa leu um anúncio em tamanho grande, dizendo:

“Paga-se cinco mil dólares de recompensa pela devolução, vivo e com saúde, de Bebé, famoso e aclamado porco, educado na Europa, que se perdeu ou foi roubado ontem à noite, de uma das tendas do circo The Brothers. – Procurar o Sr. Amaro Jorge, Gerente Comercial.”

Josué dobrou o jornal e o escondeu no bolso de dentro do paletó. Foi ao quarto de Zaqueu e ele estava acabando de dar ao porco o resto de leite que sobrara.
Muito eufórico, Josué falou:

– Bom dia!– Então, estamos todos de pé? E o nosso porquinho está tomando seu cafezinho da manhã? Diga, Zaqueu, o que você pretende fazer com o porquinho?

Zaqueu respondeu:

– Vou embalá-lo e despachá-lo para Mamãe, lá em Montebelo.

– É um belo porco – disse Josué, amavelmente.

– Você ontem o chamou-o de coisas bem diferentes. – disse Zaqueu.

Josué, então, mudou de conversa e disse gostar muito de animais, principalmente porcos.

Disse que tinha uma criação de porcos na sua fazenda, no interior de São Paulo, e que colecionava porcos raros. E ofereceu 200 dólares por ele.

Admirado, Zaqueu respondeu que não queria vendê-lo Era um porco de raça nobre e iria ficar com ele. Se fosse um porco comum, venderia.

Temendo que Zaqueu já tivesse sabido do anúncio do jornal, Josué insistiu na compra do porco. Mas Zaqueu repetiu que aquele porco seria um presente para sua Mãe. Disse que nem por 600 dólares o venderia. Josué, então, lhe ofereceu 800 dólares. Surpreso, Zaqueu aceitou a proposta e disse que por 800 dólares, sufocaria qualquer sentimento no seu coração.

Josué tirou de dentro da roupa o dinheiro e contou 40 notas de 20 dólares, entregando a Zaqueu. Depois de levar o porco para o quarto de Josué, Zaqueu lhe disse que iria ao alfaiate comprar mais umas roupas, já que estava com dinheiro.

Josué ficou sozinho para fazer o que quisesse. Contratou, então, um carroceiro que passou pela pensão e amarrou o porco dentro de um saco, dirigindo-se ao Circo.

Encontrou o gerente numa pequena tenda, sentado atrás de uma janela, aberta como guichê. Com um olhar esperto e uma viseira preta na testa, o homem ouviu Josué dizer que viera fazer a entrega do porco e pegar a recompensa anunciada no jornal. Os 5 000 dólares.

O homem saiu de trás do guichê e disse a Josué para segui-lo. Entraram numa tenda, onde estava deitado na palha, um enorme porco negro (barrão), com um laço rosa no pescoço; estava comendo umas maçãs que um homem lhe dava.

– Diga, Sérgio – perguntou o gerente – Alguma coisa errada com a oitava maravilha, esta manhã?

– Não! – respondeu o homem- Está com muito apetite!

E o gerente do Circo perguntou a Josué de onde ele tinha tirado essa ideia de vir lhe devolver um porco. Josué abriu o jornal e lhe mostrou o anúncio em destaque.

– Falso! – disse o gerente do Circo. – Você mesmo viu “a mundialmente famosa maravilha suína do reino dos quadrúpedes”, comendo com sagacidade e apetite sua refeição matinal. Nada de porco perdido ou roubado. Bom dia.

Josué deixou cair a ficha. Levara um golpe do “sócio”. Irado, voltou para a carroça, pagou ao carroceiro e pediu que levasse o porco bem pra longe dele, pois detestava porcos.

Em seguida, dirigiu-se à redação do jornal. Queria ouvir o que já era óbvio. Encontrou o encarregado dos classificados no guichê e, com o jornal na mão, perguntou:

– Para decidir uma aposta: o homem que botou este anúncio, era um muito gordo, baixo e de óculos?

– Não, não era – disse o homem. – Ele era muito alto e magro, cabelos cor de palha de milho e se vestia com uma roupa exagerada.

Na hora do jantar, Josué, arrasado, voltou à pousada, pagou a conta e pela manhã prosseguiu a viagem, interrompida pela visão do Circo.

Diz o ditado popular: “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 20 de junho de 2020

A VERGONHA

 

A VERGONHA

Antigamente, todo religioso na idade madura era gordo e tinha fama de comilão. Por isso, no interior nordestino, era comum alguém que havia comido demais, dizer, em tom de brincadeira: Estou empanzinado! Comi que só um padre!!!

Dom Serafim era um monge gordo e comilão, que, no Mosteiro onde morava, era uma espécie de pai para os mais novos. Já na idade madura, dizia sempre que uma das coisas de que mais gostava na vida era quando se via diante de um prato de comida. Mas, na mesma hora, dizia que só comia por hábito ou vício. Isso provocava riso nos monges mais novos, e, muito brincalhão, Dom Serafim também dava suas risadas. Todos sabiam que ele era mesmo um glutão.

Pois bem. Dom Serafim chamava a atenção dos mais jovens, com a sua forma exagerada de comer. Seu prato era o maior de todos e ele comia com avidez, como se estivesse saboreando as melhores iguarias do mundo. Diz o ditado popular que o melhor tempero que existe é a fome. Para ele, não existia o pecado da gula.

Muito bem humorado, Dom Serafim dizia sempre que tinha sonhado comendo coisas boas, como um pernil de porco e a metade de um carneiro assados, faisão dourado etc. sozinho e numa só refeição. Todos os dias, ele tinha um sonho para contar, relacionado com iguarias deliciosas, que, no Mosteiro, somente o Abade e o Prior tinham o privilégio de comer.

Os monges jovens se divertiam com Dom Serafim, embora, não perdessem oportunidade de censurá-lo ao Abade. Na verdade, no Mosteiro, a alimentação oferecida aos monges era muito pobre e leve. Diferente da alimentação do Abade, do Prior e seus amigos.

Dom Serafim sentia tanta fome que juntava as sobras dos pratos dos colegas para comer, com a desculpa de que era pecado estragar comida. Não deixava uma só migalha em seu prato.

Com o tempo, os monges mais jovens, que iam chegando no mosteiro, passaram a ridicularizá-lo, comparando-o a um porco faminto, e faltando-lhe com o devido respeito.

Um certo dia, traiçoeiramente, os monges fizeram uma reclamação por escrito ao Abade diretor do Mosteiro, contra o comportamento de Dom Serafim.

Após receber uma convocação, o reclamado compareceu perante a autoridade maior do Mosteiro, que lhe expôs:

– Dom Serafim, seus colegas fizeram-me uma representação contra atitudes suas, que constituem uma grande vergonha para um monge. Acusam-no de ser esfomeado e comer feito um porco, aproveitando até as sobras dos pratos dos outros monges.

– O que o senhor diz sobre essa acusação? Fale, Dom Serafim! Não sente Vergonha de uma acusação dessa?

Humilhado, o monge respondeu:

– Sou o monge mais antigo e mais calmo do vosso Mosteiro. Se sou injuriado, sofro calado; não reajo às humilhações e deboches a que me submetem. Que outra oposição me fazem, fora essa, de ser comilão. Pai Abade?

– Só existe essa acusação contra o senhor. Respondeu o Abade.

O Monge continuou:

– De que deverei me envergonhar, Pai Abade? De procurar saciar minha fome? Onde se encontra, agora, a Vergonha no mundo? Estamos na situação daqueles que carregam pedras nas costas e cada um só enxerga as costas do companheiro, sem olhar para suas próprias costas. Se eu comesse comidas requintadas, lautas iguarias, como comem os senhores importantes, os chefes e diretores, certamente eu ficaria bem alimentado e não sentiria tanta fome. Mas, comendo iguarias pobres e leves, de fácil digestão, não me parece vergonhoso tentar, ao meu modo, saciar minha fome.

O Abade, que vivia suntuosamente, com o Prior e outros amigos, fartando-se de lautos almoços, jantares, lanches e sobremesas, compreendeu o que queria dizer o monge. Temendo ser por ele apontado, logo o absolveu, permitindo-lhe que continuasse a comer a mísera comida de sempre, de acordo com a sua vontade.

No dia seguinte, na hora do almoço, Dom Serafim subiu ao púlpito do refeitório e com delicadeza, pediu que todos os monges prestassem atenção à uma pequena fábula que iria contar. Encabulados, os delatores ouviram atentos, as suas palavras:

– Certo dia, encontraram-se o Vento, a Água e a Vergonha. Conversaram muito e mataram a saudade.

A Vergonha, então, perguntou ao Vento e à Água:

– Irmãos, quando voltaremos a nos encontrar, tão pacificamente como hoje?

O Vento respondeu:

– Minhas irmãs, cada vez que me quiserem reencontrar, para gozarmos o prazer de estar juntos, olhem por qualquer porta aberta ou rua estreita, que logo me encontrarão, pois é ali a minha residência. E tu, Água, onde moras?”

A Água respondeu:

– Eu estou nos mais baixos pauis, entre aqueles caniços; mas, por mais seca que seja a terra, sempre lá me encontrarão.

E a Água quis saber:

– E tu, Vergonha, onde moras?

A Vergonha respondeu:

– Eu mesma não sei onde moro. Sou muito pobre e sou sempre enxotada por todos. Se olharem entre os grandes, não me encontrarão, porque eles não querem me ver e zombam de mim. Se olharem entre as mulheres, tanto casadas como viúvas e donzelas, também não me encontrarão, pois todas fogem de mim, como se eu fosse um monstro. Se olharem entre os religiosos, longe deles estarei, pois eles me expulsam, com bastões e galhas. Por isso, até agora, nunca tive onde pousar. Se eu não puder acompanhar vocês, perderei toda a minha esperança!

Ouvindo isto, o Vento e a Água sentiram compaixão e acolheram a Vergonha em sua companhia. Mas não ficaram juntos por muito tempo, porque se levantou uma forte tempestade. E a Vergonha, separada do Vento e da Água, não tendo onde pousar, afundou-se no mar.

Eu tenho procurado a Vergonha em muitos lugares, e continuo procurando, mas não consegui encontrá-la. Ninguém sabe notícia dela.

Por isso, continuarei com meus costumes, fazendo o que gosto. E vocês continuem com os seus!

A Vergonha sumiu do mundo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 13 de junho de 2020

A VERDADE

 

A VERDADE

Numa capital cheia de sol, nasceu Adamastor, que não era príncipe, não era rico, nem filho de político. Socialmente, não tinha qualquer importância. “Gente que a gente não vê, porque é quase nada”.

Nasceu e se criou nessa capital litorânea, aconchegante, para onde fluíam pessoas de outras cidades, tirando as possibilidades da vida das pessoas, que tinham nascido ali. E dessa forma, a cidade era cheia de mendigos e parasitas, meios de vida que não tem concorrência.

Os prédios da capital, no centro, tinham vários andares, o que mostrava a riqueza dos proprietários. Nos subúrbios, não passavam de um andar, sem que por isso deixassem de gerar riqueza.

Na capital, pelas ruas, havia centenas de automóveis em alta velocidade, matando gente, enquanto matavam o tempo.Também havia antigos cabarés, jornais, partidos políticos, e Sedes de Governo.

Adamastor, mesmo não tendo importância social alguma, era de boa família. Tão boa, que tinha até bons sentimentos. E agia sempre de acordo com a sua vontade, não sendo preso às normas ditadas pelos seus co-cidadãos.

A mãe de Adamastor, logo cedo, notou que o filho tinha um defeito gravíssimo: Só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira.

Alarmada, tentou modificar o temperamento do filho, mas foi impossível. Adamastor era diferente, no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar e na forma como se dirigia aos outros.

Enquanto usava calças curtas, os amigos da família consideravam-no um menino precoce e antipático. Depois de rapaz, passou a ser considerado irreverente e grosseiro.

Entre outras esquisitices, Adamastor pensava livremente e por conta própria. Assim, a família via Adamastor como um contestador do regime de governo. Os professores se indignavam, porque ele tinha ideias próprias e aprendia tudo ao contrário do que eles lhe ensinavam. Os colegas o detestavam.

Entretanto, a mãe de Adamastor, como toda mãe, descobriu no filho uma grande qualidade: Adamastor não fazia nada do que fazia, por maldade. Era questão de temperamento e inteligência privilegiada.

Ao contrário do que parecia, seu filho era extraordinariamente bom. Aliás, somente os olhos maternos enxergavam isso.

Um parente o aconselhou a se tornar bacharel em Direito, tentando convencê-lo:

-Bacharel é o princípio de tudo. Não se precisa estudar muito. Seja bacharel! Você terá tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo ser subserviente e adulador, você chegará a deputado ou ministro.

Indignado, Adamastor contestou:

-Mas, eu não sou subserviente nem adulador. Não quero ser nada disso. Eu quero trabalhar!

O parente insistiu:

-Você quer ser um eterno vagabundo? Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: Dinheiro, prestígio, e posição social. Trabalhando, sem ser bacharel, você vai ser um Zé-ninguém. Um empregado medíocre. Vai trabalhar para os outros, quando podia trabalhar para você mesmo.

Adamastor respondeu:

-Eu discordo de você, e assunto encerrado!

A pedido de sua mãe, Adamastor procurou mostrar que tinha capacidade de trabalhar. Arranjou um emprego numa loja, mas foi logo despedido, sem qualquer explicação.

Mudou de emprego diversas vezes, sem dar certo em lugar nenhum, mesmo sendo honesto e tendo disposição para qualquer serviço.

A fama de Adamastor era gostar muito de trabalhar. Sempre ia além das ordens que recebia do chefe. Isso, os colegas de trabalho não suportavam, pois achavam que ele queria se sobressair. E o intrigavam com o chefe, ate que fosse despedido.

Ele ria e encarava tudo com naturalidade. Via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e não ficava calado. Censurava o que achava errado e dizia tudo o que queria.

Em todos os lugares onde trabalhou, fosse em indústria, loja comercial ou fábrica, sentiu a rejeição dos colegas, sendo logo despedido. O motivo era sua excessiva dedicação ao trabalho, o que irritava os preguiçosos.

Desiludido com a maldade humana, Adamastor chegou à conclusão de que só vence na vida quem diz sim. E o caminho que faz mais sucesso é o da bajulação e da hipocrisia. Esse caminho, ele jamais percorreria.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de junho de 2020

ESPERANDO GODOT

 

“ESPERANDO GODOT”

 

O vírus chinês, fabricado em laboratório, por um “erro de cálculo” macabro, proposital ou não, alastrou-se pelo mundo como uma praga, e a feliz expectativa do Ano Novo, o “Ano Gêmeo”, 2020, teve sua chegada atrapalhada pelo COVID-19, ou Coronavírus.

O povo brasileiro foi enganado pelos Governadores e Prefeitos, pois, sabedores da chegada dessa praga, desde o final de 2019, esperaram passar o Carnaval, para divulgar a presença do COVID-19, ou Coronavírus, no Brasil, que veio para dizimar vidas humana.

Os Governantes não pensaram na vida dos brasileiros, e não equiparam os hospitais e Unidades de Saúde, com leitos, UTIS, respiradores etc, suficientes, para tratar os possíveis doentes de Coronavírus.

No Rio Grande do Norte, 2019 foi o ano em que foram fechados diversos hospitais no interior (O de Canguaretama, por exemplo, e em Natal, o Hospital Ruy Pereira).

Em Natal, o elefante branco, em que se transformou o Estádio Arena das Dunas, continua no mesmo lugar, suntuoso e imponente, local onde estão petrificados bilhões de reais, fora os que foram embolsados pelos empreendedores desonestos. Está servindo agora, para shows de qualidade duvidosa e feiras de artesanato.

Está provado que, no final do ano de 2019, os governantes de todo o Brasil já tinham conhecimento da existência do Coronavírus. Entretanto, acharam por bem esconder o problema, até que passasse o Carnaval, em nome da ganância pelos bilhões gerados pelo turismo carnavalesco e sexual, fonte de renda advinda dos dias do reinado de Momo. Esconderam da população a notícia do Coronavírus e adiaram a quarentena para depois do Carnaval. Isso, sem pensar nas vidas humanas que seriam dizimadas, mas apenas visando o lucro estrondoso, advindo do Carnaval, principalmente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

Os brasileiros, principalmente, os nordestinos mais pobres, só tomaram conhecimento da terrível pandemia que se alastrava pelo País, quando o monstro do Coronavírus, já começava a fazer suas vítimas, dizimando a população, desenfreadamente.

O sofrimento do povo, diante dessa terrível Pandemia, soma-se à solidão imposta pelo isolamento social e ao desespero e pavor de contaminação. Nesta quarentena, que já ultrapassou o prazo estipulado inicialmente, e hoje já caminha para uma verdadeira “oitentena”. O povo não aguenta mais essa “prisão domiciliar”, mesmo sem tornozeleiras. O desengano e a depressão estão tomando conta das pessoas, que se sentem presas em casa.

Estamos no 6º mês do tão festejado e esperado Ano Gêmeo (2020), e a Ciência , até aqui, não chegou a um denominador comum, no que diz respeito à descoberta do remédio certo, capaz de curar o Coronavírus, nem inventou ainda a Vacina milagrosa, capaz de erradicá-lo do solo brasileiro.

Estamos ainda, em pleno pico da pandemia, que continua, fazendo inúmeras vítimas, de todas as idades. Entre elas, incluem-se médicos, enfermeiros, maqueiros, auxiliares de enfermagem e outros profissionais da área da Saúde, que trabalham na linda de frente dos Hospitais e Unidades de Saúde Pública e Privada.

Repito que o povo foi traído, miseravelmente, pelos políticos, que ao invés de preparar hospitais e Unidades de Saúde com UTIS e respiradores, para receber os doentes de Coronavírus, preferiram passar os meses de janeiro e fevereiro veraneando e brincando o carnaval.

Os nossos Governantes ainda não se conscientizaram, de que a moeda mais valiosa de um País é o seu povo. com Saúde e Educação. No momento crucial que atravessamos, a maior obrigação dos Governadores e Prefeitos, é, antes de tudo, salvar vidas, empregando de forma transparente e honesta as verbas federais milionárias, enviadas pelo Governo Federal aos Estados e Municípios, afetados pela Pandemia.

O descaso e a desorganização dos governantes refletem na falta de leitos, UTIS, respiradores etc, para os doentes de Coronavírus. A ordem médica é para que o doente fique em casa e só se dirija às Unidades Hospitalares, quando o quadro se agravar. Isso, para não superlotar os hospitais públicos, onde faltam leitos e tudo o que é necessário para o tratamento dos doentes do Coronavírus, apesar das verbas milionárias, que estão sendo enviadas pelo governo federal.

Enquanto milhares de pessoas estão morrendo, vitimadas pelo Coronavírus, outras estão se salvando, graças ao uso da Cloroquina, que tem como base o sulfato da Quinina (ou Quinino), planta medicinal usada pelos índios, na cura da Malária, e que foi usada, com êxito, em Natal, no tratamento da Gripe Espanhola de 1918. Conta a história, que o Dr. Januário Cicco, médico norte-riograndense, prescreveu uma fórmula à base de Quinino, que mandou aviar em farmácia, em forma de pílulas, para que os sanitaristas distribuíssem nas choupanas, para tratar as pessoas pobres, acometidas da terrível gripe.

O fato é que o povo brasileiro continua esperando “Godot”, (numa comparação com a peça “Esperando Godot”, escrita pelo dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), considerada um dos principais textos do “teatro do absurdo”.  Acontece que Godot, a solução para todos os problemas, era citado a toda hora, mas nunca chegou. Inclusive, baseado na peça, foi feito o filme “Esperando Godot “. De acordo com o enredo, em um lugar indefinido, dois amigos se encontram: Estragon e Vladimir. A primeira frase dita no filme por Estragon, já indica a inutilidade da presença deles naquele lugar: “nada a fazer”. Eles lá se encontram para esperar um sujeito de nome Godot, que nunca chegou.

Que não seja esse o caso que estamos vivendo. Os brasileiros continuam aguardando a vitória da Ciência sobre o cérebro macabro do Frankenstein chinês.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 30 de maio de 2020

AS COMPRAS

 

AS COMPRAS

O homem foi a esse supermercado, muito mais por curiosidade e compulsão de comprar, do que por necessidade. Em sua casa, a despensa estava sortida, não faltando nada, que justificasse o sacrifício de enfrentar filas.

Usando a obrigatória máscara de proteção à boca e nariz, Martinho posicionou-se na fila, para entrar no supermercado, o que acontecia de um em um freguês. Isso demorou uns 40 minutos . Ao chegar sua vez de entrar, foi abordado por um segurança, que o “convidou” a higienizar as mãos com álcool gel, cuja garrafa ali estava à disposição dos fregueses.

 

Livre do segurança, Martinho pegou um carrinho de compras e embrenhou-se por tudo o que era gôndola com mercadorias. À medida que olhava para as prateleiras, seus olhos piscavam cada vez mais. E cada vez mais, Martinho ia enchendo o carrinho de produtos variados, inclusive vinhos, queijos e carnes. Realmente, ali era tudo mais barato, embora algumas marcas fossem desconhecidas.

Com o carrinho esborrotando de produtos alimentícios, incluindo frutas e biscoitos variados para os netos, o homem achou pouco e pegou outro, para comprar produtos de limpeza e higiene.

Consumidor compulsivo e viciado nas “parcelinhas” do cartão de crédito, Martinho esbaldou-se nas compras, como se estivesse sozinho no supermercado. Nem atentava para a quantidade enorme de pessoas simples, que também faziam compras, observando a lista que traziam nas mãos e empurrando seus carrinhos.

Ao encerrar as compras, por já ter lotado o segundo carrinho, foi que Martinho percebeu que as filas dos caixas pareciam quilométricas. Entrou em uma delas, empurrando os dois carrinhos. Logo a fila aumentou, também, atrás dele. Foi aí que percebeu os olhares de revolta dos fregueses, sobre os seus dois carrinhos, exageradamente cheios de produtos variados. Dariam para o resto do ano.

O homem sentiu que estava sendo olhado com censura e indignação, e ouviu alguns xingamentos, por causa do grande volume de produtos que estava comprando.

Assustado, sua primeira vontade foi sair dali depressa e devolver às prateleiras todos os produtos que havia pegado. Mas, com isso, perderia mais um tempão. Outra vontade, foi abandonar ali os dois carrinhos, fingindo que iria pegar um produto, do qual havia esquecido. Mas, mesmo irritado e indeciso, terminou aguardando a sua vez.

Os xingamentos contra Martinho aumentaram e quando chegou sua vez no caixa, ele já estava com os nervos em pandarecos. Praticamente, rebolou as compras, no espaço a elas destinado para registro, de forma tão apressada, que o caixa lhe pediu para colocar os produtos com mais calma.

Nessa hora, Martinho ouviu alguém dizer:

– Esse cara vai demorar mais de uma hora no caixa!!!

E ouviu o tumulto que se formou contra ele. Sabia que o valor das suas compras iria dar o que falar, e deu mesmo.

A fila toda ficou sabendo, que o valor ultrapassou, bastante, o valor do salário mínimo. Os fregueses que estavam perto dele, fizeram questão de olhar de perto a tela registradora e cochicharam uns com os outros.

Martinho escutou um homem, com aparência sofrida, dizer:

– Ah, infeliz! Um homem rico desse, vem comprar aqui, só pra atrapalhar!

Sentindo a agressividade dos fregueses da fila em que estava, Martinho saiu do supermercado, mais nervoso do que estava em casa. Empurrando os dois carrinhos, e quase correndo, teve medo de ser agredido, assaltado ou linchado.

Ainda bem, que não viram seu carrão no estacionamento.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de maio de 2020

A FEROCIDADE

 

 

A FEROCIDADE

Certa vez, apareceu em Gubbio, cidade da Itália, um enorme lobo, que devorava pessoas e animais. Os moradores da cidade, apavorados, trancaram-se em suas casas, não saindo nem mesmo para o trabalho.

Francisco, um dos moradores, e muito religioso, ao tomar conhecimento dos ataques da fera, e de que os homens estavam preparando uma armadilha para matá-la, resolveu interferir, indo sozinho enfrentá-la, munido apenas da sua Fé em Deus.

Depois de muito caminhar, Francisco avistou a fera, que, ao vê-lo de longe, caminhou em sua direção, com a enorme boca escancarada.

Fazendo um largo Sinal da Cruz e usando a sua Fé em Deus, Francisco viu o lobo fechar a boca, parar e baixar a cabeça. E sem demonstrar qualquer ou-o em sua direção, direceio, chamzendo:

– Venha cá, irmão Lobo! Estou aqui para lhe ordenar, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que não me faça nenhum mal, nem mais a qualquer outro homem!

Você tem matado e devorado animais, e ousado matar homens, feitos à imagem do Senhor, merecendo, por isso, a forca, como qualquer ladrão ou traiçoeiro assassino.

Mas, estou aqui para estabelecer a Paz, entre você e os moradores da cidade.

De agora em diante, você não mais fará mal a criaturas do Senhor e todos o perdoarão pelo mal que já praticou. Nem homens nem cães tornarão a persegui-lo.

Eu lhe prometo que os moradores desta terra se obrigarão a alimentá-lo todos os dias. Bem sei que a fome é a responsável pelos seus crimes.

O lobo, então, aproximou-se mansamente de Francisco e lambeu-lhe os pés, num sinal de que aceitava aquele pacto de Paz.

Sério e emocionado, Francisco lhe ofereceu a mão muito magra e branca, na qual o lobo colocou a pata direita, dando-lhe, assim, um sinal da sua boa-fé. Com os olhos cheios de lágrimas e a voz apertada pelos soluços, Francisco acrescentou:

-Meu irmão Lobo…eu o convido, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, a me seguir, sem receio, para celebrar esta Paz!

E o lobo seguiu Francisco até o centro da cidade, onde os cidadãos, estupefatos, os viram chegar, lado a lado.

Francisco, então, falou para todos:

“Escutai, irmãos:

O irmão Lobo prometeu-me, de agora em diante, viver em paz com vocês e nunca mais os atacar. E vocês lhe devem prometer que, de hoje em diante, lhe darão o que comer, diariamente. Eu ficarei fiador pelo irmão Lobo e fiador também pela promessa de vocês, para que todos vivam em Paz!

O lobo se ajoelhou diante de Francisco e baixou a cabeça, com movimentos de submissão, em sinal de que cumpriria todas as suas promessas. E levantando a pata direita, colocou-a na mão de Francisco, para regozijo e admiração da multidão que a tudo assistia.

E todos louvaram a Deus, por lhes haver mandado Francisco, que, por suas grandes virtudes, tinha transformado a ferocidade do lobo em amor.

Celebrada a Paz, o lobo passou a viver na cidade, caminhando, mansamente, de porta em porta, sem fazer mal a ninguém. Era muito bem alimentado pelo povo, e podia andar por todos os lugares, não havendo cão que contra ele ladrasse.

Lamentavelmente, essa Paz só durou dois anos, pois Francisco se mudou da cidade, para evangelizar em outras regiões, e o povo logo esqueceu das promessas feitas. Não tardaram a surgir pessoas más, que instigaram os moradores a fechar as portas ao lobo e deixar de alimentá-lo, conforme o prometido.

Um certo dia, com paus, pedras e gritos de raiva, acompanhados de latidos de cães, o lobo foi enxotado para fora da cidade, e também perseguido a tiros. Só salvou a pele, graças à ligeireza da fuga e à proximidade da mata e das escarpas pedregosas, por onde subiu sem fôlego, sangrando em diversas partes do corpo.

Decepcionado com aquela traição, o lobo se perguntava como pudera acontecer aquilo. Nada fizera de errado, nem quebrara a sua solene promessa.

O lobo se viu sozinho, sem ter Francisco para protegê-lo e sem ter mais quem lhe desse a comida prometida.

O seu estômago não mudara. Era grande e exigente. Depois de tantos sustos, pedradas e correrias, pedia reforço. Estava faminto…

Outra vez, a cidade se viu em polvorosa. Outra vez, os rebanhos voltaram a ser dizimados, e as lágrimas voltaram a inundar os olhos de muitos habitantes, pela morte de algum parente.

O lobo era, outra vez, a fera insaciável e sanguinária, o pavor daquela região.

E todos responsabilizavam Francisco, pelos novos ataques do lobo. Por isso, a ele recorreram.

Com o coração partido, Francisco convocou o lobo para censurá-lo e obrigá-lo a dar explicações da sua enorme culpa.

A uma considerável distância, temendo nova traição, o lobo falou, somente para Francisco:

“Senhor…Ouvi a vossa palavra e jamais feri a lei que me foi imposta. Aqui mesmo, vivi estes dois anos de trégua…Vivi em calma, mas não satisfeito. Tinha o estômago confortado, mas o espírito em confusão. O homem que, segundo vossas palavras, foi feito à imagem de Deus Nosso Senhor, é mil vezes pior do que a pior fera da mata. Tendo tudo ao seu alcance, procura sempre conquistar mais, e o faz pelo caminho mais condenável. Para isso, usa, ora o embuste, ora a mentira, não hesitando em empregar a força.

Sorri para o irmão, desejando a sua desgraça. Beija a mão do poderoso, e pisa a cabeça do miserável e pequeno. Tendo os frutos dos pomares, feitos por Deus, persegue, mata e estraçalha os animais, para comer-lhes a carne rubra. E cria outros, com o mesmo fim interesseiro e assassino!

E a mim, que um naco qualquer poderia contentar, davam-me comida podre e que nem um chacal aceitaria; e agora, nem isso, preferindo dar-me pedradas, pauladas e tiros… A mim, que não fui feito à imagem de Deus e que só devo comer carne…A mim, que ouvi as vossas palavras e respeitei a vossa Paz…

E é a mim que falais, a mim que vindes pedir contas, pela quebra da promessa feita!

Deveis pedir contas a eles, os humanos! A eles, sim, irmão Francisco! A eles, que, tendo tudo, sempre querem mais! A eles, que prometem com os olhos e com a boca e faltam com o coração! A eles, que, mesmo tendo sido feitos à imagem de Nosso Senhor, são mais monstruosos e temíveis do que eu ou qualquer outro animal feroz!”

Terminando de se justificar perante Francisco, e vendo entre os seus seguidores, muitos que se agachavam à procura de uma pedra, o lobo recuou e fugiu para a floresta, de onde jamais tornou a sair. Partiu desiludido dos homens e das suas leis.

São Francisco de Assis, o protetor dos animais, e que com eles se comunicava, ao ver o lobo partir para a floresta em disparada, permaneceu alguns minutos meditando. Completamente desolado e em lágrimas, reconheceu a grande verdade que havia brotado das palavras do irmão Lobo.

Realmente, a verdadeira fera era o homem, e era para ele que o seu discurso deveria ser dirigido.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 16 de maio de 2020

A PRAGA E A PREGA

 

A PRAGA E A PREGA

Particularmente, já cumpri mais do que uma quarentena (isolamento compulsório), esperando que seja erradicada a pandemia do Coronavírus.

Esse confinamento fez-me vasculhar coisas guardadas em gavetas e na memória. Coisas importantes, só para mim. Registro de momentos felizes e tristes, há muito tempo adormecidos, mas que uma vez por outra aparecem nos meus sonhos.

Minha Mãe, quando tinha algum problema de saúde que a obrigava a se manter em repouso, impedindo-lhe de sair de casa, às vezes, impaciente, dizia:

– Ô prega na minha vida!!! Tanta coisa que eu tenho para fazer!!!

Hoje, ela já não se encontra entre nós. Mas, se viva fosse, certamente, atravessando essa pandemia, iria sentir-se prisioneira, sem poder, nem mesmo ir à Igreja, assistir às Missas dominicais.

Com medo de me contaminar com o Coronavírus, essa praga que, fatidicamente, está contribuindo para o controle da superpopulação mundial, ultrapassei a quarentena. Continuo cumprindo as ordens, por sinal, inconstantes, do Governo do Estado, com relação ao isolamento.

Na verdade, essa pandemia está sendo uma gorda loteria premiada, para a POLITICALHA, que está pegando nas verbas destinadas à Saúde Pública. Está, também, provocando depressão e enlouquecendo a população, com estatísticas alarmantes, algumas, comprovadamente, contraditórias.

No Brasil, para uns, essa praga é um castigo do Céu; uma lição para os hereges, componentes da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira (ou simplesmente Mangueira), cujo enredo do último carnaval, teve como ponto culminante a execração e o ultraje da figura de Jesus Cristo, o Homem mais importante da História da Humanidade. Houve uma afronta gritante, aos Cristãos e aos princípios religiosos.

A Mangueira, com esse enredo podre, uma verdadeira ode ao satanismo, pensava que iria conquistar o 1º lugar. Ledo engano. Com esse enredo desrespeitoso e chocante, ridicularizando e execrando a figura de Jesus Cristo, essa tradicional Escola de Samba (Mangueira), não só deixou de conquistar o 1º lugar, como perdeu uma legião de antigos torcedores, que se decepcionaram e se revoltaram com o infeliz enredo.

Entre esses torcedores revoltados, deveria estar a minha Mãe, católica praticante e temente dos castigos de Deus.

Eu ficava feliz, ao ver a alegria da minha Mãe, assistindo pela televisão, ao desfile da Mangueira.

Certa vez, perguntei-lhe:

– Por que a senhora torce pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira? Eu torço pela Beija-Flor!

A resposta veio em cima da bucha:

– Ora, minha filha! Tem coisa melhor no mundo, do que uma manga rosa madura???

Minha mãe era inteligentíssima e muito espirituosa. Não tinha maldade e tinha resposta para tudo.

Quando havia a Loteria Esportiva, às vezes, por influência minha, ela fazia um joguinho básico, ao gosto dela.

Certa vez, o Vasco da Gama, jogando no Rio de Janeiro (em casa), perdeu para o Maringá Futebol Clube, do Paraná. Foi a maior Zebra do ano. Dos poucos pontos que acertou, minha Mãe acertou essa Zebra.

Quando conferi o jogo dela, rindo, eu lhe disse:

– Mamãe, a senhora acertou a Zebra!!! A maior Zebra do ano! A senhora torce pelo Maringá? A resposta dela foi ótima:

– Torço, porque eu adoro a música “Maringá Maringá…depois que tu partiste, tudo aqui ficou tão triste…”

O brasileiro costuma dizer, que o Ano Novo só começa mesmo depois do Carnaval. Até então, pessoas viajam para as praias para veranear, outras viajam de férias para outros estados ou até para o exterior.

Apesar de já estarmos no mês de maio, 5º mês deste ano de 2020, o brasileiro ainda não pôde dizer que o Ano Novo, “vida nova”, começou. Os planos para este novo ano estão congelados. Mas Deus proverá!

O Coronavírus representa uma verdadeira praga, para quem estava aguardando, que o Ano Novo começasse logo depois do Carnaval.

E as palavras da minha Mãe, continuam soando aos meus ouvidos:

– Ô prega na minha vida!!!

Estou sem sair de casa, aguardando a notícia da erradicação da terrível praga do Coronavírus. Já sonhei, até, com um comboio, que por aqui passava, levando de volta o Coronavírus, para as profundezas do inferno chinês, de onde nunca deveria ter saído.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 02 de maio de 2020

BICHO VOADOR

 

BICHO VOADOR

Muitos grupos indígenas vivem isolados, tentando manter a sua autonomia, ou para fugir da morte. Deslocam-se para as áreas mais preservadas, que por vezes são de unidades de Conservação ambiental, ou Terras Indígenas já demarcadas. Os índios tem sido massacrados, desde o “descobrimento” do Brasil, o que, na verdade foi uma invasão, pois a terra descoberta já era por eles habitada.

Tem ocorrido frequentemente, a criação de unidades de Conservação, em áreas de localização de povos isolados, ao invés de demarcá-las como terras indígenas. No Maranhão, os grupos isolados perambulam por terras indígenas já demarcadas. Mesmo assim, estão ameaçados de extinção, devido à permanente invasão e exploração ilegal de madeira nessas terras. Os crimes de genocídio, que são aqueles praticados com a intenção de aniquilar um povo, tem sido, relativamente, frequentes na Amazônia, nas últimas décadas, com a construção de estradas e hidroelétricas.

Pois bem. Décadas atrás, quando os índios eram somente índios, e, com razão, como ainda hoje acontece, temiam a aproximação do “homem branco”, usavam como transporte somente a canoa. Os médicos sanitaristas de todo o Brasil organizavam expedições e se embrenhavam na selva amazônica, para o trabalho assistencial.

Armavam acampamentos, tratavam dos índios doentes, faziam parto, distribuíam remédios e davam orientações.

Os índios viviam nas suas respectivas etnias isoladas, para fugirem da maldade dos saqueadores de suas terras e de suas vidas. Algumas etnias, ainda hoje, vivem isoladas na selva amazônica, sem qualquer contato com os homens brancos, que só lhe querem fazer o mal. Não admitem que eles se aproximem de suas ocas e mostram-se violentos diante de qualquer tentativa de aproximação. Não conhecem o açúcar, o sal, nem o sabão. Sua alimentação se restringe a peixe e farinha de banana verde. Tem a saúde muito frágil.

Os expedicionários chegavam à região dos índios, num pequeno avião. Quando o avião pousava, os índios se escondiam. Morriam de medo daquele “bicho pesado e voador”. Somente o índio Tupinambá se aproximava para ver de perto o avião.

Esse índio destoava dos demais, e gostava de se aproximar do homem branco, para ver de perto o avião. Seu deslumbramento era perceptível. E sempre dizia a quem estava por perto, que “índio querer passear no “bicho voador.”

O médico da expedição, depois de ouvir isso repetidas vezes, resolveu chamar o índio para fazer uma pequena viagem. Dessa forma, satisfazer-lhe-ia o desejo de andar naquele “bicho pesado e voador.”

O Piloto iria fazer um voo de reconhecimento sobre a mata. Tupinambá ficou muito contente com o convite e aceitou na hora. Não saiu de perto do avião, até a hora de realizar seu sonho.

E lá se foram o piloto, o médico e o índio, que ria de felicidade, feito uma criança.

Quando o avião decolou, para fazer medo ao índio, o piloto, por maldade, falou para o médico:

-Olhe, Doutor! Nós estamos sobrevoando o local onde, no ano passado, caiu um avião igual a esse. Não escapou ninguém!!!

Ouvindo isso, o índio entrou em pânico e perguntou:

“Bicho voador poder cair?!!!” O piloto e o médico sorriam, se divertindo com a reação do índio, que gritava e pedia socorro. Queria porque queria sair do avião à força.

Nunca mais Tupinambá chegou perto do avião, nem falou com os expedicionários.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de abril de 2020

O PESADELO

 

O PESADELO

Depois de vários dias sem frequentar, compulsoriamente, salão de cabeleireiro, shoppings, supermercados, restaurantes etc. o que faz parte da minha rotina, continuo confinada, para evitar a contaminação do CORONAVÍRUS.

Como sempre ouvi minha mãe dizer que “quem não toma conselho, raramente acerta”, prefiro cumprir as determinações do poder público. Com a Saúde, não se brinca.

A minha distração são meus livros, o computador, a televisão e o celular.

Não aguento mais os noticiários agourentos da televisão, com prognósticos aterrorizantes sobre a pandemia que se alastra, também, pelo Brasil.

De tanto ouvir notícia ruim, comecei a ter pesadelos. O último que tive, foi que eu acordava pela manhã, sozinha, e as minhas estantes estavam completamente vazias. Não encontrava um só livro, em nenhum lugar do apartamento. Era uma época em que não havia computador, televisão e muito menos telefone.

Acordei em pânico e corri para a minha pequena biblioteca. Os livros estavam todos lá. Tudo intacto. Respirei aliviada, quando vi que tinha sido um pesadelo.

A nossa memória armazena “informações”, que, quando dormimos, às vezes se libertam e ocupam nossa mente. Freud explica.

Pois bem. Depois desse pesadelo, lembrei-me de um filme que eu e meu marido (de saudosa memória) assistimos na década de 70, “FAHRENHEIT 451”, na sessão de “Cinema de Arte”, no Cine Rio Grande, em Natal.

Nessa época, os Shoppings ainda não existiam, com suas inúmeras e geladas salas de projeção. Os tradicionais cinemas de Natal, como o Cine Rio Grande e Cine Nordeste, eram muito mais aconchegantes.

Esse filme, “FAHRENHEIT 451”, dirigido por François Truffaut e estrelando Oskar Werner e Julie Christie, foi um sucesso de bilheteria.

É uma adaptação do livro de Ray Bradbury (1920-2012), publicado pela primeira vez em 1953. Escrito nos anos iniciais da Guerra Fria, o livro é uma crítica ao que Bradbury viu como uma crescente e disfuncional sociedade americana. Trata-se de uma sociedade do futuro, uma cidade fictícia, onde todos os livros são proibidos; opiniões próprias, contra o sistema, são consideradas antissociais e o pensamento crítico também é proibido. Essa cidade baniu todos os materiais de leitura e o trabalho dos bombeiros é manter as fogueiras a 451 graus, a temperatura que o papel queima.

O personagem central, Guy Montag, trabalha como “bombeiro”, o que no enredo. significa “queimador de livro”. O número 451 é a temperatura, em graus Fahrenheit, da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius.

O bombeiro segue a profissão de seu pai e de seu avô, e tem a certeza de que seu trabalho (queimar livros e a casa que os abriga, bem como perseguir as pessoas que os detém) – é a coisa mais certa que existe.

Ele sempre se lembra de um fato ocorrido na sua infância, quando faltou luz e sua mãe acendeu uma vela, no escuro, proporcionando a todos uma luz estranha, mas sob a qual ele se sentiu muito bem.

Qualquer pessoa flagrada lendo livros era, no mínimo, confinada num hospício. Os livros ilegais, encontrados e queimados, eram obras famosas, principalmente de autores como Walt Whitman (poeta, ensaista e jornalista norte-americano), Willian Faulkner (escritor norte-americano, que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1949), e outros.

Os leitores procuravam gravar, mentalmente, seus livros preferidos, antes que fossem queimados.

O autor do romance conta que o mesmo foi escrito nos porões da biblioteca Powell, na Universidade da Califórnia, em uma máquina de escrever alugada. Sua intenção original, ao escrever o romance, era mostrar seu grande amor por livros e bibliotecas, e frequentemente se refere a Montag, o bombeiro, como uma alusão a ele mesmo.

A história é encerrada, com leve tom otimista. É dito que a sociedade que Montag conheceu foi quase totalmente dizimada, e uma nova sociedade estaria nascendo de suas cinzas, com um destino ainda desconhecido.

Nesse novo mundo, as pessoas que liam livros antes, de forma oculta, começam a revelar-se, explicando a todos os demais, de onde vieram e de que forma o conhecimento que detém poderá transformar a vida de todos, de modo positivo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 18 de abril de 2020

DONA CAPITÃO

 

DONA CAPITÃO

Era a festa de 40 anos de casados de meus pais, Lia e Francisco, em Nova-Cruz (1979). Houve um almoço de arromba, feito por Dona Capitão, uma cozinheira de luxo, disputada pelas famílias “chiques” de Nova-Cruz, quando queriam preparar banquetes. A mulher tinha fama de exímia cozinheira. E realmente devia ser.

De Natal, foram convidadas somente pessoas da nossa família e umas quatro ou cinco pessoas muito amigas da minha mãe. De Nova-Cruz, também, somente os familiares. Uma comemoração simples, em família, conforme o desejo da minha mãe e do meu pai. Os cinco filhos, noras, genros e netos estavam presentes. Foi um dia muito alegre, e a casa ficou cheia de pessoas queridas.

Chegamos a Nova Cruz no domingo de manhã cedo. Dona Capitão já estava em ação. O cheiro de peru e lombo de porco, assando no forno, já estava no ar. Em cima do fogão, uma enorme caçarola com peru guisado e outra com galinha caipira, além de carne de sol, assada na manteiga do Sertão, que seria acompanhada de feijão verde, arroz e farofa.

Depois de conversar um pouco com meus pais, tive vontade de dar uma olhada na cozinha. Encontrei Dona Capitão com uma colher de pau na mão, mexendo uma panela enorme, e despejando nela dois vidros grandes de “maionese”. Curiosa, perguntei o que ela estava fazendo.

De cara fechada, a mulher respondeu:

– É um estrogonofe de carne.

Não me contive e disse:

– Nunca vi maionese em estrogonofe; só vejo creme de leite.

Aborrecida, ela disse:

– Ainda vou colocar o creme de leite.

Tratei de me afastar, antes que Dona Capitão se chateasse comigo. De simpática e delicada, ela não tinha nada. Era do tipo de cozinheira convencida, que não gostava de plateia na cozinha.

Cismei com o tal estrogonofe e jurei pra mim mesma que dele não comeria.

Quando o almoço foi servido, não tive coragem nem de chegar perto daquele “picadinho metido a besta”.

Pensei com meus botões: -Isso vai dar é dor-de-barriga nesse povo.

O almoço foi um sucesso. Todos acharam a comida maravilhosa. Dona Capitão ficou feliz da vida, por ouvir tantos elogios à sua comida. Todos comeram bastante, e chegaram a repetir.

Excetuando-se os donos da festa, Francisco e Lia, que só gostavam da comida costumeira e simples, os convidados se empanturraram de tudo, inclusive do tal estrogonofe. Eu, que já tinha jurado pra mim mesma que não chegaria nem perto dele, cumpri a jura, e dele não comi.

Depois, vieram as sobremesas, uma variedade de saborosas iguarias, incluindo “pudim de leite” e “manjar do céu”. Não faltaram licores caseiros e o indispensável cafezinho.

Vendo várias redes armadas no alpendre, os mais velhos procuraram tirar uma soneca. Mas, a maioria dos convidados ficou no bate-papo, debaixo do “Ficus-Benjamina”, em frente à nossa casa.

Duas horas depois, começou o entra- e- sai no único banheiro que havia dentro de casa. E o banheiro antigo, que ficava no quintal, quase sem uso, nunca teve tanta serventia. Formou-se até fila, para as pessoas usarem o banheiro interno. À certa altura dos acontecimentos, teve gente que fez de sanitário umas telhas velhas, que estavam no fundo do quintal, por não aguentar esperar que um dos banheiros desocupasse.

A dor de barriga foi geral. Parecia uma epidemia. O estoque de papel higiênico “Tico-Tico”, recém lançado, acabou, e entrou em ação o papel de embrulho, que enrolava sabão, e o que vinha da padaria com pão, etc. Meu pai teve que ir depressa à venda, buscar mais papel higiênico. Foi um vexame “tragicômico”.

A festa tornou-se hilária e o “estrogonofe” feito por Dona Capitão ficou na história. Foi a primeira e única vez que essa célebre cozinheira de Nova-Cruz entrou na nossa casa.

O cunhado da minha Mãe e a esposa, no dia seguinte, retornaram a Natal, e ele, por brincadeira, ao se despedir, disse à minha Mãe, que estava muito feliz, por ter se curado do seu problema de intestino preso. Foi a única pessoa que disse ter gostado da dor-de-barriga.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 12 de abril de 2020

DOMINGO DE PÁSCOA

 

DOMINGO DE PÁSCOA

Violante Pimentel

A palavra Páscoa, em português, deriva do termo em hebraico “Pessach” (passagem), celebração de tradição judaica, que relembra a libertação do povo hebreu da escravidão no Egito. A Páscoa comemorada pelos hebreus era realizada próximo à época que marcava o início da primavera.


Apesar do Cristianismo ter surgido de uma seita derivada do Judaísmo, o significado da páscoa cristã é diferente, pois relembra os três dias da morte até a ressurreição de Cristo.


A Ressurreição de Cristo é um dos principais pilares da fé cristã, o que evidencia a importância dessa festa no calendário da religião.

Cristo, visto como Cordeiro de Deus, ofereceu-se em sacrifício para salvar a humanidade do pecado. Depois de ter sido crucificado e morto, ressuscitou após três dias. A crucificação e ressurreição de Cristo teriam acontecido exatamente na época de realização do festival judaico, o que criou um paralelo entre as duas comemorações.


Na tradição cristã católica, a páscoa encerra a Quaresma, que é um período de quarenta dias, marcado por jejuns. A última semana da Quaresma, é a chamada “Semana Santa”, iniciada no Domingo de Ramos, que marca a entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém; passa pela Sexta-feira da Paixão, que é marcada pela morte de Cristo; e é finalizada no Domingo de Páscoa, ou DOMINGO DA RESSURREIÇÃO, que celebra a Ressurreição de Jesus Cristo.


A data da Páscoa foi instituída pela Igreja, durante o Concílio de Niceia, em 325 d.C

Atribuem-se os símbolos da páscoa – o coelho e os ovos – a elementos pagãos. Acredita-se que ovos e coelhos eram vistos por povos na antiguidade, como símbolos da fertilidade. Assim, à medida que esses povos foram cristianizados, esses elementos foram sendo absorvidos pela festa cristã.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 12 de abril de 2020

JESUS CRISTO, O MAIOR HOMEM DA HISTÓRIA (TEXTO DE VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

JESUS CRISTO, O MAIOR HOMEM DA HISTÓRIA

Villante Pimentel

 

"EM BIOLOGIA, NASCEU SEM A CONCEPÇÃO NORMAL;

EM FÍSICA, DESMENTIU A LEI DA GRAVIDADE, QUANDO ANDOU SOBRE AS ÁGUAS E SUBIU AOS CÉUS;

EM ECONOMIA, ELE REFUTOU A LEI DA MATEMÁTICA AO ALIMENTAR5000 PESSOAS COM SOMENTE CINCO PÃES E DOIS PEIXES; E AINDA FAZER SOBRAR 12 CESTOS CHEIOS.

EM MEDICINA, CUROU OS ENFERMOS E OS CEGOS SEM ADMINISTRAR NENHUMA DOSE DE MEDICAMENTO.

A HISTÓRIA É CONTADA ANTES DELE E DEPOIS DELE, ELE É O PRINCÍPIO E O FIM.

ELE FOI CHAMADO MARAVILHOSO, CONSELHEIRO, O PRÍNCIPE DA PAZ, O REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES;

AFIRMOU DIZENDO, QUE NINGUÉM VEM AO PAI SENÃO POR ELE;

ELE É O ÚNICO CAMINHO, A VERDADE E A VIDA;

ENTÃO...QUEM É ELE? ELE É JESUS!

O MAIOR HOMEM DA HISTÓRIA: JESUS!!!

ELE NÃO TINHA SERVOS, E NO ENTANTO O CHAMAVAM DE SENHOR.


NÃO TINHA NENHUM GRAU DE ESTUDO, E NO ENTANTO O CHAMAVAM DE MESTRE.


NÃO TINHA MEDICAMENTOS, MAS ERA CHAMADO DE MÉDICO.


ELE NÃO TINHA EXÉRCITO, MAS REIS O TEMIAM...


ELE NÃO GANHOU BATALHAS MILITARES, E NO ENTANTO, CONQUISTOU O MUNDO!


ELE NÃO COMETEU NENHUM DELITO, E NO ENTANTO FOI CRUCIFICADO.


FOI ENTERRADO EM UMA TUMBA, E NO ENTANTO, ELE VIVE!!!"


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 11 de abril de 2020

A CEBOLA

 

A CEBOLA

O ardor sentido nos olhos, ao se picar uma cebola, e a consequente choradeira, é um fenômeno que se deve às células desse vegetal, uma parte rica em enzimas e a outra em sulfuretos. Ao serem cortadas, essas duas células se rompem e se misturam. Reação que resulta em uma substância chamada ácido sulfénico e é transformada em um gás. A irritação é produzida quando esse gás atinge os olhos, pois eles estão constantemente úmidos. É produzida, então, uma solução fraca de ácido sulfúrico. O organismo se defende do incômodo, produzindo mais lágrimas.

Mariza era muito emotiva e por tudo chorava. Desde criança, seu apelido era “Maria chorona”. Por isso, era sempre levada na gozação, pelos quatro irmãos e até pelos pais. Chorava de alegria, de tristeza, de raiva ou decepção. Uma música triste, em tom menor, sempre lhe fazia chorar.

Depois de mocinha, ajudava a mãe na cozinha e aprendeu a cozinhar divinamente. Vivia com os nervos à flor da pele, sem perspectiva de crescer na vida.

Filha de família pobre, foi alfabetizada em Grupo escolar, mas não pôde prosseguir nos estudos. Assumiu os afazeres da casa, com a morte da mãe.

Vivia sonhando com um príncipe encantado, que a tirasse daquela pobreza franciscana. Mas esse príncipe estava difícil de chegar. Seu pai, agricultor, já cansado, recebia pequena aposentadoria pelo INSS.

Sempre triste, Mariza se realizava, quando preparava comida. Descascava cebola com a maior satisfação, já que a cebola, quando é cortada, quase sempre provoca lágrimas.

Com a morte da mãe, ela sentiu-se na obrigação de ser forte, evitando chorar na frente do pai e dos irmãos. Eles não suportariam ver seu sofrimento e iriam sofrer muito, vendo-a assumir o papel de dona de casa, no lugar da mãe.

Certa vez, enquanto todos jantavam, tomando a sopa de feijão, igual àquela que sua mãe fazia, perceberam seus olhos lacrimejando e se entreolharam. Antes de qualquer comentário, Mariza se antecipou:

– Meus olhos estão lacrimejando, por causa da cebola que cortei para colocar na sopa.

Nenhum comentário. Mesmo sabendo que não era, todos fingiram acreditar que a culpa daquelas lágrimas era da cebola.

Na verdade, naquela hora em que todos estavam sentados à mesa, Mariza estava vivendo uma grande crise de saudade da Mãe, como sempre acontecia. Sua alma estava dilacerada.

Mas, ela mesma gostou da desculpa da cebola, e, a partir de então, sempre que o pai e os irmãos a surpreendiam chorando, ela se antecipava: – Estava descascando cebola.

Por isso, a comida que preparava era muito acebolada. As cebolas nasciam em abundância, na horta que ela cultivava..

Certo dia, Mariza soube que cientistas estavam inventando coisas para modificar a cebola. Elas não iriam mais provocar lágrimas. Mariza não gostou da ideia e pediu a Deus para que eles não obtivessem êxito nesse invento.

O que seria dela sem as cebolas, que eram suas cúmplices?


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