Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 19 de março de 2019

KARDEC EM DUAS VERTENTES

 

 

KARDEC EM DUAS VERTENTES

 
  1. Creio que poucos seguidores da Doutrina Espírita leram o explicitado no Evangelho segundo o espiritismo, capítulo VI, item 5, psicografado em 1860, em Paris. Transcrevo-o, na tradução do notável brasileiro J. Herculano Pires: “Venho, como outrora, entre os filhos desgarrados de Israel, trazer a verdade e dissipar as trevas. Escutai-me. O Espiritismo, como outrora a minha palavra, deve lembrar aos incrédulos que acima deles reina a verdade imutável: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinar as plantas e que levanta as ondas. Eu revelei a doutrina divina; e, como um segador, liguei em feixes o bem esparso pela humanidade, e disse: “Vinde a mim, todos vós que sofreis!” E conclui: “Espíritas: amai-vos, eis o primeiro ensinamento; instruí-vos, eis o segundo. Todas as verdades se encontram no Cristianismo; os erros que nele se enraizaram são de origem humana; e eis que, de além-túmulo, que acreditáveis vazio, vozes vos clamam: Irmãos! Nada perece, Jesus Cristo é o vencedor do mal; sede os vencedores da impiedade!” 

Quando me iniciei no estudo da Doutrina Espírita, por orientação do irmão querido Bruno Tavares, principiei uma série de leituras pronta pelos escritos do Codificador Allan Kardec. E na medida que o tempo passava, mais necessidade eu sentia de me aprofundar na Doutrina, lamentando meus parcos neurônios e percebendo que muitos ainda subestimam a necessidade de instruir-se, optando por uma superficialidade desvinculada das recomendações do notável lionês. Sempre continuarei pesquisando novas bibliografias que facilitem o meu aprendizado e as orientações apreendidas de outros irmãos talentosos.

Assim sendo, outro dia me deparei com um livro excepcionalmente didático, de autoria de Christiano Torchi, assessor jurídico do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, também voluntário da FEMS – Federação Espírita de Mato Grosso do Sul, além de docente no Centro Espírita Discípulos de Jesus, monitorando ESDE – Estudo Sistemático da Doutrina Espírita. O livro, Espiritismo passo a passo com Kardec, Brasília, FEB, 2016 (4ª.edição), 479 p., obteve grande aceitação, mesmo sendo um livro de estudos, consultas e pesquisas, conquistando a simpatia dos iniciantes, que o estão vendo como alicerce primeiro para o Pentateuco.

Na quarta capa do livro acima, um testemunho sobre o trabalho do Torchi: “Fiel aos princípios do Pentateuco – O Livro dos Espíritos, o Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o inferno, e A gênese -, ele se refere também às obras complementares, mediúnicas ou não, enriquecendo o pensamento religioso, principalmente quando recorre a André Luiz e Emmanuel, entre outros Espíritos de escol, e a pensadores encarnados, brasileiros e estrangeiros, no afã de informar com responsabilidade e clareza.”

O livro tem duas características: não tem intenções de proporcionar novidades, tampouco impor pontos de vista a quem quer que seja. Segundo o autor, o texto é um esforço de reflexão, daí nada devendo ser cegamente aceito, tornando-se indispensável a utilização de acurado senso crítico, tudo questionando, nada deixando de ser apurado, sempre em busca da Verdade, dada a falibilidade de todos, inclusive do próprio autor.

2. Para se ter uma noção mais depurada sob contexto da época, da revolução causada por Allan Kardec, no palco das revoluções políticas, sociais, culturais e científicas que se processavam no século XIX, proporcionando a mais importante revolução religiosa dos tempos modernos, é bastante significativa a leitura de Allan Kardec e sua época sob o ângulo humanista, de Jean Prieur (1914-2016), Bragança Paulista – SP, Lachâtre, 2015, 368 p. Uma biografia de Kardec contextualizada, onde o Codificador da Doutrina Espírita assim se manifestava diante dos fenômenos emergentes da época: “O espiritismo teve seu ponto de partida no fenômeno vulgar das mesas girantes. Mas como esses fatos falam mais aos olhos que à inteligência, eles despertam mais curiosidade do que sentimento. Uma vez satisfeita a curiosidade, fica-se menos interessado porque não são compreendidos, diferentemente de quando a teoria veio explicar a causa.”

A importância de Kardec se reflete posteriormente na sua inclusão no Grande Dicionário, onde Pierre Larousse reproduzia o pensar acima, com uma complementação: “Quando o Sr. Rivail ouviu falar de mesas gritantes, das supostas manifestações de espíritos batedores e de médiuns, ele pensou ter descoberto uma nova ciência e contribuiu para propagar na França essa funesta epidemia de supranaturalismo que fez tantos estragos durante uma década nas mentes das pessoas na América e na Europa.” Posicionamento alterado no próprio Larousse anos depois.

O livro do Jean Prieur está repleto de sedutoras constatações. Uma delas: a longa estadia de Kardec num país protestante teve uma gigantesca vantagem, a de proporcionar um bom conhecimento da Bíblia, pois naquela época, na França, até o início do século XX, era preciso uma autorização especial do confessor para ler o Antigo Testamento, posto que à época e segundo normas vaticanas não era leitura para qualquer um.

Dentre as iniciativas promissoras contidas no livro, Prieur narra o lançamento da Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos, em 1858, 1° de janeiro, sonho acalentado por Kardec, o de ter um meio de comunicação mensal com os adeptos da Doutrina. E fundou ele ainda a SPES – Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, instituição devidamente autorizada pelo prefeito de polícia em 13 de abril, obedecendo parecer favorável do Senhor Ministro do Interior e da Segurança Geral. Que ouviu o seguinte testemunho de Napoleão III: “Tive a oportunidade de ler seus escritos com a imperatriz. É um homem sério, um cidadão estimado: podeis dar-lhe a permissão que solicita.”

Allan Kardec desencarnou na manhã de 31 de março de 1869, entre 11 horas e meio-dia. As descrições contidas nas páginas últimas do livro são emocionantes, historicamente reais. E Jean Prieur, ao seu todo, ressalta um Allan Kardec batalhador, plenamente comprometido com o Evangelho do Senhor Jesus, sempre pelejando por mais instruções para todos aqueles que desejam possuir a fraternidade universal como meta ultima de um processo civilizatório direcionado para a Luz Infinita.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 12 de março de 2019

EU PROTESTO

 

 

EU PROTESTO

 

Com o título acima, o notável médium brasileiro Divaldo Branco, de reconhecimento mundial, publicou artigo no jornal A Tarde, de Salvador, Bahia, no dia 7 de março passado, coluna Opinião. Uma leitura que deve ser meditada lentamente por todos aqueles que vivenciaram as euforias e estrepolias do Carnaval do Brasil 2019. Artigo que endosso sem pestanejar, inexistindo em meu interior de homem etariamente bem vivido qualquer ranço de moralismo ou puritanismo caviloso. Reproduzo-o, abaixo, encarecendo aos leitores amados uma reflexão sobre os carnavais dos amanhãs brasileiros, quando o menosprezo pelas nossas crenças estiver em níveis abaixo de zero, favorecendo manifestações animalescas que seguramente muito enodoarão o título de Brasil, Pátria do Evangelho que ostentamos com tanto orgulho. Ei-lo, na íntegra:

“Lamentavelmente, a liberdade é uma conquista que nem todos os seres humanos compreendem. Alguns setores da sociedade confundem-na com a libertinagem, a permissão que lhes faculta o direito ao desrespeito a tudo quanto lhes perturba ou lhes impõe disciplina moral. Cada dia acompanhamos a perversão dos costumes e os atentados de vária ordem, utilizados insensatamente por esses libertinos escudados no direito que negam aos outros.

Não há muito, em nome da cultura, vimos exibir-se despido um homem no Museu de Arte Moderna de São Paulo, que se dispôs permitir-se apalpar por crianças em nome da liberdade. Outras exposições perversas foram apresentadas em Porto Alegre e em Belo Horizonte, em nome da arte, em espetáculos chulos e de baixo padrão moral, numa apresentação psicopatológica, exaltada pelos mesmos representantes do chamado progresso cultural. Há poucos dias, em São Paulo, no desfile do Carnaval, a Escola de Samba Gaviões da Fiel exibiu um quadro horripilante, ironizando Jesus, que era apresentado semidespido, surrado porSatanás, que o martirizava com um tridente, matando-O, enquanto caveiras sambavam em Sua volta. O espetáculo vulgar e agressivo mereceu a revolta de muitos foliões e pessoas outras que não puderam compreender a razão pela qual esse extraordinário vulto, considerado o maior da humanidade, cujo berço dividiu a História, naquela situação profundamente vexatória e agressiva não somente à Sua memória, assim como a todos aqueles que O respeitamos e cultuamos em nosso comportamento.

Com que direito esses sambistas arbitrários se permitiram denegrir a figura do Homem de Nazaré, respeitado mesmo por aqueles que não Lhe seguem as diretrizes filosóficas e religiosas? Esse comportamento viola todos os valores morais que a liberdade concede, naturalmente exigindo consideração ao direito dos outros. Sou espírita-cristão que aprendi com Ele a respeitar todas criaturas, credos e ateísmo, impositivos sociais e morais, não me podendo calar ante a afronta vil e zombeteira dos carnavalescos embriagados pelas paixões subalternas…

Não é a primeira vez que a crueldade ateísta de alguns indivíduos tenta macular a figura incorruptível de Jesus. Incomodados com a grandeza e excelência dos Seus ensinamentos, que eles não têm valor moral para vivenciar, dominados por conflitos sexuais e de outra ordem, buscam desacreditar o incomparável pensador e Mestre, que vem iluminando a consciência da sociedade desde há dois mil anos.

Tem-se insistido em informar que Jesus era gay, em tentativa de diminuir-lhe a dignidade, e advogam, ao mesmo tempo, que os gays merecem todo respeito e consideração. Claro que os gays são credores de nosso respeito, pois que são pessoas normais e dignas, mas aqueles que assim procedem visam diminuir-Lhe o conceito de honradez, o que não deixa de ser um paradoxo. Espero que outros cristãos decididos apresentem a sua recusa e protesto a esses adversários da dignidade humana, demonstrando-lhes que as suas demências não servirão de modelo moral à sociedade em construção neste momento quando iniciamos uma Era Nova de justiça e amor. Jesus não é apenas um símbolo do Mundo melhor, mas o exemplo que é guia para a conquista da plenitude.”

Sou radicalmente contrário à qualquer ofensa assacada contra os atuais símbolos religiosos vigentes no mundo contemporâneo. Inclusive manifesto profundamente meu respeito fraterno para com aqueles que não possuem qualquer crença. Tenho um amigo querido, o PHM, brilhante advogado pernambucano, que é agnóstico convicto, sempre respeitador das crenças as diversas. Como tive uma admiração gigante por Paulo Cavalcanti, comunista e ateu, caráter exemplar, advogado militante que atuava na Justiça de Pernambuco. Um especialista em Eça de Queiroz.

Que tenhamos respeito pelas convicções dos que nos rodeiam, sejam elas quais forem.

O Mahatma Gandhi costumava incentivar todos a ter bons valores, porque os valores de cada um se transformam no seu próprio destino.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 26 de fevereiro de 2019

GRANDEZAS E PENÚRIAS

 

GRANDEZAS E PENÚRIAS

 

Fernando Antônio Gonçalves

Na sociedade moderna, onde um individualismo perverso está asfixiando uma sadia individualidade cósmica, assusta demonstrar solidariedade, manifestar sensações fraternais, condoer-se com os menos favorecidos, ser ombro amigo. Melhor ser solidário à distância, sensibilizar-se com as crianças da Bósnia, horrorizar-se com os massacrados vitimados pelos sectários islâmicos, sair em passeata pelos negros assasinados na África do Sul ou protestar contra o quase findo Maduro. Ser herói na pele dos outros. No Ayrton, que já se foi. No Neimar, o primeiro mega-estrela pós Pelé, o derredor sendo só eu, eu e as minhas circunstâncias neurotizantes, sobrecarregadas de uma ininteligível sensação, a de culpa por ser um animal a nível corporal, e um pseudo-deus a nível egóico, uma contradição que continuamente amplia um viver com medo da existência.

A sociedade moderna foi edificada a partir do desenvolvimento do ego. Mas a sabedoria popular ensina que “quanto mais se verga o arco, mais longe voará a flecha, quebrando-se o arco se a curvatura for excessiva”. As promessas de vida fácil, com muito dinheiro estão multiplicando os otários compulsivos, a compulsão deles bem mais elevada que o apenas racional. E se o idiotizado é honestamente advertido, o otário sente-se ressentido, como se o mundo inteirinho estivesse tentando destruir seu projeto de enriquecimento acelerado.

 

O florentino Nicolau Maquiavel, autor de O Príncipe, permanente fonte de consulta para politizados de todos os calibres, dividiu os cérebros em três categorias: a dos que pensam por si mesmo, a dos que discernem a partir do entendimento dos outros e a dos que não entendem nem a partir de si nem a partir dos outros. Na categoria última certamente se inscrevem os que perderam sua individualidade através de uma prática individualista mórbida, os fins valendo todos os meios, o “ainda não” sempre substituindo o “por fim”.

Na primeira das categorias de Maquiavel, sem qualquer dúvida, se posicionou a figura sábia do mestre Harbans Lal Arora, serenamente a entender que “para se melhorar a situação presente, o melhor caminho é estar bem consciente de sua enorme dificuldade”. Possuindo a alegria de servir, Harbans era despido das pedanterias academicistas dos que costumam se auto-idolatrar por absoluta ausência de discípulos. Assimilando cotidianamente a imorredoura lição de Spinoza, na sua Ética: “A alegria é a passagem de um homem de uma perfeição menor a uma perfeição maior”.

Saibamos, apesar de todos os senões existenciais, ser radicalmente humanistas, fiéis seguidores de alguns “mandamentos”:

1. Que a produção atenda às reais necessidades do povo, jamais servindo apenas às exigências do sistema econônico; 
2. Que a relação entre as pessoas seja de colaboração, nunca de exploração; 
3. Que o antagonismo dê vez a solidariedade; 
4. Que se empenhe pelo consumo adequado;
5. Que as organizações sociais tenham por objetivo o bem-estar humano; 
6. Que todos sejam, na vida social, participantes ativos, sempre de espírito aberto.

Recomendaria aos meus irmãos kardecistas, a leitura de uma extraordinária obra de Francisco Cândido Xavier, o famoso médium mineiro Chico Xavier, um indicado ao Nobel da Paz, em 1981, por mais de 10 milhões de brasileiros, eleito em 2012, em evento promovido pelo Sistema Brasileiro de Televisão, “O maior brasileiro de todos os tempos.” Um médium que devidamente guiado pelo seu guia espiritual Emmanuel editou recentemente, em 2017, O Evangelho de Emmanuel: comentários às cartas de Paulo, BSB, 2017, 874 p. , sexto volume da coleção O Evangelho por Emmanuel. Em páginas memoráveis, segundo Joana de Ângelis, espírito de estupenda vertente analítica, “são oferecidas lições psicológicas modernas e psicoterapias extraordinárias, diretrizes de segurança para o comportamento feliz, exames e soluções para as questões sociológicas, econômicas, étnicas, referente aos homens e às mulheres, aos grupos humanos e às Nações, ao desenvolvimento tecnológico e científico, às conquistas gloriosas do conhecimento, tendo como foco essencial e transcendente o amor conforme Jesus ensinara e vivera.”

Se o caminho se faz andando, caminhemos, sem medo de ser feliz, utilizando um roteiro de segurança, na busca da auto-iluminação, sem embaraços no binômio amor x caridade.

Para ainda um início de ano, às vésperas de Momo, sempre esperando que a vaca tussa de modo mais generoso, recomendaria a leitura de dois textos que muito me impressionaram. O primeiro é Espelho do Ocidente – o nazismo e a civilização ocidental, Jéan-Louis Vullierme, RJ, Difel, 2019. 364 p. Onde se analisa, sob uma perspectiva incomum, as raízes do nazismo, muito mais amplas e profundas que o senso comum, que postula que o fenômeno é produto de uma geração espontânea, fruto de mentes doentias alicerçadas numa ideologia antissemita, ampliada pelas consequências revanchistas da Primeira Guerra Mundial. O livro é fruto de ampla pesquisa, resultado de uma preocupação que atualmente reina no mundo contemporâneo: uma inevitabilidade histórica que pode resultar em maldades já exclusas da história dos amanhãs.

A segunda recomendação é complementar à sugestão acima: A Coragem da Desesperança: crônicas de um ano em que agimos perigosamente, Slavoj Zizek, Rio de Janeiro, Zahar, 2019, 364 p. Um pensador de análises fecundantes, por vezes bastante inquietante, sobre as luzes de um fim de túnel que nada mais são que o farol de um trem acelerando em nossa direção. E só quando admitirmos que a situação é absolutamente irremediável e sem esperança, as mudanças serão possíveis. Slavoj é considerado o filósofo mais perioso do Ocidente, segundo o The Guadian. Leitura para desabestalhados de nível superior.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 19 de fevereiro de 2019

ENCARANDO A SOLIDÃO

 

ENCARANDO A SOLIDÃO

Fernando Antônio Gonçalves

Encontro-me com o Fredinho Lucas, hoje engenheiro tarimbado, colega de Marista da Av. Conde Boa Vista do Recife, curso científico, atleta de volibol, campeão dos Jogos Estudantis Pernambucanos, de épocas áureas. Recentemente desquitado, morando com um irmão mais novo, me confessou ser a solidão um dos seus principais problemas atuais, ele às vésperas de uma aposentadoria medianamente confortável, filhos criados, pais desencarnados, avô de dois, atualmente envolvido numa baita desacreditação de tudo, fruto de um nível de felicidade advindo de uma baixa densidade cultural, consequência primeira de muito trabalho tecnológico e quase nulas horas de leitura humanística.

De pronto, recomendei ao Fredinho a leitura de um livro recentemente editado, voltado para seres humanos carentes. Balizamentos existenciais para enfrentar uma atual epidemia planetária, onde a prática criminosa parece ser fortalecida por impunidades mil, sempre a coibir a ação de uma Justiça efetivamente aplicada: O Dilema do Porco Espinho: como encarar a solidão, Leandro Karnal, São Paulo, Planeta, 2018, 192 p. é muito recomendável. Páginas que reforçaram alguns dos meus fundamentos existenciais, ampliando minha condição de trabalhador da Casa dos Humildes, onde aprendi a assimilar sólidas lições da Doutrina Espírita, após assimilar leituras orientadoras dos bem mais capacitados na vivência teórica e prática dos ensinamentos do Mestre, coordenados por Allan Kardec e outros notáveis.

 

Na Introdução do livro, Karnal o inicia com uma definição do filósofo Arthur Schopenhauer: “somos uma espécie de porco-espinho. O frio da solidão nos castiga. Para buscar o calor do corpo alheio, ficamos próximos dos outros, provocando espinhos que nos perfuram e causam dor (e os nossos a eles). O incômodo nos afasta. Ficamos isolados novamente. O frio aumenta, e tentamos voltar ao convívio com o mesmo resultado.”

O problema da solidão é tão grave, que o governo da primeira-ministra britânica Theresa May instituiu o Ministério da Solidão, homenageando uma deputada inglesa violentamente assassinada. O nome da Comissão em inglês é Jo Cox Commission on Loneliness (Comissão sobre solidão Jo Cox), e surgiu diante dos alarmantes 9 milhões de britânicos que reclamam de frequente ou total solidão. Um estado de solidão que vitima principalmente as pessoas idosas, súditos com problemas de mobilidade, os maiores atingidos de uma verdadeira epidemia século XXI. Favorecendo uma questão de natureza planetária: o que estaria acontecendo no mundo para que o combate à solidão virasse uma política de Estado?

Karnal ressalta, no seu livro, que solidão é completamente distinta do simples fato de se estar sem alguém por perto, do mesmo modo que estar acompanhado não significa eliminar as manifestações sentidas. Segundo ele, num trágico verão de 2003, mais de 11 mil pessoas morreram na França, a maioria delas tendo idade superior a 75 anos, o isolamento tendo sido a causa principal de tão impressionante obituário. A solidão sendo o vestíbulo da perda da razão, ou “um amplo salão vazio, na qual a insanidade baila.”

Aristóteles, segundo ainda Karnal, garantia que a solidão criava deuses e bestas, querendo dizer que muito da criação humana advém do isolamento interno ou externo, a nossa selvageria sendo originária de perversos momentos solitários.

Em nosso primeiro papo, concordamos que, em reuniões técnicas ou sociais, a palavra crise é ouvida um monte de vezes. Crise de identidade do ser humano contemporâneo, crise de familiaridade com o mundo pós-moderno e crise de insegurança diante dos contextos tornados diferenciados pela Internet, por ela também mundializados. Parecendo crer que tudo vacila: o equilíbrio do todo, antes aparentemente estável, torna-se continuamente instável; os meios de comunicação favorecendo a elevação geométrIca das reivindicações sociais; e o mundo virtual se ampliando enquanto há redução da mão-de-obra assalariada planetária, onde uma globalização excessivamente copiativa favorece uma descriatividade gigante que resvala para a solidão, quando não devidamente combatida por uma criatividade sem pendores nostálgicos.

Ficamos convencidos de que alguns parâmetros germinais muito favoreceriam contínuas reestruturações pessoais, evitando um viver morrendo destemperado e altamente virótico. E alguns deles foram elencados, considerados de alta significância:

 O bem-querer terá prevalência sobre todas as lógicas destrutivas.
 Os méritos devem ser sempre coletivos e jamais fingidos, nunca individualizados.
 As amizades conquistadas são o maior patrimônio de todo ser humano em sua contínua mutação evolutiva.
 Esmagar potencialidades é crime de lesa-convivialidade.
 Jamais abandonar um aprender-desaprender-reaprender que ressalta as diferenças entre permanência e mutação.
 Tornar-se águia sem mentalidade de galinha, por mais emplumada que esta seja.
 Entender que mente saudável, além de saber fazer, faz também acontecer.
 Saudades bem sentidas, nostalgias contidas.
 Umbrais ultrapassados, sonhos recuperados.
 Nunca atirar pérolas aos porcos.
 Sempre distinguir postura orgulhosa e arrogante de dignidade cautelosa.
 Nasce-se com inteligência, jamais com o manual de instrução da sua utilização.

E outro bate-papo foi por nós estabelecido, sempre regado a guaranás e biscoitos, o livro do Karnal gradativamente bem digerido. Para bem compreender os bons momentos dos instantes de solidão.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 12 de fevereiro de 2019

PARA BOM ENTENDEDOR

 

PARA BOM ENTENDEDOR

Fernando Antônio Gonçalves

Numa cidade interiorana de pequeno porte, um circo de dimensões acanhadas debatia-se com uma receita cada vez mais diminuta. O mote para vender os duzentos e poucos ingressos de cada sessão tinha se exilado de muito, desacreditando a companhia e tornando difícil de pagar a conta da pensão de Dona Lu, uma viúva distinta que tinha alugado doze dos seus quinze quartos para o pessoal circense.

As dificuldades pareciam eliminadas, quando se anunciou a estreia de um jovem trapezista de apenas dezesseis anos, corpo e cara de menino, jeitão de quem ainda não tinha qualquer intimidade com o ritmo adão-em-eva. E a faixa estendida entre dois postes da calçada da Matriz era prenúncio da mais pura adrenalina: “Triplo salto mortal!!. Sem rede de proteção!! Desafio de Cabra Macho!!! Não percam!! Pode ser o nosso último espetáculo!!”.

Além disso, para ampliar a ansiedade da pacata comunidade, um megafone fora instalado nos costados de um jegue alugado por dois ingressos, um para o dono do jegue e outro para a “mínima” que andava com ele pra tudo quanto era lugar. Uma gasguita ainda sem os apetrechos, metida a locutora de comercial, que berrava os dizeres contidos na faixa, vez em quando tomando água num caneco “artesanalizado” a partir de uma lata de azeite.

O Vieira Gonzales, nome artístico do Nando da Silva, carregava anos de ensinamentos transmitidos por um velho acrobata, bom de trapézio até alguns anos passados, quando um tiro de marido pouco amado deixara-o sem a musculatura rígida de uma das coxas. Paciente, soubera transmitir os segredos do salto triplo mortal ao Vieira, ele que se especializara como ninguém em pular de galho em galho, incontável a sua galeria de bem “contempladas”.

No sábado anunciado pela faixa da Matriz e pela gasguita montada no jumento, os ingressos logo se esgotaram, os últimos sendo adquiridos num puxa-encolhe dos diabos, valendo até amolegada para tirar senhoras mais pudicas da fila de compra.

Apresentado pelo Danilo, mestre-de-cerimônia também sócio-fundador da companhia, o Vieira caminhou até a escada de corda sob o rufar de um tambor meio avariado. Antes de principiar a subir, ouviu a voz sussurrante do seu instrutor:

– Está com algum tipo de medo? Algo até hoje eu ainda não lhe tinha dito. Lá em cima, em qualquer circunstância, aja com o coração, pois ter coragem é saber agir com o coração. Lembre-se sempre que, ao saltar, lançando seu coração sobre a barra do trapézio, você estará se lançando sobre aquilo em que acredita. O mundo pertence a quem põe o coração em tudo que é feito, seja qual for o tamanho do efetivado.

O circo demorou-se na cidade por um bom tempo, com seus duzentos e poucos lugares integralmente vendidos nos finais de semana. O arrecadado deu até para adquirir uma outra carrocinha de fazer cachorro-quente e um novo conjunto de cordas para o trapézio do Vieira, agora tornado estrela maior, muito embora continuasse simples como sempre foi.

Dona Lu, contente que só, ia aplaudir, todo final de semana, as evoluções do rapazote, sempre acreditando piamente numa frase de Voltaire, lida num pé de página de uma revista de palavras cruzadas: “O trabalho afasta de nós três grande males: o tédio, o vício e a necessidade”.

Trabalhar o futuro com as ferramentas do presente e com o coração, eis a receita. O resto é ficar chorando sobre o leite derramado.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 05 de fevereiro de 2019

ORIENTAÇÕES IMEDIATAS

 

ORIENTAÇÕES IMEDIATAS

Fernando Antônio Gonçalves

Alguém já disse que os que se esquecem do passado não conseguem bem caminhar para desafiadores amanhãs, mais intrincados que os ontens, onde “todos reconheciam seus lugares.” Alguns livros guardam uma notável atualidade, inúmeros tornando-se releituras obrigatórias para os que desejam, estabelecendo vínculos com o passado, enxergar futuros brasileiros, alinhavando procedimentos estratégicos capazes de viabilizar emergentes e complexos cenários. Para os que buscam adquirir, ou proclamar, ou difundir uma brasileiríssima cidadania, recomendaria uma acurada releitura de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, uma outra de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e o notável O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, esse intelectual com “incrível capacidade de viver muitas vidas numa só”, segundo Antônio Cândido.

 

Leituras complementares, além disso, também farão um bem “do tamanho de um bonde”, pelo efeito desabestalhador que causam, ampliando criticamente horizontes, eliminando os “obstáculos epistemológicos” tão acuradamente estudados por Gaston Bachelard. Uma delas, eu a encontrei numa estante do saudoso meu pai, desmontada para facilitar mudança de domicílio de mãe enviuvada. De Alceu Amoroso Lima, No Limiar da Idade Nova parece que foi escrito ano passado, tamanhas são as evidências de lá saltadas para um cotidiano ainda pardacento como o atual, nada céu de brigadeiro, muito embora já repleto de assustadores acontecimentos, nos quatro cantos do planeta.

De 1935 e dedicado a Jacques Maritain, o livro do Alceu assim se inicia: “Todo homem que pensa, hoje em dia, compreende e sente que estamos vivendo uma grande véspera da história”. Nas suas pouco mais de trezentas páginas, Alceu vê “a conformidade do presente”, “um cansaço geral”, “tudo envolvido numa atmosfera de aventura e messianismo”. Ele, já no distante 1935, nos adverte, parecendo hoje, sobre as diversas decadências que nos estão afetando: a econômica, a biológica, a política, a moral, a cultural e a religiosa, tudo apontando para “a irremediável dissolução da burguesia clássica, afundada no seu egoísmo, na sua obsessão pelo dinheiro, no seu sexualismo exasperado, no seu abandono de todas as disciplinas do espírito”. E vaticina, exemplarmente antecipador: “Nós, cristãos, devemos trabalhar, portanto, por um mundo novo e não defender o cadáver de um mundo decrépito, corrompido de liberalismo e de socialismo, nem nos devemos empenhar de corpo e alma, em restaurações autoritárias que não são mais, por vezes, do que a deificação da força ou do super-homem nietszcheano e anti-cristão”.

Sou um admirador dos escritos do Alceu. E do homem Alceu, também. E do intelectual que sabia auscultar ditos e ruídos acontecidos quase subliminarmente, imperceptíveis aos olhos pouco calejados de leituras mais descortinadoras. Um convertido, a la Maritain, que defendia uma rehumanização da economia, ao advertir que “todo exagero provoca o exagero contrário”.

E mais ele disse: “Não é possível traçar um quadro uniforme da sociedade contemporânea. Cada país tem seus problemas, cada povo seu temperamento, cada continente sua tradição histórica”. Uma questão eminentemente sociológica, salvo para os que nunca estudaram sociologia. Ou dos que se intoxicaram de ideologias outrora cativantes.

Para melhor conhecer Alceu Amoroso Lima, recomendo a leitura reflexiva das cartas trocadas entre Alceu e Mário de Andrade – Correspondência: Mário de Andrade & Alceu Amoroso Lima, Leandro Garcia Rodrigues (org.), São Paulo, Edusp/PUC-Rio, 2018, 328 p. Um total de 56 cartas trocadas, onde Mário busca vivenciar a incerteza da busca, enquanto Alceu proclamando a certeza dessa mesma busca. Onde Mário identifica um Alceu indigitando uma catolicidade conformista repleta de compromissos fáceis, retratado tal e qual aquele néscio de que fala Gregório de Matos: “Que não elege o bom, nem o mau reprova / Por tudo passa deslumbrado e incerto”.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar sábado, 02 de fevereiro de 2019

ANTES DO GALO SAIR

 

ANTES DO GALO SAIR

Fernando Antônio Gonçalves

Ás vésperas de mais uma saída sempre triunfal, no Recife, do Galo da Madrugada, uma editora brasileira relançou um manual didático diferenciado . Um manual que ensina como se defender de “ispertos” postulantes a cargos eletivos, todos eles recheados de promessas mirabolantes, algumas até envolvendo as próprias Forças Armadas . Denominada COMO NÃO SER ENGANADO NAS ELEIÇÕES, tal cartilha aponta os truques e as vadiagens (e viadagens) utilizados numa campanha eleitoral (atenção para 2020!), as frases de efeito, as encenações ilusórias, as falsas pesquisas, os efeitos visuais, as dicotomias superadas (esquerda/direita, moço/velho, usineiro/camponês), algumas delas ainda em plena vigência nos núcleos eleitorais mais desatentos.

A proposta do Manual é simples, ainda que oportuníssima. Através de um texto didático, leve, recheado de bom humor, estruturado pelo jornalista Gilberto Dimenstein, casos concretos serão explicitados tim-tim por tim-tim, favorecendo esclarecedoras discussões em ambientes sociais.

Neste muito trepidante milênio, um cuidado especial deveria ter todo eleitor de bom senso, cidadania calibrada, cabeça acima da bunda e bem distante dos emocionalismos cavilosos praticados pelos candidatos oportunistas. A lição de John Lukacs , analista social e ganhador do Prêmio Ingersoll, bem traduz essa preocupação: “Devemos tomar cuidado com a tentação perigosa de ver a História basicamente do ponto de vista do presente, embora tenhamos consciência de que o que sabemos no presente seja um reflexo inerente à nossa visão do passado”.

Nada ameaça mais um regime democrático que a gestão daqueles que desconhecem a tese fundamental, límpida e cristalina para os mais conscientes: “em toda democracia, as respostas são difíceis diante de uma demanda facilmente induzida”. Nesta semifalida sociedade brasileira, versão 2019, Brumadinho como exemplo maior, é preciso ampliar a noção sobre os nossos erros e acertos, omissões e fragilidades comportamentais. Repensar acerca das indecências sociais que redundaram no atual estado de coisas. Sem carecer apontar quem acertou ou errou, posto que os erros e os acertos são de todos nós, brasileiros .

Acima das ideologias e resguardadas as individualidades, faz-se mister um inadiável repensar nacional/regional/estadual/municipal, apreendendo com eficácia a advertência famosa de Ortega y Gasset: “Como é possível as rãs discutirem sobre mar, se nunca saíram do brejo?”. Urge que a nova classe média brasileira saiba discutir sobre mar, sem os moralismos faniquiteiros que não a levaram a nada nos últimos cem anos, salvo a ter mais medo de tudo, de todos e de um amanhã plúmbeo que já nos ameaça de longa data.

Nós, às vezes , ficamos muito seguros do nosso aprendizado do passado. E sentimo-nos bem fundeados sobre coisas que aprendemos quando éramos moços, perdendo, por essa ingenuidade, o bonde da história. Porque o bonde sempre está em movimento e com uma velocidade cada vez maior. E quando as pessoas perdem esse bonde , começam só a olhar para o passado, nostálgicas, sem qualquer sintoma reoxigenador.

O educador baiano Anísio Teixeira posicionava-se admiravelmente: “Eu não tenho responsabilidade nenhuma com as minhas ideias. Eu tenho, sim, uma responsabilidade com a verdade”. Quem tem esse grau de maturidade, sabe andar. Quem não tem, apenas continua sobrevivendo mal, atrelado ao me-disseram antissocialmente mundano. Saindo no Galo da Madrugada, na turma do tabaco leso.

No mais, saber divertir-se sem exageros, preparando-se para um ano 2019 repleto de reformulações estruturais amplamente indispensáveis. E barragens criteriosamente auditadas


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 07 de janeiro de 2019

SABER, DESENVOLVIMENTO, AGENDA 2019

 

 
SABER, DESENVOLVIMENTO, AGENDA 2019

Atualmente, somente os débeis não reconhecem que o conhecimento está situado como fator propulsor das engrenagens processuais de todo crescimento econômico. A partir de estudos desenvolvidos na Universidade de Chicago, anunciados preliminarmente quando de uma aula magna do professor Robert Lucas, na Universidade de Cambridge, postula-se, hoje, como hipótese comprovada, que a fonte primordial do crescimento econômico de qualquer país são “os efeitos que os grupos ou instituições têm sobre a produtividade dos indivíduos, através das interações conhecidas por todos como as vivenciadas em família, em universidades, em cidades, em regiões e em empregos”.

Tais processos, segundo o próprio Lucas, geram externalidades, a principal delas advinda da área educacional e dos procedimentos políticos da formação de capital humano. O conhecimento possibilita rendimentos de escala aos que o detêm, tornando-se infinitamente mais dificultoso para os ainda não iniciados.

O mundo em desenvolvimento está convencido que todo processo de crescimento econômico a longo prazo, dada a velocidade atual dos acontecimentos históricos, é energizado pela acumulação de conhecimentos comunitários, que maximizam as oportunidades surgidas, reduzindo a mínimos insignificantes os obstáculos emergentes. Atualmente em mais rápida evolução pelas redes sociais, através da internet e das telecomunicações.

Hoje, o segmento especializado em desenvolvimento econômico-social reconhece como essenciais pré-requisitos dois vetores: educação básica e instituições indutoras. Quanto mais educação básica de qualidade, maiores os embornais cognitivos amealhados. E quanto maior o embornal e mais eficaz a indução provocada pelas instituições, maiores os níveis de cidadania, menores os índices de analfabetismo funcional, melhores os níveis políticos, mais acentuadas as tesões coletivas na busca de um lugar ao sol para todos os seres humanos.

O professor Álvaro Antônio Zini Jr., área de Administração da USP e, até bem pouco tempo atrás pesquisador-visitante na Universidade de Harvard, não deixa por menos o seu alerta: “não se pode deixar a universidade no Brasil no seu estado de semi-abandono atual”. E mais: “a universidade é considerada por segmentos relevantes das elites brasileiras como quase dispensável, pouco digna de maior atenção e pouco merecedora de maiores verbas, isenta, por conta disso, de maiores cobranças”. Pode-se dizer, afoitamente e já prevenido contra algumas “dentadas”, que a Universidade Brasileira necessita reeducar-se politicamente para o social, sem partidarizações pedantes nem ideologizações esquerdozas, muito pouco dialéticas, messiânicas a grande maioria. Uma reeducação para tornar-se eficaz para todos, mormente para os que ministrarão conteúdos pedagógicos aos docentes de educação básica.

A questão universitária, no Brasil foi “fotografada” pelo Cláudio de Moura Castro sob um ângulo muito sincero: “O ensino superior brasileiro é confuso e variado. Há cursos bons e cursos péssimos. Os cursos bons são prejudicados por serem tratados de cambulhada com os péssimos. E os péssimos não podem ser consertados com o remédio dos bons. Pior, há cursos que poderiam ser bons se fossem tratados como precisam. Há imensa diversidade no ensino superior, daí a grande necessidade de um tratamento diferenciado, em vez de fingir que são todos iguais”.

Enfrentar uma realidade universitária com maneirismos populistas e cestas básicas é conversa pra boi dormir ou esperteza de quem está tão somente em busca de se consagrar em novos e paritários escrutínios.

Diante do quadro acima, estou convicto de que a uma Agenda 2019 se faz amplamente urgente, certamente gerará valiosos subsídios para o Governo Federal e o Congresso Nacional, eleitos pelas urnas de outubro para um novo mandato, a partir de janeiro corrente.

Agenda deve ser entendida como porta-bandeira de um movimento de reação dos segmentos produtores e comunitários, ameaçados por uma crescente asfixia diante dos cada vez mais ampliados distanciamentos do país dos níveis socioeconômicos minimamente aceitáveis.

Um desenvolvimento eficaz dos seus Recursos Humanos será o principal indicador que evidenciará o Brasil, nos próximos anos, perante a comunidade internacional. E os líderes públicos e empresariais das regiões principiam a perceber que pessoas são o único fator de produção que continuará insubstituível nos futuros amanhãs. Apesar dos avanços extraordinários da informática e da robotização, ambas jamais se desprenderão dos neurônios da raça humana.

A empresa moderna necessita ser flexível às mudanças velocíssimas que se estão processando mundo afora, através de uma capacitação profissional consistente e contemporânea, desenvolvida por uma área de Recursos Humanos comprometida com uma competitividade indutora, que promova a empresa através de gerenciamentos empreendedores, adeptos da teoria do “quanto melhor, melhor”, positiva, jamais mimética, voltada para um amanhã menos desigual para todos. A observar minuciosamente o setor informal, recheado de lições mais que multiplicadoras.

Num contexto de radicais mudanças, a promoção revitalizadora do Ser Humano se torna uma questão de sobrevivência societária. Muito furos acima da ampliação dos níveis de escolaridade, exige-se dos novos gestores talento e sensibilidade, compromisso e compreensão, visão futura e o dever de jamais tornar rotina o que vem sofrendo alterações cenariais contínuas, a ninguém sendo permitido esconder-se por detrás de passados que não mais retornarão.

Analisar os novos horizontes potenciais da cognitividade é prova de fidelidade a um futuro que já se aboletou entre nós, tal fato somente não enxergando quem teima em continuar abulicamente vivendo na idade da pedra lascada, ainda que portando telefone celular e dirigindo motores importados e computadores. Tal e qual aqueles que nos tentam remeter para novo Planeta dos Macacos…

Um Agenda 2019 para empresários e setor público estabelecerem um caminhar estratégico para fins “sobrevivenciais”, eis a razão maior da iniciativa. Os primeiros, dos micros aos macros, ampliando a capacidade de andar com as próprias pernas, o segundo, sem paternalismos nostálgicos, buscando integrar mais qualitativamente a máquina pública aos interesses comunitários brasileiros mais legítimos.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 31 de dezembro de 2018

REFLEXÕES PARA UM INÍCIO DE ANO

 

 
REFLEXÕES PARA UM INÍCIO DE ANO

O escritor Georges Bernanos, francês de inspiração católica, dizia que “nada é mais ridículo do que um velho enrabichado.” E Alceu Amoroso Lima, o extraordinário Tristão de Athayde, complementava: “Nada mais contra a natureza das coisas e aos olhos de Deus do que a velhice inconformada com a morte.

Morremos muitas vezes ao longo da nossa existência: quando um amigo se vai, diante dos punhais cravados pelos parentes aparentes, pelas animalidades cometidas pelos amigos de mentirinha, ou quando as arrogâncias corroem um debilitado humanismo século XX, fazendo surgir um XXI ainda dificilmente prognosticável, apesar de duas décadas já quase vencidas.

Ao longo das nossas vidas, diante da inexorabilidade da morte, tomamos quatro atitudes diferentes. Quando crianças, a morte nos é indiferente. Nutrimos por ela uma curiosidade idêntica às demais sentidas diante do imprevisto. Nenhum valor específico lhe atribuímos, posto que ela não provoca qualquer reação mais profunda. Um acidente da vida como outro qualquer. O escuro, quando se é criança, provoca muito mais medo que a própria morte. Para não falar das almas do outro mundo. Brinca-se até de morto como se brinca de bandido ou de mocinho. Ou de professor. Ou de dona de casa, as meninas-da-casa fazendo comidinha para as meninas-visitas, as mais sabidas.

Na adolescência, entretanto, principiamos a pensar na morte. Idealizamos a morte, mitificamos a morte. Começamos a pensar na própria morte. E principiamos a morrer, diante dos primeiros desmoronamentos provocados em nosso derredor existencial. Mas ainda encaramos a morte como final de uma aventura, sem tropeços nem maldades, apenas coroamento, sem as pedras do caminho. Na juventude, a morte torna-se companheira quase brincante. Conceito romântico, substituindo a indiferença da primeira idade.

A inimizade se inicia na porteira da maturidade. A morte torna-se a maior inimiga, temida, mais analisada filosófica e religiosamente. A indagação de São Paulo inquieta: “Morte, onde está tua vitória?”. A morte é término ou passagem? Túmulo ou túnel, como magistralmente o admirável Pastor Campos costumava dizer em suas pregações. Com crença ou sem ela, o perfil da morte se torna presente e o viver um contínuo e resoluto foco de resistência.

No último quadrante da vida, entretanto, “a mesa está posta e a cama feita“, como nos dizia o poeta Manuel Bandeira, que vivia aos trancos e barrancos com a Última Dama. Nessa fase, exige-se serenidade, capacidade de rever caminhadas menos felizes, emergindo a convicção de que bem outras seriam algumas das estratégias tomadas se os fatos fossem encarados com a mentalidade do agora.

Creio que a concepção da morte é determinada pela concepção que se faz da vida. Superar a morte, eis o desafio maior dos libertos dos encantamentos supérfluos, das prestimosidades dos lambetas, das pantufas sabichonas, dos burregos tecnocratas que desconhecem os valores de uma sociedade emergente e dos recalcados recalcitrantes, que se imaginam eternas vítimas, cordeirinhos imolados de um mundo que não os compreende devidamente. Sem falar dos azedos – homens e mulheres – que imaginam sempre estar em ambientes europeus, reinos se possível, os daqui nada mais sendo que peças de um contexto ofuscado pelas suas “luminosidades.

Demonstrando um posicionamento político antenado com as ultrapassagens que urgem alavancar o todo nacional na direção de cenários compatíveis com os futuros que já chegaram, que os recém eleitos primem pelas iniciativas criativas, sabendo congregar lideranças empresariais e inteligências políticas eticamente qualificadas, capazes de estruturar cenários dinâmicos e humanamente multiplicadores.

A reconstrução da economia brasileira, com alicerces embasados num desenvolvimento compatível com os desafios sociais para novos amanhãs, está se tornando na maior aspiração de todos os setores e níveis comunitários. Até os mais desatentos aos sinais evidentes de emergentes e desaconselháveis desacelerações planetárias reconhecem que se deve redobrar as atenções para a superação das mil e uma indisfarçáveis armadilhas, a primeira delas constituída de visões exclusivistas, eivadas tão somente em patológicas vaidades financeiras.

Posicionamentos vários emergiram recentemente nos mais diferenciados setores do mundo, desejando dar um basta definitivo aos climas desanimadores que muito desestimulam. E o mais eloquente deles foi o manifestado nas últimas eleições, no cenário brasileiro, quando muitos milhões de votos sinalizaram para rumos mais eticamente consistentes, socialmente mais bem estruturados, sem populismos nem ladroagens, os corruptos mofando por detrás das grades.

O momento que estamos vivenciando é o de edificar as melhores alternativas programáticas para todas as regiões brasileiras, não mais se permitindo apenas ouvir lamúrias choramingueiras e críticas irrespeitáveis e eleitoreiras. Urgem novos estilos empreendedores, favorecendo uma vontade coletiva na direção de mudanças que erradiquem a sub-humanidade do Norte-Nordeste do país. Somente através do fortalecimento de um ver-melhorabandonar-se-ão as ingenuidades e os inconformismos apenas verbais, que mascaram submissões descabidas, iludem os menos prevenidos e os mais incautos, os despolitizados de sempre, eternas presas fáceis dos que apenas tudo prometem, asfixiando mil e uma esperanças, favorecendo economicamente as áreas que perpetuam situações repletas de descabidos privilégios .

Nada ameaça mais um regime democrático que a gestão daqueles que desconhecem a tese fundamental, límpida e cristalina para os mais conscientes: “em toda democracia, as respostas são difíceis diante de uma demanda facilmente induzida“. É preciso ampliar a noção sobre os nossos erros e acertos, omissões e fragilidades comportamentais . Repensar acerca das indecências sociais que redundaram no atual estado de coisas. Sem carecer enaltecer quem acertou ou errou, posto que os erros e os acertos são de todos os brasileiros .

Acima das ideologias e resguardadas as individualidades, faz-se mister um inadiável repensar mundial/nacional/regional/estadual/municipal , assimilando com efetividade a advertência famosa de Ortega y Gasset: “Como é possível as rãs discutirem sobre mar, se nunca saíram do brejo?“. Urge que uma as classes sociais brasileiras saibam discutir sobre mar , sem os moralismos faniquiteiros que não as levaram a nada nos últimos cem anos , salvo a terem mais medo de tudo, de todos e de um amanhã vexatório que já se avizinha célere. Elas precisam voltar a apreender melhor a realidade social do país, preparar-se para novos contextos, também de erros e acertos, os primeiros sendo cada vez mais minimizados pela ampliação de uma sempre consistente criticidade.

Nós, às vezes , ficamos muito seguros dos nossos aprendizados passados. E sentimo-nos bem fundeados sobre coisas que aprendemos quando éramos moços, perdendo, por tais ingenuidades, o bonde da História. Porque o bonde sempre está em movimento e com uma velocidade cada vez maior. E quando as pessoas perdem esse bonde , começam só a olhar para o passado, nostálgicas, sem qualquer reoxigenação sobrevivencial.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 24 de dezembro de 2018

NASCIMENTO DO MENINO

 

 
NASCIMENTO DO MENINO

De repente, num dia qualquer de um final de dezembro, completou-se o tempo da parição. O casebre era rústico, de taipa e chão de barro batido. No apertado quintal, duas árvores e um pedaço de jornal velho que noticiava estrondoso baile de carnaval, gastos alibabásticos, desbunde total, os vários sexos em desvairamentos faraônicos, tudo em prol das criancinhas de rua da cidade.

A dor apertando mais. Calor brabo, três da tarde, um domingo. Ao lado do magro colchão de palha estendido no chão do único dormitório, a Elisabeth, prima também descendente de Aarão, aguardava o instante maior. Possuía tanta bondade que o seu filho João iria anunciar a Boa Nova, de há muito já profetizada por uns santos homens já eternizados, que pregavam a libertação de todos. Com Maria – a prima parturiente – e os demais familiares, acreditava que um dia os famintos seriam cumulados de bens e os maus ricos despedidos de mãos vazias. Lembrando-se do Papa Paulo VI – “Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos” – orgulhava-se de pertencer a uma associação de moradores, num bairro de classe operária.

Elisabeth também sabia que só blá-blá-blá não resolveria problema algum, a solução sempre advindo da organização e da união de todos para a concretização dos sonhos acalentados. Segundo ela, sonhando muitos estavam, embora ficassem restritos aos sonhos, não aceitando críticas, partindo para o desaforamento como se moleques de rua fossem, sem a serenidade das lideranças consolidadas.

A parteira chegara. Os panos e as toalhas, fervidos em caldeirão sobre carvão, a postos. As contrações ampliadas, embora a felicidade muito atenuasse as dores sentidas. Em minutos, Emmanuel exteriorizou-se rapidamente, sendo envolvido em faixas e deitado numas palhas doadas pelos da redondeza, solidariedade presente e sempre atenta aos gritos de fome e de angústia dos desempregados, das prostitutas que terão prioridade de ingresso na Festa de Encerramento e dos chacinados por uma violência desenfreada, efeito maior de uma injustiça cinicamente mantida pelos que controlam um sistema financeiro instalado na contramão da História.

Sadio, Emmanuel chegara. Foi circuncidado no oitavo dia e apresentado ao Chefão de Tudo, conforme recomendava uma cartilha muito lida: “Todo macho que abre o útero será consagrado ao Senhor”. E dos muitos testemunhos, o de Simeão, um velho estivador aposentado por invalidez, foi o que calou mais fundo: “Esse Menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos”.

A aparência luminosa do garoto contagiava. O PHM, o Sardinha e o Luiz Berto, além da Albonize, da Irene e do Bruno da Casa dos Humildes vibraram com a chegada do Filho da Maria. E prometiam ser d’Ele companheiros de Vida, para a difusão de um amor sem preconceitos, sem opressores, sem ódio e sem medo, onde ninguém fosse menos que ninguém, sem consumismos desenfreados, num agir corajoso e viril, fruto indispensável de uma evangelização essencialmente libertadora.

Um Feliz Natal para todos aqueles que depositam irrestrita confiança nas promessas do Emmanuel. E também para os demais, independentemente de credo religioso, também filhos muito amados da Criação. E para a Mariana, a Maria, a Lara e a Lis, netas queridas, fachos de luz do meu caminhar, que juntas com o Menino verão anos futuros mais humanos e solidários. Uma nova era muito mais arretada de ótima!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 18 de dezembro de 2018

CORRESPONDÊNCIA CURIOSA

 

 
CORRESPONDÊNCIA CURIOSA

No último final de semana, recebi uma carta da Maria Eduarda Silveira de Moura que me tocou bastante, deixando-me com aquela sensação de que nem tudo, neste mundão de Deus, está entregue às baratas, tampouco aos bufões da inveja e da mediocridade. Nas considerações generosas sobre o que escrevo neste Jornal da Besta Fubana, sempre esplendidamente coordenado pelo aplaudido escritor Luiz Berto, a Maria Eduarda me fez algumas perguntas, próprias de uma universitária que tem a cabeça muitos furos acima da reinante jumentalidade de terceiro grau. Alguns dos seus questionamentos:

1. Como você recebe os elogios e as críticas?

R. Seria um hipócrita se respondesse “da mesma maneira”. Os elogios e as críticas são acolhidos de modos diferentes, dependendo dos níveis culturais dos formuladores. Li, certa feita, que “a autoestima é a experiência de ser competente para lidar com os desafios básicos da vida e de ser digno da felicidade”. E entendi porque certas pessoas são incapazes de elogiar ou criticar de uma maneira construtiva, nunca complexada. Porque desconhecem as seis práticas da construção de uma autoestima de bom calibre, capaz de arrostar a fúria de poderosos, nanicos e amacacados: a prática de viver conscientemente, enfrentando a realidade, ainda que desagradável; a prática da auto-aceitação, assumindo falhas e atuações incompletas, sem jamais se repudiar; a prática do senso de responsabilidade, conservando a consciência das escolhas e ações, sendo ainda responsável pelo próprio bem-estar; a prática da afirmação, sendo autêntico nas relações interpessoais, respeitando valores e contextos sociais; a prática do viver objetivamente, estruturando o comportamento em função de objetivos existenciais, monitorando os resultados; a prática da integridade pessoal, percebendo que trair seus valores é sabotar a própria consciência, tornando-a covarde ou ensandecida; e a convicção de ser, permanentemente, uma metamorfose incompleta ambulante, parafraseando o Raul Seixas, menestrel genial baiano.

2. As Universidades do amanhã brasileiro poderiam ser diferentes do agora?

R. Deverão ser amplamente diferentes, muito prevalecendo o qualitativo sobre o meramente quantitativo, a Universidade tornando-se ambiente onde se produzirá saber próprio de qualidade ímpar, além de multifacetária por derradeiro. Já diz o notável Cláudio de Moura Castro, de quem fui aluno-admirador, que se a população brasileira se se preocupasse com o nosso sistema educacional com a mesma ênfase com que se preocupa com a seleção brasileira, seguramente as coisas seriam muito diferentes para bem melhor.

3. Quais as características de um profissional que busca o reconhecimento público?

R. Integro, com muito orgulho, o Conselho Universitário da Universidade de Pernambuco, atualmente sob a batuta do atual reitor Pedro Falcão. Num contexto que se transmuta muito velozmente, num Pernambuco que deve sempre recordar as bravuras de um Frei Caneca e das mulheres de Tejucupapo, sem ficar “falando para o mundo”, cabe ao profissional que objetiva conservar seu conceito atentar para o continuado aperfeiçoamento dos seguintes atributos: uma autoconsciência elevada, para melhor compreensão dos seus pontos fortes e fracos; o hábito de solicitar avaliações construtivas, possibilitando a descoberta das potencialidades ocultas por desconhecimento, timidez ou frágil ousadia; uma continuada sede de aprender, favorecendo a ampliação da criatividade e do “enxergar” das novas oportunidades; um sólido respeito pelas diferenças, consolidando compreensões que transcendem bairrismos, ideologias e maniqueísmos ultrapassados; e consolidação continuada de uma visão de bailarino, consistindo num olhar concentrado num ponto adiante da partitura musical, percebendo-se atentamente inconcluso na própria performance, aprimorando sempre sua atuação em seu ambiente.

4. Qual sua inspiração cotidiana?

R. Como cristão kardecista, sempre tive, abaixo de Deus Pai, Jesus e Maria, uma admiração ferrenha pela caminhada de Paulo de Tarso, São Paulo, o “apóstolo dos gentios”, o formulador da teologia cristã, um torturador de cristãos que soube “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”, diferentemente de alguns que, derrotados, ficam remoendo passados que não mais voltarão, nem inventando amanhãs bem fundamentados. São Paulo mudou o pensamento das pessoas de tal maneira que alterou a história da humanidade. Para se conhecer Paulo de Tarso, recorre-se hoje a três fontes: o livro de Atos (NT), as cartas que ele escreveu e a tradição primitiva, esta última a menos confiável possível. Ele nasceu em Tarso, uma cidade grega situada no Mediterrâneo, onde atualmente é a Turquia e que possuía à época uma grande população judaica. Fariseu e filho de fariseu (At 23,6), sendo fluente em grego, hebraico e aramaico, tendo sido educado sob orientação de Gamaliel, famoso rabino do seu tempo. De família abastada, também possuía a cidadania romana. Era dotado de extraordinário intelecto, percepção espiritual e autodisciplina.

5. O senhor acredita em reencarnação?

R. Plenamente. A reencarnação fez parte do movimento cristão até o século VI da nossa era. Grandes vultos do cristianismo, como Clemente de Alexandria e Orígenes, a ensinavam. Em João 3, se encontra uma lição comprobatória da reencarnação. Colhemos os frutos de nossas ações para aprendermos melhor o que semear, para isso necessitando de vários retornos. Em Mateus 10, a recomendação do Senhor Jesus: “Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios. De graça recebestes, de graça dai.”

6. Como kardecista cristão, que leitura inicial recomendaria para um interessado?

R. Um livro-sementeiro recomendaria: Conheça o Espiritismo, Richard Simonetti, Brasília, FEB, 2018, 185 p. Um modo de se perceber Filho Amado de Deus, sem chiliques nem chorumelas, usando a fé e a razão, cada vez mais sendo batalhador por uma fraternidade universal, onde “sem caridade, não haverá salvação”.

Um abraço, Eduarda, pela atenção dispensada. Nordestinamente, continuarei sonhando com amanhãs planetários menos desumanos para milhões, esmagados que são pelos poderosos que, sempre gananciosos, jamais saberão declinar as ações relacionadas com a dignidade humana.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 10 de dezembro de 2018

PARA MÉDIUNS INICIANTES

 

PARA MÉDIUNS INICIANTES

Amiga kardecista de décadas me convida para uma reunião em sua residência, comemorando mais um aniversário seu, muito pouco divulgado. Entre salgadinhos deliciosos e guaranás dietéticos, assuntos da conjuntura foram discutidos, inclusive a recente greve dos caminhoneiros, encerrada para felicidade geral da nação e atolamento mais um cadinho da atual gestão de um mandatário presidencial pouco competente, muito fisiológico, sempre cercado de mediocratas de quinta classe.

Em cima de uma mesinha, num canto da sala de estar, um livro estava todo marcado – Ao Médium Principiante, 2ª. edição, Spartaco Ghilardi (espírito), psicografado por Carlos Baccelli, Uberaba, MG, Livraria Espírita Edições Pedro e Paulo, 2011, 240 p. – me chamou atenção. Curioso, pedi o livrinho emprestado para uma leitura de final de semana, principalmente para refletir mais sobre os destaques marcados nas suas páginas, segundo ela feitas pelo seu genitor, já desencarnado, profundo admirador dos trabalhos do Spartaco, na Federação Espírita do Estado de São Paulo, um nascido em 1914 e desencarnado em 2004, aos 90 anos, após penosas sessões de hemodiálise, suportadas resignadamente três vezes por semana, jamais se queixando das suas provas redentoras

Lido rapidamente para entregar o livro solicitado, abaixo, transcrevo alguma recomendações como amostra do transmitido pelo Spartaco Chilardi, para favorecer todos aqueles médiuns que estão se iniciando na caminhada na Casa dos Humildes, onde sou trabalhador passista não-médium, sempre com muito orgulho e sentimento de gratidão ao Mestre dos Mestres. Logicamente já encomendei meu exemplar, posto que um livro como o psicografado por Carlos Baccelli, não poderá faltar na cabeceira dos principiantes, também servindo para estudos de grupo que se dedicam à práticas educativas continuadas. Ei-las:

– “Não é só na hora do verso que mediunidade deve rimar com humildade.

– “Não abrace a mediunidade, supondo que, espiritualmente, esteja a se adiantar em relação às demais pessoas porque, em verdade, você está apenas assumindo uma responsabilidade que haverá de lhe custar mais caro.”

– “É o médium que dignifica a mediunidade e não os espíritos que, eventualmente, se comunicam por sua faculdade.”

– “No dizer de Emmanuel, a mediunidade sem estudo é uma ‘locomotiva correndo fora dos trilhos’. Ou seja: é desastre certo!

– “Quanto mais você se conhecer, mais médium você há de ser.”

– “O médium precisa estudar, porque quanto mais ele estuda, mais solidifica a sua fé.”

– “Hoje em dia, infelizmente, poucos são os que mantêm contato com os mais pobres, os que frequentam a periferia, os que se dispõem a escutar os simples e humildes.”

– “Os Espíritos Amigos se sentem mais facilmente atraídos pelo conteúdo de seu coração e grau de interesse pelos seus sentimentos”.

– “Estudar e vivenciar são dois verbos que, em mediunidade, naturalmente, devem se complementar.”

– “Não desperdice o seu tempo, decorando supostas técnicas de concentração que, a rigor, não existem.”

– “Em uma única encarnação, ninguém anula o que fez de errado nas outras. Tenha calma, que a dívida que assumimos é para muitas encarnações.”

– “Ilustrar o cérebro não é tão difícil assim, mas lustrar a coração…”.

– “O fato de você ser médium não lhe dá o direito de ser grosso. Não seja vedete! A vaidade que se esconde nos seus calcanhares está lhe subindo à cabeça. Não se esqueça de que você não é nada!”

– “Mais do que aos outros, caberá a você demonstrar coerência entre aquilo que prega e o que faz.”

– “Médium que mais recebe é aquele que mais doa”.

– “Nenhum médium principiante, em termos de conquistar a confiança da Espiritualidade, foge a indispensável estado probatório.”

– “O médium sem um ‘cheirinho de Evangelho’ é difícil de aguentar. Anda de nariz empinado, acha que é diferente de todos, quer manobrar as reuniões.”

– “Em vez de mexer com mediunidade, eu convido você a ser o que no centro espírita gosta de ser: voluntário para todo e qualquer serviço que não apareça aos olhos de alguém. Um serviço invisível, legitimamente espírita.”

No livro mais que ótimo para iniciantes na caminhada, o Carlos Baccelli psicografa uma entrevista feita pelo Spartaco com Yvonne do Amaral Pereira, médium inesquecível, autora do memorável “Memórias de um Suicida” , de leitura obrigatória para todos os iniciantes, ainda que de leitura angustiante nos primeiros capítulos. Uma entrevista ping-pong que transcrevo abaixo, verdadeiro guia-mestre para quem deseja ser médium de mesmo na sua caminhada solidária com os desencarnados sofredores. Pergunta/resposta:

“O que mais importante para um médium? R: Disciplina; A principal virtude? R: Humildade; Fator de vitória? R: Perseverança; O que não dá para ficar sem? R: Autocrítica; A maior necessidade: R: Estudar Kardec; Conquista indispensável? R: Discernimento; Motivação cotidiana? R: Servir; Combater com determinação? R: O interesse pessoal; Atitude de toda hora? R: Vigilância; Ante as críticas? R: Silêncio; Para não cair? R: Pés no chão; Uma meta? R: Renovação íntima; Um hábito salutar? R: A oração; Perigo de obsessão? R: Horas ociosas: Condição de semente? R: A de aprendiz; Melhor sintonia? R: A intenção reta; Lugar de servir? R: Onde estiver; Caminho para os Cimos? R: A Caridade; Um resumo de tudo que ficou dito e o que não disse? R: Amai-vos e instruí-vos!!”

O livro-guia da dupla Spartaco Ghirardi / Carlos Baccelli é concluído com a Oração do Médium Principiante, que deveria ser distribuída a todos aqueles concluintes dos cursos de Mediunidade e que se preparam para uma caminhada abençoada pelos Espíritos Superiores, sempre se balizando por uma advertência do Chico Xavier inesquecível: “Em centro que muito cresce, o amor desaparece!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 03 de dezembro de 2018

ESPIRITISMO PARA JOVENS: UM LIVRO ENCANTADOR

 

 
UM LIVRO ENCANTADOR

Há certas leituras que efetivamos por obrigação, diante de orientações recebidas de mestres estudiosos. Entretanto, outras são efetivadas com uma vontade final de quero-mais da gota serena, dessas que nos incentivam compulsoriamente para aprimoramentos doutrinários, aperfeiçoando nossa enxergância e favorecendo orientações para jovens que buscam principiar-se na Doutrina Espírita, tencionando ser cristão seguidor de Allan Kardec, aquele lionês que revolucionou as relações matéria-espírito com seus livros e orientações profundamente racionalistas. Umas dessas leituras me foi sugerida, tempos atrás, por uma psicanalista, a Valéria Pessoa, militante de escol que muito estimo da Associação Espírita Casa dos Humildes, sediada à rua Henrique Machado, 110, bairro de Santana, no Recife, capital pernambucana.

 

 

O livro chama-se Espiritismo para jovens: a história de Jesus e o Livro dos Espíritos para iniciantes da doutrina espírita, Eliseu Rigonatti, São Paulo, Pensamento, 2018, 454 p.

Para quem ainda desconhece o autor, segundo a contra-capa, “Rigonatti (1913-1988) foi um renomado escritor espírita, divulgador da Doutrina de Allan Kardec e um importante líder do movimento espírita brasileiro. Um dos fundadores da Sociedade Paulista de Estudos Espíritas, em 1946 criou o jornal A Infância Espírita, uma das primeiras publicações do gênero voltada para crianças e jovens. Autor best-seller de livros clássicos sobre catecismo espírita e obras de divulgação da Doutrina, o conjunto de sua obra, lançado pela Editora Pensamento, já vendeu mais de 500.00 exemplares”.

O livro do Rigonatti acima citado é composto de duas partes. Na primeira, os Evangelhos são apresentados numa versão integral própria do autor, retiradas as repetições dos fatos, a narrativa sendo feita numa linguagem apropriada para jovens. Na segunda parte são explicitadas em 44 lições a obra máxima de Allan Kardec, também numa linguagem descomplicada, própria para os leitores iniciantes jovens, revelando importantes passagens sobre ética e moral dentro da Doutrina, nunca desprezando a parte evangélica do livro, posto que, segundo o autor, “o ensinamento evangélico está disseminado por todos os capítulos, porque um dos pilares fundamentais do Espiritismo é o Evangelho de Jesus”.

No livro do Rigonatti, vamos encontrar valiosas lições sobre os mais esclarecedores assuntos, tais como: As diferenças entre Espiritismo e Espiritualidade; A alma, o princípio vital e o fluido vital; O conhecimento do princípio das coisas relacionadas à criação do Universo; Espírito e matéria e propriedades da matéria; Formação do mundo; Evolução dos seres vivos; O povoamento da Terra e as origens de Adão; A diversidade das raças humanas; A pluralidade dos mundos habitados no Universo (muitas moradas); Considerações e concordâncias bíblicas relativas à Criação; Origem e natureza dos espíritos; A finalidade da encarnação e da reencarnação; Mundos transitórios; Anjos da guarda, espíritos protetores, familiares e simpáticos; Desgosto pela vida, depressão e suicídio; Provas, arrependimento e expiação; Paraíso, Inferno, Purgatório e Paraíso Perdido.

Dedicando seu texto ao inesquecível escritor Monteiro Lobato, Eliseu Rigonatti revive Lina, uma contadora de histórias dos seus tempos de criança, em Itambé, hoje Ibitu, quando ele frequentava a escola primária do professor Amador. Segundo ele, “Itambé era um povoado tranquilo, rodeado de matas quase virgens, de fazendas de criação e de sítios; distava de Barretos quatro léguas, ao norte do Estado de São Paulo.” E vai mais além: “Dentre os estudantes que nas férias apareciam por lá (Itambém), guardo suave lembrança de uma mocinha morena, de olhos pretos, grandes e rasgados, que lhe iluminavam o rosto, chamava-se Lina, e era minha vizinha. Lina gostava de contar histórias. E quantas ela sabia! À tardinha, depois do jantar que era servido cedo, ela reunia um grupo de crianças em sua casa, e os personagens de um mundo maravilhoso ganhavam vida ante nossos olhos, evocados por sua voz doce e mansa, até que o relógio da parede batesse oito horas, quando ela nos mandava para casa, dormir.”

Na parte II – O Livro dos Espíritos para Jovens e Iniciantes na Doutrina Espírita encontram-se expostas 43 aulas, entre as quais destacamos a 1ª. (Notícias sobre o Livro e Allan Kardec), a 3ª. (A Doutrina Espírita e os seus Contraditórios), a 7ª. (Criação), a 12ª. (Encarnação dos Espíritos), a 19ª. (Dona Corina), a 21ª. (Emancipação da Alma), a 24ª. (Influência dos Espíritos sobre os acontecimentos da vida), e a 41ª. (Esperanças e Consolações). No final do livro, Rigonatti nos apresenta um Pai-Nosso lindamente poético, onde a última estrofe está repleta de muita Esperança: “Até chegarmos à suprema luz, / A cidade eterna do Grande Rei, / Não nos deixeis violar as vossas leis, / Mas livrai-nos do mal, Senhor Jesus.”

E a despedida das aulas, fim das férias, era por demais tocante. Falava o extraordinário instrutor dos jovens: “Não se entristeçam. Aproveitem bem o ano que vem estudando com afinco, com ardor. E nas férias vindouras estaremos juntos de novo, guiados por Allan Kardec, a quem devemos gratidão, respeito, admiração e amor!”

PS. Para o público infanto-juvenil, que hoje desconhece o pensar de Thomas Jefferson – “As doutrinas que fluem dos lábios de Jesus estão ao alcance da compreensão de qualquer criança” – um outro livro do Rigonatti é um precioso presente de Natal: O Evangelho da Meninada, editora Pensamento, 2017 (21ª. reimpressão), 146 p. Leitura evangelizadora para os pequeninos, sem fricotismos nem outras cavilosidades, onde Lina, a contadora de história de Itambé, encantava os pequeninos com a vida do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador. Confesso que a criança que ainda vive em meu interior de cristão militante kardecista vez por outra relê partes do livro, tomando-as como temas reflexológicas para limpeza da caminhada em direção à Luz Infinita.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 26 de novembro de 2018

LEITURAS PREVENTIVAS

 

 
LEITURAS PREVENTIVAS

1. Creio que uma leitura atenta do último trabalho do famoso jornalista Bob Woodward, aquele repórter que desmascarou o Watergate de Richard Nixon, merece uma atenção redobrada dos mais antenados analistas políticos brasileiros diante da recente eleição do futuro presidente Jair Bolsonaro, consagrado nas urnas menos pelo seu ideário e muito mais por uma ojeriza gigantesca do eleitorado às falcatruas que se vinham praticando por lideranças e paus mandados de um partido de vocação outrora libertadora. O livro Medo: Trump na Casa Branca, São Paulo, Todavia, 2018, 400 p., mais de um milhão de exemplares vendidos na primeira semana de lançamento nos Estados Unidos, revela um retrato íntimo dos primeiros tempos do mais controverso presidente norte-americano de todos os tempos, descrevendo como funcionários do alto escalão do governo afanam documentos do Salão Oval da Casa Branca, impossibilitando crises diplomáticas entre os EEUU e diversas outras nações do mundo, dado o temperamento do mandatário estado-unidense, avesso a protocolos, permanentemente desconfiado dos tratamentos dispensados e em continuadas escaramuças com a imprensa de Tio Sam, mormente a independente por derradeiro. O próprio autor esclarece aos possíveis leitores: “este livro é resultado de centenas de horas de entrevistas com participantes e testemunhas diretos dos eventos mencionados. … O presidente Trump se ”recusou a ser entrevistado para este livro.

Como Prólogo, Woodward narra o que aconteceu nos primeiros dias de setembro de 2017, no oitavo mês do governo Trump, quando Gary Cohn, principal assessor econômico da Casa Branca, que tinha o privilégio de adentrar ao Salão Oval durante as ausências do presidente, ficou altamente chocado quando constatou uma minuta para Trump assinar, que cancelava um tratado com a Coreia do Sul que datava dos anos 1950 e que garantia a manutenção da tropa norte-americana, quase trinta mil soldados naquele país. Um tratado que possibilitava a detecção de um lançamento de míssil balístico pela Correia do Norte em apenas sete segundos!! Com o tratado cancelado, transferido o mecanismo de detecção para o Alaska, o tempo levaria apenas quinze minutos!! A manutenção do tratado na Coreia do Sul representava a essência da segurança nacional da maior economia do mundo. Retirado da mesa presidencial, o procedimento criou uma metodologia, a de como extrair documentos dos olhos de um mandatário “emocionalmente esgotado, volátil e imprevisível.” E o livro narra a trajetória de inúmeros outros bloqueios que desfavoreceriam “um colapso nervoso do Poder Executivo do país mais poderoso do mundo.”

O livro do Bob Woodward deveria ser debatido nas principais correntes partidárias não dinossáuricas do futuro Congresso Nacional, bem como entre os excelentes comentaristas políticos da mídia brasileira, favorecendo análises e posturas táticas mais consistentes nos diversos segmentos sociais da nossa sociedade. Uma maneira de combater mais efetivamente os fofoquismos e os fuxiquismos que enodoam mentes e corações dos ainda não pervertidos.

2. Outra leitura que muito facilitaria análises conjunturais futuras, evitando-se posturas saudosistas, nostálgicas por derradeiro, a revelar apegos a modelos e estratégias de tempos pretéritos que jamais voltarão a brilhar, é o livro de David Runciman, professor de política na Universidade de Cambridge, também editor convidado da London Review of Books, intitulado Como a democracia chega ao fim, São Paulo,Todavia, 2018, 272 p., onde o autor salienta como estamos presos ao passado, ressaltando que “ao nos concentrarmos nos fascismos e nos golpes de Estado como as principais ameaças, miramos alvos errados. Nossas sociedades são complexas demais para colapsar da mesma maneira”. E vai além: “Precisamos de novos modos de pensar o impensável – uma visão do século XXI sobre o fim da democracia, e se sua derrocada nos permitirá avançar em direção a um modelo melhor.”

No Prefácio, Runciman dá um exemplo que necessita de muitas reflexões pelos analistas contemporâneos. Ei-lo: “Quando um homem infeliz de meia-idade cede ao impulso de comprar uma motocicleta, o perigo pode ser grande. Se ele for um sujeito de pouca sorte, tudo pode acabar numa bola de fogo. Mas é muito menos perigoso do que a compra de uma moto por um garoto de dezessete anos. Geralmente, é só uma coisa constrangedora. A motocicleta da meia idade é usada poucas vezes e acaba estacionada para sempre. Ou passada adiante. A crise precisa ser resolvida de algum outro modo, se é que tem solução. Pois a democracia dos Estados Unidos está vivendo sua crise de meia-idade. Donald Trump é a motocicleta. E tudo ainda poderá acabar numa bola de fogo. O mais provável, porém, é que a crise continue e requeira alguma outra solução, se é que existe solução para ela.”

O livro está organizado sob três temas: o golpe de Estado; a calamidade; e o triunfo da tecnologia da informação. Sobre o último tema, já existem máquinas semi-inteligentes, encarregadas de minerar dados e tomar decisões invisíveis em nosso nome. Uma questão emerge com muita inquietação: “Iremos abdicar da nossa responsabilidade na democracia em favor dessas novas forças, sem nem mesmo pensar duas vezes?”

O autor ainda desafia ler A estrada sem ser profundamente tocado pela luta de pai e filho por uma sobrevivência mínima numa sociedade devastada por um sem número de horrores. E muito bem define: “A Estrada não nos mobiliza para ação política. É uma parábola estranhamente reconfortante para uma sociedade de sonâmbulos e funâmbulos”.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 19 de novembro de 2018

NÚMEROS E LETRAS

 

 
NÚMEROS E LETRAS

1. Os resultados apurados nos testes de Matemática aplicados aos alunos das séries primeiras de ensino comprovam a posição incômoda, para não dizer profundamente humilhante, do conhecimento do cálculo matemático elementar na vida cotidiana de nosso país. Frequentemente, uma simples multiplicação de dois números simples causa um embaraço emocional significativo em quem está responsável pelo cálculo, não sendo raro o momento de se recorrer a uma maquininha peba para observar o resultado. Não é sem razão que as contas dos atuais restaurantes já explicitam a cota individual de cada participante.

Outro dia, li um livro muito bem elaborado pelo inglês Kjartan Poskitt, autor de diversos livros científicos para jovens, também responsável por famosos programas de ciência e matemática na televisão inglesa. O título, bastante sedutor, é Matemática para gente grande – um guia bem-humorado com atalhos, truques e dicas para aprender a lidar com os números de uma vez por todas, São Paulo, Benvirá, 2017, 186 p. Um livro gostosamente oferecido a Marilyn Malin, “que há vinte anos me ajuda a me manter organizado. Nunca usou uma calculadora e nunca está errada.”

Segundo Poskitt, a razão maior da feitura do livro foi a procura de um amigo seu, de cerca de 40 anos, inteligência acima da média, mas que não conseguia efetivar um curso de gestão por não ser aprovado em nenhum teste de conhecimento matemático. Segundo o amigo, “sei somar e subtrair números, mas, quando o negócio é multiplicar, entro em desespero, mesmo usando uma calculadora”.

Logo de início, Poskitt adverte que o seu novo livro não é didático, não havendo testes e provas, ninguém indo gritar no seu ouvido se cair no sono. E explica: “Este livro pretende ajudá-lo nos cálculos do dia a dia, naquelas situações em que você precisa descobrir a quantidade de tinta necessária para pintar um quarto, ou a duração de uma viagem, também servindo de guia para coisas mais complexas, como álgebra e percentagem.”

2. Sou assinante do jornal mensal Correio Espírita, de Niteroi, Rio de Janeiro, o primeiro jornal espírita a circular em todo o estado do Rio Janeiro. Em seu número de novembro 2018, ele noticia o centenário de desencarnação de Eurípedes Barsanulfo, ocorrido no dia 1° de novembro de 1918, em Sacramento, Minas Gerais, ele com apenas 38 anos e seis meses, vitimado pela gripe espanhola. Por feliz coincidência, recebi da amiga querida Yvaneide Pereira, trabalhadora incansável da Casa dos Humildes, onde sou soldado raso, o livro Eurípedes Barnasulfo, cem anos de saudades, Alzira Bessa França Amui (org), Sacramento, Minas Gerais, 2018, 192 p., Editora Esperança e Caridade & Colégio Allan Kardec. Artigos e mensagens escritos com as tintas da gratidão por amigos que sempre admiraram o querido professor Eurípedes, que sempre se pontuou como um verdadeiro homem de bem.
Segundo a reportagem do jornal acima citado, a vida de Barsanulfo foi pautada na disciplina e na determinação de sempre praticar o bem. Terceiro filho de um uma prole de quinze, a infância dele foi repleta de dificuldades múltiplas, onde aos seis anos já ajudava o pai num armazém de secos e molhados.

3. MAMATARIA SEM VERGONHA

A Suiça tem 4 estatais; a Austrália e o Japão têm 8; a Áustria tem 10, a Bélgica 12; os EEUU e o Reino Unido têm 16; a Dinamarca tem 21 e o Chile 25. E o Brasil? 418 !! Quantitativo que humilha e enxovalhava a dignidade nacional. Recomendamos uma leitura bem pensada de Caminhos da Esquerda – Elementos para uma reconstrução, Boris Fausto, São Paulo, Companhia das Letras, 2017, 209 p., onde o autor, doutor em filosofia pela Universisdade de Paris e professor emérito da Universidade de São Paulo, analisa as patologias da esquerda brasileira, causadoras de uma sucessão de derrotas dos seus projetos, com seus sectarismos, sem poupar as atuais manobras neoliberais e os sonhos ahistóricos de uma direita somente vitoriosa diante das patologias posicionais de demagogos, oportunistas, messiânicos e fraudadores do Erário Público, fomentadores de uma alienação radicalmente distanciada dos legítimos interesses republicanos.

4. O comportamento ridículo do ex-presidente Lula, hoje portando outro diploma presi, o de presidiário, em Curitiba, em depoimento prestado à juíza Gabriela Hardt, substituta do Dr. Sérgio Moro, pode ser considerado como uma tentativa circense de enxovalhar o Poder Judiciário. Não sabendo mais honrar as calças que veste, o presidiário deveria ter a hombridade de reconhecer suas patifarias financeiras de ínfima categoria moral. Muitos aplausos para o salutar puxão de orelha dado pela juíza no presidiário, quando o mesmo quis se meter a besta pro lado dela: “Se continuar nesse tom vamos ter problemas!”

5. Entre os adeptos da Doutrina Espírita, a mediunidade e a forma de vivenciá-la com seriedade, fidelidade e moralidade são assuntos que devem ser debatidos com muita densidade, evitando a emersão de ideias que não estão devidamente correlacionadas com a Doutrina. Ressalte-se a lição magistral sobre Mediunidade Mental explicitada na Revista Espírita de março de 1866, favorecendo o aperfeiçoamento dos contatos conscientes com os diferenciados benfeitores espirituais. Na Revista de maio de 1863, o próprio Allan Kardec ressaltava que “de 3.600 comunicações recebidas, não há 300 passíveis de publicação e apenas 100 são de mérito.” O próprio João Evangelista, o apóstolo mais amado de Jesus, já advertia na sua Primeira Epístola (João 4,1).

6. Que o conserto da inclinação da torre do relógio da Faculdade de Direito do Recife seja efetuado sem afobações nem licitações de araque, preservando a dignidade daquele monumento cultural de Pernambuco, a Casa de Tobias Barreto. E protegendo a sobrevivência comportamental acadêmica de professores, alunos e funcionários daquela respeitável instituição.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 13 de novembro de 2018

FUXIQUIASMO E PROFISSIONALIDADE

 

 
FUXIQUISMO E PROFISSIONALIDADE

Depois das eleições, onde determinadas lideranças partidárias foram varridas do cenário político brasileiro, sinto muita ojeriza, quando não uma raiva da gota serena, vendo pessoas que se habituaram a chafurdar nos rincões do negativismo, tudo fedendo, ninguém prestando, todos sendo legítimos fdp, somente elas mesmas sendo merecedoras da salvação misericordiosa do Pai.

Vez por outra, isso não raramente, deparo-me com uma delas, o nível de negativismo dependendo da hora do dia, do status social, do ritmo sexual dos últimos tempos, da carência afetiva e do grau de insalubridade do pensar e do agir em comunidade.

Impressiona-me a quantidade de pessoas que possuem pensamentos negativos e os carregam como porta-bandeiras de suas passagens por estas bandas. Há muitos anos, um professor querido, Irmão Carlos Martinez, marista do inesquecível Ginásio São Luís, contava uma historieta clássica, dessas que servem de abrigo para as vacinas preventivas contra os negativismos das mais variadas espécies. Vale a pena tentar reproduzi-la aqui, neste Jornal da Besta Fubana arretado de ótimo em chicotear os rabos daqueles(as) que teimam em azedar ambientes. Ei-la:

“Um homem de meia idade, morador da periferia de uma região metropolitana, vendia cachorro-quente a preços bastante accessíveis. Era meio surdo e detestava rádio, não lendo jornais porque sofria da vista, uma miopia braba que o atormentava desde a juventude. Mas tinha aprendido com seus avós a fazer um tipo de cachorro-quente que era reconhecido, sem segundo lugar, como o melhor de todos os bairros que constituíam a área sul da capital. 
Diante do sucesso de suas vendas, tinha afixado uma tabuleta à beira da avenida, onde apregoava a boa qualidade do seu produto. E ainda bradava, nos horários de maior trânsito e com frequência até incomodativa, uma frase de efeito:

– Cachorro-quente dezoito quilates, a melhor joia do Nordeste!

Aumentada a freguesia, consequentemente a compra de carne e pãezinhos, resolveu adquirir um fogão maior, a fim de atender melhor os fregueses, novos e veteranos. Conversando com um vizinho, desses que veem o mundo permanentemente nas trevas, tudo na mais absoluta escuridão, dele recebeu uma advertência:

– Amigo, não tens ouvido rádio? Dizem que o dinheiro está rareando, que todo mundo ficará em má situação, acontecendo uma grande crise, os negócios indo todos por água abaixo.

Aí, o cachorroquenteiro, que detestava rádio e ainda ouvia pouco, também míope da gota serena, resolveu não mais adquirir um fogão maior. Apressou-se em diminuir as compras de carne e pãezinhos e ainda pôs abaixo o cartaz pintado a óleo que era seu chamariz principal. E não mais gritou, apregoando as boas qualidades do seu produto.

Com as vendas em declínio, o nada-fazer foi se instalando no seu pedaço existencial, o vizinho se tornando um grande identificador de crises homéricas. Os dois passaram a prognosticar uma época de muitas incertezas, um amanhã depressivo para os diferenciados ramos de negócio, posto que o fim dos tempos se aproximava.

A motivação voltou quando o cachorroquenteiro ouviu de um neto o que estava escrito num canto de um jornalzinho de uma localidade próxima: “Quando triunfar, vai fazer falsos amigos e verdadeiros inimigos, mas continue em frente. O que leva dias para construir pode ser destruído num instante, mas construa assim mesmo. Dê ao mundo o que tiver de melhor, pois você colherá o que semeou”.

Foi aí que o cachorroquenteiro, pela fala de um neto, soube sacudir a poeira e dar a volta por cima, tornando-se consciente da sua profissionalidade. E voltou aos tempos de outrora ainda mais forte.

Encarecendo perdão pelo neologismo utilizado, apesar da intenção ser positiva: alertar os que estão prestes a ingressar no mercado de trabalho e aqueles que já se encontram no seu campo profissional, sejam veteranos ou principiantes. E o mote me foi oferecido pelo Simon Franco, um dos mais eficazes head-hunters do Brasil, quando de um debate patrocinado por um centro profissionalizante, em Belo Horizonte: quais deveriam ser as características de uma pessoa qualificada, diante das mutabilidades contínuas que estão se verificando no mundo inteiro? Explicitando abaixo as dez mais notáveis, todas elas interdependentes e intercomplementares, acreditava Franco estar favorecendo a caminhada dos empreendedores criativos, encarecendo aos veteranos um “alerta geral” nos seus relacionamentos múltiplos:

1. Nunca esmorecer a capacidade de ser permanentemente um curioso, um perguntador, sempre desenvolvendo novas habilidades e despertando novos interesses.

2. Encarar a Vida como uma missão, jamais a entendendo como uma carreira. Conhecer bem as fontes nutrientes e as energias geradoras, sempre preservando a individualidade, sem resvalar para atitudes individualistas, suicidas sob todos os vieses profissionais.

3. Desenvolver um savoir-faire cultivando o humor, permanecendo otimista sem jamais reagir compulsivamente diante de atitudes negativas ou extemporâneas. Jamais tripudiar sobre as fraquezas dos outros e ter consciência da capacidade de perdoar e/ou esquecer ofensas alheias.

4. Manter-se constantemente atualizado em relação a assuntos e cenários mais recentes, sendo socialmente ativo, possuindo muitos amigos e uns poucos confidentes.

5. Sabe rir de si mesmo, dimensionando, sem exageros positivos ou negativos, o seu próprio valor. Perceber as similaridades e as diferenças em cada uma das situações enfrentadas. E aceitar elogios e culpas de forma equilibrada, sem reações impulsivas. E enxergar o sucesso futuro no atual fracasso, por mais penoso que ele tenha sido.

6. Saber contemplar rostos antigos de maneira nova e velhas cenas como se fosse a primeira vez. Redescobrir as pessoas a cada encontro, interessando-se por elas, jamais rotulando-as com base em sucessos ou fracassos passados.

7. Saber fazer uso da força conjunta, acreditando nas capacidades alheias, nunca se sentindo ameaçado pelo fato dos outros serem melhores. Aprender a separar as pessoas dos problemas, não disputando posições, a liderança lhe sendo conferida por natural manifestação da maioria.

8. Exercitar regularmente as quatro dimensões da personalidade humana: a física, a mental, a emocional e a espiritual, orientando-se para as soluções criativas, sem resvalar para irresponsabilidades doidivanas, nem pieguices cavilosas.

9. Jamais se esconder sob o manto da resignação, consciente de que ele é o hospedeiro maior da mediocridade.

10. Renunciar às alternativas perfeccionistas, reconhecendo todas elas como estratégias de protelação.

Como embasamento geral, afastar-se da rotina, enfrentar o desconhecido e motivar-se para adquirir novos saberes, uma trilogia capaz de resistir à “tentação do ótimo”, sem qualquer dúvida o maior inimigo do bom. E nunca perder a convicção de que o justificatório, o lamentatório, o comparatório, o esperatório e o protelatório são os principais componentes patológicos das depressões decisórias da atualidade.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 06 de novembro de 2018

NOTAS DE UM TRANSCRISTÃO

 

 
NOTAS DE UM TRANSCRISTÃO

1. A LEEPP – Livraria Espírita Edições “Pedro e Paulo”, de Uberaba, Minas Gerais, lançou, em agosto do ano passado, um livro que bem poderia servir de amplo embasamento alicerçal para a caminhada terrestre daqueles não possuidores de crenças religiosas, apenas não sendo materialistas: Cristo em nós, Carlos A. Baccelli e Bezerra de Menezes, Uberaba – MG, 2017, 238 p. Um série de recomendações do médico espirita cearense Adolfo Bezerra de Menezes (1831-1900), ex-presidente da Federação Espírita Brasileira, psicografadas por Carlos A, Baccelli.

2. Para quem não teve oportunidade de consultar as páginas da Revista Espírita, de janeiro de 1958 a abril de 1869, editadas sob a coordenação de Allan Kardec, terá oportunidade de ler as principais matérias de cunho doutrinário e as relacionadas com a fenomenologia mediúnica, além de instruções e esclarecimentos dirigidos aos espíritas, através do livro Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita, Evandro Noleto Bezerra (org), Brasília, FEB, 2014, 253 p. A Revista Espírita, 12 volumes, era uma espécie de tribuna livre, um laboratório experimental, onde o Codificador apreendia a opinião dos seres humanos e a impressão dos Espíritos sobre variados assuntos ainda hipotéticos ou mal compreendidos, somente incorporando-os às obras básicas apenas após passarem pelo critério da concordância e universalidade do ensino das entidades superiores. E a intenção da seleção feita é a de disponibilizar aos companheiros de ideal e trabalhadores das diversas Casas Espíritas, de um modo rápido, o que escreveu Allan Kardec. No livro, o autor explicitou alguns artigos de Obras Póstumas, um deles sintetizando o pensamento de Kardec a respeito da caridade, tal qual entendia Jesus, repassando seus ensinamentos aos pósteros.

3. Uma pesquisa bastante elucidativa busca separar o joio do trigo, diferenciando o que é histórico e o que é apenas construção teológica do personagem mais estudado da História da Humanidade. Lançamento recente, agosto passado, o livro intitula-se O Evangelho Q, José Lázaro Boberg, Capivari-SP, Editora EME, 2018, 320 p. Uma análise desafiadora, instigante sob todos os ângulos, de imensa valia para quem deseja saber quem foi, efetivamente, Jesus d Nazaré, o amado Rabi da Galileia, que amo com todas as forças do coração. Os documentos históricos revelam que a Fonte Q, também conhecida como Documento Q ou apenas Q, sendo Q uma abreviatura da palavra quelle, que em língua alemã significa fonte, uma hipotética fonte usada na redação dos Evangelhos de Lucas e Mateus. Um texto antigo que supostamente continha a logia ou várias palavras e sermões de Jesus. Seu conteúdo abrange 225 versículos encontrados em Mateus e Lucas, podendo ser também definido como o conjunto das sentenças ou de sapiências originais de Jesus, primeiras anotações dos discípulos e apóstolos mais antigos. O erudito bíblico britânico Bernett Hillman Streeter formulou uma visão amplamente aceita do documento “Q”. Ele seria um documento escrito, não uma tradição oral, composto em grego, o seu quase integral aparecendo em Lucas, Mateus ou em ambos, que Lucas preservou mais que Mateus, ambos tendo utilizado o documento “Q” como fontes, embora não tenha sido mencionado por nenhum dos Pais da Igreja. O livro do Lázaro Boberg merece ser lido pelos já iniciados no Cristianismo, favorecendo uma visão ampla da trajetória daquele que mudou a face do mundo religioso de então.

4. Gosto que me enrosco de conversar com crianças perguntadeiras, dessas que desejam saber a razão de tudo e de todas as coisas. Criança “ispilicuti”, como classificava a minha avó Zefinha, ou “o raio da silibrina”, apelido dado em Natal, tempos de Segunda Guerra Mundial, à meninada danada de bisbilhoteira diante das tropas militares das Forças Aliadas desembarcadas em Parnamirim. Outro dia, na Livraria Praça da Casa Forte, também confeitaria, deparei-me com um livro, onde na quarta capa havia uma informação que me deixou ansioso pela sua aquisição: o dramaturgo escocês conhecido pelo pseudônimo de James Bridie descreveu bem-humoradamente as ações de Eva com a serpente como o primeiro grande passo em direção à ciência experimental, posto que Eva teria lançado mão da característica mais humana de todos os tempos: a curiosidade, o fator primacial de toda incipiente criatividade desde as primeiras idades. O nome do livro é Por Quê? O que nos torna curiosos, Mario Livio, Rio de Janeiro, Record, 2018, 252 p. Uma leitura que busca responder sem eruditismos boçalizantes, algumas indagações que perambulam pelos quatro cantos do planeta: As crianças são mais curiosas que os adultos?; A curiosidade é um produto direto da seleção natural?; Por que as questões mais triviais nos deixam extremamente curiosos?; Por que frequentemente nos esforçamos para decifrar os sussurros de uma conversa na mesa ao lado de um restaurante?; e Como a nossa mente escolhe os objetos da nossa curiosidade? O autor do livro, astrofísico internacionalmente aplaudido, explora várias questões intrigantes por meio da investigação das vidas de curiosos notáveis como Leonardo da Vinci, confessando sua insaciável curiosidade, escrevendo um texto irresistível e divertido, cativante por derradeiro, aprisionando todos aqueles que despertem para o assunto.

5. Costumo dividir minhas leituras em algumas categorias: as que fazem permanecer levemente atualizado na profissão, as que proporcionam momentos de lazer, as que são culturalmente indispensáveis, as que contemporiza uma espiritualidade adquirida ao longo da caminhada terrestre e as que relatam vivências e ocorrências com personagens que elegemos como inesquecíveis. Dentre as últimas acima classificadas, uma me prendeu até altas madrugadas por quase uma semana: Chico, Diálogos e Recordações, Carlos Alberto Costa, SP, Editora O Clarim, 2017, 368 p. Segundo a contracapa, “fatos e documentos foram inseridos nessa edição tornando, assim, imperdível a leitura dessa valiosa obra, que chega para contribuir, ainda mais, com a rica História do Movimento Espírita na Pátria do Evangelho.” Uma edição que comemora os 10 anos do lançamento da edição primeira, com o acréscimo de algumas novidades entre Arnaldo Rocha e Francisco Cândido Xavier, carinhosamente chamados de Amigos para Sempre. Os momentos muitos de convivência entre Arnaldo Rocha (1922-2012), com Chico Xavier foram devidamente catalogados por Carlos Alberto Braga Costa, um mineiro nascido em 1966, iniciado no Movimento Espírita em 1987, havendo sua mediunidade aflorado após anos de intensivos estudos, de onde partiu para difundir a Doutrina Espírita pelos quatro cantos do Brasil, cada vez mais atento às palavras de Divaldo Franco: “Não de pode pregar a Doutrina Espírita na sua pureza e transparência inigualáveis, sem referências à fidelidade do médium Francisco Cândido Xavier para com a mesma, assim como à sua extraordinária contribuição oriunda do Mundo Espiritual Superior de que ele se faz dócil e lídimo instrumento.”

São notas que consolidam o amor pelo Homão da Galileia, sempre solidário com os companheiros da Casa dos Humildes, uma instituição espírita da qual sou soldado raso, onde semanalmente aprendo um cadinho mais sobre como promover uma reforma íntima em meua interiores, favorecendo um caminhar na direção da Luz Infinita sempre misericordiosa para com nossos tropeços cotidianos.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 29 de outubro de 2018

ORIENTAÇÕES DE UM TALENTO

 

 
ORIENTAÇÕES DE UM TALENTO

Passadas as turbulências eleitorais, eleito o novo presidente do Brasil, e desejando a ele uma gestão coroada de bom senso e múltiplas realizações nas áreas sociais e econômicas, erradicando a podridão que campeia nos quatro cantos do país, favorecendo funcionários públicos, empresários, religiosos, políticos e militares numa indiscriminada malha estupidamente sórdida. É chegada a hora de reservar algumas horas para leituras restauradoras de nível, capazes de favorecer o caminhar de todas as lideranças na direção de uma consistente reedificação coletiva. Capaz de erradicar as humilhações que nos estão rodeando nos cenários internacionais, que tornaram o Brasil o local predileto do que existe de moralmente mais abjeto nos quatro cantos do planeta.

Navegando por alguns sites livreiros felizmente existentes e ainda não contaminados nas redes sociais, deparei-me com um trabalho psicográfico do notável Divaldo Franco tendo por base os romances mediúnicos de Victor Hugo, pensador francês, poeta, romancista, dramaturgo, jornalista, político e orador, apontando como o maior talento francês de todos os tempos. Nascido em fevereiro de 1802 e desencarnado em 22 de maio de 1885, seu corpo foi sepultado no Panteão Nacional, acompanhado por milhares de pessoas. Um talento francês bastante preocupado com seu povo, para o qual escreveu a sua melhor produção literária: Nossa Senhora de Paris, Os Miseráveis e Os Trabalhadores do Mar, entre tantos outros.

O livro encontrado intitula-se 100 Reflexões Filosóficas e Cor Local nos Romances Mediúnicos de Victor Hugo, Washington L. Nogueira (org.), Salvador, Bahia, Livraria Espírita Alvorada, 2009, 304 p. Ele está dividido em cinco partes: I – Reflexões Filosófico-Sociais; II – Reflexões Filosófico-Psicológicas; III – Reflexões Filosófico-Espíritas; IV – Reflexões Filosófico-Religiosas; e V – Digressões Históricas.

Elegemos algumas das reflexões do Espírito de Victor Hugo, psicografadas pelo Divaldo Franco, uma amostra capaz de dimensionar a grandeza de uma personalidade histórica aplaudida mundialmente, sempre de mente voltada para os desassistidos do planeta. A escolha é radicalmente aleatória, feita a partir de um sorteio efetivado com amigos queridos, três, em mesa de croquetes e guaranás. Um estímulo para que todos os “seduzidos” pelos norteamentos do escritor francês busquem a leitura integral do trabalho muito bem apresentado pelo Centro Espírita Caminho da Redenção, um exemplo que dignifica a Missão Espírita da Gente Brasileira.

1.“Muito maior do que se pensa é a legião dos párias. Enxameiam nas vielas sórdidas das cidades e nos casebres das vilas ao abandono, inundando, também, os palácios e apartamentos onde vivem os homens de alto coturno, em cujas existências a degradação fez morada, e de onde a vergonha, por não suportar o assédio da imundície moral, foi expulsa, enxovalhada, a pedradas de ironias e desdém… Fugindo de si mesmos, são incapazes de fitar-se no espelho da consciência, esses párias do poder temporal, que mergulham nas drogas alucinantes para sonhar o pesadelo da mentira que as asfixia, empedernindo-lhes os sentimentos e vencendo neles as mínimas expressões de humanidade.”

2. “A oração é o mecanismo-ponte que une a criatura ao seu Criador através do infinito abismo da evolução. Constitui recurso sem palavras. Em que o homem se liberta das paixões, esquecendo-se da trivialidade, para agigantar-se, enriquecendo-se de valores de alto porte.”

3. “Este conceito de que a religião é para idosos, tem sido causa de larga faixa de equivocados. A fé religiosa é tônico de fortalecimento da alma e de ação vigorosa para o corpo, pois que lhes preserva a saúde mental e física, ao tempo em que proporciona muitas alegrias ao jovem. … Sem uma forte consciência religiosa, particularmente estruturada na razão, o jovem se aturde com facilidade e assume compromissos que o arrastam a situações penosas, que poderiam ter sido evitadas.”

4. “Infelizmente, as religiões não escapam aos homens que vivem às expensas; que as exploram e aos crentes, mantendo um comportamento venal e afivelando à face a máscara da humildade como da fé, ensinando uma filosofia e agindo diametralmente de forma oposta ao conteúdo do que dizem aceitar.”

5. “Exultai, todos vós, que perdeste temporariamente entes queridos, arrebatados pelo veículo da desencarnação. Eles não morreram! Atravessaram a grande aduana, que também vos espera, e enquanto isso trabalham por vós e por eles, preparando o vosso amanhã. Se sofrem, por equívocos a que se entregaram, retemperam o ânimo para novas jornadas; se são felizes, repartirão convosco as suas dádivas. Confiai e laborai! O amanhã é o nosso dia, que hoje começa, pedindo-nos seriedade na conquista da nossa felicidade!”

6. “Somos todos párias do caminho evolutivo, reencarnando para refazer e amando para redimir-nos. Pertencentes ao Instituto Divino da Evolução, estacionamos para aprender e melhor fixar as lições da vida, reiniciando a jornada quanto se nos faça necessário para a superior coleta de bênçãos.”

7. “Aplaudir o erro somente porque este recebe o transitório aval dos homens significa conspurcar a dignidade individual e enxovalhar a inteligência e a cultura da Humanidade.”

As sábias reflexões do escritor francês Victor Hugo, psicografadas pelo Divaldo Franco, facultam-nos a oportunidade de uma ampliação moral e espiritual do nosso interior de transeunte, na direção de um Ômega Chardiniano derradeiramente luminoso. Saibamos apreender Victor Hugo, um extraordinário mestre do nosso aprendizado doutrinal espírita.

PS. Para quem desejar melhor conhecer o espírita Victor Hugo, recomendo com entusiasmo a leitura de O Livro das Mesas: as sessões espíritas de Jersey, Victor Hugo, São Paulo, Três Estrelas, 2018, 627 p. Um livro surpreendente que traz a transcrição de quatro cadernos em que Victor Hugo, sua família e seus amigos descreveram as sessões espíritas das quais participaram na Ilha de Jersey, entre 1853 e 1855, onde o escritor se exilara após o golpe de Estado de Luís Napoleão Bonaparte.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 22 de outubro de 2018

SOLTOS E CONEXOS

 

 
SOLTOS E CONEXOS

1. Em tempos eleitorais como os atuais, desconfiar das posturas políticas enganosas e das ruidosas esculhambações sectárias dos sectários é um bom começo de consciência cidadã. E foi o Betinho, um sociólogo que não se esquecia do que escrevia, que disse certa feita para sacramentar toda postura política sadia: “Somos cidadãos de um mesmo mundo e num único tempo e país. É fundamental apoiar tudo o que nos leva à democracia e resistir por todos os meios a tudo o que nos impeça de chegar até lá pelo caminho da inteligência, do diálogo e da luta firme por construí-la com a participação ativa do conjunto da sociedade e formas mais conscientes e inovadoras de mobilização popular”.

2. Num pedaço de papel almaço, amareladamente bem conservado: “Todo xiita é um metido a síndico do mundo e odeia seus inquilinos”. E o pior xiita é aquele que se fantasia de amigo dos índios mas se apresenta com a pele vermelha para encabelar os incautos mentais.

3. Jean Paul Sartre, escritor francês morto em 1980, marido da Simone, bem que merecia voltar a proclamar alto e bom som: “Detesto as vítimas que respeitam seus carrascos”. Os que urraram, certa feita, chamando executivo nordestino de Pinochet e que depois ocuparam quietamente numerosos cargos comissionados daquele mesmo executivo, devem ter uma raiva danada desse tal de Sartre, que nunca deveria ter sido por aqui traduzido.

4. Para o Dr. Pierre Janet, psiquiatra francês falecido logo depois de terminada a Segunda Guerra: “Se o paciente é pobre, é internado num asilo como ‘psicótico’. Se pode pagar uma clínica, o diagnóstico é ‘neurastenia’. Se é rico o suficiente para tratar-se em casa, aos cuidados de médicos e enfermeiras, trata-se de um ‘excêntrico’”.

5. Para os sectários, de todos os matizes, que imaginam ver o circo pegar fogo, desde que construídas suas utopias, o pensar do Mahatma Gandhi é oportuníssimo: “Que diferença faz para os mortos, para os órfãos e para os despossuídos se aquela louca destruição se deu em nome do totalitarismo ou do santo nome da liberdade e da democracia?”

6. A opinião de Eugene Ionesco, notável teatrólogo, emerge com uma força descomunal: “Em nome da religião, constroem-se piras. Em nome das ideologias, pessoas são torturadas e mortas. Em nome da justiça, são injustiçadas. Em nome do amor a um país ou uma raça, outros países e raças são desprezados, discriminados ou massacrados. Em nome da igualdade e da fraternidade, praticam-se a perseguição e o ódio. Não há nada em comum entre os meios e os fins. Os meios vão muito mais longe que os fins. Na verdade, religião e ideologia são apenas álibis para esses meios”.

7. Sabedoria tibetana: “Nunca porfiar com quem não tem o que perder, só vivendo de ostentação, narcisicamente. É combater em desigualdade, posto que o outro já traz a vergonha perdida. Nunca se expor uma inestimável reputação, pois é sempre o mal, e não o bem, que a malevolência nota. Mais vale ter e saber conservar as pessoas que os haveres. Os feitos estão bem quando feitos; as alegrias nunca estão acabadas.”

8. “Tenha sempre fidelidade pelas suas opiniões, mas não as torne fixas diante de conhecimentos mais bem fundamentados. Nossas opiniões não passam de opiniões, jamais serão a verdade, posto que ninguém sabe o que é a verdade. Todas as pessoas que se imaginam donas da verdade se tornam inquisidoras, desconhecendo o que significa tolerância”.

9. “Quando numa comunidade sente-se a ausência de bibliotecas, explica-se rapidamente porque ela não pode alcançar graus civilizatórios compatíveis com o mundo contemporâneo. Com livros se edificam nações desenvolvidas, cérebros criativos e solidariedades sociais. Sem eles, embrutece-se a consciências e alimenta-se as violências mais constrangedoras, inclusive as dos políticos que não possibilitam a libertação do ser humano dos seus estágios mentais primitivos”.

10. Para os que entrarão breve de férias, é recomendável uns instantes de meditação, para retificar comportamentos e contemplar novos horizontes. Sempre atentando para o revelado pelo salmista – Por que temer, nos dias infelizes, a malícia dos espertalhões que me cercam, e os que contam com sua fortuna e se vangloriam da sua riqueza? (Salmo 49). E valendo muito redimensionar seus níveis de cidadania, evitando sutis envenenamentos consumistas, inoportunas desatualizações culturais e desastrosos esmorecimentos espirituais, que comprometem as três pilastras do viver: a dignidade, a integridade e a auto-realização.

11. Oportuno também, num minutinho entre papos e passeios, uma releitura sobre o que disse Albert Schweitzer, ao receber o Prêmio Mundial da Paz, em Oslo, 1952: “O homem tornou-se um super-homem…Mas super-homem com poderes sobre-humanos que não atingiu o nível de razão super-humana…. Impõe-se sacudir nossa consciência ao fato de que nos tornamos tanto mais desumanos quanto mais nos convertemos em super-homens”. Palavras complementadas pela constatação feita por Erich Fromm: “Somos uma sociedade de pessoas notoriamente infelizes: solitários, ansiosos, deprimidos, destrutivos, dependentes — pessoas que ficam alegres quando matamos o tempo que tão duramente tentamos poupar”. Dois pensares que poderão auxiliar muitos na descoberta de um novo Eu, mais humanizado, mais ecológico, mais entrosado nos novos cenários brasileiros socialmente dinâmicos, mais familial comunitariamente, a aldeia global sendo seu domicílio século XXI.

12. Passadas as apurações, que todos os segmentos partidários leiam atentamente Caminhos da Esquerda – Elementos para uma Reconstrução, Boris Fausto, SP, Companhia das Letras, 2017, 210 p. Na orelha primeira do livro, o explicativo por derradeiro: “Desde há mais ou menos um século, a esquerda foi acometida por certas patologias. Fenômenos como totalitarismo, adesismo ou populismo comprometeram e seguem comprometendo seus projetos políticos. Esse é o diagnóstico de fundo a mover a reflexão do filósofo Ruy Fausto em Caminhos da Esquerda.” Uma leitura imprescindível para eliminar jumentalidades estratégicas de todos os naipes...


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 15 de outubro de 2018

SOBRE REENCARNAÇÃO

 

 
SOBRE REENCARNAÇÃO

De uns bons anos para cá, resolvi ler com vagar e sempre assimilando aurelianamente (consultando o Aurélio sobre termos não devidamente por mim assimilados) O Livro dos Espíritos, do Allan Kardec, o codificador da Doutrina Espírita, editado em 1857. O que me proporcionou uma vontade gigante de conhecer os princípios lá contidos foi um trecho lido com muita atenção, numa das publicações da Federação Espírita Brasileira: “Independentemente de crença ou convicção religiosa, a leitura de O Livro dos Espíritos será de imenso valor para todos, porque trata de Deus, da imortalidade da alma, na natureza dos Espíritos, de suas relações com os homens, das leis morais, da vida presente, da vida futura e do porvir da Humanidade, assuntos de interesse geral e de grande atualidade.”

 

 

Mas o que mais me sensibilizou racionalmente foram os capítulos II a VIII do LE, fortalecendo a minha descrença sobre castigos eternos impostos pela Providência. E o tema reencarnação consolidou convicções até então intuitivas por mim sentidas, ensejando leituras complementares as mais diferenciadas sobre o assunto, a última leitura sendo o livro Reencarnação questão de lógica, do médico pediatra Américo Domingos Nunes Filho, SP, Editora EME, 2017, 320 p. Segundo o prefaciador Eurípedes Kuhl, “para elaborar este livro, o doutor Américo não se louvou apenas nos seus conhecimentos de medicina pediátrica, mas, e principalmente, no exercício da lógica, do bom-senso e do respeito integral e incondicional ao Criador.”

Segundo pesquisas feitas, eis um esclarecimento: reencarnação é uma ideia central de diversos sistemas filosóficos e religiosos, segundo a qual uma porção do Ser é capaz de subsistir à morte do corpo. Chamada consciência, espírito ou alma, essa porção seria capaz de ligar-se sucessivamente a diversos corpos para a consecução de um fim específico, como o auto-aperfeiçoamento. A reencarnação pode ser definida como a ação de encarnar-se sucessivas vezes, ou seja, derivada do conceito aceito por doutrinas religiosas e filosóficas de que, na morte física, a alma não entra num estágio final, mas volta ao ciclo de renascimentos. Heródoto filósofo menciona esta doutrina como sendo de origem egípcia, sendo que, nessa concepção, a reencarnação se dava instantaneamente após a morte, passando a alma para uma criatura que estava nascendo (que poderia ser da terra, da água ou do ar).

A reencarnação encontra defesa na filosofia desde Pitágoras. Atualmente, este conceito é aceito por filosofias e religiões do mundo todo, em especial na Ásia. É chamada também de transmigração da alma e metempsicose(esta última denominação é mais encontrada em filosofias orientais em que se admite que alma pode regressar em corpos de animais).

A reencarnação é um dos pontos fundamentais de religiões do Egito Antigo, do hinduísmo (já pregava esse conceito 5 mil anos antes de Cristo), do Budismo, do jainismo, do sikhismo, do taoísmo, do Culto de Tradição aos Orixás, de várias nações indígenas, do Vodu, da Cabala judaica, do rosacrucianismo, do espiritismo e suas dissidências, da Teosofia, da Wicca, do Eckankar, da Cientologia, da filosofia pitagórica, da filosofia socrática-platônica, etc. Existem vertentes místicas do cristianismo como, por exemplo, o cristianismo esotérico, que também admite a reencarnação.

Entre as tentativas de dar uma base “científica” a essa crença, destaca-se o trabalho do psiquiatra Dr. Ian Stevenson, da Universidade da Virgínia, Estados Unidos, que recolheu dados sobre mais de 3000 casos em todo o mundo, evidenciando a reencarnação. Segundo ele, os relatos de vidas passadas surgem geralmente aos dois anos de idade, desaparecendo com o desenvolvimento do cérebro. É constante aparecer na proximidade familiar, embora haja casos sem nenhum relacionamento étnico ou cultural. Mortes na infância, de forma violenta, aparentam ser mais relatadas. A repressão para proteger a criança ou a ignorância do assunto faz com que sinais tidos como suspeito, normalmente sejam esquecidos ou escondidos.

Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar, tal é a lei em francês é explicitada no túmulo de Allan Kardec. No século 19, o francês Hippolyte Leon Denizard Rivail – ou Allan Kardec – e outros estudiosos dedicaram-se a um tema então em voga na Europa: os fenômenos das mesas giratórias, em que os sensitivos alegavam que espíritos se manifestavam com o mundo dos vivos. Kardec escreveu uma série de livros sobre as experiências mediúnicas que observou e, tendo como base a ideia da reencarnação, estruturou a Doutrina Espírita.

Para os espíritas, reencarnação é um ponto pacífico. O espiritismo é o grande divulgador da doutrina da reencarnação no Brasil e na maioria dos países ocidentais, defendendo que a reencarnação é um processo obrigatório até o espírito não precisar mais reencarnar e isso se dará quando ele se tornar um espírito puro. A reencarnação é uma oportunidade para o espírito se aperfeiçoar intelectualmente através do trabalho e estudo, e moralmente através do amor ao próximo e da caridade. Assim, ela é vista como uma bênção pelo espírito, pois é uma oportunidade de progresso. Além de trabalhar para o seu desenvolvimento, o espírito quando reencarna, também vem expiar faltas que cometeu em encarnações anteriores.

Para o espiritismo, a reencarnação é uma prova da justiça de Deus, que dá inúmeras oportunidades para o espírito se aperfeiçoar, em vez de mandá-lo para o céu ou o inferno eterno porque simplesmente nasceu em uma família que não lhe deu a educação adequada. Segundo essa mesma doutrina, se o espírito se entrega à corrupção dos valores ético-morais, ele terá “incontáveis” oportunidades de se aperfeiçoar nas próximas reencarnações.

O astrônomo e astrobiólogo Carl Sagan, em seu penúltimo livro, escreveu: “No momento em que escrevo, há três reivindicações no campo (paranormal) que, na minha opinião, merecem um estudo sério”. A terceira sendo crianças que, pequenas, relatam detalhes de uma vida anterior que, após a verificação, se mostram precisas e que elas não poderiam ter esse conhecimento de nenhum outro modo que não pela reencarnação”.

Uma leitura atenta do livro Reencarnação questão lógica, do Dr. Américo Domingos Nunes Filho, nos proporcionará subsídios consistentes para assimilar mais convictamente a lição deixada pelo Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador: “Conhecereis a verdade e ela vos libertará” (João 8,32)


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar quinta, 11 de outubro de 2018

LIVROS INCOMUNS

 

 
LIVROS INCOMUNS

Quando o escritor judeu Elie Wiesel recebeu o Prêmio Nobel, em 1986, uma reflexão sua ecoou pelo salão de premiação, repercutindo em todo mundo: “Eu tenho tentado manter minha memória viva… Tenho tentado combater aqueles que prefeririam esquecer. Porque se nós esquecermos, nós somos culpados, somos cúmplices.” E num papo com amigos judeus, semana passada, quando reverenciávamos o nonagenário aniversário de Wiesel, recebi de um quase irmão hebreu um livro incomum por derradeiro: Holocausto: os eventos e seu impacto sobre as pessoas reais, Angela Gluck Wood, Barueri, SP, Editora Manole, 2013, 192 p. Onde, na quarta capa, se explicita a motivação da produção editorial, prefaciada por Steven Spielberg: “O livro que você tem em mãos é único. Ao mesmo tempo em que é um respeitável registro sobre O Holocausto que combina textos e imagens de um modo totalmente incomum, também é um registro humano da Shoah e de seu significado. As páginas que se seguem são repletas de estatísticas e fatos, muitos deles apavorantes. Mas estas páginas contêm também rostos e palavras de homens e mulheres que sobreviveram ao mundo homicida da Europa dominada pelo regime nazista.” E mais: “Você também encontrará outro elemento singular ao volume: um DVD contendo entrevistas em vídeo de muitos sobreviventes cujos nomes estão nestas páginas. Esses homens e mulheres falaram de suas experiências de modo direto e cândido às câmaras e microfones do Instituto de História Visual e Educação da Fundação Shoah da Universty of Southern California (USC). O trabalho do Instituto é o trabalho profissional mais importante de minha vida. Sinto-me profundamente orgulhoso por sua realização e verdadeiramente emocionado por você, leitor, ter a oportunidade de aprender sobre o Holocausto por meio do conjunto de testemunhos recolhidos para este livro e para o DVD que o acompanha.”

O livro contém as seguintes partes: Os Judeus na Europa; Domínio Nazista; Os Guetos; O Assassinato das Vítimas; Agarrando-se à Vida; O Fim da Guerra; As Consequências. Páginas que expressam animalidades e resistências, pusilanimidades e bravuras extremas. Em todas elas, uma seção chamada Vozes traz testemunhos de sobreviventes, a maioria deles extremamente dolorosos. Selecionamos um deles: de Thea Rumstein, austríaca, nascida em 1928: “Nós os vimos começando a marchar pelas ruas e, claro, no dia seguinte todas as lojas tinham cartazes dizendo ‘Juden sind hier. Unerwunscht’ (Judeus não são bem-vindos aqui). E nas lojas, eles escreviam Jude na fachada delas e todo tipo de coisa acontecia. Havia muita coisa acontecendo e você estava lá sentado e não realmente via o que estava para acontecer – mas logo bem descobrimos. Foi terrível. A primeira coisa que me lembro muito bem foi quando cheguei da escola (isso foi bem no começo), fui à rua onde morávamos e havia um enorme grupo de pessoas por ali gritando e gritando ‘Juden’ e continuavam, e então vi mãe na rua, limpando a rua! Eles a fizeram limpar os cartazes que colocaram nas ruas para as eleições. Então eu disse: ‘Mãe! O que você está fazendo aí ?’ E ela respondeu: ‘Thea, vai para casa! Vai para casa! Ela não queria que eu ficasse lá. Eu chorei terrivelmente e não fui, continuei lá gritando: ‘Mamãe, mamãe!’ E as pessoas não tinham compaixão alguma. Elas estavam tomadas por ódio. Todas elas. Todas.”

A história do antissemitismo, ódio aos judeus, remonta a tempos muito antigos, embora tenha sido fortalecida pela Igreja Católica medieval, que disseminavam que tinham sido judeus os responsáveis pela morte de Cristo no madeiro. O próprio Martinho Lutero, em 1543, no livro Dos judeus e suas mentiras, assim se pronunciava: “Eu aconselho que as casas dos judeus também sejam arrasadas e destruídas. Pois nelas, eles perseguem os mesmos objetivos que em suas sinagogas. Como alternativa, eles podem ser alojados sob qualquer teto ou em um celeiro, como os ciganos. Isso lhes dará a certeza de que não são líderes em nosso país, tal como se vangloriam, mas sim que estão vivendo em exílio e cativeiro, como eles lamuriam e lamentam sobre nós diante de Deus.”

Um outro livro incomum foi editado o ano passado (2017): Histórias de Vida: refugiados do nazifascismo e sobreviventes da Shoah – Brasil: 1933 – 2017, SP, Mayanot, 2017, 2v., projeto coordenado por Maria Luiza Tucci Carneiro e Raquel Mizrahi, que ressaltam: “As histórias de vida aqui publicadas têm elementos comuns, que formam uma trama e nos ajuda a reconhecer em cada personagem mais uma vítima da intolerância que abalou a Europa nas décadas de 1930 e 1940. Valorizamos também aqueles que lutaram nas frentes de resistência, os partisans, ampliando para as ações humanitárias dos Justos e Salvadores que escolheram o Brasil como sua segunda pátria. Importante ressaltar que esta é uma coleção aberta às novas vozes, idealizada para quebrar os silêncios da História. Para lembrar sempre, para não esquecer!” E dão testemunho contundente: “Em cada uma das histórias descobrimos que as cicatrizes ainda sangram, são como marcas subjetivas, conectadas ao “eu” de quem narra e que não devem ser desprezadas. Cada qual, em sua singularidade, nos oferece uma perspectiva e dimensão histórica acerca do Holocausto, demonstrando que as ações genocidas extrapolaram as fronteiras da Alemanha, Áustria e Polônia”.

Atualmente, o Holocausto, pelo seu caráter único e pela crueldade, não pode ser comparado a nenhum outro assassínio em massa. Não há justificativa lógica para a carnificina cometida contra mais de seis milhões de judeus. Tampouco qualquer explicação teológica. A Noite dos Cristais, as câmaras de gás de Auschwitz e os crematórios de Maidanek, entre outros, foram produtos da teoria racial germânica. Que devem continuar a ser combatidos, diante das efervescências sectárias surgidas nas duas últimas décadas.

Que as leituras acima sejam tijolos na grande muralha que conterá a intolerância, a xenofobia e o antissemitismo, preparando as nações para futuros luminosos, “repletos de conhecimento Divino, como as águas cobrem o mar”, segundo Isaías 11,9.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 01 de outubro de 2018

POR UMA EDUCAÇÃO ESPÍRITA

 



Apesar de uma realidade educacional espírita no Brasil de há muito já se fazer presente numa rede escolar que abarca os três graus fundamentais do ensino, do pré-escolar à pós-graduação, mormente no Centro-Sul do país, uma indagação ainda se faz presente nos quatro cantos do país: como fortalecer uma pedagogia espírita nos primeiros tempos de uma caminhada escolar, descaracterizando a formação de místicos e alienados da realidade terrena?

Um livro editado pela décima vez em 2004 bem poderia balizar uma estratégia educacional compatível com os crescentes desafios contemporâneos: Pedagogia Espírita, J. Herculano Pires, São Paulo, Editora Paidéia, 2004, 222 p. Nele, o notável pensador emite algumas reflexões consistentes, que muito deveriam ampliar a missão de educadores militantes que saibam assimilar um prognóstico amplamente recheado de múltiplas aspirações: “O ceticismo dos últimos tempos vai cedendo lugar a um despertar de novas e grandiosas esperanças. A Educação da Era Cósmica começa a nascer e os educadores começam a perceber que precisam renovar os processos educacionais.” Mas apesar dos avanços, Herculano lamenta com intensidade: “Infelizmente, a atitude cultural para com o Espiritismo continua, em sentido geral, a mesma do século passado: preconceituosa e ignorante. Ao lado do preconceito avulta a mais completa ignorância do conteúdo da doutrina e do seu significado, muito embora uma bibliografia espírita seja hoje um vasto acervo cultural, a imprensa espírita constituindo-se numa rede de jornais, revistas, boletins, anuários, programas radiofônicos e de televisão e até mesmo estações de rádio.”

Como o meio básico de transmissão cultural se efetiva através da educação, inevitável se torna o fortalecimento da Educação Espírita no Brasil, apesar de toda a resistência oferecida pelos segmentos considerados verdadeiramente reacionários. Em 1970, acontecia o primeiro curso de Introdução a uma Pedagogia Espírita, cabendo a EDICEL – Editora Cultural Espírita Ltda – lançar a primeira revista de educação espírita do Brasil.

Por outro lado, o nunca esquecido economista Celso Furtado costumava lembrar em seus pronunciamentos: “Não podemos fugir à evidência de que a sobrevivência humana depende do rumo de nossa civilização, primeira a dotar-se dos meios de autodestruição. Que possamos encarar esse desafio sem nos cegarmos, é indicação de que ainda não fomos privados dos meios de sobrevivência. Mas não podemos desconhecer que é imensa a responsabilidade dos homens chamados a tomar certas decisões políticas no futuro. E somente a cidadania consciente da universalidade dos valores que unem os homens livres pode garantir a justeza das decisões políticas”.

Relendo outro dia, o pensador Allan Bloom, um dos mais controvertidos ensaístas norte-americanos, autor do muito polêmico O DECLÍNIO DA CULTURA OCIDENTAL, um best-seller que vendeu, até hoje, mais de três milhões de exemplares, verifiquei a atualização dos seus ensaios sobre professores, livros e educação, escritos entre 1960 e 1990, concentrados por ele num instigante volume intitulado GIGANTES E ANÕES. Segundo Bloom, “a essência da educação é a experiência da grandeza”. Ele ressalta a perfeição da fórmula de Pascal – sabemos muito pouco para sermos dogmático e muito para sermos cético – defendendo a vida teórica dos assaltos próprios de um tempo que despreza a filosofia, que asfixia a estratégia em detrimento de táticas imediatistas, eleitoreiras até, nunca políticas, todas oportunistas, algumas até desabridamente nazistas.

Em determinados momentos, o Bloom parece “estar enxergando” o atual quadro universitário brasileiro: “A filosofia, a inimiga das ilusões e das falsas esperanças, nunca é realmente popular, sendo sempre suspeita aos olhos dos que apoiam qualquer dos extremos que estejam no poder”. E a saída por ele apontada deveria ser merecedora de respeitosa atenção: a descoberta das nossas próprias ideias.

Do livro se depreende lúcidas lições sobre a atual ambiência nacional, às vésperas de acontecimentos eleitorais, onde uma República, jamais Nova República, parece emergir de um raivoso e impaciente clamor comunitário. Algumas das lições de Bloom merecem aqui registro neste Jornal da Besta Fubana sempre lúcido, que não se avacalha diante dos marasmos culturais e políticos de um Nordeste ainda acabrestado por muitos currais eleitorais. Tais lições bem que poderiam transformar-se nos DEZ MANDAMENTOS da construção de um desenvolvimento econômico irmão siamês de um igualmente dinâmico desenvolvimento social. Saibamos bem assimilá-las:

1. Participamos de um único cosmo, cada alma sendo reflexo desse mesmo cosmo, nele também refletindo esperanças, conquistas e humilhações;

2. Os acidentes da vida obrigam os homens a adotar costumes que os levam a esquecer a parte total e imortal deles próprios;

3. Quem diz “eu prometo”, sem ter base para cumprir a promessa, é um mentiroso;

4. Se aprendemos o que significa viver com livros, somos forçados a torná-los parte de nossa experiência e de nossa vida;

5. Política significa o governo do homem e isso só pode ser feito em posições de poder legítimo;

6. Se a democracia não pode tolerar a presença dos mais altos padrões de aprendizagem, então a própria democracia se torna questionável;

7. Cultura não deve ser usada para superar as preocupações instintivas com o país, colocando em seu lugar uma lealdade falsa e alimentando uma perigosa ausência de sensibilidade para com a política real;

8. Quem só possuir visão “econômica” não poderá, de forma consistente, acreditar na dignidade do homem ou no status especial da arte e da ciência;

9. Quando a suave luz dos grandes livros estiver para sempre obscurecida pelas chamas ardentes da interpretação fantasiosa, nossa janela para o mundo estará irremediavelmente fechada;

10. Todos os talentos não passam de recursos para a felicidade maior de todos.

Embasados nos textos acima, como seria oportuno, nos Centros Espíritas do Brasil, a implantação de Núcleos de Pedagogia Espírita, voltados para um aprimoramento da enxergância de jovens e adultos, onde o texto básico inicial seria o de J. Herculano Pires, acima mencionado, onde seriam postas em discussão não as experiências passadas, mas as reelaborações que se fizessem necessárias num plano superior, o da consciência iluminada pela visão espiritual, jamais distanciando crianças e adolescentes dos direitos a uma educação essencialmente crítico-libertadora.

PS. Oportuna por derradeira a leitura e debate do Manifesto da Pedagogia Espírita, IN: Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes, Dora Incontri, Bragança Paulista SP, Editora Comenius, 2012, 280 p. Para se ter “a feminilidade da lua e bravura libertária dos que descobrem novos mundos.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 24 de setembro de 2018

LIÇÕES SOBRE O HOJE E O LOGO MAIS

 

 
LIÇÕES SOBRE O HOJE E O LOGO MAIS

Outro dia comentei neste site do JBF cada vez mais arretado de ótimo sobre um crescente colapso da Democracia Liberal nos quatro cantos do mundo, uma análise fantástica do sociólogo espanhol Manuel Castells, no livro Ruptura, da editora Zahar, recentemente lançado no Brasil. E faz mais de uma semana que estou enfronhado com uma leitura que complementa magistralmente o acima citado: 21 lições para o século 21, Yuval Noah Harari, São Paulo, Companhia das Letras, 1918, 442 p. Autor consagrado de Sapiens e de Homo Deus, dois sucessos mundiais, o primeiro analisando o nosso passado e o segundo buscando vislumbrar os nossos amanhãs longíquos, Harari agora busca destrinchar as questões políticas, tecnológicas, sociais e existenciais que atordoam nossa contemporaneidade, onde uma pergunta inquieta um bocado de milhões de famílias: o que devemos ensinar a nossos filhos? Num mundo de 7 bilhões de seres humanos, com preocupações muito mais agudas que o aquecimento global ou a crise da democracia liberal, uma preocupação que atordoa os mais responsáveis.

 

 

Neste seu livro último, Noha Harari analisa as grandes forças que formam as atuais sociedades mundiais, as que influenciarão o futuro do planeta como um todo. Sem pretender ser uma narrativa histórica, o livro apenas traz uma coleção de lições que não possuem respostas simples, mas que seguramente ajudarão milhões a participar de alguns assuntos do nosso tempo atual. Através de indagações públicas o autor despertam a imaginação analítica, sendo ele um dos atuais talentos planetários, residente em Jerusalém, PhD em História por Oxford, atualmente professor da Universidade Hebraica: Qual é o sentido da ascensão de Donald Trump? O que podemos fazer ante a epidemia de fake news? Por que a democracia liberal está em crise? Deus está de volta? Haverá uma nova guerra mundial? Qual civilização dominará o mundo – o Ocidente, a China, o Islã? A Europa deveria manter portas abertas aos imigrantes? O nacionalismo pode resolver os problemas de desigualdade e mudança climática? O que se faz quanto ao terrorismo?

Está comprovado que o terrorismo é tanto um problema de política global quanto um mecanismo psicológico interno, posto que o terror manipula a imagina privada de milhões de indivíduos. Principalmente numa conjuntura onde cientistas e governos estão aprendendo a hackear o cérebro humano, afetando condutas individuais e sociedades inteiras. E tal globalização afeta vieses políticos e religiosos, preconceitos raciais e de gênero, tornando-nos cúmplices involuntários da mais ampla opressão institucional.

O livro do Harari tem início com o atual impasse político e tecnológico, onde no final do século XX as grandes batalhas ideológicas entre fascismo, comunismo e liberalismo tinham como consequência a vitoriosa caminhada mundial da democracia política, dos direitos humanos e do capitalismo de livre mercado. Hoje, com o fascismo e o comunismo em total colapso e um emperramento do liberalismo, emerge uma inquietante indagação: para onde caminhamos, quando a fusão sempre crescente da tecnologia da informação e da biotecnologia poderá redundar em bilhões de seres humanos fora do mercado de trabalho, contaminando a efetividade da liberdade e da igualdade de todos?

Através do exame exaustivo dos múltiplos desafios, Harari busca encontrar respostas para as possibilidades emergidas, tateando respostas pós-verdade, tentando encontrar o que sabemos e o que não sabemos sobre Deus, sobre política e sobre religião, num tempo que não pode ser prolongado em demasia sob a ameaça crescente das armas da destruição de massa e o aprimoramento de novas tecnologias disruptivas.

O livro é composto de cinco partes interligadas: 1. O Desafio Tecnológico, 2. O Desafio Político, 3. Desespero e Esperança, 4. Verdade e 5. Resiliência. Em cada uma, um “parágrafo inicial para reflexões”. A título de aperitivo, apresentamos eles: 1. “O gênero humano está perdendo a fé na narrativa liberal que dominou a política global em décadas recentes, justamente quando a fusão da biotecnologia com a tecnologia da informação nos coloca diante das maiores mudanças com que o gênero humano já se deparou”; 2. “A fusão da tecnologia da informação com a biotecnologia ameaça os valores modernos centrais de liberdade e igualdade. Toda solução para o desafio tecnológico deve envolver cooperação global. Porém o nacionalismo, a religião e a cultura dividem o gênero humano em campos hostis e fazem com que seja muito difícil cooperar no nível global.”; 3. “Embora os desafios não tenham precedentes, e as discordâncias sejam intensas, o gênero humano pode se mostrar à altura do momento se mantivermos nossos temores sob controle e formos um pouco mais humildes quanto a nossas opiniões.”; 4. “Se você se sente impotente e confuso diante da situação global, está no caminho certo. Processos globais são complicados demais para que uma única pessoa os compreenda. Como então saber a verdade sobre o mundo, e não ser vítima de propaganda e desinformação?”; 5. “Como viver numa era de perplexidade, quando as narrativas antigas se desmoronam e não surgiu nenhuma nova para substituí-las?”

O livro do Yuval Noah Harari, lido meditativamente, e relido rabiscadamente de fio a pavio, seguramente nos possibilitará um asseio bastante salutar do nosso interior, favorecendo a separação do Deus Mesmo dos deuses que nos foram impostos ao longo da História da Humanidade. Assim sendo, permanentemente em processo continuamente crescente de enxergância, todo ser humano, capacitado para contemplar as belezas da Vida fora das cavernas impostas pelas complexas mesquinharias conjunturais, poderá, com firme convicção, solidarizar-se integralmente com seus contemporâneos, chamando-os indiscriminada e deshipocritamente de irmãos, todos oriundos de uma Energia única, de Luz Infinda.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 17 de setembro de 2018

PRESENTE NO DIA DA CRIANÇA

 

 
PRESENTE NO DIA DA CRIANÇA

Almoçando, janeiro passado, com casal muito estimado por nós, já também avós, uma inquietude nos foi revelada quase nas despedidas do encontro: o que deveriam presentear aos netos no Dia da Criança, 12 de outubro, fortalecendo a espiritualidade deles, posto que todos, Ricarda de 15, João Henrique de 13 e Simone de 10 estavam bem avaliados em suas caminhadas escolares, cada um portando boas doses de cidadania convivencial, embora os pais ainda estivessem desatualizados de uma formação cristã que assegurasse uma criticidade solidária, posto que os dois estavam distanciados de uma bibliografia amplamente contemporânea e ecumênica sobre o assunto.

Indiquei aos dois, valendo para os cinco, a leitura em conjunto de um texto, que muito poderia beneficiar o grupo, a ser amplamente discutido em reuniões semanais programadas sem correrias, um resumo de cada capítulo sendo elaborado pelo avô, ex-seminarista frustrado, embora ainda portador de uma densidade humanística apreciável: Quem foi Jesus – uma análise história e ecumênica, de André Marinho, Bragança Paulista SP, Instituto Lachâtre, 2018, 312 p.

 

 

O autor é brasileiro, nascido em 1982, graduado em Artes Cênicas, que teve a oportunidade de conviver, na Universidade de Tübingen, com Hans Küng, tido e havido como um dos maiores teólogos do século XX, especializado em ecumenismo, defensor consagrado mundialmente dos diálogos inter-religiosos sem fingimentos nem posturas de superioridade. Para escrever o livro entre 2000 e 2018, Marinho gastou nove anos de estudos sistemáticos sobre o Jesus histórico e mais nove de escritos e reescritos sobre áreas católicas, evangélico-protestantes, ortodoxas, judaicas e muçulmanas, muito embora tenha sido a Doutrina Espírita elaborada por Allan Kardec quem tenha realçado definitivamente para ele a missão do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador.

De pais umbandistas, uma avó católica e outra espírita, um avô ateu e outro mais ou menos teísta, acredita Marinho que essa diversidade muito o beneficiou, mormente nos primeiros anos de sua formação, quando muito bem se recorda da sua mãe ensinando-lhe a Oração do Pai Nosso, anos antes dele ter lido as primeiras palavras. E também se lembra de sua avó paterna lhe contando uma história sobre a infância de Jesus, história muitos anos depois por ele descoberta na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, em livro apócrifo, evangelho árabe da infância do Menino.

Daí a minha alegria de indicar ao casal amigo um texto ecumênico, crítico e histórico, muito distanciado dos de catequese, pois segundo Marinho, “existe um autêntico Jesus histórico, nascido na Palestina, judeu, o mais influente e jovem líder de impacto religioso do mundo, sempre seguido por ele, com total fervor, mesmo quando deparou-se, lamentavelmente, com algumas oportunistas posturas estupidificantes editadas. Que encharcam as mentes infantis de conceitos e preconceitos, onde jamais saberão diferenciar modernidade de modernosidade, perdendo elas oportunidades valiosas de ampliar uma criticidade cidadã infanto-juvenil capaz de erradicar passividades descriativas, essencialmente nulificantes, o conhecimento não se edificando historicamente, desapercebidas se tornando das metáforas, das simbologias, das razões primeiras dos fatos e das alternativas que favoreceriam uma melhor enxergância inter-convivencial religiosa.

Tenho intenso amor pelo movimento capitaneado por Jesus dos primeiros tempos, que não foi nacionalista, nem clerical, nem rigorista, nem legalista, nem monacal, nem sacerdotal, sempre reiterando Ele mais solidariedade para com os próximos mais sofridos. E sinto profunda admiração pelo apóstolo dos gentios, Paulo de Tarso, que proclamava a liberdade para todos, cada um se libertando ao seu modo, o amor sendo o único motor promotor de transformações, nunca sendo esquecido que não se conserta roupa velha com panos novos.

Voltando ao livro do Marinho, ele foi estruturado em três partes. Na primeira, 3 capítulos, descreve Jesus, explicitado através de uma breve introdução ao judaísmo (de Abraão até Jesus) e expondo uma pesquisa crítica sobre uma fonte primária, o Novo Testamento. Na segunda parte, Quem foi Jesus?, compreende 13 capítulos, inclusive a análise do Sermão da Montanha, destinado aos “moralmente fracassados”, contando sua paixão, morte e ressurreição. A parte terceira busca responder a duas perguntas fundamentais: Quem foi Jesus? Quem é Jesus? Uma leitura sedutora por derradeiro, digna para discussão em grupo familiar.

Segundo algumas notícias vindas posteriormente, o estudo grupal do livro está sendo concluído com entusiasmo fora do comum, sendo opinião geral que as discussões estão proporcionando uma análise histórica e ecumênica repleta de reflexões e provocações que seguramente aprofundará a espiritualidade de cada integrante, ampliando a compreensão e o amor por Jesus de Nazaré, esse maior revolucionário que a Humanidade já conheceu, sempre em evolução em nosso interior de trabalhadores espíritas.

Já chegou aos meus ouvidos um pedido de quero-mais indicações para os avós e os netos caminharem mais resolutamente em direção à Luz. Em breve, depois da Dia da Criança, nos reencontraremos para novos papos e recíprocas capacitações. E tudo faz crer que o grupo será acrescido de mais dois jovens, um de 16 e outra de 14, netos também do casal amigo muito amado. Onde todos muito poderão aprender com Jesus de Nazaré através do judaísmo, cristianismo, islamismo e espiritismo. E a serem puros de coração, contemplando a Criação.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 10 de setembro de 2018

COLAPSOS DA DEMOCRACIA

COLAPSOS DA DEMOCRACIA

Encareço aos amigos leitores que leiam e releiam, sempre meditando, o primeiro parágrafo de um lançamento recente de uma editora brasileira famosa, que logo abaixo identificarei. Ei-lo: “Sobram ventos malignos no planeta azul. Nossas vidas titubeiam no turbilhão de múltiplas crises. Uma crise econômica que se prolonga em precariedade de trabalhar e em salários de pobreza. Um terrorismo fanático que fratura a convivência humana, alimenta o medo cotidiano e dá amparo à restrição de liberdade em nome da segurança. Uma marcha aparentemente inelutável rumo à inabitabilidade de nosso único lar, a Terra. Uma permanente ameaça de guerras atrozes como forma de lidar com os conflitos. Uma violência crescente contra as mulheres que ousaram ser elas mesmas. Uma galáxia de comunicação dominada pela mentira e agora chamada de verdade. Uma sociedade sem privacidade, na qual nos transformamos em dados. E uma cultura, denominada entretenimento, construída  sobre o estímulo de nossos baixos instintos e a comercialização de nossos demônios.”

 

 

O texto acima se encontra no recentemente lançado Ruptura: a crise da democracia liberal, Manuel Castells, Rio de Janeiro, Zahar, junho de 2018, 250 páginas. E que apresenta um segundo parágrafo ainda mais terrificante: “Existe, porém, uma crise ainda mais profunda, que tem consequências devastadoras sobre a (in)capacidade de lidar com as múltiplas crises que envenenam nossas vidas: a ruptura da relação entre governantes e governados. A desconfiança nas instituições, em quase todo mundo, deslegitima a representação política e, portanto, nos deixa órfãos de um abrigo que nos proteja em nome do interesse comum. Não é uma questão de opções políticas, de direita ou esquerda. A ruptura é mais profunda, tanto em nível emocional quanto cognitivo. Trata-se do colapso gradual de um modelo político de representação e governança: a democracia liberal que se havia consolidado nos dois últimos séculos, à custa de lágrimas, suor e sangue contra os Estados autoritários e o arbítrio institucional. Já faz algum tempo, seja na Espanha, nos Estados Unidos, na Europa, no Brasil, na Correia do Sul e em múltiplos países, assistimos a amplas mobilizações populares contra o atual sistema de partidos políticos e democracia parlamentar sob o lema “Não nos representam!’. Não é uma rejeição à democracia, mas à democracia liberal tal como existe em cada país, em nome da ‘democracia real’, como proclamou na Espanha o movimento 15-M. Um termo evocado que convida a sonhar, deliberar e agir, mas que ultrapassa os limites institucionais estabelecidos.”

O Manuel Castells é um sociólogo espanhol dos mais influentes no mundo contemporâneo, considerado o principal analista da atual era da informação e os efeitos dela sobre a economia, a cultura e a sociedade em geral. No livro acima citado, ele interpreta o surgimento de Trump, Le Pen, Macron, expressões significativas do atual quadro político, ressaltando ainda a “total decomposição do sistema político do Brasil”, segundo ele um “país fundamental da América Latina”. Seu livro analisa com riquezas de detalhes as causas e consequências da ruptura entre cidadãos e governo, entre a classe política e o conjunto dos cidadãos, da falência da democracia liberal, a mãe de todas as crises, mãe parideira dos furacões direitistas que emergem nos quatro canto do planeta.

O sumário do livro aponta assuntos que muito bem poderiam ser debatidos em nosso país, às vésperas de uma eleição onde muitos milhares votarão “nulo” e “branco” enojados pela inoperância efetiva das decisões que resultariam em benefícios para o todo nacional. Incrustados no “nulos” e “brancos” estão contemplados: a crise de legitimidade, as raízes do crescente ódio comunitário, a política do medo implantada pelo terrorismo, o cansaço democrático, a influência da Era da Informação, o além de uma apenas dicotomia direita-esquerda e os processos indispensáveis para a reconstrução da legitimidade democrática através de uma política educacional de Educação Básica não populista, essencialmente libertadora, com um magistério culturalmente bem capacitado e condignamente remunerado.

A crise ética brasileira, umbilicalmente associada a uma gigantesca reestruturação econômica mundial, é profunda. Com um agravante: a grande maioria, por ausência de uma efetiva educação cidadã, se encontra despreparada para um assumir social mais consequente. E a ausência de um comprometimento ético com a transformação do hoje é sequela de uma não-escolaridade sedimentada, eivada de um conformismo que carrega uma desesperança comunitária que consolida individualismos multiplicadores, que faz resvalar para a irresponsabilidade, que deságua numa guerra civil sem comandante nem ideário, a gerar mais famintos, formatando uma onda comportamental predatória de consequências funestas.

Tenho uma profunda admiração pelos que possuem aquilo que Blaise Pascal, notável matemático, definia como esprit de finesse. E que é diretamente proporcional ao asco sentido pelos que se imaginam muito acima das divindades, sócios de Deus, igualzinho aquele ajumentado cheio de reais que entrava nas igrejas de óculos escuros para Deus não pedir autógrafo nem ficar com lero-leros bajulatórios.

Creio que a hora da sociedade civil voltar a travar o bom combate é chegada. A erosão da credibilidade política não beneficiará ninguém, nem mesmo os conservadores não-reacionários. Vale a pena apressar o historicamente viável, para privilegiar sempre a não-violência. O momento nacional está a exigir grandezas. E renúncias. E gestos concretos, não-eleitoreiros e não-messiânicos. Democracia, discernimento e disciplina, eis o trio de qualquer soerguimento pátrio.

Não desejamos uma sociedade de consenso, mas carecemos fazer um omelete quebrando o mínimo de ovos possível, com agilidade política e credibilidade moral, aliadas a uma competência técnica indispensável, sem a qual estaremos nos remetendo para um não-futuro talvez irreversível. Num país de sessenta milhões de carentes, os que não podem acompanhar a maratona do possuir estão transformando frustrações em agressividade eivada de odiosidade sectária. Embora deva ser relembrado vez por outra o famoso pensar de Churchill, em 1947: “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras formas que foram experimentadas de tempos em tempos.”

PS. Em todo 7 de setembro, sinto-me cada vez mais arretadamente brasileiro, apesar de todos os pesares.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 03 de setembro de 2018

FOMES DIVERSAS

 

 
 
FOMES DIVERSAS

O isolamento de 12 crianças com seu professor na Tailândia, recentemente, obteve solidariamente uma ampla repercussão planetária, felizmente com um final feliz, à exceção de um heroico bombeiro que não resistiu às técnicas de resgaste aplicadas pela equipe de salvamento.

A quase tragédia tailandesa proporcionou a muitos, a mim inclusive, a oportunidade de ler uma série de reflexões de pensadores especializados espíritas que estudam os diversos tipos de fome, auxiliando muitos a saciá-los sob as bênçãos do Altíssimo. Tais reflexões foram organizadas por Marcelo Teixeira, que efetivou a iniciativa a partir de um trecho do Sermão do Monte – “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados“(Lc 2,20-29) – em combinação com a letra da música “Comida”, do grupo de rock Titãs – “A gente não quer só comida. A gente não quer só bebida / A gente quer comida Diversão e arte / A gente não quer só comida / A gente quer saída / Para qualquer parte.”

 


 

O livro organizado pelo Teixeira intitula-se Fome de quê?, Capivari-SP, editora EME, 2018, 184 p. E bem que deveria ser divulgado nos Centros Espíritas de todo o país, proporcionando a criação de GRAs – Grupos de Reflexão/Ação, devidamente capacitados para ampliação de uma evangelização efetivamente solidária, que muito bem complementaria as notáveis Campanhas do Quilo, uma idealização do inesquecível Elias Sobreira, que um dia, através da psicofonia de médium-irmão, me incentivou a persistir na minha atual caminhada de final de vida, sempre sob as bênçãos do Homão da Galileia, da sua mãe Maria Santíssima e do Dr. Bezerra de Menezes, orientador da Casa dos Humildes, no Recife-PE, onde sou trabalhador, soldado raso com entusiasmo e orgulho.

A leitura do livro organizado pelo Marcelo me trouxe inúmeros momentos de reflexão. E como gosto de socializar as minha leituras, aponto, abaixo, os balizamentos que mais me sensibilizaram.

Fome de acolhimento – “O psicanalista Rollo May apresenta a existência dos ‘homens-espelhos’, seres que utilizam como roupagem uma capa composta de pedações de espelhos. Casa um desses pedaços contém os rostos de uma das pessoas que queremos agradar.” (Aloísio Silva, psicanalista)

Fome de assertividade – “Características de uma pessoa assertiva: não tem dificuldade em dizer não; não evita conflitos; sabe ouvir; mais elogia que critica; sua fala não cria necessidade de pedir desculpas; estimula a comunicação de mão dupla; é comunicador por necessidade.” (Alkinda de Oliveira, consultora de empresas)

Fome de cidadania – “Somente três caminhos podem evitar a dor social: uma consciência reta do cidadão; um coração que ame; mãos operosas no bem.” (Orson Peter Carrara, editor).

Fome de conhecimento – “Para que o princípio espiritual evolua, é necessário que ele tenha experiências nas quais adquire conhecimentos que lhe são necessários. Com isso, depreende-se que o conhecimento é a mola propulsora do progresso. Quanto mais o espírito adquire conhecimento, mais avança na escala evolutiva.” (José Carlos Leal, professor).

Fome de disciplina – “A benfeitora Joanna de Ângelis define a disciplina como sendo o impositivo de alevantamento moral fomentador do progresso, base da paz, que ninguém pode prescindir.” (Maurício Mancini, Professor universitário).

Fome de educação – “A melhor práxis pedagógica é conversar, realizando um diálogo instigante e provocativo, levando o educando a pensar diante de situações da vida, colocando-o em posição de olhar o futuro para ele e para a sociedade, sempre a partir da investigação de si mesmo e da vida.” (Marcus de Mário, educador)

Fome de fé – “Em geral, não percebemos que estamos carentes de fé. Estamos ocupados (e muitas vezes preocupados) com as questões ditas práticas do dia a dia, como problemas de saúde, conflitos familiares e sociais, dificuldades financeiras e outras que tais.” (Luzia Mathias, médica)

Fome de Jesus – “Tenho fome de Jesus descrucificado, ativo e laborioso, trabalhando pelo progresso de cada um de nós. Que não habita céu algum de beatitudes e contemplação, mas que ao mesmo tempo que viaja pelas estrelas visita casebres, hospitais, acampamentos de refugiados, circula por entre trincheiras dos povos em guerra, inspira gênios nas diversas ciências a debelar doenças e envolve os que detêm o poder político econômico transitório para que fomentem tais descobertas, apoiem iniciativas que visem melhorar as condições do planeta.“ (Cezar Braga Said, psicólogo)

Fome de perdão – “A fome de perdão tem início no lar e se expande por todas as formas de relacionamento humano. A cultura do perdão ainda não está implantada em nossa sociedade. A do revide, a da revanche, essa sim, finca raízes profundas, milênios afora, nos corações humanos. Falta-nos vontade para mudar. A vontade é como um motor que está ao nosso dispor. O combustível está dentro de nós. Abastecer ou não o motor depende só de nosso querer.” (Hélio Ribeiro Loureiro, advogado)

Fome de verdade – “Sem um maior discernimento constroem-se trilhas de dores do amanhã; isto porque, deveriam esses espíritos cuidar dos processos maléficos, admitidos na anterioridade, com o fim de exterminá-los, e não dar a essas energias caráter principal e promovê-las em envolvimentos maiores”. (Roberto Vilmar Quaresma, expositor)

Das 25 fomes pesquisadas, escolhemos as acima explicitadas. Deixando para os leitores amigos a tarefa de meditar sobre as demais, lendo e relendo o livro organizado pelo Marcelo Teixeira, balizamento ótimo para quem deve usar a mente e o coração quando se trata da divulgação das mensagens redentoras do muito amado Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 20 de agosto de 2018

PARA SER BOM SEMEADOR

 

PARA SER BOM SEMEADOR

Conhecido de longa data, tempos de juventude, chegou em nossa casa quase se borrando todo de medo. Tinha sido convidado para fazer uma palestra numa determinada associação kardecista, com tema escolhido pelos dirigentes, e se encontrava desapetrechado de um mínimo organizacional, posto que se considerava integralmente atordoado com o tempo curto dado para preparação.

Embasado numa sintonia fraterna de muitos anos, convidei-o para ler comigo Mateus 13,1-9, uma parábola contida também nos dois outros evangelhos sinópticos. Finda a leitura e um suco bem gelado de maracujá, principiamos um papo sem ansiedades, a calma surtindo os eflúvios indispensáveis para uma troca de experiências. E confessei ao Nino que sua ansiedade não estava fora dos limites de uma realidade brasileira, onde novos expositores estão rareando em todas as áreas humanas, cada centro espírita devendo se preocupar em inserir em sua programação anual umas boas horas de capacitação para exposições convincentes, que façam jus às mensagens oferecidas pelo Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador. E nos demos uma semana de prazo para encontrar um bom manual técnico orientador capaz de nos proporcionar uma segurança expositiva que oferecesse alicerces cognitivos para exposições sedutoras.

Prazo semanal vencido, nova reunião, a Sissa e eu oferecemos ao Nino um texto encontrado na Livraria do 13º SIMESPE, por nós considerado de excelente nível didático: Novas Técnicas de Expositor Espírita, Cristiano Portela, Capivari – SP, Editora EME, 2018, 208 páginas. Num tempo auspicioso como o atual, quando cresce o entusiasmo pela melhor compreensão da Doutrina Espírita através dos mais diversos meios midiáticos, infelizmente não estamos testemunhando o aparecimento de expositores e oradores espíritas que satisfaçam tão abençoado crescimento, efetivando uma comunicação convincente nos diversos Centros Espíritas espalhados pelos quatro cantos de um Brasil considerado “a Pátria do Evangelho”, a necessitar de mais “enxergância” sobre as mensagens do Senhor Jesus, que exige uma capacitação continuada, típica das Oficinas para Formação de Expositores Espíritas, já existentes em alguns estados brasileiros, de resultados altamente positivos, favorecendo os alicerces necessários para os indispensáveis pedagogos espíritas, tal e qual a parábola do semeador – Mateus13,1 – que serve de porta-bandeira ao texto acima citado.

O livro do Cristiano Portela possui o seguinte sumário: 1. A procura de uma razão; 2. O poder e a responsabilidade sobre a palavra; 3. Orador: um encantador de pessoas; 4. Expositor: um pedagogo espírita; 5. Como formar um expositor espírita; 6. O receio de falar em público; 7. Quem são nossos ouvintes; 8. Todas as histórias já foram contadas: a escolha do tema; 9. Apanhe uma ideia; 10. A escolha do título; 11. Um plano de trabalho; 12. A fase da pesquisa; 13. Como fazer a pesquisa; 14. O texto resultado da pesquisa; 15. Referências e citações; 16. Estrutura de uma exposição; 17. A força de um Power Point; 18. Layout, cores, estética e outras questões visuais; 19. Mais um pouco sobre o projeto visual; 20. A prática leva à perfeição; 21. Técnicas de apresentação; 22. Outros cuidados; 23. Rudimentos do processo ensino-aprendizagem; 24. Jesus, Kardec e a pedagogia espírita; 25. Para não dizer que “só” falei de flores; 26. Regras para uso da tribuna espírita.

As razões do livro do Cristiano se encontram na quarta capa e é de uma logicidade incomparável: “Um dos principais trabalhos da casa espírita, a palestra transmite o conhecimento existente na doutrina. Justamente por isso, ela deve ser entregue a pessoas preparadas doutrinariamente. Na falta de pessoas com este perfil, as casas espíritas acabam recorrendo a voluntários. Estes, se esforçam para realizar a tarefa da melhor forma possível, mas por serem frágeis didaticamente, se repetem muito, sempre apresentando os temas com interpretações pouco elucidativas. Como a questão preocupava Cristiano Portella, ele criou um roteiro de trabalho para a formação de expositores espíritas preparados e firmemente lastreados, prontos para o trabalho de divulgação do espiritismo.”

Seria oportuno por derradeiro que as Federações Estaduais incentivassem a instituição de Mocidades Espíritas Doutrinárias, movimentos capazes de multiplicar propagadores capacitados do kardecismo, favorecendo a emersão de expositores aptos para seguir adiante no desenvolvimento do Espiritismo Mundial, favorecendo trabalhadores que alicercem o pensar kardecista em jovens e adultos, ampliando a emersão de novas práticas criativas, como embasadas no livro Pedagogia Espírita, J. Herculano Pires, São Paulo, Edicel, 1985, editado após desencarnação do notável pensador. Evitando a proliferação de autores espiritualistas desinformados, sem domínio de uma pedagogia do convencimento libertário capaz de satisfazer as necessidades de mais Regeneração e de muita Luz.

O Cristiano Portella revela que São Clemente, pelos anos de 96, em Roma, já proclamava, a necessidade de uma educação cristã, preocupação já sentida por Paulo Apóstolo, em sua 1ª. Carta aos Coríntios: “Minha mensagem e minha proclamação não se formaram de palavras persuasivas de conhecimento, mas constituíram-se em demonstração do poder do Espírito.” (2,4-5).

Que toda Mocidade Espírita apreenda cada vez mais o que escreveu, sob inspiração, Allan Kardec, em janeiro de 1862: “O verdadeiro espírita não é o que crê nas manifestações, mas aquele que aproveita do ensino dado pelos Espíritos.” Que os Centros Espíritas brasileiros saibam favorecer o crescimento dos talentos kardecistas dos amanhãs nacionais, favorecendo a emersão de cenários para novos Chico Xavier, Divaldo Franco, Haroldo Dutra, J. Herculano Pires, Bezerra de Menezes, consolidando os alicerces da nossa muito amada “pátria do Evangelho”.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 13 de agosto de 2018

APONTAMENTOS SILVÍNICOS

 

APONTAMENTOS SILVÍNICOS

1. Todo reinício de semestre serve para se redimensionar ações, atitudes e comportamentos, principalmente às vésperas de eleições significativas como as de outubro que vem. Reestruturar é o verbo mais conjugado, ainda que uma minoria prossiga conjugando-o num modo sempre amanhã, como se o agora jamais fosse necessário.

Recordações mil, espocados os últimos foguetes juninos, espelham compromissos devidos e omissões cometidas, os primeiros sempre ineficazmente cumpridos em prol dos mais desassistidos, fiéis de uma balança chamada segurança coletiva. Releituras de um pretérito infaustamente ainda presente revigoram interiores carcomidos pelas decepções e desalentos cívicos: “Não podemos fugir à evidência de que a sobrevivência humana depende do rumo de nossa civilização, primeira a dotar-se dos meios de autodestruição. Que possamos encarar esse desafio sem nos cegarmos, é indicação de que ainda não fomos privados dos meios de sobrevivência. Mas não podemos desconhecer que é imensa a responsabilidade dos homens chamados a tomar certas decisões políticas no futuro. E somente a cidadania consciente da universalidade dos valores que unem os homens livres pode garantir a justeza das decisões políticas” (Celso Furtado ).

Percebe-se , sem qualquer esforço, que a sociedade civil brasileira, hoje cambaleante entre uma expressividade comodista e uma politização impotente, necessita revigorar-se, como alicerce, para uma nova edificação estrutural, a chicotada do australiano Robert Hughes, consagrado crítico de artes da revista Time, sendo mais que oportuna: “A velha divisão de direita e esquerda acabou se assemelhando mais a duas seitas puritanas, uma lamentosamente conservadora, a outra posando de revolucionária mas usando a lamentação acadêmica como maneira de fugir ao comprometimento no mundo real”.

2. Uma parábola judaica exemplifica bem como se pode sair do atual bulício nacional. Servirá para os portadores de anéis e dedos que se encontram tonteados, sem saber por onde começar. Mais ou menos é essa a versão: um homem de classe média, profissional liberal, remediado, temente a Deus mais por covardia que por princípio, saiu para uma caminhada na floresta e nela se perdeu. Vagueou horas sem fio, tentando encontrar a saída para o seu sufoco. Para onde ia, nada encontrava. De repente, deparou-se com um outro ser humano. E perguntou de bate-pronto: “Você pode me mostrar o caminho de volta à cidade, pois tenho que receber uns aluguéis ainda hoje, depositando-os de imediato para render alguns porcentos?”. A resposta do outro o intrigou: “Também estou perdido. Mas podemos juntos ajudar um ao outro”. Diante do abismamento provocado, a conclusão recheada de muita esperança: “Vamos agir em conjunto. Cada um pode dizer ao outro os rumos que já tentou e que não deram certo. Certamente isto nos ajudará a encontrar o caminho correto”.

Juntemos as nossas migalhas de esperança. Todos, sem distinção, desarmadamente. Vejamos os caminhos percorridos e que a ninguém já não mais satisfazem. E verifiquemos quais as forças que ainda nos restam, mormente as que fundeiam a dignidade nacional, para que possamos ingressar em novos amanhãs sem humilhação de espécie alguma.

3. Diante de um quadro nacional violentado por acontecimentos que amorteceram os ânimos cívicos de milhões, vale a pena difundir alguns balizamentos que minimizariam os efeitos funestos das iniciativas de alguns atoleimados. Até as eleições de outubro vindouro, ouviremos promessas mirabolantes, declarações bombásticas, denúncias estapafúrdias, histerismos tridentinos e coisas outras que tais. Tudo para angariar adesões dos descidadanizados.

Ouviremos falar em inflação zero, em redentores esticamentos do São Francisco para matar a sede de milhões de sofridos irmãos nordestinos e na defesa radical da intocabilidade de setores produtivos públicos, daqueles que privilegiam “diferentes”, sempre avessos à salutar fiscalização democrática da sociedade civil. Emergirão esfuziantes defensores dos fracos e dos oprimidos, inúmeros deles oriundos de entidades que “fingem” lutar pela erradicação da miséria e da injustiça social, com isso assegurando polpudas remunerações, a maioria delas advindas da generosidade estrangeira não terceiromundista.

Veremos candidatos com criancinhas de colo, outros cercados de eleitores devidamente apetrechados com quentíssimas “palavras de ordem”. E pretendentes com esposas e filhos em fotografias de sofá grande, domingueiramente paramentados. Os mais piedosos, rezando e pedindo a Deus pela paz e felicidade … deles, nas urnas. Outros divulgando listas de entusiásticas adesões e confraternizações com gente humilde, se possível da classe mais desdentada possível.

Por outro lado, complementando o cenário da disputa eleitoral, o festival de denúncias será antológico, tudo devidamente ampliado pelos meios de comunicação menos independentes. Um parrapapá esculhambatório de fazer inveja aos mais especializados escandalizará gregos e troianos.

Para apimentar o caldeirão eleitoral, também pintarão no pedaço dois personagens por demais conhecidos dos mais experientes: o messias e o anselmo. O primeiro, prometendo mundos e fundos. O segundo desejando ver o circo pegar fogo, para nas chamas se esvair a nossa incipiente trilha democrática, edificada por milhares de abnegados. O primeiro, pau-mandado de graúdos, se encarregando de “sujar” tudo que não se encontram sob os tacos dos seu amos, do lado de lá ninguém prestando. O segundo, sempre aparentando ser o mais revolucionário, o mais gota serena, sem jamais transparecer estar a serviço de retrocessos bestiais. Dois manjadíssimos filhotes bastardos de gorila, desservindo à cidadania brasileira.

O jornalista Gilberto Dimenstein, escreveu o livro COMO NÃO SER ENGANADO NAS ELEIÇÕES, oferecendo “dicas”, Eis algumas, escolhidas ao acaso: 1. Eleição é assunto sério; 2. Devemos manter sempre uma atitude crítica; 3. Só aprende quem tem dúvidas: 4. O fundamental é desconfiar; 5. Quanto mais seguro e preparado, mais claras são as ideias do indivíduo: 6. Tentar aprender com outras pessoas é uma demonstração de inteligência; 7. Apenas os desinformados e os tolos caem no conto da varinha mágica; 8. Mais cedo ou mais tarde os truques mandam a conta; 9. Uma das melhores formas de aprender é errar; 10. Desconfie, mas desconfie mesmo, dos donos da verdade, de gente que imagina saber tudo.

Regras de ouro para quem deseja assegurar a futura governabilidade nacional, sair de um atoleiro social de muitos anos, neutralizar as histerias dos cavilosos e contribuir para a aceleração do país na direção de estruturas menos aviltantes. Sempre com as duas mãos e o sentimento do mundo, como proclamava o poeta.

PS. Hoje, 13, meu pai saudoso faria 100 anos!! Mas na Casa do Pai ele está a nos proteger sempre!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 30 de julho de 2018

ESCRITOS DE UM NOTÁVEL

 

ESCRITOS DE UM NOTÁVEL

Confesso, sem qualquer interesse de propagandear, que gostaria muitíssimo de encompridar minhas horas de leitura, passando por cima de algumas obrigações profissionais com instituições que me acompanham há muitos anos. Daí o dever de escolher bem as páginas que serão lidas, subdivididas em “de lazer”, “de aprimoramento técnico”, “de ampliação cognitiva da Doutrina Espírita” e “de atualizações conjunturais”, quase sempre de duração correlata às minhas necessidades momentâneas.

 

 

Outro dia, pouco antes das festividades juninas acontecidas na propriedade de uma prima muito querida, a Trudinha, obrigatoriedade de presença anual, dada ser um evento arretadamente ótimo, com muito forró ao vivo, papos descontraídos, muito milho cozido e uns “guaranás” diferenciados, iniciei a leitura de um livro que me foi enviado de Belo Horizonte, MG, de leitura sedutora por derradeiro. Estudos e crônicas, Hermínio C. Miranda (1920-2013), Brasília, editora FEB, 2013, 378 p. Um livro de contracapa sedutora: “A partir de encantadoras crônicas, de leitura fácil e envolvente, Hermínio C. Miranda aborda passagens evangélicas, expõe a confirmação dos princípios básicos nas doces palavras do Mestre Jesus e tece sabiamente temas como reencarnação, regressão da memória, terapia do futuro, relacionamento, mediunidade, sonhos proféticos, dramas e outros.”

O livro do Hermínio é dividido em oito partes: 1. Doutrina Espírita; 2. Evangelho; 3. A maldição dos faraós; 4. Mediunidade; 5. Paulo de Tarso; 6. Reencarnação; 7. Relacionamento; e 8.Regressão de memória.

Também merecedora de muitos aplauso, ainda de Hermínio C. Miranda, a base da parte 4 – Mediunidade, do livro citado acima, o estudo teórico Diversidade dos Carismas: teoria e prática da mediunidade, São Paulo, SP, Lachâtre, 2006, 508 p., constituído de três módulos distintos: um destinado a documentar problemas básicos enfrentados pelos médiuns, o segundo analisa aspectos mais relacionados com o animismo, e o terceiro se prende a mediunidade em si, seus aspectos mais fundamentais. Na Introdução, o próprio Hermínio estabelece as finalidades do seu livro: “Se as observações e experiências contidas nestas páginas forem de utilidade a alguém, sentir-me-ei encorajado a me apresentar, um dia, aos meus queridos mentores como aquele obreiro – de que falou Paulo a Timóteo (II Timóteo 2,15) – que ‘não tem de que se envergonhar’ do trabalho realizado.”

Por fim, insatisfeito com doutrinas filosóficas, científicas e religiosas que propunham resposta alguns dos seus questionamentos, Hermínio C. Miranda resolveu explorar o território ideológico do espiritismo a partir de um roteiro solicitado por amigo de longa data. E publicou o livro Alquimia da Mente, Bragança Paulista – SP, Editora 3 de outubro, 2010, 311 p., temas densamente pensados, onde ele propõe um honesto conchavo com seus leitores. No livro, HCM pesquisa o psiquismo na matéria, estuda cérebro e mente, consciente e inconsciente, alquimia e gnose, apresentando reflexões e propostas conclusivas diante da questão ser e estar, buscando estabelecer significado para “intelectualizar a matéria” (Kardec), “pensar a matéria” (Bergson) e “buscar o psiquismo através da forma” (Chardin). E ressalta, em suas linhas finais: “Não desejo fazer pregação – embora nada tenha contra isso, pelo contrário. Este livro não é um apelo, um libelo e nem uma advertência – é apenas uma dissertação linear sobre a alienação em que vivemos, por estamos divididos não com relação aos outros, mas dentro de nós mesmos. O recado, certamente, tardio é também incômodo e, sem dúvida, quixotesco. Sonho com a expectativa de que possa servir a um ou outro leitor ou leitora mais atentos. Como dizia um verso da cançoneta de South Pacific, se a gente não sonha, como é que os nossos sonhos vão se realizar? Quando é que a gente vai começar a viver numa comunidade consciente de que apenas estamos num corpo físico, mas que somos seres espirituais imortais e com o passaporte cósmico carimbado, desde as nossas origens, para os elevados patamares da perfeição?”

Os estudos de Miranda também incluíram um roteiro pioneiro intitulado A memória e o tempo, Bragança Paulista SP, Instituto Lachâtre, 2013, 328 p., já em 8ª. edição àquela época. No livro, ele “utiliza a técnica da regressão de memória pelo magnetismo como instrumento de exploração dos arquivos indeléveis da mente, ali depositados desde remotas experiências.” No suas experiências, Miranda reavalia as pioneiras experiências de Albert de Rochas, reexaminando ainda a doutrina freudiana, diante dos conceitos de reencarnação e sobrevivência. Uma leitura pra lá de indispensável para quem tem interesse em esmiuçar os escaninhos da mente humana, através da natureza da psique. Depois de uma Introdução, o livro é composto de oito partes: 1. As estruturas, 2. A dinâmica; 3.Visão retrospectiva; 4. Albert de Rochas e suas experimentações; 5. Freud; 6. Experiências e observações pessoais; 7. A reencarnação como instrumento terapêutico; 8. Reflexões de um leigo. Além de um posfácio, onde são explicitadas novas considerações e conotações éticas, como doutrinadores e pontos de maturação cármica, além de pontos fundamentais sobre teoria e culpabilidade.

Decididamente, estudos, pesquisas e crônicas de um talento brasileiro estupendamente ótimo!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 23 de julho de 2018

ASSUNTOS CONVERGENTES

 

ASSUNTOS CONVERGENTES

PRIMEIRO

Acontecerá no próximo mês de agosto, 3 a 5, o 13º SIMESPE – Simpósio de Estudos e Práticas Espíritas de Pernambuco, que acontecerá no Teatro Guararapes do Centro de Convenções de Pernambuco, sob tema Espiritismo – Da Ciência à Religião, da Filosofia aos Desafios Atuais da Humanidade. Com todos os ingressos já vendidos, dada a qualidade dos seus palestrantes, inclusive o atualmente maior médium brasileiro, Divaldo Franco.

Na exposição de vendas de livros do Simespe, estará presente o mais recente do médium Divaldo Franco, intitulado Luz nas Trevas, Salvador, LEAL, 2018, 200 p., psicografado do Espírito Joana de Ângelis, que também efetiva a Apresentação, de onde extraímos os seguintes trechos:

“Desde o início da Era Industrial, as criaturas humanas pensaram que a conquista tecnológica e a substituição da mulher e do homem pelas máquinas dar-lhes-iam dignidade, ao mesmo tempo que lhes ensejaria mais tempo para a cultura, o repouso, a convivência social.”

“Apesar das indiscutíveis e fantásticas aquisições, têm sido inevitáveis as agressões à Natureza, o grave problema do lixo nuclear, a poluição da atmosfera, dos rios e dos mares, o desmatamento perverso, o crescente aniquilamento de espécies de vida e as guerras insanas que atormentam a Humanidade.”

“O homem continua ‘lobo do homem’, no seu desvanecimento incontrolado, e os fantasmas do desespero ameaçam países de miséria irrecuperável, enquanto outros navegam nos mares do desperdício e da extravagância.”

“As religiões, por sua vez, em grande número, para estarem de bem com as massas aturdidas, substituem o Reino dos Céus pelos lucros da Terra, cultivam e estimulam o desplante de negociar com Deus, em espetáculos ridículos de fé orquestrada pela presunção e disparates típicos da sociedade em decadência.”

“Nosso modesto livro é um grito, um apelo à penetração da luz na escuridão das almas e do ambiente, objetivando contribuir com pequenas propostas psicoterapêuticas, oferecidas pelo Espiritismo, na interpretação do Evangelho de Jesus, o Homem-Luz, que ainda confia em nós e nos ama.”

Decididamente, o livro acima é uma texto-convite, onde somos convocados à auto iluminação e ao auto encontro através de procedimentos psicoterápicos embasados nos ensinamentos do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador e da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec.

SEGUNDO

De uns tempos para cá associado sou do GEEC – Grupo Educação, Ética e Cidadania, uma organização sem fins lucrativos, sediada em Divinópolis, Minas Gerais, que tem como visão institucional “promover o desenvolvimento do Ser em sua plenitude, considerando todas suas dimensões, direitos e deveres, contribuindo para a harmonia das relações consigo mesmo, com o outro e com a natureza”. E seu selo editorial Ethos Editora lançou, em 2014 e 2017, em dois volumes, A Ética de Jesus, onde se analisa, respeitando-se o nível de apreendência de cada um, os ensinamentos do Mestre Galileu esclarecidos pela Doutrina dos Espíritos, onde algumas polêmicas ainda persistem até os tempos de agora, muito embora todas elas não sejam mais relevantes, interessando apenas aos especialistas em quase coisa alguma.

Os balizamentos do Mestre Jesus, devidamente esclarecidos pelos Doutrinadores apontam para a existência de um equilíbrio notável entre as duas realidades da vida imortal, a encarnada e a desencarnada. Os versículos foram estudados pelos integrantes do GEET, observando uma sequência temática e cronológica dos evangelhos. Cada capítulo dos volumes editados constitui-se de três partes: a narrativa evangélica do texto, resumo dos comentários e reflexões efetivados durante as reuniões semanais do Grupo, e a mensagem de um ou mais Espíritos , psicofonicamente identificados como “amigo espiritual”. Tais partes tornam os volumes acima únicos e peculiares em língua portuguesa, dada sua característica sábia e transcendental que fermenta as reflexões efetivadas.

Os dois volumes me foram citados pela amiga-irmã Ruth Cardoso, uma das responsáveis pela divulgação editorial do Clube do Livro da Ethos Editora (37-3222-3163, av. 21 de abril 122, Centro Divinópolis/MG, CEP 35.500-100, e-mail comercial@geec.org.br) .

Para atender a curiosidade de muitos, sobre os objetivos que levaram o Grupo a concretizar um projeto de envergadura pioneira, ressalte-se uma única alternativa: a inspiração provocada pelos orientadores espirituais, fomentadores das energias necessárias para a concretização de uma iniciativa muito aplaudida por milhares, Brasil afora.

Na Apresentação está ressaltado: “Desejamos que este livro possa mostrar os ensinamentos do Mestre em sua essência, o cerne das lições, contextualizado, o que Ele deseja transmitir aos homens: os valores renovados e atualíssimos do ‘Reino de Deus’ que ‘está dentro de nós’. Em síntese: comover o amigo leitor, da mesma forma que fomos a refletir sobre o processo da nossa evolução espiritual. Nosso desejo é que esta obra alcance os seus objetivos e que Jesus abençoe as nossas intenções.”

Inicialmente, o livro primeiro traz uma Introdução, onde algumas palavras são empregadas, caracterizando o estado dos costumes e da sociedade judia daquela época, as quais foram mal interpretadas no decorrer dos séculos gerando incertezas e atordoamentos. As palavras que merecem uma explicação são as seguintes: samaritanos, nazarenos, publicanos, peageiros, fariseus, escribas, sinagoga, saduceus, essênios e terapeutas. Ressaltemos algumas delas, a título de exemplo:

Samaritanos – Após cisma das dez tribos, Samaria tornou-se a capital do reino dissidente. Era uma das quatro divisões da Palestina, tendo sido embelezada por Herodes, denominado o Grande. Eles sempre estiveram em guerra com os reis de Judá, os dois povos tendo entre si uma aversão profunda. Os samaritanos somente admitiam o Pentateuco. Para os judeus ortodoxos, eram considerados heréticos. Eram os protestantes da época e só se casavam entre si.

Nazarenos – Judeus que faziam votos por toda vida. Adotando a castidade e a abstinência de álcool, não cortando cabelos. Sansão, Samuel e João Batista eram nazarenos. Mais tarde deram esse nome aos primeiros cristãos, por alusão a Jesus de Nazaré.

As demais identificações apontam para uma sociedade pluralista à época do Rabi da Galileia, com a sua Mensagem que revolucionou o planeta.

Numa conjuntura brasileira de incontáveis bandalheiras, mil e uma hipocrisias e uma sociedade que pouco se respeita, vale a pena ler os livros acima, atentando-se para uma conversão interna na direção da Luz do Amor.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 16 de julho de 2018

SOBRE JOÃO SILVINO DA CONCEIÇÃO

 

SOBRE JOÃO SILVINO DA CONCEIÇÃO

Para satisfazer a curiosidade de muitos, inclusive ex-colegas de universidade, torno pública mais uma vez a identificação do João Silvino da Conceição, este amigão de muitas décadas, companheiro inseparável de danações, reflexões, gozações e coisas que tais, cuja alma é irmã gêmea da minha. O JSC é nascido no interior do Rio Grande do Norte, em Currais Novos. Semialfabetizado, três casamentos, oito filhos, seis vivos e dois anjinhos, o Silvino demonstra ser possuidor de uma energia incomum, uma vontade férrea de ser cada vez mais nordestinamente brasileiro. Suas histórias, não raro, são reproduzidas em ambiente onde prepondera o diálogo consciente, com muita frequência regado a uma imensa rodada de “refrigerantes” pra lá de glaciais. As garrafas sempre acompanhadas de tacos de queijo de coalho na brasa e farofa de jerimum com carne de sol, num protocolo de deixar um gosto de quero-mais da gota serena em qualquer mortal pecador como a gente.

Tricolor quatro costados, João é pernambucaníssimo quando alguém daqui joga com uma equipe de fora. Em dia de domingo, sempre perambula pelos estádios de futebol, acompanhado da Dona Conceição, sua companheira de um bocado de tempo, sete arrobas bem distribuídas e com pouca elasticidade mamária, sessentona experiente, mente livre e língua sempre solta, nenhuma flacidez abdominal, muitos quilômetros bem rodados, serenidade espiritual lindona, sem as louracidades das pessoas artificiais que só raciocinam por onde não deveriam, sempre da cintura para baixo.

As amizades do Silvino são de uma fidelidade canina: Fininha, 120 quilos, tia da sua mãe, mexeriqueira de primeira grandeza, ouvidos e boca maiores que o bom-senso; Zefinha, arrumadeira de bom calibre, criada junto com o Silvino, tendo incentivado ele nas primeiras manobras homem-mulher, na garagem sem-carro que ficava no fundo do terreno residencial; Faguinho Silva, primo em grau bem distante, especialista em corar frade de pedra com historietas apimentadas, dado seu furor anti-puritanismo; Jean Louis, inteligência gerencial gota serena em corpo atlético ainda nos conformes, marido da Leninha, uma prestimosidade cristã pra correntista bancário algum botar defeito; Dodora, toda cheínha, zelosa especialista em educação de jovens e adultos, filha da Zima, uma sessentona que é virada num molho de coentro, dançarina, junina, carnavalesca, riso largo, sempre mandando à merda as fuxicarias do derredor; e Zulmirinha, morenona de cabelo bem espichado, irmã da Dona Conceição, mulher do Silvino, seios ainda em posição de sentido, apesar dos quatro sugadores nascidos, hoje duas parelhas de nordestinos de fazer gosto às mais oferecidas. Nunca esquecendo o Faustino boa-praça, olhos sempre antenados, vocação kardecista sem mesuras nem fricotagens. Nem a Sandrinha, com seus olhinhos fingidamente japoneses.

Com o João Silvino, usufruo um bate-papo semanal fraternal, nos quais as suas irritações travestidas de quase hercúlea resistência aos medíocres foram sendo gradativamente desativadas, substituídas, bem devagarzinho, por uma crescente confiança nos amanhãs de todos nós, hoje solidificada numa consistente convivialidade, enxotados para longe os aperreios do cotidiano e as cavilações puritanosas dos sósias e sócios do divino.

Uma conquista memorável, o consentimento do João Silvino da Conceição para acesso a um monte de cadernos de papel pautado de sua propriedade. As suas primeiras anotações datam de setembro de 1955, às vésperas das eleições presidenciais, quando ele ainda se deliciava na sua primeira lua-de-mel, nas Termas Salgadinho, uma temporada presenteada por um amigo de seu pai, agricultor de médio porte. As últimas notas são deste ano, os erros ortográficos e os de concordância, hoje, bem mais atenuados pelo exercício de um escrever quase diário.

Sistematizei alguns cadernos do João sem perda alguma do conteúdo. A intenção foi apenas, com uma certa disciplina arrumadeira, a de proporcionar aos amigos dele alguns instantes para um pensar recheado de muita nordestinidade, mesclando assuntos os mais diferenciados, numa conjuntura em que o sentimento regionalista não pode ficar relegado a planos secundários, nem a fúrias globalizantes.

De muita franqueza, sem os mas-mas dos fingidos bundas moles de olhinhos virados repletos de “ai-Jesus”, Silvino botou o dedo na ferida, recentemente: “Não adianta correr atrás dos pixotes que vendem papelotes estupefacientes disso ou daquilo. Vamos rasgar a fantasia da hipocrisia: em muitos lugares granfinos, é hoje chiquérrimo servir, em bandejas aquecidas, os pozinhos e os canudinhos indispensáveis para deixar animadão o ambiente, todo mundo ficando numa boa, alegre e serelepe, à merda a moral, os bons costumes, o fino trato e os gestos nobilitantes”. Por causa de dissabores familiares, teve até grandão metido a religioso que ficou com “cara de pum”, como dizia a Trude, prima muito amada, sobrinha querida dos meus eternizados pais.

Para os que se postam como “nunca-errados”, o Silvino tem opinião de bate-pronto: “Não sei respeitar as pessoas que não sabem reconhecer seus erros. São covardes, porta-estandartes de uma frouxidão que não é nordestina nem brasileira. Aliás, nem é digna da raça humana“.

Helderista de carteirinha, o Silvino não tolera ver os “imitadores” do eternizado Dom, aqueles que buscam aparentar ser, jamais efetivamente sendo. E cita sempre o saudoso arcebispo, para consolidar sua opinião sobre os que não são: “É urgente evitar que os jovens se convençam de que a Igreja é mestra em preparar grandes textos e sonoras conclusões, sem a coragem de levá-las à prática“.

Intencionalmente, as anotações coligidas nos cadernos do João não obedecem a qualquer ordem cronológica. Mesclando apontamentos de épocas diferenciadas, procura-se, através de procedimentos integralmente não-científicos, manter a atenção dos seus escritos, evitando enfados desnecessários e abandonos precipitados.

A lição maior do João Silvino da Conceição, contudo, é para todos, pernambucanos e pernambucanizados que nem ele: que nós, imbuídos do mais acentuado instinto de soberania nacional, saibamos fazer a hora pernambucana, transformando propostas formuladas em ações concretas, percebendo que a História se edifica através de amplos procedimentos participativos, que exigem compromissos, desafios estruturadores e conscientizações comunitárias, a ninguém se permitindo o distanciamento das suas indispensáveis funções de sujeito.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 09 de julho de 2018

POR AMOR A PERNAMBUCO

 

POR AMOR A PERNAMBUCO (*)

Com muito orgulho torno-me, neste princípio de noite setembrina, Cidadão de Pernambuco. Agradeço de coração à Casa de Joaquim Nabuco o título concedido, aprovando iniciativa do ex-deputado estadual Djalma Paes, admiração pessoal de muitos anos, hoje atuante Secretário de Planejamento da Prefeitura da Cidade do Recife, proposta representada, nesta legislatura, pelo deputado Betinho Gomes, liderança política no Cabo de Santo Agostinho, onde Vicente Pinzon, num 26 de janeiro de 1500, conheceu terra brasileira, segundo ele “a terra de mais luz da Terra”, batizada de Santa Maria de la Consolacion.

Sou, a partir de hoje, também Leão do Norte, sem jamais menosprezar os rincões potiguares, Natal, onde nasci em tempos de Segunda Guerra Mundial, pai convocado, cidade às escuras, mãe atordoada por mil apreensões.

D’ora por diante, cada vez mais de Pernambuco, continuarei honrando hino, bandeira e história de um povo, admirando Joaquim Nabuco e Mestre Vitalino, Paulo Cavancanti e Frei Caneca, Gilberto Freyre e Manuel Bandeira, José Mariano e Dona Santa, Mauro Mota e Carlos Pena Filho, Nelson Ferreira e Capiba, Barbosa Lima Sobrinho e Gregório Bezerra, Paulo Freire e as mulheres de Tejucupapo, sempre presentes, nunca olvidados por seus ideários políticos, exaltações apaixonadas, bravuras libertárias, estudos sociais, carnavais, resistências e muita poesia. Todos eles dotados de extremado amor à gente pernambucana e à sua rebelde caminhada histórica, onde “corre o sangue de heróis rubro veio, Que há de sempre o valor traduzir”, em terras que são “fonte da vida e da história”, de um “povo coberto de glória, o primeiro, talvez, do porvir”.

Agradecendo a Cidadania Pernambucana, comprometo-me perante esta Casa, ícone maior do cenário político nordestino, a não me descuidar do desenvolvimento cultural de Pernambuco, divulgando, além do Recife, com seus rios e pontes, a feira de Caruaru, as carrancas de Petrolina, as rendas de Passira e de Pesqueira, as igrejas e os mosteiros de Olinda, o Circuito do Frio, o Forte de Itamaracá, o Maracatu de Nazaré da Mata, o artesanato de Bezerros, entre tantos outros exemplos de nossa gigantesca multiculturalidade, além do frevo Vassourinhas, de um clube carnavalesco por quem sou apaixonado.

Com a Cidadania Pernambucana, continuarei a renegar visões cavilosamente parciais e incompletas, por não assimilarem na devida conta os fatos e os feitos dos anos mais recentes, encarecendo a devida vênia para enaltecer, aqui e agora, o talento pernambucano na pessoa da economista Tânia Bacelar de Araújo, competência técnica e visão política a serviço de um Nordeste de gigantescas desigualdades econômicas e sociais.

Reproduzo, aqui, a reflexão de Charles Handy, um irlandês de infância debilitada como a dos pernambucanos menos afortunados, que soube, sem os coitadismos dos abobados, proclamar com propriedade: “Descobrir a sua própria inteligência é uma coisa. Aplicá-la é outra. Precisamos ser capazes de reconhecer e identificar os problemas e as oportunidades. Precisamos ser capazes de nos organizar e de organizar também as outras pessoas para que façam algo e precisamos ser capazes de nos sentar e refletir sobre o que tem acontecido para que possamos fazer tudo melhor da próxima vez“.

Estejam certos, senhores deputados, minha muito querida Melba, familiares e amigos aqui presentes, que continuarei a travar o bom combate, para a concretização dos sonhos que refletem a esperança de triunfo dos que lutam por Justiça e Paz.

Saio desta solenidade com o pensar voltado, e bem comprometido, com todos aqueles que rejeitam o Consenso de Washington, também combatendo o desprestígio da atividade política e a ditadura da política econômica. E nunca olvidando, como adepto de uma não-violência ativa, da proclamação feita pelo ex-presidente Salvador Allende, em sua carta de despedida ao povo chileno, poucas horas antes de ser assassinado pelos partidários da escuridão: “Em nome dos mais sagrados interesses do povo, em nome da pátria, tenham fé. A História não se detém nem com a repressão nem com o crime. Esta é uma etapa que será superada. Este é um momento duro e difícil. É possível que nos abatam, mas o amanhã será do povo, será dos trabalhadores. A humanidade avança para a conquista de uma vida melhor”.

Por fim, com a alma repleta de alegrias e saudades, reverencio um poeta Leão do Norte, João Cabral de Mello Neto, propositadamente não citado na relação anterior. No autor de Vida e Morte Severina, um auto de Natal que tem contribuído para melhor compreensão da realidade pernambucana, me inspiro nas palavras finais deste agradecimento, buscando segui-lo no ritmo dos seus versos:

Um grande poeta, o João Cabral de Mello Neto,
Que ama os Severinos de Maria,
jamais esquecendo o seu Recife,
o Recife dos rios e das pontes,
também Recife dos mangues e dos alagados,
dos caranguejos capturados
pelos meninos de rua, todo santo dia
que mamando leite de lama,
também são Severinos de Maria.

Severino de Maria
morador das periferias
da Mata até o Sertão,
que queria voar mais livre
e entender que liberdade
não é apenas uma calça comum e desbotada.

 

Severino de Maria,
estamos vivendo uma econômica ilusão,
desmemoriados que somos,
pouco importando
o alerta de André Malraux:
a dignidade é o contrário da humilhação”.

Severino de Maria
nós lhe pedimos perdão:
exportar é o que importa,
quando o que importa mesmo
é teto, chão, escola e feijão.

Severino de Maria
pai dos meninos de rua
dos trombadinhas,
advindos dos nossos interiores,
meninos que roubam
pra sobreviver
e vivem roubando abençoados por Deus!

Severino de Maria,
amigo dos nossos funcionários
que nada entendem de mais-valia
mas que recebem todo dia
a agonia dos seus salários.

Severino de Maria,
meu irmão de caminhada
como é difícil entender,
só com palavras, a Vida
ainda mais quando ela é
esta que se vê, severina”.

Severino de Maria,
nós, pernambucanos,
ainda não sabemos bem
ouvir as meninas,
evitar a mediocridade,
incrementar a emoção,
o contato,
a criatividade
ouvir o que não foi dito
perceber o corporal
registrar a dor e o mal
enaltecer o que é nobre,
imaginar o que é ser pobre.

Severino de Maria
nós ainda ignoramos
elaborar um querer coletivo
porque o contexto anda truncado
muitos de nós famintos
que não nascendo outra vez
ao invés de galo, vive-se pinto.

Mas nós desejamos,
Severino de Maria,
nos livrar contigo
dessa cova de bom tamanho
que é nossa parte nesse latifúndio.

E também nos libertar,
Severino meu irmão,
de uma cultura que não é nossa
consequência maior de uma fossa
que é deserta de ideias
e que nos foi imposta
pra quem gosta e quem não gosta.

Precisamos pensar mais,
Severino de Maria,
para denunciar e anunciar,
conhecer pra criticar
combater o bom combate
com bagagem cultural
enxotando todo mal.

Ajude-nos, Severino retirante,
para que possamos ajudá-lo
a manter nossa altivez.
Com sua voz, acharemos nossa vez,
nossos braços, seu regaço,
seu espaço, nossa sobrevivência.

Você é Severino de Maria
porque somos uma Nação endividada,
submissa, encarcerada,
Nação maior de agiotas
que, lá fora, querem mais,
nos fazendo sempre crer
na inexistência de outras alternativas
para também podermos ser.

Meu companheiro de sina,
muitos nos imaginam
uma nação severina,
caudal de alienados,
sem presente e sem passado,
sem teóricos nem cientistas,
surdos e mudos, sem vistas,
sem virilidade e ardor
por uma causa de amor
que é amar a todo um povo,
expulsor de estrangeiro,
povo muito brasileiro.

Somos menos que você,
Severino de Maria,
pois de você precisamos
e do seu suor escorrido.
A sua própria liberdade
será, a bem da verdade,
nossa maioridade.

Severino de Maria,
neste plenário falta você.
Você não veio, ausentou-se.
Mas nós, aqui, aprendemos
que o nosso bem viver
vai precisar de você
e do seu modo de agir.
Desse seu jeitão de rir
amarelo como os seus,
dessa maneira sublime
de pensar também em Deus.
E de olhar desconfiado
pés descalços, calejados,
esperança sem igual
de ver perto um bom final.

Severino de Maria,
obrigado, aqui e agora,
pois em você, a toda hora,
desesperança não há.
Obrigado por nos fazer
compreender pra transformar
ensinando a todo instante
à mente que se prepara
pra ficar sempre ao seu lado,
lado a lado, companheiro,
dizendo pro mundo inteiro
fico contigo, não saio,
nem que sob o chicote e a vara:
pois só deixarei meu Pernambuco,
no último pau-de-arara.

Muito obrigado!!

(*) Agradecimento feito por ocasião da Sessão Solene de entrega do título de Cidadão Pernambucano, na Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, em 25 de setembro de 2003.

 

 

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 02 de julho de 2018

INDAGAÇÃO INDIGESTA

 

 


 

 

Numa escola de ensino médio, turma de concluintes, uma professora de história resolveu perguntar aos seus alunos qual, na opinião deles, teria sido, nos últimos mil anos de história da humanidade, o século que mais sofreu mudanças. E deu uma semana para que todos pesquisassem à vontade em suas residências e computadores.

Na data de recebimento das respostas, um adolescente franzino, afrodescendente, riso franco, QI sem limitações jumentais deu uma resposta que despertou a curiosidade geral. Disse ele, que o Google teria informado que um livro recentemente lançado no Brasil poderia ampliar os horizontes analíticos de todos. E declinou, mostrando uma fotocópia do livro lançado: Séculos de transformações: em mil anos de história, qual século passou por mais mudanças e qual a importância disso,Ian Mortimer, Rio de Janeiro, Difel, 2018, 474 p.

Avisado pela querida docente, amiga minha de longa data, desde os tempos de Universidade Católica de Pernambuco, adquiri o livro dias depois. E eis que me deparei com uma leitura deliciosa, sem rebuscados típicos dos gerados em pé numa rede. Uma reportagem de alto nível, provocativa por derradeiro, que possibilita aos estudantes pré-vestibulares um adensamento cultural desburrificador, favorecendo a elucidação dos nossos ontens, alguns deles ainda bastante obscuros por censuras políticas e religiosas, que favoreceram obscurantismos analítico do acontecido com nossos ancestrais.

O EVANGELHO DAS RECORDAÕES

Indicado pela amiga psicanalista Valéria Pessoa, a leitura do livro das memórias do médium espírita Eliseu Rigonatti denominado O Evangelho das Recordações, SP, Pensamento, 2007, 252 p., contendo mais de 50 anos de caminhada embasada na Mensagem do Homão da Galileia, fortifica a fé de gregos e troianos, espiritualistas e espíritas, num aprimoramento moral em busca dos amanhãs cada vez mais luminosos. O Rigonatti esmiúça os versículos do Evangelho Segundo São Mateus, utilizando uma linguagem cristalina, sem eruditismos que a nada conduzem, a favorecer o proclamado pelo Senhor Jesus de que “as Suas palavras jamais envelhecerão”, nunca sendo olvidadas pelos que serão chamados de bem-aventurados”.

CRETINICES BRASILEIRAS

Já dizia uma propaganda famosa de cigarros que “brasileiro tem a mania de levar vantagem em tudo”. Além de o país ser o maioral do planeta em uma porrada de outros setores, que apenas encobrem uma ilusória superioridade que camufla inúmeras cretinices que integram o nosso cotidiano. Vejamos alguns dos nossos pecadilhos vexaminosos:

– Colocar autoria em trabalhos técnico-científicos que não efetivou;
– Inserir nome de colega que faltou em lista de presença, nas Universidades;
– Pagar para alguém fazer seus trabalhos escolares ou profissionais, inclusive dissertações de mestrado e teses de doutoramento;
– Saquear cargas de veículos acidentados nas estradas;
– Estaciona nas calçadas, muitas vezes debaixo de placas proibitivas;
– Subornar ou tenta subornar quando é flagrado cometendo infração;
– Trocar voto por qualquer coisa, areia, cimento, tijolo, e até dentadura, quando não por alguns reais;
– Trafegar pela direita nos acostamentos, diante de qualquer mínimo congestionamento;
– Parar em filas duplas, triplas, em frente às escolas; prejudicando o fluxo normal do trânsito;
– Dirigir após consumir bebidas alcoólicas;
– Apanhar atestado médico sem estar doente, só para cobrir faltas no trabalho;
– Fazer “gato ” de luz, de água e de TV a cabo;
– Comprar recibo para abater na declaração de renda, objetivando para pagar menos imposto;
– Alterar declaração de cor da pele para ingressar na universidade através do sistema de cotas;
– Solicitar nota fiscal a maior, quando viaja a serviço da empresa;
– Comercializar objetos doados nas campanhas de catástrofes;
– Estaciona em vagas exclusivas para idosos ou deficientes;
– Emplacar o carro fora do seu domicílio para pagar menos IPVA;
– Ao encontrar algum objeto perdido, na maioria das vezes não devolvê-lo ao seu verdadeiro dono;
– Só cumprimentar quem é hierarquicamente superior;

UMA CONVERSÃO EMBASADA

A cada dia mais me convenço de uma coisa: muitos ateus assim se comportam diante das múltiplas embromações proclamadas por instituições que primam mais pela arrecadação do que pela convicção em prol de um Criador do Universo, induzindo milhões de pouco conscientes a crendices estapafúrdias dos mais variados calibres.

Recentemente li umas páginas escritas pelo diretor do Projeto Genoma. No livro A Linguagem de Deus: um cientista apresenta evidências de que Ele existe, Francis S. Collins, São Paulo, Editora Gente, 2007, 280 p., através de fundamentos técnicos e reflexões pessoais revela como abandonou o ateísmo, tornando-se cristão, por considerar plenamente viável a reconciliação e harmonia entre Deus e a ciência.

Revela Collins que o genoma é formado por todo o DNA de nossa espécie, sendo o código de hereditariedade da vida. Segundo ele, o primeiro rascunho do genoma humano possui um código de 3 bilhões de letras, escrito num código estranho e enigmático. Para se ter uma ideia, as informações contida em cada célula do corpo humano é tamanha e tão impressionante que ler cada letra dessa informação por segundo, dia e noite sem parar, levaríamos 31 anos. E se imprimíssemos tais letras num tamanho de fonte regular, em etiquetas normais, uma em cima da outra, teríamos uma torre de aproximadamente igual a um prédio de 53 andares.

Lamentavelmente, no mundo contemporâneo, encontramos pedras atiradas dos dois lados, por cientistas ateus evolucionistas e por fundamentalistas interpretadores ao pé da letra dos textos sagrados. E a análise é do Collins: “Meu argumento é que tais perspectivas podem coexistir em qualquer indivíduo, e de modo que enriqueça e ilumine a experiência humana. A ciência é a única forma confiável para entender o mundo da natureza, e as ferramentas científicas, quando utilizadas de maneira adequada, podem gerar profundos discernimentos na experiência material. A ciência, entretanto, é incapaz de responder a questões como ‘Por que o universo existe?’; ‘Qual o sentido da existência humana?’; ‘O que acontece após a morte?’. Uma das necessidades mais fortes da humanidade é encontrar respostas para as questões mais profundas, e temos de apanhar todo o poder de ambas as perspectivas, a científica e a religiosa, para buscar a compreensão tanto daquilo que vemos como do que não vemos”. E o livro ainda comporta um apêndice primoroso: a prática moral da ciência e da medicina, inclusive como a Bioética se fundamenta sobre os fundamentos da lei moral.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 25 de junho de 2018

PITACOS & DESABAFOS

 

1. Confesso que às vezes tenho ímpetos de chutar o pau da minha barraca de ser humano comprometido com a mensagem do Homão da Galileia, mandando às favas ideário, brasilidade, nordestinidade, denominações religiosas, vontade de servir ao próximo, fidelidade e uma criticidade que não é às vezes bem vista nesta era hipermoderna, onde a sinceridade se encontra tolhida e recolhida até por alguns dignitários que deveriam ser também paulinamente loucos e escandalosos, deixando os cueiros só para os menos atentos ou ainda mentalmente desajustados. Mas logo volto a querer seguir adiante, pouco me lixando para as conversinhas lamuriosas dar dos frágeis de caráter, principalmente quando releio Harold Kusher, Nilton Bonder, Paulo de Tarso e Rubem Alves, inteligências a serviço do homem todo e de todos os homens, o primeiro sendo autor de uma notável reflexão-vacina: “Se o sentimento de nossa identidade depende da popularidade e da opinião que as outras pessoas têm de nós, estaremos sempre sujeitos a essas outras pessoas. A qualquer momento, elas poderão puxar o tapete sob nossos pés”.

2. Sempre busco definir o ser humano como um ser histórico, situado e datado, muito embora nunca acabado, constituindo-se numa metamorfose ambulante, como dizia o menestrel baiano Raul Seixas. Não é apenas um ser no mundo, mas um ser em permanente interação com os mundos, daqui e do além, modificando e sendo modificado, condutor e conduzido, mutante porque capaz de questionar e ser questionado, histórico porque livre. Daí a minha estupefação quando me deparo com pessoas amorfas, desejando ser bonzinho para com todos, olhos fixos nas vantagens, adepto das pompas bizarras e dos fingimentos porcalhões que escamoteiam os inevitáveis conflitos polissêmicos que emergem numa era de mutações ultrarrápidas. De pouca envergadura crítica, eles não se apercebem do que ensina o Eclesiastes: “Não dê atenção a todas as palavras que o povo diz, caso contrário poderá ouvir o seu próprio servo falando mal de você, pois em seu coração você sabe que muitas vezes você também falou mal de outros”. (Ec,7,21).

3. Usando a linguagem como espelho de sua própria historicidade, o ser humano a utiliza segundo diferenciados graus etários, níveis de renda e de escolaridade. Tal espelho também reflete a sua interação com o seu derredor, muito embora jamais possa retratar sua integral caminhada, posto que a linguagem nunca se estabiliza, dado o surgimento de novos condicionamentos linguísticos, aceleradas mutações cenariais e a emersão de experiências antes nunca havidas nem conhecidas. O próprio rabino Kushner, que perdeu um filho de maneira dolorosa, assegura: “não permita que coisa alguma – seu emprego, seu carro, nem mesmo sua saúde ou sua família – seja muito importante e você se imunizará contra o medo de perdê-la”. E o sinal de amadurecimento se explicita quando abandonamos a obsessão de indagar sobre o que a vida nos reserva e principiamos a refletir o que estamos fazendo da nossa própria vida.

4. Os que se deblatem contra os “critiquentos”, não assimilam que a insistente sinfonia da negação pode se transformar numa degenerativa postura negativista, onde nada presta, nada do passado tem valor, todos buscando agir conforme seus próprios interesses e ambições, devendo-se sempre “levar vantagem em tudo”, num autofágico individualismo que menoscaba a individualidade, reduzindo todos a ninguém, inclusive os que se imaginam bem situados hierarquicamente, posto que sem comandados os comandantes não evoluem, naufragando com muita facilidade no próprio charco por eles criados.

5. O assistencialismo dos comandantes, entendido aqui como uma postura inteligente de manter o colonialismo via gratidão, talvez seja o mais letal dos grandes males contemporâneos, posto que amortece a criticidade, reduzindo-a a níveis não-contagiantes. O ser humano só pode ser entendido como criador dos seus próprios futuros, na medida em que for vacinado contra as promessas mirabolantes dos ansiosos pela manutenção dos seus postos, salários e benefícios outros. De há muito já se percebeu que os mandos econômicos e as posturas anestésicas são apenas esmolas, dessas que “matam de vergonha e viciam o cidadão”.

6. Todo homem consciente, eticamente comprometido com os amanhãs dos mundos, se for o caso, percebe que não é criador do futuro de todos. Sua consciência ressalta que ele é aquele que age à luz de um futuro prometido, que seguramente advirá. A teologia pastoral, integrante viva de uma Igreja que deve ser alavancada como parteira da História, tem como missão basilar, na manutenção da efetividade do querigma, buscar uma nova linguagem, ainda que nunca se distanciando dos contextos diferenciados e muitas vezes opostos. Sem desaprender totalmente a linguagem anterior, porque ainda necessária em inúmeras oportunidades, cabe à Igreja habilitar-se sem demora na apreensibilidade de novas linguagens, erradicando as inadequações que apenas enfastiam e desacreditam, ensejando fundamentalismos que não levam na devida conta a irreversibilidade de uma pós-modernidade.

7. Uma pastoral missionária dotada de capacidade cativadora necessariamente deverá estar eivada de um ecumenismo consolidado numa teologia da paz criativa. E com as seguintes características, segundo o teólogo Hans Küng explicitou num dos seus últimos textos: Pesquisa dos fundamentos teológicos; Questionamento das estruturas de pensamento e comportamento sedimentadas; Captação das diferenças centrais nas religiões e entre as religiões; Exigência de atenta autocrítica e auto-correção de todos os lados; Enxergância dos amanhãs através de análises das forças religiosas do passado; e acumulação de informações bem captadas, antecipando-se aos desafios recíprocos que sempre existirão entre as denominações.

8. No nosso dia-a-dia, a Esperança sendo porta-bandeira indispensável, uma oportuna reflexão foi escrita por Nilton Bonder, rabino da Congregação Judaica do Brasil, no Rio de Janeiro, uma inteligência privilegiada, também engenheiro diplomado pela Universidade de Colúmbia, Estados Unidos: “Para podermos honrar a consciência e a experiência existencial, temos de conhecer a arte de pedir ‘concordata’ para nosso empreendimento na dimensão da consciência. Esta concordata tem como parte de seu objetivo salvaguardar a própria consciência de uma possível falência, que representaria a alienação total. Esta concordata é comumente chamada de entrega”.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 18 de junho de 2018

ALICERCES INDISPENSÁVEIS

 

Para quem gosta de estudar a Doutrina Espírita, que alicerces auxiliares são necessários para uma efetiva compreensão dos parâmetros kardecistas? Na minha modesta opinião de aprendiz, digo que uns bons livros são válidos, dentre os quais se destacariam alguns, além do Pentateuco Kardecista, obrigatório para quem intensamente busca apreender os parâmetros ditados pelos Espíritos Superior a Allan Kardec, aquele que codificou os ensinamentos recebidos. Enumero os que ainda são significativos para meus estudos cotidianos:

– O Espiritismo de A a Z, Geraldo Campetti Sobrinho (coordenação), 4ª. ed., BSB, FEB, 2013, 964 p. Um projeto elaborado com a finalidade de fornecer informações espíritas contidas nas diversas publicações da Federação Espírita Brasileira. A equipe responsável examinou mais de 300 títulos de circulação corrente, desenvolvendo-se através de vocábulos, definições e fontes. A publicação reúne 2.100 vocábulos, 10.000 conceitos e definições, com todas as fontes registradas entre parêntesis, ao final do volume, que também contém as Referências e o Índice dos Vocábulos. Através do dicionário se pode diferenciar, compreendendo sem dificuldades, espírita cristão, espiritista cristão, espírita exaltado, espírita experimentador, espírita imperfeito, espírita por intuição, espírita sem o saber e espírita verdadeiro. Os inúmeros tipos de médiuns também se encontram devidamente classificados, inclusive os chamados médiuns tiptólogos, aqueles através dos quais os ruídos são provocados.

– Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, 12 volumes, SP, Edicel, de janeiro de 1858 a março de 1869. A coleção é “a mais prodigiosa fonte de informações sobre o Espiritismo e de instruções doutrinárias.” O próprio Allan Kardec a indica, no capítulo 3º. d’ O Livro dos Médiuns, como obra indispensável, aconselhando a seguinte ordem para os estudos iniciais: 1º. O que é o Espiritismo; 2º. O Livro dos Espíritos; 3º. O Livro dos Médiuns; e 4º. a Revista Espírita. O próprio Kardec assim define a Revista: “Variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos destacados que complementam a exposição das duas obras precedentes, e que representa de alguma maneira a sua aplicação.” Allan Kardec nos ofereceu, durante onze anos e quatro meses de trabalho intensivo, explicitando ao vivo toda a História do Espiritismo. Nada é ocultado do leitor. A editora Edicel já reeditou este ano os oito primeiros volumes, estando todos eles em promoção, com bons descontos.

– Bíblia Sagrada King James Novo Testamento, 1611, São Paulo, Abba Press, 2007, 640 p. Considerada a mais preciosa pérola da língua inglesa, a versão do Rei James I, da Inglaterra, é a obra mais aclamada da religião e cultura. Sua versão para a Língua Inglesa contou com a dedicação de 54 eruditos estudiosos das línguas orientais. A tradução para a língua portuguesa envolveu mais de 20 profissionais e durou 7 anos de trabalhos exaustivos.

Para sedimentar mais um cadinho nossa enxergância de aprendiz de tudo, permitam-me os iniciantes que nem eu para as indicações abaixo, todas elas complementares:

 De Primatas a Astronautas: a jornada do homem em busca do conhecimento, Leonardo Mlodinow, Rio de Janeiro, Zahar, 2015, 390 p. O autor nos leva para uma grande jornada pelo mundo da ciência, revelando personagens fascinantes, curiosidades múltiplas que nos conduziram desde as nossas origens até os dias de hoje, das cavernas até os foguetes interplanetários. Tudo embasado por um sede inesgotável de conhecimentos, cumprindo a recomendação do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador, que sempre proclamava que “quem tivesse fé saberia fazer melhor que ele”. Segundo V.S. Ramachandran, professor da Universidade da Califórnia, “Mlodinow faz um traçado vivo das revoluções do pensamento e da cultura que definem nossa civilização e, de brinde, apresenta uma estimulante visão da história e da majestosa abrangência da ciência moderna.” O livro é composto de três partes: 1. Quando nos erguemos; 2. As ciências; 3. Além dos sentidos humanos. E um epílogo, onde o autor define o entendimento humano como uma sucessão de fantasias, sempre ressaltando a importância do pensamento crítico e inovador, que perscruta onde estamos e para onde estamos indo.

– A História do Século XX, Martin Gilbert, São Paulo, Planeta, 2016, 830 p. Um dos maiores historiadores, pesquisador britânico reconhecido mundialmente, assumiu um desafio: sintetizar num só volume os principais movimentos do século XX, tornando-o uma leitura obrigatória para aqueles que buscam entender melhor o século mais importante da humanidade, também o mais conturbado. A definição é do jornal The Sunday Times: “Martin Gilbert é um dos autores mais prodigiosos de nosso tempo… Temos aqui um trabalho fascinante do qual todos podemos nos beneficiar mergulhando fundo.” Um dos capítulos mais fascinantes é o 10º.- Os desafios da modernidade -, onde poderemos induzir as perspectivas das próximas décadas, hoje tão carentes de “enxergância humanística” e “ética planetária”.

– Apropriação Indébita: como os ricos estão tomando a nossa herança comum, Gar Alperovitz & Lew Daly, São Paulo, Editora SENAC, 2010, 244 p. Um livro que debate com ampla originalidade a estupenda distribuição da riqueza e da renda mundiais nos tempos contemporâneos. Para se ter uma ideia do desequilíbrio estrutural que atualmente abala os quatro cantos do planeta, vale a pena reproduzir o reconhecimento feito por Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo, de fortuna calculada, em 2008, em 60 bilhões de dólares: “A sociedade é responsável por uma porcentagem bastante significativa do que recebi.” Uma sinceridade comprovada pelos autores: “pelo menos 90% – e talvez até mais – dos lucros particulares são derivados não de ingenuidades, talento ou investimento individuais, mas do que é descrito como uma apropriação injusta de nossa herança coletiva, ou seja, o conhecimento científico e tecnológico que faz a economia girar.” Os autores ressaltam como um número mínimo de indivíduos – pessoas físicas ou jurídicas – se apossa do vasto conhecimento herdado das gerações passadas e dele obtêm lucros espetaculares com base num falso direito de patente.

Para os caminhantes iniciais, nunca esquecer o que escreveu Carlos Castañeda: “Um caminho é só um caminho, e não há desrespeito a si ou aos outros em abandoná-lo, se é isto que o coração nos diz… Um caminho é só um caminho …”. Traduzindo em miúdo o pensar de Castañeda: “Se você fizer o que sempre fez, vai ter o resultado que sempre teve“.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 11 de junho de 2018

CADERNOS DE VICTOR HUGO

Pouca gente sabe que o famoso escritor francês Victor Hugo (1802-1885), autor dos mundialmente conhecidos romances Os Miseráveis e O Corcunda de Notre-Dame, foi um deputado firme e oponente a Luís Bonaparte, tendo se exilado voluntariamente na ilha britânica de Jersey, a partir de 1852, após tentar estabelecer sem sucesso uma resistência armada contra o tirano que pretendia se eternizar no poder, no exílio permanecendo até 1870, com a queda de Napoleão III. Um exílio que se estenderia por dezenove anos.

Após o golpe de Estado de Napoleão III, em 2 de dezembro de 1851, o escritor francês deixa Paris nove dias depois, embarcando no trem das 20 horas com destino a Bruxelas sob a identidade de Jacques Firmin Lanvin, um tipógrafo. Antes de escolher Jersey, residiu na Antuérpia, em Londres e Southampton. Em 5 de agosto de 1852, Victor Hugo e seu filho Charles desembarcam na ilha anglo-normanda, onde os aguardavam, desde 31 de julho, Adèle Hugo, sua mulher, sua filha chamada também de Adèle, além de Auguste Vacquerie, um amigo fiel.

Em Jersey, uma amiga de Victor Hugo, principia a conversar com a família sobre Espiritismo, principalmente narrando as últimas experiências com Mesas Girantes e Falantes que tinham acontecido nos Estados Unidos, posteriormente difundidas por toda a Europa. As primeiras tentativas feitas com as Mesas com Victor Hugo muito o desapontaram, juntamente com seus próximos, amigos e familiares. Entretanto, em setembro de 1853, manifesta-se o espírito de Leópoldine, que havia se afogado dez anos antes, radicalmente modificando o ânimo do escritor e seus parentes. Desta experiência, até 1855, as sessões espíritas realizadas quase diariamente na casa do escrito são registradas em atas, a maioria delas por ele mesmo redigidas.

Com a desencarnação de Victor Hugo, em 1885, aos 83 anos, suas experiências espíritas e suas atas foram cercadas de mistério, algumas delas vindo à tona, de modo amplamente esparso.

Até que as Éditions Gallimard, em 2014, resolve editar todo o material coletado, no que foi seguido, neste ano, no Brasil, pela Editora Três Estrelas, tornando do conhecimento público brasileiro O Livro das Mesas: as sessões espíritas de Jersey, Victor Hugo, 2018, 628 p.

Nos quatro cadernos agora editados, há diálogos sobre uma série de questões: a condição humana, crime e punição, sofrimento e morte, destino da alma, a vida no além, e a importância do amor e do perdão. Também temas sociais são aventados, bastante adiantados para a época: o direito das mulheres e das crianças, o fim da pena de morte, inclusive a criação dos Estados Unidos da Europa, assuntos essenciais para compreender mais adequadamente a obra de Victor Hugo posterior ao exílio, também favorecendo uma compreensão mais ampla sobre os momentos iniciais da história do espiritismo.

No prefácio de Patrice Boivin, uma declaração histórica: “Entre 11 de setembro de 1853 e 8 de outubro de 1855, Victor Hugo dedica-se quase diariamente às sessões espíritas. Nessas ocasiões, dialoga com os espíritos mais ilustres: Aníbal, Dante, Caim, Skakespeare, Lutero, Safo, Chénier, Alexandre, o Grande, Leônidas, Molière, Jesus, Platão, Ésquilo, Galileu … – e com as formas mais abstratas: a Sombra do Sepulcro, a Crítica, a Metempsicose, o Drama ou a Morte”, sempre lhe restando, segundo ele, “passar em revista as constelações de pensamento.”

Com a chegada de Delphine de Girardim à ilha de Jersey, ela tomou a iniciativa de implementar as Mesas Girantes, cujas revelações muito contribuíram para o desenvolvimento da obra de Victor Hugo. Todo teor escrupulosamente anotado em cadernos e atas.

Foi o próprio Hugo quem concebeu O Livro das Mesas, que projetava sua publicação póstuma, pois nele “havia um espírito na mesa, independente do homem”, “um meio de escoar mais rápido e melhor a produção do cérebro”. Inicialmente impedidas pelo Além de divulgação, as Atas foram posteriormente liberadas, sendo registrados os principais fenômenos acontecidos entre 12 de setembro de 1853 até 5 de outubro de 1855. Para cada sessão, uma ata circunstanciada e amplamente detalhada era da responsabilidade de uma determinada pessoa, os demais participantes da sessão tendo plena liberdade de fazer suas anotações. Tais atas foram , posteriormente, transcrita em cadernos especiais, constituindo-se quatro volumes manuscritos encadernados, “cadernos vermelhos” como foram chamados pelo próprio Victor Hugo. Muitos anos depois, tais cadernos foram parar nas mãos de Gustave Simon, que providenciou uma publicação parcial em 1923, setenta anos após as primeiras sessões acontecidas, intitulada Na casa de Victor Hugo: as Mesas Girantes de Jersey.

Desaparecidos misteriosamente, com várias versões aparecidas e novamente disputadas, eis que, em 1972, um dos cadernos reaparece, sendo oferecido à Biblioteca Nacional, sendo por esta adquirido. Através dele, verifica-se o essencial ocorrido entre setembro de 1853 e outubro de 1855, em Jersey, lançando uma luz inédita sobre os fatos acontecidos.

Alerta-se, no prefácio da edição brasileira, que a palavra Mesa com maiúscula remete às vozes dos espíritos, enquanto com minúscula designa o objeto material. A letra X assinala uma palavra ilegível, as intervenções da Mesa estando em negrito.

Uma leitura reflexiva apropriada para mentes esclarecidas, com mínimos domínios da Doutrina Kardecista. Vale a pena dar uma conferida.

PS1. Indico uma passadinha no capítulo 10 do livro O Semeador de Estrelas, da médium Suely Caldas Schubert, biógrafa de Divaldo Franco. O capítulo intitula-se A Presença de Victor Hugo na Obra Mediúnica de Divaldo Franco.

PS2. Recomendo ainda o romance de Victor Hugo Do Calvário ao Infinito, RJ, Federação Espírita Brasileira, 2007, 580 p., romance psicografado por Zilda Gama (1878-1969), a primeira médium brasileira a obter do mundo do além uma substancial literatura espírita, causando sensação em todos os segmentos de leitores.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 04 de junho de 2018

PARA LER, GOSTAR E SE ENTURMAR

 

Para quem conhece a coleção “A Vida no Mundo Espiritual”, lavra do Chico Xavier e do Espírito André Luiz, seguramente confirmará a reputação dela ser requisito basilar que enseja ler uma interpretação convincente das obras principais da Doutrina Espírita do Allan Kardec e dos textos mais consagrados dos autores que tratam de temas amplamente difundidos, onde se destacam Dragões e Legiões; Segunda Morte; Casamento no Plano Espiritual; Equipamentos e Armas Utilizadas no Plano Espiritual; Ovoides; Inversão Sexual; Animais no Plano Espiritual; Redução do Perispírito; Consequências dos Vícios para o Espírito; Meios de Transporte dos Espíritos; Dinheiro, Propriedade e Documentação no Plano Espiritual; Criações Mentais; Outros Planetas; e muitos outros.

 

 

Para ampliar as assimilações “enxergantes” de iniciantes e já reciclados, um livro recente está provocando releituras sucessivas das obras da dupla Chico Xavier/André Luiz: Nas Trilhas de André Luiz: assuntos relevantes, temas curiosos, casos interessantes, Jorge Reis, Ribeirão Preto, SP, Editora Dionisi, 2017, 300 p. Um nascido em Patamuté, sertão baiano, pós-graduado em Auditoria e Administração Financeira, professor universitário e aposentado do Serviço Público Federal, atualmente Diretor da AME – Associação Maternal Espírita, São José dos Campos (SP). Também produtor e apresentador do programa de rádio Vivência Espírita, Rádio Piratininga 750 AM, naquela cidade.

Numa Introdução chamada “NasTrilhas de André Luiz”, o Jorge Reis explica sem lero-lero: “Os Espíritos Superiores deixam claro, também, que a Codificação Kardequiana não traz o ensinamento completo, ou seja, é apenas o começo de uma nova era para a humanidade, pois a ciência ainda teria muito a descobrir e o homem muito a aprimorar no seu conhecimento moral e espiritual.” E deu testemunho: “Entre os maiores divulgadores da Doutrina Espírita podemos citar os brasileiros Bezerra de Menezes, que se configurou como um missionário cuja tarefa seria a de preparar a sociedade brasileira para acolher a semente do Espiritismo; Eurípedes Barsanulfo, o apóstolo do bem, um espírito destinado a entrar para a história da educação espírita em todo país; Francisco Cândido Xavier, o homem chamado amor que, definitivamente, com ajuda de seus mentores, trouxe o Plano Espiritual para o mundo real.”

No prefácio do livro, o Fábio Alessio Romano Dionisi faz um alerta sobre aqueles que, na Lide Espírita, se imaginam de pleno conhecimento sobre tudo, não mais precisando reestudar determinadas áreas ainda não devidamente assimiladas, fazendo lembrar o notável Stephen Hawking, uma dos maiores gênios da atual safra planetária: “O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão de conhecimento.” Em outras palavras: “À medida que ampliamos nossos conhecimentos, adquirimos meios que nos permitem encontrar, nas entrelinhas, ‘sementes’ deixadas para o tempo em que a ciência e o nosso discernimento pudessem germiná-las.”

Outro dia, três quinzenas atrás, uma pesquisa me deixou profundamente impactado: o brasileiro obteve o penúltimo lugar entre os povos que menos apreendem a realidade. Uma gente disleriada, na classificação clássica do notável Jessier Quirino, um tampa nordestino que sabe onde tem o nariz, na crítica necessária aos nossos comunitários abestalhamentos socioculturais.

O saudoso economista Celso Furtado, primeiro superintendente da Sudene, costumava alertar seus subordinados recém chegados da Cepal e outros rincões estrangeiros: “O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas será que o triângulo é retângulo?”. Um questionamento aos que, sem uma mínima bagagem humanística, imaginavam equacionar os problemas sociais do Nordeste através de equações econométricas cabeludérrimas, sem atentar dois mil réis para as condições psico-comportamentais de uma gente eivada de superstições, carregando um sem-número de “deus quis” e “se deus quiser”, mesclando tudo com “cumade fulosinha”, “perna cabeluda”“sexta-feira 13” e outros trejeitos de nula validade.

A Filosofia ainda hoje, cada vez mais ofuscada por tecnologias entusiasmantes e temporárias por derradeiro, necessita ser mais apreendida por todos aqueles que buscam exercitar uma cidadania competente e uma profissionalidade efetiva para não se perder nas encruzilhadas nevoentas e embaraçosas para quem não é possuidor de um discernimento compatíveis para os enfrentamentos dos amanhãs cada vez mais complexos de uma conjuntura turbulenta por derradeiro.

Recordando com amigos os papos com o escritor Nilo Pereira, quando ele era presidente do Conselho Estadual de Cultura, admirando sua densidade humanística, seu estupendo bom humor, religião e política assuntos sempre descartáveis das conversas semanais, tomei conhecimento de um livro pra lá de oportuno para os tempos atuais, quando até parlamentar preso é flagrado, depois de uma folga, com queijos e biscoitos no fundo da cueca, descaradamente, sem qualquer pudor legislativo, a merecer indianamente chicotadas no rabo, umas duzentas.

O livro, Crer e saber: pensar o político, o moral e o religioso, Raymond Boudon, SP, Editora Unesp, 2017, 298 p., é considerado obra testamentária do pensador francês (1934-2013), tido nos ambientes acadêmicos sérios como um dos mais importantes cientistas sociais contemporâneos, conhecido mundialmente pelas suas pesquisas sobre mobilidade social e desigualdade de oportunidades, também pela defesa do individualismo metodológico. Segundo explicita a orelha do livro, “Boudon realiza uma síntese notável dos temas centrais de sua trajetória intelectual, complementada por uma apreciação da sociologia clássica, procurando dar mais sistematicidade às suas análises, aprofundando a relação entre considerações teóricas e estudos sociológicos quantitativos.”

Decididamente, o livro do Boudon é um livro para não abestados, “de nariz arrebitado”, como dizia minha avó e madrinha Zefinha, de Barreiros – PE, uma semianalfabeta de QI pra lá de arretado!!

 

 

Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 28 de maio de 2018

NOTAS INTERCOMPLEMENTARES

 

PRIMEIRA

De repente, num dia qualquer de um final de dezembro, completou-se o tempo da parição. O casebre era rústico, de taipa e chão de barro batido. No apertado quintal, duas árvores e um pedaço de jornal velho que noticiava estrondoso baile de carnaval, gastos alibabásticos, desbunde total, os vários sexos em desvairamentos faraônicos, tudo em prol das criancinhas de rua da cidade.

A dor apertando mais. Calor brabo, três da tarde, um domingo. Ao lado do magro colchão de palha estendido no chão do único dormitório, a Elisabete, prima também descendente de Aarão, aguardava o instante maior. Possuía tanta bondade que o seu filho João iria anunciar a Boa Nova, de há muito já profetizada por uns santos homens já desencarnados, que pregavam a libertação de todos. Com Maria – a prima parturiente – e os demais familiares, acreditava que um dia os famintos seriam cumulados de bens e os maus ricos despedidos de mãos vazias. Lembrando-se do Papa Paulo VI – “Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos” – orgulhava-se de pertencer a uma associação de moradores, num bairro de classe operária.

Elisabete também sabia que só blá-blá-blá não resolveria problema algum, a solução sempre advindo da organização e da união de todos para a concretização dos sonhos acalentados. Segundo ela, sonhando muitos estavam, embora ficassem restritos aos sonhos, não aceitando críticas, partindo para o desaforamento como se moleques de rua fossem, sem a serenidade das lideranças consolidadas.

A parteira chegara. Os panos e as toalhas, fervidos em caldeirão sobre carvão, a postos. As contrações ampliadas, embora a felicidade muito atenuasse as dores sentidas. Em minutos, Emmanuel exteriorizou-se rapidamente, sendo envolvido em faixas e deitado numas palhas doadas pelos da redondeza, solidariedade presente e sempre atenta aos gritos de fome e de angústia dos desempregados, das prostitutas que terão prioridade de ingresso na Festa de Encerramento e dos chacinados por uma violência desenfreada, efeito maior de uma injustiça cinicamente mantida pelos que controlam um sistema financeiro instalado na contramão da História.

Sadio, Emmanuel chegara. Foi circuncidado no oitavo dia e apresentado ao Chefão de Tudo, conforme recomendava uma cartilha muito lida: “Todo macho que abre o útero será consagrado ao Senhor”. E dos muitos testemunhos, o de Simeão, um velho estivador aposentado por invalidez, foi o que calou mais fundo: “Esse Menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos”.

A aparência luminosa do garoto contagiava. Os vizinhos vibraram com a chegada do Filho da Maria. E prometiam ser d’Ele companheiros de Vida, para a difusão de um amor sem preconceitos, sem opressores, sem ódio e sem medo, onde ninguém fosse menos que ninguém, sem consumismos desenfreados, num agir corajoso e viril, fruto indispensável de uma evangelização essencialmente libertadora.

SEGUNDA

Para quem aprecia estudar vertentes inovadoras nos escritos sagrados, principalmente do Novo Testamento, minorando nossa pequenez diante da grandiosidade infinita da Mensagem do Homão da Galileia, por quem sou fiel seguidor, sempre merecedor da sua misericórdia, tornei-me entusiasta seguidor, de uns anos para cá, após sintonia pra lá de afinada entre a Doutrina Espírita e o Evangelho do Senhor Jesus. Quem lê Jo 16,12-15 – “Tenho ainda muito para vos dizer, mas não podeis agora suportar. Quando vier o Espírito de Verdade, ele nos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo que tiver ouvido, e nos anunciará as coisas futuras. Ele me glorificará porque receberá do que é meu, e vos anunciará. Tudo que o Pai tem é meu; por isso vos disse: ele receberá do que é meu, e vos anunciará.”, logo apreende que as boas novas proclamadas pelo Nazareno e a Doutrina Espírita se integram num todo perfeito, tornando fermento de primeira qualidade para os ainda desatentos às linhas mestras da Mensagem do filho amado de Maria.

Para os que desejam se dedicar aos estudos entrelaçadores entre as Boas Novas e a Codificação elaborada pelo lionês Allan Kardec, recomendaria a leitura-alicerce, sementeira por derradeiro, do livro Um novo olhar sobre o Evangelho, Beatriz Palma de Carvalho Pereira, Capivari, SP, Editora EME, 2013, 372 p. A autora, médica especializada em ginecologia e obstetrícia pela USP, também orientadora do COEM – Curso de Orientação e Educação Mediúnica, tendo trabalhado durante muitos anos como diretora do Serviço Médico e do Serviço de Laboratórios de um hospital para hansenianos.

O objetivo do livro da Beatriz é claro: dar subsídios para que o leitor possa refletir sobre a integração e completude formadas pela leitura dos Evangelhos. Através de uma compreensão cada vez mais acurada dos Evangelhos, através dos esclarecimentos proporcionados pela Dra. Beatriz Carvalho, poderemos nos aprofundar nos ensinamentos transmitidos pelo Nazareno, favorecendo uma militância mais efetiva de todos na construção de um mundo mais pacífico, amplamente voltado para uma fraternidade sem preconceitos nem discriminações. Através do livro, efetivaremos uma jornada repleta de esperança e fé num futuro humano mais dignificante para todos nós.

O livro da Dra. Beatriz Carvalho é dividido em três partes. Na primeira, uma evolução histórica do Cristianismo, dos primórdios do evangelho, onde se destacam quatro parâmetros, também abordando a Missão de Jesus; na segunda parte, aborda-se a divindade de Jesus, a Oração, os principais fenômenos espíritas ocorridos nos tempos de Jesus, a divulgação do Evangelho, a incompreensão dos apóstolos e dos discípulos, a divulgação do evangelho após os primeiros tempos da desencarnação do Nazareno; na terceira parte, explicita-se o sinal do profeta Jonas, efetiva-se uma análise bastante esclarecedora sobre as tentações sofridas pelo Messias, a Santa Ceia, a convocação dos Apóstolos, em anexo uma bibliografia consultada pela autora, onde se destacam um dos trabalhos últimos de Kardec – A Gênese -, o livro Cristianismo e Espiritismo, de Léon Denis, e o excelente Cristianismo: a Mensagem Esquecida, de Hermínio C. Miranda.

No livro da Beatriz Carvalho, quatro capítulos merecem uma atenção bastante acurada dos mais responsáveis: os que analisam/interpretam os quatro parâmetros: a Evolução do Espírito, a Reencarnação, a Comunicabilidade dos Espíritos e a Pluralidade dos Mundos Habitados.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 21 de maio de 2018

RELADO IMORREDOURO - OS MENINOS QUE ENGANAVAM NAZISTAS

 

 

Os livros não técnicos, eu os costumo dividir entre os deletáveis da memória e os que permanecem ao longo do tempo, sempre a estimular uma nova “espiadinha”, pelo conteúdo e pelo estilo sedutor do autor. Para quem gosta como eu de acontecimentos históricos vinculados à Segunda Guerra Mundial, indico com densa emoção um lançamento recente: Os meninos que enganavam nazistas, Joseph Joffo, São Paulo, Vestígio, 2018, 284 p. Uma narração sobre dois ainda não adolescentes, Joseph e Maurice Joffo, 10 e 12 anos respetivamente, judeus, que perambularam sozinhos por várias estradas fugindo da morte, buscando uma zona livre das atrocidades nazistas impostas pelos seguidores alemães e não alemães do assassino psicopata Adolfo Hitler, que imaginava um império de raça ariana pura por mais de mil anos.

Incentivados pelo pai judeu barbeiro, que tinha um conceituado salão num dos bairros da capital francesa, os garotos resolveram seguir os irmãos mais velhos, que já tinham partido poucos meses antes em busca da liberdade.

Antes que fosse tarde demais, o pai dos garotos, ouvindo o relato dos meninos sobre os insultos e agressões sofridos desde quando foram obrigados a usar uma estrela amarela no casaco, reuniu os dois irmãos à beira da cama e principiou uma sincera conversa de despedida: “- Não é uma conversa muito interessante e não teria fascinado vocês por muitas noites, mas vou contar o essencial. Quando era pequeno, bem menor que vocês, eu vivia da Rússia, e na Rússia havia um chefe todo-poderoso chamado tzar. Esse tzar era como os alemães de hoje, gostava de fazer a guerra e tinha imaginado o seguinte esquema: enviava emissários…” E ele complementou, depois de explicar aos meninos o que seriam emissários: “- Ele enviava emissários às cidadezinhas, e, lá, eles reuniam meninos como eu e os levavam para campos onde se tornavam soldados. Davam-lhes uniformes, ensinavam-nos a marchar, a obedecer ordens sem discutir e a matar inimigos. Então, quando atingi a idade que poderia ser pego por esse emissários, meu pai falou comigo como estou fazendo com vocês hoje… Ganhei minha vida, aos 7 anos, escapando dos russos, e podem crer que nem sempre foi fácil. Fiz de tudo um pouco. Juntei neve por um pedaço de pão com uma pá que era o dobro do meu tamanho. Encontrei pessoas boas que me ajudaram e outras que eram ruins. Aprendi a usar tesouras e me tornei cabeleireiro. Andei mundo afora. A mãe de vocês tem uma história parecida com a minha. Todo dinheiro que ganhei foi com meu suor...”

E com a voz embargada complementou: “- Vocês sabem que não podem voltar para a casa todos os dias nesse estado. Sei que sabem se defender e que não têm medo, mas precisam entender uma coisa: quando não se é mais forte, quando se é apenas dois contra 10, 20 ou 100, a verdadeira coragem é deixar o orgulho de lado e dar o fora. Vocês notaram que os alemães estão ficando cada vez mais duros com a gente. Já teve o recenseamento, o aviso no salão, as revistas, hoje a estrela amarela, amanhã seremos presos.” E concluiu, sem perder a calma aparente: “- Agora, vocês vão guardar bem o que vou lhes dizer. Vão partir esta noite. Vão pegar o trem até a estação de Austerlitz, e lá conseguirão uma passagem para Dax. Em Dax, terão de atravessar a linha. É claro, não terão documentos para passar, terão de se virar… Finalmente, precisam saber de uma coisa. Vocês são judeus, mas nunca admitam isso. Entenderam? NUNCA!

E foi então que aconteceu o último teste. O pai chamou Joseph e indagou dele se ele era judeu. Ouvindo um “não” de resposta, estapeou fortemente o rosto do menino, embora nunca tivesse batido neles antes. E esbravejou: – Não minta! Você é judeu, Joseph? E diante de uma contundente nova resposta “não”, o pai declarou emocionado, alto e bom som: “- É isso. Acho que está tudo claro agora.” E foi então que as duas crianças, Joseph e Maurice, perceberam que suas infâncias estariam terminadas daquela noite em diante.

O que se segue, peripécias mil, bondades recebidas e artimanhas arquitetadas, além de mil e uma firulas para sobrepujar as sacanagens engendradas pelos “sabidos”, torna a leitura do livro inesquecível, favorecendo a nossa convicção de uma existência de uma solidariedade universal surge de onde menos se espera, favorecendo o caminhar da humanidade para uma fraternidade que consolidará definitivamente a Criação.

Seguramente, uma autobiografia repleta de muita espontaneidade, gigantesca ternura desfricotada e um humor judaico que bem comprova a superação dos momentos mais sombrios, quando se está a exigir ponderações dos mais variados calibres, inclusive uma fé inquebrantável nos destinos redentores do Ser Humano.

Vale a pena dar uma espiadinha leitural cidadanizadora. Para melhor entender a supimpa advertência do romancista francês Victor Hugo, autor do famoso romance Os Miseráveis: “Quem poupa o lobo, sacrifica a ovelha”.

 

 

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 14 de maio de 2018

NOTAS VÁRIAS

 

  1. Contendo uma quase completa biobibliografia do autor, o Bê-a-Bá de Pernambuco do meu saudoso amigo Mauro Mota está repleto de notáveis apontamentos. Quem é que sabe, por exemplo, que Pernambuco vem de Paranã-puka, denominação dada pelos caetés à abertura feita pelas águas nos arrecifes do nosso porto natural? Quem é que sabe que Jerônimo de Albuquerque carregava o apelido de Adão Pernambucano, tamanho era o número de amantes e filhos? O livro de Mauro Mota faz justiça histórica ao nosso passado. Diz ele, sempre comprovando com referências e dados, que Pernambuco ostenta inúmeros pioneirismos em relação ao Brasil: a primeira igreja, a de São Cosme e São Damião, em Igarassu; o primeiro estudo científico de história natural de uma região; o primeiro observatório astronômico; o primeiro zoo botânico; o primeiro drama representado em teatro público; a primeira cidade do continente a ter um plano de urbanização; os primeiros sobrados de sete andares; a única ponte giratória; a primeira assembleia legislativa, a câmara dos escabinos, criada por Maurício de Nassau. No Bê-a-Bá poderemos constatar como nós utilizamos palavras africanas. Muitos nem imaginam que bunda é uma palavra africana. Como inúmeras outras do nosso cotidiano: banana, angu, samba, mucambo, garapa, cabaço, fuzuê, mulungu, bugiganga e carimbo. Além de moleque, mulungu, caçula, cafuné e cambada. O livro trata com muito carinho da mais importante revolução do Brasil colonial: a Revolução Pernambucana de 1817. Sentimento nativista repleto de batinas rebeldes, comandado pelos freis Arruda Câmara e Caneca, dois carmelitas, capazes de meter carreira em capeta metido a besta. Mas também não esqueceu Mauro do papel desempenhado pelo Clube do Cupim, reduto de abolicionistas. E não se descurou o poeta de analisar o rosismo, os borbistas e os dantistas, além do fenômeno do cangaço, desde o banditismo mais cruel até o pitoresco, lembrado por ele, quando da ocasião da visita de parente e amigo a um que se encontrava recolhido à Casa de Detenção:

– Pruquê os sordados te pegaro,cumpadre ?

– Injustiça, injustiça. Misera dos homem, cumpadre. Matei cinco pro coroné, não me aconteceu nada. Pru caso do primêro que matei pra mim, tou aqui.

2. Empresários, sindicalistas, homens públicos, líderes comunitários, militares e religiosos estão percebendo que o apenas mais-ou-menos é muito pouco. Fazer o melhor, eis o mote para se sair de uma situação de bancarrota, sempre se assessorando nos melhores talentos, eticamente vocacionados. É chegada a hora da reinvenção de empresas, empresários, homens públicos e lideranças as mais diversas. Todos com a certeza de que, numa sociedade que se informatiza, acelera-se a urgência de fecundas ultrapassagens, na linha de frente se firmando uma inadiável qualidade de vida para todos.

3. Receio pelo momento presente do país. Das desesperanças transformadas em explícitas desobediências civis. Dos falsos moralismos dos puritanos, eternos donos das verdades mais absolutas. Dos eu-não-disse?de uma esquerda incompetente, messiânica, sem proposta nem criatividade, aferrada a dogmas ultrapassados. De uma direita sempre a contemplar o próprio umbigo, viciada em retrocessos para se manter na ponta dos cascos, esmagando tudo e todos. Tenho ojeriza dos eternos inquisidores, jamais construtores, que cascavilham para chafurdar, nunca para esclarecer. Dos criquentos mexeriqueiros, que vivem colocando defeitos e deficiências nas empadas dos outros, vendo em tudo mil maracutaias. Dos sem imaginação, que sonham com novas intervenções militares no cenário nacional, para novamente arrostar equinos pendores civis. E das bestas do apocalipse que anunciam o fim do mundo pelo fogo eterno dos infernos.

4. Muitos estão cientes de que “em casa onde não há pão, todos gritam e ninguém tem razão.” Quando os níveis de desemprego se agigantam e os “bicos” tornam-se mais escassos, os roncos estomacais se avolumam, incomodando famintos e saciados, os últimos ainda desatentos para a lição histórica: “quem semeia ventos colhe tempestades.” E as tempestades são más conselheiras, atraem patas e chibatas, messianismos autoritários e autoritarismos messiânicos, independentemente de classes sociais. O “maldito” Wilhelm Reich, em 1942, já repetia incessantemente: “A psicologia marxista, desconhecendo a psicologia de massas, opôs o burguês ao proletário. Isso é psicologicamente errado. A estrutura do poder não se limita aos capitalistas, atinge igualmente os trabalhadores de todas as profissões. Há capitalistas liberais e trabalhadores reacionários. O caráter não conhece distinções de classe.

5. Muito deve amedrontar as massas profissionalmente desqualificadas, bucha de canhão para mistificadores e falsos profetas. “Para quem não sabe ler, um pingo é letra” e “Para o mau oficial nenhuma ferramenta presta“, complementam-se magnificamente, retratando uma tragédia educacional, a brasileira, que é consequência direta das desatenções de toda elite dirigente para com um efetivo processo integrado de cidadania, prioridade das prioridades de qualquer planejamento governamental estratégico digno de confiança. Para toda sociedade elitista e autofágica, outros provérbios deveriam calar bem fundo, alertas para os que desejam um amanhã brasileiro menos truculento: “Antes prevenir do que remediar”, “Para grandes males, grandes remédios”, “O barato sai caro”, “Do prato à boca, perde-se a sopa”, “Não se deve gastar vela com mau defunto.” Para homens e mulheres que da vida só desejam sombra e água fresca, sempre pendurados nas costas dos que trabalham para sustentar pão, família e ambiência, recomenda-se a leitura, e memorização, das seguintes advertências: “Quem não pode com a mandinga não arrasta patuá”, “Quem o alheio veste, a praça o despe”, “O pote tanto vai à bica que um dia fica.” E que não venham mais com aquela historinha de que “Quem come a carne que roa os ossos”, posto que já existe muita pastilha boa contra azia e má digestão, ninguém mais sendo obrigado a conviver com comida estragada.

Somos um país naturalmente vocacionado para uma irreversível liderança continental. E pouco a pouco vamos percebendo, todos os mais responsáveis, que os oportunismos populistas não beneficiam ninguém. Nem faraós nem tupiniquins. Tampouco fiéis e ateus. Necessário apenas não deixar para amanhã o que se pode alertar hoje. A nação brasileira fascinará o mundo inteiro, estou convencido. Um dia, breve embora não muito ainda, a maturidade da convivialidade comunitária preponderará. Aí todos perceberão que somente sobreviverão se todos agirem como se fossem brasileiros consequentes, cada um dominando plenamente a cartilha dos seus direitos e dos seus deveres. Quem viver, vivenciará.

 

 

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 30 de abril de 2018

PENSAR PARA SABER VIVER
 

Um fato, ocorrido anos atrás, me deixou com uma vontade imensa de ver disseminado pelas nossas escolas brasileiras, nas suas últimas séries do Ensino Fundamental. O acontecido foi o seguinte: numa viagem de férias com seus rebentos, pais propuseram a um professor de Filosofia que ministrasse um Curso de Filosofia, descomplicadamente ou eruditês, tampouco palavras complicadas. A excursão foi um sucesso, o prazer tornando-se imbricado com uma melhoria do saber do grupo, favorecendo uma convivialidade pra lá de ótima.

Concluído o passeio inesquecível, propuseram ao professor que transformasse em livro os rascunhos expostos, posto que nas livraria nada existia de equivalente. O resultado foi o livro Aprenda a viver – filosofia para novos tempos, de Luc Ferry, RJ, Objetiva, 2ª. ed. em 2010, 240 p. Um sucesso editorial que precisaria ser difundido nas escolas brasileiras, públicas e particulares, ministrado por pessoal animador bem capacitado, objetivando favorecer o entendimento sobre as grandes questões que marcaram a história do pensamento mundial, sem obscuridades nem academicismos, servindo de ponto de partida para leituras reflexivas mais densas, a favorecer um pensar construído através de um universo de ideias que alicerçassem um caminhar pessoal/profissional compatível com os desafios contemporâneos.

Seu autor, Luc Ferry, foi Ministro da Educação da França, que escreveu o livro voltado para um público não especialista, sempre em busca de um alicerce que favoreça um desabrochar intelectual compatível com as atuais “pedras do caminho” que impossibilitam um caminhar racional, profundamente iluminador, sem ilusionismos nem constrangimentos impostos por dogmas de todas as vertentes.

O livro está dividido em seis capítulos: 1. O que é a filosofia?; 2. Um exemplo de filosofia antiga. O amor à sabedoria segundo os estoicos; 3.A vitória do cristianismo sobre a filosofia grega; 4. O humanismo ou o nascimento da filosofia moderna; 5. A pós-modernidade. O caso Nietzsche; 6. Depois da desconstrução. A filosofia contemporânea.

O Luc Ferry, um não-materialista, escrevendo um livro com seu dileto amigo André Comte-Sponville, materialista, revela: hoje, “graça a André, compreendi a grandeza do estoicismo, do budismo, do spinozismo, de todas as filosofia que nos convidam a ‘esperar um pouco menos e amar um pouco mais’. E compreendi também o quanto o peso do passado e do futuro estraga o gosto do presente e até gostei mais de Nietzsche e de sua doutrina da inocência do devir. Nem por isso me tornei materialista, mas não posso mais dispensar o materialismo para descrever e pensar algumas experiências humanas. Em sumo, acredito ter alargado o horizonte que era o meu até algum tempo atrás”.

Para os que estão no Ensino Médio, concluído o livro do Ferry, recomendo também um outro livro bastante esclarecedor, repleto de contemporaneidade: Filosofia – Construindo o Pensar, volume único, Doris Incontro/Alessandro Cesar Bigheto, 3ª. ed., SP, Escala Educacional, 2010, 424 p. O objetivo principal dos autores é “incentivar a construção do pensamento do leitor, a partir de um diálogo não só com grandes filósofos, mas também com artistas, cientistas, religiosos, teóricos sociais e outros. O livro é composto de três partes: Filosofando, composta de 12 capítulos temáticos; Pequena história da Filosofia Ocidental; Dicionário de filósofos, com uma breve referência biográfica de 133 filósofos. Os capítulos temáticos são os seguintes: 1. Filosofia, o que é? Como, porque e para quê?; 2. Ser ou não ser? Eis a questão!; 3. Deus, uma dúvida, uma certeza ou uma negação?; 4. Temos certeza do que sabemos?; 5. Santos e vilões: o bem e o mal existem?; 6. O ser humano: projeto e condição; 7. Se eu vivo, logo existo?; 8. Se morro, logo não sou?; 9. O poder: um mal necessário?; 10. Quem quer um mundo diferente? 11. Por uma Filosofia do diálogo; 12. Amor, coisa do corpo ou da alma?

Os autores alertam os mais desavisados: A Filosofia não é um conhecimento como a Matemática, exato, preciso, indiscutível; trata-se de um conhecimento interpretativo. E concluem que é muito mais honesto declinar nossa visão que nos vestir de ares de uma neutralidade impossível.

Os dois livros acima, para os que se sentem ainda semi-analfabéticos que nem eu, seguramente proporcionarão “uma conclusão benéfica: toda filosofia resume em pensamentos uma experiência fundamental da humanidade, como toda grande obra artística ou literária traduz os possíveis das atitudes humanas nas formas mais sensíveis”.

Ler Filosofia é cidadanizar-se mais solidariamente com um mundo que está a carecer de muito mais humanismo e muito menos fome.

PS. Para quem deseja ampliar sua enxergância e suas convicções ideacionais, recomendo um texto profundamente desabestalhador: Como Pensar sobre Grandes Ideias, Mortimer J. Adler, São Paulo, É Realizações, 2013, 574 p. Uma leitura muito sedutora que nos orienta sobre um monte de coisas que estão obscurecendo a mente de comunidades inteiras, que ignoram como pensar civilizadamente, inclusive sobre o Amor, a Liberdade, a Justiça, o Trabalho, sobre Democracia e o Progredir, sabendo bem diferenciar entre Lazer e Diversão.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 23 de abril de 2018

ESCLARECIMENTOS VALIOSOS - MEDIUNIDADE: TIRE SUAS DÚVIDAS

 

 

Para quem dá os passos primeiros na Doutrina Espírita e deseja ampliar seus conhecimentos sobre os seus fundamentos, recomendo a leitura de um livro bastante aplaudido nos quatro cantos do país: Mediunidade – tire suas dúvidas, Luiz Gonzaga de Souza Pinheiro, Capivari (SP), Editora EME, 2016, 192 p., já na sua 16ª. reimpressão. O autor é um professor de Ciências e de Matemática da rede pública cearense, engenheiro graduado da UFCE, atuando há mais de três décadas no movimento espírita daquele estado, também sendo escritor, palestrante e dirigente de estudos doutrinários, sendo um dos fundadores do Projeto VEK, curso de Espiritismo por correspondência em quatro idiomas, com alunos matriculados no Brasil e no exterior.

Por indicação de ex-colega do Colégio Marista, a leitura do livro do Luiz Gonzaga me deixou plenamente satisfeito e apto para seguir adiante nas minhas reflexões sobre o assunto, favorecido pelas orientações recebidas dos orientadores da Casa dos Humildes, da qual sou trabalhador e que me tem proporcionado momentos de alegrias e muitas solidariedades, além de amizades sementeiras para todo o sempre.

Recentemente, tomei conhecimento do Projeto Manoel Philomeno de Miranda, criado no mês de maio de 1990, em Salvador, Bahia, tendo por finalidade dar apoio e treinamento aos trabalhadores da Área Mediúnica dos Centros Espíritas brasileiros, efetivando seminários, encontros e outros eventos correlatos. Sediado no Caminho da Redenção, na Bahia, seu nome homenageia Manoel Philomeno Batista de Miranda, cujas atividades doutrinárias sempre foram direcionadas para as áreas da obsessão e da desobsessão.

No campo editorial do Projeto, deparei-me com o livro Qualidade na Prática Mediúnica, 2012, 176 p., contendo 103 indagações diversas sobre o assunto, onde respondem Espíritos, Divaldo Franco e os responsáveis pelo Projeto. Extraí do livro seis questões, expostas abaixo, que bem complementam as dúvidas esclarecidas pelo Luiz Gonzaga de Souza Pinheiro, acima citado. Tudo embasado no objetivo ditado por Allan Kardec no texto que tem como subtítulo Guia dos médiuns e dos evocadores: “Dirigimo-nos ao que veem no Espiritismo um objetivo sério, que lhe compreendem toda a gravidade e não fazem das comunicações com o mundo invisível um passatempo”.

1. O afloramento da mediunidade tem época para acontecer? Resposta: – Espontaneamente, surge em qualquer idade, posição social, denominação religiosa ou ceticismo no qual se encontre o indivíduo.

2. Em síntese, qual o conceito chave para dignificação do compromisso mediúnico? Resposta: – A mediunidade, para ser dignificada, necessita das luzes da consciência enobrecida. Quanto maior o discernimento da consciência tanto mais amplas serão as possibilidades do intercâmbio mediúnico.

3. Qual o tempo de duração de uma prática mediúnica? Resposta: – Um tempo ideal para a prática mediúnica é de noventa minutos, incluindo-se a preparação com as leituras doutrinárias que, por princípio de disciplina, não devem ser alongadas.

4. Focalizando agora o doutrinador, quais os padrões de qualidade que deverão guiá-lo no exercício de suas funções? Resposta: – A primeira consideração é que o médium doutrinador tem um perfil próprio que o deve caracterizar. E a tônica principal dentro desse perfil deverá ser a racionalidade, o que não significa frieza, mas base na qual vai apoiar-se no caminho das ideias, para expressar o seu trabalho num clima de segurança e estabilidade emocional capaz de infundir confiança naqueles que atende. No doutrinador, o comportamento moral é essencial, a única via capaz de estabelecer a sintonia com os Mentores Espirituais e a única força capaz de infundir respeito aos espíritos rebeldes, ignorantes, primitivos, desarvorados, que são trazidos para receberem as terapias específicas. Além disso, exige-se-lhe um largo conhecimento doutrinário e do Evangelho pois que estes serão a fonte supridora de onde emanarão suas orientações.

5. Durante a doutrinação, devem-se fornecer muitas informações doutrinárias à entidade sofredora que se manifesta? Resposta: – Não. Essa é uma particularidade que devemos ter em mente. Quanto menos informações forem dadas, melhor. Os espíritas, com exceções, é claro, têm um hábito que não se coaduna com essa atividade: o de usarem vocabulário específico da Doutrina, esquecendo-se de que nem todo espírito que se comunica é um adepto do Espiritismo, capaz de conhecer os seus postulados. Por exemplo, comunica-se um espírito e se diz a ele: – Você está desencarnado. Ele não tem a menor ideia do que a pessoa está falando. Outro exemplo: – Você precisa afastar-se dos médiuns, desligar-se. Devemos nos lembrar sempre de que esse é um vocabulário específico da Doutrina Espírita que somente pode ser entendido por espíritas praticantes.

Por fim, recomendações outras são oferecidas aos doutrinadores iniciantes. Algumas delas, por demais indispensáveis:

– Usar sempre um tom fraternal, jamais piegas.

– Não pedir calma, aos primeiros estertores do espírito necessitado. A expressão “tenha calma, tenha calma…” pode inibir a explicitação de um problema.

– Não usar expressões como “venha com Deus” ou “venha na paz de Deus”, chaves que não levam a lugar nenhum.

Os dois livros acima são amplamente recomendáveis para todos aqueles que, caminhantes novos, buscam seguir a Doutrina Espírita, aprendendo mais para servir ao Senhor Jesus cada vez mais solidariamente com os menos afortunados.

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 16 de abril de 2018

SOBREVIVENDO AOS AMANHÃS

Confesso que fiquei bastante interessado com um livro visto recentemente numa exposição. Manuseando-o, o texto despertou-me curiosidades múltiplas, tanto pelo tema como pela autora, uma paranormal que foi jornalista política, responsável pela cobertura das administrações presidenciais de Roosevelt até Lyndon Johnson, atualmente residindo na cidade de Naples, no Estado da Flórida.

Qual o tema de Ruth Montgomery e por que ele é deveras impressionante? Simplesmente pelas fantásticas previsões dos guias espirituais que com ela convivem sobre os futuros planetários próximos. O livro intitula-se O Mundo Futuro, foi editado pela Editora Pensamento-Cultrix, São Paulo, contendo 144 páginas.

Numa Introdução, a autora revela que trabalhava em Washington, em 1960, quando teve os primeiros contatos com o mundo psíquico, pois até então não sabia absolutamente nada de fenômenos do além daqui. Um dia recebeu um convite de uma cunhada para acompanhá-la numa sessão espírita em St. Petersburg, Flórida, convite aceito com relutância. A sessão transcorreu com o recebimento de mensagens por demais interessantes, que justificariam reportagens sobre o assunto. Autorizada pelo presidente da International News Service (INS), a autora produziu matérias jornalísticas publicadas em centenas de jornais, proporcionando reações favoráveis dos leitores, tudo mais tarde transformado num livro intitulado Em Busca da Verdade.

Por ocasião do lançamento do livro-reportagem, Montgomery tinha conhecido Artur Ford, um famoso médium que havia decodificado o código do aclamado mágico Houdini. Acertando com ele uma entrevista, Ford conseguiu incorporar o espírito do pai da autora, revelando para ela fatos sobre os quais o Ford jamais poderia ter conhecimento. Na ocasião, Ford lhe disse que os espíritos lhe comunicaram que ela se encontrava capacitada para exercer a psicografia.

Resolvida a manter contatos com o além, Ruth Montgomery sentava-se diariamente na sua escrivaninha, meditando com um lápis na mão. Após várias dias de nenhuma ocorrência, certa feita seu lápis desenhou um lírio, escrevendo a palavra Lily com um floreio, o papel informando ainda que dali por diante receberia comunicações daquela entidade. Daquele dia em diante, Montgomery principiou a receber belas mensagens filosóficas, inclusive de acompanhante da própria Lily, que lhe ditaram cerca de quinze livros, o próprio Arthur Ford juntando-se ao grupo depois de desencarnado.

Certa manhã, antes de principiar a escrever as mensagens recebidas, Ruth recebeu uma mensagem que lhe ordenava: “Nós que mandamos ir para a máquina de escrever”. Com uma explicação: os informes estavam ficando de leitura difícil, dada a rapidez com que se desenvolviam. Foi então que Ruth Montgomery desenvolveu uma psicodatilografia, os Guias sempre informando que a morte não nos conduz a uma outra nova existência. O que acontecia era tão somente mudança de vibrações.

Nos seus textos, Montgomery ressalta a existência de Walk-ins (aqueles que entram). Espíritos desenvolvidos que podem voltar à Terra no corpo de pessoas adultas, não mais de bebês, trocando com almas que desejam partir, não mais desejando conservar a centelha da vida.

Certa feita, durante uma consulta de rotina com seu médico, Dr. Spano, este perguntou se ela já havia tido conhecimento de uma pessoa por ela chamada, no livro, de Marshall Brown. Num papel de receita, o próprio médico escrevera: “Há algo que eu deva saber acerca de Marshall Brown, médico”.

Imaginando-se posta à prova, Montgomery resolver consultar seus Guias, recebendo a seguinte resposta: “Diga a Joe Spano que o outro médico tem uma doença rara cujo tratamento específico é difícil de determinar. Como você sabe, nós não somos médicos, mas esse homem, que é muito bom, precisa da ajuda de especialistas para fazer seu diagnóstico. Joe Spano é uma alma muito antiga que é capaz de entrar dentro de si e sair com boas intuições; e por isso, ele será de grande ajuda a quaisquer especialistas que venham a ser chamar a cuidar do caso.”

Tempos depois, numa nova consulta de rotina, o Dr. Joe Spano me disse: “Aquela informação que a senhora me trouxe estava corretíssima, absolutamente correta.”

Recomendaria, neste primeiro quadrimestre de 2018, aos que farão brevemente vestibulares sérios para serem eticamente competentes, uma leitura de um texto elaborado com muito esmero pelo Dr. Juvenal Savian Filho, PhD pela USP e pós-Doctor pela Universidade de Paris, atualmente docente na Universidade Federal de São Paulo, desde 2006. Seu livro Filosofia e filosofias: existência e sentidos, BH, Autêntica, 2016, 400 p., elaborado para estudantes pré-universitários do Segundo Grau de Ensino, é uma bem estruturada desconstrução para todos aqueles que buscam compreender o sentido da existência, desde o comportamento humano até as manifestações políticas, a postura ética, o conhecimento e as diferenciadas interpretações da realidade atual, inclusive a experiência religiosa, a irreligiosidade e o ateísmo, estabelecendo traçados concretos para a edificação de um conhecimento humano compatível com os desafios atuais, sem as nostalgias que anestesiam e desenobrecem o ser humano. E que traz, logo em suas primeiras páginas, uma notável advertência de Charlotte du Jour: “É preciso, acima de tudo, basear-se na observação daquilo que está escondido dentro do seu ‘eu’ interior.”


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 09 de abril de 2018

PARA ANTENAÇÕES DE JOVENS E ADULTOS

Em Gravatá, onde descansei no Portal durante a última Semana Santa, um papo para lá de nada comum aconteceu com um casal catarinense de recém casados que curtiam lua-de-mel, extasiados com a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, a cada ano mais memorável.

Ambos arquitetos, ela 30, ele 29, simpaticíssimos e de nível cultural nada desprezível, efetivaram algumas perguntas, identificados como espíritas que nem nós, de família dirigente de um Centro de Desenvolvimento de Estudos e Análises Kardecistas, sediado a uma dezena de quilômetros da capital do estado.

Um dos autores mais estimados por todos nós foi J. Herculano Pires, um nascido em setembro de 1915, na antiga Província do Rio Novo, hoje Província de Avaré, Zona Sorocabana, São Paulo, desencarnado em março de 1979, tendo exercido por mais de trinta anos funções diversas nos Diários Associados, também sido colaborador muito próximo de Chico Xavier. Seu objetivo único existencial era o de comunicar ao seu derredor o que achava necessário, da melhor maneira possível, embora não tivesse vocação literária nem integrasse qualquer escola de letras, auto classificando-se como um grafomaníaco, um que escreve dia e noite. Graduado em Filosofia pela USP, publicou uma tese denominada O Ser e a Serenidade, editada pela Paidéia, onde reconduz o Existencialismo às suas perspectivas espirituais, abrindo nova frente, a do Existencialismo Interexistencial. No livro, por acaso nas mãos do casal, uma das “bofetadas” do Herculano: “Há mais serenidade no homem que defende com entusiasmo e calor os seus princípios do que no indivíduo falacioso, que procura serenamente as suas evasivas. É mais sereno o murro de uma verdade na mesa, do que o palavreado untuoso da mentira na boca de um santo de artifício”.

A partir do livro do J. Herculano Pires, concordou-se com o exagerado nível de despreparo da Doutrina Espírita entre os que se dizem integrantes de uma comunidade kardecista. Talvez os escritos “volumosos” do Allan Kardec sejam de leitura cansativa para jovens e adultos desacostumados, muitos custosos e de assimilação intelectual impeditiva para quem ainda incapacitado aos desafios do pensar mais complexo da nossa época.

Com a concordância geral, uma segunda etapa foi iniciada: a de indicações que favorecessem a ampliação da cognitividade de jovens e adultos. A partir do livro notável do Herculano, O Centro Espírita, Paidéia, 1980, algumas indicações foram surgindo, no final resultando numa mini-bibliografia pontapé inicial, que proporcionaria uma bagagem alicerce que favorecesse um crescimento intelectual capaz de ampliar habilidades diversas num Centro Espírita, evitando-se, segundo Herculano, “o carimbo da Igreja que marcou fundo a nossa mentalidade. Mais que a subnutrição do povo, com seu cortejo trágico de endemias devastadoras, o igrejismo salvacionista depauperou a inteligência popular, com seu cortejo de carreirismo político-religioso, idolatria mediúnica, misticismo larvar, o que é pior, aparecimento de uma classe dirigente de supostos missionários e mestres fariseus, estufados de vaidade e arrogância.” E ele ainda denuncia sem papas na língua: “Toda essa carga morta esmaga o nosso movimento doutrinário e abre suas portas para a infestação do sincretismo religioso afro-brasileiro, em que deuses ingênuos da selva africana e das nossas selvas superam e absorvem os antigos e cansados deuses cristãos.”

Eis as indicações eleitas pelos dois casais presentes:

1. Espiritismo para Jovens: a história de Jesus e o Livro dos Espíritos, para iniciantes da doutrina espírita,Eliseu Rigonatti, São Paulo, Pensamento, 2018, 454 p. O livro está dividido em duas partes. Na Parte I, aHistória de Jesus e a Doutrina Espírita através das Parábolas, contada por Lina, uma morena que deixava a criançada entusiasmada, ela sempre disposta, depois do jantar, a entreter os pixotes com sua voz doce e mansa, até o relógio da matriz bater oito horas, chegada a hora de cada um se recolher aos seus cantinhos. Narrativas entremeadas de contos, poesias e mil e uma curiosidades que esclareciam os pontos principais de O Livro dos Espíritos, a obra basilar da filosofia espírita. Na parte segunda, 43 aulas sobre o Livro dos Espíritos, a primeira história denominada “O Balaio”, mostrando a iniciativa de dois irmãos, na busca de um casaco de presente para o pai amado.

2. Educação e Espiritualidade – Interfaces e Perspectivas, Dora Incontri (organizadora), Bragança Paulista, SP, Comenius, 2010, 422 p. Composto de 25 palestras desenvolvidas no 1º. Congresso Internacional de Educação e Espiritualidade, efetivado em setembro de 2010 no Centro de Convenções Rebouças, São Paulo, estruturado pela Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, com o apoio da Universidade Santa Cecília. A 25ª. palestra, A Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro, é de autoria da organizadora, que detalha o nascimento da pesquisa espírita no Brasil no Colégio Allan Kardec, de autoria de Eurípedes Barnasulfo (1880-1918), a partir da qual surgiram mais de cem escolas fundadas pela educadora espírita Anália Franco (1853-1919), no Estado de São Paulo, onde se praticava um pluralismo étnico e religioso. A bem da verdade, revele-se que a formulação teórica da Pedagogia Espírita só foi devidamente identificada por José Herculano Pires, quando ele publicou os primeiros trabalhos em 1955. A leitura dos ensaios do livro organizado pela educadora Incontri faz desmoronar preconceitos e cavilações, favorecendo uma convivencialidade fraternal entre as mais diversas concepções religiosas, provocando uma ambiência inter-religiosa entre saberes, onde todos podem manifestar suas opiniões e princípios.

3. Filosofia: construindo o pensar, volume único, Dora Incontri / Alessandro Cesar Bigheto, 3ª. ed., São Paulo, Escala Educacional, 2010, 448 p. Direcionado para o Ensino Médio, destina-se a fazer compreender a urgente necessidade de aprender a saber apreender, favorecendo a construção de exposições consistentes, que possuam capacidade de serem bem assimiladas. Divide-se o livro em duas partes. Na primeira – Filosofando – busca-se entender alguns significados existenciais e questionamentos que incomodam e desfavorecem, se não devidamente esclarecidos. Na segunda – Contando a História – retrata com pinceladas consistentes, os ontens filosóficos e os amanhãs que se descortinam, inclusive em nosso país. Em anexo, um Dicionário de Filósofos, com informações sucintas dos principais pensadores da História da Humanidade. Inclusive alguns ainda vivos, militantes pacifistas.

4. O Ser e a Serenidade – Ensaio de ontologia interxistencial, 4ª. ed., J. Herculano Pires, SP, editora Paidéia, 2008, 152 p. O autor, focando o problema do existencialismo espírita, oferece uma reflexão sobre o problema do Ser. E analisa com acuidade a trilogia da Serenidade: 1. Procurar sempre a perfeição; 2. Nunca se deixar abater; 3. Elevar-se acima das circunstancias. Uma leitura que deve ser efetivada com muita vagareza, a mente sempre voltada para um além-vida, onde nas ondas das conjunturas históricas salvar-se-ão os bons nadadores, que poderão também salvar todos os demais, onde serenidade é bastante diferente de simples inquietação, esta significando um vazio eivado de impulsos aparentemente inexplicáveis.

As indicações acima somente favorecem uma pensação (pensamento com ação) que consolide a passos largos os laços fraternais de toda comunidade kardecista evangelizadora.

 

Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar sexta, 06 de abril de 2018

O HOMÃO DA GALILEIA

 

Filho muito amado de pais extremosos, era de profissão carpinteiro, idêntica a do genitor. Uma atividade que requeria saber escrever bem e fazer cálculos com precisão, requisitos básicos para o exercício de uma especialidade tida e havida, à época, como “de referência”.

Mesmo sem ter deixado nada rascunhado, possuía esmerado trato, consolidado na escola rabínica de Nazaré. Uma educação sinagogal, que lhe proporcionou uma formação apropriada de homem e de judeu, da parte não aristocrática de um povo convicto de ter sido eleito por um Deus tido como único.

Percebia-se escolhido para renovar a Aliança, tendo sido ungido como um não integrante dos meios sacerdotais. Mas que estaria possuidor de um selo de aprovação já anunciado com antecedência de muitas centenas de anos.

Atuando num movimento liderado por um primo próximo, de nome João Batista, depois do assassinato deste constituiu grupo próprio, nele tornando-se Mestre, batizando até mais que o próprio parente e sempre apregoando rupturas dos modos de ser e de viver dos que persistiam em continuar sobrevivendo apenas sob a Lei.

Em suas andanças e falas, favorecia reencontros substantivos com os fundamentos judaicos, que deveriam renascer para o Pai, mesmo que da Lei não se retirasse sequer uma vírgula. Com falas, gestos concretos e proposições, jamais deixou de expressar o mais puro ideal judaico, sempre a reconhecer urgência de uma restauração imediata nos princípios basilares.

Apregoando que o Vento soprava onde bem desejasse se manifestar, assegurava que somente os que praticassem a Verdade poderiam ver a Luz, confirmando sem restrições o transmitido pelo Deus de Abraão, Isaac e Jacó.

Sem intenção alguma de julgar quem quer que fosse, encontrava-se ciente sobre a identidade de quem o tinha enviado e de para onde deveria ir, jamais renegando suas tarefas de ser Luz do mundo para os que pelejavam por vida, e vida em abundância.

Convivendo com as mais diferenciadas categorias sociais, somente irava-se ao extremo com os hipócritas, aqueles fingidos que se travestiam do que não poderiam ser. E reiterou, em incontáveis ocasiões, que jamais rejeitaria os que dele se aproximassem, buscando novos comportamentos e saudáveis agires.

Ungido certa feita, e por uma vez segunda, com nardo puro, perfume importado de grande valia, recomendou que se guardasse uma certa quantidade para o dia do seu sepultamento, quando regressaria para o seio de quem o havia enviado como um mais que notável profeta.

Portando um ideário intrinsecamente evolucionário para a sua época, o Homão da Galileia desabridamente anunciava que nenhum escravo é maior que o seu senhor, como nenhum mensageiro seria maior do que o remetente, nunca desmerecendo sua condição de filho de Deus obediente.

Sem complexos de superioridade, inúmeras vezes repetiu, para os ensurdecidos de então, que todos aqueles que tivessem fé fariam coisas mais surpreendentes que as dele. E que ainda fariam bem maiores que as por ele produzidas.

Em múltiplas oportunidades, condoeu-se dos cegos, coxos e prostitutas, exteriorizando entusiasmo pela fé demonstrada por todos eles, seres humanos que não recebiam qualquer simpatia dos social e eclesiasticamente bem aquinhoados de então.

Não admitia a serventia simultânea a dois senhores, Deus e Dinheiro, anunciando que o amanhã já comportava suas próprias preocupações. E no seu dia-a-dia de militante, garantia recompensa a quem oferecesse ajuda, nem que fosse um simples copo d’água fria, aos rejeitados da sociedade.

Aos que o classificavam de beberrão e comilão, louvava aos céus por somente proporcionar esclarecimentos mais significativos aos menorzinhos e aos que em nada se assemelhavam aos fundamentalistas de plantão.

Enalteceu os verdadeiros, dando como exemplo aquela viúva empobrecida que contribuiu com duas moedinhas numa coleta de dízimos. E para os que jejuavam, recomendava uma boa lavagem de rosto, tornando-o o mais alegre possível, para que ninguém pudesse constatar neles os sacrifícios praticados.

Durante um bom tempo, quase três anos, o Homão da Galileia esperanças concretas semeou, como bom médico que buscava curar os não sarados, nada exigindo além de muita solidariedade de uns para com os outros. Como um não exclusivista credal, através de parábolas e relatos que favoreciam uma rápida memorização, transmitia boas novas, anunciando a chegada próxima do Reino no íntimo de cada um. Demonstrando ainda aos incrédulos como saciar a fome de muitos mediante uma organização social compatível com a dignidade de todas as coisas, quando todos poderiam se alimentar dignamente.

Em momento algum, o Homão da Galileia exigiu carteirinha institucional de qualquer dos seus admiradores, até prometendo estar sempre presente nos pequenos grupos que o reverenciassem. Sem brabezas, soube diluir no vazio o pleito de uma mãe obsessiva que cabalava lugares privilegiados para dois dos seus filhos, na mesa diretora do escritório do além-daqui.

Ajuntador especial de mentes e corações, bom semeador de palavras, o Galileu alertava que o egoísmo corrói toda grandeza d’alma, dilapidando as candeias individuais que deveriam, solidárias, iluminar as veredas e os descampados das estruturas cósmicas. E de vez em quando repetia Isaías, um dos seus profetas preferidos, aquele mesmo que denunciava sem contemporizações os que oravam apenas da boca para fora, muito distanciados do coração, considerando os ensinamentos religiosos apenas rituais ditados por alguns de outras eras.

Percebendo-se na reta final de sua estadia terrestre, anunciou que iria adiante de todos para a Galiléia, depois da sua imolação, sofrida no madeiro, condenado que foi como subversivo político e blasfemo religioso.

Antecipou-se aos poetas de agora há quase dois mil anos, ao asseverar que viver não era preciso, ainda que navegar fosse, sempre sob as coordenadas do “amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

O Homão da Galileia nunca mais voltou. Mas continua mais vivo que nunca, muitos furos acima das instituições que o têm como porta-estandarte, ainda que algumas delas, metidas a única do pedaço, persistam em escondê-lo como propriedade debaixo dos documentos dos seus purpurados, desconhecendo os ensinamentos do mesmo Galileu: o de que não havia mais judeu, nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher, posto que todos são um sob as bênçãos de um Criador que não tem nem cabelo, nem barba, nem bigode, tampouco traje e rosto, mas QUE É eternamente glorificado sob o inefável codinome Eu Sou O Que Sou.

FELIZ PÁSCOA 2018, GENTE AMADA!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 27 de março de 2018

DE FILHO PARA PAI, ÀS VÉSPERAS DA PAIXÃO

Um recém formado, diplomado quando já quase coroa, pai de dois filhos e administrador condominial, recém tornado trabalhador de um Centro Espírita, terminando a leitura de Paulo de Tarso, o Maior Bandeirante do Evangelho, de Huberto Rohden, SP, Martin Claret, 2013, 484 p., sentiu-se com saudades múltiplas de seu pai, um trabalhador rural alfabetizado, desencarnado há mais de três décadas em Triunfo, Pernambuco, ensejando sua transferência para a casa de uma tia, no Recife, que o ajudou a retemperar o ânimo meio avesso aos estudos. E redigiu, sob forte emoção a carta abaixo, que transcrevo sob sua expressa autorização:

“Eu aprendi, pai… Aprendi que não se pode fazer alguém amar a gente, posto que o que deve ser feito é ser um alguém que possa ser amado, o resto sendo da escolha dos outros.

Aprendi, velho, que se demora anos para se edificar uma confiança, alguns segundos sendo necessários para destruí-la.

Aprendi, meu amigo maior, que o que vale não é “o quê” você tem na sua vida, mas sim “com quem” você está nela, somente isso valendo a pena.

Aprendi, coroa, que eu posso ficar encantado por alguém durante quinze minutos, sendo imprescindível, para ampliar a minha corte, saber um pouco mais do comportamento social e da estatura moral da cortejada.

Aprendi, companheiro de Vida, que melhor do que comparar-se ao muito bom que os outros fazem, vale a pena procurar fazer o melhor que se pode.

Aprendi ainda, amigão, que o que importa não é o que acontece com as outras pessoas, mas sim o que elas fazem para que isso possa acontecer, pouco importando quão fino seja o pedaço que lhe cabe, pois sempre haverá dois lados.

Aprendi, pai, que sempre se deve despedir de pessoas amadas com palavras amáveis e carinhosas, posto que pode ser a última despedida.

Aprendi, velho amigo, que se deve continuar andando até achar que não dá mais, definindo por heróis aquelas pessoas que fazem o que deve ser feito no momento oportuno, sem levar em conta as consequências nem as ameaças, tampouco os abandonos e menosprezos.

Aprendi, querido pai, que há pessoas que amam demais, não sabendo demonstrar seus sentimentos através de gestos concretos. E também aprendi que quando estou com raiva tenho o direito de estar aborrecido, embora isso não me dê o direito de ser estúpido em momento algum.

Aprendi na própria carne que uma amizade verdadeira continua a crescer mesmo na mais longa distância, o mesmo acontecendo com um amor eivado de muita sinceridade.

Aprendi, pai, que não importam as consequências, desde que os princípios sejam preservados nos caminhos do existir. E também aprendi que duas pessoas podem olhar para a mesma coisa e verem algo totalmente diferente.

Aprendi, meu velho, que mais importante que ser esquecido pelos outros é saber aprender a esquecer de si mesmo, na luta por um mundo menos desigual.

E aprendi que mesmo quando se pensa que não se tem nada a dar, quando um amigo chora precisando de seu apoio, tem-se ainda muito fôlego para ajudar. Como aprendi que escrever, assim como falar, pode amenizar inúmeras dores e sofrimentos. Com todo amor de sempre, muitas vezes erradamente explicitado, me despeo, na felicidade de um breve reencontro.”

Para todos os leitores do Jornal da Besta Fubana, uma Semana Santa de muita paz e reconciliação, meditação e bons propósitos, sempre recordada a figura ímpar daquele Nazareno que foi o mais revolucionário personagem da História da Humanidade, a produzir extraordinárias alterações nas áreas religiosas, filosóficas, politicas e sociais nos quatro quadrantes do nosso planeta, uma de suas Casas.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 19 de março de 2018

FÁBULA PARA OS TEMPOS ELEITORAIS QUE SE APROXIMAM

 

A Lucimary Landim, amiga muito querida, Terrinha para os mais achegados ao seu mundo, costuma dividir seu tempo existencial em três grandes momentos: o tempo profissional, com dedicação ímpar às missões que lhe são conferidas; o tempo de folia carnavalesca, desde quando, com poucos meses de nascida, resolveu ensaiar uns passinhos de frevo, hoje sendo considerada a maior “tarada” em folguedos momescos, incluindo até os fora de época, daqui e d’além Pernambuco; e o tempo de ser uma pessoa dedicada à meditação transcendental, de guru e tudo o mais a que tem direito, encantando seus amigos e admiradores com ensinamentos que energizam e provocam reconversões periódicas de muitos ao gênero humano.

Entre seus diversos tempos, costuma a Terrinha brindar seus derredores com “pérolas” ouvidas quando de seus múltiplos contatos com animais das mais variadas espécies. E uma das suas últimas, uma das melhores diga-se de passagem, foi enviada diretamente de uma churrascaria de muito bom gosto ambiental da Zona Sul da capital pernambucana. Ei-la, com toda criatividade, com as concordâncias gramaticais emanadas do QI alto da Terrinha, reproduzidas aqui por absoluto respeito aos sagazes leitores da Besta Fubana:

Um formiguinho, franzino acima da média, afogava-se num lago de pouca profundidade, muito embora para ele mais que abismal, quando vislumbra um baita paquiderme passeando bem perto da margem direita.

– Elefante, socorra-me!! Estou me afogando!!!!

– Formiguinho querido, eu não estou conseguindo lhe alcançar! O que devo fazer??

Num raciocínio mais que rápido, sem qualquer preconceito sexual, o formiguinho estruturou seu processo salvatório:

– O lago não é profundo. Entre nele e quando chegar perto de mim, bem em cima de mim, estique seu pinto, imaginando-se nos braços de uma elefoa bem boa, que eu me segurarei nele.

– Não vais ficar encabulado, formiguinho?

– De jeito algum, seu babaca!! Ande logo, senão eu me lasco todo!

O elefante seguiu rigorosamente as orientações do formiguinho. E foi um sucesso o salvamento daquele animalzinho tão trabalhador. Com direito até a foto em primeira página do jornal local A Selva, editado pela Bicho’s University, famosa mundialmente pelos seus dinossauros catedráticos.

Passado algum tempo, eis que o formiguinho sofre mais um bafejo da sorte. Ganha na sena, no lá e no lô, ficando pra lá de bem situado na sua cidade, abandonando até um antigo sonho, o de fazer concurso para professor de ensino superior. Com a bolada, comprou um baita BMW, óculos escuros, celular e umas meninas que gostariam de naufragar no Titanic nos braços daquele galã capaz de arrepiar orgasmicamente adolescentes taradinhas, pré frequentadoras dos mais altos meretrícios.

Todo pimpão, eis que, uma tarde, passando pelo outro lado do local do seu acidente, o formiguinho deparou-se com uma situação absolutamente inversa. O amigo elefante, já quase sem fôlego, afogava-se numa parte profunda do lago, gritando desesperadamente por socorro:

– Socorro!! Me acudam!! Tou me afundando!!! SOS !!!!

A formiguinha, plenamente consciente do tamanho do seu pipiu, mais uma vez aplicou estratégia vitoriosa: da mala do BMW retirou um cabo de aço, atrelou-o ao paralama traseiro, atirando a ponta contrária na direção do pobre paquiderme com a ajuda de uma transeunte, que já despendia seus últimos esforços sobrevivenciais.

Mais uma vez nas manchetes dos jornais da selva, o formiguinho foi entrevistado por um ratinho falastrão metido a popular. Microfone em punho, sem titubeios, forneceu a moral do acontecimento recentemente noticiado pela mídia: Quem tem BMW não necessita de pinto grande.

Me disseram que aquele formiguinho tá paquerando cada eleitora égua de coxas roliças…. E a Terrinha, sempre alegre e bem disposta, continua espalhando suas historinhas pelos quatro cantos do Nordeste, aprofundando suas meditações e preparando seu título de eleitor para as eleições de outubro próximo, quando se renovará seguramente o cenário social brasileiro, independentemente dos pintos de cada um.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 12 de março de 2018

NOTAS PESSOAIS DE ARQUIVO

 

  1. Parabenizar as professoras-pesquisadoras Maria Luiza Tucci Carneiro e Raquel Mizrahi, organizadoras da coleção Vozes do Holocausto, projeto tornado realidade pela preservação da história e da memória dos judeus refugiados do nazifascismo no Brasil, pela edição de Histórias de Vida – Refugiados do Nazifascismo e Sobreviventes da Shoah – Brasil: 1933-2017, 2 volumes, São Paulo, Editora Maayanot, 2017. Através de narrativas dos perseguidos, emerge um imenso universo de recordações de traumas provocados por genocidas assassinos, num amontoado de pequenas alegrias sobrevivenciais. Entre os refugiados, encontra-se Otto Maria [Karpfen] Carpeaux (1900-1978), que muito dignificou a Cultura Brasileira.

2. Quem estuda a Doutrina Espírita com afinco e o propósito de se reformular intimamente, também pugnando por um mundo exterior de mais harmonia fraternal entre os povos, cidadanizando os mentalmente desligados por conveniência ou conivência, inevitavelmente se depara com uma convergência profundamente salutar entre a Mensagem do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador, a Codificação de Allan Kardec e as Mensagens transmitidas por Emmanuel para Francisco Cândido Xavier, o saudosamente sempre lembrado Chico Xavier. Para melhor conhecer o pensamento de Emmanuel, o livro de um sergipano chamado José Martins Peralva Sobrinho (1918-2007) serve como farol e guia: O Pensamento de Emmanuel, Martins Peralva, 9ª., BSB, Editora FEB, 2016, 279 p. Na Introdução do livro, o próprio autor delineia o papel de cada um deles: o Divino Amigo, no histórico cenário da Palestina, legando à Humanidade uma mensagem de eterno amor e ilimitada sabedoria; o missionário lionês Kardec, na França do século XIX, restaurando em sua plenitude a pureza da mensagem do Nazareno; e Emmanuel, que na época de Jesus era o senador Públio Lentulus, que se utiliza dos recursos mediúnicos de Chico Xavier, para reavivar, aos quatro cantos da terra, o esplendor da mensagem cristã, ao tempo que também coordena a expansão da filosofia kardequiana, aplicando-a às necessidades de um mundo conturbado, no caminho de uma restauração de muita luz. E ainda disse Martins Peralva: “O objetivo de O pensamento de Emmanuel é o de levar aos que nos honrarem com a sua leitura, temas de O Livro dos Espíritos, interpretando-os segundo a pobreza de nosso entendimento e amparados pelos amigos espirituais, nele incluindo assuntos estudados por Emmanuel no 103º. livro mediúnico de Chico Xavier, Vida e sexo.”

3. Frequentemente se diz ser “muito diáfana a linha divisória entre a sanidade e o desequilíbrio mental”, mormente quando o atual mundo dito desenvolvido se encontra acometido de um acelerado decrescimento dos humanismos embasados num saber crítico voltado para um maior conhecimento do ser humano, proporcionando-lhe potencialidades capazes de desenvolver energias criativas interiores paralelas ao dinâmico crescimento tecnológico contemporâneo. Vivemos numa sociedade onde as neuroses e as psicoses, as ânsias desmedidas de fama e poder, mães primeiras dos escandalosos níveis de corrupção nos mais variados setores, estão vitimando homens e mulheres pouco críticos, dotados de uma alfabetização mínima e um nível consciencial de leitura quase nulo. Fatores provocadores de fundamentalismos ideológicos e religiosos de recuperação imensamente obstaculizada pelos diversos meios de comunicação que propagam mediocridades as mais deletérias, contaminadoras por excelência de outras mentes, dotando-as de alienações portentosas e ânsias tenebrosas de ganhos fáceis. Recomendo a leitura de um livro famoso, do psicanalista Contardo Calligaris, intitulado Hello, Brasil! e outros ensaios, editado pela Três Estrelas, SP, no ano passado, uma efetiva tentativa de psicanalisar a nossa estranha e fascinante civilização tropical.

4. Uma certeza que muitos se esquecem ainda hoje: as religiões não são a divindade, emanando todas elas das sociedades criadas. Divindade é um conceito metafísico, puramente metafísico. E o sentimento religioso provém das consciências, desde as origens humanas. Não existe sociedade sem religião, proclamava Henri Bergson. E um outro livro desenvolve explicações sobre a natureza da necessidade das sociedades de possuírem um deus, independentemente das instituições religiosas. Trata-se de História Geral de Deus – Da Antiguidade à Época Contemporânea, Gerald Messadié, editora Mem Martins, Portugal, 2001, 576 p. O autor é jornalista e pesquisador francês, nascido em 1931 e especializado em Religião, assim se definindo no livro: “Não acredito no ateísmo, mas não acredito na revelação. Os ateus são desencantados e os defensores da revelação assassinos em potência. Acredito nesse Deus desconhecido para o qual os Atenienses tiveram a sabedoria de reservar um soco (pedestal) sem estátua. E dirijo-me a todos aqueles que, como eu, se esforçam por seguir a difícil vereda que passa pelos desertos da negação e pelos abismos da certeza. Não existe aí moderação, mas uma outra fé, e tenaz.”

O livro é dividido em duas grandes partes: Da Grande Deusa Pré-Histórica ao Grande Mecânico de Platão, e De Mitra às Loucuras do Obscurantismo Moderno. Messadié declara que “a noção de Deus é irresistível. Ela é uma projeção de um Eu que não consegue admitir os seus limites e particularmente o da morte. … Nada é mais racional que a ideia de Deus.” Ele se diz sempre espantado com as hostilidades entre racionalistas e religiosos, só detectando uma diferença: enquanto os primeiros são modestos e não pretendem ter compreendido tudo, os segundos garantem que não há mais nada a aprender. A conclusão do livro é surpreendentemente franca: “Existe um único edifício no mundo, um único que merece respeito universal. É modesto e despojado. Encontra-se em Houston, a pouca distância do Museu de Arte Moderna. Construído graças â ação de uma mulher, Jacqueline de Mesnil, está aberto a todos os ritos, xintoísta ou judeu, muçulmano ou cristão, casamentos, batismos, funerais. Foi ele que, há muitos anos, em grande parte me inspirou este trabalho”.

5. Um baita chute nos bagos e ovários dos que imaginavam nosso país um eterno país do futuro, uma pátria grande, onde reinaria uma dignificante redistribuição de renda, onde todas as etnias e sexualidades conviveriam em camaradagem frutificante, onde os melhores teriam seu lugar de destaque e a mediocridade seria reduzida a um nível reles, amplamente desvantajoso: o livro Brasil: uma biografia não autorizada, Francisco de Oliveira, São Paulo, Boitempo, 2018, 174 p. Contendo artigos, ensaios e entrevistas publicadas entre 1997 e 2016, e uma apresentação pouco digestiva de Fábio Mascaro e Ruy Braga, o livro retrata a caminhada de um sociólogo e economista jamais dissociado da mutável realidade brasileira. Ressalta frustrações e desencantos de um pernambucano de esquerda sem papas na língua que está vivenciando a barbárie capitalista globalizante que hoje prospera além das nossas fronteiras. Um crítico feroz que foi fundador do PT, um partido hoje tão ilusionista quanto os demais. Um livro destinado para todos aqueles que imaginam o Brasil acima de qualquer suspeita, Macunaíma tendo sido apenas título de filme famoso do saudoso Grande Otelo.

 

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar terça, 06 de março de 2018

UMA CARTA PSICOGRAFADA

 

Em 1980, a cidade de Franca, São Paulo, foi abalada com a desencarnação autoprovocada de uma bela jovem de 13 anos, no anoitecer do dia 29 de outubro de 1980, muito amargando a vida de seus pais, irmãos, parentes, amigos e vizinhos.

Em 25 de abril de 1981, Fernando Luíza Batista dos Santos enviava, através do médium Chico Xavier, a seguinte mensagem para sua mãe, Maria Aparecida Gatez Santos, ajudando-a a ter certeza num futuro encontro. Diante dos suicídios que se estão ampliando mundo afora, transcrevo a mensagem enviada pela Fernanda à sua mãe querida, favorecendo uma reflexão de todos nós, país e avós, amigos e parentes, recordando a reflexão de Emmanuel, mentor espiritual de Chico Xavier, para quem “ninguém te pode medir a dor, mas urge reconhecer que, por mais que soframos, há sempre alguém na travessia de obstáculos maiores. … E quando a noite se te descobre ante a jornada, os astros refletidos em teu olhar proclamarão, por dentro de ti mesmo, que força alguma te poderá despojar da condição luminosa de criatura de Deus.“ Eis, na íntegra, a mensagem enviada pela Fernandinha:

“Querida Mamãe Aparecida, abençoe a sua filha, perdoando-me o desequilíbrio a que me entreguei sem pensar na dor que lançava em meu próprio caminho.

Sou trazida até aqui pela vovó Maria Honorata porque, por mim própria, não conseguiria vir.

Sei que alterei a família toda com a resolução infeliz.

Querida Mãezinha, você e o papai Mauro me perdoarão se procurei aquela arma propositadamente. Aproveitei o ruído daquele mesmo aparelho de som, que a sua bondade me deu com sacrifício, para liquidar comigo!

Ninguém conseguirá imaginar o sofrimento da infeliz menina que fui por minha própria conta! Nada sabia da vida, nem guardava experiência alguma. Entretanto, a ideia de me ausentar do mundo me obcecava …

 

Não pensei no sofrimento dos meus e nem avaliei quanto me queriam todos em casa. Um pequenino desgosto de criança rebelde e compliquei tanta gente…

Pobre Sam! Um amigo que nem podia tomar conhecimento da minha presença, e eu a dramatizar o inexistente!

Querida Mãezinha, reconheço que aos pais não é preciso rogar desculpas, no entanto sinto-me de joelhos a lhes pedir para que me auxiliem, esquecendo-me o gesto alucinado…

Não sei de todo o que se passou…

Lia com interesse tudo quanto se referisse aos casos de amor e paixão e, antes de me formar na fé, acreditei-me pessoa adulta, quando não passava de menina que se afundou voluntariamente num poço de lágrimas.

Tenho recebido o socorro de vários parentes, dentre os quais me sinto mais ligado à vovó Honorata, porque ainda não saí da posição de doente grave. Tenho o coração doendo e a cabeça ainda bastante desorientada. A senhora, meu pai, o Walter João e as irmãs compreenderão que não pode ser de outra maneira.

Não tenho palavras para descrever o meu arrependimento, no entanto deixaram-me escrever-lhes estas notícias, para que me alivie, desinibindo os meus sentimentos sufocados.

Rogo à Anita, à Aparecida Helena e à Glória para me perdoarem. Quando me lembrem, por favor, não me recordem como sendo o retrato de uma criança enlouquecida de arma na mão. Recordem-me nos momentos em que, despreocupada, não me intoxicara, ainda, com ideias de autodestruição.

Preciso refazer a minha própria imagem. A vó Luiza e a irmã Ana, que veio até a minha pobre presença a pedido de nosso Carlos, muito me amparam.

Envergonho-me, porém, de receber tantas bênçãos, quando errei calculadamente, conquanto sem conhecimento antecipado do que fazia. Agradeço às nossas amizades que, até hoje, me reconfortam com orações.

A nossa benfeitora Maria da Conceição de Barros, a quem o seu carinho rogou por mim, estendeu-me as mãos e um médico de nome Dr. Ulysses, também de Franca, se compadeceu de mim por intercessão dela.

Como vê, não estou desvalida, porque a Infinita Bondade de Deus não nos abandona. Apenas ignoro como conseguirei rearticular o meu organismo agora dilapidado. A vovó Honorata me consola e busca reanimar-me.

Querida Mamãe Cida, perdoe-me e aceite-me por sua filha outra vez… Creia, Mamãe, só a cabeça perturbada e doente me faria agir contra mim própria e contra a felicidade dos que mais amo.

Não posso continuar, porque o pranto não escreve, e as lágrimas me asfixiam os pensamentos com que eu desejava formar as palavras de súplica à família toda, para que me recebam novamente no coração, tal qual fui antes da minha resolução infeliz. Deus nos proteja e me auxilie a retomar a tranquilidade que ainda não tenho.

O papai e todos os meus me perdoarão com o seu apoio de mãe, e eu lhe rogo, querida mamãe, para que o seu sorriso brilhe de novo para mim, a fim de que eu possa recomeçar a minha caminhada de esperança.

Perdoe-me e receba em seu colo a sua filha, que é hoje a sua criança doente.

Ensine-me outra vez a pronunciar o nome de Deus com a fé que o seu carinho me transmitiu; cante outra vez, para que tanta dor me permita dormir e receba muitos beijos de sua filha, ainda errada e sofrida, mas sempre sua filha do coração, por ser agora a mais necessitada de todas.

Sempre a sua, Fernanda.”

Às pessoas de todas as idades, crenças, escolaridade e etnia: nunca alarguem as feridas mentais existentes em seus interiores e, como na música popular, “levantem-se, sacudam a poeira e deem a volta por cima”, jamais se esquecendo de dar um abraço naqueles aflitos que se encontram conturbados nos descampados da desesperança, sejam eles quem forem.

O meu querido irmão Hélder Câmara costuma dizer que “nunca faça de uma lagartixa um jacaré”, posto que, segundo o próprio Dom, “depois de escura noite vem sempre uma radiante madrugada”.

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 26 de fevereiro de 2018

INICIATIVAS RESTAURADORAS

 

Após a folia de Momo, inúmeros buscam as Casas Espíritas portando desarmonias múltiplas, com sinais refletidos no organismo, na emoção e na mente, provocados por influências perturbadoras, estrepolias carnavalescas não convenientes, necessitando de auxílios restauradores para as suas caminhadas existenciais.

Na Bahia, em maio de 1990, foi implementado o Projeto Manoel Philomeno de Miranda, com a finalidade de apoiar e ministrar treinamento aos trabalhadores das áreas mediúnicas das instituições kardecistas brasileiras. A equipe atual está sediada no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia, especificamente na sua obra social Mansão do Caminho, onde expande sua experiência nas estruturações e efetivações das reuniões mediúnicas, na assistência espiritual e no atendimento fraterno, adquirindo personalidade própria para capacitar equipes em todo país, .

O nome do projeto – Manoel Philomeno de Miranda – homenageia um baiano nascido em Jangada, município do Conde, em 14 de novembro de 1876, convertido ao Espiritismo em 1914, tendo exercido vários cargos na União Espírita da Bahia, inclusive a presidência. As suas atividades doutrinárias foram direcionadas para as questões da obsessão e da desobsessão. Desencarnou-se em 14 de julho de 1942, na capital baiana.

No ano passado, a equipe do Projeto, através da Livraria Espírita Alvorada Editora, lançou um excelente manual informativo denominado Terapia pelos Passes, onde divulgou informações doutrinárias significativas para todos aqueles que lidam com passes, munindo-os de um guia de consulta para ser lido e frequentemente relido a qualquer hora, favorecendo o aprimoramento do atendimento fraterno aos irmãos que buscam orientação e ajuda.

No capítulo 1 – Breve Histórico do Magnetismo – revela-se que as origens da terapia espírita conhecida como passe remontam a tempos imemoriais, aos primórdios da nossa pré-história, como recorda um Boletim Médico-Espírita da AME/SP, de 1985: “Desde essa época remota, o homem e os animais já conviviam com o acidente e com a doença. Pesquisadores destacam que os dinossauros eram afetados por tumores na estrutura óssea; no homem do período paleolítico há evidência de tuberculose da espinha e de crises epilépticas.” No próprio Antigo Testamento encontramos a expectativa de Naamã (II Reis, 5,11). O historiador Heródoto destaca, em suas obras, os santuários que existiam para as fricções magnéticas. E em Roma, a saúde era recuperada através de operações magnéticas, havendo um dos pais da Medicina moderna, Galeno, declarado que devia sua experiência na supressão de certas doenças de seus pacientes à inspirações que recebia durante o sono. No próprio Nova Testamento, vamos encontrar o Mestre Jesus em várias partes (Mateus, 8,3; Marcos, 1,41; Lucas, 5, 13) utilizando seu magnetismo pessoal.

Entretanto, no século XVIII, Franz Anton Mesmer, nascido na Alemanha, capacitado em colégio religioso, também conhecedor de Filosofia, Teologia, Direito, Medicina e Astronomia, divulgou uma série de técnicas relacionadas à utilização do magnetismo humano através da imposição das mãos. Tais procedimentos levaram-no à elaboração de sua tese de doutorado, intitulada De Planetarium Inflexu, de cujos princípios jamais abandonou. Nos seus escritos, Mesmer admitia a existência de uma força magnética que se manifesta através de um fluido universalmente distribuído que dava ao corpo humano propriedades semelhantes às de um ímã, que poderia ser utilizado com finalidades terapêuticas. Suas experiências vitoriosas proporcionaram inúmeras hostilidades, dividindo a sociedade de então em dois setores antagônicos: os que negavam radicalmente todos os fatos e os que admitiam as curas alcançadas, através de uma fé cega, às vezes até exagerada. A tal ponto chegou a radicalização, que a própria Faculdade de Medicina de Paris determinou a proibição, por qualquer médico, da utilização do Magnetismo Animal, sob pena de exclusão do seu quadro de graduados. Em contrapartida, os favoráveis às ideias de Mesmer formaram as Sociedades Magnéticas, intituladas Sociedade de Harmonia, tendo por finalidade a tratamento de moléstias. Em 1831, a Academia de Ciências de Paris, reexaminando os fenômenos acontecidos até então, reconheceu os fluidos magnéticos como realidade científica, retratando-se em 1837, quando voltou a negar a existência dos mesmos.

Em 1841, um médico inglês, Dr. James Braid, de Manchester, extasia-se com os resultados produzidos por um magnetizador de nome Lafontaine, procurando explicar o estado psíquico que acontecia nos procedimentos ditos magnéticos, sonambúlicos e sugestivos. Posteriormente, em 1875, Charles Richer, então estudante, busca provar a autenticidade científica do estado hipnótico, que ele denominava “um estado fisiológico normal, no qual a inteligência se encontrava apenas exaltada.

Também estudioso do Magnetismo, Allan Kardec assim se explicitaria na Revista Espírita, março de 1858, um ano após o lançamento de O Livro dos Espíritos, num artigo denominado Magnetismo e Espiritismo: “O magnetismo preparou o caminho do Espiritismo, e os rápidos progressos desta última doutrina são incontestavelmente devidos à vulgarização das ideias sobre a primeira.

Os passes têm percorrido uma longa trajetória, desde os primórdios da Humanidade, desenvolvidos sob as mais variadas nomenclaturas: magnoterapia, fluidoterapia, bioenergia, imposição das mãos, tratamento magnético, transfusão de energia psi. Notabilizados pela suas qualidades terapêuticas, os passes desdobram-se em passes magnéticos (energia do médium) e passes mediúnicos (energia dos Espíritos e do médium).

Uma excelente terapia é praticada em conceituadas instituições espíritas. Uma terapia revestida de imenso Amor e Solidariedade Fraterna, a “beneficiar o homem trinitário, na sua constituição de Espírito, períspirito e corpo físico, perfeitamente integrados e articulados a serviço do ser imortal, no papel que incumbe executar na obra da Criação.

Por tudo isso, razão plena tem o Dr. Bezerra de Menezes quando afirmou que “o amor é o laço divino que o Criador pôs entre as almas, para uni-las em uma única família, da qual Ele é o amoroso Pai.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 19 de fevereiro de 2018

CONHECER E COMBATER PSICOPATAS

 

Pedem-me uma indicação de leitura que possibilite identificar pessoas insensíveis, manipuladoras, perversas, transgressoras de regras sociais, impiedosas, imorais, sem consciência e desprovidas de sentimento de compaixão, culpa ou remorso. Autênticos predadores sociais, tais e quais aqueles cafajestes de um clube de futebol que, das arquibancadas, torciam contra o Chapecoense, reproduzindo um avião em chamas com requintes de crueldade, caindo e se despedaçando, numa imitação acanalhada da tragédia acontecida há pouco mais de um ano com aquele time de futebol. Encarecem uma referência bibliográfica que favoreça rapidamente a identificação dos portadores de transtornos de personalidade, homens e mulheres classificados como psicopatas.

Um manual de sobrevivência, para todos aqueles que habitam um mundo conturbado como o atual, repleto de psicopatas dos mais variados quilates, deve ser lido vagarosamente por aqueles que possuem responsabilidade social, sejam pais, professores, dirigentes sociais, autoridades públicas, religiosos, animadores comunitários e executivos de Recursos Humanos: Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado, Ana Beatriz Barbosa Silva, São Paulo, Globo, 2014, 232 p.

Logo na Introdução, a autora narra uma conhecida fábula que deveria ser propagada aos quatro ventos, desabobalhando aqueles que imaginam todo mundo bonzinho, pronto para ser ajudado. Peço permissão para aqui reproduzi-la:

“O escorpião aproximou-se do sapo, que estava à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu carona para chegar à outra margem. Desconfiado, o sapo respondeu: – Ora, escorpião, só se eu fosse tolo demais. Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar o seu veneno, e eu vou morrer.

Mesmo assim, o escorpião insistiu, com o argumento lógico de que, se picasse o sapo, ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranquilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar. Ao final da travessia, o escorpião cravou o seu ferrão mortal no sapo e saltou em terra firme.

Atingido pelo veneno e já começando a afundar, o sapo, desesperado, quis saber o porquê de tamanha crueldade. E o escorpião respondeu friamente:

– Porque essa é a minha natureza!”

No capítulo I, a Ana Beatriz afirma que “a consciência é algo extremamente complexo que pode gerar controvérsias por anos a fio. Isto porque ela está acima de teorias religiosas ou mesmo psicológicas e científicas.” E conclui: “A meu ver, ter consciência ou ser consciente trata-se de possuir o mais sofisticado e evoluído de todos os sentidos da vida humana: o sexto sentido. Atrevo-me a afirmar que tal sentido foi o último a se desenvolver na história evolutiva da espécie humana. … Ela influencia e determina o papel que cada um terá na sociedade e no universo.”

Uma leitura bastante atenta deve ser feita no capítulo que trata dos psicopatas frios, desprovidos de consciência, muitos deles convivendo conosco diariamente nos mais variados ambientes, inclusive familiares e religiosos, profissionais e comunitários. Eles são classificados por diferenciadas denominações: sociopatas, personalidades antissociais, personalidades psicopáticas, personalidades dissociais. São portadores de uma ou mais das seguintes características: frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores, incapazes do estabelecimento de vínculos afetivos, desprovidos de culpa ou remorso, inúmeras vezes revelando-se violentos, verdadeiros predadores sociais.

Além de descrever alguns casos acontecidos na sociedade brasileira, Ana Beatriz, solicita aos pais atenção especial para os sinais de psicopatia ressaltados desde a infância até a fase adulta. Antes dos dezoito anos, o problema é denominado transtorno de conduta, e são as seguintes as características principais apresentadas: Mentiras frequentes; Crueldade com os animais, coleguinhas, irmãos; Condutas desafiadoras às figuras de autoridade (pais e professores); Impulsividade e irresponsabilidade; Baixíssima tolerância à frustração, com acessos de irritabilidade ou fúria; Evidência a culpar os outros por erros cometidos por si mesmos; Preocupação excessiva com seus próprios interesses; Insensibilidade ou frieza emocional; Ausência de culpa ou remorso; Falta de empatia ou preocupação pelos sentimentos alheios; Falta de constrangimento ou vergonha quando flagrados em erro; Dificuldade de manter amizades; Faltas constantes sem justificativas na escola; Violação às regras sociais através de atos de vandalismos, destruição da propriedade alheia ou do patrimônio público; Participação em fraudes; Sexualidade exacerbada, muitas vezes, levando outros a sexo forçado; Introdução precoce no mundo das drogas e do álcool; Cometimento de homicídio.

Indispensável que as escolas promovam eventos especializados, favorecendo os pais numa maior compreensão das disfunções dos seus filhos, buscando auxílio de profissional especializado, evitando os agravamentos provocados pelas omissões e procrastinações.

A psicopatia não tem cura, posto que se tata de uma transtorno da personalidade, muito embora tal transtorno apresente formas e graus diversos de manifestações. E que sempre saibamos perceber, mesmo em época de folia carnavalesca, onde se fecha os olhos para uma série de excessos, como lidar com os psicopatas, sabendo com quem está convivendo, percebendo que as aparências enganam, sempre considerando na mais alta valia a voz da sua intuição, tendo cuidado com as pessoas excessivamente bajuladoras, redobrando a atenção em determinadas circunstâncias, jamais entrando no jogos das intrigas e nunca tentando mudar o que não pode ser mudado, sempre buscando ajuda profissional, caso necessário.

Lembrando-se sempre que a harmonia do desenvolvimento tecnológico deve sempre estar associada ao combate sistemático ao estilo psicopático de ser e de viver.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 12 de fevereiro de 2018

PARA DESOPILAR O FÍGADO

 

Gosto imensamente de gente que tem humor não escrachado, bem bolado, até apimentado, também interneticamente sedutor, que alivia as decepções por nós sentidas com um bocado de presepadas que vem acontecendo mundo afora, inclusive neste Brasilzão de meu Deus, repleto de gente criativa, digna de respeito, apesar de ser possuidor de uma classe política majoritariamente merdosa, oportunista e sem iniciativas sociais estruturadoras capazes de alavancar o nosso ambiente geral para patamares condizentes com os níveis mais altos da civilização. Para não falar de uma elite profundamente contempladora do próprio umbigo, ansiosa por mais ganhos e nunca solidária para com aqueles que buscam trabalho, salário digno e futuros menos humilhantes.

De um amigo brasiliense, recebi semana passada um livro que me proporcionou inúmeros instantes de desligamento do cotidiano, fazendo-me navegar em inúmeras nuvens risonhas de fino trato, a partir daquela que dizia que o Moisés recebeu duas tábuas no monte Sinai, uma com os Dez Mandamentos e a outra com uma relação primorosa de piadas sobre judeus, para que o povo judaico, meus irmãos, pudesse viver com menos sacrifícios e mais alegria, para saber enfrentar os desafios sem esquecer um bom humor vacina pura que amplia criatividades e neurônios para além da média mundial.

O livro intitula-se Do Éden ao divã: humor judaico, São Paulo, Companhia das Letras, 2017, 246 p. Uma seleção organizada por três QIs ouro de lei: Moacyr Scliar, gaúcho, escritor, médico especializado em saúde pública, autor de mais de 70 livros em diversos gêneros, integrante da Academia Brasileira de Letras; Patrícia Finzi, carioca, socióloga, editora e proprietária da Shalom de 1969 a 1996, autora de vários livros, hoje residindo em Buenos Aires; e Eliahu Toker, argentino, professor de hebraico, também arquiteto, vocação deixada de lado pela dedicação à poesia, recebendo várias premiações da Sociedade Argentina de Escritores. O primeiro e o último já desencarnados, Scliar em 2011 e Toker em 2010.

A coletânea se inicia com uma definição necessária: O que é humor judaico? E a resposta é a de que o humor judaico é aquele que é abertamente judeu em suas preocupações, tipos, definições, linguagem, valores e símbolos. Não é escapista, tampouco grosseiro, nunca cruel, embora não seja nem sempre polido nem gentil, a versar sobre os mais variados temas: a comida, a família, o negócio, o antissemitismo, a riqueza, a pobreza, a saúde a sobrevivência, nele também existindo uma fascinação pela lógica, pelo tênue limite que separa o racional e o absurdo. Em forma de comentário social ou religioso, o humor judaico pode ser sarcástico, queixoso, resignado, provocando sorrisos melancólicos, suspiros nostálgicos ou mero aceno de cabeça, sempre tendente a ser antiautoritário. Ridicularizando a grandiosidade, a autoindulgência, a hipocrisia, o pomposo, sempre enfatizando a dignidade do cidadão comum, satirizando figuras proeminentes da sociedade em geral, zombando de tudo, inclusive de Deus.

Ressalte-se que o “humor judaico também luta por uma ética pessoal isenta de preceitos restritivos, por uma sociedade mais justa e pela liberdade de cada qual ser como é sem temer a ação insidiosa do preconceito.”

Algumas do livro, escolhidas para seduzir a leitura de muitos para uma leitura integral:

1. No ABC da Psiquiatria: “neuróticos constroem castelos, psicóticos vivem neles e os psiquiatras cobram o aluguel.”

2. Um homem de idade está sentado em um banco de praça em Moscou, lendo um livro em hebraico. Um agente da KGB passa por ali, olha por cima do ombro e diz:

– O que é essa escrita estranha?

– É hebraico – diz o ancião. – É o idioma de Israel.

– Não seja burro, diz o agente. – Na sua idade, o senhor nunca irá a Israel.

– É possível que não, suspira o ancião. – Mas o hebraico também é o idioma do céu.

O agente contesta:

– Por que está tão seguro de que vai para o céu?

– Talvez não vá, admitiu o ancião. – Mas já sei russo.

3. Dois judeus, um rico e um pobre, estão rezando numa sinagoga do Brooklin.

– Perdoa-me, Senhor!, brada o rico. – Quem sou eu? Sou um desgraçado, um nada!

– É isso mesmo, Senhor, diz o pobre. – Perdoa-me! Eu também sou um nada!

O rico olha-o com desprezo:

– Olhem só quem quer ser nada!

No livro, uma série de frases de judeus famosos. Algumas delas aqui como amostra, para despertar o “apetite” dos leitores JBF:

“Penso, logo Descartes existe” (Saul Steinberg)

“Vote em quem promete menos: o desapontamento será menor” (Bernard Baruch)

“Quando todos pensam igual, ninguém está pensando” (Walter Lipmann)

“Uma grande dose de inteligência pode ser investida na ignorância quando a necessidade de ilusão é grande” (Saul Bellow)

O humor judaico também tem uma outra faceta: as pragas, um antigo hábito, que não envolve agressividade ou não envolvem só agressividade. Alguns exemplos:

– Que nenhum mau-olhado se esqueça dele.

– Que lhe caiam todos os dentes, menos um; que vai doer terrivelmente.

– Que tenha dez barcos carregados de ouro e que gaste tudo em médicos.

– Que um devore o outro e que os dois se engasguem.

– Que sejas como lamparina: de dia fique pendurado e de noite ardendo.

Para finalizar, desejando doses maciças de humor para todos durante o tríduo momesco, vai aquela acontecida num restaurante em Jerusalém:

Freguês: – Garçom, esta galinha tem uma perna mais curta.

Garçom: – O senhor veio comê-la ou vai dançar com ela?

PS. Viva Charles Chaplin, que um dia disse: “Um dia sem risada é um dia desperdiçado.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 05 de fevereiro de 2018

UM OPORTUNO ALERTA

 

Há poucos meses, comparecendo à UNICAP para assistir um debate sobre ensino religioso nas escolas públicas, ouvi referências elogiosas sobre um comentário do professor José Lisboa Moreira de Oliveira, filósofo, teólogo e escritor, sob título Os impostores do Ministério da Ordem, que transcrevo abaixo:

“O meu amigo, Pe. José Antônio, do clero da arquidiocese de Mariana (MG), com quem tive a grata satisfação de trabalhar no Setor Vocações e Ministérios da CNBB (1999-2003), em recente artigo divulgado na internet, levantava a pergunta acerca do principal medo do papa Francisco. A pergunta poderia ser muito bem invertida para evidenciar quais são as pessoa que, na Igreja Católica, mais temem as audaciosas propostas de renovação apresentadas pelo papa Francisco, e que, a meu ver, estão condensadas na sua exortação Evangelli Gaudium. Quem, na Igreja Romana, teria medo de propostas como esta: “Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades” (EG, 33)?

Pe. José Antônio, sem rodeios, afirma que é o ‘clero camaleônico’, ou seja, aqueles padres que vendo o ministério ordenado como status, como profissão bastante rentável, como pedestal para a fama e o sucesso, temem um papa que insiste em dizer que o ministério ordenado é serviço e que os padres precisam ‘sentir o cheiro das ovelhas’.

Prosseguindo em sua reflexão, o Pe. José Antônio alerta para um particular assustador: a quase totalidade desse ‘clero camaleônico’ é formada por padres jovens e por seminaristas, futuros padres, que já se comportam como se fossem ministros ordenados. É assustador, porque era de se esperar que padres jovens e seminaristas, formados depois do Concílio Vaticano II, fossem capazes de acolher com entusiasmo e paixão a proposta de renovação da Igreja apresentada pelo papa Francisco. Mas não é isso que estamos vendo. Boa parte deste clero permanece indiferente ao que o papa Francisco vem dizendo. Sinal claro dessa indiferença é a falta de divulgação, de conhecimento, de estudo e de aplicação pastoral da exortação Evangelli Gaudium. Pude constatar isso pessoalmente em recente assessoria a um grupo numeroso de pessoas, na sua quase totalidade formada por leigos, sobre a exortação papal. A queixa geral era de que os padres não falam da Evangelli Gaudium. Constatou-se inclusive o caso de padres que nem sequer sabiam da existência da exortação. Há poucos dias uma senhora de uma paróquia do interior da Bahia perguntava ao jovem pároco de sua cidade porque na sacristia da igreja paroquial ainda não tinha sido colocada a fotografia do papa Francisco. Queria saber porque tudo tinha parado na foto do papa Bento XVI. O pároco respondeu-lhe que a razão era o fato de que os vidraceiros da cidade estavam sem moldura. Conversa essa que não colou, pois a senhora, do alto da sua experiência de idosa, percebeu que o pároco estava mentindo.

Mas há também aquele grupo de padres e de seminaristas que faz de conta que acolhe as propostas do papa Francisco. Age, porém, como camaleão, por mero oportunismo e para continuar levando vantagem em tudo, visando não perder as benesses oferecidas pelo acesso ao ministério ordenado. Este grupo de clericais externamente faz de conta que aderiu ao papa Francisco, mas, na prática, sempre que pode, oculta, desvirtua e desvia os ensinamentos papais, não permitindo que o povo tome conhecimento daquilo que o papa Francisco está propondo com certa insistência.

Diante do que acabamos de expor vem de imediato a pergunta: o que leva padres e seminaristas a agir desta forma? Por que temem o papa Francisco? Por que agem com indiferença ou fazendo de conta que acolhem a palavra do bispo de Roma?

Duas causas estariam por trás desse comportamento. A primeira delas é a visão de vocação presbiteral como sendo a vocação por excelência. Ser padre é ‘dez’, é estar acima de qualquer coisa. Chegar a ser padre é colocar-se acima de tudo e de todos os mortais. A segunda causa seria o desejo das dioceses de suprir a falta de padres, levando-as a admitir nos seminários e no presbitério verdadeiros impostores que olham para o ministério ordenado como a forma mais fácil de adquirir poder, status, fama e dinheiro. A tais pessoas não lhes importa o serviço ao povo, mas as vantagens que vão ter com o acesso ao ministério ordenado.

A filósofa, socióloga e teóloga Arlene Denise Bacarji realizou recentemente um estudo sobre essa questão, baseando-se em dados de pesquisas feitas em diversas partes do mundo por eminentes pesquisadores. O próprio título do seu estudo é, por si mesmo, bem sugestivo: A impostura no Ministério da Ordem. Transtornos de personalidade e perversão no Clero à luz da psicanálise e da psiquiatria. O estudo acaba de ser publicado pessoalmente pela autora.

Arlene Bacarji mostra como a natureza hierárquica, uma falsa compreensão da misericórdia, a segurança que o ministério ordenado proporciona e o celibato visto como um modo de não se relacionar em profundidade com ninguém atraem com muita facilidade pessoas com transtorno de personalidade e muita gente perversa. A pessoa com essas patologias ‘sempre consegue um bispo desavisado, misericordioso, confiante em sua remissão, que o acolherá’ (p. 36).

O que fazer? Existem saídas? É claro que sim. O problema é saber se os bispos estão dispostos a coloca-las em prática. Eu aponto pelo menos três. A primeira delas é desmistificar a figura do padre, retirando dele toda auréola sacral que o envolve. Apresentá-lo como um homem comum, normal, igual aos outros, chamado por Deus a ser diákonos, ou seja, mero servidor dos demais.

Uma segunda saída seria a revisão do atual modelo de ministério ordenado, focado excessivamente no padre celibatário que passa entre oito e nove anos no seminário e que sai de lá bastante treinado para ser ‘aparentemente normal’, mas que, na prática, é uma pessoa cindida, tendendo para a mentira crônica (Bacarji, p. 45-64).

A terceira proposta de saída é a mudança de comportamento com relação a essas pessoas. Bacarji lembra ‘que Cristo e o Evangelho não são tolerantes com a hipocrisia e com a falsidade’ (p. 45). Por isso, ela afirma que ‘a misericórdia com estas pessoas deve ser pensada em outros moldes que não a habitual. Talvez seja mais misericordioso impedi-las de terem oportunidade de vivenciar suas perversões e patologias anti-sociais ou narcisistas, fazendo mal às pessoas da Igreja, à própria Igreja, a Deus e a si’ (p. 67).

Precisamos, pois, estar muito atentos, pois a impostura no ministério ordenado ‘costuma confundir muitos superiores e a todos nós’ (Ibid., p. 70)”.

O texto acima, bem como o livro da professora Bacarji, necessitam ser amplamente debatidos nos quatro cantos do mundo. Antes de mais evasões de fiéis


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 29 de janeiro de 2018

DICAS JUDAICAS NA ERA DIGITAL

 

Outro dia, recebi de Brasília, um livro pra lá de interessante: Judaísmo na Era Digital, do rabino Moshé Y. Lenczyski, um carioca que estudou em Israel e nos Estados Unidos, onde recebeu sua ordenação rabínica na Central do Movimento Chabad-Lubavitch-770, em 1994. No ano seguinte, casou-se com a argentina Ayala Rachel, instalando-se no Rio de Janeiro para atuar no Centro Comunitário do Beit Lubavitch, dirigido pelo rabino Yehoshua B. Goldman, onde atua em educação de jovens e adultos.

Duas questões aparecem logo no início do livrinho-notável: Como surgiu a ideia do livro? e Por que 99 dicas? Na primeira questão, o autor cita um ensinamento que deveria ser a razão primeira do desenvolvimento de todos os povos: Não guardes para si o que podes compartilhar. Contar histórias em aulas, palestras, encontros, bate-papos, casamentos e outras cerimônias festivas, faz parte de da vida daqueles que possuem vocação para desenvolver o caminhar existencial de muitos, favorecendo uma trajetória de edificações e obrigatoriedades para com os semelhantes, em quaisquer circunstâncias. É notório como conceitos judaicos são difundidos através de pequenas histórias. Revela o autor: “Acredito no poder de uma boa narrativa. Por isso, ao logo dos anos reuni centenas de contos em meus estudos e pesquisas, com o objetivo de tirar uma lição, descobrir uma mensagem maior e, principalmente, conectar o sentido da história com algum ensinamento judaico. Uma tarefa que fizesse diferença na nossa forma de pensar e perceber o mundo.

A segunda questão tem sua base na Guemátria, método hermenêutico de análise das palavras bíblicas somente em hebraico, atribuindo um valor numérico definido a cada letra. Conhecida popularmente como a numerologia judaica. O número 9 representa a verdade, onde Emet (verdade) é 9. Assim sendo, 99, 9 + 9 = 18, é o valor numérico da palavra Chai (vida), segundo a Guemátria. O que é verdadeiro será sempre verdadeiro!!

As dicas, 99, analisadas pelo rabino Moshé Y. Lenczynski em seu livrinho-notável são as seguintes:

1. Encontrar respostas certas; 
2. Não se deixar influenciar por hábitos ruins da sociedade; 
3. Ampliar o olhar; 
4. Saber que a bondade é capaz de surpreender; 
5. Tratar bem as pessoas; 
6. Estudar, guardar e praticar nossas tradições para buscar a continuidade; 
7. Aperfeiçoar é sempre possível; 
8. Conversar é melhor do que tentar adivinhar; 
9. Valorizar a vida acima de tudo; 
10. Dar verdadeira prioridade ao que temos de mais importante;


11. Viver para inspirar os que estão à nossa volta; 
12. Amar e receber amor de volta; 
13. Não ter medo do escuro; 
14. Descobrir no passado soluções para o futuro; 
15. Confiar em D-s, mesmo diante das maiores dificuldades; 
16. Valorizar o potencial de cada um; 
17. Acreditar, porque esse é o primeiro passo para realizar; 
18. Ser grato; 
19. Confiar na sua capacidade de alcançar mais do que o previsto; 
20. Construir projetos sólidos, para esta e as próximas gerações; 
21. Enxergar o que as pessoas têm de melhor; 
22. Simplesmente caminhar; 
23. Buscar o regozijo para o corpo e a alegria para a alma; 
24. Cuidar do próximo para melhorar o mundo; 
25. Saber que ajudar o próximo não depende dos outros. Depende de nós mesmos; 
26. Treinar nossa capacidade de ser solidário; 
27. Doar de coração aberto; 
28. Construir um lar judaico e sagrado; 
29. Ter cuidado com o que fala, pois falar é materializar; 
30. Aproveitar o erro de hoje para acertar amanhã; 
31. Valorizar a família; 
32. Entender a importância do Shabat; 
33. Lembrar que o exemplo convence mais que a família; 
34. Ter a consciência da nossa fonte eterna de inspiração; 
35. Ser o seu próprio cartão de visita; 
36. Buscar as tradições judaicas para aproveitar seus benefícios; 
37. Entender como podemos encontrar a alegria em nós mesmos; 
38. Saber usar as palavras e a fala de maneira construtiva; 
39. Liderar também é cuidar; 
40. Lembrar que mesmo as pessoas mais distanciadas ou desconhecidas podem precisar de ajuda; 
41. Se não der para construir de uma vez, construa aos poucos; 
42. Confiar no seu talento e agir usando suas melhores habilidades; 
43. Não adianta se isolar no mundo espiritual, pois o mundo físico também é importante; 
44. Desenhar círculos perfeitos; 
45. Desejar o bem, pois abençoar é um poder especial de cada um de nós; 
46. Aproveitar cada chance que você tem; 
47. Transformar qualquer em grandes lições; 
48. Aceitar as diferenças e usá-las a favor de todos; 
49. Doar para ajudar na prática; 
50. Vender as ações na hora certa; 
51. Saber qual a parte mais importante do corpo humano; 
52. Manter a tranquilidade, mesmo quando isso for difícil; 
53. Acreditar que você pode se reinventar sempre; 
54. Encontrar seu judaísmo antes que alguém precise fazer isso por você; 
55. Ser sensível com o mundo e com o que ocorre ao nosso derredor. 
56. Usar o silêncio como uma boa alternativa; 
57. Buscar forças de onde elas parecem não existir; 
58. Dar mais liberdade para você ser quem você é; 
59. Cuidar também dos menores detalhe; 
60. Não permitir que seu coração se afaste das pessoas que você ama; 
61. Promover a união do nosso povo; 
62. Lembrar que todo saber é complementar; 
63. Trabalhar as mãos, o coração e os olhos; 
64. Pensar o livre-arbítrio como uma oportunidade de crescimento; 
65. Agir buscando sempre visões e atitudes justas; 
66. Procurar respostas para seus problemas primeiro em você mesmo; 
67. Enxergar você mesmo como superior aos seus problemas; 
68. Conhecer algumas leis da Química; 
69. Valorizar as bondades de D-us e jamais esquecê-las; 
70. Lembrar que não é você quem encontra a vaga para o seu carro; 
71. Nunca deixe de ouvir o grito de uma criança; 
72. Manter o foco para conquistar o que quer; 
73. Cuidar para que todo o trabalho não seja realizado em vão; 
74. Prometer menos, realizar mais; 
75. Aproveitar a feira até o fim; 
76. Seguir o perfume das flores e da vida; 
77. Lembrar que jamais perdemos o nosso valor; 
78. Procurar pela essência e pelo amor verdadeiro; 
79. Ter metas e desafios a alcançar; 
80. Deixar de lado as diferenças; 
81. Festejar com a Torá; 
82. Reconhecer seu poder de superar desafios; 
83. Perceber que algumas coisas não acabam nem quando terminam; 
84. Não esperar. É preciso correr atrás da alegria; 
85. Aproveitar os momentos de inspiração; 
86. Manter uma relação forte com D-us; 
87. Aprender a presenciar milagres; 
88. Quanto maior o esforço, maior será a recompensa; 
89. Conhecer o tamanho de D-us; 
90. Descobrir o verdadeiro significado das coisas; 
91. Contar nossa história para as próximas gerações; 
92. Tirar o pijama; 
93. Pensar sempre na melhor forma de ajudar; 
94. Estar conectado para fazer um download especial; 
95. Organizar melhor seu tempo; 
96. Distribuir amor gratuitamente; 
97. Viver, caminhar com humildade e amar genuinamente; 
98. Antes de pedir, agradecer pelo que você já tem; 
99. Admirar e valorizar as coisas boas que nos cercam.

No final, o livro-antológico do rabino Moshé Y. Lenczynski traz um Glossário, que facilita a leitura dos leitores não versados em hebraico que nem eu. Que complementa a vontade gigante de agradecer ao Pai a tarefa do autor do livro, decididamente um ser humano que muito ama a humanidade que está a necessitar de um urgente congraçamento de todos.

PS. Ontem, 28 de janeiro, na Sinagoga Etz Chaim, SP, aconteceu uma homenagem às vítimas do Holocausto. Um crime que não deve ser jamais esquecido.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 22 de janeiro de 2018

PERSONAGENS INESQUECÍVEIS

 

Pergunta-me companheiro internauta catarinense como se poderia obter uma relação completa dos personagens bíblicos, com suas respectivas atividades, e quais seriam, na minha opinião, excluindo Jesus, as três figuras que mais me marcaram nas leituras do AT/NT.

Inicialmente, estimado Ralph, permita-me indicar um livro que considero completo sobre as personagens dos dois Testamentos. Intitula-se Todos os Personagens da Bíblia de A a Z, de Richard R. Losch, SP, Didática Paulista, 2011, 640 p. Segundo o prefácio, “o judaísmo e o cristianismo são as duas principais religiões que registram sua história e mostram a todo mundo as fraquezas e imperfeições de seus heróis. Cremos que isso confere grande credibilidade à Bíblia como registro histórico. Se fosse um mito, representaríamos nossos fundadores e heróis como paradigma de perfeição; ou então, na situação oposta, mostraríamos apenas aqueles detalhes imperfeitos que evidenciam a importância de servir a Deus ou de estar aberto ao perdão.”

Quanto à segunda questão formulada, à exceção de Jesus, um personagem para mim acima de tudo e de todos, listo abaixo as três figuras que mais me encantaram nas leituras feitas do AT/NT:

1. Paulo – Tenho plena convicção que, sem a articulação e as cartas do “apóstolo dos gentios”, o cristianismo teria se tornado tão somente mais um segmento do judaísmo. O cristianismo de hoje é produto do desempenho missionário de Paulo embasado nos ensinamentos do Homão da Galileia. Entretanto, quase ele não é citado pelos seus contemporâneos. Nem o próprio Flávio Josefo o menciona nos escritos, muito embora a ação de Paulo tenha substancialmente alterado as pessoas que o leram ou o conheceram. O conhecimento que temos de Paulo são provenientes de três fontes: o livro dos Atos, das cartas escritas por ele e a tradição primitiva, embora seja esta última a menos confiável. As informações biográficas contidas no livro de Atos possibilitam conhecimento sobre o autor das cartas, que não eram comunicações particulares, mas uma visão panorâmicas das suas atividades depois de convertido. Tudo faz crer que Paulo, ex-Saulo, era de uma família rica e profundamente respeitada pelo nível cultural que revelava, sendo ele fluente em grego, hebraico e aramaico, provavelmente também na língua latina. Fariseu e filho de fariseu (At 23,6), teria estudado sob a orientação rabínica do afamado Gamaliel, tendo sido um estudioso consistente da Torá e da fé judaica. E possuía cidadania romana, um privilégio para a aristocracia da época, talvez a tendo obtido através da influência exercida pelo próprio pai. Ou ainda adquirida de algum oficial de alta patente.

Saulo comercializava tendas de couro, geralmente militares. E também tendas luxuosas, feitas de cilício, muito admiradas pelas lideranças nômades. E ele nunca tinha ouvido falar de Jesus antes do crescimento do movimento chamado “O Caminho”, interpretado inicialmente por ele como uma ameaça à estabilidade da fé judaica.

A primeira referência bíblica a Saulo está contida no livro de Atos (At 7.58; 8.1), relacionada ao apedrejamento de Estêvão, o primeiro mártir cristão. Depois de convertido, adotado o nome Paulo, ele efetivou várias viagens missionárias, além da viagem final para Roma, onde viveu em “liberdade provisória sem o pagamento de fiança”, dado não ter sido acusado de crime algum. Não podendo ser crucificado, por ser cidadão romano, foi decapitado.

Sem dúvida alguma, Paulo, o bandeirante dos gentios, foi um ser humano dotado de intelecto prodigioso, percepção mediúnica acurada e de uma invejável autodisciplina. A sua formulação teológica moldou a Igreja Cristã, favorecendo uma caminhada que alterou os rumos da história humana. Sou um paulino por derradeiro.

2. Maria – mãe de Jesus, é figura central nos evangelhos de Mateus e Lucas, como também se tornou de elevada honra no Alcorão, ou Corão, sendo a única mulher citada no livro dos muçulmanos. No Novo Testamento, há dezessete passagens onde encontramos menção a ela, não para falar a respeito dela, mas para afirmar a divindade, a missão messiânica e o cumprimento profético de Jesus. Há um evangelho muito antigo, considerado questionável, o Protoevangelho de Tiago, que fornece inúmeros detalhes sobre ela e a infância de Jesus.

A origem de Maria é humilde e pobre por um simples motivo: ninguém abastado viveria em Nazaré. Ela é mencionada pela vez primeira por ocasião da concepção de Jesus, a tradição revelando como seus pais Joaquim e Ana a conceberam, tendo ela sido criada em Séforis, uma cidade próxima de Nazaré. O verdadeiro nome de Maria seria Miriam ou Mariana, muito utilizado naquela época. Dizem os historiadores bíblicos que Maria teria uma irmã de nome Salomé, casada com um pescador chamado Zebedeu de Carfanaum. Na época de Maria, as mulheres eram consideradas de segunda classe, sendo propriedade de seus pais ou maridos.

Segundo os evangelhos, Maria surge como figura central tanto na morte de Jesus quanto por ocasião do seu nascimento. Não há questionamento quanto o fato de Maria e outras mulheres terem preparado a Última Ceia.

Na crucificação, Maria e outras mulheres estavam presentes, quando os outros discípulos debandaram, excetuando João, o “discípulo que Jesus amava”, que ficou responsável, por delegação do Crucificado, de cuidar da Mãe dele.

Sem dúvida alguma, uma das mais fascinantes personagens tanto da história quanto da religião cristã.

3. Jó – Um dos homens mais justos da Bíblia e um dos personagens mais enigmáticos. Ezequiel, o profeta, coloca Jó na mesma posição de Noé e Daniel, considerando-os os homens mais retos que já existiram (Ez 14,14). Como experiência pessoal, Jó oferece um exemplo notável de resistência às tentações do mundo. Segundo os historiadores, sua história remonta aos tempos de Jacó.

Uma indicação de como o livro de Jó é antigo é o papel de satanás nele desempenhado. Aqui, satã aparece como um ser divino cuja responsabilidade é vagar pelos quatro rincões do mundo e provar a fé do povo de Deus (Jó 1,6 em diante). O nome satanás significa opositor, ainda que na história ele seja adversário de Jó e não de Deus. Uma leitura incrivelmente cabível nos tempos de agora, quando se imagina que “levar vantagem em tudo” deve ser a regra geral, mantra infalível de um sucesso glorioso. Quando o sofrimento necessário é condição imprescindível para se obter a vitória definitiva, mesmo que sob “sangue, suor e muitas lágrimas”, parafraseando Winston Churchill, o inesquecível timoneiro inglês na Segunda Guerra Mundial, cujo filme, atualmente nos cinemas, não se deve perder sob hipótese alguma.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 15 de janeiro de 2018

PARA RIR UM TIQUINHO

 

Os tempos internéticos atuais, cada vez mais tecnologicamente evoluídos, têm proporcionados uma notável ampliação dos conhecimentos técnico-científicos, a multiplicação de “talentos cibernáuticos”, também a mundialização de algumas idiotices e a aparição de umas tantas vaidades dinossáuricas, bundálicas algumas, peitálicas outras, arrotônicas um bocado, jumentálicas mentais a maioria. Mais ou menos idênticas à daquele recém pós-graduado sulista que está inserindo na rede Internet capítulos e mais capítulos de sua tese de doutorado, patrocinada por uma fábrica de bolachas, trabalhinho apenas lido pelos componentes de uma banca examinadora. A intenção do trejeitado é ser reconhecido e, se possível, aclamado como de nível superior, posto que, até agora, dada a instituição cursada, ninguém ainda percebeu.

Mas a maior alegria na Internet está acontecendo com a emersão de centenas de taglines, pequenas frases que revelam trocadilhos, gozações e desmoralizações com ideários tidos e havidos como tradicionais ou de eterna eficácia.

Classifiquei uma vintena de taglines, para proporcionar ao leitor da Besta Fubana uma avaliação acerca da criatividade brasileira, apesar de todos os pesares e desatenções educacionais possíveis. Ei-la:

1. Não há nada no escuro que você possa ver;

2. Mulher é um conjunto de curvas capaz de levantar um segmento de reta;

3. Parte do automóvel que é vendida no Egito: os faraóis;

4. A ejaculação precoce era conhecida na Antiguidade como mal que mela;

5. Nunca ligou para dinheiro, quando ligou estava ocupado;

6. Rouba dos ricos e dá aos pobres, além de ladrão é gay;

7. Barganhar: receber um botequim de herança;

8. Se barba impusesse respeito, bode não teria chifres;

9. Deus criou o homem antes da mulher para não ouvir palpites;

10. Já que a primeira impressão é a que fica, use uma impressora laser;

11. Abelha morre eletrocutada numa rosa-choque;

12. Estouro: bovino que sofreu operação de mudança de sexo;

13. Menstruação é ruim? Pior é quando ela não vem!;

14. A zebra disse pra mosca: você está na minha lista negra;

15. Se bebida curasse alguma coisa, cachaça tinha bula;

16. Tudo na vida é passageiro, menos motorista e cobrador;

17. Loira Gelada é só uma mulher esticada numa mesa do IML;

18. No dia que chover mulher, quero uma goteira em cima da minha cama;

19. Meu gato morreu em miados do ano passado;

20. Virgindade é que nem picolé: acaba no pau.

Homenageio uma vez mais, transcrevendo as taglines acima, um notável pesquisador, pioneiro na coleta do que havia de mais pitoresco em para-choques de caminhão: Marcos Vinicios Vilaça, hoje personalidade consagrada nacionalmente. Em publicação editada pela Fundação Joaquim Nabuco, então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, ele revelou ao país inteiro, em 1961, a criatividade e o humor, as ironias e as farpas dos caminhoneiros brasileiros, uma das alavancas da integração nacional norte-sul, leste-oeste. Algumas delas: “Não sou pipoca, mas pulo um pouco”, “Cerveja só gelada, mulher só quente”, “Mulher e parafuso, comigo é no arrocho”, “Sem amar não se vive” e “Mulher feia e urubu, comigo é na pedrada”.

As tiradas de ontem e as de agora, são sinais vitais da vivacidade intelectiva de um povo, o brasileiro. Um povo criativo por excelência, pronto para desenvolver o seu território pátrio, se lhe derem vez, voto, chão e enxada.

Além disso, um dos hábitos do João Silvino da Conceição, meu irmão caminheiro, é o de colecionar frases dos outros. Ele tem pra mais de cinco mil, anotadas em cadernos de papel almaço, guardadas num gavetão de madeira. Com sua licença, reproduzo aqui algumas, picarescas, de gente que já obteve aplauso nos mais diversos recantos deste globo que não é, sob hipótese alguma, ponto com:

– “Perdoe seus inimigos mas não esqueça seus nomes” (John Kennedy);

– “Sabe o que significa voltar para casa à noite e encontrar uma mulher que lhe dá amor, afeto e ternura? Significa que você entrou na casa errada. Só isso” (Henry Yungman);

– “Uma feijoada só é realmente completa quando tem ambulância de plantão” (Stanislaw Ponte Preta);

– “O problema de morar sozinho é que sempre é a nossa vez de lavar a louça” (Al Bernstein);

– “Quem disse que ganhar ou perder não importa, provavelmente perdeu” (Martina Navratilova);

– “Bom de briga é aquele que cai fora” (Adoniran Barbosa);

– “Os homens mentiriam muito menos se as mulheres fizessem menos perguntas” (Max Nunes);

– “Não se deve emprestar nem livro nem mulheres. Nunca devolvem os livros; as mulheres, sempre” (Provérbio português);

– “A Academia Brasileira de Letras se compõe de 39 membros e 1 morto rotativo” (Milôr Fernandes);

– “Nunca confie numa mulher que diz sua verdadeira idade. Se ela diz isso é capaz de dizer qualquer coisa” (Oscar Wilde);

– “Não me considere o chefe; considere-me um colega de trabalho que tem sempre razão” (Bob Thaves);

– “A única profundidade que os homens admiram em uma mulher é a do seu decote” (Zsa Zsa Gabor);

– “Brasil ? Fraude explica” (Carlito Maia);

– “Quem não tem inteligência para criar tem de ter coragem para copiar” (Amaro Rolim);

– “Antes à tarde do que nunca” (Anúncio de motel, no Rio);

– “A diferença entre um relacionamento amoroso e a prisão é que na prisão eles deixam você jogar futebol durante os finais de semana” (Bobby Kelton);

– “São Paulo não pode parar porque não tem estacionamento” (Regina Casé);

– “Se você não tem pontaria, sente-se” (Placa afixada num banheiro masculino mineiro);

– “As pessoas se casam por falta de juízo; Separam-se por falta de paciência; E casam-se novamente por falta de memória”. (Anônimo)

Espero que tenham gostado do meu irmão João Silvino da Conceição, um irmão muito arretado de ótimo!

PS. Às portas da folia de Momo, adianta chorar? Nem pelo bilau em coma do Temer!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 08 de janeiro de 2018

LEITURAS PARA UM COMEÇO DE ANO

 

Diante de um 2017 medíocre, todos ansiando por um 2018 menos desafortunado, às vésperas de uma eleição resultado da vontade de um povo que necessita de cidadania coletiva, ousaria propor, para uma leitura reconstituinte, alguns livros que, bem assimilados por antenados, em muito favorecerão um caminhar de ano novo mais analítico, menos alienado, mais condizente com os desafios mundiais a serem enfrentados. Escolhi cinco títulos, buscando favorecer gregos e troianos, embora balizando a escolha por conteúdos humanistas alavancadores, que muito poderão beneficiar o viver daqueles que se encontram existencialmente de cristas baixas, seja pela solidão causada por idades recheadas de desilusões causadas e/ou provocadas, seja pelos estresses advindos de ano tormentoso, predadores de uma esperança erigida sob perspectivas edificadas sob promessas inconsistentes. A ordem de apresentação não representa qualquer prioridade, apenas uma maneira de favorecer a manifestação de um ex-professor sempre apaixonado por um ler-para-saber-mais-próximo-do-agir-como-dever-ético sempre abençoado pela Criação.

1. HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL, Jorge Caldeira, Rio de Janeiro, Estação Brasil, 2017, 624 p. Decididamente um clássico, a significar “que serve de modelo”, uma interpretação pioneira de um Brasil analisado por lentes situadas além das explicações gerais, produzindo um entendimento novo para enxergar mais adequadamente os problemas atuais, tornando emersos elementos originais situados muito além das estatísticas corriqueiras. Uma leitura que ilumina zonas sombrias, favorecendo o conhecimentos de fatos antes apenas sabidos por escritos oficiais ou mitificados. O livro se encontra dividido em quatro grande blocos: 1500-1808 – Alianças, colônia e o mundo do antigo regime; 1808-1889 – Coroas e estagnação durante o desenvolvimento do ocidente; 1889-1930 – Primeira república: explosão de crescimento; 1930-2017 – A era do muro: uma centralização, dois resultados. Um livro que faz pensar sem fricotes, salamaleques e ideologias de botequim nutridas com muita cachaça.

2. A MAIS BELA HISTÓRIA DA FILOSOFIA, Luc Ferry, Claude Capelier, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2017, 322 p. Na Introdução do livro, a razão da sua feitura: “Em um mundo em crise, no qual a lógica da concorrência que caracteriza a globalização parece alargar-se cegamente, sem que ninguém – sejam os chefe de Estado mais poderosos ou os dirigentes das multinacionais – consiga mudar seu curso, a filosofia certamente gera crescente interesse e, talvez, a esperança de reencontrar marcos de referência e sentido para nossa existência.” O livro, não calhamaço, é a história do pensamento filosófico, da Antiguidade aos dias de hoje, narrada de uma maneira clara e tremendamente acessível, apresentando a Filosofia como uma busca fundamental pela essência do Homem. Iniciando com As Grandes Respostas Filosóficas, termina com o advento atual do segundo humanismo, A Revolução do Amor, com o reencantamento do mundo, apesar de todas as barbaridades atuais, onde o rosto humano se tornará cada vez mais próximo da Luz. Um texto para múltiplos rabiscamentos.

3. O MÉDICO QUÂNTICO: ORIENTAÇÕES DE UM FÍSICO PARA A SAÚDE E A CURA, Amit Goswami, São Paulo, Cultrix, 2006, 288 p. Um físico quântico mostra como a medicina é campo propício para a aplicação da nova ciência, baseada na primazia da consciência, integrando extraordinariamente a ciência convencional, a espiritualidade e a cura. Um livro que integra, reinterpretando com criatividade, os principais métodos da medicina alternativa – a homeopatia, a medicina chinesa, a acupuntura e o Ayurveda -, modelos que podem ser inseridos num sistema multidimensional pautado na nova “ciência dentro da consciência”.

4. A ERA DO CAPITAL IMPRODUTIVO, Ladislau Dowbor, SP, Autêntica, 2017, 320 p. Um levantamento técnico que está a merecer intensas reflexões por parte daqueles que se proclamam cidadanizados. Alguns dados mundiais nos envergonham profundamente: a. A desigualdade da distribuição de renda alcança níveis obscenos. Metade da base inferior de distribuição de renda nos EEUU foi completamente excluída do crescimento econômico desde os anos1970. De 1980 a 2014 a renda média nacional por adulto cresceu 61% nos EEUU, estagnando-se em 16 mil dólares por adulto, ajustados à inflação. Em contraste, a renda explodiu no topo da distribuição de renda, subindo 121% para os 10% no topo, 205% para o 1% no topo, e 636% para o 0,001% no topo; b. Os rendimentos obtidos no topo se devem a aplicações financeiras, capital improdutivo; c. A concentração de renda mundial é escandalosa. E os ricos têm uma tendência a achar que são ricos por suas excepcionais qualidades, não faltando pronunciamentos acadêmicos para louvar esta sabedoria. d. No mundo atual, em 2016, 1,2 bilhão de pessoas não tinham acesso à eletricidade; e. Um exemplo que não deve se prolongar por muito tempo: um bilionário que aplica um bilhão de dólares para render módicos 5% ao ano está aumentando sua riqueza em 137 mil dólares POR DIA!! Sem tirar as mãos do bolso!!! f. O Brasil se situa entre os dez países mais desiguais do planeta; g. A desigualdade de renda é medida pelo coeficiente de Gini. Quanto mais elevado, maior a desigualdade. Alguns coeficientes: Suécia 0,25, EEUU 0,45, Brasil 0,50 e 0,60 na África do Sul; h. Os 1% mais ricos do mundo têm mais riqueza que os 99% restante do planeta, muitas fortunas não aparecendo por estarem situadas em paraísos fiscais; i. O presidente Obama disse na ONU, quando se despediu do cargo presidencial: “Um mundo no qual 1% da humanidade controla uma riqueza equivalente à dos demais 99% nunca será estável.”; j. A renda dos 10% mais pobres aumentou cerca de US$ 65 entre 1988 e 2011, enquanto a do 1% mais rico aumentou cerca de US$ 11.800, 182 vezes mais!!

5. CRISTIANISMO, A MENSAGEM ESQUECIDA, Hermínio C. Miranda, Matão/São Paulo, Editora O Clarim, 2016 (4ª. edição), 414 p. Toda a história do Homão da Galileia, ressaltando aspectos históricos, reconstruindo o autor, um dos principais pesquisadores kardecistas do Brasil, sua descendência judaica. Constata o prefaciador: “O Cristianismo vigente não tem respostas adequadas para as mazelas atuais da civilização”. E mais: “É passado o momento de identificar culpados, acusá-los e condená-los. O que precisa ser identificado, com urgência, é a verdadeira face do cristianismo e recuperado o conteúdo da mensagem esquecida do Cristo, sem as complexidades teológicas, sem a rigidez cadavérica do dogma, sem o ritualismo vazio.” Em outras palavras: imperioso redefinir os parâmetros basilares do Cristianismo, desfigurado por séculos de desastradas manipulações e desastrosos abusos. Uma leitura indispensáveis para aqueles que desejam aprofundar-se sobre a essência da mensagem deixada pelo maior revolucionário da história da humanidade. Um texto crítico, sem desesperos nem agressões, explicado de maneira clara e objetiva. Sedutor por derradeiro.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 01 de janeiro de 2018

COMO SAIR DA MERDALHADA DE 2017

 

Uma pergunta inquieta meio mundo de gente civilizada, preocupada com os destinos brasileiros, principalmente com os amanhãs de filhos e netos de uma Pátria muito amada, salve, salve: Por que o Brasil é um país atrasado?Em outras palavras: Por que o Brasil está se distanciando cada vez mais das nações ditas desenvolvidas? Ou ainda: Por que o Brasil, até hoje não tornou-se desenvolvido, com um povo cidadão por derradeiro, culto e amplamente democrático, com uma Justiça que impõe respeito e um Congresso cada vez mais representante de um povo que está a merecer uma redistribuição de renda mais justa e sempre cada vez mais dignificante?

A leitura de um livro recente – Por que o Brasil é um país atrasado?, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Ribeirão Preto (SP), Novo Conceito Editora, 2017, 256 p., pode servir de alicerce para uma compreensão mais densa sobre o nosso atual estado de calamidade socioeconômica e política, onde escândalos de corrupção os mais aviltantes agridem uma consciência brasileira que está a exigir uma mobilização geral, independente de partidos políticos e ideologias espúrias extremistas, afastadas s influências nada edificantes das denominações religiosas sempre em busca de dominações comunitárias.

O livro não deseja oferecer soluções mágicas, mas apenas aventar subsídios que provoquem discussões propositivas sadias, que busquem iniciativas que alavanquem todos para patamares anticorrupção consolidadores de sólidas posturas governamentais, onde o trinômio Justiça-Liberdade-Empreendedorismo seja capaz de gerar horizontes desenvolvimentistas que favoreçam uma redistribuição de renda mais justa, acompanhada de uma política educacional capaz de catapultar a criatividade brasileira para cenários internacionais competitivos por derradeiro.

Na Introdução, o autor faz uma reflexão bastante oportuna: “Nossa inquietude advém de falsas premissas. A maioria dos brasileiros acredita viver uma democracia. Um grupo menor de cidadãos acredita que o Brasil seja uma república. Muitos de nós acreditamos ainda que a nação brasileira tenha uma organização política de estados federativos autônomos e que nosso sistema econômico seja capitalista, ou uma variante do capitalismo. Desse conjunto de premissas nasce a percepção que temos um modelo institucional aparentemente comparável àqueles de países desenvolvidos; e tal perspectiva falsa é o que alimenta a eterna dúvida do porquê ainda não conquistamos a prosperidade.”

A partir da reflexão acima, Luiz Philippe ressalta que inúmeros formadores de opinião – sociólogos, antropólogos, historiadores, professores, cientistas políticos, jornalistas e, sobretudo, os políticos brasileiros – “tendem a reforçar a ideia de que há limitações culturais e sociológicas que respondem o que há de errado na nossa política e na economia. Segundo eles, a eterna conclusão é a necessidade de ‘alterar a cultura’ e melhorar a matéria-prima humana da nação para consertar o erro no nosso modelo político-econômico.”

O resultado do pensar dos formadores de opinião acima é uma insegurança coletiva que fincou raízes, “tudo sendo culpa da cultura e da sociedade” sendo replicada pelos meios de comunicação – mídia, classe política, igrejas, escolas, universidades – a induzir que somos um povo que precisa ser guiado, liderado, mandado”.

A linha mestra desenvolvida pelo autor está contida na máxima por demais conhecida: “Quem não sabe o que é, não sabe o que quer. E, quem não sabe o que quer, não chega a lugar algum.” Somente, segundo ele, quando definirmos quem somos, saberemos construir a ideia de um Brasil que queremos.

O livro é constituído de treze capítulos e uma conclusão.

Ultrapassados os burburinhos de mais uma passagem de ano, minimizados os fingimentos, as bundolatrias, as maquiagens exibicionistas, o estresse consumista e as macaquices das que apreciam mostrar os seios portadores de mentes equinas, as esperanças por um mundo mais humano persistem solidamente plantadas nos corações dos não alienados. Sempre antenados com o pensamento de Erich Fromm, esse notável autor de Ter ou Ser, um famoso livro de cabeceira, muito pouco lido nos últimos tempos por uma juventude apenas interessada em tutu, careta e outras rimas comestíveis: “Pela primeira vez, na História, a sobrevivência física da espécie humana depende de uma radical mudança do coração humano. Todavia, uma transformação do coração humano só é possível na medida em que ocorram drásticas transformações econômicas e sociais que deem ao coração humano a oportunidade para mudança, coragem e visão para consegui-la”.

Com as minhas leituras de férias programadas a partir de uma releitura de A Bagagem do Viajante, de José Saramago, extraordinárias crônicas de um eterno caminhante, reavalio passos e caminhadas, posturas e compromissos, atos e fatos de pretéritos que jamais voltarão, mas que não deverão ser olvidados, para que não mais os erros se repitam. E me presenteio com uma dose dupla de serenidade, sem perder a capacidade de indignar-me, tampouco deixando de lado meu lado molecal, parte indissociável da minha estrutura existencial, posto que sinto-me cada vez mais livre, “um menino-passarinho com vontade de voar”, relembrando o Dom na voz desse Luiz Vieira menestrel.

Em 2018, estarei ainda mais comprometido com a Casa dos Humildes, cada vez mais enfronhado nas explanações kardecistas, cada vez mais fiel ao Homão da Galileia, meu alicerce maior, por quem sou apaixonado desde rapazinho, acima de todas as denominações religiosas. E como aprendiz, seguirei as orientações dos espíritos superiores, aqueles que me acompanham em todas as horas, sempre ao lado de Maria, a venerável Mãe do Senhor.

Feliz 2018, gente amada !! Sem macular o título de eleitor ! O Brasil acima de tudo !!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 25 de dezembro de 2017

SOBRE UMA COLEÇÃO DE DITOS

 

Em fins de 2009, outubro, partindo da indicação de um quase-irmão querido que tinha constituído um grupo de estudos denominado Ser & Boas Novas, adenominacional por derradeiro, adquiri o livro O Evangelho Gnóstico de Tomé, Hermínio C. Miranda, São Paulo, Lachâtre, 2007, 272 p., um dos documentos encontrados nos Manuscritos do Mar Morto, utilizados por uma comunidade essênia nas imediações do Mar Morto, numa localidade chamada Qumram.

A leitura do livro acima foi antes seguida de uma outra, editada em 2006 pela editora Objetiva, 246 p., cujo título era Os Evangelhos Gnósticos, de Elaine Pagels, sobre quem Harold Bloom assim opinou: “Pagels é sempre fácil de ler, sempre profundamente bem informada, sempre sugerindo caminhos novos aos seus leitores. Como muitos deles, devo-lhe muito pela pesquisa dedicada e sólida, e pela clareza de exposição.

Entretanto, o primeiro livro citado me despertou incrível atenção, principalmente por dois motivos. O primeiro vinha de uma informação contida na primeira orelha: “Ao contrário do que se poderia pensar, o movimento cristão não constitui um bloco monolítico de crenças e ritos administrados por uma única e incontestada instituição. Estima-se em uma centena as seitas dissidentes, suscitadas no decorrer dos três primeiros séculos da era cristã. Nenhuma das heresias desse período representou maior risco para a estabilidade da Igreja primitiva do que a dos agnósticos. Surgido no início do segundo século, o gnosticismo alcançou o mais alto ponto de sua trajetória durante as duas décadas finais desse mesmo século para extinguir-se na segunda metade do século seguinte. Propositalmente esquecidos, os textos gnósticos, dentre os quais este Evangelho de Tomé, só puderam ser conhecidos graças à descoberta casual, em 1945, de uma urna de barro contendo 52 livros de uma biblioteca gnóstica, nas imediações de Nag-Hammadi, no Alto Egito.

Como o Evangelho de Tomé ficou escondido por cerca, de mil e seiscentos anos, sobrevivendo às perseguições e destruições promovidas pela Igreja às ideias discordantes, resolvi ler a análise feita pelo brasileiro Hermínio C. Miranda (1920-2013), tornado espírita em 1957, autor de mais de 40 livros, os direitos autorais de todos eles destinados a instituições de caridade. Na sua vasta produção literária, uma parte prende-se aos primórdios do cristianismo, tema que muito atiçou meus estudos na área da Doutrina Espírita.

A partir da leitura do livro do Hermínio Miranda, um outro livro me foi sugerido tempos depois, quando já havia feito uma primeira leitura de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. E na contracapa, um desafio que me deixou definitivamente comprometido com os amanhãs enxergantes que cada um de nós deveria erigir por dever de Filhos Amados da Criação. Reproduzo-o: “Este livro foi escrito para quem tem a coragem de mudar. Para mudarmos, temos que ter a intenção de mudar, e isto é decisão do livre-arbítrio. Quem toma esta decisão, busca a verdade, mesmo diante de paradigmas cristalizados há tempo na mente da Humanidade. Jesus de Nazaré, sob a ótica gnóstica do Evangelho de Tomé, é o foco dos estudos do autor, em comparação com os textos canônicos. … Sabe-se, hoje, pelas descobertas arqueológicas e pesquisas científicas de ponta, por eminentes estudiosos, que sua mensagem foi distorcida, modificada, ampliada para se adequar à ortodoxia cristã.

O segundo livro por mim lido cuidadosamente, rabiscado intensamente, foi O Evangelho de Tomé – O Elo Perdido, José Lázaro Boberg, Santa Luzia (MG), Editora Cristo Consolador, 2011, 288 p. O autor é advogado, formado em Pedagogia, Mestre em Direito, Professor Emérito e ex-Diretor da Faculdade Estadual de Jacarezinho, Paraná, além de conferencista de nomeada por várias regiões do Brasil.

Como Jesus não deixou nada escrito, Boberg ressalta que a Bíblia que temos “não é uma obra natural que flui, normalmente, conforme os fatos se desenrolaram, mas uma forma literária e formal criada pela Igreja de Roma de acordo com as próprias conveniências e as do governo imperial. Vale a pena ser lida a obra clássica de Ernest Renan de título Vida de Jesus, edição Martin Claret, 2000, São Paulo (SP)”.

No livro, Boberg ressalta as pesquisas valiosas de Bart D. Ehrman, considerado a maior autoridade em Bíblia do Mundo. Segundo Ehrman, nos primórdios do Cristianismo, pelo menos quatro grupos divergentes estiveram se confrontando: os ebionistas, que afirmavam que Jesus não era divino, mas um ser humano de carne e osso a quem Deus adotara como seu filho, provavelmente por ocasião do batismo; os marcionistas, que defendiam que Jesus não era de carne e osso, sendo completamente divino. Uma seita liderada pelo filósofo-mestre Marcião, seus seguidores sendo chamados de “docetistas”; os gnósticos, que desprezavam tudo o que é material, considerando a Terra como uma prisão, tendo o discípulo Tomé anotado os principais dizeres (logia) ditos por Jesus, devidamente analisados no livro; e os ortodoxos, que vieram a ser os dominantes, baseados na Igreja de Roma, de onde foram considerados verdadeiros apenas quatro evangelhos, denominados canônicos (Marcos, Mateus, Lucas e João).

A leitura dos dois livros sobre Tomé é por demais oportuna. A título de aperitivo, reproduzo aqui o logion (dizer) 102: “Disse Jesus: Ai dos fariseus! Eles se parecem com um cão deitado no cocho dos bois; não come nem deixa os bois comerem.” E para entendermos bem o Sermão do Monte, quando Nazareno recomenda-nos ser perfeitos como Deus o é (Mt 5,48)

Um 2018 muito porreta para todos os Filhos da Criação!!! E que as eleições de 2018 ampliem a enxergância do eleitor brasileiro, proporcionando-nos a edificação de uma nação digna e soberana!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 18 de dezembro de 2017

SER SERENIDADE

 

Li, relendo mais de uma vez, o prefácio feito por Heloísa Pires, intitulado Um homem sereno, ao livro O Ser e a Serenidade – Ensaio de ontologia interexistencial, onde seu pai J. Herculano Pires (1914-1979), consagrado escritor e jornalista espírita, defensor amplamente competente da Doutrina Espírita traça uma perspectiva pioneira sobre as atuais Filosofias da Existência, que se apresentaram nas últimas décadas, nos quatro cantos do planeta.

No primeiro ensaio, Herculano Pires baliza o que pretende com a publicação: “O objetivo deste livro não é colocar o problema do existencialismo espírita, que pretendemos apresentar num trabalho especial. Temos aqui, tão-somente, uma reflexão que mergulha no problema do Ser. Essa mesma reflexão, entretanto, não objetivava, de início, a questão ontológica. Seu alvo era apenas o problema da serenidade, inicialmente colocado de maneira panteísta, e portanto romântica, o que os leitores sentirão nos primeiros capítulos. Mas confirmando a tese heideggeriana de que o Ser é o único problema filosófico, a reflexão romântica sobre a serenidade levou-nos naturalmente ao problema ontológico. Percebemos que não era possível tratar da serenidade sem abordar alguns aspectos do Ser. Assim, uma série de cogitações serenistas transformou-se numa tentativa existencialista de abordagem do Ser, no plano espirítico do interexistencial”, E concluiu, abrindo as portas para uma leitura amplamente reflexiva: “Não serão os materialistas, os ateus, os Tomés do positivismo científico, e nem também os teólogos, os crentes desta ou daquela seita, os idealistas e sonhadores inconsequentes, que nos darão resposta certa a essas perguntas (Como explicar tudo isso? e Como suportar tudo isso, se a alma daqueles homens não estivessem animadas por um impulso imenso e sobre-humano?). Só a pesquisa do Ser, no plano científico e no plano filosófico, a descoberta do sentido da nossa existência, implícita na natureza do nosso Ser, poderá realmente respondê-la. Que estas páginas possam oferecer algumas sugestões para essa busca, é o máximo que devemos desejar.”

Uma lição é magnificamente atual: todos nós somos responsáveis por todo bem que fazemos e também por todo mal que tem origem em nossas omissões e comodismos. Diante das crescentes circunstâncias conflitantes do mundo contemporâneo, que ampliam desconfortos coletivos e destruições comunitárias e individuais, devemos assimilar doses maciças de serenidade comportamental, reconhecendo nossa individualidade interdependente com os nossos demais derredores, nunca desmerecendo o que estimava Isaac Asimov (1920-1992): a de que cerca de 530.000 outros planetas na nossa galáxia, são possuidores de civilizações tecnológicas, dotados de uma capacidade comunicacional interespacial plenamente satisfatória.

No seu livro de ensaio de ontologia, J. Herculano Pires nos oferece inúmeros pontos que merecem sistemática reflexão. Elejemos alguns para os leitores desta coluna:

1. “Numa determinada manhã, perguntei a mim mesmo por que motivo não somos serenos, mas inquietos, e muitas vezes até mesmo tumultuosos. Lembrei-me da ataraxia de Demócrito, de Epicuro e de Zenão, e as palavras de Jesus soaram-me aos ouvidos da alma: ’A minha paz vos dou, mas não vo-la dou como a paz do mundo’. Nesse mesmo dia, resolvi que procuraria o segredo da serenidade.”

2. “Diria que a serenidade se amplia no ser humano se ele, serenista, se guiasse por três balizamentos: a) Procura sempre a perfeição; b) Nunca se deixa abater; c) Eleva-se sempre às circunstâncias.”

3. “Há mais serenidade no homem que defende com entusiasmo e calor seus princípios, do que no indivíduo falacioso que procura serenamente as suas evasivas.”

4. “Toda queda é processão, e toda ela tem o seu reverso, a conversão. Não há queda sem o seu reverso, que é a ascensão.”

5. “A perfectibilidade possível não é a perfeição, mas a busca da perfeição. A perfectibilidade tem graus, é relativa, enquanto a perfeição é total e absoluta. Cada homem tem o seu grau de perfectibilidade, que pode e deve ser atingido, da mesma maneira que cada animal, cada vegetal, também o possuem. O não atingir a perfectibilidade é prejudicial, não só para a criatura falhada, mas para toda a Humanidade.”

6. “A História arrasta os homens em suas ondas, mas os bons nadadores podem não apenas salvar-se, como também salvar os outros. E dessa dinâmica do eu-outros resulta o impulso histórico da transcendência humana, que arrancou o homem primitivo da era tribal e levará o homem atual a um mundo mais perfeito e melhor.”

7. “Saber viver é saber morrer. Porque a vida é o projeto existencial, é a flecha psíquica que atravessa a existência, transformando-se à proporção que transforma o meio, em busca do alvo da morte. A morte serena só pode ser, portanto, atingida pela vida serena. … A morte serena é então o mudar-se a que se referia Victor Hugo, um simples transferir-se do ser de uma hipóstase a outra da existência total, quando a vida se integra na sua verdadeira natureza e no seu sentido, e só assim se compreende que a morte seja, não uma oposição á vida, mas uma parte desta. O ser se afirma na morte para uma vida nova.”

Para Herculano Pires, o ser humano conseguiria adquirir serenidade e viver melhor se fosse educado emocionalmente, aquietando o coração dominado pelas paixões. No seu livro, editado pela Paideia, ele oferece as explicações necessárias para todos aqueles que buscam compreender as estratégias indispensáveis para uma caminhada serena, conquistando uma Paz interior, sendo parte integrante dos que buscam transformar a Terra em um mundo feliz, encharcado de fraternidade.

Herculano foi um talento espírita que está fazendo uma falta danada por aqui!!

PS. Um Natal muito porreta para todos, crentes e descrentes de um Brasil que necessita voltar a ser respeitado, nacional e internacionalmente!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 11 de dezembro de 2017

O FUTURO DE DEUS

 

Para quem deseja se apetrechar consistentemente no enfrentamento de um ateísmo militante que se banqueteia diante da crescente fragilidade cultural humanística das nossas populações e de um conservadorismo profundamente energúmeno das religiões maiores, um livro de boa envergadura expositiva indicaria aos que estão tateando na obscuridade, buscando explicações não simplistas para as razões das suas existências atuais. O livro é de autoria de Deepak Chopra, um médico hindu, especialista em endocrinologia, fundador, em 1985, da Associação Americana de Medicina Védica, hoje desenvolvendo programas de Desenvolvimento Pessoal no The Chopra Center for Well Being, em San Diego, tendo sido considerado, em 1999, pela revista Time, uma das cem personalidades do século, que o classificou de Profeta das Medicinas Alternativas.

O livro, O Futuro de Deus, SP, Planeta, 2016, 288 p., é oferecido a “todos os que buscam novos caminhos”, partindo de um pressuposto incontestável: “estamos vivendo uma crise de fé, onde a religião passou milhares de anos sugerindo que aceitemos, com base na fé, um Deus amoroso que tudo sabe e tudo pode”. Contemporaneamente, nos países mais desenvolvidos, a fé perdeu muito sua força, a maioria das pessoas que ainda creem aceitando uma religião sem pensar muito sobre sua importância para a existência de cada um. E se observa o crescente fortalecimento do ateísmo e do ceticismo diante das múltiplas tragédias acontecidas nos últimos séculos, muitas das quais efetividades sob o patrocínio de religiões, a exemplo do Holocausto e da tragédia do World Trade Center, acontecida em 2001, 11 de setembro.

No livro, algumas perguntas feitas por Chopra inquietam bastante os mais responsáveis: “O que Deus tem feito por você ultimamente?; Na tarefa de prover a si mesmo e à sua família, o que faz mais diferença: ter fé ou um trabalhar duro?; Será que você de fato entregou-se a Deus e deixou que ele resolvesse um problema espinhoso para você?; Por que Deus permite tanto sofrimento no mundo?; Será que tudo isso não passa de uma brincadeira de mau gosto ou de uma promessa vazia da existência de um Deus amoroso?”

Segundo Chopra, necessitamos com urgência encontrar uma nova maneira de viver espiritualmente. E tal novo caminhar exige um radical repensar da realidade, a história alterando nosso cotidiano mundial para dimensões mais elevadas, reparando uma conexão há muitos milênios quebrada. E tudo se efetivando a partir de uma transformação interior e de um caminho espiritual que se inicia como curiosidade, oferecendo uma “abertura à possibilidade de que algo tão inacreditável quanto Deus pode de fato existir.”

Chopra rebate aqueles que imaginam que o ateísmo sempre se opõe a Deus. Ele cita alguns dados de um levantamento realizado pela Pew Research, em 2008: 21% dos norte-americanos que se identificaram como ateus acreditam em Deus ou em um espírito universal, acreditando no Paraíso, enquanto 10% rezam pelo menos uma vez por semana. E conclui: “A fé deve ser salva, para o bem de todos. Da fé nasce uma paixão pelo eterno, algo ainda mais forte que o amor.” E reproduz uns versos de Mirabai, uma princesa indiana que se tornou uma grande poetisa mística: “Inquebrantável, ó Senhor, /é amor que me prende a ti, /Como um diamante,/ele quebra o martelo que o atinge. /Como o lótus que surge da água, /a minha vida surge de ti. /Como o pássaro noturno fitando a lua que passa,/eu me perco em ti./Ó meu amado… Retorna!” E reflete com grande maestria: “Por si só, a fé não leva necessariamente a Deus, mas faz algo do que precisamos ainda mais no momento: ela possibilita Deus.”

No seu livro, Chopra ressalta alguns pontos que merecem ampla reflexão daqueles que se imaginam sem crença alguma, embora sempre afetados com uma fé residual interior jamais desapartada da Criação. E ele declara, sem lengalenga alguma: “é melhor ser livre e cético do que viver preso a mitos, superstições e dogmas”. E vai mais além, com todo rigor analítico: “os picos criativos da história humana são atingidos por adultos, não por bebês crescidos”, qualquer um podendo passar da descrença à crença e ao verdadeiro conhecimento, cada um tendo plena liberdade para escolher a trilha existencial que mais lhe pareça melhor.

No seu livro, um verdadeiro manual de reencontro efetivo com o Espírito Superior, Chopra declina os principais balizamentos para se preservar uma espiritualidade sadia, sem vitimismos nem pieguismos, tampouco infantilismos deletérios, que apenas amplificam alienações débeis. Ei-los:

1. Reconheça que existe um poder superior no universo, maior do que a pequena existência humana. Somente assim, você se tornará mais racionalmente humilde; 2. Aproveite as oportunidades de colocar mais amor no ambiente onde vive, sendo mais adorável; 3. Reserve alguns minutos do dia para refletir ou contemplar algo belo, para se tornar mais densamente humano; 4. Seja mais receptivo, tornando-se mais gracioso e simpático; 5. Perdoe alguém que você jamais imaginaria perdoar, tornando-se mais generoso; 6. Reconheça seus erros, tornando-se mais responsável; 7. Tente enxergar o lado bom dos outros, ampliando sua visão positiva do mundo; 8. Reflita diariamente sobre o seu modo de pensar e de agir, pois só assim se tornará mais centrado; 9. Abençoe sem temor o mundo inteiro, tornando-se também beneficiário dessa bênção; 10. Dê o melhor de si em cada relação, para mais amorosamente aproximar-se cada vez mais do Criador.

Para se ter uma espiritualidade mais próxima da Criação, Chopra recomenda um combate sistemático e sem trégua contra cinco venenos que nos vitimam cotidianamente:

1. A ignorância, incapacidade de distinguir o verdadeiro do falso; 2. O egoísmo, identificando-se com o “eu”, o self individual; 3. O apego a determinadas coisas, objetos de desejos; 4. A aversão, sempre rejeitando as outras coisas, tornando-as repulsivas; 5. O medo da morte.

E que cada um se lembre no seu dia-a-dia: Quando a consciência cresce, o mal encolhe.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 04 de dezembro de 2017

ESCRITOS DE ARQUIVO PARA 2018

 

Tenho uma mania desde os bancos universitários: guardar anotações das mais variadas espécies, algumas delas fruto de recordações saudosas, outras extraídas de escritos de autores científicos ou literários, ditos pitorescos de familiares queridos, algumas delas colhidas nos contatos mantidos na rua, com gente das mais variadas origens, sexualidades, etnias, crenças e clubes de futebol.

Outro dia, num barzinho no Morro da Conceição, tomando guaraná com dois antigos companheiros de redondeza, ouvi de um deles uma provocação que me deixou pra lá de entusiasmado: a de publicar arquivos neste recanto coordenado pelo escritor Luiz Berto, laureado autor de O Romance da Besta Fubana, sempre uma leitura pra lá de muito arretada, própria para ser relida às vésperas de um Natal 2018 repleto de alegrias e muitas saudades, frustações algumas, amarguras várias e felicidade de montão, ao lado da Rejane, um presentaço que Deus me deu, para compensar perdas passadas.

Aceito o desafio, explicito algumas anotações, sem qualquer indicação temporal, aproveitando a oportunidade para desejar um Natal porreta para todos os leitores deste cantinho, do qual sou orgulhoso pra baralho, sempre grato aos incentivos que muito me estimulam.

1. O Allan Bloom parece “estar enxergando” o atual quadro universitário brasileiro: “A filosofia, a inimiga das ilusões e das falsas esperanças, nunca é realmente popular, sendo sempre suspeita aos olhos dos que apoiam qualquer dos extremos que estejam no poder”. E a saída por ele apontada deveria ser merecedora de atenção: a descoberta das nossas próprias balizas.

2. Os políticos filhos-da-puta conhecem-se bem. Sabem comunicar-se muitíssimo eficazmente uns com os outros. E têm sempre um bom motivo coletivo para os seus atos particulares e um excelente motivo particular para seus atos públicos.

3. Hoje, todo dirigente universitário de bom tirocínio, não pode deixar de dizer presente diante das rápidas mutações que se estão verificando nos contextos nacional e mundial. Isto significa um questionamento sereno na Universidade, sobre o seu próprio diagnóstico e prognóstico, sobre suas próprias realizações, sobre seu ritmo de desenvolvimento, sobre seu nível de competição com as demais instituições. E sobre o tipo de aluno que nela está ingressando, alguns deles até gerados em pé numa rede.

4. De Souza Barros, pernambucano, ex-Secretário Geral da ASCOFAM – Associação Mundial de Luta Contra a Fome, “O Norte e o Nordeste não poderão continuar numa situação de completo alheamento dos seus problemas, pois essa atitude corresponde, politicamente, a uma espécie de menoridade. Não basta, porém, que se coloque o problema do ponto de vista de uma ação lamento, de um constante clamor contras as causas climatéricas, as causas físicas”.

5. Razão plena tinha o professor Edward Deming: “A transformação não significa apagar incêndios, resolver problemas ou criar melhorias simplesmente cosméticas. A transformação deve ser feita por pessoas que detenham um profundo conhecimento”.

6. Alerta do dr. Nelson Spritzer, ratificando denúncia do insuspeito dr. Richard Bandler, um dos criadores da PNL – Programação Neuro-Linguística: “Uma das coisas mais sórdidas que fizeram com a PNL foi mistificá-la e complicá-la a tal ponto que só iniciados ou privilegiados intelectuais possam praticá-la corretamente”.

7. Carlos Castañeda, que influenciou minha caminhada existencial: “Um caminho é só um caminho, e não há desrespeito a si ou aos outros em abandoná-lo, se é isto que o coração nos diz… Um caminho é só um caminho …”. Traduzindo em miúdo: “Se você fizer o que sempre fez, vai ter o resultado que sempre teve”. Saibamos fazer um Pernambuco diferente, sem os olhos voltados para um ontem que já se foi, num hoje sem os dualismos ideológicos bestas que apenas entusiasmam os simplórios de sempre.

8. Deveria atentar uma classe média inúmeras vezes abiscoitada para um notável provérbio iídiche: “Para o verme num rabanete, o mundo inteiro é um rabanete”.

9. Sapiência de José Saramago: “A pior cegueira é a mental, que faz que não reconheçamos o que temos diante de nós.”

10. Nesta quase falida sociedade brasileira, é preciso ampliar a noção sobre os nossos erros e acertos , omissões e fragilidades comportamentais. Repensar acerca das indecências sociais que redundaram no atual estado de coisas. Acima das ideologias e resguardadas as individualidades, faz-se mister um inadiável repensar nacional/regional/estadual/municipal, apreendendo com eficácia a advertência famosa de Ortega y Gasset: “Como é possível as rãs discutirem sobre mar, se nunca saíram do brejo?”. Urge que a classe média brasileira saiba efetivamente discutir sobre mar, sem os moralismos chiliquentos que não a levaram a nada nos últimos cinquenta anos, salvo a ter mais medo de tudo, de todos e de um amanhã plúmbeo que já se avizinha célere. Nós, às vezes , ficamos muito seguros do nosso aprendizado passado. E sentimo-nos bem fundeados sobre coisas que aprendemos quando éramos moços, perdendo, por essa ingenuidade, o bonde da história. Porque o bonde sempre está em movimento e com uma velocidade cada vez maior. E quando as pessoas perdem esse bonde, começam só a olhar para o passado, nostálgicas, sem qualquer reciclagem existencial.

11. Para muitos, a ideia de um Deus abstrato, da imortalidade da alma, da comunicabilidade entre os entes tidos como mortos e os ditos vivos é uma realidade, pois se assim não fosse a própria existência perder-se-ia na ausência de razões para existir. Estou entre os muitos que assim pensam, sempre como aprendiz.

12. Certeza plena tinha Allan Kardec: “Acreditar que só existem seres vivos no planeta que habitamos seria colocar em dúvida a sabedoria de Deus, que não faz nada inútil.”

No mais, desejar um período natalino arretado de ótimo para todos os brasileiros, sem quaisquer discriminação, pouco importando ter xereca, pitoca, ou qualquer outra peça anatômica que complemente sua condição de filho da Criação.

Um Natal sem cavilações e um ano eleitoral de 2018 de título eleitoral bem preparado, pronto para alijar do Poder as excrecências políticas fétidas que nos humilham internacionalmente há muitas décadas!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 27 de novembro de 2017

POSTURAS EVOLUCIONÁRIAS

Do conhecimento de religiosos ou não: estamos atravessando um momento evolucionário muito favorável da humanidade, embora nos deparando frequentemente com obstáculos de difícil compreensão para uma grande maioria, distanciada de Deus que, confusa e arrogantemente alienada, não assimilou na devida conta a essência da finalidade humana, não sabendo como evoluir espiritualmente, ainda que sem vinculação alguma com denominações religiosas.

 

Outro dia, nas comemorações de 95º aniversário de uma tia muito amada, a Lurdinha, na casa da Trudinha, sua filha e prima querida, entre crepes gostosos e um bolo de frutas de deixar saudades por meses, um dos convidados portava dois livros. O primeiro, de título bastante sugestivo, Evolução Espiritual na Prática, de Bruno J. Gimenes & Patrícia Cândido, especialistas na formação de uma consciência crítica nas pessoas interessadas na estruturação de uma consciência planetária embasada em valores espirituais, fundamentados na liberdade, no trato amoroso e numa convivialidade prazerosa que consolide a missão de cada um. Eles são fundadores do Luz da Serra -, instituição sediada em Nova Petrópolis, RS, atuante em diversos estados brasileiros, “estimulando o desenvolvimento de uma consciência espiritual livre de dogmas e paradigmas.”

O livro citado, uma edição da Luz da Serra Editora Ltda, 2009, 344 p, inicia-se com uma apresentação de Paramahansa Hariharananda: “Sejam bons. Meditem. Transformem o trabalho em adoração. Sejam calmamente ativos e ativamente calmos. Não desperdicem seu tempo com ninguém, exceto Deus, e assim o tempo não será desperdiçado. Uma grama de prática vale mais do que uma tonelada de teorias.”

Na Introdução, uma pergunta nos alerta de modo bastante incisivo, sem floreios nem pieguices: “Como anda sua evolução espiritual?” Seguida de um outro questionamento bastante racional: “Por que a maioria de nós só reflete sobre a vida em momentos de dificuldades, ou quando enfermos, ou no leito de morte?

E uma terceira reflexão: se temos uma missão evolutiva nesta existência, nossa missão mais importante seria a de nos impulsionar para que tudo fosse exitoso. E por que tudo não acontece? Eis algumas respostas convincentes:

Porque a maioria não é espiritualizada; Porque não possuímos a perspectiva da eternidade; Porque ainda estamos presos à ilusão da matéria, nos separando da Fonte; Porque fomos e ainda somos desestimulados a crer no plano espiritual, aceitando a realidade passivamente; Porque estamos fascinados apenas com os olhos físicos; Porque equivocadamente entendemos que a evolução espiritual se dá apenas através das religiões; Porque a educação moderna não nos ensina mais a pensar; Porque estamos acomodados em nossas “zonas de conforto”; Por que a maioria acredita que se deve progredir apenas no aspecto material.

No capítulo 1, onde os autores descrevem a busca espiritual do século XXI e a formação das estruturas religiosas, há uma citação do Dalai Lama que deveria ser balizamento mor de toda trajetória dos espiritualistas: “A melhor religião é aquela que te faz melhor, mais compassivo, mais sensível, mais desapegado, mais amoroso, mais humanitário, mais responsável…A religião que conseguir fazer isso de ti é a melhor religião.” Pensamento complementado com muita felicidade pelo Sathya Sai Baba (1926-2011), considerado por muitos como um avatar (encarnação de um ser divino em forma humana): “Só existe uma religião, a religião do amor; uma única casta, a casta da humanidade; uma única linguagem, a linguagem do coração”.

O segundo livro me fez lembrar uma inteligência privilegiada, de quem sou admirador ferrenho há décadas, hoje morando na Austrália. Intitulado Evolução para o terceiro milênio: tratado psicanalítico para o Homem Moderno, seu autor é Carlos Toledo Rizzini (1921-1992), um médico, botânico e micólogo brasileiro, também membro da Academia Brasileira de Ciências. O livro foi editado pela Edicel, em 2016, tem 410 páginas, onde “o autor partiu de um ligeiro retrospecto histórico do pensamento religioso, bem como dos fatos mediúnicos, mostrou a importância que teve a Codificação de Kardec para a sua devida interpretação, deteve-se cuidadosamente no exame da mediunidade e das vidas sucessivas, terminando num admirável trecho de ouro com o estudo profundo não só dos desequilíbrios psíquicos mas também da genuína moral de Jesus que há de ser o código normativo do relacionamento social do homem renovado do Terceiro Milênio.”

Numa conjuntura onde o ser humano percebe a estupenda evolução da tecnologia, fazendo-o mirar espaços e mundos interplanetários, urge a necessidade de se ter uma nova posição sobre Deus-Criador no Universo e o papel de Jesus na evolução do nosso mundo.

O livro do Rizzini é composto de quatro partes. Na primeira, ele retrata a base doutrinária do Espiritismo, com várias experimentações acontecidas nas áreas da Metapsíquica e da Parapsicologia; na segunda, ele ressalta os fundamentos dos princípios doutrinários, ressaltando a intercomunicação espiritual, a encarnação, a desencarnação, a lei de causa e efeito e o livre-arbítrio, as moléstias orgânicas e a presença da doutrina na literatura não-espírita; na parte terceira, Rizzini elucida os princípios do tratamento espírita dos distúrbios mentais; e. finalmente, na última parte, ele desenvolve um tema deveras importantes para os tempos atuais: o da renovação mental, enunciando os balizamentos emitidos por Jesus, seguidos de duas outras valiosas opiniões, a de Gandhi e a de Albert Einstein. No último capítulo dessa parte, os princípios básicos utilizados no livro, dada a heterogeneidade da espécie humana. São 40 pontos extraídos da Doutrina Espírita, segundo sua maneira de encará-los.

Um livro para se ler e vivenciar suas páginas, muito bem escrito por quem soube entender o “espírito da coisa”. Uma leitura de muito fácil digestão.

As duas leituras, complementares por derradeiro, sempre ratificam o pensar de Herculano Pires, um homem múltiplo por excelência: “Uma doutrina se atualiza na proporção em que evolui, com acréscimos reais de conhecimentos no desenvolvimento de seus princípios. Não existe no mundo atual nenhum centro de pesquisas e estudos espíritas que tenha avançado legalmente além de Kardec, através da descoberta de novas leis da realidade espírita.”


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 20 de novembro de 2017

JOSÉ HERCULANO PIRES, FILÓSOFO, MATERIALISTA E ESPÍRITA

Lendo com vagar o livro intitulada J. Herculano Pires, O Apóstolo de Kardec, de Jorge Rizzini, São Paulo, Editora Paideia, 2001, encontrei sobre o biografado, numa das primeiras páginas, algumas referências elogiosas, inclusive uma consagradora do famoso médium Chico Xavier: “Admiro, cada vez mais, a sua capacidade de penetração na obra de Allan Kardec para definir-lhe a grandeza e situar-lhe a colocação em nosso tempo”. O que me fez acelerar a leitura sobre o homem, a vida e a obra de quem é considerado por especialistas em Filosofia como “o único filósofo existencialista espiritualista espírita”, dada sua imensa admiração pelo filósofo francês, mesmo com as restrições consequentes “da visão mutilada” pelo materialismo do autor parisiense.

Segundo o biógrafo do Herculano, o livro acima citado “é um livro que arrebata e faz o leitor crescer espiritualmente.” E mais: “Herculano Pires foi o que podemos chamar de homem múltiplo. Filósofo, educador, jornalista, escritor, parapsicólogo, romancista, poeta, fiel tradutor de Kardec, em todas as atividades – inclusive, fora do movimento espírita – sua inteligência superior iluminada pelo Espiritismo e aliada a uma cultura onímoda.”

 

 

Nascido em setembro de 1914, 25, em Avaré, São Paulo, também desencarnado em São Paulo, 9 de março de 1979, José Herculano Pires tornou-se espírita muito jovem, segundo declaração própria: “Eu não queria saber do espiritismo. Um dia, meu saudoso amigo Dadício de Oliveira Baulet me desafiou a ler O Livro dos Espíritos de Allan Kardec. A contragosto aceitei o desafio e o estou lendo e estudando até hoje. Tornei-me espírita pelo raciocínio. Isso ocorreu em 1936; eu tinha, então, 22 anos.

O livro do Jorge Rizzini, escritor premiado pela União Brasileira de Escritores e pela Secretaria de Cultura de São Paulo, também companheiro de Herculano Pires por mais de trinta anos, é rigorosamente documentado, desde quando o biografado era menino poeta em Avaré, antiga Província do Rio Novo, São Paulo.

Filho primogênito de sete filhos de José Pires Correa, farmacêutico que abandonou a profissão para tornar-se um dos mais vibrantes jornalistas do interior paulista, e de Bonina Amaral Simonetti, uma distinta pianista, Herculano Pires teve publicado seu primeiro livro em 1930, intitulado Sonhos Azuis, quando tornou-se conhecido na região como “o menino-escritor”.

Depois de convertido ao Espiritismo, embora desde infância tivesse visões mediúnicas, Herculano assistiu uma palestra doutrinária de João Leão Pitta, um português natural da Ilha da Madeira, muito amigo de Cairbar Schutel, a quem Herculano chamaria mais tarde de “apóstolo do Espiritismo no Brasil”.

Vale a pena ler os livros de José Herculano Pires. Mas um deles, de pouco mais de uma centena de páginas e editado primeiramente pelo Correio Fraterno, de São Bernardo do Campo, SP, em 2014, em comemoração ao centenário de nascimento do autor, eu o tenho quase instantaneamente ao meu alcance. O livro foi escrito por Raymundo R. Espelho, intitula-se O Pensamento de Herculano Pires, e reflete, através de quase 400 verbetes retirados de suas obras espíritas, a busca pelo autoconhecimento, revitalizando uma fé raciocinada na busca de uma aproximação com a Mensagem do Homão da Galileia, nosso Mestre Jesus, proporcionando um caminhar de libertação mais consciente na direção da Luz.

Através desta coluna, esplendidamente dirigida pelo escritor Luiz Berto, permito-me expor alguns verbetes, favorecendo o despertar de muitos para os textos magistrais de José Herculano Pires. Ei-los, com o título do livro entre parêntese:

Agonia das religiões – O materialismo morreu por falta de matéria, como afirmou Einstein, e as religiões agonizam, como podemos ver, por falta de espírito. (Agonia das religiões)

Utopias – Como advertiu Kardec, devemos pisar no terreno sólido da realidade, deixando as utopias, por mais fascinantes que sejam que se apresentem, que se submetam à prova inexorável do tempo. Não somos utópicos, somos realistas. Não jogamos com possibilidades, mas com fatos. E fora dos fatos e da sua pesquisa rigorosa não temos espiritismo. (A pedra e o joio)

Movimento espírita – A grande batalha do espiritismo contra os preconceitos tem de ser travada, portanto, em primeiro lugar, dentro do próprio movimento espírita. Antes de se defender contra a reação natural do mundo moderno aos seus princípios renovadores, o espiritismo precisa enfrentar essa defesa no âmbito interno do movimento doutrinário, procurando elevar os seus adeptos à verdadeira compreensão da doutrina. (O infinito e o finito)

Crença e ciência – Certas pessoas querem negar a natureza científica do espiritismo, por considerarem a ‘crença’ espiritual uma simples superstição. Alegam que desde as eras mais remotas os homens acreditaram em espíritos. Mas não é o fato de sempre haverem acreditado o que importa, e sim o fato das próprias investigações modernas confirmarem essa crença. (O espírito e o tempo)

Fé e razão – O ato de crer é emotivo e antecipa a razão. A fé nascida da crença é sugestiva e, portanto, emocional. Pode levar à paixão e ao fanatismo, gerando os monstros sagrados dos torturadores e assassinos a serviço de Deus. (Educação para a morte)

Mestres – Os que realmente estudam e compreendem a doutrina sentem-se humildes diante da sua grandeza e não pretendem passar por mestres. São colegas mais aplicados que apenas se esforçam para ajudar os companheiros de escolas no aprendizado necessário. (O mistério do bem e do mal)

Doutrina de estudos – O espiritismo é uma doutrina que existe nos livros e precisa ser estudada. Trata-se, pois, não de fazer sessões, provocar fenômenos, procurar médiuns, mas de debruçar o pensamento sobre si mesmo, examinar a concepção espírita do mundo e reajustar a ela a conduta através de moral espírita. (Introdução à moral espírita)

Espíritas e espiritualistas seguramente perceberão melhor a evolução da Humanidade através de Herculano. A psicanalista Valéria Pessoa é admiradora incondicional do Herculano Pires. Que nem eu, embora eu ainda esteja na condição de aprendiz de bê-a-bá.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 13 de novembro de 2017

LER MONTAIGNE

Humanista por derradeiro, Montaigne defendeu um certo número de teses sobre as quais sempre retomou em seus Ensaios. Tendo uma vida dividida entre uma carreira jurídica e administrativa (foi prefeito de Bordeaux, França), aproveitava-se dos retiros em seu castelo para se isolar e escrever. O tema: a sabedoria.

Ensaios é sua obra-prima, que floresceu após 20 anos de reflexão. Consiste em um modo de pensar criticamente a sociedade do século XVI, embora aborde temas variados. Algumas de suas teses são:

1 – Toda ideia nova é perigosa;

2 – Todos os homens devem ser respeitados (humanismo); e

3 – No domínio da educação, deve-se respeitar a personalidade da criança. Esta última tese chama atenção, já que para Montaigne deve-se formar um homem honesto e capaz de refletir por si mesmo. Este homem deverá procurar o diálogo com os outros, tendo senso de relatividade sobre todas as coisas. Assim, ele conseguirá se adaptar à sociedade onde deverá viver em harmonia com os outros homens e com o mundo. Ele será um espírito livre e liberto de crenças e superstições.

Segundo ainda Montaigne, os pensamentos e atitudes do homem estão submetidos ao tempo, que pode metamorfoseá-los. Para chegar a esta conclusão, costuma-se ver o pensamento de Montaigne dividido em três etapas evolutivas. A primeira fase é a do estoicismo, na qual o filósofo adota, sob a influência de seu amigo La Boétie, a pretensão estoica de alcançar a verdade absoluta. Mas seu espírito convive mais com a dúvida, e a experiência estoica certamente marcou, para sempre, a ruptura de Montaigne com qualquer ideia de verdade absoluta. A segunda fase, como consequência da primeira e também em razão do ambiente em que viveu, numa França dividida pelos conflitos intelectuais entre católicos e protestantes, com muita violência e guerras, Montaigne é seduzido pelos filósofos do ceticismo, da dúvida. Segundo estes, se o homem não sabe nada de si mesmo, como pode saber tanto sobre o mundo e sobre Deus e Sua Vontade? A dúvida é para Montaigne uma arma contra o fanatismo religioso. Na terceira e última etapa, já maduro e ao fim de sua vida, Montaigne se interessa mais por si mesmo do que por outros filósofos. Seus últimos escritos, os “Ensaios”, são muito pessoais. Ele se persuadiu de que o único conhecimento digno de valor é aquele que se adquire por si mesmo. Seu ceticismo ativo é uma tentativa de crítica radical dos costumes, dos saberes e das instituições da época. Com isto, a contribuição de Montaigne é fundamental na constituição do  pensamento moderno.

Os Ensaios tratam de uma enorme variedade de temas: da vaidade, da liberdade de consciência, dos coxos, etc., e por serem ensaios não têm uma unidade aparente. Livremente, o filósofo deixa seu pensamento fluir e ganhar forma no papel, vagando de ideia em ideia, de associação em associação. Não escreve para agradar os leitores, nem escreve de modo técnico ou com vistas à instrução. Ele pretende, ao contrário, escrever para as gerações futuras, a fim de deixar um traço daquilo que ele foi, daquilo que ele pensou em um dado momento. Montaigne adotou o princípio grego “Conhece-te a ti mesmo”. Portanto, segundo ele, a escrita é um meio de chegar a este conhecimento de si.

Montaigne nasceu em dia não sabido no Castelo de Montaigne, de propriedade de seu pai, na Dordonha (França). Adotou o nome da propriedade ao herdá-la em 1568. Sua mãe descendia de judeus portugueses. Michel de Montaigne foi educado em latim e sempre dedicou interesse às letras, passando, porém, progressivamente, da poesia à história. Também se interessava pelos relatos de viagem e teve oportunidade de encontrar um índio sul-americano conduzido à Europa, que lhe inspiraria o magnífico capítulo 31 do Livro 1 dos seus Ensaios: “Dos Canibais”, onde demonstra com grande eficácia sua crítica dos preconceitos e do etnocentrismo (em plena época da guerra das religiões).

Conselheiro do Parlamento de Bordeaux de 1557 a 1570, Montaigne aí conheceu o poeta e pensador Étienne de La Boétie. Tornou-se seu amigo até a morte precoce de La Boétie, em 1563, aos 33 anos. Em 1574, após a Noite de São Bartolomeu – massacre de protestantes por católicos em Paris – Montaigne fez no Parlamento de Bordeaux um discurso notável em prol da tolerância religiosa, conclamando todos a evitar a violência e estabelecer a ordem pela força da palavra e das ideias.

Aos 32 anos, em 1565, ele se casa com Françoise de la Chassaigne, onze anos mais jovem que ele. Teve com ela seis filhos, dos quais apenas uma menina, Leonor, sobreviveu. Condecorado em 1571 pelo rei Henrique 3o com a Ordem de Saint-Michel e nomeado Cavalheiro Ordinário da Câmara do rei, também foi honrado por Henrique 4o em 1577 com o título de Cavaleiro de sua Câmara. Elegeu-se prefeito de Bordeaux e exerceu o cargo entre 1580 e 1581.

Ao fim de sua vida, preferiu tornar-se um simples observador da vida pública. Tendo começado a escrever em 1572, publicou os dois primeiros volumes de Ensaios em 1580, mas a eles acrescentou um terceiro volume e diversas modificações em 1588, neles trabalhando ainda em 1592, seu último ano de vida.

Montaigne criticou a educação livresca e mnemônica, propondo um ensino voltado para a experiência e para a ação. Acreditava que a educação livresca exigiria muito tempo e esforço, o que afastaria os jovens dos assuntos mais urgentes da vida. Para ele, a educação deveria formar indivíduos aptos ao julgamento, ao discernimento moral e à vida prática.

Segundo o escritor Eric Auerbach, “com Montaigne, a vida humana torna-se problemática, no sentido moderno, pela primeira vez.” Uma leitura que é tal e qual o vinho, quanto mais velha, mais atualizada.

Um texto amplamente desabestalhador para gregos e troianos.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 06 de novembro de 2017

UMA LEITURA INADIÁVEL

Atendendo uma sugestão de amiga muito amada, a carioca Viviane Lima, que mora em Botafogo, bairro de uma cidade tiroteada sem trégua, outrora consagrada como Cidade Maravilhosa, hoje governada por um Pezão de pouca ação preventiva, vítima de um Cabral ladravaz, principiei a ler, no segundo semestre do ano passado, reverenciando os meus desencarnados pais Maria Luiza e Antônio Carolino, sempre presentes no meu caminhar existencial, um livro de fundamental significado para o meu aprendizado de engatinhante na Doutrina Espírita: O problema do ser, do destino e da dor – os testemunhos, os fatos, as leis; estudos experimentais sobre aspectos ignorados do ser humano, as personalidades duplas, a consciência profunda, a renovação da memória, as vidas anteriores e sucessivas, Léon Denis, BSB, FEB, 2015, 413 p.

O trabalho magistral do francês Denis (1846-1927) está dividido em três partes – O problema do ser, O problema do destino, As potências da alma. Em cada uma delas, o autor busca responder a questões que desafiam a mente humana, unindo lógica e sentimento, exaltando a realidade da sobrevivência do Espírito após a morte. Suas reflexões o consagraram, nos meios especializados, como O Apóstolo do Espiritismo, tudo se iniciando quando ele ainda era um recém saído da adolescência. O testemunho é do próprio: “eu estava mais ou menos com 18 anos quando, em 1864, passando um dia por uma das principais ruas da cidade, vi em uma livraria O Livro dos Espíritas de Allan Kardec. Eu o comprei avidamente , escondendo-o de minha mãe, sempre muito cuidadosa com minhas leituras. Detalhe curioso: ela havia encontrado o meu segredo e, por sua vez, lia essa obra em minha ausência. Ela se convenceu como eu, pela beleza e grandiosidade dessa revelação.”

O livro do Denis acima citado possui uma Introdução, datada de 1908, escrita quando ele tinha 62 anos, que deveria ser amplamente distribuída por todos os setores sociais do país, tamanha a atualização das suas constatações feitas no alvorecer do século passado. Apontemos algumas, servindo elas para um novo despertar existencial em muitos, espíritas ou não: “A maior parte dos professores e pedagogos afasta sistematicamente de suas lições tudo que se refere ao problema da vida, às questões de termo e finalidade” … “A educação que se dá às gerações é complicada, mas não lhes esclarece o caminho da vida; não lhes dá a têmpera necessária para as lutas da existência” … “A crise existe, inquietante. Sob a superfície brilhante de uma civilização apurada, esconde-se um mal-estar profundo. A irritação cresce nas classes sociais. O conflito dos interesses e a luta pela vida tornam-se, dia a dia, mais ásperos. O sentimento do dever se tem enfraquecido na consciência popular, a tal ponto, que muitos homens já não sabem onde está o dever. A lei do número, isto é, da força cega, domina mais que nunca. Pérfidos retóricos dedicam-se a desencadear as paixões, os maus instintos da multidão, a propagar teorias nocivas, às vezes criminosas. Depois, quando a maré sobe e sopra o vento da tempestade, eles afastam de si toda responsabilidade” … “Nenhuma obra humana pode ser grande e duradoura se não se inspirar, na teoria e na prática, em seus princípios e em suas explicações, nas leis eternas do universo. Tudo que é concebido e edificado fora das leis superiores se funda na areia e desmorona” … “Os espíritos de escol professam o Niilismo metafísico, e a massa humana, o povo, sem crenças, sem princípios, está entregue a homens que lhe exploram as paixões e especulam com suas ambições” … “Para cooperar na evolução geral e recolher todos os seus frutos, é preciso, antes de tudo, aprender a discernir, a reconhecer a razão e o fim dessa evolução, saber aonde ela conduz, a fim de participar, na plenitude das forças e das faculdades que dormitam em nós, dessa ascensão grandiosa.”

Ressalta Denis no capítulo XXIV do seu livro notável, também alicerce: “Não há progresso possível sem observação atenta de nós mesmos. É necessário vigiar todos os nossos atos impulsivos para chegarmos a saber em que sentido devemos dirigir nossos esforços para nos aperfeiçoarmos.” Em miúdos: o todo somente será benéfico se beneficiar o todo, onde cada um tem a responsabilidade de auxiliar o seu derredor. Não apenas lacrimejando-se em período natalino.

Confesso sem a mínima dúvida: depois de ter lido O Livro dos Espíritos, foi uma citação do livro de Denis acima citado que em mim sedimentou a certeza de, um dia, rever meus entes mais amados: “O mal é apenas o estado transitório do ser em via de evolução para o bem; o mal é a medida da inferioridade dos mundos e dos indivíduos, é também, como vimos, a sanção do passado. Toda escala comporta graus; nossas vidas terrestres representam os graus inferiores de nossa ascensão eterna.”

Sua bênção, minha mãe, sua bênção, meu pai! Obrigado por vocês existirem fluidicamente sempre perto de mim! Um dia nos reencontraremos para toda a vida, sob a Luz misericordiosa de Deus!!! Até breve!!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 30 de outubro de 2017

ANALFABETANUMÉRICOS

Está se tornando epidemia de funestas consequências o mal intitulado pelos peritos educacionais de analfabetismo funcional, que seguramente será vedete no ENEM que será iniciado no próximo domingo. A pessoa sabe, mal ou bem, ler o que se encontra escrito, mas não compreende o que está lá escrito. As sequelas de tal fenômeno estão grassando por toda parte: ministro que classifica a morosidade de uma gestão presidencial de “masturbação sociológica”, sem atentar sequer para o fato do primeiro mandatário ser um senhor quase octagenário, já com “aquilo” em fase involucionária crescente, muito embora sempre se postando ao lado de beldade de muito encantador nível visual, fotogênica por derradeiro, sempre com muita dignidade comportamental, apesar de o marido não ser do mesmo quilate, já tendo recentemente sido agraciado pelos brasileiros com o menor índice de popularidade de nossa história, percentual reduzido a cada amanhecer pela ação de um ministeriozinho chifrim, de invejável porte mediocral, amparado por um Congresso Nacional “bostélico”, de compulsivas inclinações delinquenciais, há muito plenamente identificadas pelos analistas da imprensa livre dos países desenvolvidos.

Outro dia, assistindo com a minha mulher um programa matinal que falava de saúde familiar e outras novidades caseiras, onde era entrevistado uma pessoa que se dizia especialista em área digestiva, ela incentivava o pouco uso de comidas condimentadas, posto que elas poderiam afetar o “pálato”, proporcionando “infelicidades” nasais sem “rúbrica” de qualquer espécie. Impressionou-me a cena televisiva: entrevistador e mais duas personagens que compunham o cenário não emitiram qualquer sinal de espanto, parecendo concordar com a “jumentalidade” oral cometida pelo entrevistado, que continuava com um semblante de eminência impoluta.

Na área quantitativa, por exemplo, encareço uma passadinha d’olhos no programa de televisão do Ratinho, onde um saco plástico de água vai se enchendo sob a cabeça do participante, ele só se livrando se responder corretamente às perguntas formuladas pelo animador. Outro dia, ele perguntou a uma jovem trintona quanto era três dúzias. A desgraceira foi grande, o saco plástico estourando sobre a cabeça dela, que já tinha oferecido umas cinco respostas, absurdas, olhando ansiosa para o público presente em busca de “sopro salvador”. Uma ainda jovem senhora, bem vestida, maquiada, aparentando boa saúde, bunda e seios ainda demonstrando certo grau de sedução, que acabou toda molhada, rindo desbragadamente pelo “banho” tomado, quando deveria sair do programa soluçando fortemente, tamanha a demonstração de ignorância cultural dada a milhares de expectadores ligados na TV, nos quatro cantos do país.

Recentemente, um PhD de mesmo, matemático John Allen Paulos, colaborador do The New York Times e da Newsweek, e autor do aclamado Mathematics and Humor, publicou um trabalho, intitulado Innumeracy, divulgado pela Nova Fronteira como Analfabetismo em Matemática e suas Consequências, onde ressalta o custo social provocado pela inabilidade de muitos diante de mínimos cálculos quantitativos, gerando decisões confusas, políticas governamentais equivocadas e aceitação piegas de raciocínios tortuosos recheados e malabarismos pseudocientíficos. Estilando humor refinado, enaltecendo algumas “cavilações” advindas dos analfabetanuméricos, alguns deles executivos de primeira linha, dirigentes públicos e pessoas até bem dotadas de polpudas poupanças e consideráveis patrimônios, muitos dos quais sugados de inadvertidas comunidades, alguns até buscando eleições majoritárias próximas.

Do instigante trabalho do professor Allen Paulos, dois pequenos trechos devem ser divulgados, favorecendo uma maior eficácia dos procedimentos desbabaquizadores promovidos nas empresas, nas instituições públicas, nos lares e nos sistemas educacionais dos mais diferenciados graus. O primeiro: “O analfabetismo em matemática e a pseudociência estão frequentemente associados, em parte devido à facilidade com que a certeza matemática pode ser invocada para obrigar os ignorantes a uma aquiescência muda”. O segundo: “Equívocos românticos quanto à natureza da matemática levam a um ambiente intelectual que favorece a instrução matemática falha e até a estimulam, quando não incitam à aversão psicológica pelo assunto”.

Mais um exemplo que atemoriza, cada um podendo comprovar sem dificuldade: quando você vai pagar um produto qualquer em dinheiro, as máquinas já se encontram preparadas para declarar qual é o troco a ser dado ao cliente. Proporcionando um embrutecimento mental crescente no vendedor, que se tornará breve mais um “robotizado” eletrônico, enfiador de dedinho em teclado e leitor do que está lhe dizendo o visor da maquininha.

Para quem gosta de contar anedotas bem dotadas de sutilezas, deve observar atentamente o derredor ouvinte. Alguns sorriem de imediato, enquanto outros ficam alguns bons segundos ruminando, deixando posteriormente cair a ficha. Enquanto outros, fingem que entenderam a tirada da piada, rindo com um impressionante sabor de saldo zero.

No mais é refletir dois-mil-réis sobre um pensar famoso de William Cowper, cientista pra lá de prêmio Nobel: ”Seguir precedentes tolos e piscar com os dois olhos é mais fácil do que pensar”.

E o índice inflacionário, óia aqui, bem pequenininho, embora a bandalheira continue bastante taluda, envolvendo gente graúda, muitos ainda escondidos por debaixo dos panos, a la Ney Matogrosso…


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 23 de outubro de 2017

SOBRE UMA AGRESSÃO EXTREMA

Lamentavelmente, a atual turbulência planetária está provocando um aumento percentual preocupante sobre a prática do suicídio em todas as regiões do planeta, independentemente de níveis de renda e etnias.

Li, semana passada, uma carta mediúnica enviada por Fernanda Luiza Batista dos Santos, de apenas 13 anos, desencarnada no anoitecer de 29 de outubro de 1980, enviada seis meses após sua partida. A própria mãe da Fernanda, D. Maria Aparecida Gatez Santos assim se expressou após o recebimento: “A mensagem de minha filha ajudou-me a ter certeza de que um dia nos encontraremos novamente, e este é o meu maior desejo. Vivo cada dia à espera de uma segunda mensagem se o bom Deus permitir. Nosso amado Chico Xavier conseguiu reanimar toda nossa família.”

Que a mensagem enviada pela menina ainda quase criança Fernanda aos seus pais, abaixo na íntegra transcrita, possibilite uma meditação serena e consequente entre todos aqueles que buscam orientar seres humanos, evitando tresloucados gestos de agressão à vida. Ei-la:

“Querida Mamãe Aparecida, abençoe a sua filha, perdoando-me o desequilíbrio a que me entreguei sem pensar na dor que lançava em meu próprio caminho.

Sou trazida até aqui pela vovó Maria Honorata porque, por mim própria, não conseguiria vir.

Sei que alterei a família toda com a resolução infeliz.

Querida Mãezinha, você e o papai Mauro me perdoarão se procurei aquela arma propositadamente. Aproveitei o ruído daquele mesmo aparelho de som, que a sua bondade me deu com sacrifício, para liquidar comigo!

Ninguém conseguirá imaginar o sofrimento da infeliz menina que fui por minha própria conta! Nada sabia da vida nem guardava experiência alguma. Entretanto, a ideia de me ausentar do mundo me obcecava…

Não pensei no sofrimento dos meus e nem avaliei quanto me queriam todos em casa. Um pequenino desgosto de criança rebelde e compliquei tanta gente…

Pobre Sam! Um amigo que nem podia tomar conhecimento de minha presença, e eu a dramatizar o inexistente!

Querida Mãezinha, reconheço que aos pais não preciso rogar desculpas, no entanto sinto-me de joelhos a lhes pedir para que me auxiliem, esquecendo-me o gesto alucinado…

Não sei todo o que se passou…

Lia com interesse a tudo quanto se referisse aos casos de amor e paixão e, antes de me formar na fé, acreditei-me pessoa adulta, quando não passava da menina que se afundou voluntariamente num poço de lágrimas.

Tenho recebido o socorro de vários parentes, dentre os quais me sinto mais ligada à vovó Honorata, porque ainda não saí da posição de doente grave. Tenho o coração doendo e a cabeça ainda bastante desorientada. A senhora, meu pai, o Walter João e as irmãs compreenderão que não pode ser de outra maneira.

Não tenho palavras para descrever o meu arrependimento, no entanto deixaram-me escrever-lhe estas notícias, para que me alivie, desinibindo os meus sentimentos sufocados.

Rogo à Anita, a Aparecida Helena e à Glória para me perdoarem. Quando me lembrem, por favor, não me recordem como sendo o retrato de uma criança enlouquecida de arma na mão. Recordem-me nos momentos em que, despreocupada, não me intoxicara, ainda, com ideias de autodestruição.

Preciso refazer a minha própria imagem. A vó Luiza e a irmã Ana, que veio até a minha pobre presença a pedido de nosso Carlos, muito me amparam.

Envergonho-me, porém, de receber tantas bênçãos, quando errei calculadamente, conquanto sem conhecimento antecipado do que fazia. Agradeço às nossas amizades que, até hoje, me reconfortam com orações.

A nossa benfeitora Maria Conceição de Barros, a quem o seu carinho rogou por mim, estendeu-me as mãos, e um médico de nome Dr. Ulysses, também de Franca, se compadeceu de mim por intercessão dela.

Como vê, não estou desvalida, porque a Infinita Bondade de Deus não nos abandona. Apenas ignoro como conseguirei rearticular o meu organismo agora dilapidado. A vovó Honorata me consola e busca reanimar-se.

Querida Mamãe Cida, perdoe-me e aceite-me por sua filha outra vez… Creia, Mamãe, só a cabeça perturbada e doente me faria agir contra mim própria e contra a felicidade dos que mais amo.

Não posso continuar, porque o pranto não escreve, e as lágrimas me asfixiam os pensamentos com que eu desejava formar as palavras de súplica à família toda, para que me recebam novamente no coração, tal qual fui antes de minha resolução infeliz. Deus nos proteja e me auxilie a retornar a tranquilidade que ainda não tenho.

O papai e todos os meus me perdoarão com o seu apoio de mãe, e eu lhe rogo, querida mamãe, para que seu sorriso brilhe de novo para mim, a fim de que eu possa recomeçar a minha caminhada de esperança.

Perdoe-me e receba em seu colo a sua filha, que é hoje sua criança doente.

Ensine-me outra vez a pronunciar o nome de Deus com a fé que o seu carinho me transmitiu; cante outra vez, para que tanta dor me permita dormir e receba muitos beijos de sua filha, ainda errada e sofrida, mas sempre sua filha de coração, por ser agora a mais necessitada de todas.

Sempre a sua, Fernanda. Em 25 de abril de 1981.”

Com a devida permissão do amigo Luiz Berto, amigo que muito estimo, reproduzo, abaixo, algumas dicas do Emmanuel, mentor espiritual do Chico Xavier. Para complementar a meditação que cada um fará, após a leitura da carta da Fernanda Luzia Batista dos Santos:

Ninguém te pode medir a dor, mas urge reconhecer que, por mais que soframos, há sempre alguém na travessia de obstáculos maiores”; “E, quando a noite se te descobre ante a jornada, os astros refletidos em teu olhar proclamarão, por dentro de ti mesmo, que força alguma te poderá despojar da condição luminosa de criatura de Deus.”

E que todos sejam pessoas alegres e agradáveis para si próprios e para os outros, os votos fraternos de quem se tornou caminheiro em processo de alfabetização da Doutrina Espírita!!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 16 de outubro de 2017

UMA HISTÓRIA POLÊMICA: O EVANGELHO DE JUDAS

 

Creio que uma das maiores revelações do século 20 foi a descoberta, em 1970, do Evangelho de Judas, num deserto egípcio perto de El Mynia. Com bordas de couro, o documento circulou por vários antiquários, permaneceu em um banco de Nova York por 16 anos, até ser adquirido, em 2000, pela antiquária greco-suíça Frieda Nussberger-Tchacos. Que confiou o manuscrito à fundação suíça Maecenas, fevereiro de 2001, para restauração, tradução e análise, trabalho feito sob a coordenação do professor Rodolpher Kasser, especialista em manuscritos, da Universidade de Genebra. Kasser disse jamais ter visto um manuscrito em um estado tão ruim: páginas faltavam, o topo das páginas, onde ficavam os números, estava rasgado, e havia quase mil fragmentos de papiro. Para reconstituir, segundo ele, o “quebra-cabeças mais complexo jamais criado pela história“, o professor Kasser foi auxiliado pela restauradora de papiros Florence Darbre e pelo especialista em copta dialetal Gregor Wurst, da Universidade de Augsburg (Alemanha). O documento, chamado “Códice Tchacos“, foi posteriormente devolvido ao Egito e atualmente pode ser observado no Museu Copta do Cairo.

O Evangelho de Judas é um evangelho apócrifo, atribuído a autores gnósticos nos meados do século II, composto de 26 páginas de papiro escrito em copta dialectal. Conta a versão de Judas Iscariotes sobre a crucificação de Jesus. Pelo livro, Judas supostamente traiu Jesus apenas para cumprir um mandamento do próprio Salvador.

Desaparecido por quase 1700 anos, a única cópia conhecida do documento foi publicada em 6 de abril de 2006 pela revista National Geographic. O manuscrito, autentificado como datado do século III ou IV (220 a 340 D.C.), é uma cópia de uma versão mais antiga redigida em grego. Contrariamente à versão dos quatro Evangelhos oficiais, este texto clama que Judas Iscariotes era o discípulo mais fiel a Jesus, e aquele que mais compreendia os seus ensinamentos. O seu conteúdo consiste basicamente em ensinamentos de Jesus para Judas, apresentando informações sobre uma estrutura hierárquica de seres angelicais e uma outra versão para a criação do universo.

Mario Jean Roberty, diretor da Fundação Maecenas, com sede em Basileia, garante que com os resultados dos testes realizados no documento pode-se afirmar, sem dar margem a dúvidas, que o texto foi transcrito entre o século III e o século IV.

O trecho-chave do documento é atribuído a Jesus, dizendo a Judas: “Tu vais ultrapassar todos. Tu sacrificarás o homem que me revestiu“. Segundo o pensamento gnóstico, esta frase significaria que com a delação Judas estaria contribuindo para que Jesus Cristo pudesse libertar o seu espírito, livrando-se de seu invólucro carnal. “Essa descoberta espetacular de um texto antigo, não-bíblico, considerada por alguns especialistas como um dos mais importantes jamais descobertos nos últimos 60 anos, estende nosso conhecimento da história e das diferentes opiniões teológicas do início da era cristã“, esclarece Terry Garcia, um dos responsáveis da revista estado-unidense National Geographic, presumindo que o original provavelmente tenha sido escrito em grego e seja datado do início do século II.

A existência do Evangelho de Judas havia sido atestada pelo primeiro bispo de Lyon, São Irineu, que o denunciou em um texto contra as heresias, na metade do século II. O bispo teria explicado neste documento que, segundo a sua opinião, nos tempos dos apóstolos aconteceram diversas tentativas de se espalhar o erro e perturbar a união dos cristãos, e que alguns faziam-se passar por convertidos, exclusivamente para disseminar doutrinas contrárias a da Fé Apostólica.

O bispo Irineu também comentou a existência de uma seita gnóstica chamada de Cainitas, cuja crença era baseada no princípio que o mundo material é imperfeito, tendo sido criado não por um Deus Supremo e sim por uma inteligência criadora inferior a este. Além de Irineu, Epifânio, bispo de Salamina, também argumentou sobre a existência desse manuscrito no ano de 375 d.C.

Elaine Pagels, professora de Religião na Universidade de Princeton e uma das mais conceituadas especialistas mundiais sobre os Evangelhos gnósticos, considera que “a descoberta surpreendente do Evangelho de Judas, bem como daqueles de Maria Madalena e de diversos outros documentos dissimulados durante quase 2000 anos, modifica nossa compreensão dos primórdios do cristianismo. Essas descobertas erradicam o mito de uma religião monolítica e mostram o quanto o movimento cristão era realmente diversificado e fascinante no seu início“.

National Geographic consagra um longo artigo sobre o Evangelho de Judas em seu número de maio de 2006, tendo inaugurado uma exposição em 7 de abril de 2006, na sua sede em Washington, DC, onde o público pode contemplar as páginas do manuscrito. A revista, em colaboração com a Fundação Maecenas, apresentou também nos Estados Unidos e na Europa um documentário de duas horas no seu canal de TV a cabo dia 9 de abril de 2006.

Um documento histórico de muita valia para as inúmeras análises que ainda se fazem indispensáveis para melhor compreender os primeiros tempos vivenciados após a desencarnação do Homão da Galileia, um pensador que promoveu a maior revolução do agir religioso de toda a história da Humanidade.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 09 de outubro de 2017

FRASES GENIAIS

 

Tenho um vício desde a juventude: o de gostar de bater papo com gente antenada, que sabe das coisas e possui uma visão descomprometida com os ontens e anteontens bolorentos, aqueles que causam uma hidrocele crescente profundamente inconveniente, indisfarçável ao extremo.

Outro dia, depois de uma longa temporada, visitei o João Silvino da Conceição, que estava trabalhando numa propriedade agrícola na Paraíba, por empreitada. E fui recebido por Dona Conceição, sua mulher, sete arrobas bem distribuídas e com pouca elasticidade mamária, setentona experiente, mente livre e sempre solta, nenhuma flacidez abdominal, muitos quilômetros bem dados, serenidade lindona, sem as louracidades artificiais das que só sabem raciocinar rabolatricamente.

E o Silvino estava à minha espera folheando o livro Frases Geniais, do Paulo Buchsbaum, Rio de Janeiro, Ediouro, 2004, 438 p. Para que pudéssemos escolher as 10 mais cutucadoras, aquelas que beliscam o interior da gente, desabestalhando-nos quase por inteiro, deixando-nos com uma vontade danada de quero-mais-outra, para aprimorar-se um cadinho mais na direção de uma cidadania que está a exigir de nós um alerta gigante diante das patifarias crescente que estão sendo praticadas por um monte de gente de paletó e gravata, com cínicos ares de seriedade e mentes recheadas de conteúdos similares aos triturados pelos intestinos, que vomitam falas merdálicas enfaticamente catingosas.

Depois de umas boas três horas de guaranás e cachorros-quentes deliciosos, vistas e revistas muitas páginas, escolhemos as vitoriosas, aqui explicitadas sob aprovação da família do João Silvino e mais alguns vizinhos achegados, também participantes das deliberações. Ei-las:

1. “Gerenciamento é a eficiência em subir a escada do sucesso; liderança é verificar se a escada está apoiada na parede certa” (Stephen R. Covey, empresário e escritor americano)

2. “Não quero puxa-sacos perto de mim. Quero gente que me diga a verdade, mesmo que isso lhe custe o emprego” (Samuel Goldwyn, produtor de cinema, polonês)

3. “A tendência da burocracia é achar objetivo em qualquer coisa que se esteja fazendo.” (John Kenneth Galbraith, economista canadense, escritor)

4. “Necessidade nunca faz uma boa barganha” (Benjamin Franklin, americano, cientista político, filósofo)

5. “Um idiota pobre é um idiota, um idiota rico é um rico” (Afrânio Peixoto, brasileiro, romancista, ensaísta)

6. “Um povo ignorante é instrumento cego de sua própria destruição” (Simón Bolívar, general venezuelano)

7. “Reconheça sempre que indivíduos são fins e não os use como meios para seu fim” (Immanuel Kant, alemão, filósofo)

8. “Meios poderosos, mas objetivos confusos: essa é a nossa época” (Alberto Einstein, alemão, físico)

9. “Eu sou eu e o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo” (José Ortega y Gasset, espanhol, filósofo)

10. “Ensinar como viver com incerteza, mas sem ser paralisado pela hesitação, é talvez a principal coisa que a filosofia pode fazer.” (Bertrand Russell, galês, matemático e filósofo)

Depois de escolhidas as frases amplamente debatidas pelos presentes, fomos almoçar um sarapatel daqueles, feito a capricho pela dona da casa, numa mesa de doze lugares, onde se assentaram gente da casa e alguns vizinhos admiradores do Silvino.

Apreciando um pudim de laranja, minha sobremesa preferida, indaguei do João como andavam suas leituras últimas, posto que sua fama de devorador de livros era conhecida nas redondezas, ele sempre crivado de perguntas quando cercado de amigos e gente da sua estima. E o João foi buscar umas anotações feitas em papel almaço, do próprio punho, contendo reflexões de personalidades várias, três das quais estão abaixo transcritas com sua expressa permissão:

a. “O homem plenamente espiritual, que vive no mundo sem ser do mundo, é o único fator capaz de realizar algo de positivo e benéfico em prol da humanidade. … O egoísta não pode lançar-se corajosamente, de corpo e alma, ao oceano imenso do reino de Deus, às ondas bravias de uma causa comum, porque tem de calcular meticulosamente e especular sagazmente, a ver se este ou aquele serviço que vai prestar a seus semelhantes não venha a ser um desserviço para seus interesses individuais ou à política estreita da sua família ou grupo social.” (Huberto Rohden (1893-1981), brasileiro, filósofo sem vinculação a nenhuma igreja, seita ou partido político, dirigente do movimento espiritual mundial Alvorada, cujo livro Em Comunhão com Deus integra uma das leituras preferidas do João Silvino)

b. “Que ninguém por ser jovem hesite em filosofar; nem por ser velho de filosofar se canse. Pois ninguém é jovem ou velho para a saúde de sua alma” (Epicuro, Carta a Menelau, IN: Uma história descomplicada da filosofia, Fernando Savater, SP, Planeta do Brasil, 2015, 264 p.)

c. “Tenha confiança em suas capacidades, e caminhe sem temer os obstáculos. Você pode vencer! Você vai vencer! Corresponda à confiança que Deus depositou em você, quando lhe entregou as capacidades de que dispõe, para que você as desenvolvesse e pusesse em prática.” (Torres Pastorino, Minutos de Sabedoria, Petrópolis RJ, Vozes, 2015, 190 p.)

A lição final ficou por conta do Sócrates, o filósofo danadão grego, para quem viver bem é necessário ter virtude, esta se caracterizando por uma mistura de força (para vencer as dificuldades) e de capacidade para saber o que é o melhor a fazer em cada caso. Virtude e saber, tudo a ver, arrematou Silvino com um sorriso arretadamente ótimo, ao lado da sua inspiração de muitos anos.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 02 de outubro de 2017

ENFRENTANDO OPORTUNISMOS

Em qualquer agrupamento, aqui não escapa um, encontramos pessoas que não perdem a oportunidade de aparecer para os outros, mormente os superiores, para isso lançando mão dos mais diferenciados artifícios comportamentais, sejam eles midiáticos ou presenciais. Até nas Escrituras Sagradas encontramos a figura daquela “isperta” que encareceu a Jesus colocar seus dois filhos, um à direita e outro à esquerda d’Ele na sua mesa direcional celestial, sem a menor cerimônia, seu nome só faltando ter sido citado nas documentações histórico-eclesiásticas.

Confesso, sem um pingo de remorso, que tenho uma patológica aversão a gente que se imagina sempre gota-serena, muito embora viva nostalgicamente voltada para não sei quantos anos atrás. Completamente mofada, com ideias vagaluminosas, aquelas que somente reluzem pela parte de trás.

Mas a minha antipatia se quintuplica quando vejo uma pessoa belle époque arrotando grandezas mil, ilusionistas todas, jamais imaginando que o germe mais maléfico da gigantesca crise brasileira atual é o do faz-de-conta, aquele que somente aumenta o cordão dos adeptos da repressão como caminho necessário para o desenvolvimento nacional.

Todo fingidor se reinventa pra trás. Adepto de bugigangas, é individualista por excelência, sempre buscando subverter Fernando Pessoa, ao alardear, pelo comportamento aparentemente civilizado, que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. E sem assimilar, porque egolátrico, o alto significado da advertência de Karl Mannheim: “Toda nossa tradição educacional e nosso sistema de valores ainda estão adaptados às necessidades de um mundo paroquial e no entanto espantamo-nos porque as pessoas se saem mal quando têm de agir num plano mais amplo”.

Todo “isperto” chama de “sonhador” aquele que não sabe levar vantagem em tudo. Compra obra de arte por metro quadrado, menospreza o humor inteligente, é puritano de carteirinha, moralista por incompetência existencial e não percebe que a ignorância é a maior multinacional do mundo. E certamente repreenderia Graciliano Ramos, então revisor do Correio da Manhã, por ele ter instruído um repórter que usara a palavra “outrossim” da seguinte maneira: “Outrossim é a puta que pariu!”.

E o riso “hiênico” de um fingido? Alguém já reparou o quanto ele se esforça para rir quando não entende bulhufas de uma anedota inteligente? Qualquer pessoa pode fazer tal experiência. Pra comprovar na prática, principalmente se a anedota foi dita por superiores ou gente que muito lhe interessa.

Recordo, para os “ispertos”, Eduardo Galeano: “Nos últimos anos, duplicou-se a brecha que separa o Norte do Sul. Será preciso inventar um novo dicionário para o século que vem. A chamada democracia universal pouco ou nada tem de democrática, como o chamado socialismo 21,l pouco ou nada tinha de socialista. Nunca foi tão antidemocrática a distribuição de pães e peixes”.

Gostaria muito de dizer a cada oportunista: como filho da Criação, saiba diferenciar-se pela capacidade de integrar-se solidariamente consigo, em primeiro lugar; somente aquele que tem a mão de alguém para segurar sobrepujará idiotias e modismos embriagadores; desafie-se e encontre alguma coisa verdadeiramente humana para fazer todos os dias. Sem jamais esquecer o ensinamento do sempre lembrado Chico Xavier: “Refira-se a você o menos possível; colabore fraternalmente nas alegrias do próximo”; “em hora alguma proclame seus méritos individuais”; “não viva pedindo orientação espiritual indefinidamente. Se você já possui duas semanas de conhecimento cristão, sabe, à saciedade, o que fazer”; “Não perca sua independência construtiva a troco de considerações humanas. A armadilha que pune o animal criminoso é igual à que surpreende o canário negligente”.

O nosso intuito foi apenas o de alertar uma sociedade acerca de uma perniciosa mania, a de viver arrotando grandezas, sem atos concretos que as justifiquem, o já-fui-bom-nisso sobrestando a emersão de potencialidades capazes de agigantar o contexto na direção de uma respeitabilidade recheada de muita competência e lhaneza.

Nas farmácias homeopáticas do Recife, uma excelente vacina, a preços incrivelmente módicos, se encontra à disposição dos “vaidéticos”. Uma cápsula de Simancol, manhã cedo e antes do desjejum, atenua bastante os efeitos perversos causados pelo vírus da vaidade. Além de manter positivamente em alto nível a curiosidade científica, emulando uma competência salutarmente contemporânea, capaz de entender as razões pelas quais o vocábulo poder vem a ser uma palavra incrivelmente emocional e de reverter humildades, mascarando inteligências pela valorização da esperteza em detrimento da sabedoria, a primeira bem mais fogosa que a segunda, esta atualmente em acelerada baixa.

Contam os monges budistas uma parábola sempre oportuna. Numa excursão, um jovem rico, corado e muito independente subiu ao alto de uma montanha, encontrando um ninho de águia. Retirando de lá um ovo, alojou-o em casa sob uma galinha sua, chocadora de uma meia dúzia de outros tantos. O resultado foi o nascimento de um filhote de águia no meio dos pintainhos. Bem criada, a aguiazinha não sabia sequer que não integrava a categoria. Contentou-se com a sua sina, muito embora, vez por outra, ânsias interiores provocassem o seu interior, como que a dizer “devo ser algo mais que uma simples galinha”.

A falsa galinha jamais tomou qualquer iniciativa, até observar uma águia sobrevoando o galinheiro em missão caçadora. E a convicção, então, aflorou imediatamente: “Não sou galinha. Não nasci pra viver em galinheiro. Meu destino é o céu, ainda que não seja de brigadeiro”. E alçou voo, deslumbrada, imaginando-se muito águia, embora conservando toda a formação de galinha. Resultado: tornou-se águia, sem jamais ter abandonado uma fragilizada mentalidade de galinha!.

Todo “vaidético” é uma águia com cuca de galinha. Sem descobrir seu verdadeiro EU, fantasia-se, empavona-se, vangloria-se tolamente sob o manto de uma impunidade-carcaça que não o incrimina, embora o torne incapaz de efetivar grandes obras com a naturalidade dos realmente notáveis.

O contaminado pela vaidade patológica não se controla. Necessita diuturnas de automassagens, jamais renegando os despudoradamente rasgados elogios dos baba-eggs, que se deleitam pra valer através de reconhecimentos fingidos.

PS. Para todos aqueles que continuam sinceramente teimando por um Mundo Novo.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 25 de setembro de 2017

INSTRUÇÕES SEMPRE OPORTUNAS

 

Uma excelente notícia me chegou de Brasília, ultimamente tomada de mil e uma patifarias políticas, advindas de todos os setores, enxovalhando o conceito de uma urbe traçada sob a genialidade de Oscar Niemeyer e sua equipe talentosa. A FEB – Federação Espírita Brasileira, lá sediada, vai apresentar, em 2018, um arrojado programa editorial, incluindo a reedição, com novas feições gráficas e impecável tradução, dos doze volumes da Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, publicada mensalmente sob a direção de Allan Kardec, de 1858 a 1969, uma leitura imperdível para os estudiosos da Doutrina Espírita, posto que o próprio Codificador já anunciava, no capítulo 3º. De O Livro dos Médiuns, que se tratava de obra indispensável para os estudos da matéria, aconselhando a seguinte ordem para um aprimoramento continuado:

 

 

1º. O que é o Espiritismo, exposição sumária dos princípios da doutrina, “uma visão geral que permite ao leitor abranger o conjunto dentro de um quadro restrito”;

2º. O Livro dos Espíritos, “contendo a doutrina completa tal como a ditaram os próprios Espíritos, com toda a sua filosofia e todas as suas consequências morais”;

3º. O Livro dos Médiuns, destinado “a guiar os que queiram entregar-se à prática das manifestações”;

4º. Revista Espírita, “variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos isolados, que completam o que se encontra nas duas obras precedentes.” Sempre ressaltando Kardec que “sob esse aspecto, não preconizamos, nem criticamos obra alguma, pois não queremos influenciar, de nenhum modo, a opinião que dela se possa formar. Trazendo nossa pedra ao edifício, colocamo-nos nas fileiras. Não nos cabe ser juiz e parte e não alimentamos a ridícula pretensão de ser o único distribuidor da lua. Compete ao leitor separar o bom do mau, o verdadeiro do falso.”

Antecipando-se à esperada reedição da Revista Espírita, sugerimos aos que estão ensejando os primeiros passos de uma profícua nova caminhada espiritual, dois livros bastante elucidativos, além de bem estruturados didaticamente, ambos relacionados a trechos contidos nos doze volumes da Revista, mensalmente editadas de 1858 a 1869. O primeiro é de autoria de um economista PhD, paulista, ex-administrador do Banespa, Geziel Andrade. Editado pela Editora EME e destinado aos que desejam satisfazer a curiosidade sobre inúmeros aspectos da vida de Allan Kardec e a Doutrina Espírita, O Homem que Conversou com os Espíritos, traz um método de pesquisa comprovadamente eficaz. Através de uma muito ampla pesquisa bibliográfica e um esmiuçar cuidadoso de toda a coleção da Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, coordenada doze anos pelo Kardec até a sua desencarnação, Geziel Andrade, descansativamente, percorre toda a cronologia da elaboração da doutrina, considerada a terceira revelação prometida por Jesus. Através do seu texto, o leitor não-especializado comprova “fatos e acontecimentos que marcaram a vida desse homem sábio, corajoso, trabalhador, dotado de enorme bom-senso e de extraordinário espírito benevolente e empreendedor.” E também toma ciência dos princípios da Doutrina Espírita, com as renovações que elas trouxeram para a Humanidade, favorecendo uma transformação moral de um planeta que está a necessitar ser amplamente renovado na direção de um lugar mais próximo da Criação. Os 101 capítulos do livro são sintéticos, cada um deles trazendo ao seu final uma bibliografia orientadora enxuta, própria para os iniciados. Como Apêndice, o autor faz uma cronologia dos fatos que marcaram a vida do Professor Denizard Hippolyte León Rivail, desde seu nascimento na França, em 3 de outubro de 1804, até 1854, no seu encontro casual com o senhor Fortier, que lhe deu conhecimento acerca do fenômeno das cadeiras girantes, atribuída às propriedades do magnetismo. A partir daí, os capítulos do livro explicitam uma trajetória que alterou as crenças de milhões em todo a área terrestre. Os de espírito aberto acertadamente ampliarão suas enxergâncias através do livro do Geziel Andrade, um economista PhD que se encontra muitos furos acima dos apenas cálculos matemáticos e do economês macroeconômico.

O segundo livro é oportunamente significativo para a conjuntura atual do Movimento Espírita Brasileiro. Trata-se de Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita, FEB, Brasília, 2014, 253p., organizado por Evandro Noleto Bezerra, que ressalta a principal razão do trabalho editado: “nem todos os espiritas já tiveram a oportunidade de compulsar as páginas da Revista Espírita – o jornal de estudos psicológicos de Allan Kardec – publicada sob a responsabilidade direta do Codificador no período de janeiro de 1858 a abril de 1869.” Que explicita objetivamente: “Além das matérias de cunho doutrinário e daquelas relacionadas com a fenomenologia mediúnica, os 12 volumes da Revista Espírita constituem riquíssimo acervo em instruções e esclarecimentos de grande valia, da lavra do próprio Codificador, especialmente dirigidos aos espíritas e ao Movimento Espírita. São orientações judiciosas, que primam pela urbanidade, pela clareza e pela correção de estilo, muitas delas visando à formação de grupos e de sociedades espíritas, que, então se multiplicaram na França e em outros países. Dir-se-ia que foram escritas hoje, tamanha é a sua atualidade e oportunidade.” Muito esclarecedor é o capítulo XII – Falsos irmãos e amigos inábeis -, que recomendamos com entusiasmo. O livro inclui uma síntese da biografia de Allan Kardec, de autoria de Henri Sausse, satisfazendo o interesse de muitos pela trajetória existencial do responsável pela explicitação da Terceira Revelação.

Leituras que ampliam substancialmente as enxergâncias dos que acreditam na imortalidade do espírito através de suas várias e sempre aperfeiçoadas reencarnações.

PS. No próximo dia 1° de outubro, no Shopping Plaza, no Recife, às 10 horas da manhã, lançamento do filme A Menina Índigo, sobre Sofia, uma menina pra lá de diferente, QI altíssimo! Vale a pena assistir!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 18 de setembro de 2017

ATITUDES VENCEDORAS

Nossa integral solidariedade para com os promotores que estão combatendo um dos males mais terríveis dos tempos contemporâneos: o suicídio. Uma desistência de viver por motivos vários, o mais significativo deles é uma profunda depressão existencial, daquelas que distancia o ser humano das realidades possíveis que favorecem um nível mínimo de felicidade.

Infelizmente, num mundo atual de múltiplas crises – sociais, econômicas, financeiras, religiosas, políticas e morais -, a incapacidade de ser possuidor de atitudes restauradoras se agiganta, favorecendo decepções com a Vida, desfavorecendo caminhadas consequentes, ampliando pânicos diante dos desafios que obstaculizam simples objetivos, por menores que sejam, desestruturando emocionalidades.

De uns tempos para cá, tenho revigorado meus alicerces vitais através de leituras notáveis sobre superação, favorecido por meditações diárias e leituras convincentes complementares, das quais relato abaixo três exemplos que me sensibilizaram bastante.

O primeiro deles é sobre a biografia de uma mulher bravia, nada convencional para sua época, responsável maior pela estabilidade à vida do seu marido, o gigante da Reforma Protestante, Martinho Lutero. Tida e havida como “a primeira-dama da Reforma”, a vida de Catarina van Bora ainda é exemplar nos tempos atuais, passados 500 anos, sua personalidade considerada fulgurantemente modelo nos dias de hoje. O livro de Ruth A. Tucker, A primeira-dama da reforma: a extraordinária vida de Catarina von Bora, Rio de Janeiro, editora Thomas Nelson, 2017, 222 p., explicita uma vida que deveria ser seguida em todas as regiões do planeta, quando a alma feminina ainda não possui afirmativa relevância evangélica, nunca submissa, tampouco doentia, como portava a Estrela da Manhã de Wittenberg.

Esclarecimentos de Ruth Tucker, autora de tão necessária biografia nas comemorações dos 500 anos da Reforma: “O casamento de Martinho e Catarina acabou sendo tudo, menos um escândalo, como seus inimigos reivindicavam ser… O papel de Catarina não pode ser superestimado.” O pensar de Laurel Tatcher Ulrich continua valendo até hoje: “Mulheres bem comportadas raramente fazem história”.

Segundo a autora, Catarina von Bora era mais equilibrada emocionalmente que o marido. A Reforma não teria êxito se ela não existisse, apesar dos resmungados invejosos dos reformistas de então, que ainda não compreendiam o papel feminino na libertação integral do Ser Humano.

O segundo livro é técnico, destinado aos que se portam atabalhoadamente diante dos desafios de uma contemporaneidade ainda pouco delineada nesta trôpega segunda década do século 21. Trata-se de uma série de pequenos ensaios, contendo as ferramentas necessárias para uma forte guinada existencial, ultrapassando barreiras aparentemente intransponíveis, resultando numa vida pessoal e organizacional repleta de realizações vitoriosas, compromissadas com amanhãs positivos, se bem utilizados o trinômio capacitação x criatividade x autoconhecimento, além de uma fé inquebrantável na Criação, sem chiliquismos nem os histerismos nulificantes, incompatíveis com os ensinamentos advindos do Altíssimo.

 

 

O livro se intitula Coaching: a hora da virada, Maurício Sita coordenador editorial, São Paulo, Literare Books, 2017, 400 p. Constituído de 53 cases, os textos curtos e objetivos favorecem uma rápida compreensão do leitor, situando-o no seu contexto atual, favorecendo nele um embasamento operacional para mudanças que resultem em iniciativas que ensejem metas mais elevadas, favorecendo um sentir-se potencialmente desalienado. Eis alguns “insights” extraídos do livro, autores omitidos por princípios cautelares, evitando-se merchandisings desnecessários: a. Oferece-se dois computadores com a mesma configuração a dois jovens pré-universitários. O primeiro navega por ambientes repletos de vírus, curtindo sites pornográficos. O segundo, mais cauteloso, garante o PC com um antivírus, navegando sempre por ambientes informativos de boa qualidade. Em seis meses, quem estará em melhores níveis profissionais? Logicamente, o segundo estará mais apto em adquirir mais conhecimentos, capacitando-se para novos empreendimentos e favorecendo-se com a multiplicidade de ideias captadas; b. Francis Bacon, filósofo, já dizia que “Triste do homem que morre conhecido por todos, mas desconhecido de si mesmo.” E uma das características mais relevantes do homem contemporâneo essencialmente interdependente é a de ser possuidor da prática da gratidão, ratificando a reflexão de um autor desconhecido do século passado: “Quando deixei de olhar tão ansiosamente para o que me faltava e passei a olhar com gentileza para o que eu tinha, descobri que, de verdade, há muito mais a agradecer do que a pedir”. Busque identificar as pequenas coisas do seu dia-a-dia que lhe proporcionam satisfação, uma emoção positiva. Crie instantes de meditação, favorecendo um melhor conhecimento do seu caminhar com a qualidade do seu “eu” interior. Perceba as complementações existenciais que o acompanham, pois até um bom-dia alegre de um porteiro de prédio pode lhe favorecer um bem-estar pelo resto do expediente; c. Responda, vez em quando, quatro questões existenciais de fundamental significado em sua caminhada: Quais minhas forças internas?, Quais meus pontos frágeis?, Quais são as oportunidades externas que estão emergindo?, e Quais as principais ameaças externas que estão ameaçando meu caminhar?

A leitura rabiscada do livro acima em muito facilitará o primeiro pontapé numa mudança substantiva da vida de cada um, pessoal e profissionalmente.

Finalmente, um livro com as reflexões de um Juiz de Direito que desde a juventude buscava inúmeras respostas sobre questões existenciais, atualmente utilizando seus dons oratórios na divulgação da Doutrina Espírita. Um dos seus livros, Atitudes para vencer, São Paulo, Petit, 2007, 122 p., traz reflexões-alicerces que muito favorecem o caminhar do ser humano na direção de amanhãs reabilitadores, sempre pautadas numa famosa reflexão de Allan Kardec: “O Homem, pois, em grande número de casos, é o causador de seus próprios infortúnios, mas, em vez de reconhecê-los, acha mais simples, menos humilhante para sua vaidade, acusar a sorte, a providência, a má fortuna, a má estrela, ao passo que a má estrela é apenas sua incúria.” Algumas reflexões de um magistrado que proclama, com sabedoria, que “o problema não é o que nos ocorre, mas a maneira como interpretamos o que nos ocorre.” E mais: “Você se nutre não apenas dos alimentos que leva à boca, mas também das ideias que aceita em sua mente”; “Duas situações perigosas: a primeira é a de cair e nunca mais de levantar; a segunda é a de extrema complacência com os nossos erros, permanecendo indefinidamente no lamaçal dos equívocos.”

Uma ampla “enxergância se consegue quando se sabe desapegar-se dos bens, dos títulos, dos cargos, da família, da vaidade, dos ídolos, dos ressentimentos, das culpas, dos preconceitos e das suas próprias verdades. Posto que, “se você não muda, a vida não mudará!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 11 de setembro de 2017

CHICO XAVIER, DE A a Z

Tenho uma admiração acentuada pelo médium Chico Xavier, que um dia apertei sua mão no auditório da PUC – RJ, onde fazia minha pós-graduação. E hoje assim sem titubear o texto abaixo, intitulado UM HOMEM, de autoria de Márcia Queiroz Silva Bacelli, aqui reproduzido com muita alegria d’alma:

“Conheci um homem dócil como uma criança e sábio como um filósofo. Trazia no olhar a humildade dos justos e, na palavra, a brandura de um mestre… Caminhava com firmeza entre os tristes e desamparados e, ao mesmo tempo, entre os fortes e poderosos. Falava em Jesus e chorava, exaltando os princípios espíritas com verdadeira convicção… Tinha um espírito protetor que o amparava, aconselhando-lhe trabalho e muita disciplina… Escreveu inúmeros livros em prosa e verso, em forma de narrativa e ensinamentos diversos… Ofertava aos outros tudo que tinha: dinheiro e presentes que ganhava… Vivia em extrema pobreza e simplicidade… Amava seus cachorros e gatos e conversava com eles… Apreciava a música clássica, ouvindo-a sempre, enquanto escrevia sem pauta… Gostava de uma boa conversa e vivia rodeado de gente… Escutava com paciência aqueles que vinham pedir-lhe orientação e coragem… Perdoava a quem o criticava e orava pelos que o perseguiam… Era brando e pacífico de coração… Consolava mães e pais desesperados, ante a morte de filhos, através de cartas familiares reveladoras e gratificantes… Oferecia rosas e flores perfumadas aos seus amigos… Magnetizava as águas que serviam de medicamentos aos doentes e desenganados… Sentia a falta de sua mãezinha, que desencarnou muito cedo, quando ele ainda era apenas uma criança… Sofreu muito, mas lutou tenazmente para vencer as dificuldades do caminho estreito… Vestiu o manto da virtude, da caridade e do amor… Partiu da Terra para a bem-aventurança espiritual, deixando a certeza de que seu exemplo de amor ficará gravado em nossos corações por toda a eternidade… Seu nome: Chico Xavier!”

 

 

No Dia dos Pais, fui presenteado pela companheira atual de todas as minha existenciais horas, a Sissa, com um livro organizado por um engenheiro pernambucano, também médium, Múcio Martins, radicado em Niterói. Intitulado Lições de Chico Xavier de “A” a “Z”, editado pela editora LEEPP em 2016, 640 p., reunindo extraordinários e fecundantes ensinamentos de vida cristã explicitados/psicografados por Chico Xavier, coletadas por colaboradores próximos ao mundialmente reconhecido médium brasileiro, nascido em Pedro Leopoldo, Minas Gerais.

Incentivado pela Sissa, que me presenteou o livro com uma dedicatória que muito me sensibilizou – Para Benhê, que mergulhou na Doutrina Espírita, na busca de um aperfeiçoamento espiritual nesta existência, para tornar-se um espírito de Luz no futuro – resolvi elencar dez temas do livro lido de com gratidão a Deus pela oportunidade concedida. E encareço aos meus possíveis irmãos leitores para não perderem a oportunidade de se enriquecer espiritualmente com tais reflexões do Chico Xavier, sejam quais forem as denominações vinculadas. Tais reflexões refletem amplia nossa solidariedade por um mundo mais humano e condizente com os propósitos estabelecidos pela Criação. Ei-las:

Abnegação – Não pode ser ensinada. Tem que ser vivida no silêncio com Deus. Temos que vivenciar aquilo que ensinamos. Precisamos compreender a vontade de Deus a nosso respeito.

Aceitação – A gente não pode querer que todo mundo nos aceite; às vezes, nem nós mesmos nos aceitamos. Nem Jesus é unanimidade entre os homens!

Bondade x Justiça – Ser bonzinho é fácil, difícil é ser justo.

Caridade x Evolução – A caridade é um exercício espiritual. Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma. Quando os espíritos nos recomendam, com insistência, a prática da caridade, eles estão nos orientando no sentido de nossa própria evolução, não se trata apenas de uma indicação ética, mas de profundo significado filosófico.

Fumante – Se uma pessoa desencarna com o hábito de fumar, no Mundo Espiritual ela recebe cinco cigarros por dia por mais um ano; depois, passa a receber dois cigarros por dia por mais um ano. Decorrido esse prazo, ela já está com forças e é convidada a deixar o hábito inconveniente.

Futuro das religiões – No futuro, Espiritismo e Igreja Católica não serão religiões paralelas. A Igreja, um dia, com a graça de Deus, vai aceitar o estudo da mediunidade, a reencarnação e a comunicação dos espíritos. Porque isto está na sobrevivência do próprio Cristianismo. O primeiro que ressuscitou e mostrou que não havia morte foi Jesus.

Nova Era – Quando tivermos mais escolas gratuitas para todos, mais trabalho, mais justiça social, estaremos, de fato, entrando na Nova Era. Pelo andar da carruagem, ainda vamos ter que trabalhar muito, saneando o nosso mundo íntimo.

Raciocinar x Discernir – Sem estudo, não saberemos raciocinar e, sem raciocinar com segurança, não saberemos discernir.

Reencarnação – A reencarnação é como a verdade, que brilha para todos, despertando as consciências, uma por uma, na medida do amadurecimento que venham a apresentar.

Religião x Ciência – A Religião caminha para Deus, ensinando; a Ciência caminha para as novidades de Deus, estudando.

Unificação espírita – Não entendo unificação sem união. A unificação espírita no Brasil tem esbarrado no personalismo daqueles que dispõem a promovê-la. Não estou fazendo crítica a ninguém, mas quem ocupar um cargo de liderança deve ser o primeiro a preocupar-se, ele mesmo, com a exemplificação do Evangelho.

Viver é preciso – Os cristãos de qualquer procedência não podem esquecer a promessa do Cristo: “Estarei convosco até o fim dos séculos”.

Reflexões que engrandecem o caminhar de qualquer ser humano. Que deseja Ser mais, antes de apenas Ter, sem noções de grandeza e fé.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 04 de setembro de 2017

REENGENHARIA PROFISSIONAL 2017

Quando das atividades desenvolvidas Brasil afora, divulgando as linhas principais de um desenvolvimento profissional compatível com os novos e desafiadores tempos de crise mundial, tenho recomendado muito fraternalmente, aos profissionais das instituições trabalhadas, uma consistente reflexão sobre uma experiência biológica denominada A Síndrome do Sapo Fervido, frequentemente levada a cabo na área biológica. Ela tem servido para um despertar de todos para uma inadiável RPI – Reengenharia Profissional Individualizada,oportuníssima num cenário nacional cada vez mais competitivo, onde a criatividade vem se tornando fator indissociável da competência e do compromisso para com uma dinâmica institucional que objetive um casamento, o mais perfeito possível, entre Retorno positivo dos investimentos aplicados e Satisfação profissional coletiva.

A experiência é a seguinte: um sapo é colocado num recipiente, com água da sua própria lagoa, ficando estático durante todo o tempo em que a água é aquecida até ferver. O sapo não reage ao aquecimento gradual da temperatura da água, morrendo quando a água principia a ferver. O sapo morre inchadinho e feliz.

Inúmeros profissionais, alguns até com imensa folha de serviços prestados, lamentavelmente estão com um comportamento muito similar ao do Sapo Fervido. Não estão percebendo as mudanças que se estão se processando velozmente, achando sempre que tudo está bom, que a amizade com os “homens de cima” vai suprir suas deficiências de comunicação humana ou relevar suas práticas de antigamente, suas principais muletas. E por não saberem “enxergar” que a era do paternalismo já cede vez a uma época de muita profissionalidade, terminam fazendo um estrago dos diabos em suas próprias carreiras, “morrendo” inchadinhos, teimando em esconder o lixo debaixo do tapete ou não percebendo que “um pequeno buraco pode afundar um grande navio”. Ou ainda buscando tapar ingenuamente o sol com a peneira, quando o mais oportuno seria “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”, assimilando prá valer o pensar da Cora Coralina, uma mulher arretada de ótima e também poetisa, que um dia escreveu que “a verdade não envelhece, o caminho não tem fim, a vida sempre se renova”.

Que procedimentos deveriam ser adotados para que uma Reengenharia Profissional Individualizada surtisse efeitos positivos, beneficiando profissionais e organizações? Declino algumas posturas individuais que muito contribuiriam para a superação dos ibopes gerenciais negativos de cada um:

a. Comece por pequenos gestos, mas comece, enfatizando a descoberta de novos caminhos, as eternas lamentações sendo apenas um mote para novos desafios;

b. Lembre-se sempre que o valor maior está no envolvimento pessoal, no relacionamento e na influência para fazer as coisas acontecerem;

c. Jamais se deixe iludir pela sensação de ser apenas uma agulha no palheiro;

d. Uma cabeça estratégica é bem melhor que uma mente saudosista;

e. Experimente dar o primeiro passo, nem que seja para participar acanhadamente das discussões de alguma palestra, ou ler algo sobre novas posturas comportamentais, semente de criatividade;

f. Evite “gastar todo o seu gás”, matutando como fazer sua ideia tornar-se concreta, cansando-se antes de dar o primeiro passo;

g. Observe com mais atenção o que está acontecendo no seu derredor, descobrindo as potencialidades dele.

As “dicas” acima, possuem embasamento teórico em “mandamentos sagrados” deixados pelos que experimentaram na própria pele os dissabores de indesejáveis desatrelamentos, ficando para trás por negligência, desatenção, comodismo ou desprofissionalidade aguda. Refletir sobre cada um dos “mandamentos” abaixo, seguramente fortalecerá o interior profissional de cada um:

a. O que nos faz sobreviver e nos manter interessados, como espécie humana, é o hábito de aprender;

b. O segredo para uma profissionalidade contemporânea é a percepção plena de que somos eternamente inconclusos;

c. Realizam mais coisas as pessoas que aprenderam a pensar regularmente;

d. O verdadeiro aprendizado é aquele consubstanciado numa voraz curiosidade, vivenciada nas oportunidades surgidas;

e. Sozinhos jamais lidaremos com a Vida e com o Mundo;

f. É sempre muito sensato pedir as graças de Deus, posto que ELE é inteligente e sabe muito mais do que todos nós juntos;

g. Uma autoestima deficiente somente favorece o surgimento de pernósticos e pusilânimes especialistas;

h. O sucesso é um conjunto integrado de várias coisas ao nosso alcance, todas elas abordadas de maneira correta;

i. A função de toda administração é fazer com que todos sejam bem sucedidos;

j. Difícil é reconhecer de pronto um arrogante, posto que ele não mostra esse tipo de comportamento para aqueles que são importantes para ele, principalmente os superiores hierárquicos.

Finalmente, para não torrar miolos, alguns princípios pessoais ajudam a refletir melhor sobre procedimentos profissionais, num dia-a-dia cada vez mais desafiador:

a. Manter sempre uma atitude crítica;

b. Entender em definitivo que só aprende quem tem dúvidas;

c. Desconfiar positivamente dos seus atos e princípios, para contínuas ultrapassagens;

d. Estar seguro de que quanto mais preparado, mais claras são as ideias;

e. Buscar aprender com outras pessoas, comprovando possuir inteligência;

f. Perceber que só desinformados e tolos caem no conto da varinha mágica;

g. Desconfiar, mas desconfiar mesmo, dos donos da verdade, dos que se imaginam saber tudo.

h. E jamais esquecer que uma das melhores formas de aprender é errar.

No mais, é continuar seguindo adiante, injetando sempre anticorpos nos estilos pessoais de aprender e desaprender para reaprender. E como o volume dos conhecimentos está duplicando a cada quatro anos, profissional é aquele que aprende a desaprender com facilidade, para aprender um pouco mais, usando sua intuição criadora para promover o crescimento da organização, das pessoas que nela trabalham e dele próprio, o seu melhor amigo, logo abaixo do Criador.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 28 de agosto de 2017

NOTAS DIVERSAS

1. PARA NOVAS IDEIAS

Para os que estão buscando adquirir uma existência minimamente atribulada, com doses maciças de integridade, alegria, equilíbrio e paz, especialistas em Desenvolvimento Profissional estão recomendando a leitura dos 81 versos de um clássico chinês escrito há mais de 2.500 anos.

Tao Te Ching foi escrito pelo profeta Lao-tzu, atualmente sendo cada vez mais estudado por profissionais que anseiam por uma densidade humanista mais crítico-analítica, capaz de proporcionar um enfrentamento mais compatível com os desafios proporcionados por um século 21 turbulento, onde a dromologia (a ciência da velocidade) está a exigir uma enxergância mais aguda dos amanhãs de rápidas configurações epistemológicas.

Um estudioso pesquisador em Desenvolvimento Pessoal, Dr. Wayne W. Dyer, através do seu livro Novas Ideias para uma Vida Melhor, RJ, Nova Era, 2009, analisa os versos de Lao-Tzu, favorecendo uma contemporânea compreensão da sabedoria milenar do profeta, sob a binoculização de George Bernard Shaw: “o progresso é impossível sem a mudança, e aqueles que não conseguem mudar sua mente não conseguem mudar nada”.

O Tao Te Ching é o livro de sabedoria mais traduzido do mundo, depois da Bíblia Sagrada. E o seu autor era guardião dos arquivos imperiais na antiga capital de Luoyang, efetivando suas reflexões através de cinco mil caracteres chineses. Em menos de uma centena de breves passagens, o livro descreve um modo de viver sensatamente equilibrado, moral e espiritualmente, a servir de balizamento para todos os aspectos vivenciados na Terra. Segundo o Dr. Dyer, “uma das muitas dádivas do Tao Te Ching é a qualidade de ampliar a mente, especialmente na forma como Lao-tzu usa a ironia e o paradoxo para fazê-lo ver a vida”. Segundo ele, “o Tao é a realidade suprema, a Fonte totalmente penetrante de tudo. O Tao nunca começa ou termina, não faz nada, mas anima tudo no mundo da forma e dos limites, que é chamado ‘o mundo das dez mil coisas’”.

2. HORRORES E MASSACRES

Para quem aprecia narrativas históricas, um livro está sendo considerado como um novo marco descritivo do papel heroico das mulheres parisienses e dos estigmas que os conservadores impuseram aos pobres de Paris. Trata-se de A Comuna de Paris, 1871: origens e massacres, John Merriman, RJ, Editora Anfiteatro, 2015, o autor é professor de História da Universidade de Yale, especialista em sociedade e vida política na Europa moderna.

A Comuna de Paris foi a primeira tentativa da história de criação e implantação de um governo socialista. Teve inicio com a revolução proletária na capital francesa, durando de 18 de março a 28 de maio de 1871. A situação de Paris ficou muito complicada, entretanto, quando Napoleão III assinou o tratado de rendição na guerra da França contra a Prússia. A capital francesa ficou cercada pelo exército prussiano, levando grande desconforto, revolta e preocupação para os parisienses.

Com o clima político tenso, uma insurreição popular estourou em março de 1871, derrubando o governo republicano em Paris. Jacobinos e socialistas constituíram um novo governo para a cidade, chamado de Comuna de Paris. Causas principais: Dominação política e econômica da burguesia parisiense sobre a classe operária; Péssimas condições de trabalho dos operários; Derrota da França na Guerra Franco-Prussiana (1871); Os operários franceses não concordaram com a rendição da França para a Prússia; Tentativa do governo em jogar para cima dos trabalhadores as dívidas de guerra, que deveriam ser pagas com aumento de impostos.

As medidas tomadas pelo Conselho da Comuna tinham como meta principal a melhoria das condições de vida e trabalho dos operários e trabalhadores de baixa renda. Entre as principais, podemos citar: Controle de preços de gêneros alimentícios; Ampliação dos prazos para o pagamento dos aluguéis; Fixação de remuneração mínima dos salários dos trabalhadores; Medidas voltadas para a melhoria nas condições de habitação popular; Adoção de medidas de proteção contra o desemprego; Criação do Estado Laico, através da separação entre Estado e Igreja; Administração das fábricas da cidade feita pelos operários (autogestão); Administração do governo municipal de Paris feita pelos próprios funcionários públicos (autogestão); Estabelecimento de ensino gratuito para todos.
Os antigos governantes, representantes do governo republicano burguês que haviam sido retirados do poder de Paris, conseguiram organizar uma reação ao governo revolucionário socialista da Comuna de Paris. Com forte aparato militar e policial, a alta burguesia da cidade reagiu com força e violência, prendendo ou executando os líderes e demais integrantes da Comuna de Paris. Em 28 de maio de 1871, os republicanos retomaram o poder na capital francesa, acabando com a primeira experiência de um governo revolucionário e socialista de composição operária.

Além de Paris, outras importantes cidades da França passaram por experiências, embora de curta duração, de governos socialistas de base operária. Houve comunas em cidades como, por exemplo, Lion, Toulouse e Marselha. Muitos integrantes do governo socialista da Comuna de Paris eram integrantes da Primeira Internacional dos Trabalhadores.

3. HOLOCAUSTO, INVENÇÃO DA SS NAZISTA

Desde a chegada do século XXI, as pesquisas sobre Terceiro Reich e suas ramificações assassinas têm se multiplicado nos mais diversos ambientes comunicacionais. Esse fenômeno, que de longe supera a trajetória de um outro assassino, Joseph Stalin, deve-se “à dimensão monstruosa dos crimes cometidos pelos alemães enquanto Hitler estava no poder, de 1933 a 1945”, muito embora Ian Kershaw, autor de uma excepcional biografia sobre Hitler, tenha afirmado que “sem a participação de um grande número de indivíduos que trabalhavam ao seu favor, a realização das suas ambições criminosa teria sido impossível.

Para se compreender efetivamente a origem de um genocídio, o alemão, que marcou definitivamente a história moderna, a leitura de um livro se torna fundamental: Mestres da morte: a invenção do holocausto pela SS nazista, Richard Rhodes, Rio de Janeiro, Zahar, 2003, 350 p. O testemunho de Elie Wiesel, testemunha do genocídio e Prêmio Nobel da Paz 1986, é definitivo: “Ler o livro de Richard Rhodes sobre os infames esquadrões de assassinato da SS é seguir até o limiar do Mal absoluto, com sua fria, calculada e aterrorizante brutalidade. O que converteu cidadãos normais, alguns deles com curso superior, em assassinos de crianças e seus pais? Essa pergunta obsedante enche estas páginas de dor e angústia. Trata-se de um livro importante e de extremo impacto.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 21 de agosto de 2017

RECONSTRUÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Tenho uma profunda admiração pelo apóstolo São Paulo, ex-Saulo, quando ele confessa, na Carta aos Coríntios: “Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, argumentava como criança; agora que me tornei homem, não procedo mais de forma infantil.” (1Cor 13,11). Um dos maiores perseguidores de cristãos, repentinamente, numa estrada de Damasco, “deixa a ficha cair”, tornando-se o grande bandeirante dos gentios, propagador das Boas Novas anunciadas pelo Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador, sempre a lembrar que não permanecessem ignorantes a respeito das coisas do Espírito.

Também um outro Paulo, o Freire, pernambucaníssimo, diferenciava bem transitividade ingênua de transitividade crítica, a primeira sendo característica maior dos mentalmente infantilizados, dos que ainda acreditam em fantasmas e mulas-sem-cabeça, sexta-feira 13, assombrações, maus olhados e outras presepadas. Os segundos, devidamente armados de sólidos argumentos racionais, não sectarizam, tampouco transferem para outrem as consequências dos atos praticados, indevidamente analisados por emocionalismos primários ou impressões familiares de frágil densidade cognitiva.

 

 

O acima exposto ficou ainda mais saliente em meu interior quando li o livro Onde a Religião Termina?, Foz de Iguaçu, PR, Editares, 2011, 486 p., escrito pelo ex-sacerdote católico Marcelo da Luz, um crítico do fenômeno religioso após vivência de duas décadas como religioso profissional e sacerdote, graduado nos campos da Filosofia, da Teologia e das Ciências Humanas no Brasil, na Itália e nos Estados Unidos.

No seu bastante erudito livro, o professor Marcelo da Luz, através de fatos vivenciados, experiências pessoais e uma abordagem multidisciplinar (História, Sociologia, Filosofia, Antropologia, Teologia e Conscienciologia) busca analisar algumas questões que ainda são amplamente discutidas nos quatro cantos do mundo por especialistas diversos: por que, em essência, todas as religiões são sectárias?; em que medida a religião causa dependência nos crentes?; quais as estratégias usadas pelos pregadores religiosos para encantar e manipular os ouvintes?; em que sentido o cristianismo está fundado sobre um mito?; qual é a ligação entre religião e violência?; “Deus” existe?

A contracapa esclarece: “o autor expõe as irracionalidades e enganos do cristianismo e de outras tradições religiosas do Planeta. Texto imprescindível para todos os interessados na análise da influência da religião sobre a consciência humana.”

No prefácio, o professor Waldo Vieira, considerado um “despertador de sonos dogmáticos”, especialista em Conscienciologia, definiu Marcelo da Luz como dotado de um portentoso paracérebro, considerando seu livro como um genuíno Tratado da Antirreligião, “constituindo vigorosa autorreciclagem existencial determinada, megagestação consciencial exemplar e o primeiro passo para o competente autorrevezamento multiexistecial.

Na Introdução, o autor aventa a possibilidade de alguns leitores colocarem em dúvida a sua idoneidade mental e moral para o exercício das funções sacerdotais, diante da avalanche de hediondos escândalos e crimes, acarretando o agravamento da crise na Igreja Católica. Entretanto, as avaliações feitas por educadores e superiores hierárquicos do autor comprovam exatamente o contrário: a maneira de religioso idealista, fiel, responsável e dedicado, caracterizando sua intensa e honesta dedicação à vida consagrada, buscando encontrar pleno cumprimento do sentido da vida. Ele próprio esclarece: “a decisão do autor em deixar a religião, após experimentar profunda crise de crescimento, fundamentou-se na ação livre de quem, após caminhar tenazmente, esgotou uma possibilidade existencial e atingiu novo patamar de entendimento acerca das realidades da consciência e do Universo.”

Com excelente equilíbrio emocional, o professor Marcelo da Luz faz uma tipologia dos dissidentes religiosos: o descontente nostálgico, o reformador e o ressentido. O primeiro identifica aquele que efetiva a ruptura apenas baseada na rejeição ao modo de funcionamento institucional ou em alguma legislação com a qual não pode concordar. Ele sai da corporação, embora continua pensando a partir dela, imaginando o retorno a ela desde que suas necessidades pessoais sejam atendidas. Os reformadores se insurgem contra as disposições vigentes, sem abandonar o sistema, criando alternativas dentro da estrutura, podendo ser divididos em dois grupos: os reformadores internos, quando as reformas são aceitas, e os segundos, quando as suas propostas são refugadas pela comunidade institucional, resultando num conflito e na saída para a formação de novos organismos. O ressentido se desliga apenas fisicamente mas não conseguem se libertar, tornando-se recheado de memórias negativas e amarguras das mais variadas espécies, adotando a lógica da retaliação, sempre buscando causar prejuízos aos seus antigos companheiros. No caso do Marcelo da Luz, ele afirma que seus novos posicionamentos buscam a superação da religiosidade, enquanto etapa transitória no processo evolutivo da vida humana, somente ocorrendo no íntimo da consciência, resultando de um amadurecido discernimento, sem violências nem imposições, em busca de um novo paradigma consciencial, a partir da aplicação do seu princípio da descrença: “Não acredite em nada. Nem mesmo nas ideias defendidas pelo autor deste livro. Nada substitui, leitor ou leitora, a autoexperimentação. Experimente, pesquise, reflita, refute! Tenha suas próprias experiências.”

No Epílogo “Onde a Religião Termina?”, o autor efetiva o resumo histórico de alguns significativos conflitos religiosos: A Primeira Cruzada (1095-1099), A Quarta Cruzada (1202-1204), A Cruzada das Crianças (1212), As Guerras Religiosas Francesas (1562-1598), A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), A revolta chinesa de Taiping (1850-1871) e os atentados terroristas em Nova York, de 11 de setembro de 2001.

Num segundo apêndice, o autor edita a carta aberta enviada à Ordem dos Franciscanos Conventuais, em 30 de setembro de 2004, selando o rompimento com a vida religiosa. E ainda acrescenta uma densa Bibliografia Específica, composta de 571 referências.

Um texto denso. Uma megagestação consciencial bastante significativa.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 14 de agosto de 2017

PARA AMPLIAR AS ENXERGÂNCIAS

No Mercado da Encruzilhada, de onde sou cliente desde o primeiro casamento, deparei-me outro dia com o Almeidinha, um alfandegário setentão, colega de juventude das sessões do Cinema Rivoli, Casa Amarela, e do famoso caldo de cano com pão-doce do Mercado do mesmo bairro, situado defronte do Colégio Dom Vital, de ensino e dirigentes bastante respeitados à época.

Depois das primeiras recordações, estrepolias expostas e últimas presepadas explicitadas por políticos que enodoam a dignidade nacional, consequências das escolhas de eleitores idiotizados que se imaginam amparados por promessas messiânicas de candidatos idem, mesmo que de apenas nove dedos, eis que o Almeidinha me faz uma pergunta de sopetão:

– Gordo (apelido de juventude), quais as lições que deveríamos apreender para erradicarmos o abilolamento que apenas nos tem proporcionado sermos vítimas dos “convênios pacus”, onde os eleitos por nós entram com os paus, nós participando apenas com os nossos orifícios anais?

Convidado para um pastel amigo numa das barracas próximas da praça da alimentação, mostrei ao Almeidinha um livrinho sábio recebido na véspera: Dia a Dia – Conceitos para viver melhor, de Paulo R. Santos, editado pela editora EME, de Capivari, SP, que mantém o Centro Espírita Mensagem de Esperança, que colabora com a Comunidade Psicossomática Nova Consciência, clínica masculina para tratamento da dependência química.

Dos sessenta conceitos contidos no livreto sábio, escolhemos dez para esmiuçar seus desdobramentos. Eis os que nos proporcionaram muitos fraternais debates durante mais de oito reuniões regadas a papel, cuspe, guaranás e esferográficas, com a promessa de divulgar sem qualquer esmorecimento:

1. A omissão é o maior dos pecados. E o primeiro passo para uma omissão criminosa é a intenção de votar nulo ou branco nas próximas eleições. Somos responsáveis pelo mal que causamos e pelo bem que deixamos de fazer, sabendo que temos responsabilidade no caso. Fugir dos compromissos jamais será alternativa diante de qualquer problema, por menor que ele seja.

2. As boas ações são as melhores preces. Quem deseja fazer algo de bom, simplesmente vai e faz. Deus não se preocupa em contabilizar as boas e más ações de cada um de nós, mas reconhecerá que a Lei Divina interpretará sua atitude solidária como uma prece em favor da humanidade.

3. Eliminando a causa, desaparece o efeito. Perdemos na vida um tempo gigante buscando impossibilidades. Ou desejando tapar o sol com a peneira, sem ter a coragem suficiente de detectar as causas que nos prejudicam. O manter a forma de muitas pessoas, inúmeras vezes, torna-se uma mania obsessiva de manter o corpo em nível performático excelente, pouco se lixando para o aprimoramento dos seus níveis de profissionalidade, a ampliação cultural sendo a mesma da adolescência, quando se acreditava em Papai Noel, Mula Sem Cabeça e Perna Cabeluda, além de Mau Olhado, Diabo e sexta-feira 13.

4. Fé inabalável é aquela que encara a razão frente a frente em todas as épocas. Frase própria da Doutrina Espírita, trata-se de uma proposição que se impõe diante das múltiplas fés tradicionais, originada de pais ou avós já desencarnados. Uma crença religiosa sadia leva na mais alta conta que não se deve temer a razão porque, estando embasada na própria racionalidade, não pode ser atingida em sua essência. A fé convencional, superficial e nunca devidamente analisada, pode ser vencida por um sopro mínimo de argumentos consistentes.

5. Guardar e aproveitar os bons conselhos. Muitos menosprezam as recomendações que passam de geração para geração, tornando-se perdidos, sem nortes, recheado de informações, laptops, pcs, celulares, apps e bugigangas outras que são plenamente válidas nas mãos dos que possuem, como dizia o poeta, “as duas mãos e o sentimento do mundo”.

6. Boa vontade somente não basta. Existem pessoas que possuem um vício desestruturador: promete a se corrigir a partir do início da próxima semana. Sempre postergando para amanhãs inatingíveis, as metas idealizadas às vezes com promessas pomposas, fictícias todas, sem consistência executiva. E tem mais: boa vontade sem um mínimo de conhecimento favorece o caminho da improvisação, muitas vezes a emenda saindo melhor que o soneto, tal e qual se comportam os fundamentalistas e sectários, militares, religiosos ou políticos. Por exemplo, no assunto “caridade”, não basta que se deixe apenas o coração falar, bastando uma melhor apreciação sobre as consequências da ajuda dada, posto que há pessoas que abusam sem o menor escrúpulo da boa fé de muitos, praticando as explorações mais absurdas, se possível com o auxílio de muitas lágrimas de crocodilo.

7. A vida é uma dádiva a ser vivida, jamais um desafio a ser vencido. Infantilmente, embora já taludos tecnicamente, permanecemos com um nível de infantilidade grande, nunca apreendendo que a vida é uma dádiva, devendo ser vivida com abundância, como nos ensinou o Mestre Jesus. Torna-se necessário criar um cantinho em nosso interior para criar um silêncio meditativo, para ouvir as orientações do Meste e dos seus espíritos puros, inclusive o nosso Anjo da Guarda.

8. A verdade é como o sol, que um eclipse pode escurecer, mas não apagar. Muitos políticos corruptos, inclusive os santarrões, que sempre mentem descaradamente, sem saber de nada, sem ter ouvido nada, sem nunca ter passado a mão no Erário Público, imaginando esconder a verdade de todo mundo durante todo tempo. Perdendo a fé na verdade, tornam-se vitimistas, coitadistas, declamando causas imaginárias, sem se importar com as consequências das suas irresponsabilidades, desconhecendo que a verdade sempre iluminará a realidade, garantindo a evolução da vida terrestre, jamais apagando-se diante da mentira proclamada.

9. A infelicidade está em nossas imperfeições. Por mais que a justifiquemos, nossa infelidade tem uma causa, provocada por nós mesmos, dados os nossos tropeços e ilusões que nos vitimam por ardilosos convencimentos dos enganadores mais sabidos que nós.

10. A fé não se prescreve, nem se impõe. Toda fé autêntica é resultado de um processo de maturação do Espírito, confiante em forças superiores, cada um de nós cultivando a divindade de acordo com nossos padrões culturais e nível evolucional. Toda fé robusta, independente de condição social e renda, é estruturada tal qual boa semente plantada em nosso interior, desenvolvida por orações diárias, espontâneas e sem qualquer coercitividade imposta por quem quer que seja.

A lição que extraímos: através da meditação evolucional, consolidam as boas forças espirituais, favorecendo a consolidação de uma fraternidade universal, na lata do lixo as ideologias, etnias, regiões geográficas, gêneros e denominações religiosas, posto que todos somos amados Filhos da Criação, originários de uma mesma Luz.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 07 de agosto de 2017

DIVALDO FRANCO, IRMÃO SEMEADOR

Na última sexta-feira passada, no Centro de Convenções de Pernambuco, aconteceu a abertura do 12º SIMESPE – Simpósio de Estudos e Práticas Espíritas de Pernambuco, sob o lema Conviver com as diferenças. Sem tolerância e amor não haverá paz. Mais uma realização vitoriosa do Grupo Espírita Seara de Deus, sediado em Paulista.

E o palestrante primeiro, tecendo análises fecundantes sobre o tema central do Simpósio, foi o notável médium baiano Divaldo Franco, Divaldo Pereira Franco seu nome completo, recentemente nonagenário, internacionalmente conhecido, nascido em Feira de Santana em 5 de maio de 1927, a 108 quilômetros da capital baiana. Fundador da Mansão do Caminho, na periferia de Salvador, juntamente com Nilson de Souza Pereira, uma instituição que ajuda diariamente cerca de seis mil pessoas, abriga mais de três mil, centenas delas registradas como filhos adotivos. Os direitos autorais dos seus mais de 250 livros psicografados foram doados em cartório para as instituições filantrópicas sob sua orientação. Considerado o “Paulo de Tarso do Espiritismo”, já percorreu mais de 50 países divulgando o kardecismo em palestras de assistências numerosas.

 

Acompanhado da Rejane, minha companheiras inseparável de todos os atuais instantes de caminhada, adquiri, na imensa exposição de livros espíritas, dois livros da médium mineira Suely Caldas Schubert, pesquisadora de renome internacional, especialista em mente, obsessão, psiquismo, fenômenos espíritas, comportamentos e evangelizações, também sendo fundadora e dirigente da Sociedade Espírita Joanna de Ângelis, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Os dois livros: O Semeador de Estrelas, 8ª. ed., Salvador, LEAL, 2016, 320 p. e Divaldo Franco, uma vida com os Espíritos, 1ª. ed., Salvador, LEAL, 2017, 400 p.

Dois livros que se complementam magistralmente. No primeiro, editado pela vez primeira em 1989, a autora define as três principais tarefas iluminadoras de Divaldo Franco: praticar a ciência, como médium, à luz do Espiritismo; dar ênfase, como orador, à filosofia espírita; e vivenciar o evangelho, como pessoa humana, cumprindo a Doutrina Espírita. Outro famoso médium brasileiro, Chico Xavier, disse certa feira que Divaldo Franco tem uma estrela na boca.

No primeiro livro, Suely Caldas Schubert explicita, em cada capítulo, textos de Divaldo, narrando ainda acontecidos com ele pelos quatro cantos do mundo, efetuando esclarecimentos ou explicando mais detalhadamente os ocorridos. E sobre as manifestações do notável médium baiano, a autora dá testemunho: “A mediunidade de Divaldo apresenta uma riqueza de aptidões, havendo, como é natural, algumas características predominantes: a psicofonia, a psicografia mecânica, a vidência e a vista dupla, a audiência, o desdobramento, mas também a de efeitos físicos, ectoplasmia, a transfiguração, a cura, a psicometria de ambientes e de objetos, a xenoglossia – está última é a psicografia em idiomas que o médium desconhece, sendo que nesya propriedade a psicografia pode ser especulativa, isto é, o texto só pode ser lido quando colocado diante de um espelho.

No capítulo 18, por exemplo, intitulado “A felicidade de Bezerra de Menezes”, narra o psicografado por Divaldo Franco, aqui reproduzido na íntegra:

“Um dia perguntei ao Dr. Bezerra de Menezes qual foi a sua maior felicidade quando chegou ao Plano Espiritual. Ele respondeu-me:

– A minha maior felicidade, meu filho, foi quando Celina, a mensageira de Maria Santíssima, se aproximou do leito em que eu ainda estava dormindo, e, tocando-me, falou, suavemente:

– Bezerra, acorde, Bezerra!

Abri os olhos e vi-a, bela e radiosa.

– Minha filha, é você, Celina?!

– Sim, sou eu, meu amigo. A mãe de Jesus pediu-me que lhe dissesse que você já se encontrava na Vida maior, havendo atravessado a porta da imortalidade. Agora, Bezerra, desperte feliz.

Chegaram os meus familiares, os companheiros queridos das hostes espíritas que me vinham saudar. Mas eu ouvia um murmúrio, que me parecia vir de fora. Então, Celina me disse:

– Venha ver, Bezerra.

Ajudando-me a erguer-me do leito, amparou-me até uma sacada e eu vi, meu filho, uma multidão que me acenava, com ternura e lagrimas nos olhos.

– Quem são, Celina? – perguntei-lhe. Não conheço ninguém. Quem são?

– São aqueles a quem você consolou sem nunca perguntar-lhes o nome. São aqueles Espíritos atormentados, que chegaram às sessões mediúnicas e a sua palavra caiu sobre eles como um bálsamo numa ferida em chaga viva; são os esquecidos da Terra, os destroçados do mundo, a quem você estimulou e guiou. São eles, que o vêm saudar no pórtico da eternidade…

E o Dr. Bezerra concluiu:

– A felicidade sem lindes (limites) existe, meu filho, como decorrência do bem que fazemos, das lágrimas que enxugamos, das palavras que semeamos no caminho, para atapetar a senda que um dia percorreremos.”

Após tal fato contado, Suely Caldas Schubert ressalta que o diálogo acima leva-a a recordar alguns momentos da vida deste grande Bezerra de Menezes, que foi Presidente da Federação Espírita Brasileira no ano de 1895, fundada em 1884 por Augusto Elias da Silva e que congregava personalidades expressivas e respeitáveis do meio espírita, um celeiro de iluminados, embora divididos em várias correntes, sobressaindo-se a dos “místicos” e a dos “científicos”. Recorda a Caldas Schubert uma sessão mediúnica acontecida em Brasília, na sede da Federação Espírita Brasileira, quando da reunião do Conselho Federativo Nacional, novembro de 1985, ela presente como médium, quando a dicotomia outrora existente, científicos e místicos, tenta provocar a cizânia no Movimento Espírita. Um dos espíritos conciliadores presentes era o próprio Bezerra de Menezes, atuando através de Divaldo Franco, que contornou as querelas e promoveu uma maior fraternidade entre os diversos segmentos presentes.

E o capítulo 18 é assim concluído: “A estrada é aspérrima, todavia, as bênçãos alcançadas transformam-se em felicidade indescritível que transcende ao nosso – por enquanto – estreito entendimento.

Aplaudido de pé, no Centro de Convenções de Pernambuco, Divaldo Franco ratificou o título do livro da Suely Caldas Schubert. Um muito amado semeador de estrelas.

PS. O segundo livro? Apaixonante, melhor ainda que o primeiro!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 31 de julho de 2017

RAVENSBRÜCK

O nome acima se refere ao único campo de concentração nazista construído para mulheres, sua denominação se derivando de uma pequena aldeia, o campo se localizando a cerca de 80 quilômetros ao norte de Berlim, situado à beira de um lago, cercado por uma área florestal de rara beleza. Concebido por Heinrich Himmler, um assassino que arquitetou o genocídio nazista, o Campo de Ravensbrück aprisionou, até o final da guerra, mais de 130 mil mulheres, de mais de vinte países, entre as quais Beneviève, sobrinha do general Charles De Gaulle, Gemma La Guardia, irmã do então prefeito de Nova York e Olga Benário Prestes, judia alemã, companheira do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes, deportada pusilanimemente do Brasil pelo ditador Getúlio Vargas, devidamente acoitado por um dos seus braços executivos, Filinto Müller, então chefe da Polícia Política, tudo aprovado por um então acachapado Superior Tribunal Federal.

Originalmente, Ravensbrück era um local para nazistas aprisionarem as mulheres denominadas por eles de “criaturas inferiores”, constituídas de marginais, ciganas, inimigas políticas, resistentes estrangeiras, doentes, deficientes e as que eram classificadas por ‘loucas’. Nos meses finais da guerra, Ravensbrück foi transformado em campo de extermínio, onde foram assassinadas, somente em 1945, entre 30 e 50 mil prisioneiras.

Durante muitos anos, a história das atrocidades cometidas em Ravensbrück ficaram por trás da cortina de ferro, sendo até hoje pouco conhecida dos historiadores. No final da Guerra Fria, a pesquisadora Sarah Helm foi ao coração do campo de concentração, entrevistando sobreviventes, demonstrando quão rapidamente o terror evoluiu. Elaborou um livro notável – Ravensbrück: a história de um campo de concentração nazista para mulheres, Sarah Helm, Rio de Janeiro, Record, 2017, 922 p. Um relato sobre os horrores praticados, num trabalho de investigação histórica de rara clareza, que enaltece tanto a capacidade do ser humano para a crueldade quanto para a coragem e a resistência contra todas as adversidades possíveis.

Himmler inspecionava frequentemente Ravensbrück, em determinada ocasião tendo avaliado que os massacres cometidos não estavam sem a rapidez determinada. Este assassino muito apreciava que seus campos de concentração estivessem edificados em áreas de beleza natural. Lamentavelmente, até a conjuntura atual, a quase totalidade dos crimes hediondos lá praticados e a coragem demonstrada pelas vítimas não são de pleno conhecimento histórico.

Inaugurado em 1939, quatro meses antes do começo da guerra, o campo foi liberado pelos russos seis anos depois, sendo um dos últimos campos libertados pelos Aliados. Logo no primeiro ano, quase duas mil pessoas nele estavam aprisionadas, subdivididas em dois grandes grupos: as comunistas e as testemunhas de Jeová, que tinham classificado Hitler de anticristo. O restante tinha sido encarcerado simplesmente por terem sido classificadas de “seres inferiores”, inclusive prisioneiras feitas em países ocupados pelas tropas nazistas, que tinham oferecido heroica resistências aos agressores. Uma percentagem que girava em torno de 10% era de prisioneiras judias, embora a área não fosse para isso destinada exclusivamente. Nos seis anos de existência o campo de Ravensbrück conviveu com mais de 130 mil mulheres, no seu auge comportando 45 mil mulheres, que eram torturadas, esfaimadas, exploradas até a morte, envenenadas, executadas e gaseadas, sendo o total de mortes variando entre 30 e 90 mil, muito embora inexistam documentos comprobatórios, face a queima gigante de prontuários incinerados nos tempos finais da guerra, onde cinzas de corpos e documentos foram jogadas no lado.

O interesse maior de Sarah Helm teve início quando ela ouviu falar em Ravensbrück pela vez primeira, consultando documentos deixados por Vera Atkins, que fora durante a guerra oficial da Agência de Operações Especiais (SOE) do serviço secreto britânico, cujas mulheres haviam saltado de paraquedas na França para ajudar a resistência, inúmeras tendo desaparecido, muitas delas sendo enviadas a campos de concentração. Numa das caixas de papelão que serviam de arquivo deixadas na casa de uma cunhada de Vera, na Cornualha, o título Ravensbück. E continha rascunhos de entrevistas com sobreviventes e suspeitas de integrarem o Serviço Secreto, onde um dos depoimentos relatava ter visto “germes de sífilis serem injetados nas medulas de prisioneiras”, enquanto outras eram forçadas a trabalhar em prostíbulos de Dachau.

Dentre os arquivos, foi encontrado o endereço de uma senhora chamada Chatenay, “que sabia sobre a esterilização de crianças no Bloco 11”. E também uma declaração de uma doutora Louise Le Porz que afirmava ter sido Ravensbrück construído em área de propriedade de Himmler, proprietário de castelo edificados nas redondezas.

No fundo da referida caixa, Sarah Helm encontrou listas manuscritas de prisioneiras que haviam sido surrupiadas de uma polonesa. Da lista, algumas sobreviventes estavam vivas e residiam em Londres. E que faziam alguns questionamentos: “Onde ficava o campo? Por que havia um campo exclusivamente para mulheres? Seriam elas judias? Tratava-se de um campo da morte? Seria uma campo de trabalho escravo? Haveria sobreviventes?

Lamentavelmente, a história de Ravensbrück foi obscurecida até hoje. Oito mil francesas, mil holandesas, dezoito mil russas e quarenta mil polonesas foram lá encarceradas. Até os britânicos, que tiveram mais de vinte mulheres naquele campo, nada esclareciam sobre às torturas e mortes lá acontecidas.

No livro, evidências foram revividas e distorções foram corrigidas. Por isso, o livro merece ser lido, para fazer justiça à bravura da mulher, “numa abominação que o mundo resolvera esquecer”, segundo denúncia do escritor francês François Mauriac. A biografia de um campo, através das vozes de algumas sobreviventes, muito enaltece a coragem de mulheres que dignificam a raça humana.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 24 de julho de 2017

PARA ENFRENTAR AMANHÃS

Na minha caminhada existencial, tenho me envolvido com inúmeras leituras reflexivas, algumas mais profundas que outras, escritas por diferentes personalidades mundiais. Expresso aqui a opinião de três delas. A primeira é de Alexis Carrel, cirurgião francês, prêmio Nobel de Medicina: “A inteligência é quase inútil para quem não tem outras qualidades”. A segunda é de Albert Einstein, outro prêmio Nobel (Física), para quem “o primeiro dever da inteligência é desconfiar dela mesma”. E a terceira é do criador do detetive famoso Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle, cujos livros muito me encantam até os dias de agora: “A mediocridade não conhece nada melhor que ela mesma, mas o talento reconhece instantaneamente o gênio”.

As reflexões acima refletem o ranço dos seus autores pelos sabichões empavonados, que se imaginam acima do bem e do mal, sem identificar os de inteligência superior às deles, tampouco diferenciando talentos e genialidades, os primeiros atingindo as metas além dos outros, os segundos binoculizando fatos que os demais ainda não conseguiram ver.

Finda minha carreira de docente universitário, 45 anos de dedicação sem modismos nem enrolocracias,, embora eivados de uma contemporaneidade analítica sem chiliquismos ideológicos nem pedanterias cavilosas, jamais olvidei a advertência do Galilleu Galilei, um que quase de lasca todo diante de uma nunca mundialmente respeitada Inquisição, repleta de censores olhares adeptos de ontens e anteontens que jamais retornarão: “Não se pode ensinar nada a um homem; só é possível ajudá-lo a encontrar a coisa dentro de si”.

Embora economista e estatístico avesso às pegadinhas quantitativas que os tecnocratas tentam impor aos mentalmente abiscoitados, sempre tive preferências voltadas para às áreas humanas, principalmente sociologia, história, pesquisa social e manifestações religiosas. Pouco me importando vanguardismos de verão, ideologias de botequim, a cada amanhecer buscando entender porque “a medida mais segura de toda força é a resistência que ela consegue vencer”, como apregoava Freud, o pai da psicanálise, tido inicialmente como herege por buscar interpretar os impulsos da alma.

Sempre entendi, embora com uma mínima bagagem filosofal, posto que meu Segundo Grau foi Científico, que na história do pensamento humano, todas as ideias foram consideradas faróis definitivos, quando elas apenas refletiam uma periodicidade, decompondo-se quando a inventividade criativa da humanidade as substituía por outras também consideradas faróis, ainda que tão periódicas quanto as anteriores. E percebi lentamente, numa maturidade provocada por dúvidas existenciais, que as ciências não são estáticas, aproximando-se ou se reagrupando ao longo dos séculos. Consolidação de uma caminhada sempre inconclusa, tudo acontecendo gradativamente, mediante leituras bem orientadas por talentos que muito me inspiraram.

Entretanto, das figuras históricas que me encantaram ao longo dos meus anos de vida, sedimentando um amor cada vez mais profundo, foi Jesus de Nazaré, um judeu muito arretado de ótimo. Um Galileu de quem me considero irmão de caminhada. Seus ensinamentos, nunca superados, sempre me acalentaram novos desafios, novas reflexões libertadoras, fazendo-me entender que os seus objetivos explicitavam a fraternidade de todos os povos e nações.

Nos últimos tempos, tenho meditado bastante sobre um livro escrito pelo pesquisador espírita José Herculano Pires, também filósofo, poeta, romancista, escritor e jornalista, que dedicou sua vida ao estudo do Cristianismo, sem os acréscimos novotestamentários redirecionados por Constantino. Um de seus livros – O Evangelho de Jesus em Espírito e Verdade, SP, Editora Paideia, 2016, 384 p. – é uma amostra convincente de seu legado intelectual, quando, através de programa mantido na Rádio Mulher, década de 1970, buscava explicar os ensinamentos do Nazareno, descortinando os horizontes das mensagens até então pouco compreendidas pelos Seus seguidores, “não segundo a letra que mata, mas segundo o espírito que vivifica.

Segundo Célia Arribas, a organizadora do livro, autora da Apresentação, “o evangelho do Cristo, em espírito e verdade, nos clama constantemente a uma elevação íntima, a uma reforma interior, jamais ao apego a expressões textuais e aparências enganosas. … Costumes e crenças são aqui analisados à luz da história, minimizando qualquer elemento mítico ou ritualístico que possa comprometer a compreensão da verdade espiritual do homem e o sentido da sua existência – a transcendência.” E foi além: “A intenção do Professor, como afirmava repetidamente no programa (de rádio), jamais foi a de convencer quem quer que fosse, tampouco de fazer prosélitos. O propósito era o de despertar os ouvintes para a compreensão na natureza e do desenvolvimento espiritual do homem, sem dogmatismos, sem julgamentos, sem profissão de fé.

O livro do professor José Herculano Pires contém 100 explanações originais suas, um conteúdo de muita valia para quem busca, como eu, apreender mais a cada dia a Doutrina Espírita, para identificar melhor a essência da mensagem de Jesus, um nazareno que muito amo.

PS1. Recomendo para todos aqueles que apreciam a descrição da trajetória existencial de personalidades que alteraram os rumos civilizatórios o livro Vida de Jesus, Ernest Renan, Editora Martin Claret, SP, 2004, 528 p., texto integral, com cinco apêndices: Jesus, Evangelho, O Jesus da História, A morte de Jesus e Um novo rumo: pesquisa sobre Jesus. Escrito em 1863, tornou-se uma das mais célebres biografias do Homão da Galileia, seu autor se constituindo num dos primeiros esteios da evolução do racionalismo do século XIX, denominando Jesus de “homem incomparável”.

PS2. Minha singela homenagem ao pe. José Edwaldo Gomes, da paróquia da Casa Forte, pela sua desencarnação, acontecida na última semana. Tinha-o na conta de irmão mais velho, muito tendo usufruído da sua sapiência nunca carismática.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 17 de julho de 2017

A MENSAGEM REVIVIDA

Durante a Semana Santa última, aproveitei os feriados para principiar a ler uma das mais cativantes histórias de Jesus, tudo fundamentado em pesquisas e estudos teológicos, onde se analisa a mensagem do Homão da Galileia que muito amo e as distorções nela introduzidas ao longo dos tempos, edificadas por interesses vários, para atender interesses de grupos que objetivavam apenas dominar regiões e povos. Um texto que me proporcionou uma maior aproximação com as diretrizes emanadas por aquele que foi enviado para semear Justiça e Paz entre todos os seres humanos, sem distensão de espécie alguma, acima, muito acima mesmo, das denominações que foram estabelecidas.

O livro intitula-se Cristianismo: a mensagem esquecida, 4ª. edição da Casa Editora O Clarim, 2016, 416 p., de autoria de Hermínio C. Miranda (1920-2013), um dos principais pesquisadores e escritores espíritas brasileiros, autor de mais de 40 livros, entre os quais A Memória e o Tempo, editado pelo Instituto Lachastre, 2013 (8ª. edição), 328 p., um estudo minucioso da memória integral do indivíduo, utilizando-se a técnica da regressão de memória pelo magnetismo como instrumento de exploração dos arquivos da mente.

 

Os estudos e análises descritos no livro se iniciaram logo depois da Primeira Guerra Mundial, quando um grupo de teólogos e pensadores cristãos resolver esmiuçar a crise vivenciada pela sociedade de então, publicando o livro Christianity and the crisis, lançado na Inglaterra em 1933, por ocasião dos primeiros passos cometidos por um assassino chamado Adolf Hitler, alçado ao poder democraticamente na Alemanha.

No livro, lançado em 1933, duas questões básicas estavam potencialmente explicitadas nos diversos ensaios apresentados. A primeira: “Teria falhado o cristianismo na tarefa de ordenar uma sociedade, senão ideal, pelo menos razoavelmente equilibrada e feliz?” A segunda: “Teria ainda o cristianismo condições de realizar essa tarefa?” E quais seriam as razões basilares para tamanha falha? E como se poderia oferecer uma contribuição que favorecesse uma melhora significativa da situação mundial?

E uma questão sobrepairava sobre todo o estudo grupal: Será que as denominações cristãs então existentes não teriam trabalhado com um modelo de cristianismo muito distanciado dos ensinamentos difundidos pelo Nazareno, com uma doutrina adulterada que afastava milhões de seguidores dos seus compromissos para com os seus derredores, todos irmãos, independentemente de credos, raças, ideologias, modelos econômicos, etnias e gênero? Dentre as hipóteses possíveis, uma certeza se agigantava: o cristianismo de então não possuía respostas convincentes para as mazelas que se agigantavam na civilização da época, às vésperas do assassinato de milhões de judeus em nome de uma estúpida teoria da raça pura.

Passados mais de meio século, depois do final da Segunda Guerra Mundial, a crise humanitária mundial se ampliou, muita tragédia se agigantou num mundo que se angustiava cada vez mais “em cima de um depósito descomunal de armas nucleares capazes de desintegrá-lo numa imperceptível fração do tempo que levou a sua formação.

Daí a cativação proporcionada pela leitura do livro Cristianismo: a mensagem esquecida, do professor Hermínio C. Miranda, onde ele esmiúça a mensagem do Senhor Jesus, comprovando a desconcertante simplicidade e nitidez dos seus ensinamentos, sem as pedanterias teológicas e hierárquicas patrocinadas por presunçosos distanciados dos mansos e humildes, estes sempre aptos na apreensão da visão transcendental da Luz, através de portentosas manifestações intuitivas, enaltecendo o amor no interior de cada um, seguidores que são da observação do Mestre Jesus, a de que “os homens desejam a paz, mas não buscam as coisas que trazem a paz”.

Como um incipiente estudioso da Doutrina Espírita, em contínuo processo evolucionário, de formação inicial católico-romana, helderista de carteirinha e hoje transecumênico por derradeiro, crente nos procedimentos reencarnatórios e colaborador num Centro Espírita da capital pernambucana, tenho me dedicado nos últimos anos a um continuado programa de estudos sistemáticos kardecistas, tornando-se um admirador inicial dos livro da Codificação Espírita – O Livro dos Espíritas (1857), O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e A Gênese (1868) -, considerando o primeiro deles de imenso valor para todos os crentes, independentemente de religião, porque trata de Deus, da imortalidade da alma, da natureza dos Espíritos, de suas relações com os homens, das leis morais, da vida presente, da vida futura e do porvir da humanidade, assuntos de interesse geral e de portentosa atualidade.

Recentemente, um outro livro adquirido recentemente pela internet, me proporcionou momentos de complementar emoção. Trata-se de Mediunidade dos Santos, Clovis Tavares (1915-1984), Brasília, FEB, 2015, 223 p. Onde o autor explicita logo na sua página primeira: “Desde o princípio, o Cristianismo é uma religião de visões e de revelações – e isso o homem moderno, o moderno cristão deve reconhecer. O Novo Testamento não deixa dúvidas a esse respeito.” Onde uma postura de fé sem padres, pastores, altares e imagens se baseava nos sentimentos do coração, no seguimento dos ensinamentos do Nazareno, no confronto da consciência com o Pai Celeste.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 10 de julho de 2017

FATOS NADA SURPREENDENTES

Outro dia, numa livraria bem frequentada do Recife, donde sou cliente há mais de vinte anos, deparei-me com o Bituca, colega meu do Ginásio São Luís, hoje Marista, ele um ano mais adiantado, atualmente formado em Direito e vidrado em leituras plurirreligiosas, pesquisador das múltiplas crenças existentes no passado e as ainda sobreviventes nos quatro cantos do planeta.

Examinava ele um exemplar do romance espírita O Agênere, de Ângelo Inácio (psicografado por Robson Pinheiro), Contagem MG, Casa dos Espíritos, 2015, 380 p., merecedor de múltiplos elogios de leitores espíritas e não-espíritas.

 

 

Acompanhado de um auxiliar de seu escritório, Bituca definia para ele o que era um agênere: “uma aparição em que o desencarnado se revestia da forma mais precisa, das aparências de um corpo sólido, a ponto de causar completa ilusão ao observador, que supõe ter diante de si um ser corpóreo.” E detalhava mais, mostrando um texto de autoria de Tereza Cristina D’Alessandro, de março de 2005, extraído de consulta feita por ele no Google: “Esse fato ocorre devido à natureza e propriedades do perispírito que possibilitam ao Espírito, por intermédio de seu pensamento e vontade, provocar modificações nesse corpo espiritual a ponto de torná-lo visível. Há uma condensação (os Espíritos usam essa palavra a título de comparação apenas) tal, que o perispírito, por meio das moléculas que o constituem, adquire as características de um corpo sólido, capaz de produzir impressão ao tato, deixar vestígios de sua presença, tornar-se tangível, conservando as possibilidades de retomar instantaneamente seu estado etéreo e invisível. Para que um Espírito condense seu perispírito, tornando-se um agênere, são necessárias, além da sua vontade, uma combinação de fluidos afins peculiares aos encarnados, permissão, além de outras condições cuja mecânica se desconhece. Nesses casos, a tangibilidade pode chegar a tal ponto que é possível ao observador tocar, palpar, sentir a resistência da matéria, o que não impede que o agênere desapareça com a rapidez de um relâmpago, através da desagregação das moléculas fluídicas. Os seres que se apresentam nessas condições não nascem e nem morrem como os homens; daí o nome: agênere – do grego: a privativo, e géine, géinomai, gerado: não gerado, ou seja, que não foi gerado. Podendo ser vistos, não se sabe de onde vieram, nem para onde vão. Não podem ser presos, agredidos, visto que não possuem um corpo carnal. Desapareceriam, tão logo percebessem a intenção diferente ou que os quisessem tocar, caso não o queiram permitir. Os agêneres, embora possam ser confundidos com os encarnados, possuem algo de insólito, diferente. O olhar não possui a nitidez do olhar humano e, mesmo que possam conversar, a linguagem é breve, sentenciosa, sem a flexibilidade da linguagem humana. Não permanecem por muito tempo entre os encarnados, não podendo se tornar comensais de uma casa, nem figurar como membros de uma família.”

E pediu a cada um de nós que consultasse a Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos – 1859, fevereiro, p. 49, editada pela EDICEEL, que traz o seguinte exemplo: “Uma pobre mulher estava na igreja de Saint-Roque em Paris, e pedia a Deus vir em ajuda de sua aflição. Em sua saída da igreja, na rua Saint-Honoré, ela encontrou um senhor que a abordou dizendo-lhe: – Minha brava mulher, estaríeis contente por encontrar trabalho? – Ah! Meu bom senhor, disse ela, pedia a Deus que me fosse achá-lo, porque sou bem infeliz. – Pois bem! Ide em tal rua, em tal número; chamareis a senhora T…; ela vo-lo dará. – Ali continuou seu caminho. A pobre mulher se encontrou, sem tardar, no endereço indicado – Tenho, com efeito, trabalho a fazer, disse a dama em questão, mas como ainda não chamei ninguém, como ocorre que vindes me procurar? A pobre mulher, percebendo um retrato pendurado na parede, disse: – Senhora, foi esse senhor ali, que me enviou. – Esse senhor! Repetiu a dama espantada, mas isso não é possível; é o retrato de meu filho, que morreu há três anos. – Não sei como isso ocorre, mas vos asseguro que foi esse senhor, que acabo de encontrar saindo da igreja onde fui pedir a Deus para me assistir; ele me abordou, e foi muito bem ele quem me enviou aqui.”

Na Revista em apreço, sendo o Espírito São Luiz consultado, ele ministrou as seguintes orientações: “Não basta a vontade do Espírito; é também necessário permissão para ocorrer o fenômeno; existem, muitas vezes na Terra, Espíritos revestidos dessa aparência; podem pertencer à categoria de Espíritos elevados ou inferiores; têm as paixões dos Espíritos, conforme sua inferioridade; se inferiores buscam prazeres inferiores; se superiores visam fins elevados; não podem procriar; não temos meios de identificá-los, a não ser pelo seu desaparecimento inesperado; não têm necessidade de alimentação e não poderiam fazê-la; pois seu corpo não é real.”

E o próprio Bituca relembrou o que está contido no Evangelho de Lucas 24,13-33, quando o Senhor, após caminhar com dois discípulos a caminho de um povoado chamado Emaús, desapareceu quando, convidado para cear, após abençoar o pão que estava à mesa.

Marcamos um novo bate-papo para quando o romance espírita acima citado for lido pelos três, quando debateremos outros agêneres que perambulam nos quatro cantos de um planeta que anda meio conturbado, influenciado por poder, dinheiro, dominação e conquistas, sem atentar para as forças dos espíritos do mal que estão a necessitar de um bom combate, para libertação de uma tragédia mundial há muito tempo já anunciada.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 03 de julho de 2017

UM ESPECIALISTA EM KARDEC

 

Apreciador de textos elaborados por quem sabe dominar as técnicas da pesquisa documental, deparei-me recentemente, num sebo paraibano, de uma biografia de José Herculano Pires, mais conhecido por J. Herculano Pires ou Herculano Pires, um dos maiores defensores brasileira da Doutrina Espírita. Intitulada J. Herculano Pires – O Apóstolo de Kardec, Jorge Rizzini, São Paulo, Paideia, 2001, 288 p. Um livro que “arrebata e faz o leitor crescer espiritualmente”, segundo testemunho do biógrafo sobre um filósofo, educador, jornalista, escritor, parapsicólogo, romancista, poeta e fiel tradutor de Allan Kardec, de inteligência superior iluminada pelo Espiritismo, dotado de uma cultura humanística de grande magnitude. Cujo capítulo mais dramático da sua trajetória existencial, considerado um dos mais significativos do Movimento Espírita Mundial foi a batalha travada contra uma falsificação feita de uma das obras principais de Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo.

O próprio biógrafo de Herculano reproduz, na Apresentação, trecho de crônica de Caio Porfírio Carneiro, escritor não kardecista, publicado no jornal Linguagem Viva, outubro de 2000, um 3 x 4 perfeito do analisado: “Parece que estou vendo o Herculano Pires sentado no bar, em frente ao prédio do Diários Associados, na Rua 7 de Abril, aqui em São Paulo, onde trabalhava, naquela tarde ensolarada, cercado de amigos, bebendo qualquer coisa, creio que nada alcoólico, e respondendo nossas perguntas curiosas sobre espiritismo. Era ele um estudioso e devoto da doutrina, kardecista famoso, convidado anualmente pela direção do Bradesco para a festa na Cidade de Deus, criação do presidente do Banco, Amador Aguiar, para os funcionários. Era e sempre foi uma festa belíssima no Dia de Ação de Graças. Compareciam representantes de destaque das mais diversas religiões cristãs. O único que representava uma corrente espiritual não religiosa era Herculano Pires. Quando chegava sua vez de falar e abria o verbo, encantava a todos. … Tipo mais ou menos gordo, estatura mediana, óculos, andar meio bamboleante, rosto cheio, corado, irradiava uma simpatia pessoal muito grande. … Não externava sua cultura, sua vasta leitura em praticamente todos os campos do conhecimento. Criatura modesta, cavalheiro de primeira linha, simples por natureza. Apenas quando soltava o verbo, como nas festas na Cidade de Deus, o vulcão vinha ao vivo, mostrava-se fulgurante, brilhante, dono de uma inteligência privilegiada.”

Sobre o capítulo considerado mais dramático da vida de J. Herculano Pires, também classificado como um dos mais significativos da História do Movimento Espírita, aconteceu em 1973, quando Herculano Pires combate, com todas as suas forças intelectuais, contra uma publicação apócrifa do Evangelho Segundo o Espiritismo, efetuada sob o selo da Federação Espírita do Estado de São Paulo, a partir de uma ingenuidade cometida por Chico Xavier, por ocasião da visita de dois espertalhões a Uberaba. Um dos trechos da denúncia do J. Herculano: “É realmente triste, para mim, ter de reconhecer e precisar dizer de público que Chico revelou desconhecer a extensão de sua responsabilidade no campo doutrinário. Mas a verdade é essa, pois se o reconhecesse não teria formado com Paulo e Jamil o trio interessado em ‘abrandar’ o Evangelho. Chico entrou numa canoa furada por invigilância, como ele mesmo confessa, e ainda agora, reconhecendo o erro, quer sustentá-lo para não faltar com a solidariedade aos dois patetas, sem se lembrar das consequências que o seu endosso a essa miserável trapaça, filha da ignorância e da vaidade, poderá acarretar para o movimento espírita. É duro dizer isto, mas é verdade.”

Posteriormente, em 1978, Herculano e Chico Xavier publicaram o livro Na Hora do Testemunho, ratificando a fidelidade de ambos à doutrina kardecista, onde declara: “Não façamos do Espiritismo uma ciência de gigantes em mãos de pigmeus. Ele nos oferece uma concepção realista do mundo e uma visão viril do homem. Arquivemos para sempre as pregações de sacristão, os cursinhos de miniaturas de anjos, à semelhança das miniaturas japonesas de árvores. Enfrentemos os problemas doutrinários na perspectiva exata da liberdade e da responsabilidade de seres imortais. Reconheçamos a fragilidade humana, mas não nos esqueçamos da força e do poder do espírito encerrado no corpo. Não encaremos a vida cobertos de cinzas medievais. Não façamos da existência um muro de lamentações. Somos artesãos, artistas, operários, construtores do mundo e temos de construí-lo segundo um modelo dos mundos superiores que esplendem nas constelações. Estudemos a doutrina aprofundando-lhe os princípios. Remontemos o nosso pensamento às lições viris do Cristo, restabelecendo na Terra as dimensões perdidas do seu Evangelho. Essa é a nosso tarefa.”

A produção literária do J. Herculano Pires, considerado um dos maiores especialistas brasileiros na Doutrina Kardecista foi pródiga em fecundas antecipações acerca da sua desencarnação. Minutos após sua desencarnação, o corpo ainda se encontrando no hospital, o Herculano Pires enviou a seguinte mensagem, através de um médium amigo, para sua família: “Família querida/Vivendo contigo/Dias felizes e amenos/Uma experiência do lar prossegue a vida/Coragem e otimismo/Não quero ‘pompas nem velas’/ Apenas a simplicidade de um professor de interior em metrópole e céus e estrelas!/ Sustente em apoio vibratório a casa!/Ampare o livro da codificação. … Se há dificuldade de captar a escrita, imagine a de despertar aqui, para dizer aos daí: Sobrevivência d’alma! Muita paz em Jesus.”

Uma biografia que dignifica a vida de um autêntico divulgador kardecista.

PS. Recomendo com entusiasmo a leitura de Introdução ao Espiritismo, SP, Editora Paideia, 2009, 534 p, organizado pelo J. Herculano Pires. Uma leitura sementeira por derradeiro.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 26 de junho de 2017

PARA SABER REDIGIR

Uma das minhas atividades atuais prende-se ao atendimento de executivos de empresas e gerentes institucionais no tocante às revisões dos textos não-ficcionais por eles preparados para os escalões superiores. Gente capaz que não foi devidamente preparada na redação de documentos/relatórios, talvez vitimada por uma educação somente voltada para as obsessões gramatiqueiras, posta de lado a graciosidade documental de relatos que melhor seduziria os leitores destinatários.

Muito recentemente, a editora Três Estrelas, São Paulo, ofereceu ao público brasileiro um clássico manual americano de escrita jornalística não-ficcional: Como Escrever Bem, William Zinser, 2017, 178 pp., lançado em 1975 nos Estados Unidos. Seu autor, eternizado em 2015, é até hoje reconhecido como um dos mestres de escritores e jornalistas, tendo colaborado com as principais publicações norte-americanas, o livro sendo reeditado nove vezes, sofrendo quatro atualizações, obedecendo as novidades tecnológicas últimas acontecidas, permanecendo com suas lições essenciais sobre criação e estilo, favorecendo a iluminação das trajetórias dos profissionais que deseja expor suas ideias e argumentos com correção, graça e coerência.

A redação de um bom texto não é tarefa fácil, sempre a exigir pesquisa, técnica e muito trabalho, principalmente em nossa contemporaneidade, quando a leitura compete com múltiplos meios de informação audiovisuais. E Zinser deseja oferecer aos seus leitores um instrumento que possibilite estruturar um texto que desperte prazer, juntamente com a força do estilo e a profundidade das ideias. Ele afirma que o excesso é o mal da escrita americana. E vai mais além: “somos uma sociedade sufocada por palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e jargões sem nenhum sentido.

Num livrinho pequeno, brilhantemente sedutor, Zinser faz umas recomendações pra lá de oportunas, absolutamente indispensáveis numa época como a nossa, quando a prolixidade, mancomunada com as frases sem quaisquer nexos, campeiam numa sociedade como a brasileira, onde a vulgaridade didática do Ensino Fundamental é responsável pelo desastre educacional de uma geração de frases descabidas e desconexas.

Para não cansar muito os leitores fubânicos deste site excepcionalmente antenado às diatribes do nosso cotidiano, transcrevo, abaixo, algumas das principais dicas e conselhos contidas no livro, encarecendo uma leitura bem rabiscada e atenta das suas páginas, que devem ser vez em quando relidas para evitar atropelamentos desastrosos e caducidades desprimorosas.

1. A redação de textos se alterou bastante nos últimos 30 anos. Novas tendências sociais e literárias, além de um extraordinário avanço das mulheres escrevendo não ficção. Novas palavras e usos, juntamente com um acelerado desenvolvimento dos computadores, favorecendo o fortalecimento de coisas intangíveis, como confiança, prazer, intenção e integridade. Desde os anos 1980, os processadores de texto, a internet, o e-mail, o Messenger e o whatsapp, além da emersão das redes sociais, em muito facilitaram a emissão de textos sintéticos, embora favorecendo o surgimento de armadilhas, o desaparecimento da essência do “escrever é reescrever”, posto que o fato de escrever fluentemente não significa escrever bem, de modo sedutoramente atraente.

2. Dois fatos comprovados após o aparecimento dos processadores de texto, diametralmente opostos: os bons escritores ficaram melhores e os escritores ruins pioraram. Os primeiros perceberam a potencialidade de alterar inúmeras vezes suas frases e parágrafos, ensejando revisões e remoções, acréscimos, sem a trabalheira de datilografar tudo novamente, enquanto os escritores ruins tornaram-se mais verborrágicos, a favorecer textos mais herméticos e inúmeras vezes propositadamente complexos.

3. Inevitavelmente, nos próximos 30/40 anos, novos procedimentos eletrônicos serão acrescidos aos processadores de textos, em muito beneficiando os bons e complexificando ainda mais os que foram gerados em pé numa rede…

4. Com a evolução dos processadores de texto, amplia-se o necessário hábito de pensar. E pensar bem, sempre organizando as ideias a partir da lógica, seguindo uma orientação muito lida de Lewis Carroll, autor consagrado de Alice nos País das Maravilhas: “Ela (a lógica) lhe dará clareza do pensamento, o hábito de arranjar suas ideias numa forma acessível e ordeira, e mais valioso que tudo, o poder de detectar falácias e despedaçar argumentos ilógicos e inconsistentes que você encontra tão facilmente nos livros, jornais…”

5. Há pessoas que imaginam ser a escrita um passatempo, algo extremamente divertido, as palavras fluindo facilmente. O autor do livro define o escrever como algo difícil e solitário, as palavras raramente fluindo com facilidade.

6. Outras pessoas imaginam que reescrever não seja necessário. O Zinsser afirma que reescrever é radicalmente necessário, proclamando que reescrever é a essência da escrita, existindo escritores profissionais que reescrevem suas frases inúmeras vezes, novamente reescrevendo o que tinha reescrito.

7. Todo profissional da escrita deve estabelecer uma rotina diária, atendo-se firmemente a ela. Segundo Zinsser, escrever não ficção é um ofício, não uma arte, todo sujeito que abandona seu ofício, por falta de inspiração, não deve ser levado a sério, podendo terminar economicamente destroçado.

8. Um escritor profissional são trabalhadores solitários, raramente frequentadores de almoços convencionais ou eventos promocionais.

9. Todos os escritores profissionais são vulneráveis e tensos. A questão maior é encontrar o verdadeiro homem a verdadeira mulher que existe por trás dessa tensão.

10. Todo escritor profissional persegue duas qualidades muito importantes: a sensibilidade para o humano e o entusiasmo.

Infelizmente, William Zinsser está coberto de razão: “somos uma sociedade sufocada por palavras desnecessárias, construções circulares, afetações quase histéricas e jargões sem um mínimo de sentido.”

Creio ser chegada a hora de liquidar o juridiquês, o economês, o sociologuês, o teologuês e os demais embromation systems capazes de iludir abilolados, a grande maioria consumista deste mundão de meu Deus.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 19 de junho de 2017

RESISTÊNCIA DESPERTADORA

Embora tenha sido editado pela Zahar no final da década passada, os discursos do escritor Thomas Mann contra Hitler, de 1940 a 1945, deveriam ser relidos por aqueles que estão antenados com a atual crise mundial, brasileira inclusive, onde ideologias se fragmentaram e uma sociedade civil se encontra amplamente estilhaçada por interesses individualistas, nunca solidários, recheados de preconceitos e tipicamente voltados para um mercado capitalista sectariamente ambicioso.

 

 

No livro Ouvintes Alemães! – Discursos contra Hitler (1940-1945), Zahar, 2009, estão reunidos discursos que o escritor alemão Thomas Mann, do exílio, a convite da rádio BBC, enviava aos seus conterrâneos, comentando a realidade da guerra e incentivando seus irmãos germânicos a derrotarem Hitler, o nazismo e seus assassinos.

O livro reúne 58 pronunciamentos de Mann, onde ele, sincero, enfático, emocionado, irado, esperançoso, revoltado, sarcástico, realista e profundamente engajado, proclamava a cidadania alemã, batendo-se contra “o sujeito miserável que ainda se diz Führer da Alemanha”.

Com as comunicações modernas de hoje, tudo seria mais fácil. Mas vejam os leitores deste site fubânico como a operação se processava: todo o discurso, de cinco a oito minutos, era gravado no Recording Department da NBC, em Los Angeles, a gravação sendo enviada a Nova York por via aérea e transferida por telefone para uma outra gravação em Londres, executada diante do microfone, ensejando a escuta clandestina de milhões de alemães, suíços, suecos, holandeses e tchecos. Todos ansiosos por uma voz vibrante, que incutisse esperança na luta pelo término de um regime nefasto para o mundo inteiro. Mesmo sob a ameaça de um Führer que denunciou, numa cervejaria de Munique, que havia emissões de Thomas Mann que tentavam incitar o povo alemão à revolução contra ele e seu famigerado sistema.

Aos leitores fubânicos, algumas reflexões do escritor alemão, autor de A Montanha Mágica, Nova Fronteira, 2006, uma leitura que merece entusiásticas releituras. Ei-las: 1940 – Esta luta será demorada, ninguém tem ilusões quanto a isso. Porém quanto mais ela durar, mais certo será seu desfecho; 1941 – Seus tiranos lhes inculcaram a ideia de que a liberdade é uma quinquilharia obsoleta; 1942 – Conheço o suficiente das leis morais do mundo e sinto por elas respeito o bastante para dizer a vocês: uma depuração, uma purificação e uma libertação devem e vão acontecer na Alemanha, tão radicais e tão determinadas que estejam à altura de atos criminosos nunca antes vistos no mundo; 1943 – Creio que o estrondo da porta batida será superado por um imenso concerto de vaias no auditório do mundo, pois nunca se encenou nada tão miserável quanto a peça dessa trupe sanguinária de atores de feira; 1944 – Nenhum canalha quer ir para o inferno sozinho; ele sempre procurará levar o maior número possível de pessoas com ele. Que outros sejam culpados como ele, essa a sua alegria; 1945 – Apesar de tudo, o retorno da Alemanha à humanidade é um momento grandioso. Ele é duro e triste porque a Alemanha não pôde conduzi-lo com suas próprias forças. O nome da Alemanha sofreu um dano terrível, difícil de reparar, e o poder se foi. Mas o poder não é tudo, não é nem mesmo a coisa mais importante, e a dignidade alemã nunca foi uma mera questão de poder. Pode voltar a ser o poder de obter respeito e admiração através da colaboração humana, do espírito livre.

Uma pequena amostra de uma estratégia de resistência de um intelectual alemão famoso que combateu com sua escrita para a erradicação do nazismo numa Alemanha que tinha caído na esparrela de um líder inteligentemente delinquente com seu grupo de seguidores assassinos.

Para os mais jovens, que ainda não aquilataram a tragédia de 12 anos que se espraiou pela Alemanha, 1933-1945, recomendo dois livros incrivelmente esclarecedores, ambos de um mesmo autor, Ian Kershaw, historiador inglês, professor de História Contemporânea da Universidade de Sheffield, da qual se aposentou em 2008, reconhecido como um dos maiores especialistas da história da Alemanha nazista.

O primeiro livro é Hitler, SP, Companhia das Letras, 2010, a mais completa biografia do assassino nazista, superando todos os relatos já publicados. Numa linguagem incisiva, lúcida, penetrante e incrivelmente reveladora, o texto de Kershaw, agora condensado em um só volume, tornou-se, segundo o Los Angeles Times, “um guia indispensável e definitivo sobre Hitler, o nazismo a nação que, por algum tempo, refletiu vergonhosamente seu gênio maligno”. Uma abordagem que explica com ampla serenidade analítica “as expectativas e motivações da sociedade alemã” para o III Reich, onde Adolf Hitler foi o epicentro do ataque nazista às raízes da civilização germânica.

O segundo livro, O fim do Terceiro Reich: a destruição da Alemanha de Hitler, 1944-1945, SP, Companhia das Letras, 2015, Ian Kershaw decifra, com base em amplos levantamentos históricos ainda inéditos, os meses finais da Alemanha nazista, do malsucedido atentado a Hitler, julho de 1944 (Operação Walkyria) à capitulação final, o suicídio do tirano, cumprindo sua obstinação, a de que jamais se entregaria vivo às forças aliadas. Segundo Hitler, a destruição total, mas heroica, era infinitamente preferível às capitulações consideradas por ele como atos de covardia.

A leitura dos três textos em muito ampliará a consciência cidadã dos que almejam uma democracia de características mínimas para todos os quadrantes de um planeta, erradicados as ideologias sectárias e os fundamentalismos religiosos de todos os naipes, inclusive romanos.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 12 de junho de 2017

UNIVERSIDADE PARA PERNAMBUCO 21

Em 2022, certamente com programação festiva e sem subfaturamento, comemoraremos duzentos anos da independência do Brasil. De país com “complexo de vira-latas”, como proclamava o pernambucano Nelson Rodrigues, e repleto de sabidos e sabidões, cínicos dilapidadores do erário público, alcançamos certo reconhecimento no cenário mundial, muito embora inúmeros problemas ainda nos atormentem, inclusive o da melhoria substancial da qualidade do nosso ensino superior. Cujas carências e desafios não devem ser ofuscados por imediatismos irresponsáveis ou omissões dos poderes públicos, desatentos aos desencantos crescentes de uma juventude que anseia por melhores amanhãs acadêmicos, com níveis de desenvolvimento técnico-científico que não maculem a dignidade nacional.

Em nossa região, com a fase economicamente claudicante em que se encontra o Estado de Pernambuco, o terceiro grau ainda se encontra em estágio muito aquém do ideal. Por iniciativa dos dirigentes universitários, como alerta estratégico, deveria ser obrigatória a entrega, para os aprovados nos vestibulares, de um panfleto similar ao Mapa do Fracasso, de Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia. Onde estariam ressaltados os balizamentos que precipitaram o mercado mundial num despenhadeiro em 2008 e 2010, principalmente o norte-americano. Parâmetros fatídicos que alertariam os novos acadêmicos para descaminhos letais que conduzirão os desatentos para percursos profissionais e acadêmicos nulificantes, causando desesperos existenciais, desumanizações e despolitizações. Ei-los: 1. Pensar em curto prazo – Não projetar, nem raciocinar para além de cinco anos; 2. Ser obsessivo – Ter como objetivo ganhar sempre, sem considerar os limites para os ganhos financeiros; 3. Acreditar que existe sempre alguém mais tolo do que você – Desprezar os outros, porque “sempre haverá alguém, inclusive ele um dia, suficientemente estúpido para só perceber o que está acontecendo quando for tarde demais”; 4. Acompanhar a manada – Não ouvir as vozes discordantes, que precisam ser ridicularizadas e silenciadas; 5. Generalizar sem limites – Criar preconceitos e condenar ou louvar instituições e pessoas por critérios difusos e subjetivos, sempre bajulatórios; 6. Seguir a tendência – Procurar ver o que está dando certo, copiando acriticamente e esperar que os resultados se repitam; 7. Jogar com o dinheiro dos outros – Arriscar progredir com o capital alheio.

A dinamicidade universitária por que passa Pernambuco provocará certamente, com a distribuição do panfleto, um viés positivo, favorecendo a emersão de iniciativas estruturadoras: ampliação da criticidade cidadã, contemporaneidade dos conhecimentos técnicos e humanísticos, ampliação da democracia universitária sem populismos eleitoreiros, fortalecimento cognitivo complementar dos ingressos através das cotas étnicas e sociais, construção de bibliotecas e ampliação sistemática dos seus acervos com a contratação de profissionais qualificados, consolidação de uma política pública de ensino a distância de qualidade, seleção pública de quadros docentes e administrativos com níveis salariais adequados, agressividade editorial, erradicação das temporalidades docentes e administrativas pela efetivação de concursos públicos, e a consolidação dos centros universitários regionais, respeitadas as vocações de cada uma das áreas geográficas.

Em época de generalizada passividade comunitária como a que estamos vivenciando, urge um planejamento estratégico que não seja vago nem fantasioso, tampouco meramente carimbológico, que não obstaculize decisões sementeiras, nem favoreça a diluição demagógica dos objetivos estabelecidos. Em toda universidade ou instituição de ensino superior do Estado de Pernambuco, o como começar não deverá ser viabilizado de uma única maneira. Cada uma deverá preservar suas peculiaridades, que exigirão procedimentos específicos, capazes de proporcionar um aproveitamento ideal entre talento e experiências locais.

Na construção de horizontes universitários promissores para Pernambuco, todo cuidado é pouco com os medíocres. Na definição de José Ingenieros, médico psiquiatra argentino já eternizado, autor de O Homem Medíocre, no Brasil editado pela Juruá, “o homem medíocre é uma sombra projetada pela sociedade; é por essência imitativo e está perfeitamente adaptado para viver em rebanho, refletindo as rotinas, preconceitos e dogmatismos reconhecidamente úteis para a domesticidade. Assim como os seres inferiores herdam a ‘alma da espécie’, o medíocre adquire a ‘alma da sociedade’. Sua característica é a de imitar a quantos o rodeiam, pensar com a cabeça alheia e ser incapaz de formar ideais próprios”.

Necessitamos, através das múltiplas maneiras de debater e deliberar, bem equacionar as diretrizes alavancadoras para o ensino superior pernambucano: Qual é a missão do ensino superior estadual?; Como bem diferenciar erro de negligência?; Que iniciativas poderão a curto e médio prazos serem tomadas diante das mudanças velozes que estão se processando na década atual?; Como implementar nosso planejamento estratégico com maturidade, sem as fobias advindas da idiótica dicotomia direita-esquerda? Como ser dirigentes conscientes, sem bajulações e subserviências?; Como reconhecer o desconhecido, sempre se vendo como um eterno aprendiz, sabendo bem diferenciar aprender e apreender? Que razões mais substantivas exigem ações sem procrastinações?; Como explicitar nossas inquietações propositivas, nunca nos comportando tal e qual aquele cego num quarto escuro procurando um gato preto que lá não mais se encontrava?; e até quando poderemos conservar, em nosso sistema universitário público, o título de Ensino Superior, diante de iniciativas outras que evoluem com mais rapidez e efetividade?

É dever de todos combater a “cegueira do progresso”, expressão feliz de Adorno, evitando a transformação da vida universitária brasileira em espetáculo e consumo circenses, favorecendo a conscientização de uma sociedade que ainda não questionou porque, no ranking mundial da educação, o Brasil se encontra numa muito vexatória colocação.

Não teria chegada a hora de se estruturar, no Poder Executivo de Pernambuco, uma Secretaria de Educação Superior, com seu Conselho de Educação Superior, desafogando a Secretaria de Ciência e Tecnologia, possibilitando que ela siga adiante com seus dinamismos próprios em prol de um Ensino Técnico e de uma C&T voltada para os amanhãs que necessitamos em todos os nossos setores econômicos? Tal como fez o Estado de São Paulo, numa iniciativa eminentemente catapultadora?

PS. No Dia dos Namorados, nesta segunda 12, confesso publicamente os meus dois amores institucionais: a Fundação Joaquim Nabuco e a FCAP-Universidade de Pernambuco.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 05 de junho de 2017

PARA ENTENDER NOSSO TEMPO

 

Eis que palavras-chave surgem para ampliar nossa “enxergância” sobre os imbróglios desconcertantes que estão acontecendo nos quatro cantos do planeta, incluindo Trump, Temmer e outros aparvalhados dirigentes descontemporâneos. Que que não se apercebem das responsabilidades mil que possuem como dirigentes, imaginando-se os “ós do borogodó”, impávidos colossos situados muitos pontos acima de uma população que exige seus direitos de viver com dignidade, trabalho, liberdade e participação nos destinos do mundo.

Tais palavras-chave estão devidamente analisadas num livro recém editado pela editora Objetiva, de autoria do notável Domenico de Massi, professor de sociologia do trabalho na Universidade La Sapienza, de Roma. Intitulado Alfabeto da sociedade desorientada: para entender o nosso tempo, 2017, 598 p. Uma coleção de estupendas sínteses de conceitos atualmente em vigência, que envolvem uma cultura mundial que necessita ser analisada com profundidade e franqueza, proporcionando reflexões restauradoras de uma dignidade planetária que erradique a infelicidade proporcionada a milhões por sistemas que castram a liberdade de bem viver numa paz social duradoura, sem discriminação de espécie alguma.

Na Introdução, uma reflexão de Arthur Schopenhauer que nos proporciona um instante de reenergização ética civilizatória: “A vida e os sonhos são páginas do mesmo livro. Lê-las em ordem é viver, folheá-las ao acaso é sonhar”. E Masi reconhece que, muitas vezes, já sentiu vontade de ter “vivido na Atenas de Péricles, na Roma de Adriano, na Florença de Lourenço, o Magnífico, na Paris de Voltaire”. Mas, segundo ele próprio deduz, “ninguém me garante que seria justamente eu no lugar desses personagens, desfrutando de seus privilégios. Seja como for, no tempo deles a expectativa de vida era bem mais breve do que a atual, e em caso de dor de dente não havia analgésico para aliviá-la.”

Cada uma das análises feitas nos 26 conceitos vem encabeçada por uma reflexão feita por alguma personalidade que fez história em nossas épocas de ontens e hojes, quase todas indispensáveis para reacender a chama de uma humanidade que minoritariamente vive apenas das tecnologias e cientificidades que mutilam fatos, muitos deles sem uma mínima chance de serem vivenciados pelas comunidades distanciadas de uma contemporaneidade ainda não humanisticamente assimilada.

Escolhemos algumas dessas reflexões, encarecendo aos possíveis leitores, uma releitura meditativa, favorecendo a compreensão mais consistente das palavras-chave por Massi utilizadas, binoculizando os prós e os contras dos amanhãs que nos aguardam, principalmente de um Brasil que está em contínua estupefação político-empresarial, que esmaga nosso conceito internacional de “país criado por Deus e bonito por natureza.” Ei-las:

“O espírito criativo afirma-se onde reina a serenidade.” – Le Corbusier

“Um dos maiores problemas da humanidade não consiste na imperfeição dos meios, mas na confusão dos fins.” – Albert Eisntein

“A clareza é uma distribuição adequada de luz e de sombra.” – Goethe

“Muitas coisas maravilhosas, cuja causa é desconhecida, ocorrem segundo a natureza, enquanto outras ocorrem contra a natureza, produzidas pela techné em benefício dos homens.” – Aristóteles

“O que conta não é a arquitetura, mas a vida, os amigos, a família e este mundo injusto que devemos mudar.” – Oscar Niemeyer

“Não é do trabalho que nasce a civilização; ela nasce do tempo livre e da diversão.” – Alexandre Koyré

“Continuemos a desperdiçar a mesma energia que era necessária antes da invenção das máquinas; nisso fomos tolos, mas não há razão para continuarmos a sê-lo.” – Bertrand Russell

“O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são.” – Protágoras

“As minhas ideias são as minhas putas.” – Denis Diderot

“A sociedade do consenso é a sociedade do consenso dos gigantes e através dos gigantes.” – Wright Mills

“Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos.” – Nelson Rodrigues

“Encontro neste pequeno povo o trabalho mais álacre e engenhoso, não para enriquecer, mas para viver sem pensamento.” – Goethe

“A vida é o que acontece enquanto pensamos em outra coisa.” – Oscar Wilde

“Homem que trabalha perde tempo precioso.” – Provérbio espanhol

“Há bandos em que governam os mais inteligentes: é o caso dos babuínos.” Konrad Lorenz

“Todos llevamos dentro um grano de locura, sin el cual és imprudente vivir.” – Frederico Garcia Lorca

“Não faço nada sem alegria.” – Michel de Montaigne

“Nunca um esforço, num um pouco de energia: nada que vá com pressa.” – Stendhal

“Ter sede significa ter sede de Coca-Cola.” – Ivan Illich

“A ética do trabalho é aética do escravo, e o mundo moderno não precisa mais de escravo.” – Bertrand Russell

“Educar significa enriquecer as coisas de significado.” – John Dewey

“O homem é aquilo que ele faz para ser.” – Jean-Paul Sartre

“Considero a Web um todo potencialmente ligado a tudo, como uma utopia que nos concede uma liberdade jamais vista.” – Tim Berners-Lee

“Nossa natureza está no movimento. A única coisa que nos consola das misérias é a diversão.” – Blaise Pascal

“Quanto menos inteligente é o branco, mais o negro lhe parece estúpido.” – André Gide

“Seja qual for a sua idade, alegria e sofrimento estão misturados. Permaneça fiel à alegria e esteja pronto para enfrentar o sofrimento com coragem,” – Robert Schumann

Regenerar a mente é mais que necessário, neste século XXI tão atabalhoado, repleto de fundamentalismos, prenhe de incompreensões e sectarismos políticos. Que a leitura das palavras-chave do Domenico de Masi nos possibilite a ampliação da nossa Cidadania Brasileira, onde os mais escolarizados deverão estender as suas mãos na direção daqueles que ainda se encontram num estágio inicial de uma transitividade ingênua.
O livro do Massi provoca um baita desabilolamento existencial.

PS. Para Dona Irene, hospedada na Casa dos Humildes, no Recife, serenidade vivencial exemplar, alegria permanente, interior sempre lindo, abençoado por Deus, com admiração e crescente estima pessoal.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 29 de maio de 2017

PARA QUEM TEM CORAGEM DE MUDAR

Para quem ainda desconhece descobertas religiosas recentes, é bom recordar que, em 1945, um camponês árabe fez ocasionalmente, no Alto Egito, uma extraordinária descoberta arqueológica. Entretanto, inúmeros boatos obscureceram o feito, muito embora, trinta anos mais tarde, o seu descobridor, Muhammad ‘Ali al-Salmmãn, tenha revelado como tudo aconteceu. Entre os texto encontrados, os chamados evangelhos gnósticos. Um deles, o de Tomé.

No século segundo da era cristã, o então bispo de Alexandria, ciente do seu papel de mantenedor da ortodoxia eclesiástica que já se instalava em seus domínios, determinou a destruição dos documentos tidos como heréticos. Inclusive os “contaminados” pelo Gnosticismo, um movimento que favorecia uma criticidade libertadora embasada no misticismo e na especulação filosófica.

Alguns monges, entretanto, mantiveram inúmeros documentos sob sete chaves, terminando por enterrá-los numa área pouco habitada, num grande jarro de argila, somente descoberto em 1945, no Egito. Continham papiros datados dos primórdios do Cristianismo e redigidos para servir de testemunhas de acontecimentos pretéritos.

O achado é composto de 12 códices, mais um décimo terceiro incompleto, além de 52 outros tratados, sendo o conjunto mundialmente conhecido como Biblioteca de Nag Hammadi, cuja versão inglesa teve primeira edição em 1977. Em 1996, uma nova edição inglesa foi publicada, amplamente revisada, subsidiada pelas recentes pesquisas científicas e arqueológicas.

Recentemente, a editora brasileira Madras, São Paulo, lançou a tradução integral daquele achado, com uma Introdução de James M. Robinson, para quem “uma revolução agressiva não é o que se busca, mas sim uma retirada do nosso envolvimento na contaminação que destrói a clareza da visão”. Sempre a fincar novas raízes interpretativas no já criteriosamente distanciado do joio.

Como em todo movimento, o pensar cristão diferente incomoda bastante e é muito temido pelos que consideram a continuidade e a estabilidade como alicerces de uma trajetória sem contestação. Ainda que situada, numa contramão nem sempre inconsciente, num sentido oposto à mensagem original pregada pelo Judeu de Nazaré, assassinado no madeiro por sua intrepidez evolucionária.

Os incontáveis ramos do Cristianismo, subdivisões criadas tão logo concluídos os quarenta dias do Ressurreto entre nós, em sua maioria emergiram por interesses financeiros, ânsias de poder, fanatismos idiossincráticos, busca de novos nichos evangelizadores e interesse em manipular o inconsciente coletivo de uma área, entre outras intenções menos notórias. Como as que entrechocaram João e Tomé, Pedro e Paulo, e Paulo e Barnabé. Para não se falar das infâmias levantadas contra Maria de Magdala, mais conhecida como Madalena. Além das atrocidades praticadas com os que não seguiam a cartilha imposta pela maioria.

Aplausos para o Mahatma Gandhi: “Creio que, se pudéssemos ler as escrituras das diversas religiões, abraçando, cada vez, o ponto de partida de seus respectivos adeptos, perceberíamos que elas são idênticas, na base, e se completam maravilhosamente”. Um pensar que, seguramente, deixaria muitos com olhares arregalados, com uma vontade danada de também colocar Gandhi no madeiro, entre dois ladrões, se a época possibilitasse. Ou se a Opus Dei ainda fosse possuidora de instrumentos de fácil eliminação.

Sempre estarão, os mais clarividentes, buscando erigir uma binoculidade diferente, numa transcendentalidade com o Superior situada acima das denominações religiosas. Como cristão, também descendente de Abraão, Isaac e Jacó, aprendiz da Doutrina Espírita, complementam-me, continuadamente e para o alto, os ensinamentos daqueles que pregam o direito de todos os seres humanos a uma existência abundante, material e espiritualmente, sob o signo do Amor, como muito bem estão situadas as análises feitas pelo bispo anglicano aposentado John Shelby Spong, em seu texto Um Novo Cristianismo para um Novo Mundo – a Fé Além dos Dogmas, recentemente lançado em língua portuguesa pela editora Verus. Uma reflexão de gigante, para quem não deseja tornar-se cristãmente pigmeu.

Entre o status quo atual da quase totalidade das denominações cristãs e os ensinamentos do Judeu Nazareno, um fosso se amplia a cada novo amanhecer, infelicitando muitos, desanimando outros tantos, alienando um bom bocado. Embora ampliando, em inúmeros, uma vontade de centuplicar as reflexões através de debates exaustivos com todas as religiões do planeta, fazendo agigantar a tolerância e a compreensão pelo pensar e agir alheios, sem moralismos nem puritanismos, ninguém se arvorando de juízes ou sósias de Deus.

Uma das autoras consideradas clássicas pelos críticos literários e estudiosos da Bíblia, Elaine Pagels é autora de Os Evangelhos Gnósticos, RJ, Objetiva, 2006, 246 p., um estudo brilhante e surpreendente em suas conclusões. A professora Pagels participou do grupo que estudou os rolos encontrados em Nag Hammadi, escrevendo seu livro especialmente para os leigos, tendo sido ele considerado um dos 100 melhores livros do século XX. No livro, ela argumenta que a Igreja cristã foi fundada em uma sociedade que expunha inúmeros pontos-de-vista contraditórios. O gnosticismo era um movimento não muito coerente e havia algumas áreas em desacordo. O gnosticismo atraiu as mulheres em particular devido à sua perspectiva igualitária que permitia a sua participação em rituais sagrados.

Num livro recente, O Evangelho de Tomé – O Elo Perdido, de José Lázaro Boberg, Santa Luzia, MG, Editora Cristo Consolador, 2011, 266 p., mostra como os 114 logions (dizeres) de Jesus são diferentes dos canônicos, sem os acréscimos que nos evangelhos foram introduzidos. O livro de Boberg ressalta as origens do Cristianismo, desmistificando algumas “verdades” impostas à Humanidade até os anos recentes. Uma análise que reata os elos perdidos entre os ensinamentos do Mestre Nazareno e as versões oficiais impostas desde Constantino. Aprimorando segundo o logion 2 do Evangelho de Tomé: Jesus disse: “Deixai aquele que busca continuar buscando até que encontre. Quando encontrar, se tornará aflito. Quando se tornar aflito, será surpreendido e reinará acima de Tudo.”


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 22 de maio de 2017

UMA EXISTÊNCIA ABENÇOADA

Há personalidades que cativam pela solidariedade humana oferecida aos mais necessitados. Tive a felicidade de conhecer algumas e de conviver com outras por longos anos. Na convivência, o meu orientador maior, depois do Carolino meu pai, foi Dom Hélder Câmara, um ser humano que irradiava um magnetismo pessoal gigantesco, próprio das lideranças contempladas por forças transcendentais, dessas que iluminam os já de espíritos aperfeiçoados por múltiplas vivências.

 

 

Entretanto, uma outra personalidade que ainda não conheço pessoalmente, embora dele seja admirador de carteirinha, sempre me deixou sensibilizado pelos serviços prestados à comunidade, pelas pregações feitas ao longo de uma vida dedicada a praticar a mensagem de Jesus de Nazaré através do Espiritismo: Divaldo Pereira Franco. De biografia escrita pela historiadora Ana Cláudia Landi – Divaldo Franco – a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos, São Paulo, Bella Editora, 2015, 302 p.-, um livro que recomendo a todos os cristãos, independentemente de segmento religioso.

Divaldo Pereira Franco, mais conhecido como Divaldo Franco ou simplesmente Divaldo (Feira de Santana, 5 de maio de 1927) é um professor, médium e orador espírita brasileiro mundialmente conhecido, recentemente tornado nonagenário. O mais importante espírita brasileiro em atividade, com mais de cinquenta anos dedicados a cuidar dos meninos de rua de Salvador, na Bahia, tendo fundado, em 15 de agosto de 1952, com Nilson de Souza Pereira, a casa de assistência Mansão do Caminho, responsável pela orientação e educação de mais de 33 mil crianças e adolescentes carentes.

Divaldo apresentou, desde jovem, diversas faculdades mediúnicas, tanto de efeitos físicos quanto de efeitos intelectuais. Destaca-se, dentre elas, no entanto, a psicografia. Com mensagens assinadas por diversos espíritos, dentre eles, Joanna de Ângelis, que durante muito tempo apresentava-se como “um Espírito Amigo“, ocultando-se no anonimato, à espera do instante oportuno para se fazer conhecida. Ela revelou-se como sua orientadora espiritual, escrevendo inúmeras mensagens, num estilo agradável, repassado de profunda sabedoria e infinito amor, que conforta aos mais diversos leitores e necessitados de diretrizes espirituais.

Em 1964, Joanna de Ângelis selecionou várias das mensagens de sua autoria e enfeixou-as num livro, intitulado Messe de Amor. Foi o primeiro livro que o médium Divaldo Franco publicou. Logo em seguida, Rabindranath Tagore ditou Filigranas de Luz. E o que se seguiu constitui-se num verdadeiro fenômeno editorial, pois, em seus anos de atividade como médium, Divaldo teve publicados mais de 300 títulos, totalizando mais de cinco milhões e quinhentos mil exemplares, muitos deles ocupando lugar de destaque na literatura, no pensamento e na religiosidade universal. Dessas obras, editou-se 80 versões para 15 idiomas (alemão, castelhano, esperanto, francês, italiano, polonês, tcheco, braile, entre outros). Os livros de Divaldo Franco englobam uma grande variedade de estudos literários, como prosas, romances, narrações e etc., abrangendo temas filosóficos, doutrinários, históricos, infantis, psicológicos e psiquiátricos.

Nas obras psicografadas por Divaldo, apresentam-se 211 alegados autores espirituais, além de Joanna de Ângelis. Entre eles, Manoel Philomeno de Miranda, Victor Hugo, Amélia Rodrigues, Ignotus, Vianna de Carvalho, Carlos Torres Pastorino, Bezerra de Menezes, Rabindranath Tagore, João Cléofas, Eros e Simbá.

A maioria das obras escritas por Divaldo Franco sob a inspiração de Joanna de Ângelis almeja incentivar o autodescobrimento e facilitar a aplicação no dia-a-dia dos ensinamentos morais de amor fraterno contidos nos Evangelhos e na Doutrina Espírita, estimulando o leitor a enfrentar as dificuldades cotidianas de modo mais prático e otimista.

Como orador, Divaldo iniciou-se em 1947, difundindo a Doutrina Espírita e hoje apresenta uma histórica e recordista trajetória no Brasil e no exterior, sempre atraindo multidões, com sua palavra inspirada e esclarecedora. Há vários anos, viaja em média 230 dias por ano, realizando palestras e também seminários no Brasil e no mundo. Suas palestras promovem o pacifismo, estabelecendo pontos de convergência entre a doutrina espírita e a ciência (principalmente a psicologia), sempre incentivando a busca constante pelo autoconhecimento, ancorada em conhecimentos sobre psicologia e doutrina kardecista.

Desde jovem, Divaldo teve vontade de cuidar de crianças. Educou mais de 800 “filhos”, hoje emancipados, a maioria com família constituída e profissão – magistério, contabilidade, serviços administrativos e até medicina. Na década de 60 iniciou a construção de escolas-oficinas profissionalizantes e de atendimento médico. Hoje, a Mansão do Caminho é um admirável complexo educacional que atende milhares de crianças e jovens, na Rua Jaime Vieira Lima, 01 – Pau de Lima, um dos bairros periféricos mais carentes de Salvador, com 83.000 m² e 43 edificações. A obra é basicamente mantida com a venda de livros mediúnicos e das fitas gravadas nas palestras.

Ainda recentemente, março de 2017, Divaldo lançou a 6ª. reimpressão , com 5.000 exemplares, do seu livro psicografado Transição Planetária, pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda, Salvador, LEAL, 264 p., com todos os direitos reservados única e exclusivamente para o Centro Espírita Caminho da Redenção, Bahia, de onde apresentamos, abaixo, a reflexão contida da introdução Transição Planetária, do Espírito Manoel Philomeno:

“As criaturas que persistirem na acomodação perversa da indiferença pela dor do seu irmão, que assinalarem a existência pela criminalidade conhecida ou ignorada, que firmarem pacto de adesão à extorsão, ao suborno, aos diversos comportamentos delituosos do denominado colarinho branco, mantendo conduta egotista, tripudiando sobre as aflições do próximo, comprazendo-se na luxúria e na drogadição, na exploração indébita de outras vidas, por um largo período não disporão de meios de permanecer na Terra, sendo exiladas para mundos inferiores, onde irão ser úteis limando as arestas das imperfeições morais, a fim de retornarem, mais tarde, ao seio generoso da mãe-Terra que hoje não quiseram respeitar.”

No livro, Divaldo Franco nos aponta mecanismos e razões de ordem superior da transição planetária em favor das mudanças urgentes e necessárias direcionadas para um maior respeito à Natureza e às populações menos desenvolvidas do nosso planeta.

* * *

PS. Abraço fraternal no irmão kardecista Bruno Tavares, da Casa dos Humildes, de quem tenho recebido excelentes orientações nas sessões de estudo, todas as sextas-feiras à noite, naquela instituição.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 15 de maio de 2017

AMPLIANDO ENXERGÂNCIA

Tem gente que está distanciado léguas da realidade social do seu derredor, ignorando inteiramente com quantos paus se faz uma canoa, tampouco se lixando para os seus amanhãs, sempre mentalmente ao deus-dará, sem eira nem beira cognitiva, pouco se lixando em aprimorar sua existencialidade.

Outro dia, usei numa reunião social a expressão “desabilolamento”, provocando uma risadinha incômoda em alguns dos presentes. Um deles, no corredor de saída, me perguntou, sem maldade alguma, como ele e seus dois filhos poderiam ampliar sua criticidade, posto que todos os três eram peritos em Ciências da Computação, acometidos com-puta-dor de cabeça quando o tema dos papos com amigos de trabalho se bandeava para assuntos humanísticos. Reconheceu que nas últimas eleições tinha votado nulo diante das suas decepções e rancores para com aqueles que surrupiavam seus bolsos e os do povo brasileiro, encarapitados em postos de comando nos três níveis das máquinas administrativas públicas, federais, estaduais e municipais.

Convidei o quarentão pai para um almoço num restaurante popular de muito sabor caseiro, lá citando uma primeira referência bibliográfica, para mim enviada por um amigo antenado de São Paulo. Que era coordenador de um aplaudido blog esclarecedor nas redes sociais, sem filiação partidária, mas muito politizado através de uma educação familiar promissora, que lhe proporcionara excelentes balizamentos analíticos. O livro indicado pelo amigo sulista intitula-se Política: 50 conceitos e teorias fundamentais explicados de forma clara e precisa, editado por Steven L. Taylor, São Paulo, Publifolha, 2016, 156 p. E se inicia com um glossário que embasa uma questão preliminar – Quem governa? -, onde define alguns dos termos mais utilizados nas análises políticas contemporâneas, tais como burguesia, cidade-Estado, despotismo esclarecido, economia mista, marxismo-leninismo, meritocracia, monarquia constitucional, monarquia hereditária, poder absolutista, proletariado, socialismo árabe e tirania.

Nas páginas seguintes do livro, alguns outros conceitos são esmiuçados, com pensamentos oportunos inseridos, entre os quais o de Montesquieu – “A tirania de um príncipe numa oligarquia não é tão perigosa para o bem-estar da população como a apatia de um cidadão numa democracia” -, o de Winston Churchill – “A democracia é o único sistema que continua perguntando aos poderes existentes se eles são os poderes que deveriam existir” -, e o de François Noël Babeuf – “Que a diferença revoltante entre ricos e pobres desapareça de uma vez por todas!”.

Num outro capítulo – Governo de poucos -, ao leitor é esclarecido outros termos utilizados nos meios de comunicação modernos. Escolhemos alguns, a título de amostra: Anschluss – anexação da Áustria pela Alemanha nazista em 1938, violando acintosamente o Tratado de Versalhes, sofrendo apenas uma leve objeção da França e da Grã-Bretanha; Clientelismo – Prática social em que pessoas ricas com ambição política e indivíduos poderosos (“benfeitores”) asseguram que os recursos públicos sejam direcionados para um setor da população, em troca de apoio em forma de votos; Neonazismo – termo utilizado para definir qualquer movimento de extrema direita que compartilhe de alguns dos valores políticos da Alemanha nazista; Politizar – ato de transformar um tema não político em um tema político, como aquecimento global ou questões morais e sociais como o aborto ou a legalização de certos entorpecentes.

O papo transcorreu até depois das quatro da tarde, quando idealizamos algumas reestruturações legislativas para o Brasil século XXI, quando ainda temos uma das piores distribuições de renda do mundo, o machismo ainda impera, emissoras de televisão também são proprietárias de rádios e jornais, um Poder Judiciário radicalmente débil, com rara exceções, favorece a eternização da liberdades dos que deveriam estar encarcerados, o ensino fundamental deveria ser público e gratuito para todos, o parlamentarismo com voto distrital deveria ser o recomendado, a representatividade parlamentar reduzida de 2/3, fusão dos municípios instituídos por interesses puramente demagógicos, uma agressiva política ferroviária dada as planas características territoriais brasileira, uma não-reeleição para os cargos executivos, a eliminação do imposto sindical compulsório, o fim das isenções tributárias para as denominações religiosas, obrigatoriedade de horários culturais televisivos de boa qualidade entre 21 e 23 horas, combate efetivo à bandidagem, redução da idade mínima da criminalidade, castração química para estupradores, nivelamento dos aumentos salariais para todos os poderes, ficando para um outro encontro temas como aborto, construtivismo, casamento religioso gay e oposição sistemática aos estados unitários, aqueles que detêm todo poder sobre os governos regionais. Onde uma reflexão de Antônio Gramsci servirá de base para a discussão desse último tema: “A crise do Estado unitário estimulou o renascimento de uma confusa ideologia patriótica.”

A tarde se foi e o papo persistiu em outras áreas, entre elas duas que bastante preocupam: a decadência vertiginosa dos esportes amadores de Pernambuco e a acelerada derrapagem do futebol maurício, bem como a bosticidade das transmissões esportivas locais. Setores onde pontificam bobajadas que enodoam o passado esportivo do outrora Leão do Norte, onde pontificavam atletas, locutores e comentaristas consagrados, patrocínios vibrantes e públicos entusiásticos, ecoando fortemente seus gritos de guerra nos bares e restaurantes de toda região.

Atualmente, quando comparamos os atuais níveis pernambucano – político, esportivo, jornalístico, religioso, empresarial e de criatividade gestionária -, verificamos uma bostalização generalizada de fazer dó, onde uma me(r)diocridade robusta parece estar a debilitar ainda mais os amanhãs canequeanos da terra dos altos coqueiros, num 2017 que nos faz até esquecer as bravuras rebeldes dos heróis de 1817.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 08 de maio de 2017

JESUS, O EVANGELHO E A PSICOLOGIA

 

Fui levado, certa feita, por amigo dileto, Humberto Vasconcelos, então companheiro de bancada do CEE-PE, para assistir uma palestra do médium baiano Divaldo Franco, na Federação Espírita de Pernambuco, Av. João de Barros 1629, Recife-PE. E confesso que fiquei entusiasmado com as reflexões daquele que é considerado um dos maiores oradores da conjuntura mundial kardecista.

Recentemente, ano passado, na capital baiana, deparei-me com mais um livro do notável propagador da Doutrina Espírita: Jesus e o Evangelho à luz da psicologia  profunda, pelo Espírito Joanna de Ângelis, sua mentora, de quem tem psicografado mais de 250 obras.

Para quem ainda não conhece detalhadamente a caminhada do médium Divaldo Pereira Franco, recentemente ele foi merecedor de duas gigantescas homenagens. A primeira ocorreu no dia 31 de julho de 2015, por ocasião do 10º Simpósio de Estudos e Práticas Espíritas de Pernambuco – SIMES-PE, realizado no Centro de Convenções de Pernambuco, no Recife, sob tema “Da Célula à Espiritualidade, a Fascinante Construção do Homem de Bem”, quando ele recebeu o título de Cidadão Paulistense, proposto pelo vereador Fábio Barros, Paulista-PE. A segunda teve lugar na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, em 6 de agosto passado, quando Divaldo Franco recebeu a Comenda 2 de Julho, outorgada a figuras ilustres que contribuíram ou contribuem para o desenvolvimento social daquele estado e da sociedade em geral. Suas atividades na Mansão do Caminho, bairro Pau de Lima, Salvador, foi a razão da homenagem. A Mansão do Caminho já tirou da miséria mais de 150 mil pessoas, através da oferta de escola e profissão. Nela funcionam creches e escolas que atendem diariamente mais de 3 mil crianças, alimentadas gratuitamente. Lá também funciona um Centro de Saúde, atendendo mais de 2 mil adultos, mensalmente e de forma gratuita. E possui ainda o Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira, considerado o primeiro do Norte-Nordeste, também com atendimento gratúito. A Mansão do Caminho conta com cerca de 400 pessoas, entre funcionários e voluntários. Um exemplo de solidariedade social numa época de vacas magérrimas como a vivenciada pela Nação Brasileira.

O livro Jesus e o Evangelho à luz da psicologia profunda, psicografado por Divaldo Franco, é de autoria de Joanna de Ângelis, uma Mártir da Independência do Brasil, também considerada uma das maiores poetisas da língua hispânica. A obra mediúnica de Joanna de Ângelis é composta por dezenas de livros, muitos deles traduzidos para diversos idiomas, versando sobre temas existenciais, filosóficos, religiosos, psicológicos e transcendentais. Dentre as suas obras destacam-se as da Série Psicológica, composta por mais de uma dezena de livros, nos quais a entidade estabelece uma ponte entre a Doutrina Espírita e as modernas correntes da Psicologia, em especial a transpessoal e a junguiana.

No prefácio do livro acima citado, datado de 30 de junho de 2000, quando ela diz “comemorar modestamente os dois mil anos do nascimento de Jesus na Terra, trazendo sua mensagem libertadora de amor para toda humanidade”, algumas de suas reflexões merecem toda atenção e mais alguns bons instantes de meditação. Vejamos algumas delas: a. Jesus é o mais notável Ser da História da Humanidade, seus evangelhos sendo os mais comentados e discutidos em todos em tempos; b. Muito, entretanto, ainda se pode dizer e examinar sobre Ele e Seus ensinamentos, pois se trata do mais belo poema de esperanças e consolações que se tem notícia; c. Jesus cindiu o lado escuro da sociedade do seu tempo até os dias atuais, transmitindo através dos séculos um precioso tratado de psicoterapia capaz de erradicar os incontáveis males que afligem o mundo atual; d. Apesar da astúcia e perversidade dos seus perseguidores, nunca se deixou atemorizar ou se desviar dos seus objetivos basilares, conseguindo atordoar seus inquisidores inclementes com respostas sábias e muito lúcidas; e. Misturou-se ao povão, com ele apequenando-se sem jamais diminuir sua própria grandeza; f. Em perfeita sintonia da anima com o animus, sempre proclamando Boas Novas viáveis, sempre ambicionando a plenitude, sua mensagem atinge seres humanos que buscam uma autossuperação direcionada à plenitude; f. Apesar das distorções e omissões efetuadas na Sua mensagem, a essência dos seus ensinamentos ainda permanece sintetizada no “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

A leitura de Jesus e o Evangelho à luz da psicologia profunda, psicografado por Divaldo Franco, foi motivo de muita reflexão para meu caminhar setentenário de pai, professor, consultor, rabiscador apaixonado e marido novamente presenteado pelo Criador, sempre cristão transecumênico. Um livro que merece ser lido por todos aqueles que buscam a fraternidade solidária muitos pontos acima das denominações religiosas, todas elas simples cabines do grande Transatlântico da Criação, cujo Comandante é Único, Indivisível e Eterno desde tempos indelimitados.

O parágrafo último do livro merece ser aqui reproduzido, como grande final de uma psicografia feita pelo médium internacionalmente aplaudido: “Quando o desespero de qualquer forma circunde a casa mental e o departamento emocional da criatura, cabe-lhe, na dificuldade de discernimento ou de dor em que se encontre, abrir-se à prece e pedir amparo a Deus, tocando-se de luz, porquanto tudo obterá e concedido lhe será o que pedir”.

Uma excelente leitura-meditação para gregos e troianos de todas as crenças, sonhos e caminhadas!!

PS1. Para meu amigo-irmão Humberto Vasconcelos que, um dia, me proporcionou a alegria de ouvir Divaldo Franco em sua companhia. Dos ensinamentos do Franco, deles me tornei entusiasta, tornando-me bem mais espiritualizado.

PS2. Nos próximos 4,5 e 6 de agosto de 2017, no Centro de Convenções de Pernambuco, o 12º SIMESPE – Simpósio de Estudos e Práticas Espíritas de Pernambuco, quando aplaudirei novamente Divaldo Franco, tornando nonagenário no dia 5 da semana passada, sob as Graças de Deus. Promoção do Grupo Espírita Seara de Deus. Fones: 3434-1128 e 3010-1092 . Poucos lugares sobrando!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 01 de maio de 2017

AMOR E CARIDADE

Há relatos que santificam vivências solidárias com os sofrimentos alheios. Lendo o livro As Vidas de Chico Xavier, Marcel Souto Maior, São Paulo, Leya, 2010, me deparei com a trajetória de uma enfermeira que deveria merecer referências honrosas nos Cursos de Enfermagem deste Brasil que tanto está a carecer de apoio aos mais necessitados, princpalmene das classes mais abonadas.

 

O nome da heroína? Aparecida Conceição Ferreira, enfermeira técnica do Setor de Isolamento da Santa Casa de Misericórdia, Uberaba, Minas Gerais. Nascida em 19 de maio de 1915, em Igarapava, São Paulo, foi criada por um tio. Quando meninota, vendia doces, frutas e verduras para auxiliar nas despesas da casa. Em 1934, casou-se com Clarimundo Emídio Marques e principiou a criar a apanhar crianças de rua para criar. Um acidente com o marido obrigou-a a duplicar suas atividades, mudando-se para cidade mineira de Nova Ponte, onde exerceu atividade de magistério na zona rural, além de trabalhar como parteira. Posteriormente, já em Uberaba, exerceu atividade profissional de enfermagem na Santa Casa de Misericórdia, quando, a partir de 1957, principiou a tratar de pacientes portadores do Pênfigo Foliácio, chamada vulgarmente de Doença do Fogo Selvagem.

Rejeitados pela Santa Casa de Misericórdia, Aparecida saiu pelas ruas de Uberaba com os doentes que deixavam rastros de sangue por onde passavam, até encontrar um homem que se interessou pelo assunto e que a fez retornar com os enfermos ao hospital, determinando à diretoria que os eles permanecessem internados. O homem providencial era o Promotor de Justiça de Uberaba.

Magoada pelo tratamento recebido pela direção do hospital, Aparecida resolveu ir embora, sendo acompanhada pelos doentes que, impossibilitados de sair pela porta da frente, quebraram um pedaço do muro, indo o grupo alojar-se na própria residência de Aparecida, cujo marido e filhos encareceram-lhe uma tomada de decisão: ou eles ou os doentes. E os doentes foram os eleitos e ela foi auxiliada pelos vizinhos com colchões, cavaletes, tábuas, caixotes e tudo o mais que pudesse servir de camas. À tarde, estavam todos os doze devidamente agasalhados. Posteriormente, compreendendo a missão de Aparecida, marido e filhos retornaram ao lar, ajudando-a nos cuidados com os enfermos.

Dias depois de instalada, recebeu Aparecida a visita do diretor da Saúde Pública e do Assessor Municipal de Educação, que dependências do Asilo São Vicente de Paula. Disseram-lhe que poderia ali ficar por dez dias, até encontrar alojamentos mais convenientes. Ela permaneceu com seus doentes por dez anos! Em 1961 havia 363 enfermos, logo Aparecida percebendo que a situação se agravava e que o local estava inapropriado. Embarcou para São Paulo, onde, no Viaduto do Chá, pedia esmola para seus doentes, chamando a atenção da Segurança Pública. Foi presa por quatro dias, sendo libertada através de uma advogada voluntária chamada Dra. Izolda M. Dias, sua defensora no processo. Na ocasião, um repórter, Saulo Gomes, da TV Tupi, fez uma reportagem, filmando e mostrando a realidade dos enfermos. A reportagem resultou numa ampla campanha beneficente, com a participação de muitas cidades paulistas.

Quando a situação financeira apertava, Aparecida ia para São Paulo, onde contava com o apoio da comunidade espírita paulistana. Segundo ela própria, a população paulistana ajudou muitas vezes mais que a própria comunidade uberabense. E quando a alimentação tornava-se periclitante, Aparecida tomava um caminhão e percorria as fazendas de Uberaba, encarecendo e recebendo alimentos dos fazendeiros.

Certa feita, premida por mil e uma dificuldades, Aparecida resolveu pedir SOS a Chico Xavier, que havia se transferido de São Leopoldo para Uberaba. No dia seguinte, um auxiliar de Chico Xavier levaria dois conjuntos de roupa para cada doente, além de lençóis, fronhas, pijamas, toalhas de rosto e banho, além de vestidos e um par de sapatos para ela. E o que mais impressionou Aparecida foi o número do sapato enviado, 40, um exagero para mulheres de baixa estatura. Como teria Chico adivinhado o tamanho do seu sapato?

Na semana seguinte, foi o próprio Chico em pessoa que visitou sua residência, levando um envelope com 300 cruzeiros, quantia necessária para que ela pudesse saldar as dívidas pendentes e ainda reforçar a despensa.

Em 1961, o número de pacientes do pavilhão de São Vicente de Paula atingiu 363, tornando a área muito diminuta para tanta gente. Foi quando Aparecida encasquetou a ideia de construir um hospital. Deu 300 mil cruzeiros por um terreno oferecido por um amigo, coletas múltiplas feitas nas ruas, e quando se preparava para iniciar a construção, descobriu que tinha caído numa armadilha, posto que o terrena tinha sido adquirido de pessoa errada, os verdadeiros proprietários dispostos a processá-la por invasão de propriedade.

Negociado acordo com os proprietários, Aparecida partiu para São Paulo na busca de auxílios, levando apenas um cartão de apresentação do Chico Xavier para um jornalista já consagrado, Assis Chateaubriand, que pôs à sua disposição suas emissoras de rádio, proporcionando-lhe uma campanha que arrecadou 720 mil cruzeiros.

Visitando, na capital paulista, um Centro Espírita, Aparecida foi convidada compor a mesa de reunião, tendo o presidente da sessão solicitado a aplicação de um passe na presidente da Centro, vítima de uma paralisia repentina que a impedia de andar. Mesmo sem nada ter aprendido sobre o assunto, Aparecida rezou junto à enferma, que no dia seguinte já se levantava, caminhava com suas próprias pernas, tornando-se sua amiga, também companheira em várias campanhas beneficentes. A partir de então, Aparecida começou a aplicar passes curadores em seus doentes, beneficiando inúmeros com resultados surpreendentes.

Internada, em 2009, no Lar da Caridade, novo nome do Hospital do Pênfigo, Aparecida, com problemas cardiológicos, desencarnou na manhã de 22 de dezembro, com 95 anos, depois de mais de cinquenta anos de cuidados múltiplos com doentes e crianças.

Ao tomar conhecimento da desencarnação de Aparecida Conceição Ferreira, Divaldo Franco assim se manifestou: “Recebida com júbilos por verdadeira multidão capitaneada pelo irmão Chico Xavier, mais uma estrela retorna ao mundo espiritual, para iluminar a noite das almas errantes e sofredoras da Terra.”

Sobre a vida e obra de Aparecida Conceição Ferreira, a Dona Cida como era por muitos conhecida, um livro merece ser lido: “Uma Vida de Amor e Caridade”, Izabel Bueno, Editora Espírita Cristã Fonte Viva, Belo Horizonte, Minas Gerais.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 24 de abril de 2017

POR MAIS PROFISSIONALIDADE FUTURA

Quando das atividades por mim desenvolvidas Brasil afora, divulgando as linhas principais de um desenvolvimento profissional compatível com os novos e desafiadores tempos modernos, tenho recomendado muito fraternalmente, aos diversos níveis profissionais das instituições visitadas, uma consistente reflexão sobre uma experiência biológica denominada A Síndrome do Sapo Fervido, frequentemente levada a cabo na área biológica. Ela tem servido para despertar em todos uma inadiável Reengenharia Profissional Individualizada, oportuníssima num cenário nacional cada vez mais crítico, onde a criatividade vem se tornando fator indissociável da competência e do compromisso para com uma dinâmica profissional que objetive um casamento, o mais perfeito possível, entre retorno positivo dos investimentos aplicados e satisfação profissional auferida. A experiência biológica é a seguinte: um sapo é colocado num recipiente, com água da sua própria lagoa, ficando estático durante todo o tempo em que a água é aquecida até ferver. O sapo não reage ao aquecimento gradual da temperatura da água, morrendo quando a água principia a ferver. O sapo morre inchadinho e feliz.

Inúmeros profissionais, alguns até com boa folha de serviços prestados em tempos que já não mais voltam, lamentavelmente estão com um comportamento muito similar ao do Sapo Fervido. Não estão percebendo as mudanças que se estão processando velozmente, achando sempre que tudo está bom, que a amizade com os “homens de cima” vai suprir suas deficiências de relacionamento ou relevar suas práticas de antigamente, suas principais muletas. E por não saberem “enxergar” que a era do paternalismo já cedeu vez a uma época de muita profissionalidade, terminam fazendo um estrago dos diabos em suas próprias carreiras, “morrendo” inchadinhos, teimando em esconder o lixo debaixo do tapete, não percebendo que “um pequeno buraco pode afundar um grande navio”. Ou buscando tapar ingenuamente o sol com a peneira, quando o mais oportuno seria “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”, assimilando pra valer o pensar da Cora Coralina, uma mulher arretadamente ótima e também poeta, que um dia escreveu que “a verdade não envelhece, o caminho não tem fim, a vida sempre se renova”.

Que procedimentos deveriam ser adotados para que uma Reengenharia Profissional Individualizada surtisse efeitos positivos, beneficiando profissionais e organização? Declino algumas posturas individuais que muito contribuiriam para a superação dos ibopes gerenciais negativos de inúmeros:

a. Comece por pequenos gestos, mas comece, enfatizando a descoberta de novos caminhos, as eternas lamentações sendo apenas um mote para não enfrentar novos desafios;

b. Lembre-se sempre que o valor maior está no envolvimento pessoal, na capacitação, no relacionamento e na influência para fazer as coisas acontecerem;

c. Jamais se deixe iludir pela sensação de ser apenas uma agulha no palheiro;

d. Uma cabeça estratégica é bem melhor que uma mente saudosista, posto que “quem vive de passado é museu”;

e. Experimente dar o primeiro passo, nem que seja para participar acanhadamente das discussões de alguma palestra, ou ler algo sobre novas posturas comportamentais, semente de criatividade;

f. Evite “gastar todo o seu gás”, matutando como fazer sua ideia tornar-se concreta, cansando-se antes de dar o primeiro passo;

g. Observe com mais atenção o que está acontecendo no seu derredor, descobrindo as potencialidades ainda não detectadas.

As “dicas” acima, possuem embasamento teórico em “mandamentos sagrados” deixados pelos que experimentaram na própria pele os dissabores provocados por desagradáveis desatrelamentos, ficando para trás por negligência, desatenção, comodismo ou desprofissionalidade aguda. Refletir sobre cada um dos “mandamentos” abaixo, seguramente fortalecerá o interior profissional de cada um:

1. O que nos faz sobreviver e nos manter interessados, como espécie humana, é o hábito de aprender;

2. O segredo para uma profissionalidade contemporânea é a percepção plena de que somos eternamente inconclusos;

3. Realizam mais coisas as pessoas que aprenderam a pensar regularmente;

4. O verdadeiro aprendizado é aquele consubstanciado numa voraz curiosidade, vivenciada nas oportunidades surgidas;

5. Sozinhos jamais lidaremos com a Vida e com o Mundo;

6. É sempre muito sensato pedir as graças de Deus, posto que ELE é inteligente e sabe infinitamente muito mais do que nós;

7. Uma auto-estima deficiente somente favorece o surgimento de pernósticos e pusilânimes “ispecialistas”;

8. O sucesso é um conjunto integrado de várias coisas ao nosso alcance, todas elas abordadas de maneira correta, sem precipitações nem pirações;

9. A função de toda administração micro e macro é fazer com que todos sejam bem sucedidos;

10. Difícil é reconhecer de pronto um arrogante, posto que ele não mostra esse tipo de comportamento para aqueles que são importantes para ele, principalmente os superiores hierárquicos.

Finalmente, para não torrar miolos, alguns princípios pessoais ajudam a refletir melhor sobre procedimentos profissionais, num dia-a-dia cada vez mais desafiador:

a. Manter sempre uma atitude crítica;

b. Entender em definitivo que só aprende quem tem dúvidas;

c. Desconfiar positivamente dos seus atos e princípios, para contínuas ultrapassagens;

d. Estar seguro de que quanto mais preparado, mais claras são as ideias;

e. Buscar aprender com outras pessoas, comprovando possuir inteligência e capacidade de assimilação;

f. Perceber que só os desinformados e tolos caem no conto da varinha mágica;

g. Desconfiar, mas desconfiar mesmo, dos donos da verdade, dos que se imaginam saber tudo, descobridores de receitas infalíveis;

h. E jamais esquecer que uma das melhores formas de aprender é errar.

No mais, é continuar seguindo adiante, injetando sempre anticorpos nos estilos pessoais de aprender, desaprender, reaprender e apreender. E como o volume dos conhecimentos está duplicando a cada meia década, profissional é aquele que aprende a desaprender com facilidade, para aprender um pouco mais, usando sua intuição criadora para promover o crescimento da organização, das pessoas que nela trabalham e de si próprio, o seu melhor amigo, logo abaixo do Criador.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 17 de abril de 2017

HOLOCAUSTO, UM ESTUDO SEMINAL



Ultimamente, um dos assuntos mais pesquisados na área planetária das Ciências Humanas, capaz de preencher salas e mais salas de uma biblioteca, é o que está relacionado com o Holocausto. E um aplaudido analista sobre o mais estúpido assassinato coletivo da história da humanidade, Raul Hilberg (1926-2007), lançou, em inglês e em 2003, pela Universidade de Yale, um estudo seminal, recentemente lançado em língua portuguesa, no Brasil: A destruição dos judeus europeus, São Paulo, editora Amarilys, 2016, 2v., 1658 p. Uma leitura obrigatória para todos aqueles que militam na cidadanização de um mundo mais digno e humano para todos, sem discriminação de qualquer espécie.

A notável pensadora Hannah Arendt, em carta escrita a Karl Jaspers, já definia a grandeza do maior livro de referência sobre a Shoá (Holocausto), agora tornado edição brasileira: “Ninguém será capaz de escrever sobre o assunto sem recorrer a ele (o autor). Numa pesquisa exaustiva de muitas décadas, é um livro “que é um verdadeiro farol, um quebra-mar de história ancorado a seu tempo e a um aspecto além do tempo, imortal, inesquecível, e ao qual nada na produção histórica comum pode ser comparado”. E mais escreveu: “não é apenas uma crônica de horrores. É um estudo cuidadoso, analítico e tridimensional de uma experiência sociopolítica única na história, uma experiência em que ninguém podia acreditar e cujo significado ainda nos atordoa”.

O livro de Hilberg traz depoimentos que promovem o destrinchar minucioso da logística e da implementação da Solução Final ordenada pelo III Reich, um processo de destruição em massa de um povo, o hebreu, no continente europeu, em nome de uma ideologia, a da raça ariana, cultivada em tempos pré-hitleristas, bem antes do nascimento do assassino Adolf Hitler.

Segundo informações colhidas num site especializado, Hilberg era tido como solitário, buscando passatempos na geografia e na música. Embora seus pais participassem de atividades sinagogais, ele, pessoalmente, encontrava irracionalidades na religião dos pais, que provocava alergias nele. Após a Anschluss de 1938, a sua família foi despejada de casa e seu pai preso pelos nazistas, sendo liberado por causa de seu registro de serviço como combatente na Primeira Guerra Mundial. Um ano depois, em abril de 1939, aos 13 anos, Hilberg fugiu para a Áustria com a sua família, alcançando posteriormente a França, todos embarcando em um navio com destino a Cuba. Após quatro meses, Hilberg e seus familiares chegaram aos Estados Unidos em 1º de setembro de 1939, quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu na Europa.

Os Hilbergs estabeleceram-se em Nova York, onde Raul frequentou o Abraham Lincoln High School e o Brooklyn College . Desistindo de ser químico, por descobrir-se não vocacionado, ele abandonou os estudos. Indo trabalhar numa fábrica, sendo posteriormente convocado para o serviço militar.

Tendo servido na 45ª Divisão de Infantaria (Estados Unidos) na II Guerra Mundial , dada a sua fluência nativa e interesses acadêmicos, Hilberg logo foi ligado ao Departamento de Documentação de Guerra, encarregado de analisar arquivos em toda a Europa. Foi sua a descoberta de parte da biblioteca de Hitler encaixotada em Munique , que o tornou interessado na investigação sobre o Holocausto, um termo usado para identificar a destruição genocida dos judeus na Europa.

Retornando à vida civil, Hilberg escolheu estudar Ciência Política, graduando-se no Brooklyn College, em 1948. Em um determinado ponto no curso, Hilberg foi tomado de surpresa por uma observação de um professor seu: “As atrocidades perpetradas mais perversas sobre uma população civil nos tempos modernos ocorreu durante a ocupação napoleônica da Espanha.” Interrompendo a fala do professor, Hilberg indagou por que o recente assassinato de 6 milhões de judeus não figurava na avaliação do docente. O professor Rosenberg respondeu que era um assunto complicado, mas que as palestras só lidavam com a história até 1930. Hilberg ficou impressionado com o desconhecimento docente, servindo o episódio para fortalecer seu interesse pelo assunto. Que se ampliou bastante quando, em 1951, ele obteve uma nomeação para trabalhar no Projeto de Documentação de Guerra.

Ouvindo uma exposição de Salo Baron, a principal autoridade sobre historiografia judaica à época, dele recebeu uma indagação: estaria ele interessado em trabalhar, sob orientação, nos estudos de aniquilação da população judaica da Europa? Agradecendo o convite, Hilberg decidiu escrever a maior parte de seu Ph.D. sob a supervisão de Franz Neumann, autor de uma análise do tempo de guerra do estado totalitário alemão. Neumann foi inicialmente relutante em tomar Hilberg como aluno de doutoramento.

Em 1979, Hilberg foi nomeado para a Comissão Presidencial sobre o Holocausto por Jimmy Carter. Mais tarde, ele serviu por muitos anos como consultor do Conselho Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Após sua eternização, o Museu estabeleceu o Raul Hilberg Fellowship, destinado a apoiar o desenvolvimento de novas gerações de estudiosos do Holocausto. Sua tese de doutorado foi premiada com o prestigioso prêmio Clark F. Ansley, publicada pela Columbia University Press, numa tiragem reduzida.

A Destruição dos Judeus Europeus descreve com uma lucidez argutamente exaustiva os mecanismos políticos, jurídicos, administrativos e organizacionais em que o Holocausto foi perpetrado, como ele foi visto através dos olhos alemães, muitas vezes pelos funcionários anônimos cuja dedicação incondicional às suas funções foi fundamental para a eficácia do projeto industrial do genocídio. Hilberg absteve-se, no entanto, de enfatizar o sofrimento dos judeus, as vítimas ou suas vidas nos campos de concentração.

Um livro que não é apenas uma crônica das atrocidades nazistas, mas “um estudo cuidadoso, analítico e tridimensional de uma experiência sociopolítica única na história.” Muito embora as primeiras iniciativas antijudaicas tivessem principiado, em Roma, no século IV d.C.

 

 

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Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 10 de abril de 2017

O HOMÃO DA GALILEIA

 

Filho muito amado de pais extremosos, era de profissão carpinteiro, idêntica a do genitor. Uma atividade que requeria saber escrever e fazer cálculos com precisão, requisitos básicos para o exercício de uma especialidade tida e havida, à época, como “de referência”.

Mesmo sem ter deixado nada rascunhado, possuía esmerado trato, consolidado na escola rabínica de Nazaré. Uma educação sinagogal, que lhe proporcionou uma formação apropriada de homem e de judeu, da parte não-aristocrática de um povo convicto de ter sido eleito por um Deus tido como único.

Percebia-se escolhido para renovar a Aliança, tendo sido ungido como um não-integrante dos meios sacerdotais. Mas que estaria possuidor de um selo de aprovação já aninciado com antecedência de muitas centenas de anos.

 

 

Atuando num movimento liderado por um primo próximo, de nome João Batista, depois do assassinato deste constituiu grupo próprio, nele tornando-se Mestre, batizando até mais que o próprio parente e sempre apregoando rupturas dos modos de ser e de viver dos que persistiam em continuar sobrevivendo apenas sob a Lei.

Em suas andanças e falas, favorecia reencontros substantivos com os fundamentos judaicos, que deveriam renascer para o Pai, mesmo que da Lei não se retirasse sequer uma vírgula. Com falas, gestos concretos e proposições, jamais deixou de expressar o mais puro ideal judaico, sempre a reconhecer urgência de uma restauração imediata nos princípios basilares.

Apregoando que o vento soprava onde bem desejasse se manifestar, assegurava que somente os que praticassem a verdade poderiam ver a Luz, confirmando sem restrições o transmitido pelo Deus de Abraão, Isaac e Jacó.

Sem intenção alguma de julgar quem quer que fosse, encontrava-se ciente sobre a identidade de quem o tinha enviado e de para onde deveria ir, jamais renegando suas tarefas de ser Luz do mundo para os que pelejavam por vida e vida em abundância.

Convivendo com as mais diferenciadas categorias sociais, somente irava-se ao extremo com os hipócritas, aqueles fingidos que se travestiam do que não poderiam jamais ser. E reiterou, em incontáveis ocasiões, que jamais rejeitaria os que dele se aproximassem, buscando novos comportamentos e saudáveis agires.

Ungido certa feita, e por uma vez segunda, com nardo puro, perfume importado de grande valia, recomendou que se guardasse uma certa quantidade para o dia do seu sepultamento, quando regressaria para o seio de quem o havia enviado como um mais que notável profeta.

Portando um ideário intrinsecamente evolucionário para a sua época, o Homão da Galileia desabridamente anunciava que nenhum escravo é maior que o seu senhor, como nenhum mensageiro seria maior do que o remetente, nunca desmerecendo sua condição de filho de Deus obediente.

Sem complexos de superioridade, inúmeras vezes repetiu, para os ensurdecidos de então, que todos aqueles que tivessem fé fariam coisas mais surpreendentes que as dele. E que ainda fariam bem maiores que as por ele produzidas.

Com determinação solidária, apregoava que tocava flauta em praça pública, embora muitos nada percebessem ou não desejassem com ele dançar e que tampouco explicitavam entristecimento diante dos lamentos por ele entoados.

Em múltiplas oportunidades, condoeu-se dos cegos, coxos e prostitutas, exteriorizando entusiasmo pela fé demonstrada por todos eles, seres humanos que não possuíam qualquer empatia com os social e eclesiasticamente bem aquinhoados de então.

Não admitia a serventia simultânea a dois senhores, Deus e Dinheiro, anunciando que o amanhã já comportava suas próprias preocupações. E no seu dia-a-dia de militante garantia recompensa a quem oferecesse ajuda, nem que fosse um simples copo d’água fria, aos rejeitados da sociedade.

Aos que o classificavam de beberrão e comilão, louvava aos céus por somente proporcionar esclarecimentos mais significativos aos menorzinhos e aos que em nada se assemelhavam aos fundamentalistas de plantão.

Enalteceu os verdadeiros, dando como exemplo aquela viúva empobrecida que contribuiu com duas moedinhas numa coleta de dízimos. E para os que jejuavam, recomendava uma boa lavagem de rosto, tornando-o o mais alegre possível, para que ninguém pudesse constatar neles os sacrifícios praticados.

Durante um bom tempo, quase três anos, o Homão da Galileia esperanças concretas semeou, como bom médico que buscava curar os não-sarados, nada exigindo além de muita solidariedade de uns para com os outros. Como um não exclusivista credal, através de parábolas e relatos que favoreciam uma rápida memorização, transmitia boas novas, anunciando a chegada próxima do Reino no íntimo de cada um. Demonstrando ainda aos incrédulos como saciar a fome de muitos mediante uma organização social compatível com a dignidade de todos os participantes.

Em momento algum, o Homão da Galileia exigiu carteirinha institucional de qualquer dos seus admiradores, até prometendo estar sempre presente nos pequenos grupos que o reverenciassem. Sem brabezas, soube diluir no vazio o pleito de uma mãe obsessiva que cabalava lugares privilegiados para dois dos seus filhos, na mesa diretora do escritório do além-daqui.

Ajuntador especial de mentes e corações, bom semeador de palavras, o Nazareno alertava que o egoísmo corrói toda grandeza d’alma, dilapidando as candeias individuais que deveriam, solidárias, iluminar as veredas e os descampados das estruturas cósmicas. E de vez em quando repetia Isaías, um dos seus profetas preferidos, aquele mesmo que denunciava sem contemporizações os que oravam apenas da boca para fora, muito distanciados do coração, considerando os ensinamentos religiosos apenas rituais ditados por alguns de outras eras.

Percebendo-se na reta final de sua estadia terrestre, anunciou que iria adiante de todos para a Galileia, depois da sua imolação, sofrida no madeiro, condenado que foi como subversivo político e blasfemo religioso.

Antecipou-se aos poetas de agora há mais de dois mil anos, ao asseverar que viver não era preciso, ainda que navegar fosse, sempre sob as coordenadas do “amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

O Homão da Galileia nunca mais voltou. Mas continua mais vivo que nunca, muitos furos acima das instituições que o têm como porta-estandarte, ainda que algumas delas, metidas a única do pedaço, persistam em escondê-lo como propriedade debaixo dos documentos dos seus purpurados, desconhecendo os ensinamentos do mesmo Galileu: o de que não havia mais judeu, nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher, posto que todos são um sob as bênçãos de um Criador que não tem nem cabelo, nem barba, nem bigode, tampouco traje e rosto, mas é eternamente glorificado sob o inefável codinome Eu Sou O Que Sou.

 

 

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Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 03 de abril de 2017

UM DICIONÁRIO FACILITADOR
 


 

No campo da espiritualidade, inúmeros ainda se encontram distanciados das últimas análises e interpretações, não percebendo as mudanças que se estão processando muito velozmente nos quatro cantos do mundo, achando sempre que tudo está bom, que a amizade com os “homens de cima” vai suprir suas deficiências ou relevar suas práticas de antigamente, suas principais muletas. Inúmeros militantes religiosos, alguns até com relevante folha de serviços prestados, lamentavelmente estão com um comportamento muito similar ao do Sapo Fervido, terminando por fazer um estrago dos diabos em suas próprias atuações, teimando em esconder o lixo debaixo do tapete ou não percebendo que “um pequeno buraco pode afundar um grande navio”. Ou buscando tapar ingenuamente o sol com a peneira, quando o mais oportuno seria “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”, assimilando pra valer o pensar da Cora Coralina, uma mulher arretada de ótima e também poeta, que um dia escreveu que “a verdade não envelhece, o caminho não tem fim, a vida sempre se renova”.

Como se repete a experiência do Sapo Fervido? Muito simples: um sapo é colocado num recipiente, com água da sua própria lagoa, ficando estático durante todo o tempo em que a água é aquecida até ferver. O sapo não reage ao aquecimento gradual da temperatura da água, morrendo quando a água principia a ferver. O sapo morre inchadinho e feliz. Inúmeros portadores de uma mentalidade cristã infantilizada não percebem que a civilização mundial desenvolve-se aceleradamente, com novas e emergentes reflexões sobre os relacionamentos dos seres humanos com o mundo espiritual, o outro lado da rua, sob aspectos filosóficos, científicos, morais e religiosos.

Um dos setores mais desenvolvidos nos últimos tempos, no Brasil, é o da divulgação da Doutrina Espírita, onde exposições orais e escritas estão a exigir um glossário amplamente elucidativo sobre os vocábulos utilizados nos livros desenvolvidos por Allan Kardec, pseudônimo adotado pelo professor Hippolyte Léon Denizard Rivail, nascido em Lyon, França, em 3 de outubro de 1804, que teve como tarefa missionária codificar, metódica, didática e logicamente, os postulados e ensinamentos contidos em suas obras O Livro dos Espíritas (1851), O Que é Espiritismo (1859), O Livro dos Médiuns (1861), O Espiritismo na sua expressão mais simples (1862), O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865), A Gênese (1868) e Obras Póstumas (1890).

No Brasil, a FEB – Federação Espírita Brasileira, sediada em Brasília, em muito boa hora resolveu, em 1985, executar o Projeto Série Bibliográfica, favorecendo informações práticas dos livros publicados.

Sobre conceitos e definições compiladas de obras sobre a Doutrina Espírita, a FEB editou O Espiritismo de A a Z, já em quarta edição, 2013, 964 p., favorecendo os estudos e pesquisas aprofundados, também ensejando inspiração para novas iniciativas. Dentre os 2.100 vocábulos e cerca de 10.000 conceitos e definições, escolhemos uma amostra que bem poderá traduzir o esforço gigantesco do Professor Geraldo Campetti Sobrinho, coordenador geral dos trabalhos:

Anticristo – O conjunto das forças que operam contra o Evangelho, na Terra e nas esferas vizinhas do homem.

Atividade espiritual – Aquela que enriquece e eleva a mente, conduzindo-a a um conhecimento superior, à mais ampla compreensão da verdade divina.

Conhecer – Patrocinar a libertação de nós mesmos, colocando-nos a caminho de novos horizontes.

Corajoso – Aquele que nada teme de si mesmo.

Doutrina Espírita – Com a DE tudo está definido, tudo está claro, tudo fala à razão; numa palavra, tudo se explica, e os que se aprofundaram em sua essência encontram nela uma satisfação interior, à qual não mais desejam renunciar.

Educação – A vida tem uma finalidade clara e positiva, que é a evolução. Esta se processa nos seres conscientes e responsáveis mediante renovações íntimas, constantes e progressivas. Semelhante fenômeno denomina-se Educação.

Espiritismo – Ciência de observação, nunca uma arte de adivinhar e especular. Apoia-se sobre fatos, que embasados em raciocínio e rigorosa lógica dão à Doutrina Espírita o caráter de positivismo que convém à nossa época. Ele revive as lições de Jesus, tornando-se a melhor herança a ser deixada aos filhos.

Fanatismo – Na área religiosa é sectarismo que encarcera a liberdade de consciência, pretendendo uma liberdade dirigida na esfera do pensamento, que torna o homem escravo de postulados que lhe proíbem a expansão da alma pela ideia e pela razão.

Inimigos – Os maiores são o orgulho, a vaidade, o egoísmo, a inveja e a ignorância.

Magnetismo – É a utilização, sob nome de fluido, da força psíquica por aqueles que abundantemente a possuem.

Médiuns – Somos todos nós que registramos, conscientes ou inconscientemente, ideias e sugestões dos Espíritos, externando-as, muitas vezes, como se nossas fossem.

Oração – É o elixir de longa vida que nos proporciona os recursos para preservar os valores de edificação, perseverando no trabalho iluminativo.

Reencarnação – Lei que determina venha um Espírito habitar sucessivamente vários corpos, somente ela explicando as diferenças materiais, intelectuais e morais entre os homens, engrandecendo Deus e tornando perfeita a sua justiça.

Religião – É a ligação com Deus que cada Espírito procura manter, na medida do próprio estágio evolutivo.

Vocação – Soma dos reflexos das experiências que trazemos de outras vidas.

Inúmeros outros vocábulos estão disponíveis, favorecendo as mais diversas tonalidades de esclarecimentos, sempre a favorecer a evolução do ser humano na direção do Ômega, reverenciado pelo memorável Pierre Teilhard de Chardin, um jesuíta que soube fazer história evolutiva.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 27 de março de 2017

BINOCULIZAÇÕES DE APRENDIZ

 

Através de um bilhete colocado no meu correio eletrônico, tomo conhecimento de uma curiosa indagação de um aluno de Ciências Humanas: “Às vésperas da conclusão em um curso superior, que binoculizações me poderiam ser oferecidas, favorecendo-me uma profissionalidade cidadã desprovida de ingenuidades futurísticas e alienações ingênuas? Confesso que estou meio assustado com a bandalheira e os jeitinhos brasileiros que estão desmascarados diante dos cenários internacionais! Não sou moralista nem puritano, mas não me conformo com a imagem do Brasil no exterior, onde estive recentemente: um país tido como de mais corrutos que honestos, mais desbundes que solidariedades, mais fingimentos políticos que propósitos saneadores, onde não se distingue muitas vezes quem é da lei e quem é bandido, os dois lados muitas vezes vestindo farda, batina, toga, jaleco, paletó e macacão. Encareço-lhe algumas orientações para os meus amanhãs existenciais. Inclusive algumas leituras binoculares. Atenciosamente, CLMT”.

Caríssimo jovem: o que eu poderia dizer para um estudante que está concluindo um curso superior se resume em algumas apreensões que sinto diante das leituras de jornais, revistas e alguns livros de cabeceira. Espero que você aproveite as linhas abaixo, sempre se ojerizando dos puritanos e moralistas da atual conjuntura mundial, duas raças que enojam a Criação e favorecem a emersão de extremismos ideológicos .

1. Na sua vida profissional, carregue sempre nas suas anotações três reflexões. A primeira é de Alexis Carrel, cirurgião francês, prêmio Nobel de Medicina: “A inteligência é quase inútil para quem não tem outras qualidades”. A segunda é de Albert Einstein, outro prêmio Nobel (Física), para quem “o primeiro dever da inteligência é desconfiar dela mesma”. E a terceira é do criador do detetive famoso Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle, um talento espírita cujos livros muito me encantam até os dias de agora: “A mediocridade não conhece nada melhor que ela mesma, mas o talento reconhece instantaneamente o gênio”. Se você refletir bem sobre tais reflexões, perceberá visíveis ilações amplamente convergentes. Seus autores detestavam os sabe-tudos empavonados que se imaginam acima do bem e do mal, sem reconhecerem os de inteligência superior às deles, imaginando-se tampas-de-foguete diante do mundo. Nunca sabendo diferenciar talento e genialidade: os primeiros atingindo as metas além dos outros, os segundos binoculizando metas que ou demais ainda não conseguiram vislumbrar.

2. Siga, como liderança empreendedora, a lição oferecida por um palestrante num seminário sobre Gestão Pública: “O que faz uma gestão ter apoio político não é a habilidade do governante nem a compreensão dos aliados. Uma administração é bem ou mal sucedida se a equipe que a conduz for bem escolhida e se a ação que desenvolve for focada em objetivos claros para construir melhoria na vida das pessoas”. E ele conhecia mais que ninguém a lição deixada por José Saramago, um lusitano dezoito quilates: “Mesmo que a rota da minha vida me conduza a uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo”. Um escritor que estava sempre preparado, com as duas mãos e o sentimento do mundo, para novos desafios reflexivos.

3. Leia bastante, entendendo além do que está nas linhas expostas. E lembre-se sempre que nenhuma instituição ensina sucesso, posto que a chave para o sucesso está na sua maneira de pensar, com os olhos voltados para os amanhãs, os ontens apenas servindo para não mais repetir certos encaminhamentos frustrantes. Nunca se olvide da reflexão de Galileu Galilei, um que quase se lasca nas unhas de uma Inquisição que nada tinha de santa: “Não se pode ensinar nada a um homem; só é possível ajudá-lo a encontrar a coisa dentro de si”.

4. Nunca se esqueça de que, na história do pensamento humano, todas as ideias foram consideradas faróis definitivos quando elas apenas refletiam uma periodicidade, decompondo-se quando a inventividade criativa da humanidade as substituía por outras também consideradas faróis, ainda que tão periódicas quanto as anteriores. E perceba, num século XXI ainda um tanto nebuloso, de medíocres dirigentes políticos nas principais áreas desenvolvidas do mundo, que as ciências não são estáticas, aproximando-se ou se reagrupando ao longo dos séculos. E para consolidar sua caminhada, nada como uma leitura bem meditada de um texto sobre os amanhãs dos tempos correntes: Homo Deus – Uma Breve História do Amanhã, de Yuval Noah Harari, Companhia das Letras, 2016, 444 p. Onde traz uma estupenda advertência: “Em 2016, há um único candidato sentado na sala de espera da história aguardando a entrevista para admissão no emprego. O candidato é a informação. A religião mais interessante que emerge disso tudo é o dataísmo, que não venera nem deuses nem homens – venera dados.”

5. Sinta-se sempre, cotidianamente, um aprendiz de tudo, uma metamorfose ambulante, como proclamava o menestrel baiano Raul Seixas, hoje do outro lado da rua. E não deixe de ler o capítulo 6 – Por que (às vezes) o populismo é muito bom na prática, mas não na teoria – do livro Em defesa das Causas Perdidas, de Slavoj Zizek, Boitempo 2011, um dos mais notáveis filósofos políticos do nosso tempo. Que sabe estimular os que buscam querer pensar sem idiotias: “Para viver, para ser capaz de existir, a mente precisa ligar-se a algum tipo de ordem. Tem de apreender a realidade, como um todo independente […] e tem de prender-se, de forma estável, a certas características do que chamamos realidade”.

6. Seja sempre ecológico. E nunca esqueça, como Ortega y Gasset, espanhol e filósofo, que você é o que lhe cercando está. E se não preservar o seu derredor, logo com ele se findará.

Um abração arretadamente ótimo deste que continua sempre aprendendo, pois sabe que nada sabe.


Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 20 de março de 2017

PARA MAIS SABEDORIA

 

Há poucos dias, na FSP de 26 de fevereiro último, li um artigo do notável cientista brasileiro Marcelo Gleiser, hoje radicado nos Estados Unidos. O título do trabalho é provocante: A presença do inexplicável – o inesperado nos muitos níveis de realidade. E o resumo amplia a curiosidade por uma leitura atenta: “Ainda que a ciência busque oferecer chaves de leitura totalizantes para a realidade, o fato é que estamos cercados por mistérios. Há quem considere uma derrota da razão essa incapacidade de decifrar os enigmas que cadenciam a experiência humana. O texto insta o leitor a se deixar surpreender pelo insondável.” Vale a pena capturar na internet o artigo do Gleiser, autor do notável livro A Simples Beleza do Inesperado, recentemente lançado pela editora Record.

Vez por outra, deparo-me com gente que se declara entendido nisso e naquilo numa determinada área, imaginando-se muitos furos acima daqueles que se dedicam décadas de estudos a temas antigos e também correlatos, muito embora sempre conscientes de serem eternos aprendizes, nunca menosprezando ensinamentos dos primeiros desbravadores. Mas “eram homens e, como tais, se enganaram, tomando suas próprias ideias pela luz. No entanto, mesmo os seus erros servem para realçar a verdade, mostrando o pró e o contra. Ademais, entre esses erros se encontram grandes verdades que um estudo comparativo torna apreensíveis”, como alerta Allan Kardec em seu O Livro dos Espíritos, item 145. Muito bem complementado na muito contemporânea questão 628, um baita stop nas pretensões daqueles que se imaginam tampas-de-foguete e definitivos nas matérias por eles desenvolvidas: “para o estudioso, não há nenhum sistema antigo de filosofia, nenhuma tradição, nenhuma religião, que seja desprezível, pois em tudo há germens de grandes verdades que, se bem pareçam contraditórias entre si, dispersas que se acham em meio de acessórios sem fundamentos, facilmente coordenáveis se vos apresentam, graças à explicação que o Espiritismo dá de uma imensidade de coisas que até agora se vos afiguraram sem razão alguma e cuja realidade está hoje irrecusavelmente demonstrada. Não desprezeis, portanto, os objetos de estudo que esses materiais oferecem. Ricos eles são de tais objetos, e podem contribuir grandemente para vossa instrução.”

Numa época em que os russos tornaram-se extraordinários com as experiências de telepatia, muitos cientistas norte-americanos ratificaram a tese de que a mente e o pensamento não são matérias, outros que estudam a sobrevivência da mente após a morte do corpo, e também Joseph Banks Rhine (1895-1980), botânico estadunidense fundou a investigação científica na parapsicologia, definindo a Parapsicologia como “uma ciência da natureza não física, uma disciplina envolvida com fenômenos que falhavam em mostrar relações regulares com o tempo, espaço, massa e outros critérios fisicalistas, escapando a mente dos limites corporais sobre certas condições”, o mundo ingressa num tempo axial. E por tempo axial, segundo Karl Jaspers, é aquela conjuntura onde as ideias se alteraram qualitativa e quantitativamente, onde até o papa Francisco, muito corajosamente distanciado das antessalas sinistras do Vaticano afirmou, em 23/2, que é preferível a sinceridade dos ateus que as hipocrisias dos que se postam de cristãos.
Encontramo-nos numa estupenda encruzilhada da História da Humanidade, onde tudo se convulsiona, nos mais diferenciados aspectos: religioso, axiológico, econômico, político, familiar, relacionamentos humanos, entre grupos sociais e entre países e continentes. Vivenciamos a mais profunda mudança da história humana, onde a instantaneidade das informações ampliam perplexidades, inconformismos e tragédias, incompetências gerenciais e estratégias institucionais, públicas, empresariais, militares e religiosas, onde amplia aceleradamente a busca por uma espiritualidade mais solidária para com os menos favorecidos, de maior conformidade com a sobrevivência do todo planetário.

Atualmente, o ser humano está pensando muito pouco, tornado pela civilização pós-moderna num homem prático, inteiramente voltado para os problemas imediatos, funcionando como uma máquina, não raras vezes recorrendo ao suicídio ou às drogas, por não mais aceitar sua cegueira mental. Age como um robotizado, crendo sem qualquer indagação a partir de uma tradição que lhe foi imposta quando as circunstâncias eram bem outras. Daí se dizer que o ateísmo e a crendice idiotizada são os dois extremos perigosos da atual condição humana, tornadas ausentes as luzes do indispensável esclarecimento espiritual.

Para aqueles que buscam ampliar seu humanismo, recomendo a leitura de O Homem Novo, de J. Herculano Pires, São Bernardo do Campo SP, Correio Fraterno, 2008, 159 p. E também Para uma espiritualidade leiga – sem crenças, sem religiões, sem deuses, Marià Corbi, São Paulo, Paulus, 296 p. E ainda Sabedoria Espírita: aprendendo a viver melhor com Allan Kardec, de Daniel Araújo Lima, Curitiba, Nobilitá, 2015, 142p. Esta última, elaborada por um cearense graduado em Direito e com especialidade em Filosofia pela University of Oxford, busca a imbrincação cognitiva entre a Filosofia e a Doutrina Espírita, buscando respostas para três questões fundamentais: O que podemos saber?, O que devemos fazer? e O que nos é lícito esperar?

No mais, as indicações acima possibilitam um salutar início de uma vida sem preconceitos, abrangente e profunda, densamente cultural, sem as merdalhadas atuais que enodoam uma contemporaneidade desparafusada pelo desconhecimento de uma maioria em como desenvolver uma pensação essencialmente libertadora, uma base racional de crença para combater o agnosticismo que se espraia em todos os continentes.

PS. Plena razão tem J. Herculano Pires em seu livro: “Não basta tornar-se alguém um especialista na letra, é preciso que procure, com humildade, sem pretensões sectárias, a compreensão espiritua

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Fernando Antônio Gonçalves - Sempre a Matutar segunda, 13 de março de 2017

AZEDOS E ABILOLADOS


Não existe gente mais azeda do que aquela que carrega na ponta da língua um monte de nãos recheado de um pessimismo gota serena. Que se assusta com qualquer peido-do-meio, não se desgrudando das preocupações mais abobadas, sempre transformando tudo em odiosas reticências prenhes de derrotismos. Quando tal negativismo desagregador se instala, o azedume é explícito, risível, fazendo aflorar, em alguns, uma dor de cotovelo da bexiga-lixa, em outros uma vontade mórbida de se escafeder, sem qualquer esperança num melhor amanhã.

Os negativistas, hoje seita bastante crescidinha, são, regra quase geral, mal amados, possuem uma estupidificante insuficiência cultural, apesar dos bens importados adquiridos e parcerias já transadas. De muito ínfima razão crítica, portadores de crasso egoísmo, envenenam-se com as mentiras que enaltecem seus pseudo-sucessos e/ou empobrecem políticos que despudoradamente se auto-anistiam ou cinicamente elegem para a mesa diretora do Senado da República personalidade citada na Enciclopédia Britânica como traficante de cocaína.

O reinado dos negativistas se robustece quando a parte menos protegida do corpo social vai-se habituando com os sintomas de uma perversa decadência moral, apavorada com a possibilidade de ser tragada em definitivo por um ciclo econômico onde apenas refestelam-se os eleitos de um autofágico mercado financeiro. Diante de uma acomodação quase simplória, acreditam os negativistas que voar e rastejar são verbos destinados a categorias sociais distintas, com as exceções que se fazem necessárias para, enaltecidas, confirmarem a regra geral.

Sem uma educação cidadã, colonizados e colonizadores não domesticarão seus instintos primários. A lição do mais que notável Albert Einstein baliza quem busca propósitos altaneiros: “Se os homens, como indivíduos, cedem ao apelo de seus instintos básicos, evitando a dor e buscando satisfação apenas para si próprios, o resultado para todo o seu conjunto é, forçosamente, um estado de insegurança, medo e sofrimento geral. Se, além disso, eles usam sua inteligência numa perspectiva individualista, isto é, egoísta, baseando suas vidas na ilusão de uma existência feliz e descompromissada, as coisas dificilmente podem melhorar. Em comparação com os outros instintos e impulsos primários, as emoções do amor, da piedade e da amizade são fracas e limitadas demais para conduzir a sociedade humana a uma condição tolerável”.

Cultivar amizade com pessoas de espírito elevado, ainda que de opiniões divergentes, eis ainda um grande mote revivificador. Admirar pessoas de pensamentos anti-nostálgicos, criadoras de uma atmosfera sadia, que abjuram ser donas da verdade, cultivando serenas apreensões, oxigenadoras de salutares estratégias de superação de situações conflituosas, faz civicamente muito bem.

Estejamos sempre aptos para destruir o comodismo e a estabilidade, os principais adversários da inovação, tratando com equidade direitos e prestígios individuais e coletivos. Reconhecendo que as vassouras novas, além de novas, devem estar de pelagem luzidia, sem pregos-esporões nem enviesamentos cavilosos, mesmo que travestidos de socialista.

Além dos azedos, de quando em vez, deparo-me com um atoleimado ser humano pela frente. Abilolado, como dizia minha vó Zefinha. Sem entender bulhufas de uma contemporaneidade cada vez mais dinâmica, destila besteiras por todos os poros, irracionaliza fatos do cotidiano mais simples, perambula rodeado de crenças malucas, retratando um subdesenvolvimento mental que é o pior de todos eles. E vive a engabelar ele mesmo e o seu derredor com suas invencionices e presepadas.

O João Silvino da Conceição, esse arretado PhD em coisas da vida, costuma dizer que todo pangaré que fica sempre olhando para os seus problemas, será por eles derrubado. E cita não sei quem, alguém que ele leu e muito gostou: “Os fatos costumam ser neutros; são as crenças que afetam nossas formas de pensar, sentir e agir”. Ele ficou impressionado com uma entrevista concedida pelo Stephen Hawkings, esse físico britânico portador de uma crescentemente gravíssima doença neurológica, quando ele declarou estar se sentindo muito feliz por ter contribuído para um melhor conhecimento das origens do Universo! E o Stephen está recém-casado!!

Numa das últimas visitas que fiz à casa-quase-casebre do Silvino da Conceição, conversa vai, conversa vem, cerveja sempre gelada e uns pedacinhos de queijo coalho para desenfastiar o estômago, ele me disse que bem vive quem sabe entender as três regras de um jogo de damas. Atendendo a minha curiosidade, declinou-as: 1. não se pode fazer duas jogadas por vez; 2. somente se pode mover para frente; 3. quando se chega na última fila, se está livre para se ir onde quiser. E arrematou, riso franco, peito aberto, sem medo algum de ser feliz: “Se todo pangaré soubesse aplicar as regras de um jogo de dama, logo deixaria de ser um pangaré cheio de estrepolias”. E concluiu, cheio de convicção: “Todo ser humano que sofre antes do necessário sofre mais do que o necessário”.

Gosto muitíssimo de papear com o Silvino da Conceição, principalmente quando, vez por outra, insatisfações múltiplas parecem querer catapultar meu otimismo realista para bem longe. Quando de minha visita última, já portão aberto e abraços de até-outro-dia dados, ele presenteou-me com uma das suas, uma “saideira” de primeiríssima: “Quando alguém se considera um ser humano puro e simples, e com um terceiro acontece o mesmo, então é natural se encontrarem para um bate-papo sempre aberto, as diferenças administradas com sabedoria e paciência recíprocas. Quando, entretanto, um deles se considera uma altíssima montanha, o outro pensando o mesmo, as convergências jamais acontecerão. Montanhas podem ser altas, mas jamais podem se tocar…”

De retorno às minhas atividades, depois de um Carnaval arretado de ótimo com a Rejane, sinto-me mais apto na identificação dos pangarés da província, para rejeitar suas farolagens, inclusive políticas, que apenas ampliam inquietações e desconfortos. E bem mais afiado na identificação dos “fingidos e amacacados” do João Silvino da Conceição, engabeladores de panacas, sem esquecer o Mário Quintana, poeta gigante, “A mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer”. Quintana e Silvino da Conceição, doutores de Vida, sem brasões nem lamentações.


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